Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

19
1 Nos novos mundos altamente conectados que estão emergindo no dealbar deste terceiro milênio, as empresas estão condenadas a inovar. Elas pressentem isso na forma de um imperativo categórico. Em alguns casos – como os das empresas do ramo do conhecimento, por exemplo – esse imperativo chega a ser dramático: inovação ou morte! Ora, inovação é mudança. É o surgimento do que ainda não existe. Para inovar é preciso mudar a maneira de fazer as coisas. Quem faz tudo sempre do mesmo modo não muda. As empresas também sabem disso. Eis a razão pela qual, em princípio, até se dispõem a avaliar qualquer mudança que lhes for proposta. O problema é que fazem isso, em geral, defensivamente. Deixam claro que prefeririam mudar sem mudar.

description

Texto de Augusto de Franco (2013)

Transcript of Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

Page 1: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

1

Nos novos mundos altamente conectados que estão emergindo no

dealbar deste terceiro milênio, as empresas estão condenadas a inovar.

Elas pressentem isso na forma de um imperativo categórico. Em alguns

casos – como os das empresas do ramo do conhecimento, por exemplo –

esse imperativo chega a ser dramático: inovação ou morte!

Ora, inovação é mudança. É o surgimento do que ainda não existe. Para

inovar é preciso mudar a maneira de fazer as coisas. Quem faz tudo

sempre do mesmo modo não muda. As empresas também sabem disso.

Eis a razão pela qual, em princípio, até se dispõem a avaliar qualquer

mudança que lhes for proposta. O problema é que fazem isso, em geral,

defensivamente. Deixam claro que prefeririam mudar sem mudar.

Page 2: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

2

Mudança sim, mas desde que não mude nada (do que consideram

essencial).

Por último, algumas empresas também já estão descobrindo que há uma

relação entre inovação e rede como padrão de organização (ou modo de

funcionamento). Sabem que suas organizações foram desenhadas para

alcançar a excelência na reprodução das mesmas coisas (mesmos

processos, mesmos produtos, mesmos serviços). Para tanto, seus modelos

de gestão almejam direcionar e disciplinar a interação, não deixá-la fluir

livremente. Um padrão de organização capaz de deixar a interação fluir é

o padrão de rede e não um padrão vertical.

O padrão de rede é aquele que proporciona múltiplos caminhos:

O padrão de organização atual das empresas é o padrão piramidal,

baseado na escassez de caminhos e desenhado para ensejar o comando e

o controle.

As empresas estão aprendendo isso do jeito mais árduo, ao constatar que

seus esforços para se tornar mais inovadoras não são tão bem-sucedidos

quanto gostariam. Desconfiam que esse insucesso tem a ver com a

incapacidade de mudar o seu padrão de organização (ou modo de

funcionamento) mas não sabem o que fazer para modificar tal padrão sem

colocar em risco seus negócios.

É importante não confundir os padrões centralizado, descentralizado e

distribuído de organização. O padrão descentralizado (que corresponde à

Page 3: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

3

hierarquia) é bem diferente do padrão distribuído (que corresponde à

rede).

Para entender melhor o que acontece, pode-se usar a metáfora do

software e do hardware. O termo software foi criado como um trocadilho

com o termo hardware (que significa ferramenta física). Software seria

tudo aquilo que faz a ferramenta funcionar excetuando-se sua parte física.

Software, quando usado no sentido de programa de computador, é uma

sequência de instruções a serem executadas pela máquina (o hardware,

no caso, o computador: suas unidades de processamento, memória e seus

dispositivos de entrada e saída).

Page 4: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

4

As empresas aceitam mudar softwares. Temem, porém, mexer no

hardware. O hardware é o padrão de organização da empresa.

Então as empresas acabam comprando qualquer novo software de

inovação. Desde que esteja garantido que não será necessário mudar o

seu hardware.

Consultores de inovação entram nesse jogo vendendo programas, cursos,

palestras motivacionais, vivências e outras metodologias e tecnologias

sociais que não mexem nas relações que fazem da empresa o que ela é.

Dizem, via de regra, que tal ou qual empresa (mas isso acaba valendo para

todas) não está ainda “culturalmente preparada” para mudanças abruptas

ou radicais.

O problema é que não adianta mudar o software se não se mudar o

hardware.

O hardware é a topologia da rede interna da empresa e da rede externa

que envolve o seu ecossistema (incluindo todos os stakeholders). Para

seguir com a metáfora, o modelo de gestão e o sistema de governança

estão gravados no hardware, são partes do firmware (o conjunto de

instruções operacionais programadas diretamente no hardware). Isso é

que é difícil mudar.

Pois enquanto o software pode ser alterado sem a troca de um

componente de hardware, o firmware não pode: ele está envolvido com

as operações básicas sem as quais o sistema não funciona mais nos

termos em que foi projetado.

Page 5: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

5

É isso, portanto, que deve ser mudado: o hardware, a estrutura (o padrão

de organização) que determina uma dinâmica (o modo de

funcionamento).

Mas quando se trata de mudança de hardware, a gerência média das

empresas liga o alerta vermelho. E não raro sabota as mudanças, mesmo

quando estas mudanças já foram determinadas pelo CEO e pela alta

direção da organização.

Algumas vezes são os CIOs que resistem, outras vezes são os chefes do RH

ou do Marketing e quase sempre o Jurídico.

Page 6: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

6

Todos esses agentes de departamentos acabam agindo como anticorpos

do velho sistema e se mobilizam com uma rapidez incrível quando o que

está em jogo é a mudança do padrão de organização.

O resultado é previsível: temos poucas mudanças quando mudamos para

não mudar.

As poucas mudanças que conseguem ser implementadas são incrementais

e, em geral, são incapazes de alterar a estrutura e a dinâmica da

organização como um todo.

As pessoas que têm tanto medo de mudar acreditam que estão sendo

responsáveis. Avaliam que qualquer mudança de hardware pode colocar

em risco a organização. Não conseguem compreender que não se trata de

destruir a empresa e sim de iniciar uma mudança de hardware e que essa

mudança não precisa ser feita de modo abrupto.

Sim, é claro que não se pode tomar uma empresa hierárquica e

transformá-la em uma empresa em rede de uma vez e, nem, em sua

totalidade.

No entanto, pode-se aumentar progressivamente o grau de distribuição

(e, consequentemente, de conectividade e interatividade) da rede social

que já existe em qualquer empresa (formada pelas conexões entre seus

colaboradores e demais stakeholders em geral).

Além disso, pode-se agilizar esse incremento do grau de distribuição em

áreas específicas de qualquer empresa, sobretudo naquela área mais

sensível (e compreensível por parte de seus dirigentes): a inovação.

Page 7: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

7

Bolhas de inovação – com topologia mais distribuída do que centralizada –

podem ser criadas em qualquer empresa hierárquica:

Do que se trata – em primeiro lugar – é de reconfigurar o ambiente físico e

virtual da empresa visando à criação de estruturas mais adequadas à

conectividade e à interatividade no seu ecossistema, ensejando a

precipitação de dinâmicas de inovação permanente.

Ou seja, do que se trata é de transitar para um padrão de rede mais

distribuída. Em outras palavras, isso significa aumentar o grau de

distribuição em áreas ou departamentos da empresa. Uma vez aberta uma

bolha com topologia mais distribuída do que centralizada, ela pode se

expandir. É a essa expansão que nos referimos quando falamos da

transição da empresa hierárquica para a empresa em rede:

Trata-se, porém, mais de não-fazer do que de fazer. Trata-se de remover

os obstáculos à distribuição, à conectividade e à interatividade que ainda

vigem – por herança de uma velha cultura hierárquica e fechada – na

maior parte das organizações. Esses obstáculos eram justificáveis em

organizações voltadas para a reprodução (para replicar em série os

mesmos processos, os mesmos produtos, os mesmos serviços). Mas

quando o assunto é inovação, eles estão se revelando não apenas

desnecessários, senão também prejudiciais.

Esse pode ser um dos motivos pelos quais a expectativa média de vida das

empresas está despencando (em um levantamento feito no âmbito da SP

500, essa expectativa caiu de 75 anos em 1937 para 15 anos em 2011 e

não há qualquer razão para acreditar que não continuará caindo).

Page 8: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

8

A fundamentação teórica de Netweaving Technologies se baseia em uma

interpretação de recentes descobertas da nova ciência das redes.

As aplicações de processos de rede em empresas desenvolvidas por

Netweaving Technologies propõem mudança progressiva de hardware

combinada com reprogramação ágil visando criar ambientes favoráveis à

adaptação dos negócios às novas dinâmicas emergentes de uma

sociedade em rede.

Entre os fatores-chave que favorecem a tempestividade de tal adaptação

estão, entre outros, a satisfação dos colaboradores e outros

stakeholders, a reputação da marca, o grau de inovatividade e a

organicidade do ecossistema empresarial. Existem evidências de que o

incremento dessas variáveis pode levar ao aumento das chances de

sustentabilidade das empresas e à geração de novas constelações de

negócios.

Em todos os casos trata-se de ensaiar processos de rede em empresas (e

seus ecossistemas) capazes de ensejar a conformação de novos

ambientes criativos e mais aptos a mudar de acordo com a mudança das

circunstâncias (quer dizer, de ter mais chances de sustentabilidade).

Page 9: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

9

PPRROOCCEESSSSOOSS DDEE RREEDDEE EEMM EEMMPPRREESSAASS

A sustentabilidade é um resultado sistêmico do relacionamento de muitas

variáveis e não apenas do crescimento e da produtividade. A inovatividade

(geralmente desconsiderada ou mal-considerada) é uma variável cada vez

mais decisiva para que não se constelem relações aziagas capazes de levar

a organização ao colapso, mesmo em condições de alto crescimento.

Risco sistêmico: uma consequência de inadaptação

Pode haver risco sistêmico quando algumas relações perigosas entre essas

variáveis (crescimento, produtividade e inovatividade) se estabelecem.

Por exemplo, a perda de produtividade em função de alto crescimento

incidindo simultaneamente com a perda de produtividade em função de

baixa inovatividade, pode levar à perda de sustentabilidade. Quando isso

acontece o sistema não pode mais se manter como tal (quer dizer, não

consegue mais conservar a sua adaptação por meio dos mesmos

processos com que conserva a sua organização): neste caso, mesmo que

continue crescendo, o sistema pode colapsar a qualquer momento. Em

outras palavras, o risco sistêmico é o risco do sistema se desconstituir ou

morrer (perder sustentabilidade).

Com a transição para uma sociedade cada vez mais em rede, todas as

organizações (mais centralizadas do que distribuídas) ficaram vulneráveis

ao risco sistêmico. E quanto mais insistem em manter padrões

centralizados, em dissonância com o padrão de rede distribuída que se

Page 10: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

10

espalha rapidamente por todo lugar, mais vulneráveis ficam essas

organizações.

Por outro lado, a boa notícia é que o risco sistêmico tende a cair com a

transição para rede, quer dizer, quando a organização aumenta os graus

de distribuição de suas estruturas, ficando mais tramada por dentro e

mais conectada para fora.

Observa-se uma correlação direta entre os graus de distribuição, de

conectividade e de interatividade. Organizações que querem aumentar

suas chances de sustentabilidade (reduzindo o risco sistêmico) devem,

portanto, iniciar - antes que seja tarde demais - processos de transição

organizacional, reestruturando seus ambientes virtuais, físicos e de

desenvolvimento no sentido de alcançar mais distribuição, mais

conectividade e mais interatividade. Há fortes evidências de que

ambientes favoráveis à inovatividade são ambientes de alta interatividade

(que é função, por sua vez, da conectividade e do grau de distribuição).

Como sustentável é o que consegue ser autocriativo, sendo capaz de

mudar congruente e tempestivamente com as mudanças das

circunstâncias, como tudo que é sustentável tem o padrão de rede e como

o caminho para a rede é a própria rede, parece óbvio que a principal

tarefa - do ponto de vista da sustentabilidade - é implantar processos de

rede em empresas.

No entanto, não é tão fácil. Sabe-se que a burocracia gerencial conspira

contra qualquer processo de rede em empresas mas isso não ocorre por

uma intenção consciente de destruir e sim em razão da própria cultura

Page 11: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

11

organizacional que, como qualquer cultura, tenta apenas conservar as

circularidades que lhe são inerentes e os redemoinhos de fluxos que a

definem; ou seja, os agentes do sistema tentam apenas conservar a

organização (tal como ela é).

É automático, é quase como uma homeostase: uma regulação do

ambiente interno para manter uma condição estável mediante múltiplos

ajustes de equilíbrio dinâmico controlados por mecanismos de regulação

inter-relacionados. Uma organização que não fizesse isso se

desconstituiria como tal, quer dizer como sistema.

Homeostase x alostase: permanecer o mesmo ou ser-variável?

O problema é que quando o ambiente muda radicalmente o processo

homeostático não é mais capaz de manter o organismo, requerendo-se

algo como uma alostase. Na verdade a homeostase é um conceito

impotente para revelar o que de fato acontece em ambientes de alta

interatividade.

A rigor a alostase é um outro padrão explicativo que se faz necessário

quando passamos a considerar a interação com o meio, realidade que

Walter Cannon (1932) não pode captar adequadamente quando propôs -

no livro A sabedoria do corpo - o termo homeostase, conceito que funde

os termos gregos homeo = similar ou igual e stasis = estático (1). A

metáfora homeostase x alostase vem a calhar aqui pelo seu forte

potencial heurístico.

Page 12: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

12

Na homeostase imagina-se um grau de independência do organismo em

relação ao meio externo que é funcional para conservar o seu padrão de

organização. Há um conjunto de proteções para remover as influências

externas sobre o funcionamento das partes internas do sistema. Em

outras palavras, a vida do sistema depende da fixidez do ambiente

interno. A estabilidade é a chave. Existem processos endógenos que

previnem flutuações que comprometam a fisiologia do organismo. Cada

perturbação vinda do ambiente é corrigida pelo acionamento de um

mecanismo interno que incrementa uma atividade compensadora para

neutralizar o distúrbio (2).

O conceito de alostase - do grego allo = variável e stasis = estático - foi

concebido por Peter Sterling e Joseph Eyer (1988) tendo como propósito

caracterizar a estabilidade através da mudança ("remaining stable by

being variable") (3). Na alostase, ao contrário da homeostase, o propósito

da regulação não é a constância e sim a eficiência. Há mudanças

estruturais e funcionais congruentes com as mudanças externas. Os

parâmetros e os processos mudam continuamente com a mudança das

circunstâncias. A única constante no organismo é o curso temporal da

mudança, vale dizer, sua história fenotípica. O que distingue a organização

é a sua trajetória particular de adaptações e não o seu formato original

(um estado fixo nas condições de "steady-state") (4).

Diz-se que a metáfora vem a calhar porque as burocracias gerenciais

pensam em termos de homeostase e não de alostase (na verdade eles não

chegam muito perto nem da ideia de homeostase). Querem conservar um

"steady-state" e julgam que fazer isso é fundamental para manter a

Page 13: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

13

integridade da organização. Mas numa sociedade cada vez mais em rede,

quer dizer, nos Highly Connected Worlds e, consequentemente, em

mundos de alta interatividade, isso não é mais possível. Nem como

paradigma. Pois não há como desconsiderar os múltiplos fluxos interativos

que pervadem a organização e seu ecossistema e atravessam as suas

fronteiras de fora para dentro e de dentro para fora.

Os gestores das organizações centralizadas e supostamente fechadas (sim,

eles continuam acreditando - a despeito de muitas vezes declararem o

contrário - que suas fronteiras são impermeáveis ou quase) não

acordaram ainda para isso. Mesmo quando - pressionados pelo imperativo

de inovar para sobreviver - admitem racionalmente a necessidade de

transitar para um padrão de rede mais distribuída, para aumentar a

conectividade e a interatividade de seus ambientes, seus modelos,

instrumentos e procedimentos bloqueiam ou neutralizam processos de

rede em empresas.

Métricas centralizadas em ambientes distribuídos

Um dos meios pelos quais processos de redes em empresas são

neutralizados e destruídos pela hierarquia é a adoção de métricas válidas

para ambientes centralizados em ambientes distribuídos para avaliar

resultados.

Page 14: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

14

Antes de qualquer coisa há um problema com o conceito de resultado.

Resultado para o velho sistema produtivo é o que sai da máquina. Parece

“lógico”... Mas não se vê, assim, a relação entre resultado e processo.

Em redes, o processo é – via de regra – o resultado mais orgânico e não o

produto. Ou, em outras palavras, o principal produto é o processo (manter

o corpo vivo). Mas se queremos usar instrumentalmente as redes para

obter os mesmos resultados (os mesmos produtos) que obtínhamos com

estruturas e dinâmicas centralizadas e de baixa interatividade, então

somos tentados a adotar os mesmos indicadores de resultados, ou seja, as

mesmas métricas. E aí a coisa não funciona.

Indicadores para processos de rede

Quais seriam então indicadores adequados para processos de rede

implantados em empresas?

Qualquer indicador que revele os graus de distribuição, conectividade ou

interatividade pode ser utilizado, desde que não se queira medir essas

variáveis a partir do modelo de gestão descentralizado, ou seja,

considerando apenas os fluxos que percorrem os caminhos autorizados,

reconhecidos como válidos, permitidos e preestabelecidos. Mesmo se

fizermos uma SNA (Social Network Analysis) ou até uma DNA (Dynamic

Network Analysis), os grafos resultantes não revelarão os caminhos

realmente existentes mas, predominantemente, aqueles que podem ser

depreendidos do sistema de governança vigente. Eles decalcarão, em

Page 15: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

15

grande medida, as configurações compostas pelos laços fortes

(hierárquicos, funcionais) e não as configurações da rede social que existe

de fato na empresa (com todos os seus laços fracos) e que, via de regra,

está submersa, sufocada por camadas e camadas de entulho hierárquico.

Por exemplo, eles revelarão a qual colega de departamento ou a qual

gerente uma pessoa recorre para tirar um dúvida ou pedir um conselho

relacionado a assuntos de trabalho, mas omitirão a paquera com aquela

moça que cuida do caixa da lanchonete. Eles dificilmente revelarão as

conexões estabelecidas com pessoas do ecossistema (com os

considerados stakeholders "externos") da empresa e com outras pessoas

dos emaranhados de cada um (com, pelo menos, até três graus de

separação).

Não é que não seja útil realizar uma SNA ou DNA da empresa. O problema

é que esses tipos de análise, em geral (e quase todas elas são a mesma

coisa, porquanto baseadas nas mesmas perguntas ou em perguntas muito

semelhantes), recolhem elementos que seriam significativos, quando

muito, para um modelo explicativo baseado em homeostase e não em

alostase.

Assim, essas análises terão dificuldades de identificar, em toda sua

amplitude, os novos papéis sociais que emergem na rede social realmente

existente na empresa e no seu ecossistema. Revelarão hubs, por certo,

mas não netweavers (5); poderão até captar catalisadores de

comunidades de projeto, mas deixarão escapar guardiães do kernel (6). E

sobretudo - o que é mais relevante para o tema que estamos tratando

aqui - não desvendarão as condições para o surgimento de inovadores; ou

Page 16: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

16

seja, não servirão muito para orientar a configuração de ambientes

favoráveis à inovação, vale dizer, não fornecerão elementos suficientes

para a construção de indicadores de inovatividade. Por conseguinte não

são uma boa resposta para a questão de como avaliar o risco sistêmico de

uma empresa.

Processos de rede em empresas devem ser medidos pelo que são:

fenômenos desencadeados na rede social realmente existente na

empresa. Ora, redes sociais são pessoas interagindo. Portanto, medir

processos de rede é, de certo modo, avaliar interatividade. Mas

interatividade não é bem interagir mais, com mais frequência ou

intensidade (de maneira mais "forte" ou com vínculos mais "sólidos" ou

permanentes) e sim estar mais aberto à interação (fortuita e "fraca") com

o outro: não com o outro conhecido, não com aquele com o qual a

interação já é esperada (em virtude dos laços hierárquicos, funcionais ou

de coleguismo existentes) e sim com o outro-imprevisível. O que se deve

avaliar, portanto, é a configuração do ambiente por meio de instrumentos

(algo, assim, mal-comparando, como "fluxômetros") que sejam capazes de

fornecer, a qualquer momento, as características do fluxo interativo (sua

"temperatura", sua "pressão" ou seu "volume" e sua "velocidade"). Tais

instrumentos fornecerão sempre medições indiretas, relacionáveis -

dentro de certos limites - à descrições (aproximativas) do ambiente do

ponto de vista da sua abertura à interação.

Avaliar a abertura à interação dos ambientes virtuais, físicos e de

desenvolvimento da empresa a partir da percepção das pessoas que se

relacionam nesses ambientes é um caminho possível. Neste caso os

Page 17: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

17

instrumentos podem, por exemplo, começar com simples questionários

aplicados a essas pessoas (desde que as perguntas certas sejam feitas).

Instrumentos mais sofisticados, que tabulem e traduzam as respostas

dessas pessoas em medidas capazes de revelar características do fluxo

interativo a cada momento também podem ser construídos (7).

Concluindo. A rede é um "bicho vivo", quer dizer, autocriativo. Métricas

de rede não podem avaliar o que a rede não é. Não podem avaliar o

produto da "fábrica" e sim o processo que mantém o corpo-vivo (segundo

um padrão alostático de explicação). Não podem avaliar o desempenho de

um instrumento, a eficiência de uma ferramenta, a eficácia de uma ação, a

efetividade (ou o impacto) de uma iniciativa planejada ou a obtenção de

um resultado esperado.

Mil vezes melhor seria observar o surgimento de resultados inesperados.

Sim, a criação (ou a inovação) é sempre um resultado inesperado. E a

inovação refrata sempre um processo de rede acontecendo no íntimo de

um emaranhado humano: subterraneamente, crescendo escondido como

um grão germinando.

Page 18: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

18

NOTAS

(1) CANNON, Walter (1932). A sabedoria do corpo. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1946. (The wisdom of the body. Boston: The Norton Library, 1963).

(2) Cf. VALÉRIO, Marcos Antonio (2012): Homeostase e Alostase. Disponível em

http://marcosavalerio.blogspot.com.br/2012/02/homeostase-e-alostase.html

(3) Cf. STERLING, P. & EYER, J. (1988). Allostasis: A new paradigm to explain arousal

pathology. In: S. Fisher and J. Reason (Eds.), Handbook of Life Stress, Cognition and

Health. John Wiley & Sons, New York.

(4). VALÉRIO, M. (2012). Op. cit.

(5) Netweaver é quem se dedica ao netweaving. Não se sabe bem onde surgiu pela

primeira vez o termo ‘netweaving’ para designar genericamente articulação e

animação de redes sociais. A palavra ‘netweaving’ pode ser encontrada em um artigo

de março de 1998: “Netweaving alternative futures – Information technocracy or

communicative community?” de Tony Stevenson. O termo foi desenvolvido e

largamente empregado por Augusto de Franco, a partir de 2008, com outro sentido,

afinal consolidado em Fluzz (2011), sobretudo no tópico final do Capítulo 7, intitulado

“Reprogramando sociosferas” e no tópico “Netweaver howto” do Capítulo 9. Cf.

STEVENSON, Tony (1998). Netweaving alternative futures: Information technocracy or

communicative community?

http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0016328798000263 Há também

outros usos da palavra, mais ou menos sérios, quer como Network Weaving ou como

NetWeaving: http://www.networkweaver.blogspot.com.br/ e

http://www.netweaving.com/. Cf. também FRANCO, Augusto (2011). Fluzz: vida

humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro

milênio. São Paulo: Escola de Redes, 2011. Fluzz Serie completa disponível em

http://www.slideshare.net/augustodefranco/fluzz-srie-completa

Page 19: Netweaving Technologies | PROCESSOS DE REDE EM EMPRESAS

19

(6) Guardião do Kernel é uma função emergente em redes mais distribuídas do que

centralizadas. O conceito vem do Linux e ficou conhecido de um público mais amplo de

leitores quando apareceram as primeiras reportagens sobre Marcelo Tosatti, o

"guardião do kernel", ou o "garotão de 19 anos que cuida do coração do Linux" (como

anunciou a revista Info-Exame). Na verdade, não é uma função eleita, surgida em um

ambiente participativo e sim uma "funcionalidade" que surge com a fenomenologia da

interação observada nas redes (sobretudo nas redes distribuídas ou mais distribuídas

do que centralizadas). O Guardião do Kernel não é o líder que lidera tudo (na base da

monoliderança) nem, muito menos, o chefe ou o coordenador de um movimento ou

entidade centralizada. Não é um cargo hierárquico, que obrigaria a seu detentor a

consultar ou pedir permissão a um superior para fazer qualquer coisa não prevista nas

rotinas aceitas (admitidas pela maioria) ou estabelecidas institucionalmente por

qualquer processo autocrático ou democrático-participativo. Abstraindo o caso

concreto de Tosatti (que nem se aplica plenamente à nova função tratada aqui), o

Guardião do Kernel é todo aquele que atua como tal para preservar a integridade do

coração (propósito atribuível) de um sistema. Não é indicado por ninguém, conquanto

possa ser removido por uma comunidade que não aceite seu comportamento. Mas,

caso isso não ocorra, sua atuação como guardião é assentida pela rede (sem a

necessidade de verificação por qualquer processo que gere artificialmente escassez,

como a votação, a construção administrada de consenso, o rodízio ou o sorteio). E é

uma função móvel (ninguém é guardião para sempre) e não exclusiva (pode haver

mais de um guardião simultaneamente e se atuarem em sinergia dificilmente essa

duplicidade ou multiplicidade será percebida como um problema). Nenhuma

organização que reúna muitas pessoas conseguirá manter seu propósito por muito

tempo sem um ou vários guardiães do kernel.

(7) Alguns desses instrumentos foram desenvolvidos no LABE=R por Netweaving

Technologies.