Natália Godinho Coutinho

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DOUTRINA E CONFRONTO: Corpo e Paisagem nos Trabalhos de Absalon e Natália Coutinho

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9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9

DOUTRINA E CONFRONTO Corpo e Paisagem nos Trabalhos de Absalon e Natália Coutinho

Natália Godinho Coutinho 1

Resumo: O presente artigo objetiva provocar uma reavaliação das estratégias traçadas por um

sistema social conservador, que se sustenta a partir de uma política de disciplina dos corpos, no

intuito de disciplina-los e dividi-los em categorizações simplistas, para que os mesmos

apresentem-se enquanto modelos interessantes a uma ordem civil.

Palavras-Chave: Corpo. Disciplina. Paisagem. Absalon. Natália Coutinho.

Abstract: This article aims to provoke a reassessment of the strategies designed by a conservative

social system, which is supported based on a discipline policy of the bodies, in order to discipline

them and divide them into simplistic categorizations, so that they present itself as interesting

models to a civil order.

Keywords: Body. Discipline. Landscape. Absalon. Natalia Coutinho.

Tematizada frequentemente nos trabalhos de artistas contemporâneos, a complexidade

envolta nas relações tecidas entre corpo e espaço permeiam a historiografia da arte. Tal

relação, constituindo uma paisagem arquitetonicamente preparada para melhor acondicionar o

sujeito como fragmento de uma massa homogêneo-sociabilizante, aparece como questão

correlata a dois trabalhos de dois artistas contemporâneos, analisados neste artigo. O primeiro

destes Absalon, artista israelense que viveu em Paris de 1987 a 1993 onde produziu uma série

de trabalhos intitulada “Células”, estruturas funcionais e habitáveis construídas e ntre os anos

de 1991 e 1993. A segunda artista é Natália Coutinho, brasileira nascida em Belém-PA, da

qual o trabalho Sala Neo-Concreta, produzido em 2008, é aqui enfocado.

A maquinária que rege essa massa, em ação disciplinadora, justifica-se por uma

lógica social arbitrária e assume um compromisso com a criação de uma “História” e de

“momentos históricos” que possam validar e sustentar em desequilíbrio, o emblema da

“verdade” de uma “Sociedade Contemporânea”.

Segundo Foucault “a disciplina é um princípio de controle da produção do discurso. Ela

fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualizarão permanente

de regras” (FOUCAULT, 2005:36). As palavras do autor vêm aqui como elucidação das

entranhas do processo de produção das identidades, que são edificadas para o sujeito ainda em

sua primeira forma: o discurso.

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Torna-se, ainda, de suma importância investigar, as outras formas onde o discurso se

materializa, na construção arquitetônica de um meio urbano, como espaço de representação

dos papéis distribuídos e ainda no design mobiliário, como estratagemas presentes no

cotidiano, que conduzem o corpo por meio de experiências sinestésicas a uma condição

passiva de utilidade ao sistema. É importante salientar ainda que assim como o organismo

social veio desenhando uma ordem a ser seguida, o corpo veio igualmente desviando e

desarticulando as armadilhas que foram deixadas no caminho para que ele fosse encarcerado

em definições simplificadoras. A esse corpo foram atribuídas qualidades a serem exaltadas

ou reprimidas, instituindo-se para ele premiações e castigos na ratificação de um

comportamento modelo – a norma.

FIGURA 1: Natália Coutinho – Sala Neo-Concreta, 2008.

O texto aqui apresentado procura problematizar questões presentes dentro dessas relações,

tomando parte do trabalho de Absalon “Células”, enquanto construções inteiramente brancas

cujas formas reproduzem uma escala referente ao seu corpo, porém reduzindo aos

movimentos mais mínimos que garantiriam sobrevivência, abreviando assim as ações por ele

executadas criando relações entre o meio urbano e as qualidades subjetivas afetadas por esse

1 Natália Godinho Coutinho é artista e aluna de pós-graduação do Instituto de Artes da Universidade de

Campinas.

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meio social. O texto toma parte ainda de um trabalho de minha própria produção intitulado

“Sala Neo-Concreta” (Fig.1), onde modifico escalas de uma mesa e cadeira e construo-as com

materiais típicos do universo da construção civil como forma de pontuar as formas

arquitetônicas que serviriam a recondicionar o corpo em um papel social pré-definido. A

intenção é a de criar uma intersecção entre os conceitos discutidos nos dois trabalhos para que

os mesmos possam indicar caminhos possíveis para desarticulação desses papéis instituídos

ao corpo do sujeito.

1.1 O Corpo como Processo nos Trabalhos de Absalon

As construções assépticas do artista Israelense Absalon, produzidas em Paris entre

1991 e 1993, intituladas “Células” (Fig.2), possuem internamente o mobiliário com medidas

relacionadas às de seu próprio corpo, em escala extremamente reduzida, restringindo ao

máximo suas ações a comer, dormir, escovar os dentes, masturbar-se entre outras ações, estas

filmadas e exibidas posteriormente em vídeos intitulados “Soluções”. O artista declara

assumir uma postura de preservação de sua subjetividade, quando se auto-aloca nessas

instalações compactas. Ainda que afirme que sua intenção não seja a de se isolar do mundo

que o cerca, mas que apenas intenciona resguardar ali um lugar para que suas qualidades

subjetivas possam sobreviver, é dentro dessa condição de clausura que o enxergamos.

Perceber o corpo do trabalho de Absalon é adentrar em uma representação do sujeito

que teve seus movimentos amplamente restringidos e que luta contra o desvanecimento de

suas qualidades mais intrínsecas, que foram atingidas por um complexo normativo-

homogeneizante. Quando os vídeos “Soluções”, de 1992, mostram o artista em ações mínimas

como dormir, escovar os dentes, masturbar-se, banhar-se, etc. Presenciamos uma espécie de

concentração das qualidades básicas de sua existência, em movimentos que acabam

adquirindo dentro dessa construção asséptica e mínima, uma potência significativa que se

dilata, precisamente na restrição desse espaço. Ao assistir o artista em performance, é

impossível não relacionar essa restrição também ao fato do mesmo ter contraído Aids durante

a própria construção de do trabalho em Paris e igualmente considerar o fato do artista ter

vivido uma experiência como soldado ainda em Israel, tendo desertado, alegando loucura para

fugir de sua obrigação militar. Apesar desse dado importante, não é especificamente essa

informação que sustenta toda essa fragilidade que presenciamos no gestual do artista, quando

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em performance, mas a sua declaração sobre essa espécie de ataque às suas qualidades

subjetivas, como algo recorrente na vida em sociedade.

Ao assumir a referência em Bunkers, construções típicas do imaginário bélico,

Absalon sublinha para nós um estado de defesa constante e absoluto, permitindo que

enxerguemos essas células como um nicho dentro de um habitat naturalmente hostil e

modelador das qualidades do sujeito, apontando não para uma guerra propriamente dita, mas

para uma espécie de batalha pela existência e sobrevivência do subjetivo diante da

massificação. É necessário lembrar que a matéria que Absalon escolhe para construir suas

células é absolutamente frágil, constituindo-se dessa forma em uma contradição, já que aos

nossos olhos parece que o artista nos aponta para uma defesa que já está predestinada a falhar,

a ser invadida e destruída. Tais construções foram projetadas e montadas em áreas dentro de

cidades distintas, espalhadas pelo mundo inteiro, conferindo dessa maneira, ainda, um caráter

nômade ao corpo dentro de uma atmosfera de perseguição instaurada.

1.2 A Paisagem como corpo do trabalho de Absalon

Se o corpo do sujeito é identificado como fragmento físico de uma gigantesca massa

social, a paisagem que é estabelecida para Absalon se dá em forma de uma arquitetura

delimitadora. A paisagem dentro dos trabalhos do artista é como recortes de uma percepção

sensorial desse sistema de códigos normativos. Não faz-nos pensar em árvores, montanhas,

lagos, nem tão pouco em prédios, carros, praças, mas a paisagem em seus trabalhos passa a

ser um conjunto de situações imperativas, repetidas incessantemente em forma de cotidiano.

A paisagem poderia ser compreendida nesses trabalhos como jogo, dentro do conjunto

de regras básicas engendradas para que se possa minimamente ter a permissão de jogar. A

tensão desse jogo estaria presente o tempo inteiro numa configuração contínua de jogadas que

elaborariam para o jogador a expectativa do próximo lance, onde o erro e o acerto seriam as

bases regentes de um movimento físico do corpo do sujeito, como peça fundamental.

Se o jogo é estabelecido em uma paisagem social, presume-se que se pudéssemos

fazer uma analogia com a realidade, o tabuleiro poderia ser representado enquanto arquitetura

e essa consciência no trabalho do artista, de que as linhas e formas que ela engendra vão

marcar definitivamente a maneira pelas quais as relações serão estabelecidas naquele espaço,

são categoricamente intuídas e fisicamente expressas nos trabalhos do artista. Ao modificar as

escalas padrão de uma moradia, criando um ambiente que leva o sujeito à concentração

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máxima de suas ações e gestual, Absalon se vale da arquitetura para tensionar a presença

desse corpo em sua “Célula”.

As relações entre a arquitetura, e corpo são bem demarcadas do trabalho de Absalon,

que assinala para uma absoluta necessidade em demonstrar por mediação da performance no

trabalho “Soluções” (que funciona de certa maneira como um desmembramento de “Células”

já que demonstra a ação que se passa dentro dela), a forma a qual o corpo reage a um espaço

tão austero em suas medidas expressivamente compactas.

É possível tecer através de tais relações, uma proximidade com o pensamento

modernista, de arquitetura pura, cética e radical de Le Corbusier. Ainda que consideremos que

o artista nasceu em Israel e que esta em sua arquitetura nunca se influenciou por fontes

modernistas, sabe-se que suas construções urbanas são marcadas pela cor branca e pela

contenção de formas, levando-nos consequentemente a entender que as bases do pensamento

de Absalon tenham realmente sido pré-formuladas ainda em sua cidade Natal. Contudo, o fato

do artista ter escolhido como estúdio uma construção desenhada por um arquiteto tão

emblemático como Le Corbusier, cuja trabalho possibilitava diversas tangentes com o seu

próprio processo, pode ser compreendido também como um sinal de que Absalon assume essa

proximidade entre os dois pensamentos.

Ao revisitar as bases do pensamento modernista na arquitetura e especificamente em Le

Corbusier, nos deparamos com uma de suas premissas básicas: a total rejeição aos estilos

históricos instituídos, carregados de superficialidade causada pelo uso constante do

ornamento. O desejo em criar uma arquitetura de espaços mínimos, geométricos e abstratos,

levou às construções úteis e econômicas e salvas de qualquer artifício ornamental, inclusive

da cor, adotando, portanto o uso do branco, na tentativa de enfatizar o afastamento a um

pensamento vulgarizado pelo mero ilustrativo.

Torna-se, assim, pontual assinalar tais similitudes para que possamos compreender melhor

o papel da paisagem do trabalho do artista, que ao ser formulado como algo que poderia

desconcentrar o sujeito de suas características essenciais e promover nele uma dispersão, é

imediatamente apartada, não de forma a ignorá- la por completo, mas de assegurar que esta

não decretaria um modelo a ser espelhado.

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FIGURA 2: Duas vistas de um trabalho da série “Célu las” do artista Absalon-1992-93

1.3 Corpo como alvo, como Estratégia em meu processo de trabalho.

Em sala Neo-Concreta, trabalho de minha autoria de 2008, modifico as escalas de

uma mesa e de uma cadeira, alterando a composição física deste mobiliário, construindo-o a

partir de materiais específicos do universo da construção civil, como cimento, compensado,

arame, pedras, areia, etc. Levando os móveis a adquirir um aspecto mais bruto, a criar um

desconforto ao vivenciador, que ao sentar em uma cadeira mais baixa que a medida padrão,

tendo à sua frente uma mesa mais alta que o habitual, fica com o campo de visão amplamente

restringido. O olhar do espectador fica direcionado pela posição estratégica do móvel a uma

imagem fixada na parede, desenho em perspectiva humanizada de um ambiente peculiar

típico de stands de comercialização de imóveis, que costumam funcionar como tática de

sedução aos possíveis compradores, onde as proporções nunca correspondem às reais, criando

uma expectativa falsa para esse corpo. Dessa forma aloco o expectador numa condição de

total submissão à imagem, demonstrando, como num espelhamento, a posição de

superioridade que a imagem vem adquirindo quando confrontada ao real.

O lugar ocupado pelo corpo em meus trabalhos tem sido a de um espaço previamente

reservado para que ele perceba o mundo e as coisas dentro de uma ótica, que o aloque em

uma condição frágil e suscetível. Conduzido ele vaga pelos lugares sem absorvê- los e

propositalmente são definidas formas nas quais os movimentos devem ser executados em uma

coreografia serializada que o conduz a um lugar comum com o argumento da sociabilização.

Definidas as metas que este corpo deve cumprir, sequencialmente são geradas uma

série de datas as quais também devem ser respeitadas para que ele possa atingir uma total

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plenitude existencial. Ainda que todo controle exercido dentro de uma rede sequencial de

treinamentos pelo qual ele passa, desde a primeira idade, tenham s ido cuidadosamente

projetadas para que sejam suficientemente atraentes para ele, ainda assim existem corpos que

falham que não cumprem essa demanda ou se negam a cumpri- la. Dessa forma os trabalhos

que apresento também tem a preocupação em demonstrar as formas que o corpo foi

encontrando para driblar tais mecanismos de controle.

1.4 Paisagem-instável e Paisagem-estabelecimento em trabalhos de minha autoria

A paisagem em meus trabalhos tem se caracterizado como um lugar em constante

construção, por vezes um lugar muito mais da imagem do lugar do que do lugar propriamente

dito, sendo assim, uma projeção romântica de espaço a ser ocupado pelo corpo. Em outros

momentos essa paisagem aparece em forma de contrastes entre uma arquitetura imponente e

sofisticada e uma arquitetura frágil e precária, onde o lugar do corpo é quase sempre um lugar

do desconforto, do desequilíbrio. A atmosfera que fui construindo em meu processo de

trabalho foi consequentemente se articulando ou como a sombra de um lugar que já havia sido

ou como um espaço reservado pronto a ser demolido a qualquer instante.

Essa inconstância do lugar físico contraposto à imponência e solidez de uma paisagem

enquanto instituição social formal vem cada vez mais se materializando em trabalhos que

venho construindo, tanto em forma de espelhamento para situações em que o sujeito

experiencie fisicamente condições em que a sua compreensão de lugar lhe seja arrancada,

como em sugestões que formulo para que ele drible essa espécie de ataque que lhe é

investido.

A percepção da arquitetura como um organismo vivo, detentor de uma estrutura

organizacional, capaz de engendrar para o corpo um caminho a ser percorrido com objetivos e

metas, enquanto lugares formais vêm sugerindo para mim articulações que esse mesmo corpo

encontra para esquivar-se dessa malha institucional. Essas articulações se materializam em

trabalhos que crio, enquanto construções que possibilitem adentrar o núcleo dessas relações,

tecidas através desse modelo social pré-fabricado e insinuar um novo posicionamento a ser

ocupado pelo corpo, onde o mesmo desestabilize esse modelo formatado para ele.

A consciência do peso das referências que carrego da paisagem de minha cidade natal,

Belém, no estado do Pará, quando em confronto com a paisagem hoje apontada para mim em

São Paulo, cidade onde vivo há mais de dez anos vêm determinando os contrastes que

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produzo em meus trabalhos. Tendo eu nascido em região próxima à Amazônia, onde as

construções ribeirinhas se disseminam pelos subúrbios cortados por rios e se contrapõem

tanto às construções de linhas rebuscadas e ornamentais presentes na arquitetura de influência

francesa representadas pela Belle-Époque, quanto aos novos prédios em construções cuja

estrutura elevada abarca uma imponência esvaziada de estilo arquitetônico, acabo por me

contagiar com essas informações urbanísticas para melhor conceber as bases de um

pensamento que privilegia discussões sobre o lugar ocupado pelo corpo e os papéis

reservados às relações fomentadas para ocupar esse ambiente.

Ao entrar em contato com as construções do arquiteto Le Corbusier que alicerçou as

bases de um pensamento modernista, tendo como conceito fundamental, uma arquitetura

limpa e livre da superficialidade impressa pelo ornamento, atentei para a premissa uma nova

estrutura de construções que deveriam alicerçar-se em Pilotis e dessa forma serem

absolutamente suspensas. Encontrei, assim, uma similaridade com um antigo trabalho meu

intitulado ”vírus- Palafita” em que construo uma palafita e ergo-a ao lado de uma instituição

cultural de prédio imponente e arquitetura contemporânea do Instituto Itaú Cultural, o que me

permitiu depois de uma pesquisa mais aprofundada sobre esse movimento, chegar a

informação de que o arquiteto via realmente nessas construções simples e de origem humilde,

um espelho do que seria a arquitetura de seu futuro: construções funcionais e suspensas,

pensadas para que o homem exerce-se ali suas atividades vitais.

A partir dessas informações, Atentar para as formas que o espaço urbano vem criando

para o corpo no intuito de traçar para ele uma rota específica, assim como os subterfúgios

incutidos no comportamento do sujeito, como formas estratégicas de fuga às expectativas

projetadas para ele, são questões que emergem no decorrer de minha pesquisa.

1.5 Conceito de corpo em trabalhos de Absalon e em trabalhos de minha autoria

Nos dois trabalhos, tanto em sala Neo-Concreta de minha autoria como em “Células”,

do artista Absalon, o corpo é apresentado como um corpo fragilizado, alocado dentro de uma

situação em que essa fragilidade é potencializada ao máximo e dentro da qual são refletidos

os mecanismos de um sistema hierarquizante que provoca nesse corpo uma condição de

inferioridade.

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Em “Sala Neo-Concreta”, ao sentar de frente para a imagem tridimensional de um

ambiente comum a ponto de venda imobiliários, na cadeira e mesa de madeira e cimento,

matéria bruta com cheiro forte e com arames amarrados por toda a superfície, trazendo suas

escalas modificadas já para reservar esse lugar passivo ao espectador-vivenciador da

experiência, a ele é imediatamente designada essa qualidade de observador, como numa

experiência didática enriquecedora, que tivesse sido preparada para que ele compreendesse

sua condição frágil em relação ao sistema. Desse modo o trabalho remonta uma situação onde

o corpo do sujeito é confinado em um mobiliário que não é mais apenas mobiliário, mas uma

construção que equivaleria a um prédio, onde é definido para o sujeito um papel social a ser

ocupado.

Em “Células”, tanto o corpo de Absalon, como daqueles que experimentam adentrar o

espaço mínimo dessa construção, são prontamente encarcerados numa brancura asfixiante, de

vazio estarrecedor, na claustrofobia de medidas constritoras. Desse modo o artista leva o

espectador- vivenciador da experiência a mimetizar um movimento seu de confinamento e

confronto consigo próprio. Adentrar a célula de Absalon é uma espécie de convite a um

ensimesmar que se perpetua no vazio daquela arquitetura mínima, e que obriga o expectador a

ver-se nessa condição distanciada de seu eu-coletivo, o que nem sempre pode ser uma

experiência prazerosa, tendo em vista que a percepção de subjetivo que lhe foi incutida é

aquele ainda presente dentro de um conceito deformado vinculado à ideia de “identidade”,

que formularia para ele respostas sobre ele mesmo.

Ao propor uma intersecção entre os dois trabalhos “Células” de Absalon e “Sala Neo-

Concreta” de minha autoria, viso uma discussão entre o papel do corpo no espaço urbano,

mais especificamente no espaço social, permitindo que se reavaliem os papéis que foram

determinados e os métodos adotados para a compartimentalização da subjetividade do sujeito,

dentro de um molde identitário, para que se possa repensar quais seriam as táticas para um

desmembramento do sujeito desse modelo institucionalizado.

1.6 Intersecções entre o conceito de paisagem nos trabalhos de Absalon e de minha

autoria

Por mais que em meu cotidiano não conste uma memória direta de materiais bélicos e

a experiência física com esse universo não tenha existido diretamente, consigo ver através de

uma memória, que tanto pode ser a de um inconsciente coletivo, implantado pelas imagens da

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televisão, como pelas imagens e acontecimentos que vivencio no cotidiano do espaço urbano

de uma metrópole como São Paulo, que essa tensão implícita no convívio diário, dentro de

grandes centros urbanos se aproxima de um estado de constante vigilância e paranoia,

também vivenciadas de forma mais explícita em áreas de combate.

O cotidiano de uma grande cidade, com toda a estrutura, planejamento e,

ambiguamente, o caos que se instaura nas bases de uma política interna de sobrevivência, me

apontam para uma existência que vai se justapondo àquelas vividas em áreas de conflito onde

se pode experienciar, tanto formas veladas, como formas absolutamente explícitas de

violência, que se perpetuam como um código emblemático e banalizado do conceito de

sociedade contemporânea.

Ainda que o contexto biográfico do artista Absalon, registre uma referência a

materiais de uso bélico, sabe-se que as analogias criadas em seu trabalho apontam muito mais

para uma luta pessoal que o mesmo trava no sentido de defender sua subjetividade, do que

propriamente para uma defesa em um sentido mais óbvio, por um território enquanto pátria. O

território que Absalon defendia era um território de caráter subjetivo, onde ele poderia exercer

sua liberdade individual.

Ao compreender a paisagem como uma edificação que elabora para o corpo um

caminho em forma de cotidiano e que a partir de uma leitura prévia das qualidades do sujeito

determina onde e de qual forma o mesmo vai ser aproveitado dentro de uma agregação

socialmente satisfatória, imprime uma necessidade em rever algumas questões que foram

sendo discutidas no universo da arte. Desta forma, se retira dele as qualidades que seriam

interessantes para essa construção e descartando inteiramente àquelas insignificantes para essa

escultura social. Estas referências conceituais foram igualmente alicerçando uma nova

complexidade para o significado de corpo dentro de um espaço que veio sendo modificado

tanto pelo advento da industrialização como de tantos outros fatores que vieram a reformular

toda a estrutura política de orientação espacial para o mesmo.

Avaliar os mecanismos onde se instala uma paisagem arquitetonicamente criada,

como estratégia para a compressão e simplificação das qualidades subjetivas (que em geral se

perpetuam em experiências proporcionadas ao corpo em construções tanto de uso comum,

como de uso individualizado) tem sido uma inclinação recorrente dentro do processo de

elaboração da poética de meus trabalhos, assim consequentemente é de extrema importância

que eu estabeleça contato com o trabalho de artistas que tangenciem essas mesmas

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preocupações, no intuito de que eu consiga provocar diálogos esclarecedores para minha

própria pesquisa.

A partir da consciência de que o trabalho de Absalon tangencia questões que se

aproximam daquelas que têm sido uma constante em conceitos tratados em minha produção, e

mesmo que seu processo de trabalho se diferencie do meu em muitos aspectos, acredito as

tangentes entre entre os conceitos discutidos permitem a estruturação de artifício para novas

estratégias que subvertam uma ordem totalitária infringida ao corpo em uma paisagem que se

manifesta na arquitetura de um ambiente sensivelmente fiscalizado.

Referências Bibliográficas

CAUQUELIN, Anne. A invenção da Paisagem. São Paulo: Martins, 2007.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. São Pau lo: Vozes, 2009.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo : Loyola, 1996.

PFEFFER, Susanne. Absalon. Berlin : KW, 2010.