Nead Combatendo a Desigualdade Social

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  • Combatendo a desigualdade social

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  • FUNDAO EDITORA DA UNESP

    Presidente do Conselho CuradorHerman Voorwald

    Diretor-PresidenteJos Castilho Marques Neto

    Editor-ExecutivoJzio Hernani Bomfi m Gutierre

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    PCT MDA/IICA Apoio s Polticas e Participao Social no Desenvolvimento Rural Sustentvel

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  • MIGUEL CARTER (Org.)

    Combatendo a desigualdade socialO MST e a reforma agrria no Brasil

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  • Editora afi liada:

    2008 Editora UNESP 2007 Centre for Brazilian Studies, University of Oxford 2009 da traduo brasileiraTtulo original: Challenging Social Inequality: The Landless Rural Workers Movement (MST) and Agrarian Reform in Brazil Foto de capa: Sebastio Salgado/Amazonas images Camponeses sem-terra celebram a desapropriao da fazenda Cuiab, em Sergipe (1996). Foto de orelha: Stacey Wescott

    Direitos de publicao reservados :Fundao Editora da UNESP (FEU)Praa da S, 10801001-900 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) 3242-7172www.editoraunesp.com.brwww.livrariaunesp.com.br [email protected]

    CIP Brasil. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    C732

    Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrria no Brasil/Miguel Carter (org.); [traduo de Cristina Yamagami]. So Paulo: Editora UNESP, 2010. 564p.: il., mapas

    Traduo de: Challenging social inequality: the Landless Rural Workers Movement (MST) and agrarian reform in Brazil

    Inclui bibliografi a ISBN 978-85-7139-992-1 (Editora UNESP) ISBN 978-85-60548-61-3 (NEAD)

    1. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. 2. Campo-neses Revoltas Brasil. 3. Trabalhadores rurais Atividades polticas Brasil. 4. Posse da terra Brasil. 5. Reforma agrria Brasil. 6. Movimentos sociais Brasil. I. Carter, Miguel. II. Ttulo: O MST e a reforma agrria no Brasil.

    10-0049. DD: 333.3181CDU: 332.2.021.8(81)

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  • A Kristina,minha companheira de vida

    Aos que lutam,lutaram e lutaro

    pela justia social no Brasil

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  • SUMRIO

    Agradecimentos 11Lista de siglas 15Lista de tabelas, quadros e grfi cos 21

    INTRODUO 25 1 Desigualdade social, democracia e reforma

    agrria no Brasil 27 Miguel Carter

    A QUESTO AGRRIA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO 79 2 A questo agrria e o agronegcio no Brasil 81 Guilherme Costa Delgado

    3 Movimentos sociais no campo, lutas por direitos e reforma agrria na segunda metade do sculo XX 113

    Leonilde Srvolo de Medeiros

    4 A Igreja, a CPT e a mobilizao pela reforma agrria 137 Ivo Poletto

    A LUTA PELA TERRA: HISTRIA E MOBILIZAO DO MST 159 5 Formao e territorializao do MST no Brasil 161 Bernardo Manano Fernandes

    6 Origem e consolidao do MST no Rio Grande do Sul 199 Miguel Carter

    7 Debaixo da lona preta: legitimidade e dinmica das ocupaes de terra na Mata Pernambucana 237

    Lygia Maria Sigaud

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    Sumrio

    8 De posseiro a sem-terra: o impacto da luta pela terra do MST no Par 257

    Gabriel Ondetti, Emmanuel Wambergue e Jos Batista Gonalves Afonso

    A LUTA NA TERRA: O MST E OS ASSENTAMENTOS 285 9 A luta na terra: fonte de crescimento, inovao

    e desafi o constante ao MST 287 Miguel Carter e Horacio Martins de Carvalho

    10 Assentamentos rurais e o MST em So Paulo: do confl ito social diversidade dos impactos locais 331 Sonia Maria P. P. Bergamasco e Luiz Antonio Norder

    11 Construindo a comunidade: um assentamento do MST no Nordeste 353

    Elena Calvo-Gonzlez

    12 Assentamentos do MST em Pernambuco: identidade e resistncia 373

    Wendy Wolford

    MST, POLTICA E SOCIEDADE NO BRASIL 39513 O impacto do MST no Brasil de hoje 397 Plnio de Arruda Sampaio

    14 Lidando com governos: o MST e as administraes de Cardoso e Lula 409

    Sue Branford

    15 O MST e o Estado de Direito no Brasil 433 George Meszaros

    16 Para alm do MST: o impacto nos movimentos sociais brasileiros 461

    Marcelo Carvalho Rosa

    17 Somos a perigosa memria das lutas 479 Hamilton Pereira

    CONCLUSO 49318 Desafi ando a desigualdade: contestao,

    contexto e consequncias 495 Miguel Carter

    Referncias bibliogrfi cas 521ndice onomstico 555Sobre os autores 559

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  • A propriedade no tem somente direitos, tem tambm deveres ()Se for eleito, no separarei as duas questes;

    a da emancipao dos escravos e a democratizao do solo.Uma o complemento da outra.

    Acabar com a escravido no nos basta. preciso destruir a obra da escravido.

    Joaquim Nabuco, 1884, lder abolicionista brasileiro

    O Landlord Paulino em nada difere do Landlord Salisbury. o mesmo desprezo pelo seu semelhante: a mesma adorao pela grande propriedade

    e a mesma repulsa a qualquer ideia altrusta e generosa. preciso a cada momento estabelecer limites com este Imprio; comparar os

    conservadores do Brasil com os da Inglaterra: os falsos liberais daqui e de l (...)A Abolio marcha triunfalmente.

    , porm, preciso dar terra ao Negro.Cumpre demonstrar que o Landlordismo crime maior do que o Escravagismo.

    Ns dizamos nas Conferncias da Lua: A escravido um crime.Agora vamos pregar: O latifndio uma atrocidade.

    Andr Rebouas, 1887, lder abolicionista brasileiro

    Sem luta no h progresso.Aqueles que professam em favor da liberdade, e ainda depreciam a agitao,

    so pessoas que querem ceifar sem arar a terra.Eles querem chuva sem trovo e raios.

    Eles querem o oceano sem o terrvel bramido de suas muitas guas.Esta luta pode ser moral; ou pode ser fsica;

    ou pode ser ambas, moral e fsica; mas deve ser uma luta.O poder no concede nada sem demanda.

    Nunca concedeu e nunca conceder.

    Frederick Douglass, 1849, lder abolicionista norte-americano

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  • AGRADECIMENTOS

    Todo livro sempre fruto de um mutiro. Antologias como esta, pro-duzidas com a colaborao de 19 autores situados em diversos continentes do mundo, amplifi cam esse processo em grande escala.

    Os colaboradores deste livro tm uma dvida especial com as milhares de pessoas que contriburam com informaes e ideias, em torno das quais foram elaborados os captulos desta obra. Entre elas, cito nossos entrevista-dos, assistentes de pesquisa e pessoas que colheram e processaram os dados empricos apresentados neste estudo, alm dos autores dos textos citados na bibliografi a e outros indivduos consultados na preparao deste livro.

    Ao longo deste processo, recebemos tambm o suporte de nossas fam-lias, universidades e outras entidades.

    Decises tomadas por representantes do Ministrio de Desenvolvi-mento Agrrio (MDA), do Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural (NEAD), do Instituto Internacional de Cooperao Agrcola (IICA) e do Centre for Brazilian Studies da Universidade de Oxford viabilizaram recursos fi nanceiros para a edio desta coletnea.

    A sua produo fi nal, no entanto, foi fruto de toda a equipe da Editora da UNESP e da grfi ca na qual o livro foi impresso.

    Sem essa ampla rede de apoio e sustentao, esta antologia jamais teria sido vivel. A todas as pessoas envolvidas nesse grande mutiro, dedicamos um agradecimento muito especial.

    Como organizador deste volume, cabe a mim ressaltar alguns indivduos em particular que ajudaram a concretizar este projeto.

    Traar a genealogia de um livro no uma tarefa fcil. H sempre um acmulo prvio de experincias e ideias que infl uem na elaborao de cada texto. Contudo, no seria exagero dizer que este volume um texto

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    Agradecimentos

    globalizado. Entre seus colaboradores h pessoas de seis nacionalidades: Brasil, Inglaterra, Estados Unidos, Mxico, Argentina e Paraguai. Ademais, a organizao desta antologia foi um processo que passou por vrios pases. De fato, ela foi concebida em Oxford, desenvolvida em Washington DC, e Caacup, Paraguai, e, por fi m, editada em So Paulo.

    Na bela cidade de Oxford aconteceram dois momentos-chave na con-cepo desta obra. Em outubro de 2003, o Centre for Brazilian Studies patrocinou uma conferncia internacional sobre o MST e a reforma agrria no Brasil que reuniu vrios colaboradores desta coletnea. Sou grato a todos os que auspiciaram e tomaram parte desse valioso encontro acadmico; de modo particular ao diretor do Centre, o professor Leslie Bethell. Entre as vrias pessoas do Centre que ajudaram a concretizar essa reunio, cito Ailsa Thom, Sarah Rankin, Alessandra Nolasco, Margaret Hancox e Julie Smith. Gostaria de agradecer tambm a valiosa participao de Carlos Amaral Gue-des, Anne-Laure Cadji, James Dunkerley, Joe Foweraker, David Lehmann, Kurt Von Metteheim, Kathryn Hochstetler e Laurence Whitehead entre os expositores e comentaristas desse encontro.

    O segundo momento de inspirao teve lugar num pub tipicamente in-gls, The White Hart, da aldeia de Wytham, vizinha a Oxford. Foi ali, numa conversa animada com Leslie Bethell, que surgiu o esqueleto deste livro. A cerveja local, sem dvida, era muito boa. Mas seu deleite em nada se poderia comparar ao entusiasmo com o qual o professor Bethell endossou este projeto, desde o incio. Nunca imaginei que organizar uma coletnea como esta me exigiria tantos anos de rduo servio. Reconheo, hoje, ter assumido essa tarefa com muita inocncia, sob a vitalidade contagiante do professor Bethell. Voltando a Oxford de bicicleta, nessa noite fria e escura de outono, assumi o compromisso pessoal de conduzir este projeto a um digno fi nal.

    O sejour em Oxford foi possvel graas s recomendaes de meus orien-tadores e professores da Columbia University de Nova York, os brasilianistas Alfred Stepan, Douglas Chalmers, Ralph Della Cava e Albert Fishlow.

    O Centre for Brazilian Studies de Oxford me ofereceu um espao tran-quilo e instigante para a pesquisa e o debate intelectual. A estadia nesse lugar foi abenoada pela grata companhia, amizade e longas conversas com diversos colegas. Entre eles, Fiona Macauly (a minha irm mais velha), Marukh Doctor, Ronaldo Fiani, Marcos Rolim, Jurandir Malerba, Alexandre Parola, Lilia Moritz Schwarcz, Antonio Srgio Guimares, Nadya Arajo Guimares, Matias Spektor e Vanessa de Castro.

    Em Washington DC, recebi o apoio constante de meus superiores, cole-gas e amigos da American University: Louis Goodman, David Hirschmann,

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    Deborah Brautigam, Fantu Cheru, Robin Broad, Vidyamali Smarasinghe, Philip Brenner, Todd Eisenstadt e Joe Eldridge. Joe Clapper, Ali Ghobadi e as administradoras do nosso Programa de Desenvolvimento Internacional Crystal Wright, Elizabeth Minor e Amanda Rives conferiram ao longo dos anos um efi ciente suporte logstico a este projeto. Gostaria de agradecer de modo especial a generosa e inteligente contribuio de meus assistentes de pesquisa na American University: Lyndsay Hughes, Enrique Gmez Carrillo, Kang Yue e Erin Connor.

    As diversas revises do texto contaram com a valiosa e pontual ajuda de Ralph Della Cava, Patrick Quirk, Maria Joselita Almeida e Dbora Lerrer. Ricardo Salles me auxiliou com a citao de Andr Rebouas no incio do livro. Vrios militantes do MST proporcionaram amplo acesso a informaes sobre o Movimento e diversos contatos que facilitaram a nossa produo. Alm dos agradecimentos feitos em alguns captulos desta antologia, gos-taria de reconhecer as contribuies de Joo Paulo Rodrigues, Joo Pedro Stdile, Dulcinia Pavan, Joaquim Piero, Neuri Rossetto, Geraldo Fontes e Marina Tavares.

    As fotografi as de Sebastio Salgado, Douglas Mansur, Joo Ripper, Leonardo Melgarejo, Francisco Rojas, Joo Zinclar, Verena Glass, Max da Rocha e outros fotgrafos nos permitiram ilustrar a antologia com um toque de beleza, disponibilizando imagens captadas com profunda sensibilidade humana. Cristiane Passos me ajudou a localizar boas fotografi as nos arqui-vos da CPT e da Prelazia de So Flix do Araguaia. Celeste Prieto, por sua vez, fez uma capa esplndida para o livro e diagramou o caderno de fotos.

    A edio brasileira no teria sido possvel sem a valiosa colaborao de Caio Frana, Vinicius Maracato e Adriana L. Lopes, do Ministrio de Desenvolvimento Agrrio, e de Jzio Gutierre, Arlete Zebber e Thas de Oliveira, da Editora da UNESP.

    Minhas pesquisas no Brasil sobre a questo agrria e os movimentos sociais no campo comearam em 1991. As inmeras visitas e extensas viagens por este pas foram financiadas por diversas instituies: The Tinker Foundation, Inter-American Foundation, Fulbright-Hays Disserta-tion Research Abroad Program, Dorothy Danforth Compton Fellowship, Nonprofi t Sector Research Fund-The Aspen Institute, Centre for Brazilian Studies da Universidade de Oxford e American University. A todas as en-tidades e pessoas que ajudaram a subsidiar minhas pesquisas, estendo um reconhecimento especial.

    Esta antologia no teria sido possvel sem o apoio fi el da minha famlia, incluindo os membros do cl Galland Lilette, Andrs, Griselda, Letcia, Eliana e Fabiana , que me acolheram com alegria no Rio de Janeiro e

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    Agradecimentos

    em Porto Alegre. Meus pais, Juanito e Rene Carter, foram uma fonte constante de inspirao. Meus irmos, Nicols e Yvette, estiveram sempre presentes para dar uma mo. Alma Haft me ajudou a cuidar do lazer e bom di vertimento familiar. Kristina Svensson foi a ncora principal deste projeto. Ela acompanhou a elaborao de toda a obra desde a conferncia em Oxford com carinho, pacincia, perspiccia e generosidade. O livro dedicado a ela com muito amor.

    Miguel CarterDezembro de 2009

    Caacup, Paraguai e Colonia Valdense, Uruguai

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  • LISTA DE SIGLAS

    ANTEP Associao Naviraiense Terra e Paz ABI Associao Brasileira de Imprensa ABRA Associao Brasileira de Reforma Agrria ACR Animao de Cristos no Meio Rural ACRQ Associao das Comunidades Remanescentes de

    Quilombolas ACRQBC Associao das Comunidades Remanescentes de

    Quilombo Brejo dos Crioulos ACUTRMU Associao das Comunidades Remanescentes ADT Associao em Direito da Terra AI-5 Ato Institucional Cinco AJUP Instituto de Apoio Jurdico Popular ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas AMPA Associao do Movimento Pequenos Agricultores ANCA Associao Nacional de Cooperao Agrcola ANFAVEA Associao Nacional para Difuso de Adubos ANPES Associao Nacional de Programao Econmica e Social ARST Associao Renovao dos Sem-Terra ASA Associao Santo Antnio ASPROJA Associao dos Pequenos Produtores do Rio Jaru ATES Programa de Assistncia Tcnica, Social e Ambiental

    Reforma Agrria ATUVA Associao dos Trabalhadores Unidos da Vila Aparecida BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social CAR Central dos Assentados de Roraima CCL Centro de Cidadania e Liderana CEAS Centro de Estudos e Ao Social CEB Comunidade Eclesial de Base CEBI Centro de Estudos Bblicos CELAM Conferncia dos Bispos da Amrica Latina

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    Lista de siglas

    CENTRU Centro de Educao e Cultura do Trabalhador Rural CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina CEPLAC Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira CETA Coordenao Estadual de Trabalhadores Assentados CIMI Conselho Indigenista Missionrio CLACSO Conselho Latino-americano de Cincias CLOC Coordenadoria Latino-americana de Organizaes do

    Campo CLST Caminho de Libertao dos Sem-Terra CMS Coordenao de Movimentos Sociais CNA Confederao Nacional da Agricultura CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil COM Centro de Orientao Missionria CONATERRA Cooperativa Nacional Terra e Vida CONCRAB Confederao das Cooperativas de Reforma Agrria do Brasil CONIC Conselho Nacional de Igrejas Crists CONLUTAS Coordenao Nacional de Lutas CONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura COOTERRA Cooperativa dos Lavradores na Luta pela Terra COPERAL Cooperativa Regional de Assentados CPA Cooperativa de Produo Agropecuria CPI Comisso Parlamentar de Inqurito CPT Comisso Pastoral da Terra CRAB Comisso Regional dos Atingidos por Barragens CRB Confederao Rural Brasileira CREHNOR Sistema de Cooperativas de Crdito CTRIN-DTRIG Centro do Trigo Nacional Departamento do Trigo CUT Central nica dos Trabalhadores CVRD Companhia Vale do Rio Doce DIEESE Departamento Sindical de Estatstica e Estudos

    Socioeconmicos ELA Escola Latino-americana de Agroecologia EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria ENFF Escola Nacional Florestan Fernandes EPEA Escritrio de Pesquisa Econmica Aplicada ETR Estatuto de Trabalho Rural FAF Federao dos Trabalhadores da Agricultura Familiar FAO Food and Agriculture Organization FAREMG Federao das Associaes Rurais do Estado de Minas

    Gerais FARESP Federao das Associaes Rurais do Estado de So Paulo FARSUL Federao das Associaes Rurais do Estado do Rio

    Grande do Sul

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    FCO Fundo Constitucional da Regio Centro-Oeste FECAP Federao das Centrais e Unies de Associaes de

    Pequenos Produtores Rurais do Par FEPASA Ferrovias Paulistas S. A. FERAESP Federao dos Empregados Rurais e Assalariados do

    Estado de So Paulo FETAEMG Federao dos Trabalhadores na Agricultura de Minas

    Gerais FETAESP Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado

    de So Paulo FETAG-BA Federao dos Trabalhadores na Agricultura da Bahia FETAGRI Federao dos Trabalhadores na Agricultura FETAGRI-PA Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Par FETAPE Federao dos Trabalhadores na Agricultura de

    Pernambuco FETRAF Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar FETRAF-SUL Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da

    Regio Sul FIESP Federao das Indstrias do Estado de So Paulo FNE Fundo Constitucional da Regio Nordeste FNO Fundo Constitucional da Regio Norte FST Frum Social do Tringulo FUNAI Fundao Nacional do ndio FUNRURAL Fundo de Assistncia ao Trabalhador Rural FUVI Famlias Unidas do Vale do Vilhema GEOLUTAS Laboratrio de Geografi a das Lutas no Campo IAA Instituto do Acar e do lcool. IBAD Instituto Brasileiro de Ao Democrtica IBC Instituto Brasileiro do Caf IBGE Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatstica IDH ndice de Desenvolvimento Humano IECLB Igreja Evanglica de Confi sso Luterana no Brasil INA Instituto Nacional Agrrio INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INDERT Instituto de Desarrollo Rural y Tierras INESC Instituto de Estudos Socioeconmicos IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada IPES Instituto de Pesquisas Econmicas e Sociais ITCO Instituto de Tierras y Colonizacin ITERRA Instituto Tcnico de Capacitao e Pesquisa em Reforma

    Agrria ITESP Instituto de Terras de So Paulo ITMT Instituto de Terras de Mato Grosso

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    Lista de siglas

    ITR Imposto Territorial Rural JAC Juventude Agrria Catlica LAGEA Laboratrio de Geografi a Agrria LCC Liga Camponesa Corumbiara LCP Liga dos Camponeses Pobres LOC Liga Operria Camponesa MAB Movimentos dos Atingidos por Barragens MAST Movimento dos Agricultores Sem-Terra MASTER Movimento de Agricultores Sem-Terra MASTRO Movimento dos Trabalhadores sem Terra do Oeste MATR Movimento de Apoio aos Trabalhadores Rurais MBST Movimento Brasileiro dos Sem-Terra MBUQT Movimento Brasileiro Unidos Querendo Terra MCC Movimento Campons Corumbiara MCNT Movimento Conquistando Nossa Terra MCST Movimento dos Carentes Sem-Terra MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio MEB Movimento de Educao de Base MLST Movimento de Libertao dos Sem-Terra MLSTL Movimento de Libertao dos Sem-Terra de Luta MLT Movimento de Luta pela Terra MLTRST Movimento de Libertao dos Trabalhadores Sem-Terra MMC Movimento das Mulheres Camponesas MMTR Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais MNF Movimento Sem-Terra Nova Fora MNLM Movimento Nacional de Luta pela Moradia MP Medida Provisria MPA Movimentos dos Pequenos Agricultores MPRA Movimento Popular pela Reforma Agrria MPST Movimento Popular dos Sem-Terra MPT Movimento Pacfi co pela Terra MSLTL Movimento de Libertao dos Sem-Terra de Luta MSO Movimento Social Organizado MSONT Movimento Sonho da Terra MSST Movimento Social dos Sem-Terra MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra MSTA Movimento dos Sem-Terra do Amazonas MT Movimento dos Trabalhadores MTA Movimento dos Trabalhadores Assentados MTAA/MT Movimento dos Trabalhadores Acampados e Assentados

    Mato Grosso MTB Movimento dos Trabalhadores Rurais no Brasil MTBST Movimento dos Trabalhadores Brasileiros Sem-Terra

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  • Combatendo a desigualdade social

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    MTD Movimento dos Trabalhadores Desempregados MTL Movimento Terra, Trabalho e Liberdade MTR Movimento dos Trabalhadores Rurais MTRST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra MTRSTB Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

    Brasileiros MTRSTP Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra do Paran MTRUB Movimento dos Trabalhadores Rurais e Urbanos do Brasil MTS Movimento por uma Tendncia Socialista MTST Movimentos dos Trabalhadores Sem-Teto MTV Movimento Terra Vida MUB Movimentos Unidos Brasil MUST Movimento Unido Sem-Terra MUT Movimentos Unidos pela Terra NERA Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma

    Agrria OAB Ordem dos Advogados do Brasil OAC Organizao Agrria Camponesa OAN Ouvidoria Agrria Nacional OCB Organizao das Cooperativas do Brasil OITRA Organizao de Incluso de Trabalhadores pela Reforma

    Agrria OLC Organizao Luta no Campo OMC Organizao Mundial do Comrcio ONG Organizao No Governamental OTC Organizao dos Trabalhadores no Campo PAA Programa de Aquisio de Alimentos PAEG Plano de Ao Econmica do Governo PCB Partido Comunista do Brasil (a partir de 1962, Partido

    Comunista Brasileiro) PCC Primeiro Comando da Capital PDNU Programa de Desenvolvimento das Naes Unidas PDS Partido Democrtico Social PDT Partido Democrtico Trabalhista PFL Partido da Frente Liberal PIB Produto Interno Bruto PJR Pastoral da Juventude Rural PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios PNRA Plano Nacional da Reforma Agrria PPC Paridade de Poder de Compra PROAGRO Programa de Apoio Atividade Agropecuria PROCERA Programa de Crdito Especial para Reforma Agrria

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    Lista de siglas

    PRONAF Programa Nacional de Apoio Agricultura Familiar PRONERA Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria PSB Partido Socialista Brasileiro PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PSOL Partido do Socialismo e Liberdade PT Partido dos Trabalhadores PTB Partido Trabalhista Brasileiro PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo RACAA-Sul Rede de Assistncia dos Acampados e Assentados do Sul

    da Bahia RBS Grupo Rede Brasil Sul RECA Projeto de Reflorestamento Econmico Consorciado

    Adensado RENAP Rede Nacional de Advogados Populares SCA Sistema Cooperativista dos Assentados SENAR Servio Nacional de Aprendizagem Rural SESCOOP Servio Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo SINPRA Sindicatos dos Pequenos e Mdios Produtores Rurais

    Assentados SNA Sociedade Nacional da Agricultura SNCR Sistema Nacional de Cadastro Rural SNCR Sistema Nacional de Crdito Rural SRB Sociedade Rural Brasileira STL Sindicato dos Trabalhadores na Lavoura STR Sindicato de Trabalhadores Rurais SUDAM Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia SUNAB Superintendncia Nacional de Abastecimento TAC Curso Tcnico na Administrao de Cooperativas TDA Ttulo da Dvida Agrria TFP Tradio, Famlia e Propriedade UAPE Unio dos Agricultores de Pernambuco UDR Unio Democrtica Ruralista UFRJ Universidade Federal de Rio de Janeiro UFT Unio Fora e Terra ULTAB Unio dos Lavradores e Trabalhadores Agrcolas do Brasil UNESP Universidade Estadual de So Paulo UNICAMP Universidade de Campinas USP Universidade de So Paulo USST Unio dos Santanenses Sem-Terra

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  • LISTA DE TABELAS, QUADROS E GRFICOS

    1.1 Tamanho mximo das propriedades rurais: uma amostra comparativa 48

    1.2 Reforma agrria na Amrica Latina: um ndice comparativo 501.3 Reforma agrria nas democracias contemporneas:

    duas abordagens 531.4 Viso comparativa do Brasil: desigualdade, desenvolvimento e

    reforma agrria nos principais pases em desenvolvimento 55 1.5 Pobreza, desigualdade e desenvolvimento no Brasil, por regio 58 1.6 Camponeses sem-terra, grandes proprietrios rurais, representao

    poltica e gastos pblicos no Brasil 622.1 Crdito rural concedido, 1969-1982 ndice de incremento real

    e subsdio implcito 872.2 Indicadores de modernizao tcnica de agricultura, 1960-1980 882.3 Variaes mdias em diferentes perodos nos indicadores

    macroeconmicos e no preo da terra, 1965-2003 912.4 Brasil: macroconfi gurao fundiria do territrio em 2003 (milhes

    de hectares) 1012.5 Ranking de titularidade pblico-privada 102 2.6 Indicadores macroeconmicos, 1983-2003 (%) 1092.7 Evoluo do ndice de Gini, 1950-1995 1102.8 Despesa da reforma agrria + gesto da dvida

    fundiria, 1996-2002 (valores em milhes de reais de 2001) 1112.9 Comparao entre os setores formal e informal nos Censos

    de 1980 e 2000 111 2.10 Proporo da populao rural ampliada na populao

    total: evoluo (%) 112 2.11 Estratifi cao de renda domiciliar rural no Censo

    Demogrfi co de 2000 (em salrios mnimos) 112 2.12 Estratifi cao de estabelecimentos de agricultores

    familiares, segundo valor da produo, medido em salrios mnimos-ms (1996) 112

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    Lista de tabelas, quadros e grfi cos

    3.1 Histria social do campo, Brasil 1944-2005: uma cronologia 1365.1 Brasil ocupaes de terra e assentamentos rurais nmero de

    famlias 1988-2005 1725.2 Estrutura organizativa do MST 1825.3 Palavras de ordem do MST: uma cronologia, 1979-2007 1855.4 Brasil: movimentos socioterritoriais no campo, 2000-2006 1935.5 Violncia rural no Brasil: nmero de assassinatos, tentativas e

    ameaas de morte, 1988-2005 1976.1 Formas de confl ito social 2046.2 Modalidades de ativismo pblico 2056.3 Mobilizaes do MST e famlias benefi ciadas no Rio Grande

    do Sul (1979-2004) 222 6.4 Distribuio fundiria no Rio Grande do Sul, 1979-2006: famlias do

    MST benefi ciadas 2226.5 Mobilizaes do MST pela terra e famlias benefi ciadas no

    Rio Grande do Sul (1979-2006). ndice comparativo de nveis de intensidade 224

    6.6 Desenvolvimento do MST no Rio Grande do Sul (1979-2006). Modalidades de Ativismo Pblico 230

    6.7 Mobilizaes de sem-terra no Rio Grande do Sul (1979-2006). Principais repertrios de contestao 232

    6.8 Repertrios de contestao do MST no Rio Grande do Sul (1979-2006) 234

    6.9 Contingentes de sem-terra no Rio Grande do Sul (1979-1998) 234 6.10 Mobilizaes pela terra e assentamentos agrcolas no

    Rio Grande do Sul (1979-2006). Dados estatsticos por mandato presidencial 235

    8.1 Ocupaes de terra e assentamentos do MST no Par 2779.1 Violaes de direitos humanos no campo, Brasil, 1988-2006:

    tipos de abusos segundo a mdia anual de cada perodo presidencial 293

    9.2 Assassinatos por confl itos no campo, Brasil, 1985-2006: por perodo presidencial 293

    9.3 Reforma agrria no Brasil, 1985-2006, por grande regio 2949.4 Reforma agrria no Brasil, 1979-2006, por perodo

    presidencial 2969.5 Presso social e reforma agrria no governo Lula, 2003-2006:

    por regio do pas, em porcentagem 2979.6 Condies de vida nos assentamentos e percepo

    dos assentados 3019.7 Assentamentos vinculados ao MST, 2006: cifras estimativas

    por regio 3049.8 Setores e coletivos do MST 305

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  • Combatendo a desigualdade social

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    9.9 Setor de educao: uma cronologia bsica 309 9.10 Resultados do MST na rea de educao, 1984-2007 311 9.11 Setor de produo, cooperao e meio ambiente:

    uma cronologia bsica 314 9.12 Meios de comunicao popular vinculados ao MST, 2007 316 9.13 Violaes de direitos humanos no campo, Brasil, 1988-2006: total e

    porcentagem por perodo presidencial 324 9.14 Reforma agrria no Brasil, 1979-2006: por perodo presidencial e

    regio do pas 325 9.15 Brasil, assentamentos de reforma agrria, 1979-2006 328 9.16 Assentamentos vinculados ao MST, 2006: cifras estimativas 329 9.17 Assentamentos vinculados ao MST, 2006: porcentagem estimativa

    por regio 330 10.1 Participao em organizaes em trs assentamentos

    de So Paulo 336 10.2 Famlias assentadas e assentamentos em So Paulo,

    1979-1999 337 10.3 Assentamentos pesquisados no estado de So Paulo:

    dados bsicos 338 10.4 Indicadores agrrios em quatro municpios do estado

    de So Paulo, 1995-1996 339 10.5 Distribuio fundiria nos municpios pesquisados: ndice de Gini

    e rea mdia, 1975-1995 340 10.6 Evoluo da populao rural e urbana nos municpios pesquisados,

    1970-2000 341 12.1 Ocupao e assentamento de famlias em Pernambuco

    (1989-1997) 380

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  • Brasil: Estados e lugares citados no livro

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  • INTRODUO

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  • 1DESIGUALDADE SOCIAL, DEMOCRACIA E REFORMA AGRRIA NO BRASIL

    Miguel Carter

    O Brasil uma das naes de maior desigualdade social do mundo. Suas enormes disparidades em termos de distribuio de riqueza tm profundas razes histricas. Esta obra aborda um importante legado e um permanente aspecto da injustia social no Brasil: a acentuada desi-gualdade da sua estrutura fundiria. Os captulos deste livro investigam as causas, consequncias e reaes contemporneas a essa situao. Mais especifi camente, lanam luz sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o maior e mais proeminente movimento social da Am-rica Latina, e seus esforos contnuos para combater os padres histricos de desigualdade no Brasil rural.

    Este livro apresenta uma abrangente descrio da luta atual pela reforma agrria no Brasil. Os 18 captulos includos aqui foram produzidos e revis-tos entre 2004 e 2007, aps uma conferncia patrocinada pelo Centre for Brazilian Studies da University of Oxford. Todos os colaboradores deste livro, um grupo de pesquisadores brasileiros, europeus e professores da academia norte-americana tm ampla experincia de trabalho de campo em pesquisas sobre o tema. Juntos, oferecem uma singular perspectiva internacional e interdisciplinar sobre este fenmeno.

    As quatro sees cobrem uma ampla variedade de questes. A primeira proporciona uma viso geral da estrutura fundiria no Brasil, suas polticas pblicas e a mobilizao de trabalhadores rurais desde meados do sculo XX.

    O autor gostaria de agradecer Ralph Della Cava, Deborah Brautigam, Kristina Svensson e Joselita Maria Almeida pela meticulosa leitura do texto e os valiosos comentrios. Erin Connor, Elizabeth Minor e, especialmente, Kang Yue e Enrique Carrillo Gmez, tambm merecem agradecimentos especiais pela importante assistncia na pesquisa.

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  • Desigualdade social, democracia e reforma agrria no Brasil

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    A segunda parte analisa a histria do MST e a luta pela terra. A terceira explora a criao, a dinmica interna e os efeitos dos assentamentos agr-colas do MST, e a seo fi nal analisa as interaes do MST com diferentes facetas da sociedade e poltica brasileiras.

    Este captulo introdutrio apresenta a mobilizao pela reforma agrria no MST e no Brasil em um contexto mais amplo. Comearemos com a justaposio de duas imagens do Brasil do incio do sculo XXI. Elas ilus-tram com clareza as enormes disparidades sociais e o choque de projetos para o pas que envolvem a luta do MST pela redistribuio da terra. Em seguida, ofereceremos uma breve anlise do MST e de sua infl uncia na poltica de reforma agrria no Brasil. Depois, investigaremos alguns dos principais efeitos que a intensa e permanente desigualdade pode ter sobre o desenvolvimento e a democracia. Discutiremos, ento, as experincias com a reforma agrria ao redor do mundo, a fi m de situar o caso brasileiro em uma perspectiva comparativa. As duas sees subsequentes avaliam as possibilidades da reforma agrria no Brasil e esboam as principais posies do debate atual em relao redistribuio fundiria. Concluiremos o texto apresentando uma viso geral do contedo do livro.

    O BRASIL NO INCIO DO SCULO XXI: DUAS IMAGENS DISTINTAS

    2 de maio de 2005. E eles marcharam. Levando chamativas bandeiras ver-melhas em uma fi la organizada de cinco quilmetros, 12.000 trabalhadores rurais do MST embarcaram em uma procisso sem precedentes durante 16 dias cruzando o cerrado para chegar a Braslia. Reforma agrria j! entoavam os homens, mulheres e crianas vindos de cantos distantes do Brasil. Os manifestantes haviam se reunido no dia anterior, para um enorme comcio do Dia do Trabalhador. Na moderna cidade de Goinia, a partida foi abenoada pelo arcebispo local e aplaudida por outros lderes da cidade.

    Os preparativos logsticos para a mobilizao de 210 quilmetros foram impressionantes.1 noite, os manifestantes dormiam em grandes tendas de circo montadas em fazendas beira da estrada. Pela manh, os policiais

    1 Essa descrio da marcha nacional do MST em 2005 baseia-se em uma leitura atenta de todos os relatos da mobilizao na imprensa, incluindo O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, Jornal O Globo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Agncia Carta Maior e Sue Branford (2005). Alm disso, consultei as transcries de todos os noticirios televisivos nacionais referentes marcha; o servio de informao do MST, divulgado no website do Movimento (http://www.mst.org.br/informativos/) e um vdeo do MST sobre a marcha, Ergue a tua Voz: Marcha Nacional pela Reforma Agrria (2005a). Conversas com pessoas envolvidas na mobilizao foram muito proveitosas. Sou especialmente grato generosa assistncia de Antnio Canuto e Geraldo Fontes.

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  • Combatendo a desigualdade social

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    federais que os acompanhavam assistiam com certa ansiedade ocupao pacfi ca de uma nova propriedade para montar o acampamento daquela noite. No dia seguinte, aps a partida da multido, um grupo fi cava res-ponsvel por deixar a rea bem limpa.

    Durante a marcha, todos os participantes receberam trs refeies di-rias preparadas por uma equipe de 415 pessoas. Os recursos necessrios para manter a mobilizao vieram de diversas fontes. Os assentamentos de reforma agrria vinculados ao MST doaram alimentos. Tambm houve contribuies de organizaes religiosas, governos estaduais e municipais e de simpatizantes do MST dentro e fora do Brasil.2 Uma estao de rdio itinerante do Movimento transmitiu programas especiais ao longo da cami-nhada, disponveis aos participantes por meio de 10.000 pequenos aparelhos de rdio emprestados pelo Frum Social Mundial. Mais de 65 veculos foram empregados para transportar as tendas, os banheiros portteis e os pertences pessoais de um acampamento a outro.3

    Cada trecho da marcha teve incio antes do amanhecer. Canes de protesto, palavras de ordem e conversas com os parceiros ajudavam a ani-mar as cinco horas dirias de caminhada. tarde e noite os camponeses tinham atividades de estudo e lazer. Uma equipe pedaggica se encarregou de organizar diversas jornadas de refl exo e debate, com palestras ofereci-das por intelectuais, polticos e lideranas do Movimento. Esses encontros promoveram discusses sobre temas relacionados proposta de reforma agrria do MST, conjuntura poltica brasileira, formas contemporneas de imperialismo, aos perigos das sementes transgnicas e outras preocupaes ambientais.

    Depois do jantar, o acampamento oferecia uma noite cultural, com apresentaes de msica, dana e poesia de lavradores de todas as regies do pas. Tambm foram exibidos vrios fi lmes e documentrios em um enorme telo. Um dos preferidos da multido foi Dirios de motocicleta, um fi lme emocionante de Walter Salles sobre as aventuras do jovem Ernesto

    2 Os apoiadores mais visveis da marcha eram ligados Igreja Catlica. A Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu um comunicado formalizando sua total solidariedade marcha do MST. Mais de 90 representantes pastorais, bispos, freiras, monges, padres e seminaristas participaram da marcha, incluindo o presidente da Comisso Pastoral da Terra (CPT), Dom Toms Balduno, e o telogo Leonardo Boff. Conhecidos artistas do meio musical, elencos de teatro e grupos de solidariedade internacional tambm contriburam com a mobilizao. Alm disso, cerca de mil prefeituras de municpios nos quais o MST possui assentamentos ajudaram a cobrir as despesas de transporte para os trabalhadores rurais que participaram da marcha em Goinia.

    3 O evento tambm contou com o apoio de 325 agentes de sade do MST e 65 edu-cadores do Movimento, que cuidaram das 115 crianas que participaram da marcha em uma creche itinerante.

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  • Desigualdade social, democracia e reforma agrria no Brasil

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    Che Guevara em sua viagem pela Amrica do Sul. Pelas regras do acam-pamento, o consumo de bebidas alcolicas era proibido.

    Enquanto a marcha se aproximava da capital da nao, representantes do MST mantiveram-se ocupados em reunies com ministros do governo, lderes do Congresso e autoridades do Poder Judicirio. Alm de exigir o cumprimento do Plano Nacional de Reforma Agrria por parte do governo federal, apresentaram peties em favor de vrios projetos de desenvolvi-mento rural e reivindicaram proteo dos direitos humanos no campo. Ao longo de duas semanas, emissrios do MST participaram de 50 reunies com 20 ministrios e rgos do governo federal.

    O programa de austeridade fi scal do governo, contudo, esfriou o clima das negociaes promovidas pelo MST. Antes da marcha, o ministro da Fazenda havia determinado um corte no oramento para muitos programas sociais, inclusive a reforma agrria. As restries para os gastos oramen-trios prejudicaram o cumprimento da antiga promessa do presidente Luiz Incio Lula da Silva de realizar uma reforma agrria progressista. As mesmas polticas austeras, aliadas s crescentes taxas de juros, possibilitaram lucros recordes do setor fi nanceiro. No incio de 2005, os pagamentos do governo para a dvida pblica brasileira foram equivalentes ao dobro da quantia gasta em todos os programas relacionados sade, educao, bem-estar social, agricultura, transporte e segurana.4

    Ns no aceitamos, declarou Ftima Ribeiro, da coordenao nacional do MST, depois de se reunir com o ministro do Desenvolvimento Agrrio, que os dois bilhes de reais da Reforma Agrria vo pagar juros da dvida brasileira, dando ainda mais lucros para os banqueiros. A esperana, ela acrescentou, a ltima que morre e por isso que estamos nos mobili-zando (MST, 2005b).

    A chegada do Movimento ao Distrito Federal foi acompanhada por diversos parlamentares, como o senador Eduardo Suplicy, do estado de So Paulo, e quatro deputados do Partido dos Trabalhadores. Ao chegar a Braslia, os manifestantes realizaram uma cerimnia para agradecer a escolta dos policiais federais e deram a cada policial uma camiseta e um bon do MST. Aps passarem a noite ao lado do estdio Man Garrincha, saram em uma passeata de 20.000 pessoas pelas ruas de Braslia. Essa caminhada de protesto, encabeada por indgenas e negros do estado da Bahia, fez sua primeira parada diante da Embaixada dos Estados Unidos, onde deixaram uma pilha de lixo americano embalagens de McDonalds e garrafas vazias de Coca-Cola e queimaram armas de brinquedo para criticar o consumismo e imperialismo norte-americanos. Em frente ao Ministrio da Fazenda, o MST realizou um ato em favor de um autntico modelo de

    4 Os dados referem-se aos primeiros quatro meses de 2005 (cf. Banco Central, 2005).

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  • Combatendo a desigualdade social

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    desenvolvimento nacional. Um enorme cartaz exibido no evento denun-ciava o Ministrio da Fazenda como a Fazenda do FMI.

    Enquanto isso, representantes do MST mantiveram-se ocupados no Congresso apresentando peties aos presidentes do Senado e da Cmara dos Deputados e participando de uma homenagem a Dom Luciano Mendes, ex-presidente da Conferncia Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) e um defensor histrico da reforma agrria. Fora do Congresso Nacional, a polcia civil de Braslia provocou o nico confronto dos 17 dias de mobilizao. A briga comeou depois que um carro da polcia tentou passar no meio da multido de manifestantes, ferindo vrias pessoas. Em reao, alguns comearam a bater no veculo, e a polcia montada apressou-se a empurrar e bater nos manifestantes. Aumentando ainda mais a dramaticidade do episdio, um helicptero da polcia passou a ameaar a multido com voos rasantes. Dois senadores tiveram de intervir para acalmar a polcia local. Cerca de 50 pessoas fi caram feridas no incidente.

    A cobertura da imprensa, no ltimo dia da marcha, centrou-se principal-mente nesse breve incidente. Antes disso, a cobertura televisiva da marcha j tinha sido negativa no geral. Durante dias, a grande mdia dispendeu sua ateno nas doaes de alimentos e gua realizadas pelo governador de Gois e o prefeito de Goinia. Os noticirios abordaram o fato e a dispo-nibilizao de seis ambulncias para atender os manifestantes como um grande escndalo de corrupo poltica. A deciso de um promotor pblico de investigar as contribuies para a marcha recebeu grande destaque na imprensa, e levou uma reprter do Jornal Nacional, da TV Globo, o principal noticirio do Brasil, a descrever a situao como uma coisa inusitada que ns nunca vimos acontecer at agora como a do Estado fi nanciar um mo-vimento contra si prprio.5 Em outros momentos da marcha, a ateno da imprensa foi bastante minguada. No dia em que o MST chegou em Braslia, somente um dos cinco principais jornais do pas publicou uma reportagem de primeira pgina cobrindo a mobilizao.

    No Palcio da Alvorada, o presidente Lula recebeu calorosamente uma delegao de 50 membros do MST e apoiadores da Igreja, sindicatos, ati-vistas de direitos humanos, grmios estudantis e artistas. Lula encantou os visitantes ao vestir um bon do MST. Aps intensas negociaes, o governo concordou em cancelar os cortes do oramento para a reforma agrria, contratar 1.300 novos funcionrios para o INCRA, o rgo federal respon-

    5 Ministrio Pblico quer investigar se houve uso de dinheiro pblico para a marcha do MST. Jornal Nacional, TV Globo, 9 de maio de 2005. Outro comentrio revelador foi feito por Boris Casoy, o ncora do noticirio noturno da TV Record: No justo que os con-tribuintes todos ns sejam usados para pagar a propaganda do MST, um movimento poltico, muitas vezes violento, que insiste em no se legalizar para escapar dos rigores da lei. Poder pblico precisa respeitar um pouco mais o dinheiro do contribuinte, Jornal da Record, TV Record, 5 de maio de 2005.

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    svel pela reforma agrria, e oferecer mais apoio para os assentamentos j implantados. Poucas das outras peties feitas pelo MST foram atendidas.

    A ltima noite da marcha culminou com uma celebrao ecumnica, seguida de um ato pblico e um show animado por reconhecidos artistas do meio musical brasileiro.

    A marcha do MST para Braslia foi um evento de larga escala, comparvel a outras grandes marchas de longa distncia do sculo XX, como a cami-nhada de Mahatma Gandhi de 23 dias para a cidade costeira de Dandi, na ndia, em 1930, na qual desafi ou o domnio colonial britnico ao fazer seu prprio sal; a Jarrow Crusade, marcha de 27 dias realizada por operrios desempregados do nordeste da Inglaterra at Londres, em 1936, em meio Grande Depresso; a marcha de cinco dias de Selma a Montgomery, no Alabama, liderada por Martin Luther King, em 1965, no auge do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos; e a marcha de 34 dias de povos indgenas da Amaznia boliviana at La Paz, em 1990, para reivindicar direitos a terra e a proteo da Floresta Amaznica. Mas nunca, em toda a histria, houve uma marcha pacfi ca de protesto to massiva, longa e sofi sticada quanto esta mobilizao a Braslia.6

    ***4 de junho de 2005. Apenas 18 dias aps o fi nal da marcha do MST,

    uma cena muito diferente teve lugar em So Paulo, a capital industrial e fi nanceira do Brasil.

    Um helicptero pousa no alto de um palazzo italiano de quatro andares, um prdio de estilo neoclssico com impressionante vista do horizonte de arranha-cus da gigantesca metrpole. De um lado do palazzo de 120 mi-lhes de reais, custodiado por um alto dispositivo de segurana, encontra-se

    6 Em termos comparativos, nenhum outro movimento social tem organizado tantas marchas de longa distncia quanto o MST. A Marcha do Sal de Gandhi comeou com 78 homens e percorreu quase 400 quilmetros (cf. Wikipdia, 2006). A Jarrow Crusade foi composta por 200 homens e cobriu 390 quilmetros (cf. Colette, 2006). A marcha dos direitos civis Selma-Montgomery teve incio com 3.200 pessoas e cobriu 87 quilmetros (cf. Branch, 1998). A marcha indgena de Trinidad a La Paz comeou com 300 homens, mulheres e crianas e percorreu 560 quilmetros (cf. Healy, 2001, p.361-94). Por sua vez, a marcha nacional do MST, em 1997, para Braslia, mobilizou 1.300 pessoas durante 64 dias, de trs diferentes pontos de partida: as cidades de So Paulo, Governador Valadares, em Minas Gerais, e Rondonpolis, no Mato Grosso, cobrindo 1.030, 720 e 925 quilmetros respectivamente (cf. Chaves, 2000; Santos; Ribeiro; Meihy, 1998). A primeira marcha de longa distncia do MST foi realizada em 1986, quando 250 trabalhadores rurais sem-terra caminharam durante 27 dias em uma romaria pela reforma agrria para Porto Alegre (cf. o Captulo 6, de Carter, neste livro sobre o Rio Grande do Sul). Em outubro de 2007, os camponeses sem-terra da ndia superaram a marca do MST, com a organizao da maior marcha de longa distncia do mundo. Durante 27 dias, 25.000 pessoas de casta inferior e grupos tnicos minoritrios caminharam 320 quilmetros at Nova Dlhi para exigir uma reforma agrria.

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    uma favela. Atrs, fl ui o melanclico e malcheiroso rio Tiet, lnguido de escoar tanta poluio.

    Um dos polticos mais importantes do Brasil desce no heliponto. Den-tro do prdio, a multido fervilha de empolgao. Geraldo Alckmin e a esposa Lu Alckmin haviam chegado. O governador de So Paulo de pronto inauguraria a maior butique de produtos de luxo do mundo: um templo de opulncia, uma Disneylndia para os ricos, uma loja blindada, de acordo com as descries da imprensa local.

    Dentro do palazzo, Alckmin e Lu abraam a filha Sophia. Alckmin recebe a palavra: A Daslu o trao de unio entre o bom gosto e muitas oportunidades de trabalho. Ele tinha como saber. Sophia e a cunhada, como outras jovens da classe alta, trabalham na Daslu. Cortada a fi ta, 50 msicos da orquestra de violinos da Daslu comeam a tocar. Impecveis, garons com luvas brancas servem champanhe. Ao longo dos dois dias de festividades, a Daslu ofereceria aos convidados da alta sociedade 2.280 garrafas do requintado champanhe Veuve Clicquout.

    Passeando pela loja e seus 20.000 metros quadrados de piso de mrmore, cobrindo uma rea equivalente a trs campos de futebol, Alckmin, Lu e Sophia param para apreciar os refi nados itens de luxo em exposio: uma bolsa de couro de crocodilo Dior por 40.000 reais, um casaco de vison Prada por 47.000 reais, jeans Dolce & Gabbana por 4.180 reais, sandlias Manolo Blahnik por 3.000 reais, e uma camiseta Ralph Lauren por 2.460 reais. tudo muito colorido aqui, comenta Alckmin.

    No segundo andar, Sophia chama a ateno dos pais para um helicptero pendurado no teto. Olha, que linda esta motocicleta, diz Lu, apontando para uma Harley-Davidson cotada em 195 mil reais. Carros de luxo, entre eles um Maserati conversvel venda por 735 mil reais, tambm estavam expostos. Alguns passos adiante, via-se uma srie de miniaturas de iates, incluindo um barco Ferreti de 12 milhes de dlares. A imobiliria da Daslu at oferece uma ilha no elegante litoral de Angra dos Reis. O preo: 8 milhes de reais.

    Equipamentos de esqui para os que planejam uma viagem a Chamonix, nos Alpes franceses, garrafas de vinho de at 20.000 reais, a mais recente tecnologia de entretenimento e muito mais a Daslu tem de tudo. Um mar de champanhe, sofs confortveis, fl ores e cafs esto espalhados pela loja. Belas mulheres, fl uentes em vrias lnguas as Dasluzetes da loja mimam os clientes com o clssico charme brasileiro.

    Isto aqui o nosso clube, explica um socialite. uma apoteose, acrescenta a amiga. Chanel, Prada, Gucci, tudo aqui na Daslu. Com a fl te de champanhe na mo, ela lembra que a maior extravaganza que fez na vida foi gastar 280 mil reais numa Mercedes Benz... E na Daslu foi duran-te uma liquidao. Fui me empolgando, me empolgando... Eram umas 20 peas, todas de grife. Hoje mesmo acabei de reservar dois sapatos Chanel.

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    Eu poderia passar o dia inteiro me perdendo na Daslu. Aqui o lugar mais maravilhoso para se perder no mundo.7

    A grandiosa inaugurao da Daslu foi engenhosamente elaborada para se benefi ciar do rpido crescimento do mercado de bens de luxo no Brasil. Com uma fatura de 2,3 bilhes de dlares norte-americanos em 2004, ele o maior mercado de luxo da Amrica Latina, com um crescimento disparado de 35% ao ano. S So Paulo responde por 75% do negcio, considerado um dos mais lucrativos do mundo.8 De fato, as famlias mais ricas do pas pareciam estar melhor do que nunca. Segundo a Merril Lynch, o nmero de brasileiros milionrios (em dlares norte-americanos) saltou de 92.000 para 98.000 entre 2003 e 2004. A revista Forbes, por sua vez, estimou que o nmero de bilionrios no Brasil dobrou para 16 em 2005.9

    Alckmin no foi o nico poltico de destaque presente na festa da Daslu. Alm de um grande nmero de empresrios de alto nvel, banqueiros, in-dustriais, reis da soja, celebridades dos esportes e da moda, o evento contou com a presena de Jos Serra, o prefeito de So Paulo, e Antnio Carlos Magalhes, o infl uente senador da Bahia, mais conhecido pelo acrnimo ACM. Durante as festividades, Alckmin e Serra tiveram de driblar vrias perguntas sobre suas candidaturas presidncia da Repblica. A Daslu teve a beno de contar com patronos muito poderosos.

    13 de julho de 2005. Cinco semanas aps sua pomposa inaugurao, o mundo da Daslu foi abalado por uma dura realidade. Naquela manh, mais de cem policiais federais e agentes tributrios invadiram o palazzo da Daslu e detiveram a proprietria, Eliana Tranchesi, alm de dois scios, sob suspeita de fraude fi scal. Os investigadores alegavam que a Daslu havia sonegado mais de 24 milhes de reais em impostos ao longo dos dez ltimos meses utilizando empresas-fantasma para declarar um valor mais baixo para os produtos importados. Na alfndega, vestidos Louis Vuitton vendidos na loja a mais de 5.000 reais eram declarados a 24 reais, e gravatas fi nas da Ermenegildo Zegna, a apenas 12 reais.

    As aes da Polcia Federal acionaram alarmes em Braslia e em So Paulo. Muito contrariado com a notcia, ACM interveio rapidamente a favor de Eliana, uma amiga da famlia que tinha contratado a neta do senador para trabalhar na loja. ACM manifestou sua indignao ao ministro da Justia, que passou boa parte do dia atendendo telefonemas furiosos de outros VIPs. O senador, ento, telefonou para Eliana, ainda em custdia no escritrio da Polcia Federal, e chorou com ela ao telefone. Mais tarde, fez um discurso mordaz no Senado criticando o governo Lula. Seus comentrios foram

    7 A descrio da inaugurao da Daslu baseia-se principalmente na coluna de Bergamo (2005a). O retrato apresentado aqui tambm se inspira na visita do autor Daslu em 25 de julho de 2005.

    8 Benson (2005) e Downie (2005). 9 Beraba (2005a).

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    ecoados pelo colega, o senador Jorge Bornhausen, presidente do segundo maior partido no Congresso, o Partido da Frente Liberal (PFL), que descreveu a blitz na Daslu como um atentado ao mercado. A deteno de Eliana, ele alertou, pode gerar uma crise econmica e afugentar os investimentos internacionais do Brasil.10

    A principal entidade empresarial, a Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (FIESP) emitiu um comunicado com uma vigorosa condena-o batida policial na Daslu. A cobertura do incidente por parte da mdia nacional deu destaque aos crticos desta ao. Os editoriais dos jornais mais importantes do pas apoiaram a Daslu e a proprietria. A descrio da notcia pela mdia levou o ombudsman da Folha de S.Paulo a lamentar: Diante de tantos depoimentos e comentrios criticando a priso da dona da Daslu, o jornal poderia ter publicado pelo menos unzinho defendendo ou explicando a ao da Polcia Federal.11

    ***Duas cenas de contraste com apenas alguns dias de diferena a marcha

    nacional do MST a Braslia e a inaugurao da Daslu em So Paulo retratam com agudeza o Brasil do incio do sculo XXI. Os dois eventos compartilham um ar de grandiosidade tipicamente brasileiro. Um deles apresenta a maior caminhada de protesto da histria mundial. O outro retrata a inaugurao da maior loja de departamentos de produtos de luxo do planeta. As suas numerosas diferenas, contudo, so enormes e emblemticas.

    De um lado, temos uma mobilizao multirracial da camada mais pobre da sociedade brasileira. De outro, temos uma festa de gala s de brancos, com a participao dos mais abastados do pas. O primeiro evento um ato de protesto, motivado por sentimentos de solidariedade e a mstica nutrida por um sentido de sacrifcio comum. O outro celebra um empreendimento comercial voltado a satisfazer tentaes hedonistas. Enquanto os mani-festantes vivem frugalmente, consumindo na maior parte alimentos que eles prprios cultivaram, o pblico da Daslu se deleita com um banquete regado a champanhe importado, em meio a grifes e produtos carssimos.

    O contraste no termina a. Polticos progressistas apoiam a mobiliza-o do MST, ao passo que a inaugurao da Daslu teve a participao de renomados polticos conservadores. As descries dos eventos nos meios de informao tambm foram contrastantes. Os principais noticirios da nao trataram os gastos pblicos de 300 mil reais em gua e alimento para os manifestantes do MST como um ato de corrupo poltica, enquanto perdoavam de forma tcita o esquema da Daslu para sonegar 24 milhes

    10 Bergamo (2005b). 11 Beraba (2005b). Em maro de 2009, Eliana Tranchesi foi condenada a 21 anos de priso,

    junto com o irmo e outros seis empresrios, acusados de realizar importaes fraudulentas e sonegar aproximadamente um bilho de reais em impostos (cf. O Globo, 2009).

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    de reais em taxas de importao. Enquanto o MST precisa protestar para promover a reforma agrria e outros direitos sociais bsicos, o pessoal da Daslu possui os contatos, a infl uncia e os recursos fi nanceiros necessrios para promover seus interesses com maior discrio. A marcha do MST con-testa o status quo do Brasil. A fte na Daslu o celebra com grande opulncia.

    A acentuada disparidade social no Brasil perpassa a sua dimenso continental: o quinto maior pas do mundo, tanto em territrio quanto em populao, a nona maior economia e uma das sociedades mais desiguais do planeta. De acordo com um relatrio do IPEA publicado em 2005, somente Serra Leoa, assolada pelas guerras, apresentava uma disparidade de renda maior que a do Brasil. Segundo esse rgo governamental de pesquisa, no Brasil os 10% mais ricos da populao detm 46% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres possuem apenas 13%.12 Os recursos combinados das 5.000 famlias mais ricas do pas isto , 0,001% da populao constituem 40% do produto interno bruto (PIB) da nao.13

    No campo, a distribuio da riqueza ainda mais desigual. Um por cento dos proprietrios rurais controla 45% de todas as terras cultivveis da nao, ao passo que 37% dos proprietrios rurais possuem apenas 1% da mesma rea. Sem dvida, o Brasil uma das naes com a maior concentrao de terra do mundo.14 A atual estrutura agrria tem razes profundas na hist-ria do pas. Ela foi forjada durante o perodo colonial, com a concesso de extensas sesmarias a famlias portuguesas privilegiadas e a instituio de um regime de trabalho baseado na escravido. A acentuada assimetria fun-diria foi mantida posteriormente sob diferentes sistemas polticos: imprio, repblica oligrquica, governo militar e democracia poltica.15

    O MST e a Daslu retratam de modo emblemtico as contradies que perpassam a desigual sociedade brasileira. Esses dois mundos, no entanto, esto interligados. sua prpria maneira, cada um ilumina o outro. Con-fi nar o lugar do MST no Brasil a uma fora engajada apenas na luta pela terra, ou na busca de modelos alternativos para o desenvolvimento rural,

    12 Os dados sobre a desigualdade social no Brasil so do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA, 2005, p.50-61). Subsequentemente, o IPEA publicou um estudo que mos-trava reduo do coefi ciente de Gini relativo desigualdade de renda no Brasil. De acordo com o relatrio, entre 2001 e 2005, o indicador de Gini para a desigualdade de renda caiu de 0,593 a 0,566 (cf. Barros, Carvalho, Franco e Mendona, 2006, p.108). O ltimo dado, contudo, ainda situa o Brasil entre as nove naes mais desiguais do mundo, considerando os 123 pases avaliados pelo Banco Mundial (2005).

    13 Campos, Barbosa, Pochmann, Amorin e Silva (2005, p.29). 14 Os dados so do Censo Agrrio brasileiro de 1995, cf. IBGE (1996). 15 Para boas anlises histricas da estrutura poltica e fundiria no Brasil, cf. Buainain (2008);

    Costa e Santos (1998); Faoro (1957); Forman (1975); Martins (1997, 1994, 1991, 19); Gui-mares (1989, 1982); Silva (1996); Medeiros (1989); Schmink e Wood (1992); Stdile (2006, 2005a, 2005b, 2005c, 1999, 1994).

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    desconsiderar o panorama mais amplo. O MST no s um fenmeno rural. Assomando por trs das suas marchas disciplinadas e o brilho das suas bandeiras vermelhas, h um fantasma que desafi a as desigualdades seculares do Brasil. Apesar de muitos exageros, os temores provocados pelo Movimento no so infundados. O MST subverte percepes, normas e costumes tradicionais. Ele perturba a ordem natural das coisas. Ele expe, d voz a, e canaliza as tenses subjacentes na sociedade brasileira. Alguns consideram essa agitao um antema nacional. Outros simpatizam com seu impulso de ruptura com a ordem existente. Entre os ltimos, muitos veem no Movimento um poderoso smbolo e uma fonte de inspirao na luta por concretizar a promessa da igualdade de direitos e a plenitude da cidadania.

    O MST E A LUTA PELA REFORMA AGRRIA NO BRASIL

    Ao longo do sculo XX, polticas de redistribuio fundiria foram adota-das em vrias naes. Ao fi nal da dcada de 1980, contudo, um conjunto de elementos veio frear estas iniciativas e diminuir o peso da reforma agrria na pauta dos debates em torno da promoo do desenvolvimento mundial. A crescente urbanizao no Terceiro Mundo, o aumento da produo agrcola com a introduo de tecnologias modernas, a queda do comunismo, a ascenso do neoliberalismo e a expanso dos conglomera-dos do agribusiness global contriburam para a formao desse novo clima de opinio com respeito redistribuio fundiria. Nesse contexto, uma curiosa contratendncia comeou a se desenvolver no Brasil. Na dcada de 1980, surgiram diversas mobilizaes populares pressionando o Estado a promover a reforma agrria, criando no processo um dos movimentos sociais mais duradouros da histria: o MST. Em meados da dcada de 1990, o MST havia se tornado o maior movimento social da Amrica Latina, e a reforma agrria estabeleceu-se na agenda pblica do Brasil.

    As primeiras atividades camponesas pela reforma agrria no Brasil ocorreram na dcada de 1950, na empobrecida regio Nordeste. Essas mo-bilizaes ganharam mais fora e extenso durante o incio dos anos 1960. O primeiro decreto nacional de reforma agrria, entretanto, foi frustrado dias aps sua promulgao pelo presidente Joo Goulart, pelo golpe militar de 1964. A instaurao de um regime autoritrio foi apoiada por setores conservadores, em especial os representantes da classe latifundiria. Nesse novo contexto, desatou-se uma ampla represso aos novos movimentos so-ciais do campo e seus aliados na esquerda poltica e eclesial. A recm-criada Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) foi submetida ao controle do Estado. Oito meses depois do golpe, contudo, o

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    novo presidente militar promulgou uma lei de reforma agrria com avanos progressistas. Apesar de utilizada no essencial para promover um programa de colonizao na Amaznia, a nova legislao proporcionou aos defensores da reforma em especial a CONTAG, a Igreja e os lderes dos partidos de oposio uma plataforma jurdica para a defesa dos posseiros e para a reivindicao em favor da distribuio de terras.

    Com apoio do governo, a CONTAG criou uma ampla rede de sindi-catos de trabalhadores rurais. At 1984, ela representava 2.626 sindicatos com mais de 9 milhes de fi liados. Apesar das limitaes do regime au-toritrio e da estrutura burocrtica da CONTAG, a rede de sindicatos de trabalhadores rurais constituiu um importante meio para a construo de uma identidade de classe entre os camponeses e para a difuso de direitos de cidadania. Os sindicatos tambm proporcionaram um espao para a formao da base social e de lideranas no meio dos trabalhadores rurais e promoveram a discusso de temas agrrios. No obstante a aliana entre os militares e grandes proprietrios de terra, a CONTAG e muitos dos seus sindicatos encontraram formas engenhosas de estimular diversas lutas por terra, muitas delas de maneira discreta, em comunidades espalhadas pelo interior do pas.16

    Um novo ciclo de mobilizaes por terra irrompeu com fora no incio da dcada de 1980, de modo especial, na regio Sul do Brasil. Ele surgiu com o apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistncia de vrios sindicatos de trabalhadores rurais, em um contexto de intensa modernizao agrcola, crescentes demandas na sociedade civil pela res-taurao da democracia e o declnio gradual do regime militar. O MST foi institudo formalmente e em nvel nacional em janeiro de 1984. Um ano mais tarde, o Brasil testemunhou a inaugurao de um novo governo civil, sob a promessa de executar um amplo programa de reforma agrria.

    Desde a sua origem, o Movimento tem desenvolvido uma sofi sticada organizao popular, com presena em quase todo o territrio nacional, com um nmero estimado de 1,14 milho de membros, mais de 2.000 assentamentos agrcolas, uma rede de 1.800 escolas primrias e secund-rias, uma escola nacional de nvel superior, vrios meios de comunicao, 161 cooperativas rurais e 140 agroindstrias.17 Entre 1985 e 2006, o MST

    16 Os dados estatsticos relativos aos sindicatos de trabalhadores rurais so de Maybury-Lewis (1994, p.219-20), que oferece um valioso estudo sobre a histria da CONTAG durante o regime militar. Mais informaes sobre o movimento sindical no campo podem ser encon-tradas nos Captulos 3, de Medeiros, e 16, de Rosa, neste livro; cf. tambm Medeiros (1989), Pereira (1997), Ricci (1999), Welch (1999) e Houtzager (2001).

    17 No se sabe ao certo o nmero de membros do MST. O Movimento no tem um cadastro formal. Nunca foram realizados levantamentos para quantifi car o nmero real de membros do Movimento. Estima-se que o MST ajudou a assentar mais de 135 famlias at o fi nal de 2006. Em meados de 2007, o Movimento alegou ter cerca de 150 mil famlias mobilizadas

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    pressionou o governo brasileiro a distribuir mais de 3,7 milhes de hectares entre seus membros, uma rea quase do tamanho da Sua.18 Aps meados da dcada de 1990, o Movimento ganhou fama nacional como um dos principais crticos das polticas neoliberais e constituiu-se em uma vigorosa voz em defesa dos setores mais despossudos do Brasil.19

    Com seu constante ativismo e frequentes cursos de formao, o Movi-mento tem sido uma fonte de inspirao para muitas outras organizaes de base no Brasil e na Amrica Latina. Uma variedade de associaes po-pulares, incluindo muitos sindicatos de trabalhadores rurais da CONTAG, assimilaram as tticas do MST e encorajaram-se a partir das suas aes.20 Entre 2000 e 2006, o Brasil teve 86 associaes de trabalhadores rurais en-volvidas em mobilizaes pela reforma agrria.21 O MST o mais visvel e organizado desses movimentos. O Movimento continua predominante no Sul. Mas a luta em muitas partes do Nordeste e na regio da Amaznia tem sido conduzida principalmente por sindicatos de trabalhadores rurais e movimentos locais, incluindo grupos informais de posseiros. At 2006, mais de um quarto dos 7.611 assentamentos agrcolas no Brasil estavam ligados

    em acampamentos espalhados pelo Brasil; cf. MST (2007b). Com base nesses nmeros e presumindo uma mdia de quatro adultos e adolescentes por famlia, seria possvel estimar o nmero de membros do MST em aproximadamente 1,14 milho de pessoas. Desnecessrio dizer que os nveis de comprometimento entre os membros so bastante variados. O nmero de assentamentos e assentados do Movimento apresentado aqui se baseia em clculos do autor com dados do DATALUTA (2008a, 2008b) contabilizando o nmero total de famlias e assentamentos da reforma agrria em 2004 e 2006 e estimativas do MST (2007a) para o nmero de assentamentos da reforma agrria fi liados ao Movimento. O DATALUTA oferece um dos bancos de dados mais abrangentes sobre a questo agrria no Brasil. Suas estats-ticas so produzidas pelo Ncleo de Estudos da Reforma Agrria (NERA) da Universidade Estadual de So Paulo (UNESP) de Presidente Prudente, um centro de pesquisas dirigido pelo professor Bernardo Manano Fernandes. Todos os dados sobre cooperativas e agroindstrias so do MST (2009). Sobre as realizaes do MST na rea de educao e comunicao, cf. o Captulo 9, de Carter e Carvalho, neste livro.

    18 A rea ocupada pelos assentamentos do MST baseia-se nas estimativas do autor para o ano de 2006, com base nos dados do DATALUTA (2008a, 2008b) e do MST (2007a). Para mais detalhes sobre essas estimativas, cf. o Captulo 9, de Carter e Carvalho, neste livro.

    19 As principais fontes sobre a histria e a evoluo do MST incluem Branford e Rocha (2002), Caldart (2002), Carter (2002), Fernandes (2000), Morissawa (2001), Ondetti (2008), Stdile e Fernandes (1999), Wright e Wolford (2003). Uma til reviso da literatura recente pode ser encontrada em Welch (2006). O MST tratado aqui como um movimento social com base na defi nio padro de Tarrow (1999, p.4), que interpreta esse fenmeno como contestaes coletivas com base em propsitos comuns e solidariedade social, em interao sustentada com as elites, seus oponentes e as autoridades. Outros cientistas sociais que caracterizam os movimentos sociais como uma modalidade de poltica contenciosa so Tilly (2004), McAdam, Tarrow e Tilly (2001) e McAdam, McCarthy e Zald (1996).

    20 Mais detalhes sobre o impacto do MST quanto a outros movimentos populares podem ser encontrados no Captulo 16, de Rosa, neste livro.

    21 Uma lista, desses grupos de camponeses pode ser encontrada no Apndice do Captulo 5, de Fernandes, neste livro.

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    ao MST.22 Mais de 90% da terra distribuda entre 1979 e 2006, contudo, resultaram de atividades impulsionadas por outros grupos camponeses. Esse o caso, em particular, da regio da Amaznia, onde ocorreram quase trs quartos da distribuio fundiria no Brasil.23 A imensa maioria dessa partilha foi fruto de lutas camponesas por terra.

    Nos ltimos anos, o MST tornou-se uma infl uente voz em redes interna-cionais, como o Frum Social Mundial e a Via Campesina, uma coalizo de associaes de lavradores familiares em 69 pases. Ao recolocar a questo agrria na agenda pblica do Brasil, o Movimento ajudou a estimular um novo interesse mundial pela redistribuio fundiria. Uma signifi cativa ma-nifestao dessa tendncia ocorreu no incio de 2006, quando a Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e a Alimentao (FAO) celebrou a sua 2a Conferncia Internacional para a Reforma Agrria e o Desenvolvimento Rural, sob auspcios do governo brasileiro. O ltimo encontro da FAO sobre este tema foi em 1979. O evento de 2006 foi realizado em Porto Alegre, no muito longe do lugar onde nasceu o MST.24

    Poucas questes tm se mostrado to controversas na poltica brasileira contempornea quanto a reforma agrria. O papel incisivo do MST na luta pela redistribuio de terra tem sido alvo de aclamao por parte da esquerda poltica e de hostilidade por parte dos conservadores. Nos ltimos anos, a direita chegou a ponto de caracterizar as ocupaes em massa organizadas pelo MST em grandes propriedades rurais, em sua maioria ociosas, como atos de terrorismo.25 Esse senso de paranoia por parte da direita encontra seu correspondente natural nas descries romantizadas oferecidas pela esquerda

    22 O nmero estimativo de assentamentos baseia-se em clculos do autor com base no DATALUTA (2008a, 2008b) e MST (2007a). Para a representao desses dados por estados, cf. o Captulo 9, de Carter e Carvalho, neste livro.

    23 Dados obtidos por clculos do autor com base no DATALUTA (2008a). Essa estimativa inclui todos os estados que fazem parte da rea ofi cialmente conhecida como Amaznia Legal.

    24 A conferncia da FAO sobre a reforma agrria em Porto Alegre se seguiu ao Frum Mundial da Reforma Agrria, realizado em Valncia, Espanha, com representantes de 72 pases (cf. Carta Maior, 2006). Os dois eventos, por sua vez, foram infl uenciados pelo nmero crescente de pases da sia, frica e Amrica Latina com experincias recentes de luta pela reforma agrria (cf. Borras, Edelman e Kay, 2008; Akram-Lodhi, Borras e Kay, 2007; Rosset, Patel e Courville, 2006; Moyo e Yeros, 2005).

    25 Um notvel representante desse ponto de vista sobre o MST Francisco Graziano, um ex--assessor do presidente Fernando Henrique Cardoso, que, em 1996, atuou brevemente como presidente do INCRA. Graziano foi deputado federal pelo PSDB e integrante da bancada ruralista. Ele criou uma ONG dedicada promoo do agronegcio e escreve uma coluna em trs dos principais jornais do Brasil. No dia 23 de maio 2006, Graziano publicou um artigo intitulado Terrorismo agrrio, no qual retrata o MST como o equivalente rural gangue criminosa conhecida como o Primeiro Comando da Capital (PCC), responsvel por uma violenta rebelio nesse mesmo ms que matou mais de 30 policiais e guardas de priso em So Paulo. Antes disso, em novembro de 2005, uma comisso do Congresso Nacional controlada pela bancada ruralista emitiu um documento descrevendo o MST em termos similares (cf. Lupion, 2005).

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    idealista. As duas perspectivas se fundamentam no potencial revolucionrio do MST, embora por diferentes razes. Cada lado exagera muito. Assim, geralmente superestimam a infl uncia do MST no Brasil.

    Apesar de ser um movimento social excepcionalmente duradouro e com-plexo, o MST , desde a sua gnese, uma associao de pessoas pobres. Ele opera com recursos limitados, e suscetvel a muitos dos problemas de ao coletiva que podem ser encontrados em outras organizaes de cunho popu-lar. O Movimento no nenhuma sociedade de anjos. Dentro dele possvel encontrar defi cincias e erros humanos similares queles que afl igem outros movimentos sociais ao redor do mundo.26 Mesmo sendo um movimento de massas amplamente difundido pelo Brasil, o MST inclui apenas uma pequena parcela da populao brasileira. Menos de 1% dos adultos deste pas e no mais que 5% de seus habitantes rurais so membros desse movimento social.27

    Parte do reconhecimento pblico baseia-se no exagero da mdia. A co-bertura do MST por parte da imprensa brasileira, apesar de frequente, tem sido em grande parte negativa e, por vezes, abertamente hostil, em particular durante a ltima dcada. Os mitos e mal-entendidos sobre o MST criados pelos grandes meios de comunicao no Brasil no podem ser subestima-dos.28 A enorme concentrao de poder da mdia no pas parcialmente responsvel pela situao. Estima-se que nove conglomerados de proprie-dade familiar controlam os veculos de comunicao que geram 85% das informaes do pas.29 Apesar de empregar muitos jornalistas competentes, esse oligoplio da imprensa e seus preconceitos de classe, advindos do compromisso com a classe social qual ela serve, difi cultam a difuso de pontos de vista alternativos sobre o MST e outras organizaes populares.

    O medo, a raiva, o encantamento e a controvrsia em torno do MST no deveriam surpreender os estudiosos da reforma agrria. Afi nal, a redistribui-o da terra, da riqueza e do poder tem provocado inevitveis confl itos ao longo da histria da humanidade. Como Frederick Douglass observou, essas mudanas no podem ocorrer sem troves e relmpagos.30

    26 Para anlises de alguns dos problemas recorrentes no MST, cf. os Captulos de Calvo--Gonzlez, Wolford, e Carter e Carvalho, neste livro 11, 12 e 9, respectivamente , bem como Pessoa (1999), Branford e Rocha (2002) e Caume (2006).

    27 Essas porcentagens so baseadas em dados do Censo de 2000 do IBGE (2001, p.96) para a populao de 15 anos ou mais.

    28 Lerrer (2005), Hammond (2004), Comparato (2000) e Berger (1998) oferecem anlises deta-lhadas da representao do MST pela mdia brasileira. Um exemplo evidente da hostilidade da imprensa em relao ao Movimento pode ser encontrado na revista Veja, a publicao semanal mais vendida do Brasil. Artigos ilustrativos nessa orientao incluem os seguintes ttulos: As madraais do MST, 8 set. 2004; A esquerda delirante, artigo de capa da edio de 18 de junho de 2003; A Baguna Promovida pelo MST, 3 de abril de 2003; A ttica da baderna, artigo de capa da edio de 10 de maio de 2000.

    29 Intervozes Coletivo Brasil de Comunicao Social (2005, p.21). Para maiores detalhes sobre o assunto, veja o site: www.donosdamidia.com.br

    30 A afi rmao de Frederick Douglass de uma carta de 1849 destinada a um colega abolicio-nista, citada em Bobo, Kendall e Max (1996).

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    DESIGUALDADE SOCIAL, DESENVOLVIMENTO E DEMOCRACIA

    As orientaes ticas predominantes ao redor do mundo abominam situa-es de acentuada injustia social. Graves disparidades de distribuio da riqueza ofendem profundamente a maioria das tradies religiosas e fi loso-fi as seculares. Determinaes contrrias ao acmulo de alimentos e outros meios de subsistncia em detrimento de pessoas com necessidade podem ser encontradas na tradio judaico-crist, no islamismo, hindusmo, budis-mo, marxismo e vrias ramifi caes do liberalismo.31 Essas antigas questes morais tm sido reforadas nos ltimos anos por uma maior conscientizao entre estudiosos sobre os efeitos nocivos que uma extrema e permanente desigualdade de riqueza pode provocar sobre o crescimento econmico, o desenvolvimento social e a democracia poltica. Os comentrios a seguir resumem vrias ideias-chave a esse respeito.32

    1) Altos nveis de desigualdade podem desacelerar o crescimento econmico. O acesso restrito ao crdito signifi ca que a economia deixa de aproveitar ocasies lucrativas. Oportunidades desiguais de educao levam perda de talento potencial. O desigual acesso aos meios de produo pode deixar segmentos inteiros da populao margem do mercado, por serem pobres demais para gerar, vender ou consumir seus produtos

    31 As palavras do profeta Isaas so representativas da herana judaico-crist: Ai dos que ajun-tam casa a casa, renem campo a campo, at que no haja mais lugar, e fi quem como nicos moradores no meio da terra! A meus ouvidos disse o Senhor dos Exrcitos: em verdade que muitas casas fi caro desertas, e at as grandes e excelentes sem moradores. E dez jeiras de vinha no daro mais do que um bato; e um mer de semente no dar mais do que um efa. (Isaas 5: 8-9, The New English Bible, 1970) [Traduo de Almeida corrigida e revisada (1995)]. No Isl encontramos admoestaes similares: Ai de todo o difamador, caluniador. Que acumula riquezas e as entesoura, pensando que as suas riquezas o imortalizaro! Qual! Sem dvida que ele ser precipitado naquilo que consome (Alcoro, Sura 104: 1-4). Ambas as tradies religiosas condenam o acmulo excessivo dos ricos, mas no se opem criao da riqueza por si. Antes, o desprezo religioso se volta ao amor riqueza, que leva a uma alienao da ordem de Deus de buscar a justia e ajudar os necessitados. Sou grato a Amin Mohseni por compartilhar comigo suas valiosas refl exes sobre o islamismo, incluindo essa citao do Alcoro.

    32 A desigualdade um conceito complexo, com vrias dimenses e signifi cados. Os problemas levantados aqui referem-se fundamentalmente a situaes de acentuadas desigualdades na distribuio da riqueza e outros meios bsicos de subsistncia que restringem as oportunidades e capabilidades para o desenvolvimento humano. Para discusses conceituais relevantes, cf. Sen (1999, 1997, 1992), Tilly (2005, 1998) e Sartori (1987). Sobre a desigualdade e o desenvolvimento abordados de forma mais geral, cf. Cornia (2004), Selligson e Pass-Smith (2003), Tulchin (2002) e Banco Mundial (2005). A literatura sobre a desigualdade social na Amrica Latina cresceu muito nos ltimos anos. Informaes e avaliaes teis podem ser encontradas em Ferranti, Perry, Ferreira e Walton (2004), Karl (2003), Justino, Litchfi eld e Whitehead (2003), Ganuza, Barros, Taylor e Vos (2001), Morley (2000), Tokman e ODonnell (1998), Birdsall, Graham e Sabot (1998), Berry (1998), Chalmers, Vilas, Hite, Martin, Piester e Segarra (1997) e Lustig (1995). Mais especifi camente sobre a desigualdade no Brasil, cf. Gacita-Mari e Woolcock (2005a), Campos, Barbosa, Pochmann, Amorin e Silva (2005), Banco Mundial (2004), Schwart-zman (2004), Hoffmann (2004), Henriques (2000), Weyland (1996) e Wood e Carvalho (1988).

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    e servios. Um estudo de Birdsall e Sabot ilustra este ponto com uma comparao dos ndices de crescimento econmico e desigualdade social no Brasil e na Coreia do Sul, pas que aps a Segunda Guerra Mundial fez uma reforma agrria radical e investiu substancialmente no desenvolvimento de seu capital humano. Utilizando um exerccio de simulao, o estudo revelou que a economia brasileira teria crescido 17,2% a mais entre 1960 e 1985 se tivesse os nveis sul-coreanos de igualdade social. A disparidade de renda custou ao Brasil pelo menos 0,66% do crescimento anual do PIB. Profundos desequilbrios sociais, portanto, reduzem a efi cincia e o progresso econmicos.33

    2) Altos nveis de desigualdade prejudicam a reduo da pobreza e podem fo-mentar maiores disparidades. Acentuadas e prolongadas disparidades da distribuio de riqueza fazem com que seja muito mais difcil reduzir a pobreza por meio do crescimento econmico. De acordo com um relatrio do Banco Mundial, o Brasil poderia reduzir a pobreza pela metade em dez anos com um crescimento de 3% e uma melhoria de 5% no coefi ciente de Gini (a medida mais comum de desigualdade de renda). E acrescenta: Levaria 30 anos para o pas atingir a mesma meta com um crescimento de 3% e nenhuma melhoria na distribuio de renda.34 O crescimento econmico em sociedades muito desiguais tem mais probabilidade de fomentar a disparidade de renda do que reduzi-la. O milagre econmico brasileiro durante o regime militar ofereceu um pungente exemplo disso. Entre 1966 e 1976, o crescimento anual do PIB atingiu a impressionante mdia de 9,2%, mas a desigual-dade de renda aumentou de forma pronunciada. De 1960 a 1977, a desigualdade cresceu de 0,50 a 0,62 na escala do coefi ciente de Gini.35

    3) Altos nveis de desigualdade reduzem a qualidade de vida geral, particular-mente no que se refere segurana pessoal. Todos os anos um em cada trs brasileiros vtima da criminalidade. O ndice de homicdios da nao, de 23,4 mortes por cem mil pessoas, quase trs vezes maior que a mdia mundial (IPEA, 2005, p.108-21). Acentuadas disparidades podem piorar as condies de vida de todos os setores da sociedade. Enquanto os ricos no Brasil vivem em manses e condomnios fe-chados muito bem guardados, com segurana privativa 24 horas por dia, os pobres muitas vezes so vtimas da violncia relacionada ao narcotrfi co, que tem criado razes profundas nas favelas que se alas-tram em torno das cidades do pas. Em 2007, apenas 6% da populao brasileira sentiam que a sua sociedade estava fi cando mais segura.36

    33 Birdsall e Sabot (1994). 34 Ferranti, Perry, Ferreira e Walton (2004, p.4). 35 A mdia do crescimento do produto interno bruto (PIB) foi obtida do Instituto de Pesquisa

    Econmica Aplicada, IPEA (2006). Os dados do coefi ciente de Gini so de Fishlow (1972) e Paes de Barros, Henriques e Mendona (2000).

    36 Corporacin Latinobarmetro (2007, p.102).

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    4) Altos nveis de desigualdade tendem a reduzir a confi ana social. Severas assimetrias de classes provocam medos e tenses sociais. De acordo com um levantamento conduzido pelo Latinobarmetro, o Brasil apre-senta o nvel mais baixo de confi ana social de todo o continente. Entre 1996 e 2004, menos de 5% dos brasileiros afi rmaram poder confi ar nos outros na maior parte do tempo.37 Altos nveis de desconfi ana comprometem o desenvolvimento do capital social. Assim como su-gerem Putnam e outros pesquisadores, uma forte defi cincia no capital social pode prejudicar as atividades de mercado, frustrar esforos da sociedade civil e perturbar o funcionamento da democracia poltica.38

    5) Altos nveis de desigualdade criam um padro dualista de desenvolvimento e produzem uma sociedade desconexa e segregada. Em 1974, o economista Edmar Bacha cunhou o conceito da Belndia para descrever esse fenmeno no Brasil: uma Blgica pequena, rica e de Primeiro Mundo em coexistncia com uma ndia grande, pobre e de Terceiro Mundo. A Belndia fl oresce com a disparidade entre os setores formal e infor