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1 Autor: Paula Carvalho Orientadora: Profa. Msc. Bernadete Brasiliense Pró-Reitoria de Graduação Curso de Comunicação Social- Jornalismo Trabalho de Conclusão de Curso Narrativas do Fotojornalismo Feminino Autor: Paula Carvalho Orientadora: Profa. Msc. Bernadete Brasiliense Brasília - DF 2016

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Autor: Paula Carvalho

Orientadora: Profa. Msc. Bernadete Brasiliense

Pró-Reitoria de Graduação Curso de Comunicação Social- Jornalismo

Trabalho de Conclusão de Curso

Narrativas do Fotojornalismo

Feminino

Autor: Paula Carvalho

Orientadora: Profa. Msc. Bernadete Brasiliense

Brasília - DF

2016

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Profa. Msc. Bernadete Brasiliense

Presidente da banca

___________________________________

Prof. Msc. Moacir Macedo

Integrante

__________________________________

Prof. Dr. Fernando Esteban Reynoso Acosta

Integrante

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DEDICATÓRIA

A todas as mulheres fotojornalistas que de

alguma forma enriquecem nossos mundos com seus

testemunhos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, à minha orientadora Bernadete que me ajudou

a transformar uma ideia em um produto. Ela pegou, de bom grado, um trabalho

já iniciado e acrescentou muito à minha bagagem com todos os conhecimentos

necessários para a conclusão de curso tão sonhada. Aproveito a oportunidade

para agradecer também aos mestres que passaram por minha vida acadêmica

e que contribuíram para o meu crescimento pessoal e profissional.

Vários colegas me acompanharam nessa jornada. Para citar apenas

alguns, os que me ensinaram sobre fotografia e me deram as primeiras

oportunidades como os editores Renato Costa, Josemar Gonçalves e Luis

Tajes. Aos melhores amigos Rafaela Felicciano, Leonardo Arruda, Andressa

Anholete, Glaucya Braga e Raphael Ribeiro, que sempre me ajudaram a

buscar o melhor ângulo, não só de uma fotografia, mas da vida, e são os

maiores responsáveis pelo meu grande amor ao fotojornalismo. Entre os

grandes amigos, é importante agradecer a Thandy Young que leu tantas vezes

esse trabalho e deu valiosas sugestões e críticas.

Não poderia deixar de agradecer às fotojornalistas que além de me

concederem entrevistas e fotos incríveis, me motivaram a elaborar um livro-

homenagem que destacasse a sensibilidade e a força dessas profissionais

admiráveis.

Agradeço aos meus pais Déa e Sérgio e os que vieram depois Wanda e

Dadá, por toda paciência e amor, além da capacidade incrível de formarem

uma enorme rede de apoio. Ainda dentro da família, aos meus irmãos que

conseguem estar sempre presentes apesar da distância física e rotina

atribulada de cada um. Um agradecimento muito especial deve ser feito à

Juliana Albuquerque, minha cunhada-irmã que me ajudou com o projeto gráfico

de Narrativas do fotojornalismo feminino, produto que agora apresento.

Por último e, mais importante que todos, gostaria de agradecer aos

amores da minha vida, meu marido Luiz e minha filha Olívia, que me inspiram a

ser melhor, seguir meus sonhos e me fazem sentir a mulher mais privilegiada

do mundo.

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“Nada me atrai mais do que uma porta

fechada. Eu não posso deixar a minha câmera

descansar até que eu a escancare”.

Margaret Bourke-White

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RESUMO

O livro-catálogo Narrativas do Fotojornalismo Feminino exibe uma

sequência de minibiografias e obras de fotógrafas relevantes no contexto

internacional e em Brasília. O produto visa a homenageá-las mostrando a

dedicação e sacrifícios realizados em função de seu ofício.

Esse memorial descritivo explica o motivo da homenagem à essas

repórteres fotográficas e detalha o processo de pesquisa e confecção do

produto.

Palavras-chave: fotojornalismo; mulheres fotógrafas; fotografia; jornalismo.

ABSTRACT

The book-catalog Narratives of the Female Photojournalism displays a

sequence of mini-biographies and works of relevant photographers in the

international context and in Brasilia. The product aims to honor them showing

the dedication and sacrifices made in terms of their profession.

This descriptive file explains the reason for the tribute to these

photographic reporters and details the process of research and manufacture of

the product.

Key words: photojournalism; women photographers; photography; journalism.

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1- Imagem retirada do PDF do Produto

Figura 2- Imagem retirada do PDF do Produto

Figura 3- Andressa Anholete

Figura 4- Manifestação em 2013

Figura 5- Alex, jogador do time CEUB

Figura 6- Rafaela Felicciano

Figura 7- Apreensão de drogas

Figura 8- Incêndio em Brasília

Figura 9- Monique Renne

Figura 10- Copa das Confederações

Figura 11- Haiti

Figura 12- Posse Dilma

Figura 13- Zuleika de Souza

Figura 14- Cavalhadas

Figura 15- Vista aérea de Brasília

Figura 16- Incêndio em Brasília

Figura 17- Homai Vyarawalla

Figura 18- Jackie Kennedy e Indira ghandi

Figura 19- Dalai Lama

Figura 20- Dorothea Lange

Figura 21- Fazendeiros no texas

Figura 22- Homem e criança em plantação na Califórnia

Figura 23- Crianças moradoras de rua

Figura 24- Margaret Bourke-White

Figura 25- Fábrica de aço

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Figura 26- Camponesas Russas

Figura 27- Mahatma Gandhi

Figura 28- Lynsey Addario

Figura 29- Guerra na Síria

Figura 30- Guerra no Sudão

Figura 31- Guerra no Iraque

Figura 32- Stephanie Sinclair

Figura 33- Iêmen

Figura 34- Etiópia

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Estatística e dados do trabalho

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10

1.1. Proposta ............................................................................................. 12

1.2. Porque falar das mulheres no fotojornalismo ................................ 13

2. REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................ 14

2.1. Fotodocumentarismo: imagens de guerra ...................................... 15

2.2. A imagem: memória e história ......................................................... 16

2.3. A mensagem através de imagens ....................................................... 17

3. METODOLOGIA ........................................................................................ 19

3.1. Entrevistas ......................................................................................... 19

3.2. Escolha das fotos.............................................................................. 20

3.3. Características físicas do produto................................................... 20

3.3.1. Descrição técnica: ...................................................................... 21

3.3.2. Estatística .................................................................................... 22

4. OLHARES BRASILIENSES ...................................................................... 23

4.1. Andressa Anholete ............................................................................ 24

4.2. Rafaela Felicciano ............................................................................. 27

4.3. Monique Renne.................................................................................. 30

4.4. Zuleika de Souza ............................................................................... 32

4.5. Editor Josemar Gonçalves ............................................................... 34

4.6. Editor Michael Melo ........................................................................... 35

5. PERFIS INTERNACIONAIS ...................................................................... 36

5.1. Homai Vyarawalla .............................................................................. 36

5.2. Dorothea Lange ................................................................................. 38

5.3. Margaret Bourke-White ..................................................................... 41

5.4. Lynsey Addario ................................................................................. 43

5.5. Stephanie Sinclair ............................................................................. 45

CONCLUSÃO ................................................................................................... 47

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INTRODUÇÃO

O olhar assustado dos manifestantes misturou-se com a percepção da

fotógrafa. As fileiras de cavalos imponentes da Polícia Montada, gás

lacrimogênio e civis acuados - todos enquadrados - perderam-se meio a luz

branca do dia ensolarado. A data remonta à março de 2010 e registrou, para

mim, um dos primeiros momentos profissionais que tive como repórter

fotográfica e não consegui não me envolver. Não consegui regular a luz, a

velocidade do obturador. O medo e a ansiedade de marcar um momento

histórico em que, sob as ordens do então governador José Roberto Arruda, a

polícia militar atiçou os cavalos contra estudantes no eixo monumental.

O registro se perdeu na história. Já não tenho mais a foto mal tirada,

mas o momento estará para sempre enquadrado e é revivido todas as vezes

que eu empunho a minha máquina fotográfica - seja para fotografar a minha

filha ou para trabalhos profissionais. A lembrança da foto tecnicamente

imperfeita serve até hoje para que eu mantenha o foco na vontade de levar

outras pessoas a enxergarem algum acontecimento através do meu olhar.

O meu interesse por fotojornalismo intensificou-se nessa época dos

confrontos do movimento Fora Arruda, em 2010, enquanto atuava como

fotógrafa freelancer no jornal Correio Braziliense. O trabalho durou três meses

e depois disso trabalhei como estagiária de fotografia no Jornal de Brasília por

dois anos e meio. Durante esse tempo, apesar de ter trabalhado com algumas

mulheres fotojornalistas, me chamava a atenção o fato de que éramos tão

poucas e recebíamos pouco destaque em relação aos nossos colegas do sexo

masculino.

Foi dessa impressão que veio a vontade de homenagear algumas

profissionais admiráveis da área em um produto como trabalho de conclusão

de curso: um livro-catálogo chamado Narrativas do Fotojornalismo Feminino.

Não tenho a pretensão de comercializar cópias do produto, já que não tenho

licença para publicar e vender as imagens escolhidas, mas sim, de

homenagear essas mulheres, formas de olhar e registrar sonhos, guerras,

acontecimentos diários com dedicação e poéticas aguçadas.

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Ao expor as vidas e visões de mundo dessas personagens que, à sua

maneira, transformaram, com seus registros de momentos fugidios, a nossa

impressão dos acontecimentos, não quero discutir distinções de olhares de

homens e mulheres, mas sim entendê-los e compreender o meu pensamento

da supremacia do homem em relação à mulher no ambiente do fotojornalismo.

A intenção é chamar a atenção às fotos artísticas, comerciais, sociais, e acima

de tudo, midiáticas de algumas mulheres que me parecem exemplos e que

podem, inclusive, estimular futuras profissionais de imprensa. Não pretendo

levantar uma questão feminista ou controvérsias sobre gênero na imprensa,

mas sim registrar a presença relevante dessas profissionais na área. Afinal, as

mulheres estão envolvidas com fotografia desde que essa mídia foi introduzida

em 1839. Elas foram atraídas profissionalmente e pessoalmente por

perceberem que era um meio eficaz de conquistar o espaço público, ganhar a

vida e, acima de tudo, poder expressar-se a partir da imagem.

Por ser uma habilidade adaptável a ampla variedade de usos, a

fotografia oferecia uma disciplina que lhes era mais natural do que as artes

visuais tradicionais, como escultura e pintura. Segundo a estudiosa da área de

fotografia Naomi ROSENBLUM (2010), as barreiras à participação feminina em

fotografia eram menores já que não se tratava de um ofício muito conhecido na

época. Apesar disso, como a seleção do que deveria ser lembrado era feita por

homens, as mulheres tendiam a ser deixadas de lado.

Exemplo disso é que mulheres não são mencionadas com muita

frequência no início da história da fotografia, ainda que uma cientista chinesa,

Huang Lü, seja reconhecida como a pessoa responsável por adicionar uma

lente a camera obscura1 no começo do século XIX; e que uma pintora alemã,

Friederike Wilhelmine von Wunsch, anunciou um processo de fazer retratos

com materiais foto-sensíveis no começo de 1839. Algumas vezes, trabalhos

femininos foram atribuídos a homens em uma época e cultura em que se

esperava que os homens tivessem papéis ativos e as mulheres apenas os

apoiassem passivamente.

1 Equipamento de desenho que projetava o que o artista via numa superfície a partir da qual ele poderia copiar a cena (fonte: Tudo Sobre Fotografia, 2012)

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Mesmo não sendo o foco do trabalho, é impossível não abordar a

questão de gênero em algum momento. Sob essa óptica, a fotografia está entre

as profissões de maioria masculina, em que fica fácil perceber a luta feminina

por espaço. Em uma pesquisa divulgada em setembro de 2015 pelo Instituto

Reuters de Estudos de Jornalismo da Universidade de Oxford em associação

com a Universidade de Stirling na Escócia e a World Press Photo, a proporção

de mulheres em relação ao total de homens no fotojornalismo foi estimada em

torno de 15%.

Existe, hoje, pouco trabalho acadêmico e biográfico sobre a história do

fotojornalismo e de figuras importantes para o ramo. A profissão, no entanto, já

demonstrou sua importância divulgando vitórias, guerras e misérias em

fotografias famosas como a do fotógrafo Kevin Carter, que capturou a imagem

de um urubu que aguardava a morte, por inanição, de uma criança desnutrida.

Essa e tantas outras fotos de homens e mulheres excepcionais, ou em

circunstâncias excepcionais, deixaram sua marca e falaram, mais que textos,

aos corações e mentes de quantos tiveram o privilégio de mirá-las.

1.1. Proposta

De posse das informações biográficas de fotógrafas profissionais

internacionais e entrevistas com fotógrafas que estão no campo, além da

opinião de editores, o livro-catálogo Narrativas do fotojornalismo Feminino

tem como objetivo apresentar ao leitor um breve resumo da vida e o olhar de

algumas dessas mulheres, separadas de grandes acontecimentos apenas

pelas lentes do próprio equipamento. A escolha das profissionais foi guiada de

acordo com a minha preferência pessoal estética e pelo tipo de serviço que

prestam ou prestaram ao mundo.

O livro apresentará uma introdução, nove minibiografias com cinco fotos

tiradas pelas fotógrafas e uma breve conclusão. Neste memorial descritivo

estarão inclusas as visões de dois editores - Josemar Gonçalves do impresso

Jornal de Brasília e Michael Melo do portal virtual Metrópoles- que passarão

suas impressões sobre a atuação feminina na área.

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Cinco das nove mulheres são estrangeiras: Stephanie Sinclair, Lynsey

Addario, Margaret Bourke-White, Dorothea Lange e Homai Vyarawalla. Para

dar atualidade aos perfis traçados, bem como aproximá-los da nossa realidade,

foram adicionados os perfis de quatro fotojornalistas brasileiras - Rafaela

Felicciano, Andressa Anholete, Monique Renne e Zuleika de Souza – que

atuam no Distrito Federal.

1.2. Porque falar das mulheres no fotojornalismo

Tendo início no final do século XIX, o fotojornalismo era considerado uma

profissão essencialmente masculina. Isto se dava por vários motivos, entre eles

o peso do equipamento fotográfico e o contexto sociocultural da época em que

as mulheres, em sua maioria, não trabalhavam fora de casa. As coberturas

jornalísticas e fotográficas começaram em campos de batalha, o que deu ainda

mais força ao discurso de que mulheres não trabalhavam na área.

O estigma, no entanto, prolongou-se. Até hoje, com equipamentos mais

leves e modernos; e depois de uma longa luta feminina por direitos iguais entre

homens e mulheres, depois do acesso ao voto, de terem conseguido se inserir

nos espaço público e nos trabalhos de todos os tipos, essa, como algumas

outras profissões, ainda nos apresentam poucas mulheres. Quando se trabalha

na área, observa-se que a proporção de funcionários do sexo masculino em

relação ao sexo feminino leva à crença de que fotojornalismo é ”trabalho de

homem”(expressão popular).

Em uma pesquisa divulgada em setembro de 2015 pelo Instituto Reuters de

Estudos de Jornalismo da Universidade de Oxford em associação com a

Universidade de Stirling, na Escócia, e a World Press Photo, intitulada The

State of News Photography: The Lives and Livelihoods of Photojournalists in

the Digital Age” (O estado da fotografia jornalística: as vidas e os modos de

vida de fotojornalistas na Era Digital - tradução livre), fica clara a predominância

masculina correspondendo a 85% dos profissionais da área. O estudo mostra

também que as mulheres recebem menos apesar de serem mais instruídas. De

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fato 82% das mulheres entrevistadas têm ensino superior completo enquanto

para os homens esse percentual corresponde a 69%.

Essa forma de pensar a atividade, em uma perspectiva de gênero, interfere

diretamente no labor do emissor da mensagem, nesse caso, o fotógrafo. A

presença feminina constrange por se destacar como uma exceção. De acordo

com Lúcia Santaella, no livro Comunicação e Pesquisa, trata-se da discussão

sobre “O território do emissor ou fonte da comunicação” (SANTAELLA, 2010),

já que no caso do produto em pauta o olhar fotográfico do emissor, ou seja, da

mulher, estará sendo discutido. A meu ver devíamos pensar nas poéticas

narrativas, nas intensidade do olhar, nas subjetividades ao invés do gênero.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Na visão de Roland Barthes, no livro A Câmara Clara, fotografia é um

registro histórico do momento, embora, literalmente, a palavra fotografia

signifique “desenho com a luz”. Segundo aquele autor, é um momento que não

poderá ser reproduzido, levando-se em consideração a época, os costumes e

as tradições que ficam eternizados no instante fotografado. Por isso ele

considera a fotografia única e de caráter documental. Por sua vez,

fotojornalismo é um ramo da fotografia e do jornalismo que busca comunicar,

através de uma imagem clara e objetiva, uma informação, um evento. O

referencial Teórico aqui utilizado foi o da mensagem fotográfica que sustentou

a coleta de imagens das profissionais escolhidas, também, ajudou a formular

os aspectos comunicacionais das fotografias. A ferramenta fotográfica, portanto

delineou a pesquisa como um caminho lúdico de pensar a mensagem tão

importante entre o seres humanos. Os autores chaves que me guiaram nessa

pesquisa foram Roland Barthes, Jorge Pedro Sousa, Joelle Rouchou, Márcio

Serelle e Aline Strelow.

Na Enciclopédia Intercom de Comunicação (MELLO, 2010), diversos

autores listaram como temas intimamente ligados ao fotojornalismo, o

fotodocumentarismo, a fotografia de guerra, memória e história, mensagem e

narrativa. As mulheres selecionadas, o foram por utilizarem esses elementos

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como matéria prima do seu trabalhos. Dessa forma, explicarei esses temas

para pensar em como as profissionais da fotografia, escolhidas para o trabalho

em pauta, se encaixam em uma ou em diversas formas do fotojornalismo.

2.1. Fotodocumentarismo: imagens de guerra

Na visão de Jorge Pedro Souza, o fotodocumentarismo é socialmente

comprometido. De acordo com o pesquisador, a técnica fotográfica é usada

como ferramenta para mostrar às pessoas coisas que elas não querem saber,

ou que não querem que elas saibam. Para Souza, a fotografia de guerra, por

exemplo, pode “glorificar povos e indivíduos, líderes e soldados, mas também

pode evidenciar a ferocidade animal dos seres humanos, a destruição, a dor e

a morte”. (SOUZA, 2010, p. 574). No entanto é extremamente necessário para

o homem registrar esses acontecimentos tão decisivos na história de um povo

ou região.

(...)Por isso, desde a pré-história que o homem representa iconograficamente a guerra. Provam-no as pinturas rupestres nas cavernas, bem como os murais, mosaicos, pinturas e esculturas dos vestígios arqueológicos da Antiguidade, da Idade Média e do Mundo Moderno.”(SOUZA, 2010, p.574)

Em seu trabalho sobre a Grande Depressão nos Estados Unidos em 1929,

a fotógrafa Dorothea Lange retratou o sofrimento das famílias rurais e dos

trabalhadores imigrantes em vários estados do país norte americano. Suas

fotos eram distribuídas gratuitamente aos jornais o que fez com que tivessem

grande representatividade na época. Ao mesmo tempo em que mostrava, com

crueza, a miséria em que pessoas estavam inseridas em decorrência da crise

do sistema capitalista, lembravam o espectador do risco da degradação do

sistema econômico moderno.

Por sua vez, Stephanie Synclair se arriscou em zonas de guerra para

documentar os estragos causados por conflitos. Mas ela conseguiu ir além,

registrando a violência contida em culturas que se expressam plenamente em

momentos de paz. Um de seus trabalhos mais conhecidos foi uma série de

fotos chamada Child Brides (Noivas Crianças), na qual retratava o casamento

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arranjado de meninas de 9 a 12 anos com homens muito mais velhos em mais

de 50 países.

Um dos recursos mais utilizados pelas fotógrafas citadas em seus trabalhos

de fotodocumentário era o de inserirem-se nas tribos/ comunidades por algum

tempo antes de começarem a fotografar. Assim os membros desses grupos

acabavam por acostumarem-se com a presença das profissionais, deixando

assim as imagens mais espontâneas e próximas da realidade.

O cientista e divulgador científico,Carl Sagan, toma como princípio no livro

O mundo assombrado pelos Demônios que mais vale “a dura realidade a uma

fábula reconfortante” (SAGAN, 2006). Com base nessa reflexão, podemos

dizer que o incômodo causado por esse tipo de fotografias traz as pessoas

para realidade do planeta onde vivem.

2.2. A imagem: memória e história

A primeira bandeira erguida na Índia após o colonialismo britânico, o funeral

de Mahatma Gandhi, a visita de Jacqueline Kennedy e Martin Luther King ao

país foram alguns dos importantes momentos eternizados por Homai

Vyarawalla a primeira fotojornalista mulher da Índia. Essas imagens retratam

momentos históricos em um país que se transformou drasticamente.

Para Joëlle Rouchou (2010), a memória é um retrato presente do que

aconteceu no passado. Isto é, trata daquele período, mas que agora

revisitamos com a óptica do momento atual. É uma característica do estudo da

ciência da história. A especialista lembra que a palavra “memória”, em grego,

“mnemosine”, era a mãe das nove musas, uma delas, Clio, da história. “O que

evidencia a relação de proximidade antiga de estudos e pesquisa entre as duas

noções – memória e história - no campo das ciências humanas”. (ROUCHOU,

2010, p.802)

Ainda segundo Rouchou, a relação entre Mnemosine e Clio ganhou

contornos mais fortes no período do pós-guerra. “(...)Começa um movimento

de valorização da memória, continuando e retomando estudos do sociólogo

Maurice Hallbwachs nos anos 20 e do historiador Marc Bloch sobre memória.”

(Ibid. p.802)”

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Margaret Bourke-White foi a primeira mulher correspondente de guerra e

permitida a trabalhar em zonas de combate. A fotógrafa fez fotos marcantes do

fim do campo de concentração alemão Buchenwald em 1945, que foram parar

em livros de história influenciando a visão de milhares de estudantes sobre a

Segunda Guerra. Sem minimizar a dor e o sofrimento de todas as vitimas de

guerra em todo o mundo, ela também trabalhou para desconstruir mitos com

imagens simples e profundas. É dela a única foto do ditador comunista e,

temporariamente pactuado com Hitler, Joseph Stalin sorrindo.

2.3. A mensagem através de imagens

O ataque às torres gêmeas nos Estados Unidos foi o primeiro grande

atentado que o país sofreu em seu território recentemente. Este evento mudou

a forma das pessoas pensarem na geopolítica mundial e tornou visíveis países

pequenos do sul da Ásia como o Afeganistão. Lynsey Addario foi uma das

únicas fotógrafas que atuou na zona de conflito do país citado. Ela focou no

papel das mulheres submetidas às crueldades da cultura islâmica e fez fotos

que se tornaram ícones. Essas personagens protagonizaram a narrativa de

Addario sobre a guerra.

Márcio Serelle define narrativa como um ato artificial organizador

caracterizado pela forma de dispor os fatos. O narrador, escritor ou fotógrafo

conta a história à sua maneira, priorizando este ou aquele fato segundo as

próprias expectativas ou ideologias, por exemplo, “constituindo modos de

compreensão de mundos, sejam eles assumidamente ficcionais ou sob o

contrato de veracidade.” (SERELLE, 2010, p.864)

As fotógrafas escolhidas para este trabalho passam uma série de

mensagens para todos aqueles que se deparam com seus trabalhos e que

variam desde eventos esportivos e jornalismo local até guerras e eventos que

mudaram as características socioculturais e políticas do mundo. É interessante

observar que cada imagem proporcionou o registro de uma imagem única que

passa uma mensagem específica sobre um fato e um local determinados.

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Por exemplo, quando a fotógrafa brasiliense Andressa Anholete

fotografa esportes, opta por capturar a expressão dos atletas ao invés de

priorizar um quadro geral. Outro exemplo é a forma com que Rafaela Felicciano

prefere movimentos à cenas estáticas. As duas fotógrafas estão registrando um

frame de um acontecimento contínuo que não começou e nem terminou

naquele momento. Elas dizem que aquilo aconteceu, que elas estavam lá e

que o enquadramento escolhido é o que melhor representa o fato como um

todo, em suas formas de pensar o acontecimento em pauta.

Aline Strelow, por sua vez, quando fala da mensagem, trata o objeto

como o movimento do emissor em direção ao receptor. Essa mensagem é

enviada como um conjunto estruturado de signos, um amálgama que cria a

relação entre o significado e o significante e que são “estímulos formados

através dos processos de pensamento humano” (FREIXO, 2006).

O conjunto de fotos de cada uma das fotojornalistas escolhidas passa

uma mensagem; o conjunto total de fotos selecionadas para este trabalho, por

mais díspares que sejam, também passam uma mensagem: a da presença

persistente e inquestionável da mulher profissional de fotografia no mundo,

independente de serem minoria ou maioria em uma situação e das limitações

de cada cenário encontrado. Isso não importa, pois que na hora de representar

os eventos usaram da imaginação, da sensibilidade e da subjetividade.

Se fossemos discutir aqui os sentidos, a representatividade de cada um

desses tópicos e dos detalhes impressos nas fotografias escolhidas, o trabalho

se estenderia muito provavelmente por incontáveis volumes. A despeito disso,

não se torna menos importante a reunião e o registro inicial das mensagens de

cada uma destas fotografias, seja para ressaltar a falibilidade e tragédia

humanas, seja para destacar a vontade e persistência dessa espécie em se

reinventar e permanecer.

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3. METODOLOGIA

A escolha de fotógrafas internacionais foi feita com base no livro A History

of Women Photographers, 2010 (Uma História de Mulheres Fotógrafas, em

tradução livre) de Naomi Rosenblum. O grupo de fotógrafas selecionadas

marca a presença de mulheres na profissão desde a década de 30 até os dias

de hoje, além de destacar a presença da mulher no meio do fotojornalismo da

Índia aos Estados Unidos. Entre as cinco mulheres, somente uma é oriental.

Devido às características socioculturais deste território, é bem difícil encontrar

registros de outras fotógrafas profissionais.

Seis entrevistas foram feitas e podem ser classificadas quanto ao

conteúdo como biográficas, ainda que focadas no âmbito profissional. Segundo

o autor Mário L. Erbolato (2006), no livro Técnicas de Codificação em

Jornalismo, nesse tipo de entrevista a “personalidade” é questionada sobre

diversos aspectos de vida, incluindo hábitos, crenças e ambições.

3.1. Entrevistas

Embora o questionário tenha sido igual para todas as fotojornalistas com

intuito de dirigir a pesquisa, garantindo a fidelidade ao tema, ocorreram

algumas discrepâncias na aplicação das perguntas. Essas diferenças (se o

questionário foi aplicado pessoalmente ou por e-mail) aconteceram devido à

disponibilidade das entrevistadas em colaborar com o trabalho. No caso dos

editores não foi utilizado um questionário padrão. Foram feitas perguntas que

melhor se adequavam ao trabalho de cada um.

As entrevistas presenciais aconteceram especificamente com as fotógrafas

Andressa Anholete e Rafaela Felicciano, assim como com os editores Michael

Melo e Josemar Gonçalves. Já Monique Renne e Zuleika de Souza,

responderam as perguntas por email, o que limitou as respostas à prolixidade e

o desenvolvimento de cada uma das questões e à capacidade descritiva de

cada uma delas. O questionário elaborado foi o que segue.

1) Em quais veículos você já trabalhou?

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2) Quais foram os trabalhos que mais gostou de fazer?

3) Quais são os seus fotógrafos/ fotógrafas prediletos?

4) Porque e como chegou à profissão de fotógrafa?

5) Já recebeu algum prêmio? Quais?

6) Em sua opinião existe diferença entre o trabalho de fotógrafOs e fotografAs? Por quê?

7) Uma pesquisa da Reuters sobre o perfil do fotojornalismo mundial mostrou que existem muito menos mulheres do que homens na profissão. Em sua opinião, porque isso acontece?

8) Quais são os desafios que uma mulher enfrenta em campo? São diferentes dos que um homem enfrenta?

9) Você acha necessário um diploma de nível superior para o profissional da área? Por quê?

10) Que conselhos daria a uma mulher que estivesse no inicio da profissão?

3.2. Escolha das fotos

A metodologia de escolha das imagens seguiu duas linhas diferentes

focadas na importância dos fatos retratados e na ligação das repórteres

fotográficas com o próprio trabalho. No caso das fotógrafas internacionais, por

motivos óbvios, destaquei as fotografias de maior relevância histórica ou

popularidade da imagem.

No entanto, dei a liberdade para as fotógrafas entrevistadas escolherem as

que melhor representavam suas trajetórias. Com isso, acredito que consegui

dois efeitos: o de demonstrar a presença das mulheres fotojornalistas na

história e em diversos contextos; e o de ressaltar a paixão e dedicação dessas

profissionais ao ofício.

3.3. Características físicas do produto

O projeto gráfico do livro foi pensado no mesmo tom da pesquisa e na

mesma idealização de todo o trabalho: sem clichês para estereotipar a luta

feminina ou para reforçá-la com afirmações irônicas que poderiam constar, por

exemplo, em uma capa de cor rosa.

Ao invés disso optei por uma capa grafite escuro com letras negras que

representaram bem, a meu ver, a dureza e os riscos do fotojornalismo. Em

contraste, além de muitos espaços em branco (respiro) nas páginas de texto e

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foto, os capítulos são demarcados pelos nomes das fotógrafas em páginas

amarelas. Essa cor foi selecionada por simbolizar a luz e promover contraste

com o negro e o cinza, em sumos essenciais de um fotógrafo- luz e sombra.

Optei por não numerar todas as páginas como opção estética.

A fonte utilizada foi a Absara por sua característica elegante e delicada. Por

se tratar de um livro de fotografia, escolhi dar destaque aos trabalhos das

fotojornalistas deixando apenas uma imagem por página com um grande

respiro entre foto e legenda.

O livro foi diagramado por uma amiga designer, Juliana Albuquerque. Em

algumas reuniões, eu expliquei o meu projeto e discutimos soluções que

conseguissem transparecer na parte estética do livro o resultado das pesquisas

e entrevistas. Estive presente durante todo o momento da diagramação

O livro foi impresso na Gráfica Central Park localizada no Setor

Comercial Norte e foi orçado em R$250,45 cada unidade.

3.3.1. Descrição técnica:

Formato fechado: 20x20cm

Capa

Formato fechado: 20x20cm

Formato aberto: 60x20cm

Lombada quadrada

Papel colorplus Los Angeles (Grafite escuro) 180gm2

4/0 cores

Miolo

Formato 20x20cm

92 páginas de papel couchê fosco 120gm2

4/4 cores

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3.3.2. Estatística

Tabela 1.

Número de páginas

92

Número de fotografias

54

Número de fotógrafas

9

Orçamento

R$250,00 a unidade

Entrevistas feitas

6

Figura 1- Imagem de PDF do livro

Figura 2- Imagem de PDF do livro

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4. OLHARES BRASILIENSES

O pensamento e a visão de trabalho de mulheres fotojornalistas é tão

diverso quanto a história das profissionais no ramo. Se, por um lado, várias

dessas personagens chegaram às páginas dos livros, hoje, outras participam

do presente como repórteres fotográficas, e estão na linha de frente do que é

vivido. Respiram o presente, correm para cumprir os prazos, e entre as pautas

e experiências compartilhadas, desenvolvem uma visão mutante do que

representa a presença do sexo feminino na categoria.

As quatro fotógrafas locais foram escolhidas por sua trajetória profissional e

competência. Além disso, tive a oportunidade, algumas vezes, de vê-las como

são- além do rótulo da profissão. Essas personagens completas em suas vidas

e obras me ajudaram a trazer para a nossa realidade diária a importante

construção elaborada pelas fotojornalistas internacionais citadas no trabalho. O

resultado dos trabalhos e do modo de pensar e agir de Andressa, Rafaela,

Monique e Zuleika são a lente que nos mostra que o que aconteceu e acontece

lá fora, também acontece aqui. Mostra que os desafios enfrentados por

mulheres que decidiram levar a câmera à tiracolo, para registrar culturas e

conflitos em variados momentos, também é o desafio de fotógrafa brasilienses.

Essas mulheres enfrentam riscos, guardadas as devidas proporções, em

manifestações, em coberturas arriscadas como tráfico de drogas e pirataria, e

ainda revelam as diferentes culturas que formam o Distrito Federal.

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4.1. Andressa Anholete

A jornalista Andressa Anholete está no ramo desde 2008, e fotografou para

agências como Reuters, Getty, Frame e hoje está como fotógrafa freelancer2

no periódico gratuito Metro e na Agence France Presse (AFP). Ela tenta não

observar as questões sexuais que envolvem os desafios vividos até agora.

Foca nas próprias limitações, para superá-las, e nos objetivos traçados.

Na visão da profissional, o mais sedutor do fotojornalismo é a imagem estar

livre de necessidade de tradução, como um texto, por exemplo. Formada em

Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), Andressa ressalta que a

mesma fotografia emocionará espectadores de países e culturas distantes.

Essa faculdade da imagem está entre os fatores que mais a influenciaram para

que seguisse a carreira. Após a conclusão do curso, a fotógrafa se aproximou

ainda mais das imagens, em uma pós-graduação em Belas Artes na

Universidade de Salamanca, na Espanha.

Somente os cursos, no entanto, não foi o suficiente para que Andressa se

apaixonasse pelo fotojornalismo. Ao voltar da Espanha, teve sua primeira

experiência na redação do Jornal de Brasília.

2 Palavra inglesa que significa: pessoa que presta serviços profissionais autônomos

Figura 3- Andressa em cobertura de esporte

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Andressa cobriu fatos importantes nos quatro anos de atuação. Trabalhou

na Copa das Confederações, em 2013, na Copa do Mundo em 2014, nas

manifestações contra o evento, na queda do governo Arruda, em março de

2010, que também culminou em uma série de protestos, a exumação do corpo

do ex-presidente João Goulart, e na visita de Hillary Clinton ao Brasil.

Andressa não vê o baixo número de mulheres no ramo como “falta”. Ela

destaca, no entanto, que seria bom encontrar mais colegas do sexo feminino

atuando na profissão de fotojornalista.

“Não é que falta, mas tem poucas mulheres. Poderiam

ser mais. Sou mulher e pequena, tenho 1,55 metros. No começo, as pessoas olhavam e pensavam que eu não conseguiria, mas o profissional vai ganhando espaço. Vejo isso

com fotógrafos homens também”.

Existe, ainda, de acordo com a fotógrafa, uma escassez entre os

profissionais de comunicação que se interessam pelo fotojornalismo. Ela afirma

que um exemplo disso é que é difícil uma criança sonhar com esse tipo de

trabalho no futuro.

Outro problema, na visão de Andressa, que contribui com a escassez de

mulheres no ramo, é o tamanho do mercado. Ela destaca que, no Distrito

Federal, as agências internacionais mantêm apenas um fotógrafo. O número

de repórteres fotográficos nas redações de jornais impressos também fica bem

aquém da quantidade de jornalistas.

Essa limitação, por outro lado, também é um motivador para Andressa.

“Você tem que lutar pelo seu espaço, com unhas e dentes. A pessoa tem que

trabalhar muito para chegar a um patamar que a satisfaça”, diz. Para aproveitar

as próprias qualidades e lutar por espaço, na visão da fotógrafa, é preciso unir

técnica, qualidade e arte em uma sinergia imediata. Pensar nos três quesitos

simultaneamente, como partes diferentes de uma mesma engrenagem. Isso

tudo, lidando com a competição por espaço e ângulo com outros colegas e

carregando até 10 quilos de equipamentos.

“Com o peso do equipamento a tiracolo, você ainda precisa de uma agilidade mental muito grande, para compor e resolver na hora uma imagem. Isso é mais difícil do que carregar 10 kg de equipamento”.

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A fotografia exige sensibilidade do fotojornalista. Diante do fato, ele ou ela

terão que reunir elementos para passar a mensagem de forma clara e estética

para o leitor. De acordo com Andressa, diante de arquétipos e estereótipos

masculinos e femininos, esse tipo de leitura pode variar bastante. Ao abordar o

preconceito, Andressa fala de forma geral. Ela reconhece as limitações tanto

nos profissionais do sexo masculino, quanto do sexo feminino. Porém, quando

ela fala do problema, sobrepõe as fotos masculinas às femininas, ao descrever

os enganos quando se surpreende com uma boa fotografia. “Você vê aquela

foto incrível e se pergunta quem é o fotógrafo, mas quando vai ver a

assinatura, é uma mulher”, exemplifica.

Ao citar os fotógrafos que admira, mais uma vez, a escassez de

profissionais do sexo feminino no fotojornalismo parece emergir. Todos os

citados são homens. A visão da repórter fotográfica é permeada da surpresa

que os profissionais provocam com o uso da luz, da sombra e das cores. Ao

falar da fotografia que mais a tocou, salta de autor para autor, em um caminho

de admiração e humildade. Andressa demonstra profunda afeição ao falar do

fotojornalismo.

A profissional conta que sonha em trabalhar também nas Olimpíadas e

cobrir conflitos. “Não sei se eu estou pronta para trabalhar em uma zona de

conflito, mas é uma coisa que eu gostaria de fazer. Toda grande cobertura, a

gente quer fazer”, afirma.

Figura 4- Manifestação em 2013

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4.2. Rafaela Felicciano

Para Rafaela Felicciano, repórter fotográfica do portal de notícias

Metrópoles, falta mulheres no ramo do fotojornalismo. Questionada, ela lembra

que profissionais mulheres precisam se impor como indivíduo para

Figura 5- Jogador Alex do time CEUB

Figura 6- Rafaela em cobertura de Política

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conquistarem espaço, além de apresentarem trabalhos exemplares que

possam quebrar os preconceitos. Para a fotógrafa, muitas mulheres sentem-se

desestimuladas já que homens ainda são maioria na profissão, e por isso é

comum à mulher fotojornalista ter que lidar com comentários machistas por

parte dos próprios colegas de profissão.

A maior parte da experiência que Rafaela acumulou está ligada aos cinco

anos em que trabalhou na editoria de Cidades do impresso Jornal de Brasília.

A fotojornalista já atuou em diversas manifestações no Distrito Federal,

conflitos nos municípios goianos da Região Metropolitana de Brasília,

popularmente conhecida como Entorno, incêndios, e campeonatos esportivos.

Cobriu ainda a Copa das Confederações em 2013 e a Copa do Mundo em

2014, além de diversas apresentações musicais nacionais e internacionais.

Rafaela não sonhava em se tornar repórter fotográfica. Ela ingressou no

curso de Jornalismo da Universidade de Brasília (UnB) com a intenção de ser

repórter, e se apaixonou pela fotografia após estagiar no Jornal de Brasília.

“É viciante. A adrenalina de mostrar uma realidade para o mundo, com o nosso olhar, além da atenção redobrada com os instantes para que o momento da foto não seja perdido. Tudo é muito bom”.

Rafaela vê o machismo como uma das barreiras mais difíceis de transpor

na profissão. Um dos maiores temores da repórter fotográfica é não ser levada

a sério pelos pares por ser mulher. Os obstáculos profissionais, por outro lado,

na visão da fotógrafa, são comuns a homens e mulheres.

O preconceito e a igualdade entre os sexos brigam na visão de Rafaela

sobre a profissão de repórter fotográfica. A fotógrafa lembra que a sensibilidade

deve ser comum a todos os profissionais da área.

“Não acho que exista diferenças entre profissionais homens e mulheres. As pessoas pensam que mulheres são mais sensíveis, mas conheço vários fotógrafos homens que tem o olhar até mais sensível”.

O fator de equilíbrio entre os sexos é importante para a fotógrafa até

mesmo na hora de listar os profissionais que admira. Ao focar nos profissionais

em atuação, ela destaca o fotógrafo Ueslei Marcelino, da Reuters, e Marlene

Bergamo, da Folha de São Paulo, como os que mais a inspiram. No amor

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internacional, porém, os profissionais do sexo masculino acabam ganhando

mais espaço.

A cobertura de guerra está entre as metas de Rafaela em relação ao

fotojornalismo, bem como a denúncia da miséria. O desejo é motivado por uma

necessidade tão sensível quanto a própria fotografia.

“A minha vontade é mostrar para o mundo, os diversos lados dele mesmo. Eu quero, através das minhas fotos, do meu olhar, mostrar para a sociedade o que pode ser mudado e o que tem que ser mantido”.

Ela pretende influenciar a sociedade a partir do seu olhar e mudar o mundo

através de de projetos especiais. Retratar as consequências de uma guerra e a

falta de água em diversos países em desenvolvimento são alguns exemplos.

Figura 7- Apreensão de drogas na Ceilândia

Figura 8- Incêndio em Brasília

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4.3. Monique Renne

A fotojornalista Monique Renne descobriu a vocação durante a

adolescência em uma viagem para a Disney. Na época ela não tinha a menor

ideia dos desafios que enfrentaria como fotojornalista. Optou por cursar

publicidade na Universidade de Brasília (UnB), mas a manipulação de imagens

e a elaboração de necessidades não conversaram com a dinâmica da então

universitária, conhecida pelas opiniões fortes e pelos 1,56 metros de altura.

“Gostava mesmo era de registrar o mundo, não de inventá-lo”, afirma.

Para corrigir a rota da própria vida, ela optou pela dupla habilitação em

jornalismo. O registro do fato e da ação imediata seriam muito mais assertivos

para a garota que, anos antes, levou para casa como lembrança dos parques

temáticos Walt Disney, 15 rolos de filme.

Monique tem no seu currículo coberturas de destaque como o cenário

Haitiano um ano após o terremoto que assolou o país, a primeira posse da

presidente Dilma Roussef, denúncias sobre abuso e exploração de crianças e

adolescentes no âmbito da copa do mundo, manifestações contra o governo,

cobertura do julgamento do caso Cachoeira, Copa das Confederações entre

outros.

Figura 9- Monique na Índia

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O fato de ser mulher sempre teve um peso considerável na trajetória

pessoal de Monique. Ela, no entanto, se esforçou para tornar essa realidade

positiva no máximo possível de situações, sempre pautada pela qualidade do

trabalho, pela competência no material apresentado e pelos limites éticos.

Por diversas vezes abdicou de roupas consideradas “femininas” em nome

do conforto, mobilidade e necessidade de correr e disputar espaço e a melhor

posição com homens maiores e fisicamente mais fortes, subir em muros,

árvores ou encarar a truculência das forças policiais do Estado no exercício da

profissão. Aos 33 anos, Monique coleciona prêmios que são resultado de sua

forma aguda de perceber os fatos focados pelas lentes da câmera que carrega.

Figura 10- Copa das Confederações em 2013

Figura 11- Haiti - 1 ano após o furacão

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4.4. Zuleika de Souza

“O fotojornalismo é a melhor e a pior profissão”, disse Zuleika de Souza que

fotografa profissionalmente desde 1982 e no Correio Braziliense, um dos

principais impressos do Distrito Federal, desde 1991. Ganhadora do prêmio

Esso em 1995 na categoria Economia, a fotógrafa tem em sua trajetória

profissional não só coberturas factuais. Ela também publicou em revistas como

Vogue, Veja e Isto é.

Figura 12- Posse da Presidente DIlma em 2001

Figura 13- Zuleika com sua câmera

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Atualmente fotografa para a coluna Photo & Grafia na Revista do Correio.

No espaço, Zuleika exprime a vasta experiência tanto no fotojornalismo quanto

na linha editorial de revista de modas, com o olhar enriquecedor de cores e

formas que marcam o mais simples da arquitetura e do cotidiano dos

moradores da capital federal.

Entre os trabalhos que ela cita como principais está o projeto que

documentou o processo constituinte de 1988 e resultou em um livro, além de

participar de publicações como “Alfabetização Solidária” e “100 fotógrafos

brasileiros nos 500 anos do Brasil”.

Encantada com a fotografia desde a infância, Zuleika destaca a

sensibilidade do olhar individual e a técnica prática como essenciais para o

processo. A fotógrafa não considera o diploma em curso superior de

comunicação social essencial para adquirir maestria no oficio, mas ainda assim

admite o valor do estudo.

Figura 14- Cavalhadas em Pirenópolis

Figura 15- Vista aérea de Brasília

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4.5. Editor Josemar Gonçalves

Com 33 anos de carreira no fotojornalismo, o editor de fotografia do Jornal

de Brasília, Josemar Gonçalves, vai direto ao ponto ao falar das mulheres na

profissão. “No fotojornalismo, não existe sexo frágil.” Josemar atuou em

veículos como Gazeta de Vitoria, O Globo, Jornal do Brasil e O Liberal. Uma

das características do periódico em que trabalha hoje é a possibilidade de

fotógrafos iniciantes participarem de coberturas importantes. Nesse sentido, o

editor também tem uma visão igualitária do trabalho de homens e mulheres no

jornalismo fotográfico, e destaca a importância das mulheres na história do

ramo.

Josemar admite, no entanto, que a presença feminina na profissão é muito

menor que a masculina. Ele ressalta, ainda, que as profissionais que

conseguem se consolidar têm também um espaço próprio, que independe de

estereótipos.

“Desde o início da minha carreira, eu trabalhei com mulheres. Acho que repórter fotográfico é uma profissão que passa a impressão de instabilidade e talvez por esse motivo atraia menos as mulheres, que são mais atentas e mais cobradas a essas questões do que os homens, na nossa sociedade. O mercado de trabalho é restrito, mas dentro do mercado, na minha visão, o espaço para homens e mulheres é igual”.

Como editor, Josemar atuou de acordo com o próprio discurso. Teve

diversas repórteres fotográficas sob sua coordenação. Ele destaca que, muitas

vezes, as mulheres são mais cuidadosas com o próprio material. O estilo e a

Figura 16- Incêndio em Brasília

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capacidade, para o coordenador, são parâmetros muito mais seguros para

escolher qual fotojornalista enviará para uma determinada pauta.

“Na hora de passar uma pauta pra um dos meus fotógrafos, eu não escolho pelo sexo, escolho pelo estilo, pela capacidade. Acho importante a mistura e a diversidade de olhares dentro de uma editoria de fotografia. Até porque as pautas são tão variadas que essa

diversidade é importante”.

De acordo com o editor, dentro de um jornal, é importante que homens e

mulheres se enxerguem com igualdade, para haver troca de experiências e a

garantia de pautas melhores apuradas e fotografias com mais acuidade. Ele

destaca que trabalhou ao lado de grandes profissionais do sexo feminino na

carreira de fotojornalista e que o fato de ter tido uma mulher como chefe no

início da carreira pode ter sido decisivo para definir a opinião do editor sobre

mulheres na profissão. “Aprendi desde cedo na carreira que mulheres não são

diferentes de homens”, afirma.

4.6. Editor Michael Melo

Ao chegar ao local marcado para a entrevista, me surpreendi com o fato do

editor de fotografia do portal de notícias online Metrópoles, Michael Melo, ser

tão jovem. No entanto, ao longo da conversa, sua intensa experiência no ramo

do fotojornalismo se fez clara.

Aos 28 anos de idade ele já fotografou para publicações de renome

como a revista Veja e a revista dos Diários Associados - Encontro. Teve

também algumas fotos publicadas nos impressos Jornal de Brasília, Correio

Braziliense e Folha de São Paulo enquanto trabalhava como fotógrafo da

agência Frame.

O editor destacou com orgulho que a primeira pessoa a ser convocada

por ele para compor sua equipe foi a fotojornalista Rafaela Felicciano. Ele havia

trabalhado com ela anos antes e admirava muito seu trabalho. “A Rafaela é

uma das profissionais mais empenhadas e sensíveis que eu conheço”, afirma.

Para Michael, ter mulheres na equipe é fundamental para a diversidade

de olhares e sensibilidades. Ele diz que homens e mulheres são

complementares. “Se um fotógrafo e uma fotógrafa vão para a mesma

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cobertura dificilmente voltam com fotos parecidas. Cada um tem um foco

diferente na exposição dos fatos”, relata.

Sobre preconceito, o editor de fotografia diz que mulheres sofrem, de

fato, preconceito inclusive por parte dos colegas de ofício, mas diz que talvez

por esse motivo as profissionais acabam se esforçando mais para completar

uma pauta.

5. PERFIS INTERNACIONAIS

5.1. Homai Vyarawalla

Não valia mais a pena. Antes nós fotógrafos respeitávamos as regras e tínhamos até um código de vestimenta. Tratávamo-nos com respeito, como colegas. No entanto as coisas mudaram para pior. A nova geração de repórteres fotográficos estava interessada apenas em ganhar dinheiro rápido. Eu não queria ser parte disso. (Homai Vyarawalla em entrevista à LIFE)

Essa é a forma que Homai Vyarawalla, a primeira fotojornalista

mulher da Índia, viu a mudança de gerações que trabalham no ofício.

Ela já via com descrença a postura dos colegas de trabalho em 1973,

ano de sua aposentadoria.

Figura 17- Homai com sua câmera

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Conhecida como Dalda 13, Vyarawalla nasceu em 9 de Dezembro

de 1913 e começou sua carreira na segunda metade da década de 30. A

fotojornalista passou a ser reconhecida nacionalmente na Índia após se

mudar com a família para Mumbai em 1942. Durante a Segunda Guerra

Mundial, trabalhou na revista Illustrated Weekly of India, publicação

indiana em inglês, onde publicou algumas de suas fotos mais famosas.

Especializada em fotografar líderes políticos do país, ela se aposentou

em 1973, pouco depois da morte do marido.

Uma prova do valor do trabalho de Dalda 13 foi a exposição na

Galeria Nacional de Arte Moderna de Mumbai no ano de 2010. No seu

currículo constam fotografias de figuras importantes como Mahatma

Gandhi e o, então, primeiro ministro da Índia Jawaharlal Nehru. Homai

Vyarawalla morreu aos 98 anos, sozinha, após escorregar na casa onde

morava.

Figura 18- Indira Gandhi e Jackie Kennedy em 1962

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5.2. Dorothea Lange

Mais do que fatos em si, os trabalhos fotográficos de Dorothea Lange

são carregados de simbolismo e emoção. Nascida em 26 de maio de 1895, a

fotógrafa ganhou destaque na década de 1930 quando começou a trabalhar

para o governo Americano no departamento Farm Security Administration

(FSA), criado para combater a pobreza. Lange teve que percorrer mais de 22

estados norte-americanos retratando o impacto da depressão na vida dos

Figura 19- Dalai Lama chegando à Índia em 1956

Figura 20- Dorothea Lange fotografando em cima de um carro

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camponeses. A partir destes trabalhos, ela influenciou profundamente o

desenvolvimento da fotografia documental.

As temáticas mais abordadas pela fotógrafa eram as questões sociais da

época, como a situação dos imigrantes nos Estados Unidos e a Grande

Depressão. Em 1935, Dorothea Lange se casou com um professor de

economia e, juntos, publicaram vários trabalhos sobre pobreza rural e a

exploração de trabalhadores migrantes. Suas fotografias eram distribuídas

gratuitamente aos jornais de todo o país e se tornaram ícones da época. Ao

fotografar a situação dos japoneses após o ataque a Pearl Harbor, a fotógrafa

denunciou o preconceito dos norte-americanos e teve grande parte do acervo

apreendido pelo exército.

Apesar de muitas vezes sentir-se frustrada por não conseguir que suas

imagens provocassem a sociedade o suficiente a ponto de eliminar as

injustiças, Lange não media esforços para conseguir o “quadro perfeito”. Uma

das técnicas da fotógrafa era esperar pacientemente que as pessoas se

acostumassem com a presença dela no local, assim conseguiria capturar com

fidelidade expressões e reações dos personagens em foco.

Figura 21- Fazendeiros sem fazenda durante a Grande Depressão

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Figura 22- Homem e criança trabalhando em plantação na Califórnia em 1935

Figura 23- Criancas moradoras de rua em Washington em 1939

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5.3. Margaret Bourke-White

Margaret Bourke-White teve na mira de suas lentes os grandes líderes

Winston Churchill, Frankling Roosevelt, Papa Pio XII, Mahatma Gandhi entre

outros. No entanto também levou para casa os horrores das guerras e das

pessoas afetadas nos confrontos belicosos que registrou. Foi ela também que

conviveu com as novas tecnologias trazidas pela Era Industrial que facilitou o

trabalho de muitos repórteres pelo mundo, melhorou as comunicações, as

indústrias, os transportes e facilitou a vida diária. Bourke-White foi pioneira no

fotojornalismo de qualidade e chegou a publicar 11 livros.

Margaret começou seus trabalhos como fotógrafa se especializando em

Fotografia Industrial que incluía imagens de usinas, linhas de montagem e

prédios fabris, mas ganhou destaque ao ser a primeira mulher contratada como

fotógrafa pela revista Life. Lá permaneceu por três décadas e, em nome do

veículo, foi a primeira mulher correspondente de guerra e também a primeira

permitida em zonas de combate. Fez, não só a cobertura fotográfica da

Segunda Guerra Mundial, mas também acompanhou a liberação de presos no

Figura 24- Margaret arrumando o flash de sua câmera

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campo de concentração Buchenwald, na Alemanha, em 1945. Bourke-White

assina uma das raras imagens em que o líder soviético Joseph Stalin aparece

sorrindo.

Aos 50 anos de idade, a fotógrafa começou a notar os primeiros

sintomas do Mal de Parkinson e teve que diminuir drasticamente o ritmo de sua

carreira. No entanto, Margaret sempre se considerou sortuda por sempre estar

no lugar certo, na hora certa.

Figura 25- fábrica de aço em 1929

Figura 26- Camponesas Russas em 1941

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5.4. Lynsey Addario

Sem ter feito nenhum curso de fotografia, a norte-americana Lynsey

Addario começou a atuar na profissão em 1996 no Buenos Aires Herald, na

Argentina. Um ano depois, atuou como freelancer da Associated Press (AP) e

se destacou com um ensaio fotográfico sobre os efeitos do capitalismo nos

Figura 27- Mahatma Gandhi em 1946

Figura 28- Addario em zona de conflito

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jovens cubanos. A partir dos anos 2000 o foco da fotógrafa passou a ser

conflitos no Oriente Médio, África e Ásia.

Apesar de poder contar com certa estrutura e apoio por ser da imprensa,

Addario já passou por diversos perigos na profissão. A fotojornalista fraturou a

clavícula em um acidente de carro no Paquistão, e foi sequestrada com outros

três colegas na Líbia, em 2011. Na ocasião, ela trabalhava para o New York

Times e passou cinco dias em cativeiro.

Em entrevista ao Comitê de Proteção aos Jornalistas (Committee to

Protect Journalists) em 2011, Lynsey admitiu ter sido agredida física e

psicologicamente e recebido ameaças de morte. Ela destacou o fato de ter sido

apalpada diversas vezes: “Todas as formas de violência contra a imprensa são

abomináveis, no entanto acho que a questão da agressão sexual não tem sido

tão discutida ou documentada quanto outros tipos de ataques.” Atualmente ela

trabalha para a National Geographic e já ganhou vários prêmios.

Figura 29- Síria 2014

Figura 30- Sudão 2004

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5.5. Stephanie Sinclair

Formada em jornalismo, Stephanie Sinclair chama atenção por abordar,

nos seus trabalhos, temas que normalmente não têm muita visibilidade. A

fotojornalista expõe em suas imagens questões culturais polêmicas que

envolvem direitos humanos como casamento entre crianças e adultos e ritos de

autoimolação.

Seu primeiro trabalho de destaque foi a cobertura do começo da guerra

no Iraque. Após documentar uma realidade tão dura, Sinclair decidiu sair da

sua própria zona de conforto e se mudar para Beirute, no Líbano, onde residiu

por seis anos. No país, fez coberturas jornalísticas da área como repórter

fotográfica freelancer. Essa experiência rendeu a ela alguns prêmios nas

Figura 31- Iraque 2014

Figura 32- Sinclair no Líbano

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causas humanitárias, que incluem três World Press Photo 3Awards em

diferentes categorias e até um Pulitzer.

Stephanie é uma das fundadoras do projeto e fotodocumentário Too

Young to Wed (Jovem demais para casar). Enquanto trabalhava no

Afeganistão, a fotógrafa conheceu meninas que atearam fogo no próprio corpo,

revoltadas com a perda da infância e a obrigatoriedade de se casarem com

homens muito mais velhos e decidiu que o mundo deveria saber disso.

Atualmente, Stephanie mora em Nova Iorque e contribui regularmente

para publicações da National Geographic, New York Times, Time, Newsweek,

GEO, Marie Clair, entre outros.

3 organização independente sem fins lucrativos, conhecida por realizar anualmente a maior e mais prestigiada distinção de fotojornalismo do mundo.

Figura 33- Iêmen, 2012

Figura 34- Etiópia, 2007

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CONCLUSÃO

Pela comparação entre as biografias apresentadas é possível concluir que

as fotojornalistas têm em comum a vontade de mudar o mundo, com o seu

olhar, denunciando diversas realidades. Outro laço que une histórias tão

distantes no tempo e no espaço é a doação pessoal que cada uma delas fez ou

se mostrou disposta a fazer pela profissão. Correram risco de vida, foram

sequestradas, presas, ou tiveram o material produzido apreendido pela própria

nação pela qual trabalhavam.

Muitas profissionais abriram mão de ter filhos, família ou residência fixa em

nome do trabalho. Se, ao começar os estudos, eu pensava nessas decisões

como sacrifícios, ao entrevistar e me aprofundar na vida dessas mulheres pude

constatar que para elas foram apenas escolhas. Pude ver que elas não

aceitariam que a história delas fosse diferente. As decisões citadas acima,

inclusive, rivalizam naturalmente com os feitos de fotojornalistas do sexo

masculino. A única coisa que chama atenção neles é o estereótipo de que

mulheres devem se preocupar, em primeiro lugar, com o estilo de vida, de

alguma forma, doméstico.

Todas as repórteres fotográficas estudadas e apresentadas nesse trabalho

estariam dispostas a arriscar a própria vida para conseguir uma imagem que

pudesse de alguma forma, melhorar o nosso planeta. Elas se colocam ou se

colocariam em situações extremas em nome de um bem comum e isso, para

elas, não seria um sacrifício, mas uma missão, um dever.

Conforme o esperado a questão sexual é exposta naturalmente pelos perfis

e pelas entrevistas, já que o próprio leitor é obrigado a lidar com os arquétipos

e estereótipos ao se deparar com a narração da vida de mulheres fortes que

atuam em um setor predominantemente masculino.

A conjunção desses fatores valida a elaboração de um livro-homenagem a

respeito da presença feminina no fotojornalismo. As histórias de vida dessas

mulheres são unidas pela fotografia jornalística como o laço de um buquê.

Ainda que tenham vivido em diferentes tempos e locais suas imagens atingem

um grande número de pessoas e podem, muitas vezes, cumprir o seu desejo

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de mudar as duras realidades por elas testemunhadas, ou perenizar as

grandes alegrias capturadas.

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