Nas proximidades do amor

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Após ser traída pelo noivo, Nalu Alcântara Hanz, uma jovem e atraente publicitária, faz de tudo para preservar seus sentimentos. Passado o pior, vê em Caio uma ilha segura e mantém seu coração a salvo de ser quebrado novamente. Tudo parece perfeito. Mas quando sua vida esbarra com Alec, uma bagunça deliciosa acontece, balançando suas estruturas e questionando suas regras. Alec está determinado a ficar com Nalu, que só recua de suas aproximações. Contudo, não se foge da verdade, ela sempre aparece.

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talentos da literatura brasileira

S ão Pau l o , 2 0 1 5

nas proximidades

amordoPREDEST INADOS VOLUME 1

LIGIA ORTIZ

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Nas proximidades do amorCopyright © 2015 by Ligia Alves de Lima OrtizCopyright © 2015 by Novo Século Editora Ltda.

gerente editorialLindsay Gois

editorialJoão Paulo PutiniNair FerrazRebeca LacerdaVitor Donofrio

gerente de aquisiçõesRenata de Mello do Valeassistente de aquisiçõesAcácio Alvesauxiliar de produçãoLuís Pereira

preparaçãoLivia First

diagramaçãoJoão Paulo Putini

capaDimitry Uziel

revisãoDaniela Georgeto

novo século editora ltda.Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455 ‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – BrasilTel.: (11) 3699 ‑7107 | Fax: (11) 3699 ‑7323www.novoseculo.com.br | [email protected]

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 10 de janeiro de 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Ortiz, LigiaNas proximidades do amorLigia OrtizBarueri, SP: Novo Século Editora, 2015.

(Coleção Talentos da literatura brasileira Série Predestinados; v. 1)

1. Romance brasileiro I. Título. II. Série.

15 ‑06049 cdd ‑869.3

Índice para catálogo sistemático:1. Romances: Literatura brasileira 869.3

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Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes,

pessoas ou fatos é mera coincidência.

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Estou radiante! Finalmente consegui mostrar minha arte, uma exposição é muito mais do que qualquer coisa que eu podia esperar. É tão gratificante ter meu trabalho reconhecido, ain‑da mais cercado por tantas pessoas que admiro.

BUM! BUM! BUM!Um senhor estranho se aproxima. Ele está mexendo os lábios, mas a

voz não sai. Em vez disso, um barulho insistente retumba de sua garganta.BUM! BUM! BUM!Ao redor, todos estão olhando para mim e apontando para o ho‑

mem desconhecido prestes a me tocar. Recuo instintivamente. Sua mão insistente mantém‑se à frente e o barulho cresce mais e mais.

Deus! Que barulho é esse?BUM! BUM! BUM!– Nalu, abra logo essa porta antes que eu a ponha abaixo!Abro os olhos piscando rapidamente enquanto me oriento. Era um

sonho. Droga, parecia tão…BUM! BUM! BUM!Inferno! Vão derrubar minha porta. Droga de campainha que‑

brada! E, como a insuportável da dona Clélia me detesta, certamente

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receberei uma advertência. Levanto‑me e corro para abrir a porta antes que ela ceda e caia de vez.

– Thais? Você tem noção de que horas são? É sábado, esqueceu‑se disso?

– Ah, mocinha, a esquecida aqui não sou eu. Ontem combinamos de correr no Ibirapuera, lembra‑se? E a culpa é sua; quando você vai con‑sertar esse troço? – ela diz, apontando para o interruptor da campainha.

Dou de ombros.– Isso foi antes de sairmos ontem. Eu cheguei às três da manhã! Não

consegui dormir quase nada, mal preguei o olho.– Relaxa, gata. Você dorme mais tarde. Estou no pique hoje e quero

correr muito. Como ela consegue ter tanta disposição quando eu me sinto um lixo?– Argh, que seja. Entre e me faça um café decente enquanto eu me

troco.Ela entra feliz e saltitante, vai direto para o balcão da minha cozinha

americana onde está a cafeteira. Começa a preparar o café e retira algumas coisas da geladeira para fazer um lanche.

– Assim que eu gosto. Ânimo, garota! E, por falar em ânimo, você viu a tentação de vizinho que você ganhou?

– Ainda não esbarrei com ele; no entanto, sei que é meu vizinho de porta. Ontem, quando eu estava saindo para o trabalho, vi os homens da mudança descarregando os móveis no apartamento ao lado.

– Você é tão sortuda que dá raiva, Nalu. Quem me dera morar ao lado desse cara. Não iria prestar.

– Desistiu das meninas, Thais? Ou do Max?– Não, não, minha linda. Só gosto de aproveitar tudo que o mundo

pode me oferecer. Sou bem eclética. Agora mexa logo esse corpinho e se vista. Seu café está quase pronto.

Coloco um top rosa e cinza e shorts cinza de corrida, calço as meias e os tênis, separo o medidor de frequência cardíaca e vou para a cozinha.

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– Nossa, estou parecendo um zumbi, isso sem falar nessas olheiras. Eu preciso mesmo ir? – reclamo.

– Precisa, sim. Qual é, Nalu? Além do mais, nossa primeira meia‑mara‑tona está aí. Temos que melhorar nosso tempo para não sermos as últimas.

Grande! Não sei onde eu estava com a cabeça quando me inscrevi para isso. Está certo que eu amo correr, mas, desde que combinei com a Thais de participar de corridas, ela tem sido um verdadeiro sargentão, não me dá folga nunca. E, pela cara dela, não vai ser agora que isso vai acontecer.

Termino de comer rapidamente e saímos para o parque. Meu corpo demora a se acostumar com a ideia de estar acordado. Cada membro protesta fortemente com uma dorzinha surda, daquelas que não são in‑suportáveis, mas chatas e persistentes. Devia ter sido mais firme ao dizer que não estava disposta. Acabei me deixando levar por ela, de novo. E para completar o quadro bonito desta manhã de sábado, Thais está mais do que inspirada em me contar sobre meu novo vizinho.

– Estou dizendo, o cara é algo. Como se fosse desenhado por Deus – devaneia Thais que, ao perceber que não dou muita importância para sua empolgação, enfatiza. – Não precisa acreditar em mim. Logo, logo, você verá do que eu estou falando.

– Amiga, há quanto tempo você não descarrega essa, sei lá, tensão? Seus hormônios estão gritando.

Apertamos mais ainda o ritmo da corrida. Deus! Estou quebrada, passarei a tarde toda dormindo.

– Para sua informação, foi ontem. Sabe aquela ruiva que estava no bar?– Hum, sério? Linda ela, mas não me parecia que gostava da coisa,

você sabe.– Eu sei – ela diz, cheia de si, toda orgulhosa. – Poucas resistem ao

meu charme. E não tinha como ser diferente. Thais é simplesmente deslumbran‑

te. Um corpo definido e bem torneado, com a pele dourada e cabelos cor de chocolate, olhos castanho‑claros como avelã e traços delicados. Onde quer que vá, ela sempre chama a atenção, de ambos os sexos.

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– Na verdade, ela disse que era hetero, mas que tinha vontade de experimentar. Bem, o que posso dizer? Acho que ela gostou da arte. Tro‑camos telefone e tudo. Ela até que é divertida, mas não quero amarras agora – explica.

– Percebi, do jeito que está cobiçando esse cara, digo, o vizinho novo.– Ah, amiga, e como estou… Se bem que o encanto foi unilateral,

quero dizer, ele mal olhou pra mim. Dá para acreditar nisso? E, quando olhou, deve ter pensado que era uma louca, já que eu estava esmurrando sua porta e gritando no corredor. Acho que não foi uma visão muito bonita – diz com uma expressão pensativa.

Só imagino a cena. Olho para o relógio e constato que estamos cor‑rendo há quarenta minutos.

– Vamos começar a desacelerar, Thatha? Sério, estou um caco – choramingo.

– Está bem, está bem, bebê chorão. Não acostuma, não, que é só hoje.– Obrigada, meu anjo. – Sorrio. Caminhamos até as barras de alongamento e começamos a nos

esticar.– Já sabe o que vai fazer hoje à noite, certo?– Dormir, com certeza.– Deixa disso! Hoje à noite tem aquele jantar na casa dos meus pais

com toda aquela gente engomada e eu não me imagino passando por isso sozinha.

Imagino a infância da Thais, crescendo no meio da alta sociedade e tendo que ser polida ao extremo sendo hoje como ela é. Sei que os pais dela não aprovam seu estilo de vida e fingem não saber das preferências da única filha. Sua mãe sempre organiza festas e jantares em sua exuberante mansão no Jardim Europa. Fui a alguns desses eventos e parecia que eu estava em outro mundo, e olha que estou acostumada com certo luxo.

– Você vem comigo? – pergunta.– Só se eu dormir um pouco à tarde. Estou horrível.

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– Mas precisamos comprar vestidos. Sabe, será um daqueles jantares glamourosos da mamãe. Você nem precisa dirigir, vamos com o motoris‑ta da mamãe às compras e peço para ele pegá‑la em casa para o jantar. O que me diz?

Inspiro e exalo devagar, buscando algum resquício de animação em mim:

– Oh, está bem, está bem. Mas você fica me devendo uma.– Com certeza, gata – diz, assim que terminamos o alongamento. –

Agora, já para sua casa tomar um banho! Depois do almoço passo para pegá‑la.

Volto caminhando para casa, já que moro próximo ao parque. Ape‑sar de ser sábado, o tráfego é intenso nas imediações do Ibirapuera, mo‑toristas caçam vagas como se fossem algo sagrado. Parece que todos os habitantes de São Paulo tiraram o final de semana para se exercitar. Isso acontece sempre que o tempo está bom e hoje, particularmente, o céu está sem nenhuma nuvem, com um sol gostoso de verão que estimula até a mais preguiçosa das criaturas.

Entro na minha rua e sigo em direção ao condomínio onde moro. É um prédio bem pequeno se comparado a essas monstruosidades que são construídas hoje em dia, cada um com uns oito apartamentos por andar. Onde moro, os apartamentos são espaçosos, somente dois a cada andar e sem elevador, pois são apenas três andares. A construção data por volta de 1950 e tem todo o exterior característico da época. Eu acho um charme.

– Bom dia, Sr. José.– Bom dia, dona Ana Lúcia – responde o porteiro. Por mais que eu

peça para ele me chamar de Nalu, não há santo que o faça mudar. – Infe‑lizmente tenho aqui uma advertência para lhe entregar. Um morador fez uma reclamação hoje de manhã sobre barulho.

Ótimo. A dona Clélia não perde tempo. – Já pressentia, Sr. José. Posso ver o livro de ocorrências?

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– Com certeza, dona Ana Lúcia. Vou pegá‑lo… – Segundos depois, o Sr. José reaparece. – Aqui está o livro.

Corro para a última página de anotação, afinal, deve ser a única re‑clamação de hoje. Até que a acho:

Infelizmente, após meu primeiro dia neste edi-f ício, tive o desprazer de presenciar uma verda-deira cena no hall do terceiro andar. Uma mu-lher de aproximadamente 25 anos estava quase pondo abaixo a porta do apartamento 31, que se situa ao lado do meu, chamando pela moradora que não deu sinal de vida enquanto sua porta sofria com a fúria da visitante. Confesso que, quando investi na compra deste apartamento, o escolhi por, além de ser um ótimo espaço, locali-zar-se em um bairro calmo e de pessoas com cer-ta noção de educação e convívio. Assim, espero que as devidas providências sejam tomadas para que isso não volte a acontecer.

Alec Villaz, apartamento 32.

Eu realmente não acredito nisso. O cara acabou de se mudar e já está sendo um chato. Que saco de vizinho! Se fosse obra da dona Clélia, tudo bem, mas, de acordo com o que a Thais falou, esse cara tem, o que, uns trinta anos e é assim? Já posso ver como será daqui para frente cada vez que eu fizer um evento no meu apartamento. Sei que a Thais exagerou, aliás, ela sempre exagera, mas precisava de uma reclamação por escrito?

Agradeço ao Sr. José e vou para meu apartamento. Por sorte não encontro o vizinho novo, pois, com a raiva que eu estou agora, poderia estrangulá‑lo, então ele teria que fazer uma nova reclamação da vizinha com tendências homicidas.

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Vou direto para o banho. Arranco minha roupa e largo‑a pelo caminho. Ligo o som do banheiro, afundo na banheira com uma deliciosa espuma de banho que comprei na L’Occitane e aproveito o momento para relaxar um pouco meus músculos fatigados.

Após vinte minutos, sou uma nova mulher. O que um bom banho de imersão não faz? Estou mais apresentável, as olheiras se suavizaram e minha pele está melhor, como seda. Faço uma trança puxada para o lado direito com meus longos cabelos louro‑avermelhados e aplico uma maquiagem bem levinha, ressaltando os olhos azuis. Pronto, cara de menina. Coloco shorts verdes, uma regata de seda branca e estou quase pronta para minha tarde de compras com a Thais. Deixo para terminar a produção depois do almoço.

Fuço na geladeira até achar todos os ingredientes para meu fettuccine all’Alfredo e começo a preparação. Com uma taça de vinho branco para acompanhar, ligo meu iPod no aparelho de som. Agora, sim, perfeito para um almoço tranquilo de sábado.

Fuiooommm.Mas que raios?Fuiooommm… Fuiooommm… Fuiooommm.Obras? Sério?Era só o que me faltava. Obras! O vizinho inconveniente resolveu

fazer obras? Agora? Bem, ele acabou de se mudar e, com certeza, ainda precisa arrumar as coisas – ressalta minha lógica. Mas, se eu bem me lem‑bro, acho que tem alguma regra de condomínio que impede obras após o meio‑dia de sábado – meu lado vingativo resolve dar as caras. Ok, pode ser uma grande besteira reclamar, eu não quero viver em pé de guerra com esse vizinho novo, quero? Bobagem – o lado vingativo está ganhan‑do –, afinal, ele nem sequer esperou um dia para reclamar de você e agora você vai deixar passar essa? Não, nem morta.

Fuiooommm… Fuiooommm…Interfono para a síndica:

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– Dona Clélia? Boa tarde, quem fala é a Ana Lúcia, do apartamento 31. (Fuiooommm… Fuiooommm…). Desculpe‑me por estar praticamente gritando com a senhora, mas o vizinho novo está quebrando o aparta‑mento aqui do lado e eu sei que as reformas são proibidas aos sábados após o meio‑dia. A senhora pode resolver isso, por favor? Eu estou fican‑do surda aqui…

Fuiooommm… Fuiooommm…– Oh, minha querida, com certeza. É melhor entrar em contato rapi‑

damente com esse moço, assim ele evitará futuras bagunças. Esses jovens de hoje são muito barulhentos, e temos que impedir que isso seja corri‑queiro em nosso condomínio. Afinal, é um lugar de respeito e temos que…

Blá-blá-blá. Meu Deus! Tinha me esquecido do quanto dona Clélia adora divagar sobre a ordem no condomínio. Ela é totalmente obcecada por ordem e com certeza passará o maior sermão no cara novo. Não pos‑so me abster de um leve sorriso diabólico. Bem feito! Ele quem começou – parabéns, Nalu, superadulto. Depois de um tempo fingindo ouvir dona Clélia, corto‑a rapidamente, senão ficarei aqui pra sempre.

– Obrigada pela sua ajuda, dona Clélia, e tenha um bom fim de semana. – Desligo.

Contudo, não é suficiente, tenho que escrever a reclamação também. Usar os mesmos termos dele. Depois do almoço cuidarei do assunto.

Fuiooommm… Fuiooommm…Fuiooommm… Fuiooommm…De repente, o barulho cessa. Ótimo, dona Clélia entrou em ação. Nun‑

ca tinha visto nenhuma vantagem nessa louca obsessão dela por ordem, mas não posso negar que tem lá seus benefícios. Ponto feito; obrigada, Senhor.

Após um delicioso almoço – e com o vizinho da furadeira controla‑do –, um toque suave soa na porta.

Toc, toc.– Oi, Thatha! Minha porta agradece o toque sutil.– De nada, porta. Por favor, não tenha ressentimentos – ela diz rin‑

do. – Está pronta?

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– Só falta pôr os sapatos e pegar a bolsa – digo, buscando os sapa‑tos. – Antes de irmos, tenho que escrever no livro de reclamações lá na portaria. Você não sabe o que aconteceu aqui.

– Hum, conta logo!Explico tudo o que aconteceu desde a reclamação formal de meu

novo vizinho sobre a pancadaria matinal à minha porta e como eu revidei, usando dona Clélia para fazer o maníaco da furadeira entrar nos eixos.

– Nossa, gata. Deixo você por algumas horas e aí está o estrago. Acho que se excedeu. Você mesma deveria ter ido lá e pedido gentilmente pra ele. Quero dizer, ele é seu vizinho de porta, sabe‑se lá se algum dia você precisará de algo, é bom tê‑lo como amigo. E se você o conhecesse, gostaria de tê‑lo como mais que um amigo – termina com um sorrisinho perverso.

– Para tudo, Thais! – Caramba, nem tudo é sexo. – O cara pode até ser bonito, mas ele foi um idiota. E dos grandes.

– Também acho, mas não significa que você tenha que continuar com isso também. Sei lá, de repente ele só se assustou – supõe.

– Assustado ou não, está feito. E vou escrever a queixa no livro – declaro.

– E lá se vai a chance de conhecer o bonitão ao lado.– O que adianta ser bonito e um pé no saco? Vamos indo que eu

ainda preciso escrever no livro – concluo.– Está bem, está bem.Na portaria, peço o livro para o Sr. José e disparo com a caneta

afiada:

Infelizmente, após um dia da chegada do meu novo vizinho de andar – morador do aparta-mento 32 –, tive o desprazer de ser bombardea-da com sons de reforma e furadeira em horário não permitido pelo condomínio. Confesso que, quando investi na compra deste apartamento, o escolhi por, além de ser um ótimo espaço, loca-lizar-se em um bairro calmo e de pessoas com

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certa noção de EDUCAÇÃO e CONVÍVIO. Assim, espero que as devidas providências sejam toma-das para que isso não volte a acontecer.

Ana Lúcia Alcântara Hanz, apartamento 31.

Toda orgulhosa, mostro o texto para Thais.– Grande! E usou as mesmas palavras dele. Muito criativo.– Não é para ser criativo, é para ser um pé no saco! E, como não

tenho experiência nisso, deixo com as palavras dele.– Ok. Já que acabamos aqui, vamos esquecer isso e cair nas compras. – Lá se vão minhas economias.– Pode pedir de presente aos seus pais, eles com certeza não negarão

– aponta.– Eu sei que não, mas não me sinto confortável com isso. Preciso ser

capaz de me manter.– Hello-o? Você é capaz de se manter e muito mais, olha o drama.

Mas não significa que você tenha que negar suas origens, aceite isso.Ah, Thais, nós vivemos em mundos tão diferentes. Apesar de ela es‑

tar certa – afinal, um dia herdarei as propriedades e o haras de meus pais –, eu não quero pedir dinheiro a eles. Eles foram tão relutantes quando me mudei para São Paulo. Por eles, eu ficaria trabalhando na administra‑ção do negócio da família. Entretanto, não é nada a minha cara e, depois, meu irmão ficou e realizou o sonho deles, o que me exime de culpa.

Já a família de Thais faz de tudo para que ela seja a dama que a alta sociedade espera e, embora ela tenha sua diferente forma de viver, man‑tém as aparências e veste‑se de maneira exemplar, como uma modelo.

– Sei que está certa, mas me parece errado pedir para meus pais me vestirem a essa altura da vida. Vamos logo antes que eu desista de gastar minhas economias com um vestido.

– Não é um vestido, Nalu. É “o” vestido.– Conte‑me mais sobre como será o jantar de hoje.

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O motorista abre a porta e entramos em um maravilhoso Jaguar pre‑to. O carro é simplesmente um luxo, com todo conforto que qualquer hu‑mano pode querer. Thais diz que é um jantar dançante em traje de gala. Parece que sua mãe, de repente, ficou viciada em eventos para angariar fundos para instituições de caridade depois que as amigas embarcaram na mesma onda. É mais como uma disputa de qual festa é a melhor e quem arrecada mais. Claro que tudo única e exclusivamente pela caridade.

Em vinte minutos, chegamos ao palco das mais luxuosas lojas de São Paulo. Há tempos não vinha aqui, a última vez foi com minha mãe. Ela faz o gênero clássico e não dispensa estar bem‑vestida. Papai não liga para nada disso e, para seu pesadelo, mamãe o obriga a vir com ela para vesti‑lo como um boneco Ken.

– Você está indo a uma loja para comprar um vestido, e não a um funeral – Thais me provoca; o sono está vencendo.

– Desculpe‑me, Thatha, estou realmente muito cansada hoje. De‑veria ter ficado em casa dormindo…

– Não deveria, não – soa taxativa.Sou distraída pelo celular:– Alô?– Oi, princesa! Mandei mensagens, não recebeu? Coloco a mão no microfone e mexo a boca, avisando a Thais que

é Caio.– Oi. Poxa, desculpe‑me por não ter respondido antes, é que o dia

hoje está corrido.– Que pena. Será que você consegue um tempo para mim em sua

agenda? Jantar?– Vamos ter que deixar para outro dia… Hoje vou a um evento de

caridade com a Thais, estou com ela procurando um vestido.– Aposto que ficará linda, como sempre.Fico ligeiramente sem jeito. Ele é sempre tão atencioso comigo.– Bem, então…

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– E amanhã, domingo? O que me diz? Poderíamos almoçar naque‑le restaurante que você gosta, o Dressing, e depois ver um filme.

– Sinto muito, Caio, não vou poder também. Na verdade, eu gostaria de dormir o final de semana inteiro, estou muito cansada, só vou sair hoje com a Thais porque prometi a ela faz tempo. – Mentirinha light. – Almo‑çamos juntos segunda, pode ser?

– Certo, vou me contentar com isso, por ora. Nem pense em desmarcar.

– Eu não pensaria.– Vou deixá‑la com suas compras. Juízo hoje e pense em mim. Um

beijo.– Beijo. – Desligo.– Menina, o que foi isso? – Thais me olha como se eu tivesse quatro

cabeças.– O quê?– Coitado do Caio, Nalu! O cara está completamente na sua e você

está praticamente pisando nas bolas dele.– Eu não estou pisando nas bolas de ninguém. Eu só, sei lá… Isso

está indo para caminhos que eu não quero. E não é como se eu estivesse mentindo pra ele.

– Eu sei, mas tem certeza disso? Caio é lindo, olhos acinzentados, alto, corpo atlético, cabelos dourados, um pacote completo! Quero di‑zer, só não vá ficar acabada quando ele se cansar de correr atrás.

– Pode deixar, estou vacinada. Gosto muito de Caio, mas não estou apaixonada. E, dado o meu

último relacionamento, não estou querendo um.– Está bem, deixa pra lá – ela diz, balançando as mãos. – Agora,

foco. Precisamos de vestidos de festa.

* * *

E lá estamos nós com uma vendedora perfeitamente arrumada e luxuosa, descendo tudo e mais um pouco para que possamos escolher.

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– Definitivamente, já me decidi. Quero esse – digo, admirando no espelho o belo vestido longo em azul bebê de seda pura, com bordados e pedrarias delicadas em toda a extensão. Ele não tem decote acentuado, mas demonstra classe e um toque de ousadia com detalhes em renda e transparência. – O que você acha? – pergunto para Thais.

– DI‑VI‑NA. Coitado do Caio – provoca, e eu lanço um olhar fuzi‑lando‑a. Ela faz pouco caso. – Não está mais aqui quem falou, gata. Se eu não fosse tão amiga sua, tentaria levá‑la pra cama agora. – A vendedora fica rosa com o comentário.

– Obrigada pela sinceridade – digo. Estou acostumada com as pé‑rolas da Thais. – E aí, escolheu algum?

– Acho que o vermelho, com certeza é a minha cor. – É realmente lindo e hiperdecotado.– Eu malho por uma razão, gata. De que adianta um corpinho sa‑

rado se eu não posso exibi‑lo? – diz, deslizando as mãos em suas curvas.– Exibida – acuso, rindo.– Puritana – devolve.– Vou separar esses dois, então – diz a vendedora com um sorriso

enorme. – O que me dizem agora de sapatos?– Eu passo, já tenho um par novinho para usar com esse vestido e

tenho uma clutch Bea Valdes para estrear – declaro.– Uma Bea Valdes? Aquelas todas bordadas à mão? Quando estava

pensando em me mostrar?– Eu mostrei, lembra? Comprei pelo net-a-porter.com.– Bem, agora, além de sapatos, preciso de uma clutch. Também

quero uma bolsa de morrer – Thais pede à vendedora, que dispara para mostrar as novidades.

– Você está dando uma bela consumidora voraz. Tem noção da pe‑quena fortuna que deixará aqui?

– É da mamãe. Ela ficará orgulhosa, tenho certeza disso. Você está parecendo meu pai.

Reviro os olhos para ela:

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– Alguém que tem juízo.– Alguém que não sabe se divertir. Que tal relaxar? Saindo daqui, o

café é por minha conta.No caixa, tenho um pequeno ataque cardíaco com o valor do meu

vestido, mas mantenho os pés firmes e passo o cartão. Thais praticamente deixou um carro popular de pagamento como se fosse a coisa mais nor‑mal do mundo. A vendedora nos acompanha até a parte externa com um sorriso de diamante. Sei bem o porquê.

– Vou sugerir pular o café. Olhe a hora. – Xi, é verdade. – Thais confirma ao ver o relógio: 17 horas. – E eu

ainda tenho que arrumar o cabelo. Mamãe conseguiu o Rafa para cuidar da gente lá em casa.

– Que sorte! Ele tem o dom.– O que vai fazer com o seu? – pergunta.– Ainda não sei, mas darei um jeito.– Como se precisasse de muita coisa, não é? – diz com uma

piscadinha.

* * *

O retorno para casa é rápido, apenas quinze minutos. Pego meu vestido devidamente acomodado na capa, me despeço de Thais e subo as escadas do meu edifício. O hall do meu andar está bem tranquilo e não tem qualquer vestígio de obras.

Ótimo.Preciso me apressar, o motorista estará de volta às 18h30. Tomo

uma ducha rápida e coloco meu roupão. É hora de dar um jeito no ca‑belo. Como viciada em blogs que sou, corro pela internet e busco por “D.I.Y. penteados” no Google. Acho um fácil e marcante no blog da Julia Petit e coloco as mãos para trabalhar. Muito laquê depois para fixar e está pronto. Passo para a maquiagem, opto por um olhão poderoso com delineador e rímel, além de sombra no mesmo tom de azul do vestido – perfeito, melhorou meus olhos –, blush rosinha suave e batom cor de

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boca. Satisfeita com a produção, fico toda orgulhosa do meu trabalho artístico. Pego minha clutch no closet e separo as sandálias prateadas. Re‑tiro o vestido da capa e o coloco, alisando‑o para melhor caimento, calço as sandálias e abasteço a bolsa com tudo de que precisarei – maquiagem, documento, celular, algum dinheiro – e confiro o resultado no grande espelho do closet.

– Hum, acho que está bom – falo para mim mesma ao mesmo tem‑po em que ouço o interfone tocar.

– Pronto?– Dona Ana Lúcia, tem um carro aqui esperando a senhora.– Obrigada, Sr. José. Avise que já estou descendo! – Bem na hora.No hall do meu andar, estou fechando a porta quando percebo que te‑

nho companhia. Com uma sensação forte de estar sendo observada, olho para trás e vejo um homem lindo me encarando. Meu coração para. Lindo é eufemismo. Olhos negros profundos, um cabelo rebelde preto, traços fortes e totalmente másculos com um quê de doçura que me faz arrepiar. Mesmo com a pouca luz do hall, meus olhos percorrem sua musculatura que teima em se revelar através de sua camiseta preta e jeans surrados. Sei que estou parecendo uma pateta, tenho plena noção disso, mas é impossível não olhar. Recomponha-se, recomponha-se – ordeno a mim mesma. Viro‑me e tento ca‑nhestramente concluir a simples tarefa de trancar a porta. Sinto seus olhos em mim, ele ainda me observa. Será que não vai parar de me olhar?

Após um tempo constrangedor e com a porta devidamente tran‑cada, aproveito a chance de sair e parar de fazer papel de boba. No mo‑mento em que minhas pernas finalmente resolvem me obedecer, vou em direção às escadas, mas não consigo evitar, acabo olhando para trás, só para vê‑lo abrindo a porta do apartamento ao lado. Droga! É o vizinho novo. Ele me pega espiando e parece que vejo uma ponta de sorriso em seus lábios. Deus! Agora estou vendo coisas. Nem sei como desço e entro no carro de tão atordoada que estou. Levo todo o caminho até a casa da Thais com ele na cabeça.

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