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2 a edição | Nead - UPE 2009

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2a edição | Nead - UPE 2009

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

xxxx, xxxxxxxxxxxx

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. – Recife: UPE/NEAD, 2011

48 p.

ISBN -

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REITORProf. Carlos Fernando de Araújo Calado

VICE-REITOR

Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

PRó-REITOR ADMINISTRATIVOProf. José Thomaz Medeiros Correia

PRó-REITOR DE PLANEJAMENTOProf. Béda Barkokébas Jr.

PRó-REITOR DE GRADUAÇÃOProfa. Izabel Christina de Avelar Silva

PRó-REITORA DE PóS-GRADUAÇÃO E PESqUISA Profa. Viviane Colares Soares de Andrade Amorim

PRó-REITOR DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E ExTENSÃOProf. Rivaldo Mendes de Albuquerque

COORDENADOR GERALProf. Renato Medeiros de MoraesCOORDENADOR ADJUNTO

Prof. Walmir Soares da Silva JúniorASSESSORA DA COORDENAÇÃO GERAL

Profa. Waldete ArantesCOORDENAÇÃO DE CURSO

Profa. Giovanna Josefa de Miranda Coelho

COORDENAÇÃO PEDAGóGICAProfa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima

COORDENAÇÃO DE REVISÃO GRAMATICALProfa. Angela Maria Borges Cavalcanti

Profa. Eveline Mendes Costa LopesProfa. Geruza Viana da Silva

GERENTE DE PROJETOSProfa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes

ADMINISTRAÇÃO DO AMBIENTEIgor Souza Lopes de Almeida

COORDENAÇÃO DE DESIGN E PRODUÇÃOProf. Marcos Leite

EqUIPE DE DESIGNAnita Sousa

Gabriela CastroRafael Efrem

Renata MoraesRodrigo Sotero

COORDENAÇÃO DE SUPORTEAfonso Bione

Prof. Jáuvaro Carneiro Leão

EDIÇÃO 2009Impresso no Brasil - Tiragem 180 exemplares

Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife / PE - CEP. 50103-010

Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

capítulo 1 5

alfabetização e letramentoProfa. Dra. Rossana Regina Guimarães Ramos Henz Carga Horária | 60 horas

Objetivo geral

Apresentação da disciplina

Ementa

Aspectos conceituais, políticos, sociais e educa-cionais da alfabetização. Concepções teórico-metodológicas do ensino da leitura e da escrita. Função social da alfabetização.

Apresentar e discutir as bases do processo de alfa-betização e letramento, conforme os fundamentos teóricos, com vistas aos processos de aplicação da matéria.

O livro que aqui se apresenta tem como objetivo partilhar conhecimentos sobre Alfabetização e Letramento entre os sujeitos envolvidos nesse assunto, isto é, entre mim, a autora, os teóricos e estudiosos do tema aqui citado e vocês, alunos do curso da Educação a Distância. Desse modo, nossa “conversa” ocorrerá por meio de muitas vozes, conhecimentos, opiniões e experiências de todos nós.

Infelizmente, a alfabetização no Brasil ainda se constitui em um problema, tendo em vista a quantidade de cidadãos brasileiros que não leem nem escrevem. Esse é um quadro de extrema gravidade, já que vivemos em uma sociedade grafocêntrica1 , ou seja, em que grande parte da comunicação e informação se dá por meio da escrita. A pessoa que não lê é privada de acesso desde a uma simples receita culinária até a compreensão das leis que vigoram em nosso país.

Programas e mais programas de alfabetização vêm sendo aplicados no país desde os anos 60, todavia sem grande eficiência. Penso que seria bem mais fácil, se arrancássemos o mal pela raiz, isto é, se as crianças fossem alfabetizadas na idade prevista e que, ao longo de sua vida escolar, fossem apenas aliando os componentes necessários ao próprio Letramento.

1 Grafocentrismo é a prática de utilizar a escrita como centro dos processos comunicativos. Grifo meu.

Por falar em Letramento, ao longo deste livro, iremos juntos compreender essa nova concep-ção que vem sendo discutida teoricamente e aplicada em práticas relativas à alfabetização. Trata-se de um novo modo de entendermos o saber adquirido baseando-se na leitura.

Também aqui neste espaço, vamos tratar da alfabetização como um processo de constru-ção individual, mas que ocorre em meio às interações que os indivíduos fazem com o tex-to escrito e seu grupo. Assim, é preciso que prestemos extrema atenção aos pressupostos teóricos que, além do processo cognitivo, nos direcionam aos vários elementos que concor-rem para a aquisição da leitura e escrita. Entre eles, estão o ambiente, o material utilizado, a capacidade de intervenção do professor e, principalmente, as interações entre os alfabe-tizandos.

O ambiente deve ser preparado de forma que o alfabetizando possa conviver com a escrita mais sistematicamente do que faz no dia a dia. O material é um capítulo importante des-sa discussão, tendo em vista que alguns deles não fazem sentido para o alfabetizando, o que certamente irá dificultar sua aprendizagem. O professor alfabetizador deve ter amplo co-nhecimento de todas as questões que se apre-sentam quando do processo de aquisição da leitura e escrita por seus alunos. Isso implica ter conhecimento não somente sobre os pro-cessos cognitivos mas também dos aspectos de natureza social e emocional que permeiam a vida dos alfabetizandos.

capítulo 1 7

Profa. Dra. Rossana Regina Guimarães Ramos Henz

Carga Horária | 15 horas

INTRODUÇÃO

Neste primeiro capítulo, serão discutidas questões relativas ao aparecimento da leitura bem como as consequências desse evento na história da humanidade. O conhecimento desses fatos contribui para o entendimento da leitura como uma ferramenta tecnológica, inventada pelo homem, no sentido de ampliar suas formas de registro e comunicação. Contribui também para desfazer de-terminados conhecimentos ultrapassados de que o texto tem apenas um sentido e que devemos desvendá-lo a qualquer custo.

Embora esse assunto venha a ser tratado mais especificamente em capítulos posteriores, trazemos também aqui algumas questões sobre a concepção de letramento na perspectiva linguística, isto é, como sendo uma espécie de “bom uso” da leitura e da escrita na esfera cognitiva e social.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Apresentar um panorama histórico daescrita como recurso tecnológico, criado pelo homem com o objetivo de registrar seus feitos;

• Discutiraleituracomoprocessodeintera-

ção e inclusão social; • Possibilitaracompreensãodoprocessode

letramento na perspectiva da leitura.

Um panorama da escrita

e da leitUra

capítulo 18

Ainda sobre a escrita, J. Botteró & K. Morrison (op. cit.: 22-23) postulam o enriquecimento intelectual do texto escrito, que se fundamen-ta na penetração, na ruminação do texto, na análise, numa certa escolha, no raciocínio. Dos saberes “de alto padrão” desenvolvidos pela escrita, foi possível a construção de sistemas de conhecimento extensos, precisos, controla-dos e sistematizados que constituíram a Ciên-cia e a Literatura.

Dessa forma, a história da leitura se confunde com a história do homem. Nessa perspectiva, podemos analisar o percurso dos processos de leitura e escrita à luz de diversos focos. A análise de Cavallo e Chartier (1998) repousa sobre pontos fundamentais. A primeira de que a leitura não está inscrita no texto, sem uma distância pensável entre o sentido atribuído a este último (por seu autor, editor, pela crítica, pela tradição etc) e o uso ou a interpretação que dele pode ser feita por seus leitores. A se-gunda reconhece que um texto apenas existe porque há um leitor para dar-lhe significação.

Nesse ponto, podemos compreender que o texto escrito a partir do momento em que co-meça a circular não contém mais apenas um sentido, ou seja, aquele que o autor lhe reser-vou, mas múltiplos outros que serão construí-dos pelos leitores. Como exemplos são sempre bem-vindos, relatamos aqui um fato que, na perspectiva em que nos encontramos – a alfa-betização – , ilustra bem a teoria a qual acaba-mos de apresentar.

A professora escreve, na lousa, a lição e, en-tre outras, a seguinte frase:Escreva uma frase com a palavra GATO.

O aluno escreve:Meu pai fez um gato.

Nesse caso, a palavra GATO1 quer dizer algo diferente do que a professora imaginou, por isso considerou a frase como incorreta.

A escrita no sentido que enfocamos aqui é uma tecnologia que envolve diversos elemen-tos, não só mecânicos – letras, sílabas, pala-vras, frases, textos – que constroem sua ma-terialidade mas também cognitivos – aqueles que dizem respeito à subjetividade daquele 1 Na concepção da criança que escreveu a frase, a palavra GATO quer dizer furtar energia elétrica, prática comum em bairros pobres.

1. A INVENÇÃO DA ESCRITA

Um panorama histórico da escrita nos mostra que por motivos de natureza vária, o homem, em determinado momento de sua existência, passa a registrar seu pensamento fora do su-porte da mente. O reconhecimento desses registros, a princípio representados por dese-nhos, resulta em um processo cognitivo a que podemos chamar de leitura. A leitura aqui to-mada no sentido restrito nasce com o adven-to da escrita, ou seja, com o aparecimento de sistemas de representações, surge o ato de ler.

A respeito da escrita, Jean Bottéro & Ken Mor-rison (1995:20-21) afirmam:

Em primeiro lugar, a escrita revolucionou a comuni-cação entre os homens e a qualidade de suas mensa-gens. O discurso oral implica a presença simultânea, no tempo e lugar da boca que fala e dos ouvidos que ouvem (...) Já o discurso escrito transcende o espaço e a duração: uma vez fixado, pode, por si mesmo, ser difundido por inteiro, em todos os lugares e todos os tempos, em toda parte onde encontra um “leitor”, bem além do círculo obrigatoriamente estreito dos “auditores”. Dispensa a presença daquele que o fez e suprime, na sua comunicação, a dependência au-ricular daquele que o recebe: este último só é con-frontado com a mensagem pura, como se ela fosse endereçada apenas a ele.

Diante da fala dos autores, constatamos o fato de que a escrita, de certa forma, pode substi-tuir a presença de um falante e de um ouvinte. Dizemos, de certa forma, porque sabemos que escrita e fala se constituem de modos diferen-tes, de elementos distintos. Ao falar, utiliza-mos o gestual, a entonação e, sobretudo, po-demos fazer intervenções no exato momento em que ouvimos, entretanto a escrita chega a seu leitor sem esses elementos auxiliadores da compreensão.

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indivíduo que escreve. A leitura, por sua vez, também implica aspectos mecânicos, ou seja, a capacidade de decodificação – reconheci-mento do sistema morfológico e sintático – mas, sobretudo, provoca reações interpretati-vas distintas, tendo em vista o leitor (receptor) do texto que, dependendo de suas experiên-cias e conhecimento de mundo, pode produzir sentidos vários, como foi o caso da questão do GATO.

A história da leitura se realiza, portanto, na pesquisa realizada entre o “mundo do texto” e o “mundo do leitor”, campos estes em que é preciso identificar as disposições específicas que distinguem as comunidades de leitores, as tradições de leitura e as maneiras de ler. Deve estar a história da leitura impregnada da histo-ricidade dos modos de utilização, de compre-ensão e de apropriação dos textos.

Em um breve percurso histórico, encontramos continuidades e descontinuidades no ato de ler. O mundo grego e helenístico, por exem-plo, se caracteriza pela diversidade das práti-cas. Nesse período, os textos tiveram a função de fixar a memória na prática para conservá--los. Contudo, a difusão descontrolada do tex-to proporciona a liberdade de que “role” livre-mente, em todas as direções, sendo passível de interpretações.

A leitura em Roma evidencia novos textos e novos livros. A época imperial marca uma nova etapa nas práticas de leitura, devido, an-tes de tudo, ao progresso da alfabetização. O mundo greco-romano torna-se um centro de vasta circulação de cultura escrita. Nesse cená-rio, em que muitas pessoas sabem ler, mani-festa-se uma grande demanda de livros, sendo criadas bibliotecas públicas e particulares e um novo tipo de livro, o codex2 .

Marcada pela larga difusão do texto escrito, a Idade Média evidencia a passagem da leitura em voz alta para a leitura silenciosa ou mur-murada. Para isso, contribuíram vários fatores: os livros eram lidos, sobretudo, para conhecer Deus e para a salvação da alma, de forma que deviam ser compreendidos, repensados, até mesmo memorizados; o próprio codex, com suas páginas que seccionavam o texto, facili-tando suas leituras e confrontos, convidava a 2 Codex é o formato de livro que temos hoje. Antes, os escritos eram feitos em grandes páginas com couro de animais.

uma leitura meditada; a vida comunitária dos círculos religiosos, em que muitas vezes se rea-lizava o ato de leitura, obrigava a falar em voz baixa.

Os livros, nesse período, são também orna-mento, sinais de riqueza e de fasto, refletidos no conjunto da casa a indicar, de modo osten-tatório, a opulência, por meio de encaderna-ções recobertas de peles valiosas, tecidos finos e metais preciosos. São objetos que evocam, estabelecem, celebram o esplendor do prínci-pe e de sua corte.

Formam-se, assim, com exemplares geralmen-te encomendados a livreiros experientes, com exemplares recebidos como presente ou her-dados de diferentes maneiras, as bibliotecas da aristocracia, tão diferentes das religiosas quanto ao repertório, contendo obras em lín-gua vulgar, que cantam as armas e o amor, que contam histórias mais ou menos fantásticas, que “vulgarizam” textos de grande tradição clássica. quanto à parte latina, essas bibliote-cas contêm obras religiosas, bíblias, livros de horas, breviários.

No século xV, é nelas que irrompe o humanis-mo com seus livros de autores clássicos gre-gos e latinos, que vêm colocar-se ao lado dos modernos e dos livros de entretenimento e de devoção. E os ritmos do tempo livre das cortes são consumidos também nessas leituras, fei-tas não na própria biblioteca, mas nas salas de estar, nos espaços de lazer e de repouso da residência aristocrática.

Entre os séculos xVI e xIx, a geografia das prá-ticas de leitura no mundo ocidental está liga-da, em primeiro lugar, às evoluções históricas que inscrevem as relações com a cultura escrita em conjunturas de alfabetização, em escolhas religiosas, em ritmos de industrialização extre-mamente diferentes.

capítulo 110

Nesse campo, destacam-se a roda para livros e o caderno de “lugares-comuns”, como sendo objetos emblemáticos da leitura humanística. Substituindo a leitura de memória, os cader-nos de “lugares-comuns” tornaram-se um re-curso para a produção de novos textos, cons-tituindo, no século xVI, um verdadeiro gênero editorial, visto que autores de prestígio e livrei-ros-editores os multiplicaram e os especializa-ram, acumulando obras utilizadas em Direito, Pedagogia e Teologia.

A tipologia dos modelos dominantes das re-lações com o escrito, tal como se sucedeu a partir da Idade Média (do modelo monástico da escrita ao modelo escolástico da leitura, da técnica humanista dos lugares-comuns às lei-turas espirituais e religiosas do cristianismo re-formado, das maneiras populares de ler à “re-volução da leitura” da época das luzes), cede lugar, nas sociedades contemporâneas, a uma dispersão de usos que corresponde àquela do mundo social. Com o século xIx, a história da leitura entra na época da sociologia das dife-renças.

1.2. QUESTÕES QUE PERSISTEM

A história da leitura foi, durante muito tempo, partilhada por dois tipos de abordagens: as que desejavam deslocar ou ultrapassar a his-tória literária tradicional e as que se baseavam numa história social dos usos do escrito. Os estudos de leitura atualmente propostos pre-tendem cruzar essas abordagens e compreen-der, sobretudo, o encontro entre os textos e os seus leitores.

A primeira grande revolução da leitura está li-gada à invenção da Imprensa, cujos reflexos

são a circulação, em grande escala, do texto escrito. A segunda revolução diz respeito à leitura “intensiva”, ou seja, aquela em que o leitor é confrontado a um corpus limitado e fe-chado de livros, lidos e relidos, memorizados e recitados, compreendidos e decorados, trans-mitidos de geração a geração, e à extensiva que daria lugar a uma leitura livre, desenvolta, irreverente.

Diante do exposto, queremos afirmar que his-toricamente passamos por três importantes mudanças na área da leitura e da escrita. A primeira quando a imprensa começa a produ-zir livros em larga escala, podendo, assim, ser acessados mais amplamente – anteriormente havia manuscritos feitos por monges copistas. Em um segundo momento, a leitura, ainda que mais acessível, era controlada, ou seja, sem que pudessem ser produzidos outros sentidos sobre o que estava estabelecido. A seguir, sem controle, a leitura passa a circular livremente, construindo novos sentidos e desempenhando novas funções e não somente aquelas previs-tas por seus produtores.

Cabe aqui fazermos uma reflexão. Se, ainda, na Idade Média, os textos passam a circular e a produzir novos sentidos, não nos parece incoerente que a Escola ainda queira que o texto seja lido mediante somente uma ideia? Não foi exatamente isso que ocorreu quando a professora considerou somente um sentido para a palavra GATO? E não é isso que ocorre com as provas de vestibular que têm, apenas, uma resposta correta?

Nesse percurso, podemos considerar uma ter-ceira revolução, que se evidencia nos últimos anos: a revolução que o computador e, ainda mais recentemente, a Internet e outras redes informáticas estão trazendo aos mais diversos domínios de atividade relacionados ao livro e à leitura. Tais mecanismos afetaram todo o circuito, do processo de escrita à edição, da venda à conservação em bibliotecas, da pro-priedade intelectual até os modos de ler.

Nós, alfabetizadores, sabemos que a tecno-logia do computador vem revolucionando os modos de aquisição da leitura e da escrita. Crianças ainda pequenas, mesmo não alfabe-

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tizadas, manejam, com muita facilidade, essa “máquina maravilhosa”. Isso significa que a leitura demanda, cada dia mais, novos cami-nhos e novas ferramentas.

Retomando a ideia de que a história da leitura se confunde com a história da humanidade, destacamos aqui o papel do leitor através do tempo. Para isso, é necessário que examine-mos o dinamismo das práticas de leitura por que passaram e ainda passam os diferentes grupos sociais em diferentes culturas.

Geralmente restrita à decifração da escrita, a aprendizagem da leitura liga-se, por tradição, ao processo de formação global do indivíduo e à sua capacitação para o convívio e atuações social, política, econômica e cultural. Saber ler e escrever, já nas antigas Grécia e Roma, significava possuir as bases de uma educação adequada, podendo o domínio da leitura pro-mover o desenvolvimento das capacidades in-telectuais e espirituais bem como das aptidões físicas, possibilitando ao cidadão integrar-se à sociedade, no caso, à classe dos senhores, dos homens livres.

Todavia, o domínio da leitura nunca foi um di-reito de todos, haja vista que até os dias de hoje, mesmo em países desenvolvidos, ainda persistem analfabetos. O processo de apren-dizagem da leitura, ainda, em muitas escolas, se baseia na prática formalista e mecânica, ou seja, na disciplina rígida dos métodos analí-ticos, caracterizados pelo progresso passo a passo: primeiro, decorar as letras, identificar sílabas, decodificar palavras isoladas, frases, para, enfim, chegar a textos contínuos.

Embora saibamos que nenhuma metodologia de alfabetização é suficientemente capaz de formar leitores efetivos, ressaltamos que algu-mas são mais ineficientes quando desconside-ram o leitor como sujeito que precisa saber o porquê e o para quê da leitura.

Uma vez alfabetizada, a maioria das pessoas se limita à leitura com fins pragmáticos, mesmo tendo em vista que ler significa inteirar-se do mundo, conquistar autonomia, deixando de ler pelos olhos dos outros. É como ouvirmos alguém dizer que “lê pouco”. Essa afirmação

se baseia na ideia de que lhe falta a compre-ensão ampla do texto. Nos dias de hoje, a condição de leitor está ligada à ideia daquele que é capaz de produzir sentidos, isto é, que é capaz de ler (decodificar), entender e contex-tualizar o texto lido. Contudo, o mundo dos “letrados”, ou seja, daqueles capazes de criar e compreender a linguagem, seja ela artística, jurídica ou para estabelecer normas e valores socioculturais, continua muito restrito.

Embora constatada, a questão é muito mais ampla e complexa. A construção do verdadeiro leitor passa por vieses históricos que eviden-ciam desde a precariedade de condições sócio--econômicas até a ineficiência da instituição escolar que determina e limita opções. Certa-mente, a concepção que liga o gosto de ler apenas ao material imposto pela escola deve muito à realidade fomentada pela escolástica cristã bem como às ideologias que buscam na elitização da cultura meios de reafirmar supre-macia social, política, econômica e cultural.

Mais do que um processo de decodificação de sinais, a leitura envolve duas dimensões: a indi-vidual e a social. Da perspectiva individual, se-gundo M. Soares (1998), a leitura se constitui de processos cognitivos e metacognitivos, ou seja, de um conjunto de habilidades linguísti-cas e psicológicas que permitem desde a deco-dificação das palavras até a compreensão de textos. Já a dimensão social da leitura é vista como o que os indivíduos fazem com o que leem.

Na sociedade contemporânea, a autenticação do texto e de suas possíveis leituras vem de modelos ideológicos arbitrados, sobretudo, pelos contextos escolares. A liberdade para ler e interpretar a leitura começa a ser limitada pelos próprios cânones propostos pela escola,

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conforme vimos na história do GATO. A lista mínima de livros a serem lidos e as possíveis in-terpretações que caem na prova do vestibular evidenciam a impossibilidade de novas cons-truções de sentido para o texto.

Dificilmente se vê, mesmo nos dias de hoje, nas escolas, crianças escolhendo, nas prateleiras, o texto que vão ler. Em geral, a leitura vem pre-meditada em livros didáticos, cujos objetivos se encerram em obter respostas a perguntas também premeditadas.

O caminho inverso a esse, ou seja, o rompi-mento com a “verdade”, é o que possibilita ao leitor produzir novos sentidos para o texto lido. Ler à luz da própria experiência e confron-tar com a experiência alheia é certamente um processo enriquecedor.

A contextualização da leitura é uma prática que, embora já bastante divulgada na acade-mia, ainda não foi permitida ao leitor comum. Perguntas simples, como “Por que você esco-lheu este livro? O que esta história tem a ver com você, com a sua vida?” ainda não são fei-tas aos leitores, principalmente na escola.

A questão da autenticação da leitura reside, ainda, no largo abismo que existe entre a “cul-tura letrada” e a “bastardia cultural”. O que de fato, ainda, vemos é um distanciamento entre as leituras autorizadas e não autorizadas. As chamadas culturas de massa, que traduzem os processos de subjetivação de determinados grupos sociais, ainda são desconsideradas pelo universo intelectual. queremos dizer com isso, por exemplo, que o leitor do já extinto Jornal da Tarde3 não é o mesmo do caderno de re-senhas da Folha de São Paulo e que a identifi-cação com um determinado tipo de leitura é, portanto, o que categoriza o leitor como partí-cipe ou não da “cultura letrada”.

3 Um tipo de jornal que trazia notícias do cotidiano, principalmente crimes, assaltos, roubos, violência em geral.

Nesse sentido, também a escola contribui com sua “censura” a determinados tipos de textos. Há bem pouco tempo, inseriram-se, nos con-textos escolares, leituras menos autorizadas, como é o caso das Histórias em quadrinho, Jornais, Revistas etc. Ainda assim, é raro entrar em uma sala de aula e ver alunos lendo seus gibis favoritos.

O fato é que a escrita e consequentemente a leitura é uma atividade muito recente – data de 4.000 a 5.000 anos a sua invenção – e por isso ainda vem sendo desvendada pelos humanos que a criaram. Do mesmo modo que outras tecnologias, como o computador, a reprodução humana assistida, as células-tronco e outros avanços tecnológicos, a escrita, embora mais antiga, ainda precisa ser compreendida e am-pliada para que cada vez mais contribua para o desenvolvimento da inteligência humana.

resUmoO presente capítulo trata de discutir a escrita e a leitura como uma atividade humana, que permeia a vida social, contribuindo para as re-lações e para o desenvolvimento da inteligên-cia, uma vez que, por meio dela, o homem cria e registra seus feitos assim como produz novos sentidos para a vida. O que aqui se destaca é essencialmente o efeito que essa atividade pro-duz sobre as sociedades grafocêntricas. Como meio de comunicação, produção e divulgação do conhecimento, leitura e escrita podem ser um fator de desenvolvimento para alguns ou de exclusão social para aqueles que não a do-minam plenamente.

BIBLIOGRAFIA COMENTADASUGESTÃO DE LEITURA

FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Por-to Alegre: Artes Médicas, 1994.

A leitura em questão é um volume que trata das questões políticas de leitura e da formação do leitor. O autor formula o conceito de leitu-ra enquanto construção de sentidos, de forma a discutir, politicamente, o papel do leitor na sociedade. Ele apresenta, também, algumas alternativas para que a escola possa estruturar um projeto de formação de leitores proficien-

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tes, capazes de controlar a própria leitura e fa-zer dela um instrumento para a vida.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. SP: Cortez, 1982.

Nesse texto, Freire aponta a dimensão histó-rica da questão da alfabetização e propõe al-ternativas para uma transformação da escola, na perspectiva da humanização das relações sociais, para torná-la formadora de genuínos leitores.

GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. Leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1995.

Texto introdutório ao tema da pedagogia da língua materna na perspectiva da formação do leitor. O livro é uma coletânea de artigos que discutem as concepções de linguagem e os objetivos do ensino da língua, o lugar da gramática nas atividades de leitura e produção de textos bem como a questão da avaliação da produção do aluno.

JOLIBERT, Josette (org.). Formando crianças lei-toras. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

________. Formando crianças produtoras de textos. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994

Os dois volumes que compõem essa obra re-gistram um trabalho de pesquisa longitudinal, realizado na França, com alunos que frequen-tavam classes equivalentes, no Brasil, às tur-mas de pré-escolar e do Ensino Fundamental. Nesses volumes, o professor pode encontrar uma fundamentação pedagógica e sugestões de atividades práticas para o questionamento de textos e a elaboração de projetos de leitura/escrita.

KLEIMAN, Ângela (1997). Oficina de leitura: teoria e prática. SP: Pontes.

Esse livro apresenta uma discussão sobre a lei-tura escolar e a leitura enquanto atividade so-cial e prazerosa de construção de sentidos. O livro aborda as questões cognitivas da leitura numa linguagem acessível, pensando-se justa-mente no professor que deverá formar leitores em sala de aula.

SOARES, Magda B. (1986). Linguagem e esco-la: uma perspectiva social. SP: Ática.

Texto fundamental que discute as relações entre a pedagogia da língua e suas determi-nações sociais, propondo uma transformação da escola que passa pela luta social por meio de uma distribuição das riquezas culturais e de um resgate da dimensão política da tarefa de ensinar.

RESENDE, Vânia Maria (1993). Literatura In-fantil e Juvenil. Vivências de Leitura e Expres-são Criadora. RJ: Saraiva, 1993.

Essa obra dá ênfase especial ao processo de formação do leitor com base no trabalho com o texto literário. Nela, o professor encontra subsídios teóricos e sugestões de atividades que mostram como trabalhar com poemas.

Vídeo: A história da escrita – FDE

Nesse vídeo, é possível conhecer a evolução da escrita ao longo do tempo. Por meio de ima-gens e de uma narração apropriada, os fatos são compreendidos facilmente pelo expectador.

1. Levado por que propósito o homem inven-tou e desenvolveu a escrita?

2. Pesquise e descreva por quais fases passou a escrita, desde o desenho até o modelo alfa-bético que utilizamos hoje.

3. Segundo o texto deste capítulo, a leitura passou por momentos distintos. Descreva--os.

4. Segundo estudos atuais, o sentido não está somente no texto mas também no leitor. De que modo essa concepção muda algumas práticas pedagógicas?

Atividades:

capítulo 114

referÊnciasBOTTÉRO, Jean & MORRISON, Ken. Cultura Pensamento e Escrita. São Paulo: Ática, 1995.CAVALLO, G & CHARTIER, R. (orgs.). História da Leitura no Mundo Ocidental I. São Paulo: Ática, 2002.

RAMOS, Rossana. Cartilhas: um paradigma didático-linguístico da alfabetização no Brasil. Tese de doutorado. PUC/SP, 2005.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: CEALE, 1988.

capítulo 2 15

Profa. Dra. Rossana Regina Guimarães Ramos Henz

Carga Horária | 15 horas

INTRODUÇÃO

Neste segundo capítulo, serão discutidas questões relativas à história da alfabetização no que se refere aos métodos e à teoria – psicogênese da escrita e da leitura –, no sentido de que tenhamos uma visão geral dos processos sociais, políticos e educacionais que constituíram o quadro que hoje se apresenta em nosso país referente à aquisição da leitura e da escrita. O conhecimento des-ses fatos contribui para o entendimento de ações político-educativas pouco efetivas no combate ao analfabetismo.

Dentre os fatos aqui apresentados, destacamos as cartilhas como um paradigma histórico-lin-guístico, que se destaca por sua ampla e contínua utilização no contexto da alfabetização até o início de sua derrocada nos anos 80-90, com o aparecimento da psicogênese da escrita, teoria desenvolvida por Emília Ferreiro e Ana Teberosky nos anos 70, com base nos estudos orientados por Jean Piaget, fundamentados na Teoria Construtivista.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Apresentarumbrevehistóricodaalfabet-ização no Brasil;

• Descreverosmétodoseateoriautilizadosno processo de alfabetização;

• Contribuir para a compreensão do pro-cesso histórico e atual da alfabetização no Brasil.

Um panorama histórico da

alfabetização

capítulo 216

1. HISTóRIA DA AlFABETIzAÇÃO BRASIlEIRAAo admitirmos que o homem é um ser histórico porque suas ações e pensamentos mudam ao longo do tempo, com base nas relações que es-tabelecem entre si, podemos admitir também que o homem cria padrões de comportamen-to, instituições e saberes, cujo aperfeiçoamento é feito pelas sucessivas gerações. E é por meio da educação que se mantém viva a memória e se criam condições de sobrevivência.

Esse processo, no entanto, tem características próprias, que vão desde a transmissão informal feita pelos adultos, como é o caso das socie-dades tribais, até o que ocorre nas sociedades mais complexas, em que a educação assume um caráter intelectualista, distanciado, muitas vezes, da atividade concreta, quando se desti-na, apenas, às elites.

Ao debruçarmo-nos sobre os estudos da histó-ria da alfabetização brasileira, consideramos, aqui, sobretudo, a história social e política do Brasil, já que a escrita e a leitura chegam a este país no século xVI, trazidas pelos coloniza-dores portugueses. Com base nos estudos de Maria Lúcia de Arruda Aranha (1996) e Otaí-za de Oliveira Romanelli (1991), verifica-se, no processo educacional brasileiro, a existência de períodos nitidamente delimitados. Um olhar histórico-crítico evidencia, durante os dois pri-meiros séculos de colonização, xVI e xVII, um monopólio jesuítico, que mantém uma escola conservadora, alheia à revolução intelectual re-presentada pelo racionalismo cartesiano e pelo renascimento científico. O ensino, visando, so-mente, à formação humanística, centrado no latim, nos clássicos e na religião, rejeitava as

ciências físicas e naturais bem como a técnica e as artes.

Voltada, apenas, aos poucos elementos da classe dirigente, a educação, nesse período, considerada como ornamento e erudição, é literária, abstrata e dogmática, além de afas-tada dos interesses materiais e utilitários. O quadro social da época se constitui de núcleos urbanos ainda pobres e dependentes das ati-vidades do campo, onde se concentra a maior parte da população. A falta de interesse pela educação elementar, em que podemos inserir a alfabetização, justifica-se pela característi-ca agrária e escravagista da sociedade. Desse fato, decorre a evidente massa de iletrados, em cujo rol está a população campesina, as mulheres e os negros.

Com o tempo, a educação passa a estender-se, também, aos mestiços em face da importância dada aos graus acadêmicos para a classifica-ção social. Os colégios dos jesuítas eram con-tra a inclusão da matrícula de mestiços, mas tiveram que ceder, uma vez que recebiam sub-sídios do Governo e de Instituições Privadas.

Embora a educação passasse a atender aos no-vos segmentos, como foi o caso da burguesia urbana, que aspirava à ascensão social, aque-les que desejassem seguir as chamadas carrei-ras profanas, as profissões liberais – medicina, direito, arquitetura – deveriam dirigir-se à Eu-ropa para fazê-lo. Enquanto na Europa já se faziam contradições entre o ideal da pedago-gia realista e a forma conservadora, no Brasil, havia uma uniformização do pensamento im-posto pela religiosidade cristã sobre a cultura negra, indígena e judaica.

Para melhor compreender a ideia que define o panorama da educação no Brasil, nos dois primeiros séculos de colonialismo, evidencia-mos aqui a afirmação de Luiz Alves de Mattos (1958:297) de que

O ensino torna-se, então, formal, desprovido de conteúdo ideológico e social; quando muito, for-ma literatos que irão ocupar mediocremente os cargos intermediários da ronceira administração pública da colônia.

O século xVII é marcado por um grande con-traste entre o Brasil e a Europa. As transforma-

capítulo 2 17

ções no Velho Mundo são evidentes no campo social (ascensão da burguesia), político (revo-luções que destituem os reis absolutistas) e econômico(o liberalismo). No Brasil, entretan-to, persiste a aristocracia agrária escravista, a economia agro-exportadora, o que impele ao país a dependência e a submissão à política colonial de opressão.

Consequentemente, persiste na cultura e na educação um panorama precário, marcado pelo analfabetismo. O quadro se agrava com a expulsão dos jesuítas e com a demora da refor-ma pombalina. A tradição de três séculos de uma educação voltada para as elites aumenta, ainda mais, o fosso entre os letrados e a maio-ria da população analfabeta.

Da transformação do Brasil-Colônia em Impé-rio, chegada da família real ao país, devido a significativas mudanças, a cidade do Rio de Ja-neiro precisa adaptar-se rapidamente à invasão do grande número de cortesãos e às novas exi-gências administrativas do Império. No campo econômico, político e cultural, evidenciaram--se medidas, como a abertura dos portos, a re-vogação do alvará que proibia a instalação de manufaturas, a instalação da Imprensa Régia, do Museu Real (1818), depois Museu Nacio-nal, e da Biblioteca Nacional.

Contudo, as mudanças políticas e econômicas não alteram a estrutura social, constituída dos grandes proprietários rurais, cujos interesses fi-cam fortalecidos pelos segmentos dos homens livres não-proprietários e por um enorme con-tingente de escravos. Na segunda metade do século, em face de novas mudanças na econo-mia e já sendo o Brasil um país independente, começam a surgir novos grupos sociais de tra-balhadores imigrantes empregados na, ainda, pequena produção industrial, aumentando, desta forma, o crescimento das cidades e a complexidade do quadro social.

O século xIx, apesar dos avanços, não pode ser apontado como sendo o período em que se forma uma educação brasileira. No entan-to, influenciados pelas ideias europeias, alguns intelectuais iniciam novos rumos à educação, por meio da apresentação de projetos de leis ou mesmo pela criação de escolas. No campo filosófico, enquanto na Europa, o positivismo

de Augusto Comte privilegia a ciência como forma superior de conhecimento, no Brasil, a tentativa de superar o ensino de caráter huma-nístico e literário não se realiza.

Ao final do século xIx, o processo político da Primeira República desembocou numa situa-ção contraditória, pois o caráter republicano, democrático-representativo e federativo, se-gundo o modelo constitucional, tornara-se, na realidade, uma estrutura oligárquica, ajustada aos interesses político-econômicos imediatos das principais regiões agrícolas e exportadoras. A República transformara-se em um sistema político estreito, estagnado, no qual atuavam, apenas, as elites regionais, controlando as elei-ções, os partidos, e alternando-se no poder, disputado por todos os meios.

A partir de 1914, inaugurava-se um período de grandes acontecimentos internacionais, entre eles a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a marcha de Mussolini sobre Roma, a proclama-ção da República Turca, o reconhecimento da Independência do Egito; em 1923, fundava-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, verificava-se o putsch de Hitler em Munich; na Inglaterra, o Partido Trabalhista conquistava o governo, e, conforme lembra Ronald de Car-valho (1984), em 1922, grandes obras eram publicadas, como Ulisses de James Joyce e Economia e Sociedade de Max Weber.

No Brasil, as mudanças tiveram como mola propulsora as relações capitalistas. Anterior-mente marcadas pela fragilidade, em face do protecionismo ao capital estrangeiro e das controvertidas leis imperialistas, as relações econômicas passam a operar de forma mais livre, em virtude do conflito militar externo. As dificuldades enfrentadas pelos países envolvi-dos no conflito limitaram as importações, pos-

capítulo 218

sibilitando ao Brasil livrar-se da concorrência estrangeira, o que proporcionou a expansão do mercado interno e da indústria nacional, gerando o aumento do capital nacional.

O processo acelerado de industrialização, por sua vez, gerou o aumento do contingen-te populacional urbano. Ainda sem ideologia própria, os novos setores sociais – burguesia industrial e financeira, comerciantes, funcioná-rios, professores, operários, militares - tendem a se manifestar contrariamente ao sistema oli-gárquico da República Velha.

Mudanças tão significativas no campo econô-mico refletiram certamente nas áreas política e cultural. O avançado modelo burguês adotado pela República teve de conciliar seu liberalis-mo com o poder das oligarquias, ou seja, com a classe que detinha o monopólio da terra, o latifúndio. Tal conciliação só se realizaria me-diante a expansão da burguesia no poder, que, para isso, necessitou do apoio da pequena burguesia e da classe trabalhadora no campo e na cidade.

A ascensão da burguesia promoveu o rompi-mento com os velhos padrões de criação im-postos pela cultura europeia e a aproximação com as inovações sugeridas pelo movimento de valorização dos elementos internos da cul-tura brasileira. O surgimento de novos padrões políticos e culturais é marcado pelos movimen-tos militar e intelectual, respectivamente repre-sentados pelo Tenentismo e pelos episódios que configuram o Modernismo.

Dessas mudanças sócio-políticas, decorrem as transformações no campo da educação, a qual passa então a sofrer a influência direta do positivismo do francês Augusto Comte (1798-1857). Tal fato se justifica pela simpatia das

gerações mais novas de oficiais formados pela Escola Militar, que, por seu currículo voltado para as ciências exatas e engenharia, se dis-tanciam da tradição humanista e acadêmica a fim de se aproximar das formas de disciplina e moral severas, típicas do comtismo.

Contudo, a influência do positivismo não foi determinante no processo educacional, devido às reações de outros setores, como a da Igreja Católica, que se colocou contra os ideais posi-tivistas bem como da Constituição da Primeira República, que estabelecera a separação da Igreja e do Estado e a laicização do ensino nos estabelecimentos públicos.

O final da Primeira Grande Guerra é marcado pelo processo de industrialização e urbaniza-ção, dando início à formação de uma burgue-sia urbana e de estratos emergentes de uma pequena burguesia que exigem o acesso à educação. Se, por um lado, esses segmentos aspiram a uma educação acadêmica e elitista, por outro, o operariado exige um mínimo de escolarização, o que resulta nas pressões pela expansão do ensino. A situação é grave, em face de que, já na década de 20, o índice de analfabetismo atinge a cifra de 80%.

O embate social é efervescente. O conflito das forças emergentes produz diversos movimen-tos políticos e culturais. Surgem, sobretudo, no campo da educação, debates e planos de reforma para recuperar o atraso brasileiro. Em 1924, é fundada a Associação Brasileira de Educação (ABE), que realiza diversas conferên-cias nacionais.

Nesse contexto, educadores da escola nova introduzem o pensamento liberal democrá-tico em defesa da escola pública para todos, com o intuito de se alcançar uma sociedade igualitária e, portanto, mais justa. Contudo, os ideais escolanovistas dependiam de produções estrangeiras, o que fez com que se afastassem deveras da realidade brasileira.

Dentre os intelectuais escolanovistas, desta-cou-se o filósofo Anísio Teixeira (1900-1971), que, sendo seguidor de John Dewey, foi o res-ponsável pela disseminação das ideias prag-matistas no Brasil. Ao lado de Lourenço Filho (1894-1970) e Fernando de Azevedo (1894-

capítulo 2 19

1974), participou dos movimentos de refor-ma do ensino e encabeçou os documentos de 1932 e 1959 em favor da escola pública.

Mais uma vez, em relação à nova perspecti-va educacional do escolanovismo, a Igreja Católica reage negativamente. Por represen-tar politicamente uma força conservadora, comprometida com a antiga oligarquia, a Igreja apresentava um discurso reacionário, anticomunista. Os pensadores católicos pre-conizavam a reintrodução do ensino religioso nas escolas, por considerar que a verdadeira educação, apenas, pode ser aquela vinculada à visão moral cristã. Deve-se levar em conta que boa parte das escolas no Brasil era confessio-nal, ou seja, criadas e dirigidas por represen-tantes da Igreja Católica.

Dentre as influências sobre a educação no Bra-sil, destacaram-se os ideais anarquistas, que, oriundos dos imigrantes estrangeiros, sobretu-do italianos, ao contrário dos socialistas, que cobravam do Estado uma escola universal para todos, rejeitam os sistemas públicos, atribuin-do a cada grupo social a responsabilidade pela organização da educação, ou seja, um sistema que atendesse à realidade das comunidades. A partir de 1930, a educação passa a ser efe-tivamente uma preocupação do Estado e da Sociedade. É criado o Ministério da Educação e Saúde, órgão de extrema importância para o planejamento das reformas em âmbito nacio-nal e para a estruturação da universidade.

Apesar dos avanços ocorridos na educação, na década de 30, o ensino básico permanece em situação de abandono, porque os cursos criados visavam ao ensino secundário, técnico e superior. Em 1937, diplomam-se, no Brasil, os primeiros professores licenciados para o en-sino secundário. O fato relevante é que esses professores formados pelas faculdades de Filo-sofia, além do encargo da preparação cultural e científica, receberam formação pedagógica, diferentemente dos então egressos de outras profissões, autodidatas ou práticos, experi-mentados no magistério.

Na vigência do Estado Novo (1937-1945), o ministro Gustavo Capanema empreende no-vas reformas no ensino, regulamentadas por decretos-leis assinados no período de 1942 a

1946 e denominados Leis Orgânicas do Ensi-no. Essas leis determinavam as diretrizes para o ensino secundário, que se daria em sete anos, sendo constituído do ginásio em quatro anos e do colegial em três.

Segundo Otaíza Romanelli (1991), as finalida-des desse ensino são:

formar a personalidade integral dos adolescen-tes, acentuar e elevar a consciência patriótica e a consciência humanística, dar preparação intelec-tual que possa servir de base a estudos mais ele-vados de formação especial e, ainda, segundo o artigo 25, formar as individualidades condutoras.

A autora afirma também que os novos pressu-postos da lei nada mais faziam do que acentu-ar a velha tradição do ensino secundário aca-dêmico, propedêutico1 e aristocrático.

Também, nesse período, em face do amplo processo de industrialização e da intensa pro-cura por cursos profissionalizantes que prepa-rassem profissionais para a indústria, são cria-dos sucessivamente em 1942 e 1946, o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). O êxito desses cursos paralelos às instituições do Estado deu-se em função de que o aluno era pago para estudar. O dado importante, nesse período, é que a discrimi-nação social se faz evidente, na medida em que os componentes dos estratos médio e alto cursam escolas que “classificam socialmente”, e os componentes dos estratos populares bus-cam aquelas que formavam mais rapidamente para o trabalho.

1 Propedêutico significa que não há objetivos em si mesmo, como seria o caso do curso técnico que forma o indivíduo para o trabalho. Sua função é a de, apenas, ligar um segmento a outro, como uma es-pécie de ponte.

capítulo 220

Em relação ao ensino primário, sua reforma só é regulamentada após o Estado Novo, em 1946. Entre as modificações, existe a criação do Ensino Supletivo em dois anos, cujo objeti-vo era o de diminuir o analfabetismo. A lei pre-vê também o planejamento escolar e a estrutu-ração da carreira docente. Apesar do otimismo que provoca essas medidas, continua alto o índice de professores leigos, principalmente a partir dos anos 40, quando a demanda escolar também aumenta.

O período de 1945 a 1964 é marcado pelo retorno ao estado de direito, com governos eleitos pelo povo e pela esperança de um pro-gresso acelerado. As mudanças no modelo econômico se caracterizam pelo desenvolvi-mentismo, começando a entrar em contradi-ção com o processo de internacionalização da economia, tendo como causa a instalação das multinacionais no governo de Juscelino Kubits-chek. Turbulento foi o período entre a renúncia do presidente Jânio quadros, a posse de João Goulart e o golpe militar de 1964.

No campo da educação, seguem os debates sobre a democratização da escola e a destina-ção de recursos às escolas públicas. A criação do Conselho Federal de Educação e dos Conse-lhos Estaduais de Educação, nos quais é permi-tida a representação das escolas particulares, evidenciou a pressão e o jogo de influências para se obterem recursos. Contudo, essa coo-peração financeira não soluciona a situação de injustiça em que 50% da população em idade escolar encontram-se fora da escola, e 39,35% é a taxa de analfabetismo2.

Durante o regime militar, delinearam-se dis-cursos que pouco se concretizaram na prática educacional. O primeiro presidente da repú-2 Dado extraído de Aspectos da Educação no Brasil, in Otaíza Roma-nelli, História da Educação no Brasil.

blica, escolhido em 1964, Marechal Castelo Branco, preconizou a universalização do ensi-no primário, obrigatório e gratuito, e criticou o analfabetismo. Atentou para as deficiências do ensino médio, propondo o fim das discrimina-ções entre os estudos de tipo acadêmico e os de natureza técnica. Em fins de 1965, Castelo Branco anunciava ajuda do governo federal ao ensino primário, embora esse segmento esti-vesse dentro da competência dos Estados e Municípios.

quanto ao ensino médio, Castelo Branco pensava em alargar o treinamento do pesso-al docente e em aplicar o Plano Nacional de Educação (PNE), o qual daria grande impulso ao ensino técnico, em nível médio. quanto ao ensino superior, o presidente mostrava a im-portância de as universidades se adaptarem ao mercado de trabalho, valorizando a relação entre universidade e comunidade como inves-timento econômico e social.

Seu sucessor, Costa e Silva, também se ma-nifestou de forma incisiva sobre a Educação. Para ele, o processo do desenvolvimento é um processo educacional. Visava, portanto, à erradicação do analfabetismo e à solução do problema dos chamados excedentes, alunos que, embora classificados no vestibular para as Universidades, não conseguiam vagas para cursá-las.

Na época do General Garrastazu Médici, a preocupação governamental dirigia-se para os louvores às Reformas de Ensino, então já concretizadas, embora os temas educacionais fossem sempre os mesmos: a falta de vagas e os analfabetos, aos quais se denominava “le-gião de iletrados”. A partir de 1974, o gover-no de Ernesto Geisel interessou-se por vários aspectos da educação brasileira, entre eles, o treinamento profissional, o crescimento das matrículas, o aperfeiçoamento da qualidade de ensino e o estímulo aos cursos de pós-gra-duação.

Contudo, o que podemos observar é que o Movimento de 64 produziu poucos avanços no processo educacional do país e um turbilhão de leis e decretos, entre elas, a Lei n° 5.692, de 1971, que baseou Reforma do Ensino de 1o e 2o graus, cujo objetivo geral era o de levar a

capítulo 2 21

qualificação para o trabalho e o preparo para o exercício consciente da cidadania. Fundia-se o curso primário com o curso ginasial, forman-do o curso fundamental de 8 anos. Além da obrigatoriedade de realizar esse curso funda-mental, a lei eliminava a distinção entre a es-cola secundária e a escola técnica. Alterava-se bastante o ensino supletivo, podendo este ser ministrado por meio dos veículos de comuni-cação de massa. Igualmente em 1971, deu-se a público o Decreto n° 68.908, que estabelecia normas para o vestibular.

Desde 1964, a Educação Brasileira seguiu nova orientação de acordo com os interesses das classes dirigentes. Essa trajetória recebeu con-tribuições de John Hilliard e Rudolf Atcon, teó-ricos americanos; dos acordos MEC-Usaid (Mi-nistério da Educação e Cultura e United States Agency for Internacional Development), efeti-vados em 1964, 1965, 1966, 1967 e 1968 e do Relatório Meira Matos (coronel da Escola Superior de Guerra).

As mudanças e a profusão de leis e acordos, de fato, não chegaram a modificar o quadro pou-co digno de otimismo, pois faltavam profes-sores especializados, as escolas não ofereciam infraestrutura adequada, e houve crescimento do analfabetismo. Persistindo o problema edu-cacional e a grande massa de analfabetos, o governo cria, em 1967, o MOBRAL (Movimen-to Brasileiro de Alfabetização), cujo objetivo era o de erradicar o analfabetismo.

Uma análise, mesmo que sucinta do MOBRAL, permite compreender alguns aspectos da fase ditatorial por que passou o país. qualquer pro-posta educacional nessa época era baseada em interesses políticos que garantissem a per-manência da ditadura. Deste modo, para des-pertar o sentimento de bom comportamento e justificar os desmandos da ditadura, o governo deflagrou diversos programas populares, den-tre eles o MOBRAL.

O Programa de Alfabetização Funcional apre-sentava, segundo Arlindo Corrêa (1979: 152), seis objetivos:

1. desenvolver nos alunos a habilidade de es-crita, leitura e contagem;

2. desenvolver um vocabulário que permita o enriquecimento de seus alunos;

3. desenvolver o raciocínio, visando facilitar a resolução de seus problemas e os de sua comunidade;

4. formar hábitos e atitudes positivas em rela-ção ao trabalho;

5. desenvolver a criatividade, a fim de melho-rar as condições de vida, aproveitando os recursos disponíveis;

6. levar os alunos a

- conhecerem seus direitos e deveres e as melhores formas de participação comuni-tária;

- se empenharem na conservação da saúde e melhoria das condições de higiene pes-soal, familiar e da comunidade;

- se certificarem da responsabilidade de cada um, na manutenção e melhoria dos serviços públicos de sua comunidade e na conservação dos bens e instituições;

- participarem do desenvolvimento da co-munidade, tendo em vista o bem-estar das pessoas.

Paradoxalmente, o método adotado para a al-fabetização de adultos em massa teve como base a proposta de Paulo Freire, educador nor-destino, perseguido e banido pelo sistema im-posto, tendo, ainda, que se exilar no exterior, por um longo tempo. Uma série de procedi-mentos foi copiada, inclusive a ideia de palavra geradora com marco inicial desse processo de alfabetização. A diferença no processo aplica-

capítulo 222

do estava nitidamente na visão do homem de Paulo Freire e na dos idealizadores do Progra-ma. Para o educador, a palavra geradora era subtraída do universo vivencial do alfabeti-zando, enquanto que, no MOBRAL, a palavra era imposta pelos tecnocratas com base num estudo preliminar das necessidades humanas básicas.

Segundo Bárbara Freitag (1986:93), o método Paulo Freire foi

refuncionalizado como prática, não de liberdade, mas de integração ao ‘Modelo Brasileiro’ ao nível das três instâncias: infraestrutura, sociedade polí-tica e sociedade civil.

Apesar dos enormes subsídios dados pela União, pelo Fundo Nacional para o Desenvol-vimento da Educação, dos 2% do Imposto de Renda e ainda de um percentual da Loteria Esportiva, devido aos seus altos custos, nos anos 80, o programa foi extinto. Seus proje-tos foram incorporados pela Fundação Educar. O MOBRAL pode ser considerado como uma instituição criada para dar suporte ao sistema vigente, ou melhor, como Aparelho Ideológico de Estado, conforme Louis Althusser (1986).

As cartilhas do Mobral, em termos metodo-lógicos, tinham como ponto de partida a pa-lavração. Diferentemente do que apregoou Paulo Freire, a palavra não era resultado da expressão e realidade dos alfabetizandos e, sim, como já dissemos antes, do que pressu-punham os teóricos, ser pertencente ao léxico daquelas pessoas. As técnicas sugeridas para o trabalho a ser desenvolvido, conforme A. L. Corrêa (op.cit:153), foram as seguintes:

1. apresentação e exploração do cartaz gerador;

2. estudo da palavra geradora, depreendida do cartaz;

3. decomposição silábica da palavra geradora;

4. estudo das famílias silábicas, com base nas palavras geradoras;

5. formação e estudos de palavras novas;

6. formação e estudos de frases e textos.

Os anos 80 evidenciaram um processo de en-fraquecimento do regime militar, entrando assim o país em um lento processo de demo-cratização. A sociedade civil, a classe política, as organizações estudantis se apresentam, de forma mais contundente, contra o arbítrio a fim de recuperar os espaços perdidos ao longo do período de ditadura. No plano da Educa-ção, já era amplamente reconhecido o fracasso da implantação da reforma da LDB (Lei de Di-retrizes e Bases), e a Lei n° 7.044/82 dispensa as escolas da obrigatoriedade da profissiona-lização, sendo retomada a ênfase à formação geral.

Amplas pesquisas e estudos sobre a História da Alfabetização Brasileira recaem sempre sobre a questão dos métodos. Isso porque, conforme explicitamos nesta pesquisa, não houve, até aproximadamente os anos 60, a constituição de leis as quais regulamentassem o processo educacional específico de alfabetização bem como estatísticas documentais que retratas-sem os quadros numéricos do alfabetismo/analfabetismo. Sabe-se que até hoje o país continua apresentando um número expressi-vo de pessoas analfabetas, haja vista o recente programa intitulado Alfabetização Solidária, criado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. No próximo item, procede-remos à exposição dos métodos de alfabeti-zação e dos processos de aquisição da escrita.

1.2. OS MÉTODOS DE AlFABETIzAÇÃO E A AQUISIÇÃO DA ESCRITA

Método, palavra de origem grega (méthodos), significa ordem que se segue na investigação da verdade, no estudo de uma ciência ou para alcançar um fim determinado, segundo Anto-nio Geraldo Cunha (1987). No que se refere à alfabetização, o método consiste em um pro-

capítulo 2 23

cedimento didático, determinado com o pro-pósito de ensinar a ler e escrever. Comumente, método para alfabetizar é um procedimento que se apresenta em formato de manuais ou guias (cartilhas).

Na Idade Média, quando a alfabetização não era uma atividade escolar como outrora na Su-méria ou mesmo na Grécia Antiga e ocorria por meio de quem sabia ler para quem não o sabia, as crianças eram alfabetizadas por al-guém da família ou por preceptores. O essen-cial para o aprendiz era conhecer os sons das letras, o que se obtinha pela aplicação do prin-cípio acrofônico3 . Essa prática se estendeu des-de a época clássica latina até o século xVI d.C.

O método de alfabetizar propriamente dito inicia-se com o Renascimento, em face do aparecimento da imprensa, o qual resultou na abundância de livros e no aumento da quan-tidade de leitores, suscitando o deslocamento da leitura do eixo coletivo; alguém lia para os outros, para o eixo individual. Nesse período, ocorre, de fato, o aparecimento de cartilhas com o propósito específico de alfabetizar, bem como de gramáticas das línguas neolatinas, posto que era necessário estabelecer uma or-tografia para as línguas vernáculas que substi-tuíam o latim.

Dentre as cartilhas que surgiram do século xV ao xVIII, algumas já apresentam um esquema de soletração e silabação, método que perdu-rou até os dias de hoje, cujas características descreveremos detalhadamente a seguir. Neste capítulo, portanto, exporemos questões rela-tivas à metodologia utilizada para o processo de alfabetização, que, como se pode notar, é tradicional, por exatamente ter a tradição de séculos de aplicação.

Inicialmente, os métodos se distinguem por dois aspectos: o primeiro quanto à estratégia ou abordagem utilizada pelo professor, e o se-gundo quanto ao ponto de partida, ou seja, a unidade da língua com a qual se inicia o co-nhecimento da escrita e da leitura. No que diz respeito à estratégia ou abordagem, os méto-dos podem ser globais ou não globais. Embo-

3 Acrofônico, segundo Antonio Houaiss (2001), é um sistema gráfico antigo, evolução da escrita hieroglífica, que consistia em atri-buir ao desenho ou ao ideograma de um objeto o valor fonético da letra inicial ou da sílaba inicial do nome desse objeto.

ra ambos partam da apresentação de frases, palavras, sílabas e letras, a diferença consiste na contextualização ou não-contextualização. O método global parte de um contexto, ou seja, de uma base textual plena de sentido; o não global desconsidera esse aspecto, apre-sentando frases, palavras, sílabas e letras sol-tas. Globais ou não, os métodos se classificam, fundamentalmente, em dois tipos: o sintético e o analítico.

O método sintético caracteriza-se por insis-tir na correspondência entre o oral e o escri-to, isto é, entre o som e a grafia. É também seu ponto-chave partir dos elementos consi-derados mínimos, em um processo que con-siste em ir das partes para o todo. O método desdobra-se em duas variantes: a soletração e a silabação, ambos conhecidos também por fônicos ou fonéticos. No primeiro caso, têm--se, como ponto de partida, os sons das letras (fonemas) para se chegar às sílabas e, daí, às palavras e frases. Revelando sua importância na história do ensino, a soletração deu origem a um vocábulo de nossa língua, beabá (b + a = ba). No segundo caso, parte-se diretamente das sílabas (unidades fonéticas).

Soletração: o aluno deve aprender o nome (som) das letras e suas combinações para for-mar sílabas, palavras, frases e depois textos.

B...a...ba (bê…a…ba)

Silabação: o aluno deve aprender as famílias silábicas e com suas combinações formar pala-vras, depois frases e textos.

vavevo

capítulo 224

2a lição

ve vi vo vuva vo vu vivi va ve vuvai viu vouvo-vó a-ve a-vô

VOCÁBULOS o-vovi-va vo-vó ou-ve u-vaui-va vi-vi-a vi-ú-va

ExERCÍCIO vo-vó viu a a-vea a-ve vi-ve e vo-aeu vi a vi-ú-vavi-va a vo-vóvo-vô vê o o-voa a-ve vo-a-va

Exemplo 1 – Página da Cartilha da Infância, de T.A.B. Galhardo. Rio de Janeiro:

Francisco Alves, 1962, p. 11.

O segundo método, o analítico, tem como ponto de partida palavras, frases ou textos para chegar às letras, tendo como operação predominante a análise.

Palavração: o aluno deve aprender (decorar) palavras, depois as separar em sílabas para com estas formar novas palavras.

Sentenciação: o aluno deve aprender (decorar) uma sentença (frase) que depois é dividida em palavras que são divididas em sílabas. Com estas últimas aprendidas, o aluno lerá novas palavras.

O método fonético, conforme analisam E. Fer-reiro & A. Teberosky (1991), desenvolveu-se

sob influência da Linguística, propondo que a alfabetização partisse do oral para o escrito, isto é, da unidade mínima de som da fala – o fonema – associando-se este à sua representa-ção gráfica. É preciso que o sujeito seja capaz de isolar e reconhecer os diferentes fonemas de seu idioma, para poder relacioná-los aos si-nais gráficos.

Com base na relação fonema/grafema, estabe-lecem-se duas questões prévias:

a. que a pronúncia seja correta, para evitar confusões;

b. para que grafias semelhantes para sons

diferentes ou, ao contrário, para que dife-rentes grafias para sons semelhantes não causem confusões ao sujeito, é preciso que sejam apresentadas ao aluno separa-damente. Desse modo, os primeiros pares de fonemas a serem apresentados ao su-jeito devem ser simples e representados na língua de uma só forma, como é o caso do ba be bi bo bu, entre outros. A sucessão de apresentação dos pares de fonemas4 deve ser feita em consequência da fixação de cada um deles.

Do ponto de vista da aprendizagem, priori-za-se a mecânica da leitura (o decifrado do texto), deixando-se para mais tarde a leitura inteligente (compreensão do texto lido), que virá a aliar-se à leitura expressiva (entonação). Desse modo, o método sintético concebe a es-crita como a transcrição gráfica da modalidade oral, ou seja, ler equivale a decodificar o escrito em som.

O método será tanto mais eficaz quanto mais o sistema da escrita estiver de acordo com os princípios alfabéticos, isto é, quanto mais perfeita seja a correspondência letra-som. To-davia, como em nenhum sistema de escrita, existe total correspondência, a estratégia é co-meçar pelos casos de ortografia regular, quer dizer, com palavras cuja grafia coincida com a pronúncia.

4 Fonema é a menor unidade sonora da língua (na fala). Não pode ser confundido com letra. Embora representado por esse sinal, há casos em que a letra não tem valor sonoro, como é o caso da palavra HOJE que tem quatro letras e três fonemas.

capítulo 2 25

I PARTE

A Pata Nadapata nadapa ta na dapatapapa nada natapata nadapa napa na pa

Exemplo 2 – Página da Cartilha Sodré, Bene-dicta Stahl Sodré. São Paulo: s/d.

Os princípios desse processo refletem as con-cepções psicológicas behavioristas5 ou associa-cionistas. Procura-se ocasionar uma associação entre estímulos gráficos e respostas sonoras. Também da Linguística recebeu influências que lhe servem de base. De Leonard Bloomfield (1973), com relação à leitura, surge a ideia de que a causa da dificuldade de compreensão da leitura origina-se do domínio imperfeito da mecânica da leitura. Certamente, L. Bloomfield baseou-se em princípios behavioristas para fazer essa afirmação, o que caracteriza uma incorporação de um conceito da esfera da Psi-cologia por um linguista. Assim, pode afirmar que o método sintético está em acordo com princípios em voga tanto no campo da Linguís-tica como nos da Pedagogia e da Psicologia.

quanto ao método analítico, ao contrário do anterior, que poderíamos chamar, com proprie-dade, de mecanicista, seus defensores postu-lam a ideia de que a leitura é um ato global e ideovisual. O primeiro passo para a leitura, nessa perspectiva, é o reconhecimento global das palavras ou orações. A análise dos compo-nentes é uma tarefa posterior. Nesse caso, o as-pecto auditivo não é o ponto de partida, posto que a leitura é uma tarefa fundamentalmente visual. Há, também, que se considerar, nesse processo, o postulado de que se deve começar com unidades (palavras ou orações) significati-vas para as crianças. Daí a denominação ideovi-sual. No próximo item, discutiremos os espaços de alfabetização que, na Idade Moderna, pas-sou a ser, exclusivamente, a escola.

5 Pesquisar essa teoria para melhor compreensão do processo.

1.3. A AlFABETIzAÇÃO E OS ESPAÇOS DE lEITURA

O local socialmente escolhido para a alfabe-tização sempre foi a escola ou, em período anterior ao escolástico, em algum lugar apro-priado, mediante a presença de alguém que ensinasse a ler. A capacidade de aprender a ler por si só, o autoditatismo, é, ainda nos dias de hoje, bastante discutida, embora observa-da em alguns casos de crianças que o fazem efetivamente. Dessa forma, o aparato escolar é quase que imprescindível ao ato de ler, na visão atual da sociedade.

Nesse caso, a escola incumbida da tarefa de alfabetizar lança mão de métodos e técnicas para sistematizar esse conhecimento. O que deveria ser, na visão desenvolvimentista, um processo natural de cognição passa a ter dia e hora para acontecer. Em geral, as crianças devem alfabetizar-se entre 6 e 7 anos, no pri-meiro ano do Ensino Fundamental. Sem con-testação, esse período é de extrema tensão para os envolvidos no processo. Professores, pais e alunos criam expectativas que, quando frustradas, causam danos psicológicos, sobre-tudo, relativos ao autoconceito6 da criança. Na visão tradicional, a criança torna-se um leitor somente a partir do momento em que é capaz de decodificar a escrita.

A tensão inicial produzida pela expectativa de ter hora marcada para tornar-se um leitor não se dilui ao longo do tempo, até porque os livros de leitura, propostos pelos professo-res, devem ser “destrinchados” também com um tempo determinado. Dessa forma, a escola

6 Segundo P. Stratton & N. Hayes (1994), autoconceito é soma total dos modos como o indivíduo se vê a si mesmo. Em geral, considera-se que o autoconceito tem duas principais dimensões: um componente descritivo, conhecido como a autoimagem, e um componente avaliati-vo, conhecido como autoestima, mas na prática o termo é mais empre-gado para referir-se à dimensão avaliativa da autopercepção.

capítulo 226

institui uma leitura burocrática, propedêutica, que tem como objetivo atender aos programas pedagógicos pré-estabelecidos.

As bibliotecas das escolas, espaços suposta-mente destinados à leitura, na maioria das vezes, são utilizadas somente como suportes de pesquisas escolares. Segundo Luiz Carlos Cagliari (2003), ler por ler, ler por prazer, por satisfação não é, definitivamente, uma prática escolar. A escola não reflete sobre o que pensa uma criança quando compara as leituras que faz em casa – revistas, gibis, livros infantis – com os textos escolares, muitas vezes, para ela, sem sentido.

Essa questão da produção de sentido da lei-tura bem como do prazer de ler, ainda segun-do o autor, é marcada inicialmente pelo uso da cartilha, ou seja, pela leitura sem significa-do (decifração) de famílias silábicas, palavras descontextualizadas ou frases com repetições como vovô viu a ave, a pata nada.

Além da escola, há outros espaços, embora as-sistemáticos, onde a criança se depara com a leitura, sobretudo no mundo moderno, com a valorização da comunicação, aumentando sig-nificativamente o volume de escrita. Os valores culturais ultrapassaram as páginas dos livros e se disseminaram em inúmeros outros suportes de leitura. Jornais, revistas, outdoors, folhetos, rótulos de produtos, manuais, placas informa-tivas etc. constituem atualmente um universo amplo e diversificado de leitura, que pode se-guramente ser dita contextualizada, funcional.

Tomando por princípio a psicogênese da es-crita, podemos afirmar que o mundo de es-crita em que vivemos hoje é tão alfabetizador quanto a escola. Isto é, sem um processo sis-temático, a criança, em contato com o texto, é

capaz de construir o conhecimento da leitura, partindo, certamente, da elaboração de suas próprias hipóteses. Podemos, dessa forma, in-ferir que o mundo fora da escola tornou-se al-fabetizador por tão somente oferecer à criança o contato frequente com a escrita.

Em uma perspectiva histórica, é possível ana-lisar o processo de alfabetismo/analfabetismo, de certa forma, relacionado à questão do es-paço alfabetizador. A relação escola/método/alfabetização criou, na sociedade, uma cren-ça de que aprende a ler quem vai à escola. O analfabeto7 , de modo geral, é um indivíduo que não passou pelo processo de escolariza-ção, ou mesmo, que “fracassou” na tarefa de aprender a ler. A discussão histórica sobre o analfabetismo, sobretudo em países com di-visões sociais marcantes, está relacionada a sistemas de ensino insatisfatórios cujo número de escolas é insuficiente, os métodos são ina-dequados, e os professores apresentam lacu-nas em sua formação profissional.

Há, também, que se considerar, nessa perspec-tiva que trata dos espaços de alfabetização, que a adoção de métodos cada vez mais efi-cientes que deem conta de alfabetizar rapida-mente, em um prazo determinado caracteriza a escola como uma instituição autoritária até mesmo sobre os seus próprios espaços. Um exemplo dessa atitude autoritária da escola se evidencia na prática escolar, que, apesar de contestada, ainda é nos dias de hoje aplicada, de reprovação das crianças que não aprendem a ler no 1º ano. O 2º ano, neste caso, é um espaço determinado para os que já sabem ler.

Na concepção dos psicanalistas Bruno Bette-lheim & Karen Zelan (1992), as crianças que desfrutam do privilégio de aprender a ler antes de ir à escola, ou seja, no espaço da casa, a partir de um convívio familiar propício à lei-tura, com pais letrados, normalmente apre-sentam uma certa vantagem no desempenho educacional. Isso se dá, não porque filhos de iletrados sejam naturalmente incapazes, mas pelo fato de que a criança que aprende a ler de pernas para o ar (expressão utilizada pelos au-tores), ou seja, do outro lado da mesa, quan-do, por exemplo, seu irmão mais velho lê, e ela se debruça sobre o livro do lado contrário e vai

7 Referimo-nos aqui ao indivíduo que não decifra o código da escrita.

capítulo 2 27

perguntando o que é isto ou aquilo, torna sua aprendizagem da leitura um ato de curiosida-de e prazer. Dessa maneira, a criança aprende a ler com textos significativos que expressam algo relacionado a sua própria vida.

resUmoNeste capítulo, apresentamos o processo de alfabetização por meio de métodos – o sinté-tico e o analítico – considerando suas origens e aplicação. Essa prática, embora ainda am-plamente utilizada, vem sendo criticada, ten-do em vista a descoberta de novas formas de aquisição da leitura e escrita pelos indivíduos. Com base na psicogênese da escrita e da leitu-ra e da concepção de Letramento, entende-se que os métodos não consideram os aspectos sociais da leitura, que, como se sabe hoje, con-tribuem para a formação efetiva do leitor. Sa-ber o que está lendo e porque está lendo é um dos requisitos para que o alfabetizando incor-pore a leitura ao seu universo cognitivo e social.

1. Se você ainda se lembrar, descreva o modo como foi alfabetizado(a).

2. Elabore um resumo de 20 linhas, descreven-do a diferença entre os métodos abordados neste capítulo. Caso prefira, faça essa dife-renciação em tópicos.

3. Releia a breve história da alfabetização no Brasil e busque os motivos pelos quais ainda temos um número significativo de cidadãos adultos analfabetos no país.

4. Descreva as ideias básicas deste capítulo.

Atividades:

referÊnciasARANHA, Maria Lúcia Arruda. História da Edu-cação. São Paulo: Moderna, 1996.

BETTELHEIM, Bruno & ZELAN, Karen. Psicanáli-se da alfabetização. Porto Alegre: Artes Médi-cas, 1992.

BLOOMFIELD, L. Linguistic and reading. Ele-mentary English Review.1942. (Reproduced in Savage, J. Linguistic for teachers – Select Re-adings, Chicago, Science Research Associates Inc., 1973.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüís-tica. São Paulo: Scipione, 2003.

CORRÊA, Arlindo Lopes (ed.). Educação de massa e ação comunitária. Rio de Janeiro: AGGS/MOBRAL. 1979.

CUNHA, Antonio Geraldo. Dicionário Etimoló-gico Nova Fronteira de língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.

FERREIRO, E. & TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. 6. ed. São Paulo: Moraes, 1986.

MATTOS, Luiz Alves de. Primórdios da Educa-ção no Brasil: o período heróico (1549 a 1570). Rio de Janeiro: Aurora, 1958.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1991.

RAMOS, Rossana. Cartilhas: um paradigma didático-linguístico da alfabetização no Brasil. Tese de doutorado. PUC/SP, 2005.

capítulo 3 29

Profa. Dra. Rossana Regina Guimarães Ramos Henz

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INTRODUÇÃO

Neste terceiro capítulo, serão discutidas questões relativas ao ensino da escrita e da leitura na perspectiva dos métodos e da psicogênese da escrita. O conhecimento dessas concepções contri-bui para o entendimento das mudanças que vêm se operando no processo de alfabetização ao longo do tempo. Tidos como ultrapassados, os métodos enfocam a mecânica da palavra escrita, sem levar em conta os conhecimentos linguísticos (hipóteses) que os indivíduos já possuem antes mesmo de dominar o código escrito plenamente.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Apresentar um panorama dos processosteóricos que são discutidos hoje em rela-ção à aquisição da escrita e da leitura;

• Discutir a dicotomia entre os métodosmecânicos de alfabetização e a teoria da psicogênese da escrita;

• Descreverosprocessoscognitivosdaalfa-betização do ponto de vista da leitura e da escrita.

alfabetização e as teorias

de leitUra e escrita

capítulo 330

1. A AlFABETIzAÇÃO E AS TEORIAS DE lEITURA 1.1. DESEMPENHO lINGUÍSTICO NA FASE PRÉ-ESCOlAR

A respeito do desempenho linguístico da crian-ça na fase pré-escolar, chamaram-nos atenção as considerações de L. C. Cagliari (2003:17):

qualquer criança que ingressa na escola apren-deu a falar e a entender a linguagem sem neces-sitar de treinamentos específicos ou de prontidão para isso. Ninguém precisou arranjar a linguagem em ordem de dificuldades crescentes para facilitar o aprendizado da criança. Ninguém disse que ela devia fazer exercícios de discriminação auditiva para aprender a reconhecer a fala ou para falar. Ela simplesmente se encontrou no meio de pesso-as que falavam e aprendeu.

O autor dá indicações de que o aprendizado da língua materna é um processo natural, decor-rente da interação da criança com adultos ou com outras crianças. Segundo Valeria Mukina (1996), o período pré-escolar (de zero a seis anos) é um momento de franca expansão da linguagem, posto que a criança se desloca do âmbito familiar para a escola, convivendo com múltiplas situações em que a linguagem é utilizada. Chega a afirmar que, durante esse período, o potencial de linguagem é triplica-do, ou seja, o vocabulário e a capacidade de construção de textos orais se ampliam vertigi-nosamente.

Nesse período, ocorrem mudanças no com-portamento linguístico que correspondem ao desenvolvimento mental. Por exemplo, as crianças são capazes de utilizar a flexão de grau para nomear objetos grandes e peque-nos, revelando que, por trás das palavras, elas

são capazes de perceber o objeto real. Há tam-bém, nesse período, desde o quarto ano de vida, um esforço para compreender o signifi-cado das palavras e explicar a sua gênese. Por exemplo, do substantivo telefone pode depre-ender o verbo telefonar.

Ainda no período pré-escolar, por volta dos quatro anos, a criança desenvolve, por meio da comunicação linguística direta, o ouvido fo-nemático, ou seja, a capacidade de distinguir as palavras entre si apenas pelo som surdo ou sonoro. Para analisar a composição fonética das palavras, muitas vezes, a criança emite as palavras de uma maneira especial, destacan-do o primeiro som, como tttrem, ppprato etc. Essa é uma referência para realizar a análise fonética completa da palavra.

Outra característica importante do desenvolvi-mento da linguagem no período pré-escolar é o fato da generalização, ou seja, a aplicação da regra geral quando deveria aplicar a particular. Por analogia, a criança diz eu fazi, em vez de eu fiz, como eu sorri, eu comi. Dessa generali-zação, ocorrem outros desvios como a criação de palavras, por meio de uma composição que ela própria busca no sistema, sem obediência à norma. Por exemplo: eu xixizei na calça ou eu dissentei (para dizer que levantou). O que pode parecer engraçado para os adultos, é para a criança uma forma de se expressar com seus próprios meios e capacidades linguísticas.

No âmbito da escola, a Educação Infantil, de modo geral, prioriza a modalidade oral da lín-gua. As crianças, por meio de brincadeiras, jo-gos, contação de histórias e pela própria con-vivência entre si, desenvolvem amplamente a capacidade de comunicação com os adultos e com outras crianças, o que certamente irá re-velar em cada uma delas uma determinada va-riante linguística que, via de regra, reflete os as-pectos socioculturais do meio em que ela vive.

Nesse período, observa-se também que a criança desenvolve a capacidade de distinguir as funções da linguagem. Segundo V. Mukhi-na (1996), primeiramente, a comunicação é motivada por uma situação concreta ou por algumas ações concretas e se dá por meio da linguagem situacional. À medida que a criança amplia seus contatos e crescem seus interesses

capítulo 3 31

cognitivos, passa a utilizar a linguagem con-textual, ou seja, faz relatos sobre o conteúdo de um livro, de um fato ocorrido, ou é até mesmo capaz de construir textos orais com ju-ízo de valor. Em um determinado momento, a criança passa a alternar ambas as linguagens, atendendo às necessidades de sua interação com o grupo social.

Em relação à aquisição da leitura e da escri-ta, há duas abordagens distintas. A tradicio-nal, em que a criança só poderá aprender a ler se passar por um processo de ensino baseado em um método. Para que isso ocorra satisfato-riamente, ela deverá estar pronta, ou seja, ter desenvolvido determinadas capacidades como a percepção, a coordenação motora e o equi-líbrio emocional para não querer mais só brin-car, mas ter interesse pelo trabalho escolar. A escrita e a leitura devem estar organizadas em partes, conforme se apresentam nas cartilhas.

Inicialmente, os métodos se distinguem por dois aspectos: o primeiro quanto à estratégia ou abordagem utilizada pelo professor e o se-gundo quanto ao ponto de partida, ou seja, à unidade da língua com a qual se inicia o co-nhecimento da escrita e da leitura. No que diz respeito à estratégia ou abordagem, os méto-dos podem ser globais ou não globais. Embo-ra ambos partam da apresentação de frases, palavras, sílabas e letras, a diferença consiste na contextualização ou não-contextualização. O método global parte de um contexto, ou seja, de uma base textual plena de sentido; o não-global desconsidera esse aspecto, apre-sentando frases, palavras, sílabas e letras sol-tas. Globais ou não, os métodos se classificam, fundamentalmente, como vimos no capítulo anterior em dois tipos: o sintético e o analítico.

O método fonético, conforme analisam Fer-reiro & Teberosky (1986), desenvolveu-se sob influência da Linguística, propondo que a al-fabetização partisse do oral para o escrito, isto é, da unidade mínima de som da fala – o fone-ma – associando-se este à sua representação gráfica. É preciso que o sujeito seja capaz de isolar e reconhecer os diferentes fonemas de seu idioma, para poder relacioná-los aos sinais gráficos.

Com base na relação fonema/grafema, estabe-lecem-se duas questões prévias:

a. que a pronúncia seja correta, para evitar confusões;

b. para que grafias semelhantes para sons

diferentes ou, ao contrário, para que dife-rentes grafias para sons semelhantes não causem confusão ao sujeito, é preciso que sejam apresentadas ao aluno separada-mente. Desse modo, os primeiros pares de fonemas a serem apresentados ao sujeito devem ser simples e representados na lín-gua de uma só forma, como é o caso do ba be bi bo bu, entre outros. A sucessão de apresentação dos pares de fonemas deve ser feita em conseqüência da fixação de cada um deles.

Do ponto de vista da aprendizagem, prioriza--se a mecânica da leitura (o decifrado do tex-to), deixando-se para mais tarde a leitura inte-ligente (compreensão do texto lido) que virá aliar-se à leitura expressiva (entonação). Desse modo, o método sintético concebe a escri-ta como a transcrição gráfica da modalidade oral, ou seja, ler equivale a decodificar o escrito em som.

O método será tanto mais eficaz quanto mais o sistema da escrita estiver de acordo com os princípios alfabéticos, isto é, quanto mais per-feita seja a correspondência letra-som. Toda-via, como em nenhum sistema de escrita existe total correspondência, a estratégia é começar pelos casos de ortografia regular, quer dizer, com palavras cuja grafia coincida com a pro-núncia.

capítulo 332

A segunda abordagem, ao contrário da pri-meira, concebe a leitura e a escrita como um processo natural que ocorre igualmente à fala, ou seja, bastando que a criança entre em con-tato com textos escritos em funcionamento. Tendo como precursoras Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, essa concepção baseia-se na teoria psicológica de J. Piaget que descreve a constru-ção do conhecimento, valendo-se da interação do sujeito com o objeto por meio dos proces-sos de assimilação, adaptação e acomodação.

A criança entra em contato com o texto e, por meio da funcionalidade do objeto, constrói hi-póteses que se revelam em sua própria ativi-dade de pré-leitor. Em oposição aos métodos, o texto deve ser apresentado integralmente, a fim de que a criança possa, antes mesmo de decifrar o código da escrita, compreender a função social e cognitiva da leitura.

As duas abordagens têm como pontos diver-gentes o aspecto cognitivo. No período pré--escolar, segundo abordagem tradicional, a criança não é capaz ainda de compreender os mecanismos da leitura e da escrita, devendo, nessa fase, ser preparada para a fase escolar, quando entrará em contato com o texto escri-to que, por sua vez, deverá estar decomposto em partes para facilitar o processo de aprendi-zagem da escrita e da leitura.

Nas cartilhas e mesmo fora delas, é possível encontrar aqueles cansativos exercícios de trei-namento do tipo:

ou

Ou então cópias de letras como no exemplo:

O que sabemos hoje é que a criança deve aprender a escrever escrevendo, ou seja, sua escrita deve ter sentido, deve servir para algo. Desse modo, copiar, cobrir e reescrever letras, sílabas, palavras ou frases não contribuem para a aquisição da escrita. É preciso que aqui-lo que se proponha a ela tenha alguma fun-cionalidade. Por exemplo, solicitar que escreva uma carta para Papai Noel, que ajude a fazer a lista de compras ou dos brinquedos de que mais gosta, aplicar jogos que envolvam letras (bingo), sílabas (dominó), palavras (jogo da memória), textos (contação de histórias) etc.

1.2. A PSICOGÊNESE DA ESCRITA

Conforme E. Ferreiro & A. Teberosky (1986), os processos de aprendizagem da lecto-escrita não dependem de métodos, mas da própria atividade do sujeito. Dessa forma, o trabalho das pesquisadoras inicia pelo interesse em descobrir qual era o processo de construção da escrita. Para tal, em situação experimental, procuraram que a criança colocasse em evi-dência a escrita do modo exato como ela a vê, a leitura tal como ela a entende e os problemas

capítulo 3 33

que ela própria propõe para si ao escrever.Contudo, a pergunta que os iniciantes fazem é: mas como a criança poderá escrever pala-vras, frases e textos se nem conhece as letras? A resposta a essa questão está no conheci-mento da Teoria da Psicogênese da Escrita, que apresenta um novo olhar sobre a aquisição da língua escrita não mais do ponto de vista do objeto (a escrita), mas da perspectiva do sujei-to (alfabetizando).

Isso quer dizer que a criança ou o adulto1 em fase de alfabetização, em contato com a es-crita, constrói e reconstrói hipóteses sobre o objeto. O estudo das pesquisadoras foi, por-tanto, muito além da aprendizagem da escri-ta como um mecanismo simples de fora para dentro, mas sim como um processo complexo de elaboração mental das inúmeras possibili-dades que o código linguístico contém em sua realização.

Uma criança já escreve seu nome: CARINA. Mas quando descobre a letra K, passa a grafá--lo KRINA, substituindo a sílaba CA pela letra homófona (que tem o mesmo som) K.

Durante as observações de crianças em fase de aquisição da escrita e da leitura, uma das des-cobertas das pesquisadoras diz respeito às hi-póteses de quantidades de letras, sílabas com as quais se escrevem as palavras. Essa visão levou-as a descrever essas hipóteses, também denominadas níveis. De modo sucinto, exporemos aqui esses ní-veis, contudo, recomendamos que a amplia-ção desse conhecimento ocorra por meio da leitura integral da obra Psicogênese da língua escrita.

1.2.1. NÍVEIS DE ESCRITA

Nível pré-silábico

Nesse nível, a criança registra a escrita por meio de rabiscos (garatujas) ou de letras colocadas aleatoriamente. Caso já tenha de memória seu próprio nome, costuma usar essas letras, às ve-zes, com outra ordem.

1 Aqui nos referimos ao adulto por considerar que o processo de aquisição da escrita e da leitura nesta fase da vida percorre os mesmos caminhos descritos pela Teoria de Ferreiro & Teberosky, com poucas modificações, o que trataremos com mais amplitude no Capítulo IV.

Nível silábico I

Nessa fase, a criança já entende que a língua é silábica e geralmente utiliza uma letra para cada sílaba da palavra. Embora já tenha esse conhecimento, ela ainda não atribui valor so-noro respectivo a essas letras, ou seja, ainda não faz a correspondência fonema/grafema – letra/som.

Exemplo:

A palavra GATO pode ser escrita BL. Ou JANE-LA pode ser grafada OIC.

Nível silábico II

Nesse nível, a criança já é capaz de relacionar os sons às letras, podendo escrever:

GATO – AO ou GTJANELA – AEA ou JNL

• Osregistrospodemseroutros,mashaverásempre na “sílaba” alguma letra que iden-tifique o som correspondente.

• Podetambémacontecerdeacriançautili-zar mais letras para uma sílaba, como no caso: JANELA – JNLA

• Outra possibilidade é a de que a criançasubstitua a sílaba por uma letra com o mesmo som. CASA – KA ou KZ ou KZA

Nível Pré-alfabético

Nesse nível, a escrita da criança, ainda que fal-tem letras, já é passível de leitura. Na aborda-gem tradicional da alfabetização, essa fase de

capítulo 334

escrita é considerada como incorreta. Todavia, na visão construtivista2 , considera-se que hou-ve avanços.

Exemplos:

BORBOLETA – BOBOLETAHOJE – OGEABELHA – ABELA

• É muito comum encontrar adultos queestacionaram nesse nível de escrita e, por isso, são considerados pelo senso comum como semianalfabetos.

Nível alfabético com falhas

Nesse nível a criança já escreve com fluência e sua escrita é passível de leitura. Contudo, ain-da comete “erros” de ortografia.

Exemplos:

CASA – CAZABOLSA – BOLÇADE REPENTE – DERREPENTESANDUICHE – SANDUIxE

Nível alfabético-ortográfico

Nesse nível, a escrita já se apresenta em um plano de obediência às regras gramaticais e ortográficas, podendo ser entendida e dessa forma, considerada como “correta”.

1.2.2. NÍVEIS DE LEITURA

Também em relação à leitura, podemos obser-var que em fase de aquisição da linguagem es-crita, os alfabetizandos criam hipóteses sobre palavras, textos etc.

2 Aqui nos referimos ao Construtivismo em face de os estudos da Psicogênese da Escrita estarem submetidos a essa teoria.

Por exemplo:

A professora trouxe para a sala a figura de uma cesta de pães com a palavra PÃO como legen-da.

Ao perguntar às crianças como se lia essa pa-lavra, todos disseram juntos PÃO-ZI- NHO. A professora corrigiu-os, dizendo que ali estava escrita a palavra PÃO. Uma das crianças con-testou a professora dizendo que era a palavra pãozinho e completou sua afirmação colocan-do o dedo sobre cada letra da palavra, lendo:PÃO-ZI-NHO.

O que podemos inferir dessa atitude da crian-ça é que sua hipótese era a de que três letras correspondem às três sílabas da palavra. É possível também que a imagem que apresenta pãezinhos tenha influenciado a leitura da pala-vra. Desse modo, observamos que o processo da leitura também passa por suposições que implicam uma série de elementos linguísticos – escritos – e extralinguísticos – imagens, ta-manho das palavras, relação com os objetos denominados. Nesse último caso, podemos retomar a questão do PÃOZINHO que é pe-queno e que pode corresponder a uma palavra pequena.

Aqui temos um exemplo:

A professora escreve na lousa os nomes dos alunos e também o seu. Ao tentar identificar a quem pertencem os nomes, as crianças identi-ficam o nome da professora com a maior pa-lavra escrita por ser ela grande em tamanho.

Desse modo, durante o processo da aquisição da língua escrita, no âmbito da leitura, obser-vamos que, por exemplo, os adultos analfabe-tos fazem estratégias de leitura para partilhar do mundo escrito. Temos relatos como o de Maria, 40 anos, casada, dois filhos, emprega-

PÃO

capítulo 3 35

da doméstica que nos informa ter dificuldades inúmeras em viver sem saber ler. Contudo, se-gundo ela, utiliza certos recursos extralinguís-ticos (imagens, atitudes das pessoas, cores, formatos etc) para identificar produtos de lim-peza, os ônibus usados como transporte, os documentos, as informações do dia a dia, entre tantas outras interações como o mundo escrito.

Uma das estratégias de Maria é identificar a primeira letra da palavra, fazendo assim uma espécie de “adivinhação” do que vem depois. No caso do ônibus, sabe que o deve pegar co-meça com L (LAPA) e que a palavra é pequena. No caso, há duas linhas com itinerário diferen-tes para esse destino, Lapa. Mas Maria identifi-ca as pessoas que pegam o mesmo ônibus que ela todas as manhãs.

Esse recurso de identificar a primeira letra é muito comum. Do ponto de vista didático, é uma forma de o professor indicar ao aluno o valor sonoro dos grafemas (letras). Uma atividade bastante utilizada é a de identificar as figuras com seus nomes, conforme exemplo abaixo.

Ligue os nomes às frutas correspondentes:

UVA

MAÇÃ

BANANA

lARANJA

Esse tipo de atividade tem como objetivo ativar a consciência metalinguística, tendo em vista que, para ler ou escrever, é necessário que se saiba os elementos que compõem o código es-crito, por exemplo, as letras (grafemas) corres-pondentes aos sons (fonemas).

Em um determinado grau de desenvolvimen-to, as crianças podem também usar a estra-tégia do tamanho da palavra. Percebem que a cadeia sonora de algumas palavras é mais longa que outras. Assim, na atividade anterior, ela poderá observar essa característica das pa-lavras e perceber que a palavra UVA é pequena e a palavra LARANJA é grande.

Com base em suas hipóteses e descobertas, o indivíduo em fase de aquisição da escrita e da leitura percorre caminhos insuspeitados, con-forme descrevem Ferreiro & Teberosky em sua teoria que demonstra a Psicogênese da Escrita e da Leitura.

Esse é um processo que depende de uma série de fatores individuais e coletivos relacionados ao alfabetizando. Nesse período, em que se determina a definitiva aprendizagem da escrita e da leitura – no 1º ano do Ensino Fundamen-tal – é necessário que se acionem alguns pro-cedimentos pedagógicos básicos.

A. Colocar o aluno em contato direto e de for-ma abundante com a escrita. A sala deve ter, além do alfabeto – em uma altura que os alunos possam visualizá-los – diversos suportes de leituras como livros, revistas, encartes com informações sobre saúde, hi-giene, alimentação, avisos, contratos com turma, os textos que estão sendo trabalha-dos etc.

B. Trabalhar simultaneamente com letras,

palavras e textos para que os alunos per-

Saiba MaisA consciência metalingüística é o pensar sobre a língua quando de sua realização oral ou escrita.

capítulo 336

cebam a funcionalidade desses elementos uns dentro dos outros. Palavras contêm letras, frases são feitas com palavras fei-tas com letras e assim por diante. O uso do texto é deveras importante no sentido de que as crianças entendam a funciona-lidade da escrita na elaboração de ideias e na representação do mundo e de si mes-mas.

C. Utilizar jogos com objetivos pedagógicos

que envolvam a escrita e a leitura:

Saiba MaisPara saber mais sobre isso, leia JOGO, BRINqUEDO, BRINCADEIRA e EDUCAÇÃO de Tizuco Morchida Kishimoto. São Paulo, Cortez, 1996.

• Bingodeletras,numerais,imagensepalavras.

B 1 N G OP Z Y J Ax 7 M 2 49 W P V US 8 H 6 L

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•Dominódeletras,palavraseimagens.

• Cartõesparapreenchercomletrasquefal-tam na palavra.

P I X

D. Utilizar o alfabeto móvel para construir pa-lavras e textos.

E. Promover com os alunos escrita espon-tânea para que seja possível perceber os avanços ocorridos com a escrita, ou seja, as mudanças de nível. Os alunos podem escrever textos ainda que não estejam al-fabetizados, utilizando as hipóteses que já tenham sobre a escrita (esta questão será ampliada no capítulo 4).

O que é necessário se considerar, nessa per-spectiva de alfabetização, é o fato de que, ao percorrer sua própria trajetória de aquisição da escrita e da leitura, os indivíduos criam uma espécie de intimidade com o código, desco-

capítulo 3 37

brindo detalhes importantes, por exemplo, características etimológicas (dizem respeito à origem) da língua que fazem sons idênticos serem grafados de forma distinta ou, ao con-trário, sons distintos serem grafados da mesma forma, como ocorre com a letra Z e a letra S.

resUmoNesse capítulo, apresentamos a teoria da Psi-cogênese da Escrita na perspectiva do processo da aquisição da leitura e da escrita, valendo-se dos tipos de abordagens pelas quais cada uma dessas concepções se realiza. Na primeira, ou seja, pelos métodos, a alfabetização se reali-za por um processo de natureza externa, que compreende o conhecimento da escrita como algo que é aprendido em sua forma já pron-ta. Na perspectiva da Psicogênese da Escrita, observa-se que o modo como o indivíduo con-strói o conhecimento da escrita e da leitura passa por níveis que revelam hipóteses as mais diversas sobre o texto escrito.

1. Faça um diagnóstico de escrita com quatro crianças em fase de alfabetização e descreve suas hipóteses de escrita e leitura. Para isso, tome alguns cuidados, entre eles, que escre-vam palavras que ainda não decoraram. Por exemplo, os próprios nomes ou os nomes de pessoas próximas ou palavras do livro da es-cola devem ser descartadas. Uma sugestão é pedir que escrevam o nome do brinquedo ou da comida de que mais elas gostam, de animais que voam ou que vivem na água etc.

2. Faça um resumo das ideias do capítulo.

Atividades:

referÊnciasFERREIRO, E. & TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médi-cas,1986.

MUKINA, Valeria. Psicologia na Idade Pré-esco-lar. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.

capítulo 4 39

Profa. Dra. Rossana Regina Guimarães Ramos Henz

Carga Horária | 15 horas

INTRODUÇÃO

Neste quarto capítulo, serão discutidas questões relativas ao processo de Letramento, tendo em vista as perspectivas atuais da leitura como fonte de conhecimento de mundo e consequentemen-te de transformações sociais. Dentre os aspectos aqui apresentados, destacamos o Letramento no contexto da alfabetização, bem como as implicações desse processo nos mais diversos campos do conhecimento.

No âmbito da leitura, trataremos aqui dos gêneros utilizados no universo pedagógico, visando à formação do leitor, eleitor e produtor de textos, ou seja, alguém que assume uma posição autô-noma em relação à construção do próprio conhecimento.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Apresentara concepçãodeLetramentoesuas perspectivas;

• Discutirasestratégiasdidáticasdealfabeti-zar e letrar;

• Contribuirparaacompreensãodoproces-so de letramento no momento atual da al-fabetização no Brasil.

o letramento

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1. lETRAMENTODas questões já discutidas anteriormente, sur-ge a necessidade de se tratar uma nova con-cepção que vem invadindo a escola. Trata-se do conceito de letramento, nos dias de hoje, bastante discutido pelas vertentes da Linguísti-ca e da Psicologia, que incentivam o processo de alfabetização a uma concepção funcional da escrita e da leitura, afastando-se cada vez mais do uso de métodos mecânicos outrora amplamente utilizados pelas cartilhas.

Em uma sociedade caracterizadamente como iletrada como a nossa, a escola deve desempe-nhar o papel de mediadora entre o objeto do conhecimento (a leitura) e o sujeito cognos-cente (o potencial leitor). Na prática, significa promover inúmeros meios para que a criança entre em efetivo contato com a leitura e a es-crita. Tal procedimento se opõe aos métodos sintéticos e analíticos que restringem a leitura aos textos limitados das cartilhas. O aprendiza-do da leitura por meio de soletração, silabação e palavração tem por objetivo desenvolver o aspecto mecânico da leitura, (decifração) des-considerando o significado que a leitura deve ter para o leitor, desde a mais tenra infância.

Considerando ser esse o primeiro fator de afastamento do texto escrito, podemos ir um pouco adiante. Examinando as práticas de lei-tura na escola, observamos que, após a crian-ça ultrapassar o período da decifração, os pro-fessores se deparam com a célebre pergunta: como promover o hábito da leitura? Muito já se postulou e ainda se postula sobre o assunto. Contudo, a resposta é simples e está contida também na Teoria piagetiana: há que se “apro-ximar” o sujeito do objeto, ou seja, o potencial leitor do texto escrito. quando se lê um poema

de Cecília Meireles, que bem soube “brincar” com as palavras em Ou Isto ou Aquilo, para uma criança de quatro ou cinco anos, estamos aproximando-a, não só do prazer sonoro, mas também dos inúmeros significados que o texto emana. Com isso, ela poderá descobrir novas e variadas formas de se dizer e contar o mundo.

Na escala das prioridades de se formar leitores, o primeiro passo é formar o professor-leitor, tendo em vista que não se pode ensinar aquilo que não se sabe, que não se pratica. Em se-guida, é preciso ter o instrumental necessário disponível nas salas de aulas: o material biblio-gráfico. Principalmente na escola pública, é raro encontrarmos bibliotecas com um acervo razoável e que esteja todo tempo aberta para visitação e empréstimo de obras.

A formação do verdadeiro leitor começa, sa-bemos, na aproximação com o texto. Um dos motivos que pode levar a criança a não que-rer aprender a ler é o distanciamento do livro, bem como o risco que toda aprendizagem supõe. Nessa perspectiva, é que se baseiam ultimamente os estudos sobre a formação do leitor. O chamado letramento consiste nessa aproximação entre a criança e o texto escrito. Considera-se que, quanto mais cedo haja esse contato, mais produtiva será a inserção dela no campo da leitura.

Contudo, há uma série de outros fatores que contribuem para formação do leitor, por exem-plo, a da leitura de escritas sociais que promo-vem mudanças na vida do indivíduo. Há tam-bém o interesse pela leitura que se desenvolve por meio de um impulso natural. Há pessoas que têm a leitura como fonte de prazer, pura e simplesmente.

Não há, portanto, uma metodologia que dê conta de formar um leitor, apesar das inúmeras pesquisas. O que podemos dizer seguramente é que a leitura é uma prática social envolvendo aspectos múltiplos. Em se tratando de um co-nhecimento sobre o qual a escola, nos dias de hoje, seja inteiramente responsável, é necessá-rio que nós, professores, nos voltemos para a observação dessa multiplicidade de aspectos que o tema suscita. Para cada indivíduo, em cada momento, deve ser colocada a leitura em uma determinada perspectiva.

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Tal procedimento implica sensibilidade e extre-ma atenção por parte de quem quer formar leitores que produzem sentido, não só para o texto lido, mas também para a própria vida.

2. AlFABETIzAÇÃO E lETRAMENTO: CONCEPÇÃO E AlCANCEConforme Magda Soares (1998:47), o letra-mento é estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam na escrita.

A concepção de letramento é recente e envol-ve diversos aspectos. O que pudemos verificar em pesquisas é que o letramento está além da alfabetização. Trata-se de um processo abran-gente que diferencia o decodificador do leitor. A ideia começa a ser discutida na França, em 1976, por J. Foucambert, que iniciou um mo-vimento teórico e prático, cujo objetivo estava na substituição de uma Pedagogia da Alfabeti-zação – a querela dos métodos voltada para a formação do decifrador – para uma Pedagogia da Leiturização, esta, sim, segundo o autor, comprometida com a formação do leitor.

A concepção de J. Foucambert chega ao Brasil quase duas décadas depois, por meio da publi-cação de sua obra A Leitura em questão, uma coletânea de textos polêmicos produzidos ao longo de vários anos. O alvo principal de sua tese está centrado em um programa desafia-dor que propõe a desescolarização da leitura. Desescolarizar a leitura significa que, tanto em relação às crianças quanto aos adultos, todas as instâncias educativas devem cuidar de for-mar o leitor, ou seja, a tarefa de formar leitores é um assunto comunitário que implica uma ação conjunta da sociedade.

A proposta de J. Foucambert passou a ser es-tudada e desenvolvida em várias áreas de estu-do, sobretudo na Educação e nas Ciências Lin-guísticas. No Brasil, da ideia de formar leitores surge a constatação de especialistas de que à medida que o problema do analfabetismo vai sendo superado, evidencia-se um novo fenô-meno: o do analfabeto funcional, ou seja, do

indivíduo que é capaz de decifrar o texto es-crito, mas que não adquire competência para usar a leitura e a escrita em sua prática social.

Com a denominação de letramento, a con-cepção que analisa a relação decifrador/leitor passa a ser discutida em vários campos, especi-ficamente nos da Sociolinguística e na Psicolin-guística, cujo enfoque está na prática social da escrita. Letramento ganhou estatuto de termo técnico e passou a ser usado frequentemente pelos especialistas que tratam da questão da formação do leitor. Conforme afirmamos antes, a questão é ampla e complexa, quando se trata de uma prática visando à formação do leitor.

Na visão dos defensores da ideia de que o lei-tor se forma pelas leituras significativas, na construção de uma relação intensa e prazerosa com o livro, as cartilhas que apresentam mé-todos mecânicos estão longe de atender aos propósitos do letramento. A língua, como ali se apresenta, desmontada, como um jogo de quebra-cabeça em letras, sílabas ou palavras soltas, nada significa para o sujeito-leitor que busca no texto um significado. O propósito dos métodos cartilhados, voltando a lembrar T. Ga-lhardo em seu prefácio da Cartilha da Infância (1964), é ler mais em menos tempo. Do que se pode inferir que, de fato, a concepção de letramento tal qual é apresentada atualmente não passa pela preocupação dos autores das cartilhas.

Mesmo nos livros atuais de alfabetização (car-tilhas com nova roupagem), observa-se a pre-ocupação com a questão mecânica da língua em detrimento dos sentidos que devem ser construídos pelo leitor. A chamada descontex-tualização - quando o texto não faz sentido para a realidade do leitor - é observada em

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textos que desconsideram o sentido, priorizan-do a forma, sobretudo, a preocupação com a repetição dos fonemas, espelhando os mo-delos das cartilhas do século Ix e meados do século xx.

Uma importante questão a ser levantada no debate leitor/decifrador, no que tange ao uso das cartilhas como material específico à alfabe-tização, está na visão histórico-social. Segundo expusemos, a preocupação com a formação do leitor, ou seja, com o letramento, é recente e oriunda de um fenômeno que sucede ao pro-blema do analfabetismo. No capítulo II deste livro, que trata das questões sócio-históricas, encontram-se evidências de que o analfabetis-mo foi objeto de extrema preocupação social. A partir dos anos 80, quando a questão foi parcialmente superada, surgem outras discus-sões, entre elas, a do letramento.

Aprender a ler com sentido é uma nova pers-pectiva que ainda não foi totalmente difun-dida e aplicada nos meios escolares, embora as academias (Universidades), já venham, há algum tempo, discutindo nos cursos de forma-ção de professores.

O poema a seguir, de uma estudante norte--americana, de origem asiática, ao escrever sua história pessoal de letramento, Kate M. Chong, apud M. Soares (op.cit.:42-43), em tradução adaptada, apresenta algumas importantes de-finições de letramento:

O qUE É LETRAMENTO?

Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado, não é treinamento repetitivo de uma habilidade,nem um marteloquebrando blocos de gramática.

Letramento é diversão É leitura à luz de velaOu lá fora, à luz do sol. São notícias sobre o presidente, O tempo, os artistas da TVe mesmo Mônica e Cebolinhanos jornais de domingo.

É uma receita de biscoito,uma lista de compras, recados colados na geladeira,um bilhete de amor, telegramas de parabéns e cartas de velhos amigos.

É viajar para países desconhecidos,sem deixar sua cama,é rir e chorar com personagens, heróis e grandes amigos.

É um Atlas do mundo,sinais de trânsito, caças ao tesouro,manuais, instruções, guias,e orientações em bulas de remédios, para que você não fique perdido.

Letramento é, sobretudo, um mapa do coração do homem,um mapa de quem você é,e de tudo que você pode ser.

A metalinguagem utilizada no poema eviden-cia competências do sujeito-leitor: processar as informações, ter prazer, adquirir conheci-mento de mundo e de si mesmo, desenvolver a capacidade crítica, ou seja, utilizar a leitura em sua prática social da leitura. Em contra--partida, pode-se dizer que o leitor sem letra-mento, o decifrador, lê, decodifica, mas não contextualiza.

A questão se aprofunda ainda mais quando se tratam dos mecanismos de alfabetização. Se-gundo as novas concepções produzidas pela psicogênese da escrita, o letramento deve co-meçar dos primeiros textos de leitura. A crian-ça, desde muito pequena em contato com o texto, passa a construir hipóteses que vão além do processo de decifração. Como pré-leitora, ou seja, ainda sem decodificar a escrita, ela é capaz de compreender aspectos extralinguís-ticos como a representação do pensamento e da fala, a correspondência entre símbolos (de-senhos) e o texto, assim como a funcionalida-de da escrita no âmbito da comunicação.

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A construção de hipóteses, não somente em relação à funcionalidade da leitura e da escrita, mas também na esfera da decodificação, pro-picia ao leitor uma espécie de intimidade com o texto escrito, em face de que a visão cons-truída do todo para as partes evidencia em pri-meiro plano a utilidade da escrita e da leitura, ou seja, o letramento. Ao contrário disso, se-gundo os opositores aos métodos cartilhados, a alfabetização que se realiza das partes para o todo limita a visão do alfabetizando, que se tornará leitor apenas quando dominar a mecâ-nica completa da leitura.

Na direção do letramento, devem ser adotadas determinadas condutas pedagógicas que dire-cionem não só os alfabetizandos, mas os alu-nos de maneira geral para leituras que propi-ciem o conhecimento de mundo. Desse modo, trazer para a sala de aula jornais, revistas, fil-mes, artigos, resenhas de livros, anúncios, do-cumentos oficiais, crônicas, contratos, cartas, ofícios, requerimentos, entre outros gêneros textuais e suportes de leitura, significa colocar o leitor em contato com a realidade do mundo letrado em que vive.

O que aparentemente nos soa como óbvio nessa recomendação, ainda não se realiza na prática, haja vista que o uso do livro didático como único suporte de leitura escolar ainda é uma realidade. Mesmo sem ampliar aqui a dis-cussão sobre o livro didático, podemos inferir que sua utilização como único suporte de lei-tura na sala de aula, restringe o conhecimento dos alunos, tendo em vista a forma superficial como os assuntos ali são tratados, sem con-tar com os inúmeros equívocos que ainda são cometidos nesses instrumentos pedagógicos com relação a determinadas informações.

Destacando aqui a questão da Alfabetização e Letramento, havemos de retomar os estudos anteriores e discutir como podemos alfabeti-zar e letrar simultaneamente, proporcionando aos alunos não somente a aprendizagem da tecnologia da escrita, mas também o desejado conhecimento de mundo.

Para alfabetizar e letrar, o professor deve utilizar a diversidade textual, ou seja, promover leituras e produções textuais que envolvam as práticas sociais de seus alunos. Assim sendo, sugerimos:

• Organizarumpainelcomrótulosdepro-dutos industrializados, classificados pela letra inicial;

• Fazerlistascomobjetosdacasa; • Solicitarquecopiemonomedarua(aveni-

da, travessa, estrada etc) onde residem; • Lerosavisosqueestãoexpostosnaescola; • Pesquisareescreverosnomeseprofissões

das pessoas da família; • Pesquisar e escrever nomes de animais e

plantas (fauna e flora) da região; • Fazer listadehábitosdehigiene,saúdee

bons hábitos; • Fazerresumosdoslivroslidosemformade

fichamento; • Pesquisar e escrever a história do lugar

onde vivem;

• Fazerlistadasobrigaçõesdiárias(agenda); • Organizarumjornal(mural)comaconteci-

mentos da classe; • Fazer com os alunos leituras diárias de

assuntos atuais, referentes à história, po-lítica, economia, saúde, prevenção de aci-dentes, entre outras questões.

As sugestões aqui apresentadas devem, contu-do, ser analisadas e contextualizadas mediante a realidade da comunidade escolar. Sabemos que o Brasil é um país de extensão continen-tal e que possui uma grande diversidade de culturas, realidades geográficas, linguísticas,

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sociais, econômicas, étnicas e, assim sendo, determinadas práticas fazem sentido em uma região e em outras não. Por exemplo, comuni-dades escolares localizadas em ilhas, assenta-mentos, regiões rurais, aldeias indígenas etc., certamente deverão ser vistas, a princípio, sob a égide de suas próprias práticas sociais a fim de que o conhecimento de mundo não venha de fora para dentro, mas do reconhecimento e da valorização da cultura local, como base do letramento. Colher histórias dos habitantes, descrever a paisagem, observar as mudanças, situar-se na sociedade em geral fazem os cami-nhos para o letramento se abrirem mais facil-mente e o conhecimento do resto do mundo possa ter mais sentido.

O estabelecimento de um letramento volta-do para a realidade dos alunos certamente não impede que simultaneamente o professor apresente-lhes conhecimentos de outras reali-dades socioculturais, geográficas, econômicas ou históricas. Pelo contrário, por meio da pró-pria história é que se chega a outros lugares, em outros tempos.

Na perspectiva do letramento, o professor am-plia a aquisição da tecnologia da escrita, não se limitando a ensinar aos alunos a identificar fonemas/letras, sílabas e palavras de sentido aleatório. O fator ideológico do discurso deve impregnar os textos utilizados para esse fim, a exemplo de uma professora de uma região onde os alunos moram em palafitas e que ini-ciou o processo de alfabetização discutindo os tipos de moradias nas perspectivas históri-ca, social, econômica e geográfica. Os alunos leram textos sobre assunto para em seguida iniciar a identificação dos elementos linguísti-cos. Com base no conhecimento adquirido no assunto, a professora organizou atividades de

escrita como essa, em que os alunos deveriam, por meio da palavra HABITAÇÃO, escrever ou-tras do mesmo campo semântico.

c H oupana A rranha-céu

B arracoEd I fício

Tapera pa A lafitapalho Ç amans à o

O ca

A atividade de escrita das palavras implica o empreendimento dos aspectos morfológicos da língua, como a busca pelas letras corres-pondentes, a identificação da escrita caracte-rística de cada palavra, bem como os aspectos cognitivos que compreendem a pesquisa sobre tipos de habitação.

Essa nova perspectiva de alfabetização, visan-do ao letramento, é o que se compreende hoje como mais uma tentativa de construir uma so-ciedade letrada em que todos os cidadãos pos-sam apoderar-se da leitura e da escrita como um meio de inclusão social nos mais diversos campos da vida. Utilizar a leitura e a escrita para ter acesso à informação, ao lazer e à con-strução do conhecimento é a principal meta em uma sociedade como a nossa que ainda carece de muitas transformações.

A grande questão gerada pela polêmica entre as duas formas de alfabetização, a mecânica e a funcional, está na imprecisão dos resultados de qual seja a mais eficiente receita para se for-mar um indivíduo letrado. O que já sabemos é que o processo de letramento deve iniciar mui-to cedo, quando a criança ainda não decodi-fica a língua escrita. Para isso, tanto a família quanto a escola, devem desenvolver práticas de leitura frequentes.

resUmoO presente capítulo tratou de discutir a per-spectiva de alfabetização e letramento com base na teoria da Psicogênese da Escrita, que possibilita ao alfabetizando o acesso a leitu-ras e escritas que dizem respeito a sua prática

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social, ou seja, a um tipo de texto que repre-senta suas relações sociais e têm a ver com a sua vida. Na direção contrária aos métodos de alfabetização tradicionais, contidos nas cartil-has, essa modalidade de aquisição da escrita e da leitura proporciona a seus partícipes uma ampliação do conhecimento da tecnologia da escrita para compreensão e conhecimento de mundo. Isto é, à medida que se alfabetiza, o indivíduo insere-se simultaneamente no uni-verso letrado.

1. Mediante as leituras realizadas neste capítulo, descreva a concepção de Letramento.

2. Entreviste dois(duas) professores(as) alfabetizadores(as), sobre a questão da alfabetização e do letramen-to em suas práticas pedagógicas. Descreva essas concepções.

3. Comente o quadrinho.

Atividades:

referÊnciasSOARES, Magda. Letramento:um tema em três gêneros. Belo Horizonte: CEALE, 1988.

_______________. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1987.

_______________. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: CEALE, 1998.

SOARES, G. M. R. & LEGEY, E. Fundamentos e metodologia da alfabetização: método natural. Rio de Janeiro: F. Alves, 1990.

SOARES, Magda. Concepções de Linguagem e o Ensino de Língua Portuguesa. In:

SOARES, Magda & MACIEL, Francisca. Alfabetização no Brasil, o estado do conhecimento. Brasí-lia, Comped/Inep, 2000.