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Nos novos mundos altamente conectados que estão emergindo no
dealbar deste terceiro milênio, as empresas estão condenadas a inovar.
Elas pressentem isso na forma de um imperativo categórico. Em alguns
casos – como os das empresas do ramo do conhecimento, por exemplo –
esse imperativo chega a ser dramático: inovação ou morte!
Ora, inovação é mudança. É o surgimento do que ainda não existe. Para
inovar é preciso mudar a maneira de fazer as coisas. Quem faz tudo
sempre do mesmo modo não muda. As empresas também sabem disso.
Eis a razão pela qual, em princípio, até se dispõem a avaliar qualquer
mudança que lhes for proposta. O problema é que fazem isso, em geral,
defensivamente. Deixam claro que prefeririam mudar sem mudar.
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Mudança sim, mas desde que não mude nada (do que consideram
essencial).
Por último, algumas empresas também já estão descobrindo que há uma
relação entre inovação e rede como padrão de organização (ou modo de
funcionamento). Sabem que suas organizações foram desenhadas para
alcançar a excelência na reprodução das mesmas coisas (mesmos
processos, mesmos produtos, mesmos serviços). Para tanto, seus modelos
de gestão almejam direcionar e disciplinar a interação, não deixá-la fluir
livremente. Um padrão de organização capaz de deixar a interação fluir é
o padrão de rede e não um padrão vertical.
O padrão de rede é aquele que proporciona múltiplos caminhos:
O padrão de organização atual das empresas é o padrão piramidal,
baseado na escassez de caminhos e desenhado para ensejar o comando e
o controle.
As empresas estão aprendendo isso do jeito mais árduo, ao constatar que
seus esforços para se tornar mais inovadoras não são tão bem-sucedidos
quanto gostariam. Desconfiam que esse insucesso tem a ver com a
incapacidade de mudar o seu padrão de organização (ou modo de
funcionamento) mas não sabem o que fazer para modificar tal padrão sem
colocar em risco seus negócios.
É importante não confundir os padrões centralizado, descentralizado e
distribuído de organização. O padrão descentralizado (que corresponde à
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hierarquia) é bem diferente do padrão distribuído (que corresponde à
rede).
Para entender melhor o que acontece, pode-se usar a metáfora do
software e do hardware. O termo software foi criado como um trocadilho
com o termo hardware (que significa ferramenta física). Software seria
tudo aquilo que faz a ferramenta funcionar excetuando-se sua parte física.
Software, quando usado no sentido de programa de computador, é uma
sequência de instruções a serem executadas pela máquina (o hardware,
no caso, o computador: suas unidades de processamento, memória e seus
dispositivos de entrada e saída).
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As empresas aceitam mudar softwares. Temem, porém, mexer no
hardware. O hardware é o padrão de organização da empresa.
Então as empresas acabam comprando qualquer novo software de
inovação. Desde que esteja garantido que não será necessário mudar o
seu hardware.
Consultores de inovação entram nesse jogo vendendo programas, cursos,
palestras motivacionais, vivências e outras metodologias e tecnologias
sociais que não mexem nas relações que fazem da empresa o que ela é.
Dizem, via de regra, que tal ou qual empresa (mas isso acaba valendo para
todas) não está ainda “culturalmente preparada” para mudanças abruptas
ou radicais.
O problema é que não adianta mudar o software se não se mudar o
hardware.
O hardware é a topologia da rede interna da empresa e da rede externa
que envolve o seu ecossistema (incluindo todos os stakeholders). Para
seguir com a metáfora, o modelo de gestão e o sistema de governança
estão gravados no hardware, são partes do firmware (o conjunto de
instruções operacionais programadas diretamente no hardware). Isso é
que é difícil mudar.
Pois enquanto o software pode ser alterado sem a troca de um
componente de hardware, o firmware não pode: ele está envolvido com
as operações básicas sem as quais o sistema não funciona mais nos
termos em que foi projetado.
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É isso, portanto, que deve ser mudado: o hardware, a estrutura (o padrão
de organização) que determina uma dinâmica (o modo de
funcionamento).
Mas quando se trata de mudança de hardware, a gerência média das
empresas liga o alerta vermelho. E não raro sabota as mudanças, mesmo
quando estas mudanças já foram determinadas pelo CEO e pela alta
direção da organização.
Algumas vezes são os CIOs que resistem, outras vezes são os chefes do RH
ou do Marketing e quase sempre o Jurídico.
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Todos esses agentes de departamentos acabam agindo como anticorpos
do velho sistema e se mobilizam com uma rapidez incrível quando o que
está em jogo é a mudança do padrão de organização.
O resultado é previsível: temos poucas mudanças quando mudamos para
não mudar.
As poucas mudanças que conseguem ser implementadas são incrementais
e, em geral, são incapazes de alterar a estrutura e a dinâmica da
organização como um todo.
As pessoas que têm tanto medo de mudar acreditam que estão sendo
responsáveis. Avaliam que qualquer mudança de hardware pode colocar
em risco a organização. Não conseguem compreender que não se trata de
destruir a empresa e sim de iniciar uma mudança de hardware e que essa
mudança não precisa ser feita de modo abrupto.
Sim, é claro que não se pode tomar uma empresa hierárquica e
transformá-la em uma empresa em rede de uma vez e, nem, em sua
totalidade.
No entanto, pode-se aumentar progressivamente o grau de distribuição
(e, consequentemente, de conectividade e interatividade) da rede social
que já existe em qualquer empresa (formada pelas conexões entre seus
colaboradores e demais stakeholders em geral).
Além disso, pode-se agilizar esse incremento do grau de distribuição em
áreas específicas de qualquer empresa, sobretudo naquela área mais
sensível (e compreensível por parte de seus dirigentes): a inovação.
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Bolhas de inovação – com topologia mais distribuída do que centralizada –
podem ser criadas em qualquer empresa hierárquica:
Do que se trata – em primeiro lugar – é de reconfigurar o ambiente físico e
virtual da empresa visando à criação de estruturas mais adequadas à
conectividade e à interatividade no seu ecossistema, ensejando a
precipitação de dinâmicas de inovação permanente.
Ou seja, do que se trata é de transitar para um padrão de rede mais
distribuída. Em outras palavras, isso significa aumentar o grau de
distribuição em áreas ou departamentos da empresa. Uma vez aberta uma
bolha com topologia mais distribuída do que centralizada, ela pode se
expandir. É a essa expansão que nos referimos quando falamos da
transição da empresa hierárquica para a empresa em rede:
Trata-se, porém, mais de não-fazer do que de fazer. Trata-se de remover
os obstáculos à distribuição, à conectividade e à interatividade que ainda
vigem – por herança de uma velha cultura hierárquica e fechada – na
maior parte das organizações. Esses obstáculos eram justificáveis em
organizações voltadas para a reprodução (para replicar em série os
mesmos processos, os mesmos produtos, os mesmos serviços). Mas
quando o assunto é inovação, eles estão se revelando não apenas
desnecessários, senão também prejudiciais.
Esse pode ser um dos motivos pelos quais a expectativa média de vida das
empresas está despencando (em um levantamento feito no âmbito da SP
500, essa expectativa caiu de 75 anos em 1937 para 15 anos em 2011 e
não há qualquer razão para acreditar que não continuará caindo).
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A fundamentação teórica de Netweaving Technologies se baseia em uma
interpretação de recentes descobertas da nova ciência das redes.
As aplicações de processos de rede em empresas desenvolvidas por
Netweaving Technologies propõem mudança progressiva de hardware
combinada com reprogramação ágil visando criar ambientes favoráveis à
adaptação dos negócios às novas dinâmicas emergentes de uma
sociedade em rede.
Entre os fatores-chave que favorecem a tempestividade de tal adaptação
estão, entre outros, a satisfação dos colaboradores e outros
stakeholders, a reputação da marca, o grau de inovatividade e a
organicidade do ecossistema empresarial. Existem evidências de que o
incremento dessas variáveis pode levar ao aumento das chances de
sustentabilidade das empresas e à geração de novas constelações de
negócios.
Em todos os casos trata-se de ensaiar processos de rede em empresas (e
seus ecossistemas) capazes de ensejar a conformação de novos
ambientes criativos e mais aptos a mudar de acordo com a mudança das
circunstâncias (quer dizer, de ter mais chances de sustentabilidade).
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PPRROOCCEESSSSOOSS DDEE RREEDDEE EEMM EEMMPPRREESSAASS
A sustentabilidade é um resultado sistêmico do relacionamento de muitas
variáveis e não apenas do crescimento e da produtividade. A inovatividade
(geralmente desconsiderada ou mal-considerada) é uma variável cada vez
mais decisiva para que não se constelem relações aziagas capazes de levar
a organização ao colapso, mesmo em condições de alto crescimento.
Risco sistêmico: uma consequência de inadaptação
Pode haver risco sistêmico quando algumas relações perigosas entre essas
variáveis (crescimento, produtividade e inovatividade) se estabelecem.
Por exemplo, a perda de produtividade em função de alto crescimento
incidindo simultaneamente com a perda de produtividade em função de
baixa inovatividade, pode levar à perda de sustentabilidade. Quando isso
acontece o sistema não pode mais se manter como tal (quer dizer, não
consegue mais conservar a sua adaptação por meio dos mesmos
processos com que conserva a sua organização): neste caso, mesmo que
continue crescendo, o sistema pode colapsar a qualquer momento. Em
outras palavras, o risco sistêmico é o risco do sistema se desconstituir ou
morrer (perder sustentabilidade).
Com a transição para uma sociedade cada vez mais em rede, todas as
organizações (mais centralizadas do que distribuídas) ficaram vulneráveis
ao risco sistêmico. E quanto mais insistem em manter padrões
centralizados, em dissonância com o padrão de rede distribuída que se
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espalha rapidamente por todo lugar, mais vulneráveis ficam essas
organizações.
Por outro lado, a boa notícia é que o risco sistêmico tende a cair com a
transição para rede, quer dizer, quando a organização aumenta os graus
de distribuição de suas estruturas, ficando mais tramada por dentro e
mais conectada para fora.
Observa-se uma correlação direta entre os graus de distribuição, de
conectividade e de interatividade. Organizações que querem aumentar
suas chances de sustentabilidade (reduzindo o risco sistêmico) devem,
portanto, iniciar - antes que seja tarde demais - processos de transição
organizacional, reestruturando seus ambientes virtuais, físicos e de
desenvolvimento no sentido de alcançar mais distribuição, mais
conectividade e mais interatividade. Há fortes evidências de que
ambientes favoráveis à inovatividade são ambientes de alta interatividade
(que é função, por sua vez, da conectividade e do grau de distribuição).
Como sustentável é o que consegue ser autocriativo, sendo capaz de
mudar congruente e tempestivamente com as mudanças das
circunstâncias, como tudo que é sustentável tem o padrão de rede e como
o caminho para a rede é a própria rede, parece óbvio que a principal
tarefa - do ponto de vista da sustentabilidade - é implantar processos de
rede em empresas.
No entanto, não é tão fácil. Sabe-se que a burocracia gerencial conspira
contra qualquer processo de rede em empresas mas isso não ocorre por
uma intenção consciente de destruir e sim em razão da própria cultura
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organizacional que, como qualquer cultura, tenta apenas conservar as
circularidades que lhe são inerentes e os redemoinhos de fluxos que a
definem; ou seja, os agentes do sistema tentam apenas conservar a
organização (tal como ela é).
É automático, é quase como uma homeostase: uma regulação do
ambiente interno para manter uma condição estável mediante múltiplos
ajustes de equilíbrio dinâmico controlados por mecanismos de regulação
inter-relacionados. Uma organização que não fizesse isso se
desconstituiria como tal, quer dizer como sistema.
Homeostase x alostase: permanecer o mesmo ou ser-variável?
O problema é que quando o ambiente muda radicalmente o processo
homeostático não é mais capaz de manter o organismo, requerendo-se
algo como uma alostase. Na verdade a homeostase é um conceito
impotente para revelar o que de fato acontece em ambientes de alta
interatividade.
A rigor a alostase é um outro padrão explicativo que se faz necessário
quando passamos a considerar a interação com o meio, realidade que
Walter Cannon (1932) não pode captar adequadamente quando propôs -
no livro A sabedoria do corpo - o termo homeostase, conceito que funde
os termos gregos homeo = similar ou igual e stasis = estático (1). A
metáfora homeostase x alostase vem a calhar aqui pelo seu forte
potencial heurístico.
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Na homeostase imagina-se um grau de independência do organismo em
relação ao meio externo que é funcional para conservar o seu padrão de
organização. Há um conjunto de proteções para remover as influências
externas sobre o funcionamento das partes internas do sistema. Em
outras palavras, a vida do sistema depende da fixidez do ambiente
interno. A estabilidade é a chave. Existem processos endógenos que
previnem flutuações que comprometam a fisiologia do organismo. Cada
perturbação vinda do ambiente é corrigida pelo acionamento de um
mecanismo interno que incrementa uma atividade compensadora para
neutralizar o distúrbio (2).
O conceito de alostase - do grego allo = variável e stasis = estático - foi
concebido por Peter Sterling e Joseph Eyer (1988) tendo como propósito
caracterizar a estabilidade através da mudança ("remaining stable by
being variable") (3). Na alostase, ao contrário da homeostase, o propósito
da regulação não é a constância e sim a eficiência. Há mudanças
estruturais e funcionais congruentes com as mudanças externas. Os
parâmetros e os processos mudam continuamente com a mudança das
circunstâncias. A única constante no organismo é o curso temporal da
mudança, vale dizer, sua história fenotípica. O que distingue a organização
é a sua trajetória particular de adaptações e não o seu formato original
(um estado fixo nas condições de "steady-state") (4).
Diz-se que a metáfora vem a calhar porque as burocracias gerenciais
pensam em termos de homeostase e não de alostase (na verdade eles não
chegam muito perto nem da ideia de homeostase). Querem conservar um
"steady-state" e julgam que fazer isso é fundamental para manter a
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integridade da organização. Mas numa sociedade cada vez mais em rede,
quer dizer, nos Highly Connected Worlds e, consequentemente, em
mundos de alta interatividade, isso não é mais possível. Nem como
paradigma. Pois não há como desconsiderar os múltiplos fluxos interativos
que pervadem a organização e seu ecossistema e atravessam as suas
fronteiras de fora para dentro e de dentro para fora.
Os gestores das organizações centralizadas e supostamente fechadas (sim,
eles continuam acreditando - a despeito de muitas vezes declararem o
contrário - que suas fronteiras são impermeáveis ou quase) não
acordaram ainda para isso. Mesmo quando - pressionados pelo imperativo
de inovar para sobreviver - admitem racionalmente a necessidade de
transitar para um padrão de rede mais distribuída, para aumentar a
conectividade e a interatividade de seus ambientes, seus modelos,
instrumentos e procedimentos bloqueiam ou neutralizam processos de
rede em empresas.
Métricas centralizadas em ambientes distribuídos
Um dos meios pelos quais processos de redes em empresas são
neutralizados e destruídos pela hierarquia é a adoção de métricas válidas
para ambientes centralizados em ambientes distribuídos para avaliar
resultados.
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Antes de qualquer coisa há um problema com o conceito de resultado.
Resultado para o velho sistema produtivo é o que sai da máquina. Parece
“lógico”... Mas não se vê, assim, a relação entre resultado e processo.
Em redes, o processo é – via de regra – o resultado mais orgânico e não o
produto. Ou, em outras palavras, o principal produto é o processo (manter
o corpo vivo). Mas se queremos usar instrumentalmente as redes para
obter os mesmos resultados (os mesmos produtos) que obtínhamos com
estruturas e dinâmicas centralizadas e de baixa interatividade, então
somos tentados a adotar os mesmos indicadores de resultados, ou seja, as
mesmas métricas. E aí a coisa não funciona.
Indicadores para processos de rede
Quais seriam então indicadores adequados para processos de rede
implantados em empresas?
Qualquer indicador que revele os graus de distribuição, conectividade ou
interatividade pode ser utilizado, desde que não se queira medir essas
variáveis a partir do modelo de gestão descentralizado, ou seja,
considerando apenas os fluxos que percorrem os caminhos autorizados,
reconhecidos como válidos, permitidos e preestabelecidos. Mesmo se
fizermos uma SNA (Social Network Analysis) ou até uma DNA (Dynamic
Network Analysis), os grafos resultantes não revelarão os caminhos
realmente existentes mas, predominantemente, aqueles que podem ser
depreendidos do sistema de governança vigente. Eles decalcarão, em
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grande medida, as configurações compostas pelos laços fortes
(hierárquicos, funcionais) e não as configurações da rede social que existe
de fato na empresa (com todos os seus laços fracos) e que, via de regra,
está submersa, sufocada por camadas e camadas de entulho hierárquico.
Por exemplo, eles revelarão a qual colega de departamento ou a qual
gerente uma pessoa recorre para tirar um dúvida ou pedir um conselho
relacionado a assuntos de trabalho, mas omitirão a paquera com aquela
moça que cuida do caixa da lanchonete. Eles dificilmente revelarão as
conexões estabelecidas com pessoas do ecossistema (com os
considerados stakeholders "externos") da empresa e com outras pessoas
dos emaranhados de cada um (com, pelo menos, até três graus de
separação).
Não é que não seja útil realizar uma SNA ou DNA da empresa. O problema
é que esses tipos de análise, em geral (e quase todas elas são a mesma
coisa, porquanto baseadas nas mesmas perguntas ou em perguntas muito
semelhantes), recolhem elementos que seriam significativos, quando
muito, para um modelo explicativo baseado em homeostase e não em
alostase.
Assim, essas análises terão dificuldades de identificar, em toda sua
amplitude, os novos papéis sociais que emergem na rede social realmente
existente na empresa e no seu ecossistema. Revelarão hubs, por certo,
mas não netweavers (5); poderão até captar catalisadores de
comunidades de projeto, mas deixarão escapar guardiães do kernel (6). E
sobretudo - o que é mais relevante para o tema que estamos tratando
aqui - não desvendarão as condições para o surgimento de inovadores; ou
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seja, não servirão muito para orientar a configuração de ambientes
favoráveis à inovação, vale dizer, não fornecerão elementos suficientes
para a construção de indicadores de inovatividade. Por conseguinte não
são uma boa resposta para a questão de como avaliar o risco sistêmico de
uma empresa.
Processos de rede em empresas devem ser medidos pelo que são:
fenômenos desencadeados na rede social realmente existente na
empresa. Ora, redes sociais são pessoas interagindo. Portanto, medir
processos de rede é, de certo modo, avaliar interatividade. Mas
interatividade não é bem interagir mais, com mais frequência ou
intensidade (de maneira mais "forte" ou com vínculos mais "sólidos" ou
permanentes) e sim estar mais aberto à interação (fortuita e "fraca") com
o outro: não com o outro conhecido, não com aquele com o qual a
interação já é esperada (em virtude dos laços hierárquicos, funcionais ou
de coleguismo existentes) e sim com o outro-imprevisível. O que se deve
avaliar, portanto, é a configuração do ambiente por meio de instrumentos
(algo, assim, mal-comparando, como "fluxômetros") que sejam capazes de
fornecer, a qualquer momento, as características do fluxo interativo (sua
"temperatura", sua "pressão" ou seu "volume" e sua "velocidade"). Tais
instrumentos fornecerão sempre medições indiretas, relacionáveis -
dentro de certos limites - à descrições (aproximativas) do ambiente do
ponto de vista da sua abertura à interação.
Avaliar a abertura à interação dos ambientes virtuais, físicos e de
desenvolvimento da empresa a partir da percepção das pessoas que se
relacionam nesses ambientes é um caminho possível. Neste caso os
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instrumentos podem, por exemplo, começar com simples questionários
aplicados a essas pessoas (desde que as perguntas certas sejam feitas).
Instrumentos mais sofisticados, que tabulem e traduzam as respostas
dessas pessoas em medidas capazes de revelar características do fluxo
interativo a cada momento também podem ser construídos (7).
Concluindo. A rede é um "bicho vivo", quer dizer, autocriativo. Métricas
de rede não podem avaliar o que a rede não é. Não podem avaliar o
produto da "fábrica" e sim o processo que mantém o corpo-vivo (segundo
um padrão alostático de explicação). Não podem avaliar o desempenho de
um instrumento, a eficiência de uma ferramenta, a eficácia de uma ação, a
efetividade (ou o impacto) de uma iniciativa planejada ou a obtenção de
um resultado esperado.
Mil vezes melhor seria observar o surgimento de resultados inesperados.
Sim, a criação (ou a inovação) é sempre um resultado inesperado. E a
inovação refrata sempre um processo de rede acontecendo no íntimo de
um emaranhado humano: subterraneamente, crescendo escondido como
um grão germinando.
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NOTAS
(1) CANNON, Walter (1932). A sabedoria do corpo. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1946. (The wisdom of the body. Boston: The Norton Library, 1963).
(2) Cf. VALÉRIO, Marcos Antonio (2012): Homeostase e Alostase. Disponível em
http://marcosavalerio.blogspot.com.br/2012/02/homeostase-e-alostase.html
(3) Cf. STERLING, P. & EYER, J. (1988). Allostasis: A new paradigm to explain arousal
pathology. In: S. Fisher and J. Reason (Eds.), Handbook of Life Stress, Cognition and
Health. John Wiley & Sons, New York.
(4). VALÉRIO, M. (2012). Op. cit.
(5) Netweaver é quem se dedica ao netweaving. Não se sabe bem onde surgiu pela
primeira vez o termo ‘netweaving’ para designar genericamente articulação e
animação de redes sociais. A palavra ‘netweaving’ pode ser encontrada em um artigo
de março de 1998: “Netweaving alternative futures – Information technocracy or
communicative community?” de Tony Stevenson. O termo foi desenvolvido e
largamente empregado por Augusto de Franco, a partir de 2008, com outro sentido,
afinal consolidado em Fluzz (2011), sobretudo no tópico final do Capítulo 7, intitulado
“Reprogramando sociosferas” e no tópico “Netweaver howto” do Capítulo 9. Cf.
STEVENSON, Tony (1998). Netweaving alternative futures: Information technocracy or
communicative community?
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0016328798000263 Há também
outros usos da palavra, mais ou menos sérios, quer como Network Weaving ou como
NetWeaving: http://www.networkweaver.blogspot.com.br/ e
http://www.netweaving.com/. Cf. também FRANCO, Augusto (2011). Fluzz: vida
humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro
milênio. São Paulo: Escola de Redes, 2011. Fluzz Serie completa disponível em
http://www.slideshare.net/augustodefranco/fluzz-srie-completa
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(6) Guardião do Kernel é uma função emergente em redes mais distribuídas do que
centralizadas. O conceito vem do Linux e ficou conhecido de um público mais amplo de
leitores quando apareceram as primeiras reportagens sobre Marcelo Tosatti, o
"guardião do kernel", ou o "garotão de 19 anos que cuida do coração do Linux" (como
anunciou a revista Info-Exame). Na verdade, não é uma função eleita, surgida em um
ambiente participativo e sim uma "funcionalidade" que surge com a fenomenologia da
interação observada nas redes (sobretudo nas redes distribuídas ou mais distribuídas
do que centralizadas). O Guardião do Kernel não é o líder que lidera tudo (na base da
monoliderança) nem, muito menos, o chefe ou o coordenador de um movimento ou
entidade centralizada. Não é um cargo hierárquico, que obrigaria a seu detentor a
consultar ou pedir permissão a um superior para fazer qualquer coisa não prevista nas
rotinas aceitas (admitidas pela maioria) ou estabelecidas institucionalmente por
qualquer processo autocrático ou democrático-participativo. Abstraindo o caso
concreto de Tosatti (que nem se aplica plenamente à nova função tratada aqui), o
Guardião do Kernel é todo aquele que atua como tal para preservar a integridade do
coração (propósito atribuível) de um sistema. Não é indicado por ninguém, conquanto
possa ser removido por uma comunidade que não aceite seu comportamento. Mas,
caso isso não ocorra, sua atuação como guardião é assentida pela rede (sem a
necessidade de verificação por qualquer processo que gere artificialmente escassez,
como a votação, a construção administrada de consenso, o rodízio ou o sorteio). E é
uma função móvel (ninguém é guardião para sempre) e não exclusiva (pode haver
mais de um guardião simultaneamente e se atuarem em sinergia dificilmente essa
duplicidade ou multiplicidade será percebida como um problema). Nenhuma
organização que reúna muitas pessoas conseguirá manter seu propósito por muito
tempo sem um ou vários guardiães do kernel.
(7) Alguns desses instrumentos foram desenvolvidos no LABE=R por Netweaving
Technologies.
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