Nascimento; jaime bispo do arte máquina e o suporte sucata

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JAIME BISPO DO NASCIMENTO ARTE MÁQUINA E O SUPORTE SUCATA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÕES E ARTES CURSO DE ARTES VISUAIS BACHARELADO CAMPO GRANDE 2011

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JAIME BISPO DO NASCIMENTO

ARTE MÁQUINA E O SUPORTE SUCATA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÕES E ARTES CURSO DE ARTES VISUAIS – BACHARELADO

CAMPO GRANDE

2011

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JAIME BISPO DO NASCIMENTO

ARTE MÁQUINA E O SUPORTE SUCATA

Projeto submetido à apreciação da Banca examinadora como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharelado em Artes Visuais elaborado sob a orientação do Professor Msc. Elomar Bakonyi.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÕES E ARTES CURSO DE ARTES VISUAIS – BACHARELADO

CAMPO GRANDE

2011

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RESUMO

Esta monografia: Arte Máquina e o Suporte Sucata, leva esse título porque relata a elaboração de uma obra de arte que utiliza como suporte recipientes (latas) de 18 litros, de perímetro cúbico, utilizadas para embalar tintas e similares em estado líquido, e, após a utilização nessa função, imediatamente descartadas como lixo. Recuperadas e tratadas com um mínimo de interferência na sua formatação original de embalagem utilizada, as latas assumem a condição de suporte para a veículação de uma linguagem visual, contextualizando todo o volume científico e tecnológico embutidos na sua concepção e fabricação como embalagem especializada. Esse suporte apresenta, além das possibilidades plásticas, a relação conceitual suporte/conteúdo; antes transportando a tinta para aplicação em outros suportes; agora como suporte para as configurações esculturais e picturais dessa nova condição, demonstrando a evolução do estado de sucata de embalagem de produto líquido, para a expressividade elaborada por adesivagem, que vem a ser tinta impressa sobre material plástico em estado sólido, aplicada sobre as superfícies internas e externas dessas latas, concebendo grafismos de leitura expressionista, especificamente expressionismo abstrato, configurado pela aplicação dos adesivos de cor em molduras geométricas, sobre as texturas de fundo, elaboradas por abrasão, nas superfícies dos objetos, concluindo a função de suporte pictórico. Os conjuntos de 4, 8 ou 16 peças, apresentam variadas composições obtidas pelo encadeamento dos volumes, posicionamento das peças e variações na maneira de expor; afixados, pendurados ou apoiados em plintos, oferecem leituras cromáticas estimulantes. A linguagem escultórica das unidades ou dos conjuntos é interpretada como material concreto, limitadas por formas e elaboradas por manufatura em espaço tridimensional, tendo como finalidade tornar aparentes as soluções plásticas e estéticas a partir dessas composições. Esses procedimentos clássicos permitem organizar o modo de expor um ponto de vista plástico, mediante arranjos das leituras veiculadas pelo suporte; combinando as linguagens da escultura e da pintura no Assemblage: o objeto de arte desta monografia. Palavras-chave: Suporte, Escultura, Pintura, Expressionismo, Sustentabilidade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................04

CAP. 1 – TOTENS TÁTEIS.......................................................................................09

CAP. 2 – SUPORTES SELETIVOS...........................................................................17

CAP. 3 – SUACATA SUADA................................................................................... 19

CONCLUSÃO............................................................................................................22

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................24

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INTRODUÇÃO

A arte é o suporte da cultura. Inexistindo a arte, a cultura não se organiza

como expressão coletiva, porque alguém deve transmitir para alguém mediado por

algum tipo de codificação, emocionalmente compreensível e visualmente

estimulada: função da obra de arte.

Arte Máquina e o Suporte Sucata é o título desta monografia, formatada

como relatório de uma pesquisa orientada para se obter um suporte durável, para

uma linguagem plástica intuída e concebida, especificamente, para a veiculação

nesse mesmo suporte.

A expressão “Arte Máquina”, que compõe o título, indica a origem do

conceito que o complementa (“Suporte Sucata”), apontando para a natureza material

do objeto, produzido em uma linha de montagem industrial com significativa

aplicação de parâmetros científicos e tecnológicos na sua confecção. O objeto,

reutilizado e modificado pela extração de partes da sua configuração original, sem

prejuízo para as finalidades propostas, é redirecionado na condição de suporte para

o relacionamento expressivo que se pretende neste trabalho.

Na sua caracterização como assemblage (palavra de gênero masculino e

origem francesa que significa reunir, montar, juntar), aquele suporte e seu contexto,

assumem a função de obra de arte composta de dez dimensões: sendo cinco

dimensões externas: uma altura, duas larguras iguais, dois comprimentos iguais,

mais as cinco dimensões internas equivalentes a essas; aonde a aplicação e a

fixação do sistema de cromático aqui utilizado, oferecem plasticidade às metáforas

visuais.

O termo assemblage, inventado pelo artista Jean Dubuffet (1901-1985) e

incorporado às artes em 1953, refere-se a trabalhos que “vão além das colagens”.

A referência de Dubuffet às colagens não é casual; ao abrigar no espaço do

suporte elementos retirados da realidade – papéis, tecidos, madeiras, metais etc,

verifica-se a ampliação do tratamento plástico, sobrepondo-os às limitações da

superfície; A pintura passa então a ser concebida como uma construção sobre um

suporte, diluindo de certa forma, as fronteiras entre a pintura e a escultura.

Na obra de Dubuffet, a ênfase recai sobre a matéria, desde as

Texturologias, produzidas em fins da década de 1950, que se caracterizam, como o

título indica, pelas texturas experimentadas com cores e materiais diversos.

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A obra reproduzida na Fig. 01 é representativa quanto ao uso de material no

assemblage: Reza a lenda que Dubuffet tinha acumulado no piso do seu estúdio

pinturas em papel; ao observar os arranjos espontâneos das sobreposições dessas

pinturas, cortou-as, utilizando os pedaços para fazer uma montagem; essa obra

pertence a uma série de cerca de uma centena de colagens que o artista denominou

"Teatros da Memória", porque esse assemblage combina evocações de cenas em

diferentes lugares.

Fig.01- Jean Dubuffet (1901-1985),“Les Vicissitudes” 1977- Acrílico s/ papel, s/ tela- 210X339cm

A pintura passa a ser concebida como construção sobre um suporte, o que

pode dificultar o estabelecimento de fronteiras rígidas entre pintura e escultura. As

combine paintings de Robert Rauschenberg (1925-2008) (Fig. 02), confirma o

assemblage como procedimento passe a ser utilizada a partir da década de 1950

por artistas muito diferentes entre si.

Fig.2 - Bed”(Cama) 1955 Robert Rauschenberg (1925-2008), (Óleo e lápis sobre travesseiro e colcha sobre suporte de madeira – 191 x 80 x 23 cm) 6

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Na Itália, Alberto Burri (1915), autor de pinturas e colagens, volta-se na

década de 1950 para pesquisas semelhantes, explorando as potencialidades

expressivas da matéria, soldando, costurando e colando sacos, madeiras, papéis

queimados, paus, latas e plásticos (Saco, 1953, Combustões, 1957, e Ferros, 1958)

obtendo resultados distintos. Suas pesquisas com lixo e sucata prefiguram a arte

junk norte-americana e a arte povera italiana. (Fig. 03)

Fig.03 – (a) Fig. 04 –(b)

(a) Alberto Burri (1915-1995) “Blanco Plastica” 1966, Combustão s/celotex(100 x 75 cm)

(b) Antoni Tapiés (1923) “Palla y Fusta”1969. Assemblage s/tela (150 x 116 cm)

Na Espanha, a "pintura matérica" realizada por Antoni Tápies (1923), no

mesmo período, utiliza cimento, argila, pó de mármore, materiais de refugo (restos

de papel, barbante e tecidos), partes de móveis velhos etc. As possibilidades do

assemblage e a versatilidade dos materiais cotidianos resultou na obra mostrada na

Fig. 04, onde a sensibilidade conceitual do artista ficou patente.

A origem das técnicas de acabamento do assemblage é a mesma da “pintura

matérica”; assim denominada pelas aplicações picturais sobre objetos e materiais

colados ou costurados na superfície dos suportes de telas de tecidos de

consistências diversas. O assemblage, paralelamente, segue o mesmo

procedimento, ao afixar qualquer tipo de material ou objeto sobre um determinado

suporte, que não a tela, podendo ser, incluisive, outro objeto.

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Artistas brasileiros como Nelson Leirner (Fig.05), Rubens Gerchman (1942 -

2008) (Fig.08), Rochelle Costi (Fig.07) e Leda Catunda (Fig.06) também se

expressaram através do assemblage como se constata pelas imagens aqui

reproduzidas.

Fig, 05 - (a) Fig. 06 - (b)

(a) Nelson Leirner “Homenagem a Fontana” 1967, (lona e ziper, 180 x 125 cm)

(b) Leda Catunda, “Jardim das Vacas”, 1988 (Pintura acrílica sobre couro afixado em madeira,

146 x 158 cm)

Fig, 07 - (c) Fig. 08- (d)

(c) Rochelle Costi, “Mapa”2002, (Lantejoulas sobre fotografia, 47,5 x 32,5 x 4 cm)

(d) Rubens Gerchman, “Ar”, 1965, (Pintura acrílica s/ madeira recortada e colada, 60 x 60 cm)

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O princípio que orienta a feitura do assemblage é a estética da acumulação:

entendendo-se que toda a expressividade, seja ela material ou filosófica deva ser

incorporada à concepção da obra de arte, para que a sua modelagem, mediada

pelos acabamentos visualmente equilibrados, expresse a poética reveladora.

Fig. 9 – Jayme Bispon, “Dois pensamentos” 2011, (Composição móvel composta por 8 objetos

c/ adesivagem sobre metal tratado , 210 X 105 X 24 cm)

O trabalho aqui relatado propõe o deslocamento de um objeto das suas

finalidades/funcionalidades terminais, resgatando-o da sua condição de lixo poluidor,

utensílio doméstico de salubridade discutível ou como matéria-prima para o

enfrentamento da miséria, fornecida pelo sistema urbano de coleta, como sucata

para reprocessamento industrial, alçando-o a fruição dos espaços da convivência

humana.

“A arte deverá passar pela tecnologia porque esta contém

aquela. E necessita reaproveitar o que foi utilizado enquanto

meios materiais” (CHIPP1988)

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CAPITULO 1

TOTENS TÁTEIS

Os assemblage concebidos para este trabalho, compreendem vários

conjuntos de peças (pares múltiplos), combinadas entre si por configurações

denominadas “Totens Táteis” (referem-se historicamente aos totens e menires

utilizados por culturas ameríndias). Por opção existencial do autor, ao assimilar em

seu aprendizado, os parâmetros da cultura visual acadêmica européia,

interpretando-os, de memória, linguagens plásticas nativas, utilizando sucata de

material de consumo urbano e preservando recursos naturais.

O objeto de arte aqui descrito foi planejado para obter resultados visuais dos

planos e superfícies cúbicas vazadas, das latas de 18 litros. Sem os fundos e as

tampas, as latas transformam-se em peças tubulares de seções quadradas ou

cilíndricas, permitindo articulações e montagens. (Figs. 9 10 e 11)

Fig. 09 – Latas de 3 e18 litros Fig.10– “Ensaio W” Fig.11– “Ensaio X”

A inclusão desse suporte específico busca estruturar uma linguagem

expressiva em objetos existentes para outras funções, diferentes da função de

objeto de arte apropriando-se “minimalisticamente” (expressão recorrente à noção

de minimalismo: tendência das artes visuais que ocorre no fim dos anos 1950 e

início 60 em Nova York; os trabalhos de arte, nessa concepção, são simplesmente

objetos com outra destinação e, com um mínimo de interferência plástica pelo

artista, transformados em portadores de idéias ou emoções); o acabamento

industrializado das latas, facilita o manuseio, economia de tempo e mão-de-obra nos

procedimentos preliminares durante a aplicação dos tratamentos plásticos nas

superfícies desse suporte, enfatizando assim os diálogos visuais e volumétricos

pertinentes à linguagem desenhada para (suporte) o objeto.

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Agora transformados em objetos intelectuais verdadeiramente úteis

configuram-se em repositórios ou embalagens de produtos imateriais de

inquestionável valor: a expressividade emocional plena de visualidade.

As superfícies externas e internas dessas latas estruturam o suporte como se

fossem aparência e intelecto nas suas aplicações pictóricas e materiais, buscando

resultados plásticos para finalidades estéticas, nos diálogos espaciais entre sujeito

fruidor e objeto transmissor com seus planos multidimensionais (dentro e fora),

estimulados pela combinação visual dos grafismos aplicados nessas mesmas

superfícies (Figs. 12 e 13)

Fig.12– Ensaio A - Detalhe Fig. 13 – Ensaio B - 2011.

As caracterizações formuladas nesta monografia encontraram, no ensaio do

filósofo e historiador da arte Arthur C. Danto: A transfiguração do lugar-comum

(2005), fundamentação teórica para prosseguir na sua elaboração.

(...) uma obra de arte é um objeto apropriadamente chamado de expressão porque sua causa é um sentimento ou emoção particular de quem a realizou e quem ela efetivamente expressa. Segundo essa concepção, uma ação e uma obra de arte se distinguem por suas respectivas ordens de causas mentais e, além disso, pela diferença entre corresponder a uma intenção e exprimir um sentimento, (DANTO. 2005, p.40).

Utilizando o paradigma proposto por Danto para promover o diálogo

sensorial com o espaço, o plano e a superfície do suporte, optou-se por uma

linguagem plástica expressa através dos grafismos de configuração geométrica,

obtidos pela adesivagem das cores, que emolduram os efeitos expressionistas

obtidos por abrasão nas superfícies das latas com acabamento envernizado,

processo de durabilidade média que propiciará as várias transformações impostas

ao suporte pelas intempéries, previsíveis para as conseqüências plásticas da obra,

como se constata nas imagens ( Figs. 14, e 15.).

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O expressionismo é uma tendência permanente e universal da arte, definida

como a manifestação exterior de uma necessidade interna do indivíduo.

Fig. 14 – Ensaio C - 2011 Fig.15– Ensaio D - 2011

No sentido histórico o expressionismo é uma tendência da arte européia moderna

(1910 e 1914); noção empregada pela primeira vez em 1911 na revista Der Sturm o

mais importante veículo do movimento (Figs. 16, 17, 18).

Fig. 16 (a) Fig. 17 (b) Fig. 18 (c)

(a) Rudolf Bauer (1889-1916) “Exposição dos Expressionistas”, 1916 Litografia (70x49cm)

(b) Franz Marc (1880-1910) “Tyrol”, 1914 Óleo s/tela (135x144cm)

(c) “Der Sturm” Capa de revista 1911, Tipografia (23x31cm)

Expressionismo Abstrato refere-se a um movimento artístico iniciado em

Nova York logo após a 2ª Guerra Mundial, noção utilizada pela primeira vez em 1952

pelo crítico H. Rosenberg, constituindo-se essa tendência, desde então, como o

estilo pictórico norte-americano.

No expressionismo abstrato a ausência de modelos, a idéia de

espontaneidade relacionada ao trabalho artístico e a gestualidade do artista,

decompondo a realidade, consolida a identificação temática como um retorno às

origens, buscando forças elementares e emoções primárias.

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Ao optar pelo pensamento primitivo - visto como alternativa à racionalidade

acadêmica - recupera as heranças arcaicas e a compreensão da natureza como um

manancial de forças, instintos e transformações (rupturas).

Fig, 19 (a) Fig. 20 (b)

(a) Ad Reinhardt (1913-1967)”Colagem” 1940. Papel impresso colado s/painel, (39 x 33 cm) (b) Mark Rothko (1903-1970)“Sem título” 1949(Violet, Black, Orange, Yellow on White and Red) Óleo s/tela, (207 x 168 cm)

Artistas do porte de Arshille Gorki, Ad Reihardt, Adolf Gotlieb, Mark Rohtko,

Jacson Pollock, Willem De Kooning e Wassily Kandinski entre outros, confirmam o

expressionismo abstrato como um movimento que ganhou este nome porque

combina a intensidade emocional do expressionismo alemão com a estética das

escolas européias, como o futurismo, a Bauhaus e o cubismo.

Ao incorporar o emprego de uma palheta agressiva e vibrante (fauvista), o

expressionismo abstrato redescobre as configurações geométricas, atribuindo

velocidade à captação intuitiva dos motivos aleatórios, com espessas e rústicas

camadas de pigmentos sobrepostos, seja por volume de tinta ou por pedaços de

materiais aplicados, uns sobre os outros, na superfície do suporte.

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O modo de pintar americano elegeu como suporte a parede e o chão,

permitindo que o artista tivesse estabilidade e acessibilidade ao suporte para

trabalhar por todo o seu perímetro; passando a trabalhar dentro (fisicamente) da

obra e extraindo obras-primas como se constata nas imagens das obras aqui

selecionadas dos expoentes do expressionismo abstrato.(Figs.19 a 24)

Fig. 21 (a) Fig. 22 (b)

(a) Adolf Gotlieb (1903-1974), “ Mist”, 1961. Óleo s/tela, (182.9 x 121.9 cm).

(b) Willem de Kooning (1904-1997),”Composição”1955. Óleo temp e carvão s/tela, (201x175 cm).

Fig. 23 (a) Fig. 24 (b)

(a) Vassili Kandinsky (1866-1944),“Cruz Branca” 1922. Óleo s/tela, (100 x 110 cm)

(b) Jackson Pollock (1912-1956), “Circuncisão” 1946. Óleo s/tela, (142 x 168)

Vale citar Fernand Leger (1881-1955), pioneiro na referência do elemento mecânico

como possibilidade plástica, pontuando a respeito em “Funções da Pintura”:

O elemento mecânico, como todo o resto, é apenas um meio, não um fim.Mas, se quisermos fazer uma obra forte, firme, com intensidade plástica, se quisermos fazer uma obra orgânica, se quisermos criar e obter a equivalência do “objeto belo” que a indústria às vezes produz, é tentador nos servirmos desses materiais como matéria-prima.(LEGER, 1989, p.49).

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Os objetos transformados em “não-objetos”, que é o caso das latas

(embalagens) descartadas, se regenerariam como “novos objetos”, paradigmáticos

das transformações observadas na natureza, como, por exemplo, os diamantes:

produtos da regeneração de outros minerais.

A confirmação desta pesquisa como linguagem passa por Marcel Duchamp

e seus ready made; uma tentativa de escapar, segundo Duchamp, da "arte

retiniana", confrontando o espectador, oferecendo-lhes algo já visto, forçando-o a

pensar e refletir sobre a questão da arte enquanto linguagem; como pontua Ricardo

N. Fabbrini in “A arte depois das vanguardas”, afirmando como segue:

[...] Depois que as vanguardas conceituais alargaram de modo definitivo o campo da experiência artística, não podemos mais, com base na percepção sensível, distinguir um simples objeto de uma obra de arte. Um mictório e a Fonte de Duchamp, uma roda encravada num banco e fase da interrogação sobre a “essência da obra de arte” encerrou-se de modo que a arte conceitual, ou seja, a reflexão sobre o quadro institucional do “mundo da arte”, é aceita por críticos e boa parte do público tanto quanto a arte retiniana baseada num suporte material, como a tela, e num “médium artístico”, como a tinta, ambas constitutivas da arte atual, sua Roda de bicicleta histórica , são “ réplicas indiscerníveis” que possuem “fundamentos ontológicos diversos”.(FABRINI 2002, p.145)

A arte de Marcel Duchamp, que se opunha aquilo que ele próprio dizia ser a

"arte retiniana", ou seja, uma arte que agrada à vista; entendendo-se toda a arte de

Duchamp como um esforço para se afastar da "arte retiniana" e passar para uma

arte mais reflexiva contextualizada nos aspectos mais intelectuais do fazer artístico,

como testemunham as imagens das suas obras (Figs. 25e 26)

Fig. 25 (a) – Marcel Duchamp (1887-1968) Fig. 26 (b) – R. Mutt (pseudônimo)”

(a) “Roda de Bicicleta” 1913 - (h 124cm) (b) “Fonte” 1917 – (h 60 cm)

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A pesquisa que resultou neste trabalho foi estimulada pela obra do escultor

David Smith (1906-1965):“um cânon de formas e gosto tomadas despudoradamente

de Gonzalez, Picasso, Matisse e Miró, que agrada por não ofender os olhos que

aprenderam a gostar da arte cubista.” revelando “o aspecto autêntico e preciso do

cubismo que o artista desenvolveu sozinho a partir das próprias necessidades”

afirma Clement Greenberg, crítico e historiador especialista na obra de David Smith

que inspirou a direção que esta pesquisa deveria tomar (Figs. 27, 28 e 29).

Fig.27 (a) Fig.28 (b) Fig.29 (c) (a) David Smith “CUBI VI” 1963 (b) J. Gonzalez (1876-1942) (c) David Smith (1906-1965) “CUBI VI 1963” “Monsieur Cactus”1939 “CUBI XXVII”1965

As peças executadas em chapas de aço inoxidável ou de ferro, soldadas,

apresentam-se como um utensílio artístico fabricado e visualmente disciplinado,

Por outro lado os objetos acabados (latas) dialoga espacialmente com as peças

concebidas em aço inoxidável pelo artista (David Smith) que emula este trabalho.

Fig. 30 – Ensaio E - 2010 Fig. 31 - Ensaio F - 2011 Fig. 32 - Ensaio G – 2011

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Esta pesquisa busca justificar a utilização de um tipo de suporte para o

registro expressivo, sob a forma de assemblage, na concepção de diálogos visuais

próprios da escultura, no que diz respeito às penetrações dos interiores e a aura dos

volumes superficiais daqueles objetos, como são mostrados nas imagens (Figs.30,

31 e 32) composições ensaiadas para esta demonstração.

O suporte e a sua natureza – material industrializado, metálico, recuperado –

estão aqui introduzidos como protagonistas principais por oferecerem conteúdos

práticos (pronto para o manuseio) e reflexivos como autênticos veículos da

verdadeira finalidade expressiva da obra; sem, entretanto, diminuir a sua importância

funcional e estética no desempenho plástico da obra.

A busca da autêntica expressividade que move este trabalho desenvolve e

testa arranjos possíveis na utilização de todos os planos e volumes, visíveis ou

sugeridos no suporte, oferecidos pelas superfícies internas e externas das latas, que

oferecem composições visuais estimulantes, factíveis em um conjunto de volumetria

escultórica visualmente harmonioso e espacialmente equilibrado, compartilhando

olhar e espírito, uma fruição dinâmica, instigante e reveladora. (Fig. 33)

Em sua tese de mestrado Tatiana Sampaio Ferraz ( CAP/ECA –USP /1986),

identificando práticas artísticas contemporâneas fundamentadas na experiência do

deslocamento; esclarecendo que deslocamento designa ao mesmo tempo, além do

significado original (espacialidade ou temporalidade), “proposições que inauguram

um fazer artístico para além daqueles conhecidos nos domínios institucionais da

arte”. Nesse mesmo texto a autora enxerga: “O caráter experimental desses

trabalhos apontam para o estiramento do “objeto de arte” estabelecidos a partir de

novos contornos quanto à sua formalização (“suportes”) e ou a sua atuação

(“lugares da arte”)”.

Fig.33 - Ensaio ( Detalhe de um conjunto ) 2011

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CAPITULO 2

SUPORTES SELETIVOS

O objeto aqui proposto como suporte contém as expressividades físicas e

abstratas veiculadas pelo assemblage. O objeto físico é tangível na volumetria

unitária dos componentes de cada conjunto; entretanto, não foi concebido para ser

manipulado, no que diz respeito à sua configuração plástica, quando exposto em

conjunto de duas, oito, ou seus múltiplos pares, como nos ensaios das Figs. 34 e 35.

Fig.34 - Ensaio H – 2011 Fig.35 - Ensaio I - 2011

Quando desmontado cada assemblage poderá ser reconfigurado, ou não,

mediante a combinação pictórica que agrade ao proprietário da peça, na fruição dos

grafismos resultantes da combinação das superfícies interna e externa, obtida pela

expressividade das quatro faces de cada unidade (lata) componente do conjunto.

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Ao proceder a pintura sobre o suporte metálico (Fig. 36), verificou-se que a

utilização das tintas, similares àquelas embaladas nas latas em sua função original,

seccionava conceitualmente a relação suporte/conteúdo, que consubstancia este

trabalho, pela inexistência da condição de “sucata de tinta”.

Fig. 36 - Jayme Bispon, “Pensadora” 2010 Fig. 37 - Ensaio k (Detalhe Conjunto) (Esmalte s/folha de flandres usada- 94x35cm)

A existência residual da película para adesivagem de cores nos

acabamentos e sinalizações de objetos utilitários, ajustou-se adequadamente às

finalidades picturais complementando o assemblage, quanto ao conceito material da

proposta. (Fig.37).

A utilização desse material, perfeitamente ajustado à linguagem intuída, permitiu

somarem-se ganhos quanto à sustentabilidade, concluindo às finalidades

conceituais do assemblage.

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CAPITULO 3

SUCATA SUADA

Cumpre registrar nesta monografia o percurso cronológico para a obtenção

das latas e material pictórico complementar: 1) procura de latas descartadas nas

caçambas posicionadas nos logradouros públicos, 2) localização de obras da

construção civil em fase de acabamento, 3) entrevista com os encarregados das

obras para obter a autorização da coleta, 4) encomenda das latas se as mesmas

ainda não estiverem à disposição, 5) localização e coleta do material dentro do

canteiro, 6) disputas pela posse do material com catadores de sucata desvinculados

à entidades, 7) recolhimento de unidades abandonadas em logradouros públicos. A

procura, localização e coleta do material consumiram de 10 a 12 meses

ininterruptos, na visitação a obras, procura por responsáveis pela liberação do

material, remoção e separação de resíduos de toda natureza em caçambas para

recolher as latas onde estivessem disponíveis.

Fig 37 – Vista do local de armazenagem das latas. Na parte inferior vê-se o material como foi recolhido; na parte superior latas já preparadas para a fase de finalização.

Obtidas as latas no estado em que se encontravam, e logo armazenadas em

local protegido de intempéries (Fig. 37), iniciam-se os procedimentos de limpeza e

preparação: Localizadas e recolhidas, cada lata teve todos os resíduos, de tinta ou

rotulagem removida a fogo; posteriormente lixados, rebitados e lavados em jornadas

que duravam em média 2 horas para cada peça.

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Nas extremidades perimetrais de cada peça (lata) foram executados 8 furos

destinados aos encadeamentos das peças entre si e sustentação das mesmas em

arranjos de suspensos e afins. Para a ancoragem das composições foram

desenvolvidas sapatas de concreto armado dimensionadas em 23,5x23,5x5cm para

o encaixe das latas no lastreamento (Fig. 38).

Fig.38 – Ensaio j – 2011 Fig. 39 – Ensaio k - 2011

O outro item que compõe a linguagem plástica deste trabalho é o tratamento

pictórico do objeto receptor (a lata); para essa finalidade foi utilizada sucata

(retalhos) de película adesiva colorida de PVC (tinta em estado sólido impressa em

filme), fonte de cor (Pantone) para comunicação visual, sinalização e envelopamento

(aplicação da película sobre a pintura original de automóveis e eletrodomésticos),

coerentemente com os parâmetros da obra aqui relatada, esse produto vem a ser a

evolução natural da tecnologia e da indústria para o uso controlado da tinta, além de

produzir uma sucata perfeitamente ajustada ao conceito aqui desenvolvido (Fig. 39).

Fig. 40 – Jayme Bispon, “Platéia” 2010 (Latas de cerveja e tampas de latas em grade de ferro,

160 x 100cm)

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As embalagens de alumínio, por outro lado, acrescentam o movimento às

linguagens devido ao peso; quanto ao volume do conjunto atendem a

contextualizações visuais figurativas de grande impacto conforme experimentações

logísticas e pictóricas (Fig. 40). Outros itens provenientes do mesmo tipo de material

permitem um tratamento plástico onde se aplicam linguagens que requerem

apurados acabamentos de superfície devido a conformação desses suportes,

combinados com incidências luminosas, possibilitando efeitos inusitados (Fig. 41)

Fig. 41 Jayme Bispon, “Reticulado” 2010 (Tampinhas de garrafa s/painel de madeira 90x60cm)

Entendendo que a utilidade do objeto produzido a partir dos recursos

naturais não cessa após atender às demandas para as quais foi concebido,

Herschell B. Chipp em Teorias da arte moderna (SP :1988), pontua: “ A arte deverá

passar pela tecnologia porque esta contém aquela, reaproveitando o que foi utilizado

enquanto meios materiais.”

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CONCLUSÃO

A conclusão desta monografia/relatório é uma reflexão/inventário sobre a

elaboração de uma linguagem – o assemblage – definida como a justaposição de

vários materiais recorrentes a um processo pictórico expressionista abstrato.

O crítico e historiador da arte Clement Greenberg, em Arte e cultura /

Ensaios críticos ( 2001), reflete: “A arte é uma questão estritamente de experiência,

não de princípios, e o que conta na arte em primeiro e último lugar, é a qualidade:

todas as outras coisas são secundárias” e aponta , estendendo as suas observações

até o artista que emulou este trabalho:

[...] A pretensão artística é geralmente o sintoma de um medo de que a obra de arte não exiba suficientemente sua identidade enquanto arte e seja confundida como um objeto utilitário ou puramente arbitrário. (...) As exceções entre os artistas são precisamente aquelas que constituem as poucas exceções à decepção geral que a escultura modernista tem sido na última década. A mais notável delas é David Smith que não hesito em chamar de o melhor escultor de sua geração (GREENBERG, 2001, p.210).

Este trabalho, entretanto, limita-se à utilização de apenas dois materiais, ou

objetos, denominados sucatas, conduzindo a pesquisa quanto a formatação das

peças (número de latas utilizadas, encadeamento das peças entre si e modos de

exibição).

O resultado plástico obtido pela abrasão das superfícies das latas e a

aplicação da película auto-adesiva, na obtenção do tratamento cromático/pictórico

utilizando-se cores prontas (Pantone) patenteadas, posiciona a obra em um patamar

exclusivo que será explorado a partir deste trabalho.

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Formulando uma equação da natureza, verificamos que aonde prolifera o

excesso, ocorre o controle. No caso dos ratos e gatos, esses, predadores, ao se

alimentarem daqueles, garantem a própria sobrevivência e equilibram a oferta dos

outros recursos naturais para o bioma.

Este trabalho utiliza o paradigma da natureza como referência temática para

estruturar a proposta de valorização dos suportes artísticos, mediante o

aproveitamento das embalagens metálicas descartadas destinadas à reciclagem, ou

não, elaborando montagens escultóricas ou desenvolvendo linguagens picturais

sugeridas a partir dessas montagens, obtidas pela combinação dos formatos e

volumes do material recolhido, transformando-as definitivamente em outros objetos.

Essas latas e seus componentes, definitivamente recuperados das

estatísticas da poluição, são repensados para o usufruto da expressividade visual.

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