NATUREZA: UM CONCEITO NATURAL

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NATUREZA: UM CONCEITO NATURAL? Suzana Theodoro Martins Peixoto Universidade Federal de Viçosa – UFV Pça: São Paulo, 80/201 Centro - Muriaé MG CEP 36880-000 - Tel: (32) 37210448 Email: [email protected] Revisado em 4 de agosto de 2008, aceito em 12 de dezembro de 2008. RESUMO - O presente artigo é o resultado de uma pesquisa monográfica e teve como objetivo verificar a concepção de natureza veiculada nos materiais de divulgação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Os materiais de divulgação investigados foram um folder: Parques de Minas e o site do Instituto Estadual de Florestas IEF – MG. Os Parques fazem parte de uma categoria de Unidades de Conservação, estas são respaldadas pela lei 9985/2000, que estabelecem as regras e normas para a criação, implantação e gestão. E tem por finalidade contribuir com a manutenção da biodiversidade, proteger os recursos naturais e respeitar a cultura das populações tradicionais. Dessa forma, o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro foi criado para preservar um dos últimos resquícios de Mata Atlântica, situado na Zona da Mata Mineira, englobando os municípios: Araponga, Ervália, Fervedouro, Miradouro, Divino, Pedra Bonita, Sericita e Muriaé. É importante revelar que, em parques não são permitido moradores em seu interior. Essa é uma discussão importante e remete-se a Idade Antiga, nessa época, o ser humano vivia em harmonia com a natureza, acreditando que ela era habitada por deuses, por isso, havia respeito e também medo. Com o surgimento do Iluminismo na Idade Moderna, houve uma transformação na forma de pensar do ser humano, uma vez que começa a valorização da razão. A explicação e o entendimento dos fenômenos naturais não eram mais aceito através dos dogmas religiosos, no entanto, deveriam ser feitos por meio da 1 Monografia apresentada como cumprimento das exigências de conclusão do Curso de Bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Viçosa - UFV, sob orientação do prof. Eduardo Jose Pereira Maia, e co-orientação do prof. Willer Araujo Barbosa. Espaço & Geografia, Vol.11, N o 2 (2008), 47:87 ISSN: 1516-9375

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Conceito de natureza.

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  • NATUREZA: UM CONCEITO NATURAL?

    Suzana Theodoro Martins Peixoto

    Universidade Federal de Viosa UFVPa: So Paulo, 80/201 Centro - Muria MG CEP 36880-000 - Tel: (32) 37210448

    Email: [email protected]

    Revisado em 4 de agosto de 2008, aceito em 12 de dezembro de 2008.

    RESUMO - O presente artigo o resultado de uma pesquisa monogrfica e teve como

    objetivo verificar a concepo de natureza veiculada nos materiais de divulgao do

    Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Os materiais de divulgao investigados foram

    um folder: Parques de Minas e o site do Instituto Estadual de Florestas IEF MG. Os

    Parques fazem parte de uma categoria de Unidades de Conservao, estas so respaldadas

    pela lei 9985/2000, que estabelecem as regras e normas para a criao, implantao e

    gesto. E tem por finalidade contribuir com a manuteno da biodiversidade, proteger os

    recursos naturais e respeitar a cultura das populaes tradicionais. Dessa forma, o

    Parque Estadual da Serra do Brigadeiro foi criado para preservar um dos ltimos resqucios

    de Mata Atlntica, situado na Zona da Mata Mineira, englobando os municpios:

    Araponga, Ervlia, Fervedouro, Miradouro, Divino, Pedra Bonita, Sericita e Muria.

    importante revelar que, em parques no so permitido moradores em seu interior. Essa

    uma discusso importante e remete-se a Idade Antiga, nessa poca, o ser humano vivia

    em harmonia com a natureza, acreditando que ela era habitada por deuses, por isso,

    havia respeito e tambm medo. Com o surgimento do Iluminismo na Idade Moderna,

    houve uma transformao na forma de pensar do ser humano, uma vez que comea a

    valorizao da razo. A explicao e o entendimento dos fenmenos naturais no eram

    mais aceito atravs dos dogmas religiosos, no entanto, deveriam ser feitos por meio da

    1 Monografia apresentada como cumprimento das exigncias de concluso do Cursode Bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Viosa - UFV, sob orientaodo prof. Eduardo Jose Pereira Maia, e co-orientao do prof. Willer Araujo Barbosa.

    Espao & Geografia, Vol.11, No 2 (2008), 47:87ISSN: 1516-9375

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    observao cientfica aliada ao raciocnio e, assim, com esse pensamento a cincia comea

    a surgir. A partir de ento, o ser humano define a natureza como natural e ao modificar a

    natureza pelo trabalho humano como artificial. Com isso, h uma separao entre ser

    humano e natureza, transformando-a em objeto sendo explorada e dominada. Essa

    dicotomia entre o ser humano e a natureza fez com que expandissem reas urbanizadas

    e industrializadas, gerando discusses sobre criaes de parques, e estes por sua vez,

    so incentivados e influenciados pelo conceito Wilderness e pelas correntes de

    pensamento, conservacionismo e preservacionismo. Ao analisar os materiais de

    divulgao, percebe-se uma exaltao da natureza como paraso perdido e que o Parque

    Estadual da Serra do Brigadeiro uma representao do belo e difundem uma idia de

    natureza perfeita e intocvel, longe do mundo urbano-industrial, o ser humano entra em

    contato com a natureza para fugir da vida da cidade. Contudo, o ser humano faz parte da

    natureza, e assim, deve enxergar, pois so indissociveis. Sua capacidade de produo

    material no possibilita a governabilidade, e no h como domin-la porque constituem

    parte da natureza. Deste modo, muitas Unidades de Conservao so consideradas

    como ilhas fragmentadas. E essas criaes tm se respaldado em que o prprio ser

    humano o causador de toda degradao que vem ocorrendo no meio ambiente. No

    entanto, no so apenas aes isoladas as causadoras dessa destruio, so aes

    subordinadas ao sistema econmico capitalista.

    Palavras-chaves: Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, Unidade de Conservao,

    material de divulgao, natureza.

    ABSTRACT - The present article is the result of a monographic research and had as

    objective to verify the conception of nature propagated in the materials of spreading of

    the Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. The investigated materials of spreading had

    been to folder: Parques de Minas and the site of the Instituto Estadual de Florestas IEF

    - MG. The Parks are part of a category of Unit of Conservation, this are endorsed by law

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    9985/2000, that they establish the rules and norms for the creation, implantation and

    management of Units of Conservation, that has for purpose to contribute with the

    maintenance of biodiversity, to protect the natural resources and to respect the culture

    of the traditional populations. Of this form, the Parque Estadual da Serra do Brigadeiro

    was created to preserve one of the last resqucios of Mata Atlntica, situated in the Zona

    da Mata Mineira, englobando the cities: Araponga, Ervlia, Fervedouro, Miradouro,

    Divino, Pedra Bonita, Sericita and Muria. It is important to disclose that, in parks they

    are not allowed living in its interior. This is an important quarrel and sends Old Age to it,

    at this time, the human being lived in harmony with the nature, believing that it was

    inhabited for deuses, therefore, also had respect and fear. With the sprouting of the

    Iluminismo in the Modern Age, it had a transformation in the form to think of the human

    being, a time that starts the valuation of the reason. The explanation and the agreement

    of the natural phenomena were not more accepted through the religious dogmas, however,

    they would have to be made by means of the allied scientific comment to the reasoning

    and, thus, with this thought science starts to appear. From now on, the human being

    defines the nature as natural and when modifying the nature for the human work as

    artificial. With this, it has a separation between human being and nature, transforming it

    into object being explored and dominated. This dichotomy between the human being

    and the nature made with that they expanded urbanizadas and industrialized areas,

    generating quarrels on creations of parks, and these in turn, is stimulated and influenced

    for the Wilderness concept and thought chains, conservacionismo and preservacionismo.

    When analyzing the spreading materials, a dither of the nature is perceived as lost

    paradise and that the Parque Estadual da Serra do Brigadeiro is a representation of the

    beauty and spreads out an idea of perfect and untouchable nature, far from the world

    urban-industrial, the human being enters in contact with the nature to run away from the

    life of the city. However, the human being is part of the nature, and thus, must enxergar,

    therefore they are indissociveis. Its capacity of material production does not make

    possible the governabilidade, and it does not have as to dominate it because they

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    constitute part of the nature. In this way, many Units of Conservation are considered as

    fragmented islands. E these creations if have endorsed where the proper one human

    being is the causer of all degradation that comes occurring in the environment. However,

    the causers of this destruction are not only isolated actions, are actions subordinated to

    the capitalist economic system.

    INTRODUO

    O presente artigo o resultado de uma pesquisa monogrfica, Um olhar sobre

    o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro2. A pesquisa teve como objetivo

    compreender a noo de natureza do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro

    (PARQUE)2 tentando estabelecer uma discusso de como essa noo de natu-

    reza veiculada nos materiais de divulgao.

    Os materiais de divulgao analisados foram: um folder com o ttulo Par-

    ques de Minas e o site do Instituto Estadual de Florestas IEF - MG, no seguinte

    endereo eletrnico: www.ief.mg.gov.br, desses materiais de propaganda fo-

    ram retirados alguns trechos dos textos e algumas fotos para que pudessem ser

    analisados e investigados. Sendo assim, surgiram tais questes: Qual a mensa-

    gem que esto querendo transmitir? Qual viso de natureza est sendo difundi-

    da? Com qual intuito?

    Ao buscar as respostas para essas perguntas, houve uma necessidade de

    investigar a maneira como que os seres humanos vm se relacionando com

    meio ambiente, buscando elementos e informaes na histria ambiental que

    2 O termo PARQUE ser utilizado toda vez que se referir ao Parque Estadual da Serra doBrigadeiro. E segundo Barbosa o modo como as populaes do entorno se referem emoposio a PESB, que o termo utilizado pelo gestor.

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    possam comprovar ou evidenciar essas relaes e, tambm, descobrir subsdios

    para a discusso do conceito de natureza. E, por meio desses fatos verificarem

    a importncia das criaes das Unidades de Conservao.

    As Unidades de Conservao pertencem ao poder pblico, amparada na

    lei 9985/2000 que rege todas as normas e critrios para criao, implantao,

    gesto e define as categorias.

    Os parques fazem parte de uma das categorias existentes que no permitem

    moradores em seu interior. Dessa forma, criam-se verdadeiros santurios eco-

    lgicos, e ao entrar nessas reas possam sentir a paz de esprito.

    Considerados verdadeiros parasos perdidos, so criados com um discurso

    de proteger as biodiversidades e garantir o uso dos recursos naturais para as

    geraes futuras.

    Essas criaes tm se respaldado em que o prprio ser humano o causador

    de toda degradao que vem ocorrendo no meio ambiente, e so influenciadas

    pelas correntes de pensamento: conservacionismo e preservacionismo. Essas

    duas correntes de pensamento buscam defender a natureza do uso exploratrio,

    cada uma com sua especificidade, se diferem quanto possibilidade de manejo

    dos recursos naturais. No entanto, no so apenas aes isoladas que causam

    essa destruio, so aes subordinadas ao sistema econmico capitalista.

    A importncia da investigao na histria ambiental porque este conheci-

    mento decorre de uma configurao dentro de um conjunto de estudos que

    aborda o ser humano e o meio ambiente numa mesma influncia e ligao m-

    tua tendo como base a trajetria temporal.

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    A histria ambiental possuindo um enorme campo temporal conduz a uma

    necessidade de escolha por alguns momentos da histria, que aparentemente,

    so mais importantes ou que julgamos mais importante. Como por exemplo: a

    relao dos gregos e romanos da antiguidade com a natureza, pois eles viviam

    em equilbrio com o meio ambiente; o surgimento do Iluminismo que proporcio-

    nou a valorizao da razo nos seres humanos deixando de lado a emoo e a

    f, e com isso, ocasionando a dicotomia entre o ser humano e a natureza. Este

    momento muito importante para o trabalho porque essa separao constituiu

    na construo de uma outra relao com a natureza.

    A investigao na histria ambiental demonstra como determinado povo en-

    tende sobre natureza, demarcando seus interesses e objetivos existentes, para a

    compreenso dessa relao enfatizada e focalizada por este trabalho.

    O artigo se subdivide na seguinte forma, esta Introduo, que contm uma

    apresentao geral, a relao do ser humano com o meio ambiente, enfatizando

    alguns elementos da histria ambiental que constitui o suporte terico para a

    construo e discusso de todo o trabalho e o objetivo do artigo.

    Metodologia, essa seo traz uma pequena descrio como o artigo foi de-

    senvolvido, por meio de levantamentos bibliogrficos e visitas institucionais.

    A natureza em Pauta, esta seo remete-se as argumentaes geradas a

    respeito do conceito de natureza, demonstrando que uma noo construda

    historicamente e socialmente e que h dois pontos de vista que a envolve. Na

    primeira viso entendida como algo a ser conquistada e sua utilizao so-

    mente como fonte de matria prima para o desenvolvimento de novas tecnologias.

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    Na segunda viso, a natureza vista como um paraso terrestre, algo a ser

    contemplado e reverenciado.

    O olhar sob o folder e o site, traz as anlises do folder e do site, estes mate-

    riais de divulgao expressam uma natureza que bela, intocada, criando uma

    imagem do paraso perdido e coloca como existisse uma outra realidade, uma

    realidade espetacularizada e estetizada (CLAUDIO, 2006. p.5), pois, os mate-

    riais de divulgao apresentam o PARQUE como se fosse um mundo maravi-

    lhoso.

    Mas o que um parque, este item traz a temtica sobre as Unidades de

    Conservao suas definies e as discusses que as envolvem, e o Parque

    Estadual da Serra do Brigadeiro, as questes que o enredam como um breve

    relato de sua criao sendo considerada participativa pelo envolvimento das

    populaes locais e das organizaes sociais.

    Porque criar um parque, encontram-se neste item os pressupostos tericos

    do primeiro parque criado no mundo, o Parque Nacional do Yellowstone, pois

    ele serviu de modelo para outros pases inclusive o Brasil a criarem reas de

    proteo ambiental. E, tambm, a reviso de literatura expondo as correntes de

    pensamento, conservacionismo e preservacionismo, contendo um pequeno his-

    trico, os principais colaboradores e a especificidade de cada uma em relao

    ao manejo dos recursos naturais.

    METODOLOGIA

    A metodologia utilizada foi levantamento bibliogrfico sobre a temtica proposta

    para o trabalho; estudo, fichamento e resumos sobre os temas discutidos; uma

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    visita institucional ao IEF MG, no prprio municpio de Viosa - MG; consulta

    ao site do IEF - MG: www.ief.mg.gov.br, onde se encontra um link do PAR-

    QUE; uma visita institucional no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro e uma

    conversa com o gerente do PARQUE. E, por fim, a sistematizao das infor-

    maes que foi apresentada em forma de texto.

    Na primeira etapa, foi feita uma reviso bibliogrfica com o intuito de justificar

    teoricamente o assunto proposto, por meio de fontes secundrias, que so: os

    livros, as teses, os artigos publicados em revistas impressas ou eletrnicas.

    Depois da leitura e fichamento das fontes secundrias, foi necessrio executar

    a outra etapa da pesquisa, a visita institucional ao IEF - MG e ao Parque Estadual

    da Serra do Brigadeiro. O levantamento das informaes foi por meio de fontes

    primrias. Nessa visita ao IEF - MG foi obtido um folder: Parques de Minas,

    A visita ao PARQUE ocorreu com o intuito de conhecer um pouco mais a

    sua rea e a sua infra-estrutura localizada na sede administrativa. A conversa

    com o administrador do PARQUE teve como finalidade a obteno de

    informaes mais gerais, sobre as pesquisas cientficas, educao ambiental e o

    turismo, no contidas no folder e no site.

    A NATUREZA EM PAUTA

    Essa seo abarca a noo de natureza e suas implicaes, sendo a natureza

    possuidora de vrias vises; elemento da barbrie e paraso perdido. Essas duas

    vises foram construdas, de acordo com os interesses e da relao que os

    seres humanos estabelecem com a natureza,

    Gonalves ao discorrer a maneira como percebida a relao entre a

  • Natureza: um conceito natural? 55

    sociedade e a natureza, revela que:

    Toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma

    determinada idia do que seja a natureza. Nesse sentido, o

    conceito de natureza no natural, sendo na verdade criado

    e institudo pelo ser humano. Constitui um dos pilares atravs

    do qual os homens e as mulheres erguem as suas relaes

    sociais, sua produo material e espiritual, enfim, a sua

    cultura (GONALVES, 2000. p. 23).

    Ao falar de natureza, fundamentado nesse autor, no se fala apenas dos

    animais, das plantas, dos rios, das montanhas, das plancies, dos vales, das rochas,

    das cachoeiras, etc, mas tambm do ser humano, sendo este parte da natureza,

    das maneiras como as pessoas vem esse enumerado de coisas e como essas

    pessoas se relacionam com a natureza. E conforme declara Carvalho (2003), a

    maneira como as pessoas vem e se relacionam com o meio ambiente, est

    integrada a um conceito criado pelo prprio ser humano.

    Na primeira viso, a natureza, pode ser vista como algo a ser dominado,

    conquistado e submetido ao ritmo da produo capitalista, para ser usada como

    um instrumento para o desenvolvimento econmico, j que o capitalismo utiliza

    os recursos naturais provenientes da natureza como fonte de matria prima,

    para que cada vez mais se criem novas tecnologias.

    O paradigma cartesiano caracterizado pela ruptura com o tradicional e

    valorizando a racionalidade, cria uma dicotomia entre matria e esprito, sujeito

    e objeto, e ser humano e natureza. Com isso, pode-se dizer que a natureza

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    entendida como uma oposio cultura, ou seja, tudo aquilo que feito pelo ser

    humano classificado como artificial e o que pertence a natureza natural. E

    ao seguir o raciocnio dessa viso, o ser humano no faz parte da natureza,

    torna-se deste modo, oposto e sujeito que conquista e domina, enquanto a natureza

    o objeto de dominao e estudo sendo, portanto, dividido, esquartejado, assim,

    sero revelados todos os mistrios.

    Segundo Gonalves, nas sociedades ditas modernas e contemporneas, a

    cultura tomada como algo superior e que conseguiu controlar e dominar a

    natureza (GONALVES, 2000, p.25). A partir de ento, surgem duas questes:

    a primeira, no momento em que o ser humano denominou o que natural e o que

    artificial, separando-os, causa uma discusso, ou seja, o natural denominado

    pelo ser humano deixa de ser natural, ou seja, o conceito de natureza no

    natural, criado e institudo pelo ser humano. E a segunda, que, s porque o

    ser humano possui o pensamento sistematizado tido como mais evoludo,

    justificando a superioridade e a dominao.

    Usando o exemplo citado por Carvalho, para ilustrar melhor a questo do

    que natural e do que artificial, o autor descreve que

    uma rvore que foi plantada no ptio de uma escola ser

    sempre denominada como natural. No entanto, essa mesma

    rvore ao ser convertida em uma escrivaninha, ela no s deixa

    de ser rvore, mas, tambm, deixa de ser natural. Pode-se

    considerar que no existem diferenas entre a rvore e a

    escrivaninha, pelo menos sob o ponto de vista de suas origens.

    Ambas so fruto da mesma natureza e s existem devido ao trabalho

  • Natureza: um conceito natural? 57

    de algum: o trabalho de se fazer escrivaninha e o exerccio de

    se plantar a rvore no ptio da escola. Contudo, termina o autor,

    elas so iguais e so ao mesmo tempo diferentes, podendo ser

    ressaltado as semelhanas ou as diferenas dependendo das

    convenes e convenincias de cada indivduo (CARVALHO,

    2003, p. 10).

    Na segunda viso, a natureza se apresenta como o paraso perdido o jardim

    do den do Antigo Testamento da Bblia do Cristianismo. De onde Ado e Eva

    foram expulsos. Assim, h uma projeo na natureza desse paraso perdido,

    fazendo com que haja uma apreciao e valorizao da natureza por sua beleza.

    Refora-se a idia de contemplao das belezas naturais, pois, a natureza possui

    uma beleza cnica, isto , uma beleza que para ser reverenciada e, tambm,

    passa a idia de que deve ser assistida como a um teatro. A natureza o

    espetculo e o ser humano o espectador.

    Acabamos de elucidar, as principais vises e entendimentos de natureza que

    a partir delas justificam e defendem a preservao da natureza em Unidades de

    Conservao, como por exemplo, os parques onde no permitida a presena

    de moradores no seu interior. Pois assim, torna-se mais evidente que as pessoas

    ao freqentarem essas reas preservadas, se sintam como se estivessem entrando

    num verdadeiro santurio buscando paz de esprito.

    O OLHAR SOB O FOLDER E O SITE

    Nessa seo recorre anlise dos materiais de divulgao do PARQUE,

    descrevendo-o e narrando a importncia deles como meios de comunicao e

  • S. T. M. Peixoto58

    informao. Assim, julga-se necessrio, em alguns momentos, a transcrio de

    alguns textos do folder3 e do site4. Eles reforam o apelo ao esttico e ao belo,

    sendo que este apelo, tambm, um propsito da propaganda. Segundo Cludio,

    representa e apresenta uma espcie de mundo maravilhoso, como se houvesse

    outra realidade que distrai os cidados e os desvia de sua ao cvica

    (CLUDIO, 2006 p.3), essa realidade pode ser caracterizada como

    espetacularizada e, assim, o espetculo toma o lugar da realidade.

    Esses materiais de propaganda, o folder e o site, podem ser chamados de

    meios de comunicao visuais de massa, seguem regras de uma mdia j

    espetacularizada e estetizada pelo forte apelo da imagem (CLUDIO, 2006,

    p. 4). Ao pensar sobre o tratamento dado por esses meios de comunicao s

    questes ambientais, especificamente, pode-se dizer que esta sinaliza uma for-

    ma espetacularizada, enfocando e enfatizando uma relao entre ser humano e

    natureza distante e indicando uma natureza intocada, no presente no cotidiano

    dos indivduos (CLUDIO, 2006, p. 5).

    A imagem divulgada por esses materiais de divulgao, se enquadra em um

    discurso otimista, tendendo a apresentar virtudes naturais a semelhanas dos

    grandes espetculos, fenmenos coloridos e grandiosos (CLUDIO, 2006, p.5).

    4O folder uma forma de impresso publicitria, podendo ser ilustrativo.5O site considerado o caminho de acesso mais popular, devido ao nmero dos seusutilizadores. Os sites consistem numa rede onde armazenado um conjunto de dadosmultimdia. (SARMENTO, 2004, p. 119). Dessa forma muitas informaes podem serencontradas na internet. E, nesse contexto da WWW, importante verificao daveracidade das informaes, pois de acordo com Sarmento (2004), esses meios de comu-nicao tm seu carter efmero, tendo seus contedos transformados continuamente,pois os links so constantemente adicionados ou apagados sem que haja um registrocentralizado destas operaes, porque no h um controle sobre a rede.

  • Natureza: um conceito natural? 59

    Discorrendo sobre o folder, este tem como ttulo: Parques de Minas, e con-

    tm informaes a respeito dos Parques Estaduais de Minas Gerais, localizan-

    do-os em um mapa juntamente com os municpios abrangidos. Este folder pos-

    sui sete pequenos textos explicativos: Unidade de Conservao; Categorias

    de Unidades de Conservao; Apostando na Vida; Muitas das belezas de

    Minas Gerais so encontradas em Parques. Conhea e Preserve esse

    Patrimnio; PROMATA-MG; Projeto DOCES MATAS; O IEF - MG. Na

    descrio sobre os parques foi escolhido apenas o Parque Estadual da Serra do

    Brigadeiro.

    No primeiro e no segundo texto, Unidades de Conservao e Categorias

    de Unidades de Conservao contm uma breve explicao do que Unida-

    de de Conservao, uma definio retirada do Sistema Nacional de Unidade de

    Conservao - SNUC, mostrando as categorias das unidades tanto de Proteo

    Integral e do Uso Sustentvel, com respectivos objetivos.

    O terceiro texto possui como ttulo: Muitas das belezas de Minas Gerais

    so encontradas em Parques. Conhea e Preserve esse Patrimnio, e como

    subttulo: Os parques so patrimnios das comunidades e tm como objetivo a

    preservao dos recursos naturais e, por isso, h regras bsicas de comporta-

    mento que devem ser observadas. Tambm este encontrado no site do IEF -

    MG no endereo eletrnico: http://intranet.ief.mg.gov.br/parques/parques.asp.

    Com esse ttulo e subttulo podem ser feitas algumas reflexes, pois quando

    h referncia sobre os parques com os dizeres: so patrimnios das comuni-

    dades, surge uma questo; ser que a palavra comunidade deve ser interpreta-

    da como humanidade? Ou ser que a comunidade referida pelo autor do texto

  • S. T. M. Peixoto60

    a comunidade do entorno? Partindo dessa discusso de ser a comunidade do

    entorno, aparecem outras duas questes, a primeira questo porque passa a

    idia que as populaes locais tm uma relao harmnica com as Unidades de

    Conservao, fato que nem sempre acontece, porque muitas vezes a populao

    do entorno no consultada no processo de criao, salvo raras excees, e

    uma delas o caso do PARQUE.

    E o que ocorre, tambm, a desinformao das populaes locais sobre o

    processo de criao e implantao de uma Unidade de Conservao, sobre o

    que so Unidades de Conservao e Parques. Mas esse desconhecimento das

    populaes no culpa delas, j que uma deciso do Estado e de um pequeno

    grupo que ir se beneficiar com tal fato.

    A segunda questo como se essas Unidades de Conservao fizessem

    parte do cotidiano dos moradores do entorno dessas reas. Ou seja, muitos dos

    moradores do entorno no freqentam essas reas de proteo ambiental.

    Logo abaixo h transcrio das regras bsicas de comportamento, e ao

    ler essas regras pode ser percebido que, de acordo com a Lei 9985/2000, essas

    reas so criadas com intuito de preservao, no havendo, portanto, um uso

    exploratrio da rea. Dessa forma, essas regras reforam a idia de que esses

    lugares so para o isolamento e contemplao, e as pessoas que freqentam

    buscam paz de esprito. Assim, segue abaixo a transcrio:

    Nada se leva de um parque, animais, plantas, rochas, frutos,

    sementes e conchas encontradas no local fazem parte do

    ambiente e a devem permanecer. Caar, pescar e molestar

  • Natureza: um conceito natural? 61

    animais silvestres crime previsto em lei. Os animais precisam

    buscar seu prprio alimento para manter o ciclo de vida

    natural. Aliment-los um hbito prejudicial. As reas de

    visitao pblica, no interior dos parques, so restritas,

    normalmente, esto sujeitas aos horrios definidos. Animais

    domsticos podem causar problemas, como a introduo de

    doenas e ameaas ao ambiente natural. proibido, por isso,

    sua entrada nos parques. Todo o lixo deve ser coletado e

    depositado onde for indicado pela administrao do parque

    (FOLDER, 2006).

    No quarto texto, Apostando na Vida, h uma descrio da importncia do

    contato com a natureza para a nossa vida. E ao caminhar, fazer uma trilha,

    tomar banho de cachoeira, observar as montanhas dessa forma, a vida se torna

    mais agradvel. No final do texto, h um incentivo para o desfrutar da natureza,

    principalmente nas Unidades de Conservao. Observa-se, que h um

    oferecimento da natureza como mercadoria, ou seja, h uma venda do que

    apresentado como reas naturais, denominado pelo prprio ser humano em

    oposio cultura, e que na realidade so espaos tecnificados. E mais uma

    vez, refora-se a idia que estas reas no esto livres da ao do capitalismo.

    E, assim, ficam as perguntas, proteger para qu? Para quem? Com qual finalidade?

    Quem realmente estaria aproveitando dessas reas? Desse modo segue a

    transcrio:

    Caminhar. Andar por trilhas com rvores centenrias e

    conhecer suas histrias. Tomar um gostoso banho de cachoeira.

  • S. T. M. Peixoto62

    Ouvir o canto dos pssaros. Acampar. Do alto de um mirante,

    observar as montanhas e sentir-se dono do mundo. Ter um

    contato mais prximo com os animais, que, alm de raros,

    despertam o interesse por sua maneira especfica de ser:

    Desfrutar de lugares paradisacos escutando o barulho das

    guas...

    Tudo isto torna a vida mais agradvel e prazerosa. No entanto, devemos

    estar cientes de que preciso cuidar... Conservar para no perder... Experimente

    esta receita e desfrute do que a natureza pode lhe proporcionar.

    As instituies de proteo ambiental foram criadas, objetivando administrar

    e conservar os recursos naturais, garantindo, assim, a sobrevivncia das espcies,

    inclusive a humana.

    Este folheto proporciona um conhecimento de parte do nosso

    trabalho em prol do meio ambiente no Estado de minas gerais.

    Visa despertar o desejo de conhecer de perto nossos parques,

    e, ao conhec-lo, descobrir que, conservando a

    biodiversidade, estaremos buscando um melhor ambiente para

    todos ns (FOLDER, 2006).

    No folder h identificao de dois projetos que atuam ou que atuaram em

    Unidades de Conservao: o Promata-MG Projeto de Proteo da Mata Atln-

    tica de Minas Gerais e o Projeto Doces Matas.

    O Promata-MG, tem como objetivo promover aes de proteo, recupera-

    o, fiscalizao, monitoramento, preveno de incndios e uso sustentvel da

  • Natureza: um conceito natural? 63

    Mata Atlntica em Minas Gerais. O Governo do Estado, atravs da Secretaria

    de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento sustentvel (SEMAD), conta

    com o apoio da Cooperao Financeira do Governo Alemo, que por meio desta

    parceria devero ser aplicados at o ano 2007 o valor de 7.6 milhes de EUROS

    pelo Governo Alemo e em contrapartida, o mesmo valor ser destinado pelo

    governo de Minas Gerais, atravs da SEMAD e do IEF MG (FOLDER,

    2006).

    O Projeto Doces Matas, um projeto para Conservao e Manejo dos Re-

    cursos Naturais na Mata Atlntica de Minas Gerais que recebeu este nome por

    ter sido desenvolvido em algumas reas remanescentes da Mata Atlntica, na

    bacia do Rio Doce. Esse projeto, tambm, contou com a cooperao tcnica do

    Governo da Alemanha, que buscou assegurar, de forma participativa, a preser-

    vao da biodiversidade nas Unidades de Conservao e o desenvolvimento

    sustentvel em seus entornos (FOLDER, 2006).

    Conforme percebemos, os dois projetos receberam um incentivo muito gran-

    de do governo Alemo para as Unidades de Conservao brasileiras. Dessa

    forma, nota-se que o Brasil por ser reconhecido, num contexto mundial, por

    suas florestas e conforme Cludio, a imagem feita da natureza brasileira

    quase sempre a de um pas a descobrir, como se existissem apenas flora, fauna

    e riquezas naturais, longe das pessoas (SODRE, 19997 Apud CLAUDIO, 2006,

    p. 5). Assim, surgem algumas perguntas: quem deve ser responsvel por prote-

    ger a natureza? Por que h grandes financiamentos de projetos, envolvendo

    muito dinheiro? E, principalmente, recursos estrangeiros? Qual a noo de natu-

    reza que os pases da Europa e os Estados Unidos possuem? Ser que esses

  • S. T. M. Peixoto64

    pases preservam o meio ambiente?

    E por fim, o ltimo texto, que se refere ao IEF - MG que trs apenas a

    explicao sobre o que venha a ser o IEF - MG, e juntamente a isso, suas linhas

    de aes.

    uma autarquia do Governo de Estado de Minas Gerais,

    vinculada Secretria de Estado de Meio Ambiente e Desen-

    volvimento Sustentvel. Dentre as linhas de ao, destacam-

    se: A proteo da biodiversidade; o desenvolvimento florestal

    sustentvel; o monitoramento e controle da cobertura flores-

    tal e uso do solo; o desenvolvimento da pesca e aqicultura; o

    licenciamento e fiscalizao de atividades agrossilvipastoris;

    a promoo da educao ambiental (FOLDER, 2006).

    No que se refere ao PARQUE, h informaes sobre os dias e o horrio das

    visitas, a infra-estrutura que possui, como se chega ao PARQUE, partindo da

    capital mineira e as belezas naturais. Essas informaes tambm so encontra-

    das no site.

    A infra-estrutura foi construda em parceria com o projeto Promata-MG,

    sendo eles: alojamento, casa de apoio, casa de hspede, casa institucional e

    centro de visitantes. O alojamento para os pesquisadores e a casa de apoio

    que serve de almoxarifado e lanchonete. Sendo que todas fazem parte do cen-

    tro administrativo do PARQUE, que esto localizados na antiga Fazenda da

    Neblina.

    A casa de hspede abriga os visitantes que vo passar alguns dias no PAR-

    QUE, tendo uma capacidade para catorze pessoas, as casas institucionais so

  • Natureza: um conceito natural? 65

    as residncias de alguns funcionrios e do administrador e por fim, a sede admi-

    nistrativa ou centro de visitantes onde as pessoas marcam suas visitas de

    acordo com seus interesses. Podendo ser para conhecer, visitar, desenvolver

    pesquisas ou realizao de atividades de Educao Ambiental com estudantes

    de escolas pblicas, particulares ou at mesmo estudantes de ensino superior,

    fazendo trilhas interpretativas.

    As infra-estruturas apresentadas pelo folder so: uma portaria, centro de

    visitantes, auditrio, estacionamento, restaurante, vesturio e mirante. J no site,

    as infra-estruturas oferecidas pelo PARQUE so: um centro de pesquisa, posto

    da polcia ambiental, laboratrio, alojamento para pesquisadores, centro admi-

    nistrativo e de educao ambiental, residncias para funcionrios e administra-

    dor, e a antiga construo colonial, foi transformada em casa de hspede.

    Foi observado que as informaes recorrentes as infra-estruturas do folder

    e do site so incoerentes, uma explicao para o fato que o folder de uma

    data mais antiga e algumas das infra-estruturas ainda no foram construdas,

    demonstrando que h um planejamento para tal ao, como por exemplo, a

    construo do restaurante.

    Como vimos, necessrio construir uma boa infra-estrutura para que a rea-

    lizao de atividades relacionadas tanto com as pesquisas quanto com as visitas

    que incluem aes de Educao ambiental e recreaes, requer o mnimo de

    conforto, um lugar para dormi, com banho quente e um espao para as refei-

    es.

    O PARQUE, por ter sua criao recente, ainda necessita de alguns detalhes

    para finalizar o plano de manejo, alm de possuir pouca infra-estrutura, confor-

  • S. T. M. Peixoto66

    me afirma o gerente do PARQUE. Assim, esto permitindo, por enquanto, ape-

    nas pesquisa e visitao de escolas. Isso porque a equipe pequena e a infra-

    estrutura tambm. Na maioria das vezes, os turistas vo por conta prpria, num

    sentido que no so marcados na sede administrativa os passeios, dessa forma,

    no h controle em relao ao nmero de turistas que freqentam o lugar e,

    tambm, no h informaes sobre qual o perodo mais freqentado pelos

    turistas. Uma idia que tem sido muito discutida que os moradores do entorno

    fiquem responsveis por uma parte do turismo, devido ao fato das cachoeiras,

    lugares mais procurados pelos turistas e visitantes, ficarem fora dos limites do

    PARQUE, esse fato foi detectado pelo pr-manejo, um levantamento dos atra-

    tivos naturais e tursticos do PARQUE.

    Uma informao valiosa revelada pelo gerente do PARQUE que no h

    uma preocupao efetiva com a propaganda devido ao fato de ainda faltar al-

    guns detalhes para encerrar o plano de manejo. Entretanto, foram feitos o folder

    e o guia de turismo ecolgico. O local no possui um programa especifico de

    educao ambiental, mas de acordo com o responsvel, h um grande incentivo

    para a iniciativa das escolas visitarem o lugar.

    E as belezas naturais do PARQUE, descrita no site e no folder, so muitas,

    pois

    a paisagem formada por montanhas, vales, chapadas e encostas, pro-

    porcionando a formao de diversos cursos dgua, que abastecem as

    bacias dos rios Paraba do Sul e Doce. A Mata Atlntica, intercalada com

    os campos de altitude e afloramento rochosos, forma um exuberante cen-

    rio e abriga espcies ameaadas de extino, como o Sau, o Mono-

  • Natureza: um conceito natural? 67

    carvoeiro o maior primata das Amricas, a Ona-pintada, Jaguatirica, o

    Sapo-boi, aves como Pav, o Papagaio-do-peito-roxo, a Araponga, e

    espcie vegetais como Bromlia, Orqudeas, Cedro, Candeia, Palmito doce.

    O Pico do Bon (o nome devido ao formato, que, dependendo da posi-

    o que se olha, assemelha-se a uma boina) o terceiro ponto mais alto do

    PARQUE (FOLDER, 2006 e o site http://www.ief.mg.gov.br/

    index.php?option=com_content&task=view&id=197&Itemid=146 ).

    As imagens fotogrficas do PARQUE, contida no site, trazem a idia de

    natureza intocada, esse mito moderno muito criticado pelo Diegues. Pois o que

    vemos nas fotografias, do site do IEF - MG, demonstrada a cima, so as belas

    paisagens, muito verde com lindssimas cachoeiras, montanhas exemplificando

    os mares de morro de Minas Gerais, que possui muitos significados, e um deles

    : o ar puro das montanhas.

    As fotografias so imagens, representaes, pois elas capturam, aparente-

    mente, o que verdadeiramente est l (SARMENTO, 2004, 111) e cristaliza

    essa paisagem, reduzindo ao belo e ao esttico, pois trazem uma imagem do

    PARQUE que fosse somente uma paisagem bonita, ignorando toda uma hist-

    ria de criao, e de laos dos moradores do entorno. Dessa maneira, as fotogra-

    fias moldam a forma como as pessoas vem e percebem os objetos (...)

    (SARMENTO, 2004, p 112).

    Essas fotografias muitas vezes so associadas ao turismo, sendo usadas

    como recursos e instrumentos de propaganda. Para isso, o fotgrafo sempre

    busca a melhor vista, no melhor ngulo, e conforme Sarmento os ngulos da

    mquina e as tcnicas profissionais exibem e criam expectaes vividas do

  • S. T. M. Peixoto68

    alojamento turstico e das maravilhas das paisagens. Dessa forma, as fotogra-

    fias mexem com o ntimo das pessoas, e assim, h uma recordao da infncia,

    ou de algo que viveu podendo ser uma lembrana agradvel, ou seja, as pesso-

    as se sentem ligadas a fotografias porque elas as impressionam

    (LOWENTHAL, 1985 apud SARMENTO, 2004, p 111).

    MAS O QUE UM PARQUE?

    Parque uma categoria de Unidade de Conservao definido pelo (SNUC).

    Segundo o art2, I, da Lei 9985/2000, as Unidades de Conservao so:

    Espaos territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as

    guas jurisdicionais, com caractersticas naturais relevantes.

    Legalmente institudos pelo Poder Publico, com objetivos de

    conservao e limites definidos, sob regime especial de admi-

    nistrao, ao qual se aplicam garantias adequadas de prote-

    o (BRASIL, 2000).

    O SNUC um regulamento que foi institudo no ano 2000, pela lei 9985 de

    18 de julho de 2000. E, de acordo com o art1 da lei 9985/2000, estabelece

    instrumentos, critrios e normas para a criao implantao e gesto das Uni-

    dades de Conservao. E, tambm, define as categorias e as formas de manejo,

    consolidando a estrutura normativa relativa s Unidades de Conservao no

    Brasil.

    O SNUC, de acordo com o art 4 da lei 9985/2000 tem como objetivos:

    Contribuir para a manuteno da diversidade biolgica e

    dos recursos genticos no territrio nacional e nas guas

  • Natureza: um conceito natural? 69

    jurisdicionais; Proteger as espcies ameaadas de extino

    no mbito regional e nacional; Contribuir para a preservao

    e a restaurao da diversidade de ecossistemas naturais; Pro-

    mover o desenvolvimento sustentvel a partir dos recursos

    naturais; Promover a utilizao dos princpios e das prticas

    de conservao da natureza no processo de desenvolvimento;

    Proteger as paisagens naturais e pouco alteradas de notvel

    beleza cnica; Proteger as caractersticas relevantes de natu-

    reza geolgicas, geomorfolgica, espeleolgica, arqueolgi-

    ca, paleontolgica e cultural; Proteger e recuperar recursos

    hdricos e edficos; Proporcionar meios e incentivos para ati-

    vidades de pesquisas cientficas, estudos e monitoramento

    ambiental; Valorizar econmica e socialmente a diversidade

    biolgica; Favorecer condies e promover a educao e in-

    terpretao ambiental, a recreao em contato com a natureza

    e o turismo ecolgico; Proteger os recursos naturais necess-

    rios subsistncia de populaes tradicionais, respeitando e

    valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo as

    social e economicamente (BRASIL, 2000).

    O art7, do capitulo III da mesma lei, explicita a diviso da Unidade de

    Conservao em dois grupos: Unidade de Proteo Integral e Unidade de Uso

    Sustentvel. O primeiro composto por cinco categorias: Estao Ecolgica5;

    5A Estao Ecolgica tem como objetivo a preservao da natureza e a realizao depesquisas cientficas.

  • S. T. M. Peixoto70

    Reserva Biolgica6; Parque Nacional, Estadual ou Municipal; Monumento

    Natural7; e Refgio da Vida Silvestre8. Sua principal caracterstica a proteo

    total dos recursos naturais, permitindo, apenas o uso indireto, no exploratrio

    como recreao e pesquisa cientfica, dos recursos naturais, com exceo dos

    casos previstos na lei.

    J o segundo grupo se caracteriza pela possibilidade do uso direto. As

    populaes humanas podem morar, explorar e cultivar os recursos naturais locais

    de forma sustentvel, as terras podem ser particulares ou pertencentes ao

    governo. Esse grupo constitudo pelas categorias: reas de Proteo Ambiental9;

    rea de Relevante Interesse Ecolgico10; Floresta Nacional11; Reserva

    Extrativista12; Reserva de Fauna13; Reserva de Desenvolvimento Sustentvel14

    6A Reserva Biolgica tem por finalidade a preservao integral da biota e demais atribu-tos naturais existentes em seus limites, sem interferncia humana direta ou modificaesambientais, excetuando-se as medidas de recuperao se seus ecossistemas alterados eas aes de manejo necessrias para recuperar e preservar o equilbrio natural, a diver-sidade biolgica e os processos ecolgicos naturais.7O Monumento Natural visa preservar stios naturais raros, singulares ou de grandebeleza cnica.8O Refugio da Vida Silvestre tem como finalidade proteger ambientes naturais onde seasseguram condies para a existncia ou reproduo de espcie ou comunidades daflora local e da fauna residente ou migratria.9 uma rea em geral extensa, com certo grau de ocupao humana, dotada de atributosabiticos, biticos, estticos ou culturais especialmente importantes para qualidade devida e o bem estar das populaes humanas, e tem como objetivos bsicos proteger adiversidade biolgica, disciplinar o processo de ocupao e assegurar a sustentabilidadedo uso dos recursos naturais.10 uma rea em geral de pequena extenso, com pouca ou nenhuma ocupao humana,com caractersticas naturais extraordinrias ou que abriga exemplares raros da biotaregional, e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importncia regionalou local e regular o uso admissvel dessas reas, de modo a compatibiliz-lo com osobjetivos de conservao da natureza.

  • Natureza: um conceito natural? 71

    e Reserva do Patrimnio Natural15.

    No que se refere especificamente aos parques, sendo o foco desta pesquisa,

    julga-se bastante importante transcrio de todo o artigo 11 da lei 9985/2000.

    Art 11. O parque tem como objetivo bsico a preservao do

    ecossistema natural de grande relevncia ecolgica e beleza

    cnica, possibilitando a realizao de pesquisas cientficas e

    o desenvolvimento de atividades de educao e interpretao

    ambiental, de recreao em contato com a natureza e de turismo

    ecolgico.

    1 O parque nacional de posse e domnio pblicos, sendo

    que as reas particulares includas em seus limites sero

    desapropriadas, de acordo com o que dispe a lei.

    11 uma rea com cobertura florestal de espcies predominantemente nativas e tem comoobjetivo bsico o uso mltiplo sustentvel dos recursos florestais e pesquisa cientfica,com nfase em mtodos para a explorao sustentvel de florestas nativas.12 uma rea utilizada por populaes extrativistas tradicionais, cuja subsistncia ba-seia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistncia e na cria-o de animais de pequeno porte, e tem como objetivos bsicos proteger os meios devida e a cultura dessas populaes, e assegurar o uso sustentvel dos recursos naturaisda unidade.13 uma rea natural com populaes animais de espcies nativas, terrestres ou aquti-cas, residentes ou migratrias, adequada para estudos tcnicos cientficos sobre o ma-nejo econmico sustentvel de recursos faunsticos.14 uma rea natural que abriga populaes tradicionais, cuja existncia baseia-se emsistemas sustentveis de explorao dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo degeraes e adaptados s condies ecolgicas locais, e que desempenham um papelfundamental na proteo da natureza e na manuteno da diversidade biolgica.15 uma rea privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversi-dade biolgica.

  • S. T. M. Peixoto72

    2 A visitao pblica est sujeita s normas e restries

    estabelecidas no Plano de manejo da unidade, s normas

    estabelecidas pelo rgo responsvel por sua administrao,

    e quelas previstas em regulamento.

    3 A pesquisa cientfica depende de autorizao prvia do

    rgo responsvel pela administrao da unidade e est

    sujeita s condies de restries por este estabelecidas, bem

    como quelas previstas em regulamento.

    4 As unidades dessa categoria, quando criadas pelo Estado

    ou Municpio, sero denominadas, respectivamente, Parque

    Estadual e Parque Municipal. (BRASIL, 2000)

    Nessa transcrio do artigo 11, nota-se que em sua prpria definio e

    juntamente com seus objetivos, a existncia de contradies, revelada por permitir

    a utilizao privilegiada para pesquisa e turismo. E, tambm, por apresentarem

    os ambientes como naturais, ou seja, os ambientes tornam-se culturalizados pela

    simples presena humana. prpria da condio de parque a exigncia da

    visibilidade, por isso, em sua condio de natureza selvagem intocada, no fica

    imune ao olhar, e a presena humana tambm ocorre nas aes decorrentes de

    tais atividades.

    Contudo, para a realizao das atividades preciso construir alojamentos

    para abrigar os pesquisadores, os visitantes e turistas, construir, tambm, res-

    taurantes, banheiros, estacionamento e outros. Ou seja, necessria a constru-

    o de infra-estruturas para melhor receber as pessoas que queiram freqentar

  • Natureza: um conceito natural? 73

    os parques, construindo, assim, um grande equipamento para consumo da natu-

    reza. Sendo esta possuidora de grande riqueza, se torna um objeto no apenas

    visual, mas, um objeto que transformado em mercadoria.

    nesse sentido que no PARQUE foi construda a infra-estrutura, com a

    ajuda de investimentos estrangeiros. Essas informaes vo de encontro ao que

    o autor Henrique (2004) pensa ao afirmar que essas reas de proteo ambiental,

    por exemplo, parques e reservas so reas altamente tecnificadas, criadas com

    um determinado fim. Ou seja, criadas para serem apresentadas como espaos

    totalmente naturais, e assim, valorizar o contato com as reas de preservao

    ambiental.

    Essa aproximao com a natureza, ou melhor, com uma idia de natureza,

    moldada pelos interesses do capitalismo sob sua dinmica. Ou seja, a lgica do

    capital to intensa que nem mesmo a criao das Unidades de Conservao

    consegue ficar livre dessa dinmica, onde o capital utiliza todos os meios para

    continuar mantendo sua hegemonia, e assim, se apropria da natureza a sua

    maneira. E a natureza passa a ser associada a equipamentos e objetos cada vez

    mais tcnicos. E, de acordo com Henrique,

    a sociedade capitalista consumista, que valoriza a satisfao

    individual, a natureza se torna um mero artifcio, substrato,

    objeto, que fica totalmente imbricada de valor monetrio,

    financeiro, adquirindo um carter mundano, atrelado a um

    mundo movido por um motor hegemnico, o capitalismo

    (HENRIQUE, 2004, p. 66).

  • S. T. M. Peixoto74

    COMO SURGIU A IDIA DE SE CRIAR O PARQUE ESTADUAL

    DA SERRA DO BRIGADEIRO?

    Para responder a essa pergunta ser necessrio fazer um resgate histrico. De

    acordo com Bonfim (2006) a rea que hoje o PARQUE, como toda a Zona da

    Mata, era uma regio com uma densa cobertura vegetal, terrenos montanhosos

    e ngremes. E, com essas caractersticas, o lugar era isolado, pois eram poucos

    os que conseguiam chegar a essa regio. Tanto que, apenas no sculo XVIII,

    com a descoberta de minrios, principalmente, ouro na regio, comearam a

    chegar muitas pessoas para trabalhar nas mineradoras, e dessa forma, toda a

    Zona da Mata foi colonizada por exploradores de minrios, de madeira e de mo

    de obra escrava. A partir do incio do sculo XIX, a rea foi bastante desmatada,

    para a produo do caf.

    Essa colonizao, que no se diferencia do processo que ocorreu em outras

    regies do Brasil, conforme relata Bonfim (2006), favoreceu a grande derrubada

    de grandes extenses da cobertura vegetal, principalmente, com instalao da

    empresa siderrgica Belgo-Mineira que desde os anos 50 utilizava a madeira da

    rea para alimentar seus altos fornos. Contribuindo, ainda mais, para a reduo

    tanto vegetal quanto da fauna. Esse episdio foi um dos principais motivos para

    a criao do PARQUE.

    A inteno de se criar o PARQUE remonta dcada de 1970, sendo

    concretizado com a promulgao do decreto n 38.319, de 27 de setembro de

    1996, atravs do Governo do Estado lhe deu origem legal, com uma rea de

    13.210 h. Abrangendo os municpios de Araponga, Miradouro, Muria, Divino,

    Fervedouro, Sericita, Ervlia e Pedra Bonita (Fig 1).

  • Natureza: um conceito natural? 75

    Em 1993, o IEF MG deu incio aos estudos para implantao do PARQUE,

    contratando para isso, servios de Faculdade de Filosofia e Letras de Carangola

    FAFILE/UEMG e o Departamento de Biologia Animal da Universidade Federal

    de Viosa - UFV para efetuarem os levantamentos do meio fsico. (Anais do

    Simpsio, 2000, p. 02).

    Conforme o anais do simpsio, o Centro de Tecnologias Alternativas da Zona

    da Mata CTA_ZM em conjunto com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

    dos municpios do entorno STR, a Comisso Pastoral da Terra da CNBB, do

    Plo Regional da FETAEMG e dos estudantes e pesquisadores da UFV, iniciaram

    uma articulao com a comunidade local, buscando o esclarecimento de duvidas

    e pleiteando-se junto ao IEF MG, mecanismos para a participao dos

    moradores do entorno no processo de criao do PARQUE.

    Durante essa etapa, foi realizado um levantamento socioeconmico, em uma

    parceria entre o CTA_ZM, os STR e a UFV. Com todos esses estudos e

    levantamentos em mos, foram feitas sucessivas reunies at ser estabelecida

    a criao do PARQUE, o prximo passo, com as mesmas preocupaes e sem

    deixar de lado as expectativas da populao do entorno, seria a elaborao do

    Plano de Manejo. (Anais do Simpsio, 2000, p. 03).

    O Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, de acordo com Machado (2005),

    por possuir limites definidos formam verdadeiras reas fragmentadas, ou como

    prefere Diegues (2001), ilhas de grande beleza. Deste modo, o PARQUE se

    constitui como um espao onde se preservam os ltimos remanescentes da

    Mata Atlntica em Minas Gerais. Alm de apresentar espcies endmicas e

    ameaadas de extino. (Anais do Simpsio, 2000).

  • S. T. M. Peixoto76

    Localizado na parte mais elevada da Zona da Mata de Minas Gerais, um

    prolongamento da Serra da Mantiqueira e da Serra do Capara. Essa rea

    corresponde ao Domnio de Mata Atlntica, porm h presena de campos de

    altitudes e afloramento rochosos. Possui um regime pluviomtrico caracterizado

    por um perodo chuvoso nos meses mais quentes e por um perodo mais seco de

    maio a setembro, com precipitao bastante elevada. E os cursos dgua

    desguam nas bacias dos Rios Paraba do Sul e do Rio Doce. (Anais do Simpsio,

    2000). De acordo com o site do IEF - MG: http://intranet.ief.mg.gov.br/parques/

    brigadeiro/brigadeiro.asp, o PARQUE considerado como um paraso botnico,

    por constituir um ecossistema rico em espcies vegetais.

    PORQUE CRIAR UM PARQUE?

    A difuso de Parques no mundo ocidental ocorreu com a implantao nos Estados

    Unidos, no ano de 1872, do Parque Nacional de Yellowstone. A rea onde se

    localiza o parque bastante conhecida pelos seus habitantes: os ursos pardos,

    para ser criado foi preciso que o presidente dos Estados Unidos comprasse a

    rea que antes era habitada, de acordo com Diegues, pelos ndios Shoshones, o

    que ocasionou vrios conflitos e guerras sangrentas entre o chefe de Estado e a

    populao indgena local, ocasionando mortes, quase que total, destas

    comunidades indgenas. Todo esse conflito foi para reservar grandes reas

    naturais a disposio das populaes urbanas para fins de recreao. Nesse

    sentido, o Parque veio acompanhado com a noo de Wilderness, que significa

    vida natural e selvagem. Tanto que, logo aps esse fato e a expanso das

    fronteiras para o oeste, houve a consolidao da urbanizao e do capitalismo

  • Natureza: um conceito natural? 77

    americano.

    Conforme Vallejo (2002), no processo de criao do Parque Nacional de

    Yellowstone, prevaleceu uma perspectiva preservacionista que via nos parques

    nacionais a nica forma de salvar pedaos da natureza de grande beleza contra

    os efeitos deletrios do desenvolvimento urbano-industrial. Essa perspectiva

    preservacionista visava reverter s conseqncias geradas pelo capitalismo sobre

    o oeste americano, que sofria os efeitos da minerao sobre rios e lagos. Dessa

    forma, qualquer interveno humana na natureza era vista de forma negativa.

    Desconsiderava-se que os ndios que ali moravam tinham vivido em harmonia

    com a natureza por milhares de anos. Para os preservacionistas americanos,

    todos os grupos sociais eram iguais e a natureza deveria ser mantida intocada

    das aes negativas da humanidade.

    O parque foi criado para que as pessoas, ao fugir da cidade pudessem apreciar

    e reverenciar a natureza, pois, esses atributos cnicos, tinham um significado

    histrico e uma potencialidade para as atividades de lazer, assim, esse parque

    tido como um lugar sagrado para a nao e onde se procura um isolamento e

    contemplao. uma descoberta da alma humana, do imaginrio do paraso

    perdido, da inocncia infantil e da intimidade, da beleza e do sublime. (CORBIN,

    1989 apud DIEGUES, 2001, p. 24).

    Diegues critica essa viso afirmando que sobretudo romntica, enraizada

    no sculo XIX, que procurava identificar a natureza como selvagem (wilderness)

    sendo ameaada pela civilizao urbano-industrial. Esta civilizao vista como

    destruidora da natureza. O autor, se respalda no conceito usado por Callicot,

    afirma que o significado de Wilderness produz uma idia que refora a separa-

  • S. T. M. Peixoto78

    o entre ser humano e a natureza, e tal dicotomia preocupante, porque de-

    senvolve sempre que possvel, um enfoque da proteo ambiental, que despre-

    zam os seres humanos que vivem em certa harmonia com o meio ambiente.

    (DIEGUES, 2001, p.35-6).

    AS CORRENTES DE PENSAMENTO: CONSERVACIONISMO E

    PRESERVACIONISMO

    Nessa subseo pretende-se explicitar, ainda que brevemente, as correntes ide-

    olgicas17 do conservacionismo e do preservacionismo, que muito influenciaram

    e ainda influenciam as discusses no que se refere proteo ambiental.

    Discorrendo um pouco sobre o conservacionismo surge para alertar a popu-

    lao mundial contra o consumo exagerado, acarretando problemas como lixo,

    a exausto das matrias primas, e com isso, gerando um maior desmatamento,

    poluio e contaminao da gua e do ar. No obstante, percebe-se uma neces-

    sidade de se propor uma reflexo crtica sobre o uso dos recursos naturais.

    Nesse sentido, necessrio que a populao mundial reflita como vem se cons-

    truindo a sua relao com a natureza, que tem como alicerce a lgica capitalista

    onde o importante o modo de produo e o consumo.

    Um dos principais colaboradores dessa corrente foi Pinchot, citado por

    Diegues, que criou o movimento de conservao dos recursos, apregoando o

    seu uso racional. Na verdade, segundo Diegues, Pinchot agia dentro de um

    contexto de transformao da natureza em mercadoria, de forma a acelerar os

    17Este termo, utilizado neste trabalho, se fundamentou em Diegues quando ele se refereao preservacionismo e conservacionismo como as bases ideolgicas de grande impor-tncia no contexto das criaes das Unidades de Conservao.

  • Natureza: um conceito natural? 79

    processos de manejo. Percebia, ento, o meio ambiente como fonte de lucro e

    de prosperidade. Dessa forma, ele entedia que era necessria a conservao

    dos recursos para que o uso prolongado fosse garantido, propondo, um uso dos

    recursos naturais que no se baseasse no consumismo. Dessa maneira, os

    conservacionistas elaboraram trs princpios: o uso dos recursos naturais pela

    gerao presente; a preveno de desperdcio; e o uso dos recursos para bene-

    ficio da maioria dos cidados. E no simplesmente o lucro de uma minoria. O

    conservacionismo ampara a idia de desenvolvimento sustentvel.

    E foi um dos primeiros movimentos tericos prticos contra

    o desenvolvimento a qualquer custo a grande aceitao des-

    se enfoque reside na idia de que se deve procurar o maior

    bem para o beneficio da maioria, incluindo as geraes futuras,

    mediantes a reduo dos dejetos e da ineficincia na explorao e

    consumo dos recursos naturais no renovveis, assegurando a pro-

    duo mxima sustentvel (DIEGUES, 2001, p.29).

    A influncia dessa corrente foi marcante, pois esteve presente no debate dos

    ecodesenvolvimentistas, na dcada de 1970, como tambm, no centro dos deba-

    tes das conferncias de Estocolmo e na Eco-92.

    No que se refere ao preservacionismo, segundo Diegues foi John Muir, o

    terico mais importante do preservacionismo. Para ele os animais, as plantas, as

    rochas e at as guas eram fagulhas da alma divina que permeava a natureza.

    As idias desse autor ganharam apoio cientfico da Historia Natural, em parti-

    cular na teoria da evoluo de Charles Darwin. O livro Sobre a Origem das

    Espcies, publicado no ano de 1859, colocava o ser humano de volta na nature-

  • S. T. M. Peixoto80

    za tornando-se fonte importante do ambientalismo e da esttica ambiental

    (DIEGUES, 2001, p.31). como Carvalho (2003) declara: que a teoria de Darwin

    sobre o processo evolutivo e a seleo natural uma sntese da nova idia de

    natureza. Isso numa poca de consolidao da sociedade comandada pela bur-

    guesia numa fase de consagrao das indstrias.

    A idia de preservao pura da natureza, num sentido em que no haja pre-

    sena humana no interior de algumas Unidades de Conservao, se desenvolve

    pelo fato de o ser humano ser visto como o maior causador de toda a destruio

    e degradao do meio ambiente. Assim, preciso que se proteja a natureza do

    prprio ser humano, criando verdadeiras ilhas de proteo ambiental. Obede-

    cendo a uma viso cartesiana, antropocntrica, que se ampara na efgie onde o

    meio ambiente tudo que est ao redor do ser humano, percebe-se que o ser

    humano est no centro, como o senhor dominador da natureza, ressaltando os

    interesses do capital.

    A viso dos preservacionistas, no v o valor das populaes humanas que

    residem nessas reas protegidas como uma forma de gerar e garantir a

    biodiversidade, uma vez que so retiradas as populaes locais para que se

    implantem e criem as Unidades de Conservao, que so verdadeiras reas

    fragmentadas de grande beleza e com valor esttico que conduzem o ser huma-

    no a meditao, nas maravilhas da natureza intocada e intocvel. Com isso,

    refora-se que eles possuem uma viso reducionista ignorando os problemas de

    carter poltico, social e econmico na criao de Unidades de Conservao.

    Ambas as correntes visam proteo do meio ambiente, porm cada uma

    com a sua especificidade. O conservacionismo difere do preservacionismo na

  • Natureza: um conceito natural? 81

    medida em que possibilita o manejo dos recursos naturais para a subsistncia,

    enquanto o preservacionismo preocupa com o isolamento do meio natural. As-

    sim, h uma compreenso que esta corrente seletiva na medida em que privi-

    legia as reas que so esteticamente atrativas, de acordo com os valores oci-

    dentais. reas como brejo e pntano no tm o mesmo valor para a preserva-

    o por no apresentarem a mesma beleza sublime (DIEGUES, 2001, p.35), e

    que as escolhas sobre o que preservar como preservar, onde preservar tam-

    bm, no est isenta de lutas e relao de poder (VESSENTINI, 1989, p. 55).

    CONSIDERAES FINAIS

    Os meios de comunicao e, principalmente, a propaganda usam o apelo

    sensacional para o cumprimento de seu objetivo, que o de chamar a ateno

    das pessoas a fim de que elas conheam e se interessem pelos produtos ofere-

    cidos por tais propagandas. Deste modo, os materiais de divulgao do PAR-

    QUE, no fogem a regra, pois colocam a natureza como um produto, uma mer-

    cadoria, assim, ela transformada em objeto de consumo.

    Esses materiais de divulgao, para atingir essa finalidade, criam uma ima-

    gem do PARQUE que so as lindas paisagens colocando-o como se fosse so-

    mente belezas naturais, abrigo das espcies vegetais, fazendo deste um verda-

    deiro paraso botnico, e refgio de espcies de animais em extino, conforme

    est descrito no folder e no site.

    Essa imagem criada do PARQUE bastante distante da realidade, pois,

    criam outro mundo, que espetacularizado e de pura beleza, ou seja, mundo

    maravilhoso, onde no h conflitos, disputas de interesses e de poderes. No

  • S. T. M. Peixoto82

    entanto, a prpria criao do PARQUE foi um jogo de interesses e de poderes.

    Os materiais de divulgao parecem no se preocupar com a histria de criao

    do prprio PARQUE, dos moradores do entorno e da organizao deste en-

    quanto movimentos sociais e sindicais.

    O folder e o site exploram as belezas naturais, veiculando uma idia de natu-

    reza perfeita e que as reas de proteo do meio ambiente so naturais, dessa

    forma, recorro s citaes de Carvalho e de Henrique, pois esses autores, res-

    pectivamente, buscam a definio de natural e afirmam que essas reas de

    preservao so reas altamente tecnificadas.

    As Unidades de Conservao reforam a dicotomia entre o ser humano e a

    natureza, no s no plano das idias, mas fisicamente, pois em algumas dessas

    reas no so permitidos moradores em seus interiores, determinando por meio

    de uma lei quais as aes que podem ser desenvolvidas. Dessa forma h um

    privilgio, em determinadas aes como a pesquisa e o turismo, alm disso,

    essas reas tm a possibilidade de receber recursos financeiros tanto do Gover-

    no Brasileiro quanto de governos estrangeiros, percebe-se, ento, que essas

    reas so criadas com outros fins, no sendo somente para a proteo da

    biodiversidade.

    Umas das justificativas para a criao dessas reas que o ser humano

    responsvel por toda a degradao e depredao ocorrida no meio ambiente,

    mas, como vimos, so as aes subordinadas ao capital que em nome do desen-

    volvimento econmico e do progresso, desenvolvem cada vez mais novas

    tecnologias. Essa justificativa s possvel com a separao do ser humano da

    natureza, que conforme Gonalves, o ser humano ao vencer as foras da natu-

  • Natureza: um conceito natural? 83

    reza, dominaria a instabilidade, o imprevisvel. Em um sentido que para dominar

    a natureza significa ser senhor dela, e s possvel afirmando essa dicotomia

    entre ser humano e natureza. Porm, o ser humano faz parte da natureza, e

    assim, deve enxergar, pois so indissociveis. Sua capacidade de produo

    material no possibilita a governabilidade sobre a natureza, e no h como domin-

    la porque constitumos parte da natureza.

    Dessa forma, o trabalho em questo procurou apontar a complexidade e a

    diversidade daquilo que compe a noo de natureza. Ou seja, ao esboar esse

    conhecimento, percebemos que atravs desse entendimento que os seres hu-

    manos possuem sobre natureza, que eles erguem os pilares de suas relaes

    sociais.

    Diante dessa afirmao, percebemos que existe uma compreenso de que o

    conceito de natureza socialmente e historicamente construdo. Ou seja, para

    cada momento da histria e para cada povo existe um entendimento de nature-

    za, na qual homens e mulheres estabelecem suas relaes entre si e entre o

    meio ambiente.

    A partir dessa discusso de noo de natureza percebi que a importncia de

    entender que no basta preservar, mas transformar preservando a vida e ga-

    rantido-a (VIEIRA, 1987, p. 143). A luta pelo meio ambiente passa pela busca

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