Não me lixem
-
Upload
apcapc -
Category
Entertainment & Humor
-
view
26 -
download
0
Transcript of Não me lixem
Em Abril de 2005 teve lugar a última edição do Campeonato de Língua Portuguesa, uma iniciativa
protagonizada pela SIC e pelo Jornal Expresso. De acordo com a organização, terão concorrido
cerca de 40.000 pessoas. Numa primeira fase, algo prolongada no tempo, os concorrentes
recebiam um conjunto de testes e remetiam as suas respostas à comissão avaliadora, composta por
nomes sonantes da esfera de estudo da nossa língua. Os que obtinham os melhores resultados
passavam ao sub-grupo de 200 candidatos convidados a prestar provas no Centro Cultural de
Belém e, durante uma manhã, eram novamente submetidos a “perguntas difíceis”. Para além
disso, tinham de fazer ditados (até aos 15 anos de idade, um ditado; dos 15 aos 18, esse ditado e
mais um; dos 18 em diante, os anteriores e um outro, pejadinho de palavras raras, concebido para
surpreender os mais convencidos). Em caso de empate, valia a composição, outra exigência da
triagem. No fim de tudo, apenas seis participantes de cada categoria etária tinham a sorte de subir
ao palco para se confrontarem com os outros cinco do seu grupo. Calhei a ter a honra de poder lá
estar (era, de resto, a mais jovem de idade e estreante naquelas lides). E de, junto com todos esses,
abaixo-assinar o pedido de destituição da comissão avaliadora, com base nas consecutivas e
gravosas falhas que foi revelando ao longo desta e de - segundo pude analisar - anteriores edições.
Só para dar um exemplo: o que responder quando, perante um texto com 18 erros, nos perguntam
se esse contém 12, 14 ou 16? E quais os que deverão ser assinalados? Enfim...
Nesse dia, durante o almoço, tive a oportunidade de conhecer pessoas verdadeiramente
extraordinárias. Não apenas portuguesas, mas também brasileiras e luso-espanholas, com algumas
das quais já anteriormente discutira sobre vários aspectos da língua, mas à distância, sendo agora
possível conhecê-las em presença e conversar cara a cara. Lembro-me desse dia (e desses tempos)
com saudade, não apenas pelo quantum de adrenalina que nos proporcionou e pelas
aprendizagens feitas, mas, sobretudo, pelo nível e pela qualidade das relações entre todos, pelo
quão divertida foi toda aquela interacção e, confesso, também pela graça que teve o facto de
alguns de nós subirmos ao palco já um bocadinho “tortos”, após um almoço de quase três horas,
extremamente bem “regado”.
Este longo texto não é apenas uma crónica de nostalgia. Ele encerra uma moral:
a) Senti-me eu mais sapiente ou importante do que os outros? Não.
b) Outros mereciam ter-se sentado no meu lugar? Certamente que sim.
d) Quem subiu ao palco foi gente que nunca se enganara? Acho isso impossível.
e) O facto de eu ali estar leva a crer que detenho algum conhecimento sobre a língua? Sim.
f) Este conhecimento é tão elevado que pouco me resta saber? Muito antes pelo contrário.
d) E tudo isto significa que eu não cometo erros? Definitivamente, não!!! Cometo-os, pois está
claro! Uns por ignorância, outros por distração (de ordem diversa: cansaço; “cabecite-no ar”, “mau
contacto” entre o cérebro e os órgãos verbalizadores; inclusive uns quantos devidos ao atropelo
entre as noções das várias línguas que me entretém ir aprendendo, etc.).
Se aprecio que me corrijam? Não só aprecio, como agradeço. Não tem graça nenhuma publicarmos
um texto com erros que todos estão a ver, menos nós. E bem sabemos como é fraca a revisão que
fazemos daquilo que nós mesmos escrevemos; isto porque não lemos exactamente o que lá está,
mas o que contamos que lá esteja. Daí que, quanto mais cedo formos chamados à atenção, mais
isso nos aproveita; e a quem nos leia.
Agora, quando me aparece alguém, em bicos de pés e de narigueta no ar, com a mania de que
quem erra é estúpido... Ó, meus senhores...! Aí, esqueço tudo o que sei sobre esta língua magnífica,
excepto o melhor do seu vernáculo. E respondo: - “Não me lixem, pá!” (desta ou de outras formas
ainda mais – como direi? – “idiomáticas”).