Natasha Marjanovic

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"Estória" de vida da actriz Natasha Marjanovic

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Page 1: Natasha Marjanovic

“Nasci na Bósnia, vivi na Sérvia, casei com um croata, divorciei-me do mesmo croata e agora tento ser por-tuguesa! É mais fácil assim do que en-tender tudo o que aconteceu.” Mas foi mesmo isso que o ÁGORA tentou saber. Natasha Marjanovic já é co-nhecida no mundo do teatro portu-guês com o seu grupo de teatro Cin-derela, direccionado para as crianças. Aqui no Centro é a nossa formadora nos ateliers de Teatro e Teatro para Crianças. Nasceu numa cidade muito pequeni-na da Bósnia Herzegovina chamada Jajce, mas salienta que a naciona-lidade que sente e que afirma é a ju-goslava, mesmo que o país político já não exista. “Reza” a História Mundial que a anti-ga Jugoslávia era constituída por seis repúblicas: Macedónia, Montenegro, Sérvia, Croácia, Bósnia Herzegovina e Eslovénia. A diversidade étnica e religiosa fez com que os conflitos dis-parassem a partir do início dos anos 90, especialmente entre a Sérvia e a Croácia.Aquando do seu nascimento os pais trabalhavam na Bósnia e “por acaso” nasceu lá. Enquanto criança era muito extrovertida e direccionada para as artes. O casamento de Natasha aconteceu aos vinte anos. Conheceu o marido ainda quando eram crianças, e a in-genuidade da juventude fê-los deci-direm-se a ter filhos para poderem casar. Foi o que fizeram quando en-traram para a faculdade. Na altura os nacionalismos exacerbados não viam com bons olhos um casamento entre pessoas das diferentes repúblicas. Apesar de tudo tiveram o apoio dos pais e depois do casamento, Natasha e as suas duas filhas gémeas foram morar para Sarajevo, na Bósnia, a terra natal do marido. Com o nascimento da gémeas Natasha interrompe o curso na Es-

cola Superior de Teatro de Sarajevo e pouco tempo depois, o início da guerra fez com que tivesse de le-var as suas filhas, ainda bebés, para Belgrado, na Sérvia, para a casa dos pais. A fuga de Sarajevo para Belgrado não foi uma acção processada de ânimo leve: “hoje em dia posso garantir que a Guerra tem um cheiro. O cheiro da incerteza. Uma pessoa torna-se ner-vosa por não saber o que se passa. Quanto tenho problemas eu vou ao encontro deles para fazer qualquer coisa para os resolver, e na guerra não se pode fazer isso. Sentimos uma grande impotência. Podes ter estudado muito, saber não sei quan-tas línguas… mas na verdade quan-do caem bombas por todo o lado, quando tudo fica destruído…”.Em Belgrado retomou o estudo na Escola Superior de Teatro ao mesmo tempo que cuidava das duas filhas. O cenário de guerra mantinha-se em Sarajevo mas em Belgrado também se sentia a instabilidade e insegu-rança de uma máfia crescente. Para ajudar a pagar os estudos e mesmo a sustentar a família começou a ani-mar festas de aniversário dos filhos dos grandes patronos da máfia. “Em sete anos eu contabilizei cerca de 1500 festas. Eram cerca de 36 por mês. ” E foi este rendimento que a permitiu alimentar a família mesmo com a inflação galopante. “Assim que tínhamos algum dinheiro íamos logo às compras porque o preço que estava de manhã à tarde já tinha du-plicado!”. Depois do curso é convidada para fun-dar uma Companhia de Teatro para crianças em Sava Centar. Foi já nesta altura que se começou a afastar do marido. Enquanto Natasha fazia por “enfrentar” a guerra através do te-atro, o marido resignou-se a trabalhar num restaurante onde tinha de lidar com as adversidades inerentes a um trabalho que não gostava. “Foi uma

grande p a i x ã o , uma estória muito bonita, mas de-pois não soubemos crescer juntos”. Em 1999, com o agravamento dos conflitos, a Nato começa o bom-bardeamento a Belgrado e depois de uma semana debaixo de fogo, Natasha decide vir para Portugal, onde já estava o seu irmão. Vem com o marido e as filhas com a esperança num recomeço. Mas o novo país não trouxe a lufada de ar fresco que o casamento de Natasha precisava. O marido começou a refugiar-se no ál-cool e a tornar-se violento. Passado um ano, o próprio marido tomou consciência de que era um perigo para a sua família e voltou para a ex--Jugoslávia.O primeiro emprego de Natasha em Portugal foi num bar Irlandês. A fa-miliaridade com o Inglês permitia-lhe atender o público estrangeiro. Foi através de um cliente desse bar que conseguiu voltar à sua profissão de coração: foi ajudar na produção de um programa para crianças na SIC. Foi aqui que se começou a aproximar da cultura e da língua portuguesa e foi com este primeiro passo que começou a organizar a vida no sen-tido de voltar ao teatro. Com a ajuda de um colega de profissão começou a vender os seus espectáculos. Ia porta-a-porta a escolas e instituições vender as suas peças e os seus work-shops. E o sucesso não se lhe fez rogado. “Em 15 dias marcámos 24 espectáculos. Naquela altura garanti que com os cursos ia pagar a minha casa e com os espectáculos as mi-nhas despesas”. Hoje Natasha consegue orgulhosa-mente levar as duas filhas para a faculdade e manter um nível de vida razoável. “Nada me caiu do céu. Tive de trabalhar para tudo. Mas real-mente encontrei uma área que gos-to muito. Nunca senti o peso meu trabalho”.o

Natasha Marjanovic“Nunca senti o peso meu trabalho”

Vidas com História

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