Naquela Mesa - perse.com.br · O projeto A ideia de fazer um projeto que misturasse crônicas e...

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Naquela Mesahistórias contadas na mesa de um bar

Marcelo Vitorino

Sumário

O projeto ....................................................................................................7O autor ........................................................................................................9Agradecimentos ................................................................................... 11

A felicidade ............................................................................................ 13Amigo é pra essas coisas ................................................................... 17Amor até o fim ..................................................................................... 22Apesar de você ...................................................................................... 27Bem que se quis.................................................................................... 32Canto de Ossanha ................................................................................. 37Chega de saudade ................................................................................ 43De frente pro crime ............................................................................. 47Deslizes ................................................................................................... 50Detalhes .................................................................................................. 56Discussão ................................................................................................ 61Disparada ............................................................................................... 66Dom de iludir ........................................................................................ 72Doralice ................................................................................................... 77É ................................................................................................................. 82É com esse que eu vou ....................................................................... 87É d’Oxum ................................................................................................. 92E vamos à luta ....................................................................................... 98Essa moça tá diferente .................................................................... 103Eu nasci há dez mil anos atrás ..................................................... 108Fita amarela ........................................................................................ 112Folhetim ............................................................................................... 117

Garoto de aluguel .............................................................................. 122Geni e o zepelim ................................................................................ 126Gente humilde .................................................................................... 132Homem com H .................................................................................... 138Incompatibilidade de gênios......................................................... 143João e Maria ........................................................................................ 148Lindeza ................................................................................................. 152Medo de avião .................................................................................... 156Mestre Jonas ....................................................................................... 161Mil perdões ......................................................................................... 167Nem vem que não tem ..................................................................... 173O malandro ......................................................................................... 179O meu amor ........................................................................................ 184O mundo é um moinho .................................................................... 189O que será (à Flor da pele) ............................................................ 194O quereres ........................................................................................... 199Olhos nos olhos ................................................................................. 204Pelas tabelas ....................................................................................... 210Pensando em ti .................................................................................. 215Preciso me encontrar ...................................................................... 219Regra três ............................................................................................ 225Tá combinado ..................................................................................... 230Trocando em miúdos ....................................................................... 234Vai levando .......................................................................................... 238Valsinha ................................................................................................ 243Vitoriosa .............................................................................................. 248Você abusou ........................................................................................ 252Você e eu .............................................................................................. 257Você é linda ......................................................................................... 260

O projeto

A ideia de fazer um projeto que misturasse crônicas e música popular brasileira nasceu sem explicação ou motivação alguma que não fosse o meu gosto por fazer duas atividades: escrever e ouvir música.

Depois de passar três anos escrevendo o blog Pergunte ao Urso, comecei a ficar entediado com a repetição das perguntas que eu recebia. O blog já havia cumprido o seu papel, que era o de estudar o comportamento feminino na internet e não havia desafio algum no desenvolvimento das respostas.

Não fazia a menor ideia de como escrever uma crônica, mas resolvi tentar algo diferente justamente por esse motivo: queria sair da zona de conforto, aprender a escrever e desco-brir coisas novas.

Desde garoto me interesso muito por música, principal-mente bossa nova e MPB. A ideia básica que tive foi a de separar músicas que eu gosto e escrever crônicas que pudessem ser as-sociadas a elas. O nome de cada crônica acompanha o nome da música escolhida. É uma boa oportunidade para o público que gosta da música brasileira rever canções ou ainda para a parce-la mais jovem poder conhecer mais sobre o repertório nacional.

O conteúdo das crônicas é fruto do cotidiano. Há históri-as verdadeiras, outras, frutos de pura imaginação, exatamente como as que se contam nas mesas dos bares por aí afora. O nome do projeto não poderia ser outro: Naquela Mesa, nome homônimo de um grande clássico da MPB de Nelçon Gonçalves, que fala sobre um contador de histórias que já não está mais presente.

O autor

É estranho escrever um texto sobre mim em terceira pes-soa, sendo assim, prefiro me apresentar como se estivéssemos frente a frente. Meu nome é Marcelo Vitorino, um sujeito um pouco chato, razoavelmente ranzinza e muito irônico — segun-do contam as más e as boas línguas, portanto deve ser verdade.

Venho de uma família muito heterogênea, e também, muito heterodoxa. Vejo como natural a grande variedade de influên-cias musicais e culturais que tive. Cresci ouvindo um pouco de tudo: samba, música sertaneja, MPB, bossa nova, rock, chorin-ho, música clássica, forró e, claro, os clássicos da música brega.

Lembro que o primeiro álbum que comprei foi um de clás-sicos do Tom Jobim, um CD com “Águas de março” em dueto com Elis Regina e a sempre presente “Luiza”. Logo depois comprei o “Mais” de Marisa Monte, com “Bem que se quis”, versão que Nelson Mota emplacou. Aí, não parei mais...

Já na literatura, quando me deparei com a obra de Nelson Rodrigues foi amor à primeira vista. A sutileza escancarada dos detalhes em seus textos e a forma de chocar por meio de con-traposições morais sempre me encantaram. Um trabalho irre-tocável, mesmo que, por muitas vezes, mal interpretado.

Também tenho em Veríssimo outra grande referência. Es-critor de texto muitas vezes leve e simpático, principalmente pela clareza na construção dos diálogos em suas obras e sua capacidade de ilustrar situações imaginárias ou cotidianas.

Espero ter dado um indicativo a meu respeito melhor do que se tivesse pedido para algum editor escrever.

Agradecimentos

A configuração das crônicas existentes no blog em um for-mato livro, só foi possível porque um grupo de leitores e ami-gos se mobilizou e bancou o projeto. Muito obrigado, vocês são especiais!

Devo também um agradecimento à minha família, por ter me proporcionado o maior laboratório de gente maluca que eu poderia conhecer, o que me mostrou uma gama enorme de colorido, afetando diretamente a minha forma de lidar com as ideias.

Em especial, agradeço a meu pai, Nelson Vitorino, faleci-do há muito tempo, me deixando um grande legado moral e de valor inestimável. Se está faltando alguém naquela mesa, não poderia deixar de ser outra pessoa.

Leitores que contribuíram doando recursos para a re-visão, editoração e publicação deste livro:

Adriana FujikiAlbano NevesAlessandra HeuerAline CamoropinAna Carolina dos Santos AlmeidaAna LoppiAna Maria Barros CamposAna Paula Alves de OliveiraArlete FacioliBrasílio Nunes de MenezesCarla Lilian Jara VergaraCarminha MartinsCarol YumiCecilia Berardinelli TeixeiraCeleste MenezesCinara TolottoClaudio Andriolli

Cristiane RochaDanila CortezDanilo BuenoDécio Luiz GelbeckeDenise GonçalvesDenize Fanchiotti TononEdson JordanEdvaldo KachioElaine NishiwakiÉlio Moreira da CostaFabricia SilvaGeraldo Nunes Gonçalves JuniorGilvane RamalhoGiselda PereiraGlauce MialichIlda Pereira de Oliveira PinheiroIraides Pereira de MoraisIsabel Ferreira da SilvaIvone DurvalJane Bruna MaiaJoão Umberto Ciocca de AlmeidaJosé Carlos OliveiraJuliana Bojczuk FerminoLeonam MoraisLibbi ResendeMarcelino JeronymoMarcos SchaeferMaria Cristina Dorneles limaMaria Shirlene TorrezanMaristela Racy KheirallahMaristela KheirallahMaurice CazesNatália MateusNilson HashizumiRita de Cassia Batista de AbreuRoberta FernandesTati GomesThays CountinhoWilson Roberto Boin

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Há quem diga que uma das coisas com as quais podemos contar em uma criança é a verdade. Mas, como fui uma criança muito “diferenciada” — leia-se arteira —, não sou um dos que acreditam piamente na palavra

dos pequenos. Prefiro destacar outras duas características que considero mais notáveis e que também servem como objeto de admiração: a inocência e a facilidade em ser feliz com pouco.

Já passava das dez da noite, ambos os irmãos dividindo um beliche. Como sempre, o mais velho ocupara a parte de cima, si-nal claro de superioridade, e o mais novo ficou largado na cama de baixo. Para quem nunca teve esse desprazer, ficar na parte inferior de um beliche, na meritocracia informal de um quarto que irmãos dividem, é o equivalente a dormir no porão de um navio, tudo de ruim acontece com quem está lá.

Com o maior ar de sabedoria do mundo, coisa que só os poucos anos de vida são capazes de prover, Felipe encheu o pei-to e, cheio de confiança, disse uma frase em alto e bom som que acabou com o silêncio que havia no quarto:

— Grandes poderes, grandes responsabilidades!

Imediatamente, Marcelo, que era cerca de dois anos mais novo do que Felipe, imaginou que era algum tipo de ataque de

A felicidade“A felicidade” - Antônio Carlos Jobim

A felicidade

14A felicidade

sonambulismo ou uma nova forma de ser perturbado pelo mais velho e não deu bola, fez de conta que estava dormindo.

Diante da falta de resposta, Felipe resolveu insistir. De-bruçou-se na cama, colocou a cabeça para baixo de forma a en-xergar o irmão e voltou a atormentá-lo com a misteriosa frase.

Vendo que não teria paz, Marcelo viu-se obrigado a inte-ragir. Sempre achou o irmão mais velho inconveniente, carente de atenção em excesso e extremamente dependente dos pais.

Ao contrário do irmão, Marcelo era um garoto precoce em tudo, chegou até mesmo a abandonar as fraldas antes do mais velho. Até hoje, com certa razão, se gaba disso. Não fosse a ver-gonha que o caçula deu ao Felipe, decerto ele ainda estaria a andar de fraldas!

Em alguns momentos da sua vida, chegou a achar que al-gum tipo de adoção tinha acontecido. Em sua fértil imaginação, um ou outro tinha de ter vindo de outro lugar. Não era possível que duas crianças com os mesmos pais e a mesma criação pu-dessem ser tão diferentes quanto à maturidade e aos hábitos.

— Do que é que você está falando, Felipe? Que negócio é esse de responsabilidades e poderes?

— Ué? Ficou doido? Amanhã é o seu primeiro dia de aula na primeira série e eu, como seu irmão mais velho, tenho a res-ponsabilidade de preparar você para o que virá!

Marcelo quis rir, mas se conteve. Era graças ao medo do escuro que Felipe tinha, que a luz dos abajures deveria perma-necer acesa, e agora ele vinha com essa de prepará-lo. Parecia piada!

Como queria saber até onde Felipe iria com aquela con-versa, deu um longo suspiro e instigou-o um pouco mais.

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— Como é que é? Você vai me preparar?

— Lógico! É para isso que irmãos mais velhos servem, para ajudar e proteger os mais novos… É o meu dever familiar.

— Tá bom! Mas primeiro me explica de onde tirou essa história…

— Ah, Marcelo, não acredito! Vai me dizer que não sabe de quem é essa frase?

— Não faço ideia! Do papai ou da mamãe é que não é…

— É do Homem-Aranha! Todo mundo sabe disso! — res-pondeu Felipe quase gritando e, antes que o irmão pudesse res-ponder, continuou em tom de deboche — Não acredito que você não sabe quem é o Homem-Aranha!

Naquele instante um sorriso se abriu em Marcelo. Não que tenha visto alguma graça ou sentido na bobagem que o irmão tinha dito, mas para ele, acreditar que o Homem-Aranha existia era uma prova irrefutável de que não podia haver vínculo entre os dois e só poderia significar uma coisa: o irmão era adotivo! Isso explicaria tudo.

— Felipe, vou lhe dizer uma coisa e espero que preste mui-ta atenção. — fez uma pequena pausa para dar um ar dramático ao momento e continuou — O Homem-Aranha não existe! Isso é desenho em quadrinhos!

— Existe sim! Você é que não conhece!

E nisso ficaram por mais de meia hora, um tentando con-vencer o outro de que sua crença não tinha fundamento. Isso duraria mais tempo ainda se a conversa não fosse interrompida por outro assunto: a hora de dormir.