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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Neuza de Fátima Brandellero
Ser monge na “Era do Vazio”: um estudo do Mosteiro da Ressurreição e sua mensagem de felicidade na sociedade pós-moderna
DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Neuza de Fátima Brandellero
Ser monge na “Era do Vazio”: um estudo do Mosteiro da Ressurreição e sua mensagem de felicidade na sociedade pós-
moderna
DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTORA em Ciências da Religião, sob orientação do Professor Livre-Docente Afonso Maria Ligório Soares.
SÃO PAULO
2011
Banca Examinadora
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Dedicatória
Ao Deus Uno e Trino, que em sua divina e misteriosa providência,
sempre esteve ao meu lado durante todo este trabalho.
Aos meus generosos e amados pais: Ivo e Cenira, que desde à infância lutaram
para que seus filhos pudessem estudar.
Ao Pe. Boleslaw Blij, Missionário do Verbo Divino,
Amigo, pai e mestre de todos os momentos,
sem o qual não seria possível a realização desta tese.
Ao Mosteiro da Ressurreição, pelos trinta anos de sua fundação, na pessoa de Dom
Abade André Martins, Osb e Dom Mateus Salles Penteado, Osb, homens de fé.
RESUMO
O tema deste trabalho é a longa Tradição monástica, sob a ótica de São
Bento, conhecida através dos Beneditinos. Dentro desta grande família beneditina,
detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia
a Regra que São Bento escreveu no século VI, adaptando-a aos nossos dias.
Inicialmente, abordamos, de maneira panorâmica, a questão monástica até
chegarmos ao núcleo central do problema, isto é, saber qual o sentido da opção por
uma vida monástica hodierna no Mosteiro da Ressurreição no contexto da pós-
modernidade. Neste sentido, a opção pela vida monástica é uma busca de
realização e de felicidade, além de uma contribuição à sociedade ou apenas uma
fuga existencial do ser humano? Trabalhamos com a hipótese de que o Mosteiro da
Ressurreição incorpora fielmente o ideal monástico beneditino, mas o realiza com
peculiaridades próprias, segundo a tradição da linha monástica do mosteiro, que
formou e informou os jovens monges fundadores. Além da revisão bibliográfica, este
trabalho contou com coleta de fontes primárias, entrevistas semi-dirigidas, além de
pesquisa participante, pois o trabalho envolveu nossa participação e interação com o
campo pesquisado.
É possível afirmar com este trabalho que o ideal monástico é a doação total
de si a Deus, na oração contínua e no trabalho. Esse ideal está encarnado no
Mosteiro da Ressurreição, que aponta para uma nova via de felicidade,
apresentando uma alternativa à felicidade hedonista e consumista da pós-
modernidade. O Mosteiro da Ressurreição constitui-se em foco de irradiação deste
novo ideal. Portanto, podemos dizer que há sentido em optar pela vida monástica
hodierna, mesmo em meio a tantas atrações que a sociedade pós-moderna
apresenta aos monges. Assim, é possível dizer que os monges são pessoas felizes
em viver uma vida simples voltada para os valores espirituais.
Palavras- chaves: Monaquismo, Beneditinos, Mosteiro da Ressurreição,
Felicidade, Pós-modernidade
ABSTRACT
The subject of this paper is the long monastic tradition as viewed by São
Bento, known to us through the Benedictines. In this big family of Benedictines, we
chose the Mosteiro da Ressurreição where they are trying to live, day by day for
about thirty years, under the Rule written by São Bento in the sixth Century.
Firstly, in a panoramic way, we aim to approach the monastic question until we
get to the main core of the problem, that is, we want to grasp the sense of this option
for a monastic hodiernal life at the Mosteiro da Ressurreição, in the context of post-
modernity. In this sense, is monastic life an option to obtain fulfillment and happiness,
besides bringing a contribution to society or is it only an existential escapade of the
human being?
We worked under the assumption that the Mosteiro has incorporated the
Benedictine monastic ideal, executing it with their own peculiarities, according to the
traditional monastic lines of the monastery, where the founding monks were formed
and informed. Besides the bibliographical revision, this paper includes the research
of primary sources, semi-oriented interviews as also participative interviews, as the
work involved our participation as well as our interaction with the field of study.
In accordance to this paper, it is possible to affirm that the monastic ideal is
the total donation of oneself to God, through continuous prayer and work. This ideal
is invested in the Mosteiro da Ressurreição, pointing to a new channel of happiness,
presenting a new alternative to the hedonistic and consumerism of post-modernism.
The Mosteiro da Ressurreição is the irradiating center of this new ideal. So, we could
say that there is sense in opting for a monastic hodiernal life, even immersed in so
many distractions as post-modern society presents to monks. Also, it is possible to
say that the monks are happy people living a simple life focused on spiritual values.
Key-words: Monasticism, Benedictine, Mosteiro da Ressurreição, Happiness,
Postmodernity
AGRADECIMENTOS
Oh, Senhor! Cantarei para sempre teu amor, pois fizeste uma aliança com à amiga do amicus autem
sponsi.
Á Virgem Maria, por sua maternal proteção; São José, amado e poderoso
intercessor.
São Bento e Edith Stein, santos protetores, a todos os santos e todas as
santas de Deus e ao inesquecível Beato João Paulo II.
A bondade divina passa pela mediação humana! Durante todo este trabalho,
pude experimentar o que significa a generosidade e a gratuidade. Este trabalho foi
feito com tantas mãos generosas, sendo que algumas nem conheço, mas sei de sua
existência. Não sei como agradecer! Passarei o resto da minha vida meditando e
agradecendo por tantas maravilhas operadas entre nós. Te Deum Laudamus!
Ao generoso, bondoso e intuitivo Pe. Boleslaw Blij, Svd, que, desde muito
tempo, já havia preconizado a concretização desta tese. Sou eternamente grata
desde agora e por toda a eternidade.
À minha querida irmã e cunhado: Ivone Brandellero e Jildo Begalle Tardiolli,
presenças marcantes nesta conquista.
Cada membro e cada irmão, da inspiradora e acolhedora Abadia da
Ressurreição, onde as palavras são apenas ecos de toda minha gratidão e pela qual
desenvolvi um imenso afeto.
Ao incentivo amigo, aos preciosos livros e às preces da Abadia Nossa
Senhora do Novo Mundo (Trapista) na pessoa do Abade Dom Bernardo Bonowitz.
Ao apoio discreto, amigo e orante do Carmelo, especialmente na pessoa da
Madre Regina e Ir. Celina, minhas irmãs de coração e de luta.
Ao acolhimento caridoso e carinhoso do Frei Almy José e toda comunidade
dominicana de São Domingos.
À generosa ajuda da Sra. Mariza Ignez Zampieri e Sra. Luiza Karoleski, em
que num momento crucial, foram meu socorro como se fossem fadas madrinhas.
Aos amigos, aos familiares, às instituições e às pessoas anônimas, que direta
ou indiretamente contribuíram para que fosse possível a realização deste trabalho.
Eterna gratidão! Trago todos em meu coração e em oração: Maria Hoffaman
Trierweiler e família; Mauro, William, Liliane, Marianna, Joel e Rita Brandellero;
Ivanete Sinomelli, Lenir Gorte e Família; Cecília, Carmen Kula e família; Luíza e
Silvia Perle; Maria Almeri e família; Pe. Aluizio Fludra, Pe. Jaime Sanches Boch, Frei
Valdir Borges, Pe. César Braga, Pastor Ronaldo Perini, Pe. João Ademir, Pe.
Anderson; Terezinha Vaz de Oliveira; Neli Bombassaro e família; Elza Maria Bonin;
Alcas papelaria; Irmãs da Adoração Perpétua (Pinks), Irmãs Trapestinas, Ir.
Fernanda Martelline, Ir. Lourdes Zanini, Ir. Valéria Araujo, Ir. Maria Cleonice;
Valdemir e Claciane Chiquito; Zuzana Genoveva Perira e Familia; Victória Gogola;
Iracema do Colégio Cristo Rei; Josiani; Lucas e Francisquinho; Vera Lucia e
Mariazinha; Dona Aldina e Pina; Dona Nadir e Sr. Luiz.
Ao incentivo da bolsa da Capes, indispensável para a conclusão desta tese.
Meus agradecimentos.
À secretaria, Andréia, grande mulher, que ajuda a fazer a história nos
bastidores do programa, por todo cuidado e por toda atenção que dispensa para
todos os estudantes, fica gravada eternamente em minha na memória. Como ela me
ajudou!
Aos professores do Programa Ciências da Religião: Maria José Nunes
Rosado, Denise Gimenez Ramos, José J. Queiroz, João Edênio dos Reis Valle, Ênio
José da Costa Brito, Edin Sued Abumansur, Frank Usarski, Eduardo Rodriguês da
Cruz, Pedro Lima Vasconcellos, Fernando Torres-Londonõ, Luis Felipe de Cerqueira
e Silva Pondé, Silas Guerreiro.
Aos professores e às professoras da banca examinadora: Dr. João Décio
Passos, Dr. José J. Quieroz, Dr. Bortolo Valle, Dra. Ceci Baptista e Dra. Maria
Angela, muito agradeço pelo trabalho prestado.
À Dra. Brígida Carla Malandrino, por todo o trabalho de revisão profissional e
pelas palavras de incentivo e de ânimo, que se tornou uma presença muito
significante. Sou imensamente agradecida. O dinheiro não é capaz de pagar
tamanho afeto.
Ao incansável incentivador e amigo, Prof. Dr. Afonso Maria Ligório Soares,
meu orientador, homem competente nas ciências humanas e divinas e que, agora,
faz parte da minha história acadêmica, por nunca ter-se cansado de mim. Sou muito
grata por toda dedicação.
Aos amigos e aos conhecidos do presente, passado e futuro, sendo
impossível nomear cada um. Apenas digo, muito obrigada. Não tenham medo de
grandes desafios!
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................... 12
Parte I: A Tradição Monástica ............................................................................... 20
Capitulo I: A Tradição Monástica pré-cristã ........................................................ 21
1.1 - Monaquismo no Hinduísmo .......................................................................... 23
1.2 - Monaquismo no Budismo ............................................................................. 28
Capítulo II: Monaquismo Cristão e a Via Beneditina ........................................... 36
2.1 – Monaquismo e tradição ............................................................................... 36
2.2 - São Bento ..................................................................................................... 39
2.3 - Regra de São Bento ..................................................................................... 43
2.4 - O monge beneditino ..................................................................................... 52
Parte II: A vida Monástica no Mosteiro da Ressurreição .................................... 57
Capítulo III: Antecedentes históricos e fundação ............................................... 58
3.1 – Primeiros mosteiros beneditinos no Brasil .................................................. 61
3.2- Contexto histórico .......................................................................................... 73
3.2.1 – Escravidão e invasão holandesa .......................................................... 73
3.2.2- A questão de Pombal ............................................................................. 78
3.3 – Restauração dos beneditinos no Brasil ....................................................... 87
3.4 - Fundação do Mosteiro da Ressurreição ...................................................... 91
3.4.1 – Primeiros tempos da fundação ............................................................. 96
3.4.2 - O rosto do Mosteiro da Ressurreição .................................................. 100
3.4.3 – Pluralismo monástico ......................................................................... 103
3.4.4 – Construção material do Mosteiro da Ressurreição ............................ 106
Capítulo IV: Ora et Labora: A santificação das horas ..................................... 114
4.1 – Vigílias ....................................................................................................... 115
4.2 - Laudes com e sem missa ........................................................................... 124
4.3 – Tércia ......................................................................................................... 132
4.4 – Sexta ......................................................................................................... 134
4.5 – Noa ............................................................................................................ 135
4.6 – Vésperas ................................................................................................... 137
4.7 – Completas ................................................................................................. 141
Capítulo V: Labora et Ora: A santificação do trabalho ..................................... 149
5.1 - O estudo ..................................................................................................... 149
5.2 - O auto-sustento .......................................................................................... 151
5.3 - Ação e repercussão extra-muros ............................................................... 155
5.4 – Vocacionados ............................................................................................ 160
Parte III: O Mosteiro da Ressurreição e a mensagem de felicidade para a “Era do Vazio” ............................................................................................................... 166
Capítulo VI: A felicidade no contexto do hipercosumo .................................... 168
6.1- Pós- Modernidade, consumo e Felicidade .................................................. 175
Capítulo VII: Ser feliz no ideal monástico- a vida no Mosteiro da Ressurreição como sinal de contradição na sociedade hiperconsumista ............................. 188
7.1- Monaquismo e consumismo ........................................................................ 188
7.2- Análise de alguns depoimentos sobre a vida monástica ............................ 197
Conclusão ............................................................................................................. 211
Bibliografia ............................................................................................................ 220
Anexos ................................................................................................................... 245
Anexo 1- Carta do Abade Dom André Martins, OSB ao pedido de admissão aos
primeiros votos do Ir. João da Cruz, aos 12 de março de 2010 ............................. 245
Anexo 2- Carta de Abade Dom André MARTINS, OSB. Renúncia dos bens de
Dom Vicente em 2007 ............................................................................................ 247
LISTA DE FIGURAS
Parte II: A vida Monástica no Mosteiro da Ressurreição
Capítulo III: Antecedentes históricos e fundação
Foto 1- Visão do claustro do Mosteiro da Ressurreição ........................................ 107
Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero
Foto 2 - Portão de acesso ao Mosteiro .................................................................. 108
Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero
Foto 3 - Loja do Mosteiro ........................................................................................ 109
Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero
Foto 4 - Casa de hóspedes .................................................................................... 109
Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero
Foto 5 - Cemitério ................................................................................................... 110
Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero
Foto 6 - Visão externa da capela ........................................................................... 111
Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero
Foto 7- Pintura do Cristo Pantocrator dentro da capela ......................................... 111
Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero
Foto 8 - Celebração Eucarística ............................................................................. 112
Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero
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INTRODUÇÃO
O lugar dos homens é marcado pela ambigüidade inerente à nossa condição. Tem luzes e sombras, é fértil ou devastado. O mosteiro não escapa a essa contingência. Mas é bom lembrar que o projeto que inspira a instalação monástica obedece a certo ideal e a uma esperança. O mosteiro é como uma antiga pólis autárquica, onde a vida comum se desenrola como um espaço-tempo regido pelo mistério pascal. Uma unidade litúrgica celebrando, no culto e na vida, a morte e a ressurreição do Senhor. O mosteiro é, pois, um território de conflito, mas materializa um mito, representação poética duma realidade santa, natureza atrás do véu da natureza e oferece a quem se dispõe a viver aí conscientemente a significação última da sua existência.1
Este trabalho teve sua origem remota em algumas indagações pessoais: qual
o valor de ser monge numa sociedade pós-moderna? Na sociedade em que
vivemos, os valores materiais possuem grande peso na vida das pessoas, o que
gera competição pelo melhor e por aquilo que brilha mais, dando a impressão de
indispensabilidade e de essencialidade à vida humana. A sociedade hodierna
propõe valores diferentes daqueles que a vida monástica oferece, tais como: a
ascese, a durabilidade, a oração, o sacrifício, o despojamento, a pobreza, a
obediência e a castidade. Em meio a tantas possibilidades de oferta e de escolha é
possível encontrar pessoas dispostas a viver segundo a tradição monástica, com
princípios de desprendimento quase total de suas vidas? O nosso tempo é
apresentado como:
... rápida expansão do consumo e da comunicação de massa, enfraquecimento das normas autoritárias e disciplinares, surto de individualização, consagração do hedonismo e do psicologismo, perda da fé no futuro revolucionário, descontentamento com as paixões políticas e as militâncias.2
1 Dom Paulo ROCHA; Dom Timóteo AMOROSO; Clarival VALLADARES; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 10. 2 Gilles LIPOVETSKY, Os tempos hipermodernos, p. 52
13
No entanto, a vida monástica está centrada em outro tipo de relação, que tem
como base o amor a Deus, ao próximo e a si mesmo, como antídoto para a
sociedade pós-moderna vazia de sentido, embora cheia de si mesma.
Conheci algumas pessoas que poderiam ter uma vida bem sucedida em
vários aspectos, mas deixaram tudo e todos para se tornarem monges e monjas,
vivendo uma vida reclusa dentro de uma clausura ou de um mosteiro. Vivem na
simplicidade, na pobreza, na obediência a um superior e em castidade. Justificam
que são felizes e a felicidade tornou-se uma realidade dentro deste estilo de vida.
Uma vivência nestes moldes parece um paradoxo diante do hioerconsumismo.
Estamos acostumados a associar felicidade com poder, ter e prazer; no entanto,
monges e monjas parecem que são, de fato, felizes com a sua opção de vida. Será
que existe algum segredo? Como pesquisadora, procurei alguma resposta para tal
questão. Visitei alguns mosteiros como os Trapistas e as Trapistinas, os Carmelitas,
as Clarissas e os Beneditinos no Brasil e também fora do país3, comprovando que,
de fato, a felicidade é uma constante para a maior parte dos monges e das monjas e
que ter não é mais importante que ser.
Foi nesse contexto que descobri, em abril de 2006, os monges Beneditinos do
Mosteiro da Ressurreição, mosteiro que se encontra localizado na cidade de Ponta
Grossa, no estado do Paraná. Os monges fundadores vieram do mosteiro de São
Bento da cidade de São Paulo, porém o Mosteiro da Ressurreição não é
considerado uma continuação do mosteiro de São Paulo. Após o primeiro contato,
fui aos poucos me integrando cada vez mais a eles. Por que escolhi este mosteiro
para campo de pesquisa? Os demais não eram interessantes? Sem dúvida, todos
mereceriam um estudo aprofundado, pois todos possuem algo genuíno para 3 Itália, Roma: Mosteiro Beneditino: Monte Subiaco, onde São Bento viveu por três anos e também o Mosteiro onde viveu Escolástica, sua irmã; Assis: Mosteiro, onde teve início a congregação das Monjas Clarissas; Terra Santa, Haifa: Monte Carmelo, berço dos Carmelitas; Portugal, Coimbra: Monjas Carmelitas, onde viveu a vidente Lúcia; Lisboa: Mosteiro de Jerónimos Claustro. Hoje, sede turística; Chile, Quilvo-Curicó: Monjas Trapestinas, mãe da fundação no Brasil; Los Andes: Carmelitas Descalças, mosteiro onde viveu a Santa Teresa de Los Andes; Alemanha, Würzburg: conjunto de mosteiros, fundados pelos monges-missionários Irlandeses, terra de São Bonifácio, o apóstolo Germanico. O forte de Marienberg é belíssimo; Polônia, Oliwa: Mosteiro Cistercienses do século XIV, hoje, um restaurante; Pelplin: imensa catedral gótica dos Cistercienses do século XIV junto com o antigo Mosteiro; Kartuzy: cidade fundada no século XIII em homenagem aos Cartuxos; Czestochowa: capital espiritual da Polônia, desde séc. XIII, mosteiro dos Paulinos (Trazidos da Hungria); Uruguay, Montevidéu: Monjas Beneditinas; Paraguay, Ciudad del Leste: Mosteiro da Visitação; Villa Ricca: Monjas Clarissas; Grécia, Atenas: Mosteiro de Dafni dos Mosaicos, Mosteiro de Kesarianí e Mosteiro de Careas, no monte Himeto.
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acrescentar à nossa sociedade, à Igreja e à vida pessoal de cada pessoa. A questão
da escolha foi, a princípio, quase gratuita: a distância entre Curitiba, cidade onde
moro, e o mosteiro é de apenas cento e trinta e oito quilômetros, o que facilitou as
várias visitas. Também a afinidade empática com os monges teve seu peso. Desde
o início, o que mais chamou minha atenção foi a maneira como aqueles monges
celebravam a Liturgia. Eu dizia para mim mesma: “É uma liturgia quase perfeita”, dá
gosto em participar!”. Simples, alegre, vibrante, realizada com piedade e com zelo,
bem preparada, onde pequenos detalhes fazem a grande diferença. Enfim, hoje, sou
como outros, assídua participante da Liturgia do Mosteiro da Ressurreição em
especial nas festas litúrgicas e nas solenidades.
O tema é relevante por apresentar o Cristianismo no perfil monástico
Beneditino, como uma opção de vida feliz e válida para a nossa sociedade pós-
moderna, por apontar a contribuição cultural e religiosa dos Beneditinos no Brasil,
desde o tempo da colonização e por discutir as variantes da fundação heróica dos
trinta anos do Mosteiro da Ressurreição. Como sabemos o tema é muito amplo, pois
existem inúmeras ramificações monásticas e tivemos que fazer uma escolha, não
descartando em hipótese alguma a importância das demais famílias monásticas do
Oriente e do Ocidente. A mais importante para o Ocidente, sem dúvida, são os
Beneditinos, os cistercienses e os trapistas4, as duas últimas como fundações
posteriores, uma reforma da antiga Ordem de São Bento. “Ser monge na era do
vazio: um estudo no Mosteiro da Ressurreição e sua mensagem de felicidade para a
sociedade pós-moderna” é uma tese que embora modesta, quer trazer uma
autêntica contribuição para todos os amantes da vida monástica. Acreditamos que o
Mosteiro da Ressurreição, com sua peculiaridade desde os seus primórdios até os
nossos dias dentro da Regra de São Bento, anuncia de forma genuína o mandato
“Ide, pois, ensinai a todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo. Ensinai-a a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou
convosco todos os dias, até o fim do mundo”(Mt 28, 19-20).
O estado da questão encontra-se como um longo caminho a ser conhecido e
percorrido, pois no Brasil há poucos estudos sobre a vida monástica dentro da
4 No Brasil a única presença dos monges Trapistas é na cidade de Campo do Tenente no Paraná. As monjas Trapestinas chegaram em 2009 na cidade de Rio Negrinho em Santa Catarina.
15
Academia. Faltam dados atualizados e bibliografias, sendo que quase todas são
traduções europeias. Alguns escritos de primeira mão de difícil acesso ficam
trancados dentro das bibliotecas dos respectivos mosteiros, não estando disponíveis
para o público. Ao acessar o site do Google com a palavra “vida monástica”,
encontramos trezentos e noventa e nove itens aproximadamente. Não é pouco o
interesse nesta área, mas como pesquisa, no sentido stricto sensu, dentro da
academia brasileira, foram poucas as dissertações e as teses encontradas.
Buscando-se monaquismo no Brasil, aparecem apenas quatro itens. Ao fazer um
estudo panorâmico sobre os mosteiros existentes no Brasil foram encontrados vinte
e sete mosteiros masculinos e dezessete mosteiros femininos, dados fornecidos
pelo site no ano de 1992.5
O que justifica este trabalho é a comprovação do pouco conhecimento sobre
a vida monástica dentro da academia brasileira. Ao apresentar o Mosteiro da
Ressurreição como uma história concreta de vivência monacal dentro da sociedade
hiper-consumista, podemos verificar que tem sentido optar pela vida monástica
hodierna. Este mosteiro, objeto desta pesquisa, pode ressoar como um paradoxo
social, onde seus membros esforçam-se para viver numa dimensão espiritual, tendo
como base a fé e não apenas o suporte sociológico ou psicológico. Um grupo de
jovens monges que chegou a um lugar totalmente diferente, desconhecido e sem
nenhum recurso material, deve ser admirado e reconhecido pela obra que fizeram e
que continuam a fazer nos nossos dias. Ao iniciar a fundação, há trinta anos, o
grupo fundador desejava retornar às origens da Regra de São Bento e atualizá-la ao
o nosso tempo, numa vivência simples e longe do urbanismo, fazendo uma mescla
entre a antiga tradição e os tempos modernos.
Durante o desenvolvimento da tese, precisei de bibliografia que contasse a
história dos Beneditinos no Brasil. Tive imensa dificuldade para encontrar o material,
porque, em muitos mosteiros, não existem estes livros e, se existem, não podem ser
retirados das respectivas bibliotecas monásticas. Enfim, este estudo quer somar
conhecimentos à Teologia e, de modo especial, ao estudo das Ciências da Religião.
A grande contribuição religiosa e cultural que os Beneditinos deram ao nosso país é
relevante e precisa tornar-se mais conhecida a sua história. É possível ser monge na
5 Atlas monástico Brasileiro. www.google.com.br Acesso em: 06 set 2010.
16
era do vazio e do hiper-consumismo? Qual a contribuição que o Mosteiro da
Ressurreição pode oferecer à sociedade pós-moderna? Desde sua fundação, o
Mosteiro da Ressurreição vem desempenhando um papel relevante à sociedade,
seja pelo desempenho litúrgico, voltados mais à contemplação e a vivência fraterna
entre seus membros, sejam pelos diferentes e vários trabalhos prestados às
pessoas que batem todos os dias à porta do mosteiro ou, a nível nacional, pelo
canto gregoriano em português. Parece ser relevante apresentar o monaquismo
como um estilo de vida válida numa sociedade como a nossa, onde o espiritual é
pouco valorizado.
O objeto de estudo desta tese é a recepção e a vivência Beneditina no
Mosteiro da Ressurreição. O ramo Beneditino teve seu início com São Bento, no
século VI, sendo a grande novidade da época, perpassando o tempo e o espaço e
se atualizando nas contínuas fundações. O trabalho quer ressaltar o monaquismo
como uma possibilidade do ser humano ser feliz, não obstante à sociedade a qual
está inserido.
Frente ao que foi colocado até então, este trabalho tem como problema de
pesquisa saber qual o sentido da opção por uma vida monástica hodierna no
Mosteiro da Ressurreição no contexto da pós-modernidade. Neste sentido, a opção
pela vida monástica é uma busca de realização e de felicidade, uma contribuição à
sociedade ou apenas uma fuga existencial do ser humano? Além disso,
encaminham-se como problemas periféricos: como o Mosteiro da Ressurreição
incorpora a vivência da Tradição monacal e o perfil do monge Beneditino? O que o
Mosteiro da Ressurreição recebeu dos ramos Beneditinos instalados no Brasil desde
os tempos da Colônia? Que ideal de felicidade é vivido pelos monges?
Vivemos numa sociedade onde é super valorizado o bem material, a
aparência, o consumismo com toda a sua atração, coisas que, muitas vezes,
significam uma promessa de felicidade. Trabalhamos com a hipótese de que em
meio à pós-modernidade, algumas pessoas fazem a opção por uma vida simples e
voltada para os valores espirituais, que tem como consequência a vida feliz, não
como fuga, mas acreditando que todo ser humano é chamado para viver a vida em
plenitude e feliz. Os mosteiros da Europa muito contribuíram para o desenvolvimento
cultural da sociedade e hoje continuam ajudando as pessoas em vários níveis.
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O Mosteiro da Ressurreição incorpora o ideal monástico beneditino, mas o
realiza com peculiaridades próprias de acordo com o espírito dos jovens monges
fundadores. Dom André Martins e Dom Mateus Salles Penteado continuam, desde a
fundação, formando e informando os monges, dando um perfil próprio ao monge
desta comunidade. Quando os Beneditinos chegaram ao Brasil Colonial, mesmo
sendo uma ordem voltada mais à contemplação, ajudaram na catequese, no ensino
e no esmero para com a liturgia. O Mosteiro da Ressurreição herdou da Tradição
todo o cuidado para com a Liturgia e a obediência à Regra de São Bento,
adaptando-a para os tempos modernos. O ideal monástico é a doação total de si a
Deus, na oração contínua e no trabalho, encarnado no Mosteiro da Ressurreição,
que aponta para uma nova via de felicidade, como alternativa à felicidade hedonista
e consumista da pós-modernidade. O Mosteiro se constitui em foco de irradiação
deste novo ideal.
Os objetivos desta tese são: compreender a opção pela vida monástica;
apresentar parte da história dos Beneditinos no Brasil; trazer à luz dos nossos dias a
vivência dos monges do Mosteiro da Ressurreição, como a continuação milenar da
grande Tradição Beneditina; mostrar qual alternativa o Mosteiro da Ressurreição
oferece à sociedade pós-moderna e hiper-consumista.
As categorias que fundamentarão as análises são: 1 - A caracterização da
pós-modernidade ou hiper-modernidade, o seu vazio de sentido e a felicidade que
ela propõe (categoria sociológica); 2 - A mística da vida consagrada monástica
beneditina e a felicidade decorrente da doação de si (categoria teológica).
Utilizaremos dois tipos de procedimentos: 1 - Teórico: neste procedimento o
método é a da revisão da bibliografia: coleta da bibliografia, seleção das obras e dos
textos, análise, interpretação e organização no corpo da tese; 2 - Empírico: coleta
das fontes primárias, seleção das principais fontes e emprego das mesmas na
composição dos capítulos históricos, entrevista semi-dirigida e pesquisa participante,
quando o pesquisador participa e interage com o campo pesquisado.
O trabalho esta dividido em três partes e sete capítulos. A primeira parte do
trabalho é composta por dois capítulos, sendo que no primeiro apresentaremos a
tradição monástica presente em outras religiões, como o Hinduísmo e o Budismo,
entendendo-o como um movimento pré-cristão. O segundo capítulo mostrará o
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monaquismo Cristão, sob a ótica de São Bento e sua Regra, dando o perfil do
monge Beneditino.
A segunda parte do trabalho é composta por três capítulos, considerada a
parte central desta pesquisa, isto é, a vida monástica no Mosteiro da Ressurreição.
O capítulo três ressaltará os antecedentes históricos e as fundações dos Beneditinos
no Brasil, desde os tempos coloniais com seus primeiros mosteiros em terra
brasileira. A congregação beneditina foi a segunda congregação religiosa presente
no Brasil, deixando sua contribuição cultural e religiosa, não obstante as muitas
dificuldades da época, como a invasão holandesa, a escravidão e a política de
Pombal. Como continuação do estilo de vida cunhado no século VI, há trinta anos
aconteceu uma nova fundação beneditina: o Mosteiro da Ressurreição. No quarto
capítulo será apresentado o lema beneditino, Ora et Labora, isto é, a santificação
das horas. Os monges “interrompem” o trabalho e se dirigem à capela para cantar
os salmos comunitariamente, sete vezes ao dia. Começando pelas Vigilias, às
04h20 da madrugada, as Laudes com ou sem missa, às 06h15, a Tércia, às 9hs, a
Sexta, às 12hs, a Noa, às 14h30, as Vésperas às 17h30 e as Completas às 19hs.
No quinto capítulo será apresentado a dimensão do trabalho, o labora et ora. São
Bento escreveu claramente aos seus monges, dizendo que: “são verdadeiros
monges se vivem do trabalho de suas mãos, como também os nossos Pais e os
Apóstolos”6. Destacaremos o serviço realizado dentro e fora do mosteiro. Como, por
exemplo, o estudo, o auto-sustento, a ação e a repercussão extra-muros, os
vocacionados e as etapas de formação.
A terceira parte da tese intitulada “O Mosteiro da Ressurreição e a mensagem
de felicidade para a Era do Vazio” nasce da seguinte pergunta: que tipo de felicidade
o Mosteiro da Ressurreição pode apresentar à sociedade pós-moderna? São dois
capítulos que tratam de contextualizar a atual sociedade e o sentido em optar pela
vida monástica. O último capítulo apresenta o ser feliz no ideal monástico,
especificamente na vivência do Mosteiro da Ressurreição, como sinal de contradição
na sociedade hiper-moderna.
6 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo XLVIII, 8, p. 173.
19
Desejo que a leitura desta pesquisa possa inspirar também a vida de seus
eventuais leitores e que “o Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com
todos aumente e transborde sempre mais” (1Ts,3,12).
20
PARTE I: A TRADIÇÃO MONÁSTICA
Tudo aquilo que ouvimos e aprendemos e transmitiram para nós os nossos pais não haveremos de ocultar a nossos filhos, mas à nova geração nós contaremos (Sl 77,3-2).
A primeira parte deste trabalho é composta por dois capítulos, tendo como
objetivo apresentar a tradição monástica na era pré-cristã, destacando o
monaquismo Hinduísta e o Budista, para, em seguida, abordar o monaquismo
Cristão na via beneditina. Assim, o primeiro capítulo disserta sobre o monaquismo
dentro do Hinduísmo e do Budismo, duas religiões milenares, tendo como intuito a
demonstração do monaquismo como um fenômeno pré-cristão. Já o segundo
capítulo traz à luz o monaquismo cristão na via beneditina, destacando-se São
Bento e a sua Regra, o que dá a diretriz à família beneditina em todos os tempos e
lugares, delineando um perfil próprio do monge beneditino.
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CAPÍTULO I: A TRADIÇÃO MONÁSTICA PRÉ-CRISTÃ
O título, tradição monástica, quer apresentar um pouco das raízes do
monaquismo pré-cristão, indo buscar no hinduísmo e no budismo, religiões
milenares, o arquétipo do surgimento monacal. Todos nós conhecemos a estória O Pequeno Príncipe, de Antonie de Saint-Exupéry, que, parece-nos, serve de
ilustração:
Perguntou o príncipe à flor no deserto: Onde estão os homens? E a flor respondeu: Os homens? O vento os levou. Não têm raízes e lhes molesta muito não tê-las. A flor, que apenas conhecia os homens, se enganava. Os homens têm raízes. Alguns aceitam, outros pretendem livrar-se delas, outros duvidam; outros arrancam sem compaixão, fazendo-os sofrer. Mas todos nascemos em uma família, em um povo, em um país e em uma cultura determinada. Temos raízes biológicas, geográficas, morais, religiosas; muitas e muitas diversas raízes.1
Por falar em raízes, é mais conhecido entre nós o monaquismo cristão e,
muitas vezes, não sabermos quais foram as suas raízes. Ao destacar o monaquismo
no Hinduísmo e no Budismo, queremos tornar mais conhecido e popular entre nós
este estilo de vida. Também buscamos fomentar o diálogo com outras
denominações religiosas e culturais, valorizando e escutando o diferente, o que
pode gerar uma somatória na diversidade religiosa:
O caminho para assumir o inter-religioso como grandeza teológica e, portanto, a transcendência das posturas exclusivistas e inclusivas, pressupõe metodologias inclusivas e dialogantes, capazes de revelar as identidades das tradições religiosas, bem como suas leituras das outras religiões.2
1 “Preguntó el principito a la flor del desierto: Dónde están los hombres? Y la flor le contesto: Los hombres? El viento los lleva. No tienen raíces. Les molesta mucho no tenerlas. La flor, que apenas conocía a los hombres, se enganaba. Los hombres tenemos raíces. Algunos lo aceptan, otros intentan librarse de ellas, otros las olvidan, a otros se las arrancan sin compasión, lo que los hace sufrir. Pero todos nacemos en una família, en un pueblo, en un país, en una cultura determinada. Tenemos raíces biológicas, geográficas, morales, religiosas; muchas y muy diversas raíces.” Antonie de SAINT-EXUPÉRY apud García M. COLOMBÁS, La tradición Benedictina, ensayo histórico - tomo primeiro - las raíces, p.13 2 Frank USARSKI, O budismo e as outras, p. 14.
22
O Hinduísmo e o Budismo são religiões muito anteriores ao Cristianismo e
torná-las mais conhecidas é uma forma de valorizá-las, respeitá-las e admirá-las.
Faremos isto apresentando um pequeno relato histórico e contextualizando o
surgimento das duas religiões. Além disso, destacaremos a riqueza da vida ascética
de ambas as religiões e perceberemos que há raízes comuns no monaquismo,
como, por exemplo: o ritual de admissão do candidato, a vida de pobreza, o silêncio,
a reclusão ou a vida de comunidade (cenóbio) e a contínua oração. Apontando as
suas semelhanças e as suas diferenças, percebe-se que apresentá-las traz
contribuições para o entendimento do monaquismo Cristão. “Não basta falar do
outro, é preciso ouví-lo. A prática do diálogo inter-religioso só é possível se a outra
religião estiver disposta ao diálogo e entrar no seu circuito inclusivo que expõe os
limites e as possibilidades reais de qualquer construção comum”3. É necessário um
diálogo, entre as diversas religiões, baseado na humildade, quando todos podem
aprender e sair lucrando com o encontro do outro, o diferente.
A finalidade do monaquismo Hinduísta, Budista e Cristão é a busca pela
perfeição, embora a intenção interior de cada uma delas seja distinta: a fonte de
inspiração para uns é Buda e para outros é Jesus Cristo, mas os dois podem levar o
ser humano para um elevado nível espiritual, sendo a perfeição uma busca contínua
de ambos. Hinduísmo designa a religião geográfica da Índia, onde nasceu e é
praticada. Mas para os seus praticantes, ela é a Sanatana Darma, a Lei Eterna.
Enfim, o que importa neste trabalho é dar destaque à presença dos monges
dentro destas religiões. À margem do Hinduísmo, “existiam os ascetas e extáticos”4.
Quanto ao surgimento da vida monástica budista, sabe-se que essa forma de vida
nasceu do próprio coração de Buda, que sente a necessidade de reunir homens
para instruí-los e levá-los a perfeição:
A comunidade dos monges, porém, não surgiu como uma imposição do ambiente, mas nasceu da própria determinação de Buda, que julgou oportuno reunir os seus monges durante os meses de chuva, para instruí-los e corrigi-los. Por causa destas reuniões, surgiram a princípio cabanas isoladas, depois residências estáveis (vihâra), enfim comunidades organizadas, que passaram a celebrar grandes cerimônias de renovação espiritual, como os retiros (pavâranâs), com dias de jejum, de leituras de regras e de recitação de
3 García M. COLOMBÁS, La tradición Benedictina, ensayo histórico - tomo primeiro - las raíces, p. 14. 4 “Existían los ascetas y extáticos”. Ibid., p. 29
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culpas. Estes mosteiros budistas exerceram posteriormente grande influência, não só no desenvolvimento do próprio Budismo, como também na evolução histórica e cultural de alguns países.5
No Budismo, o monaquismo, ocupa uma parte central, enquanto que no
Hinduísmo e no Cristianismo, o monaquismo fica em um lugar mais periférico:
Jesus e seus discípulos não eram monges, o Buda e seus discípulos sim. No budismo primitivo, aquele que quisesse seguir o caminho da salvação e retirar-se do mundo ingressava no sangha, na comunidade monástica. Os monges budistas se distinguem dos outros monges hinduístas pelo fato de seguirem o Buda como seu modelo, de abraçarem sua doutrina e a regra de sua ordem.6
Ou ainda:
O Budismo, nas suas variadas formas, reconhece a insuficiência radical deste mundo mutável e ensina o caminho através do qual os homens, com coração devoto e confiante, poderão atingir o estado de libertação perfeita, ou chegar ao estado de iluminação suprema por meio dos próprios esforços ou com a ajuda vinda do alto.7
Veremos, a seguir, com mais detalhes, cada uma destas tradições.
1.1 - Monaquismo no Hinduísmo
O monaquismo no Hinduísmo é antiguíssimo, não podemos dar uma data
precisa sobre seu nascimento. Apenas indicar alguns pontos de referência, dos
quais, os mais seguros, são fornecidos pelas datas de aparecimento de textos
sagrados. A tradição mais antiga remonta provavelmente aos anos 2000 ou 1500
antes de nossa Era. Portanto, a idade do Hinduísmo é de pelo menos 3500 anos
antes de Cristo.
Sua busca pela contemplação encontra na meditação o meio de alcançá-la e
obter, como fruto, uma sabedoria plena de poder salvífico. Em suas tendências 5 Valdomiro Otávio PIAZZA, Religiões da humanidade, p. 251. 6 Hans KÜNG, Religiões do mundo, p. 157. 7 VATICANO, Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II - Nostra Aetate, p. 341-342.
24
teístas primitivas, a contemplação tem um efeito unificante e libertador, no sentido
de reunir o ser humano ao absoluto, que é o próprio Deus:
No hinduísmo é importante que se reconheça a validade dos Vedas, os escritos sagrados, e a autoridade dos sacerdotes (brâmanes). Porém, trata-se antes de experiência (de Deus) do que de fé (em Deus). Para esta experiência de Deus, no entanto, é necessário que se tenha confiança e entrega (bhakti): a amorosa veneração do grande Deus Vishnu, por exemplo, cria a base interior para a libertação, e retorno da alma para Deus.8
O primeiro período da história religiosa da Índia (2000-600 a.C.) é conhecido
como Védico, devido à elaboração dos textos teológicos e científico-culturais
denominados Veda9. As principais características dessa religião eram o politeísmo, a
grande importância do culto-sacrifical, a complexidade da liturgia e o
desenvolvimento lento e ininterrupto de um pensamento filosófico-teológico com
grandes intuições religiosas e místicas.
Ao mesmo tempo em que a religião constituía-se, a sociedade assumia uma
estrutura estratificada no rígido sistema de castas10, que os brâmanes consideravam
8 Burkhard SCHERER, As grandes religiões, p. 77. 9 “Livros do período védico: Veda que dizer conhecimento, não de verdades teóricas, mas de ritos e de hinos sagrados, que produziam o “brahman”, espécie de força primordial que garantia a ordem cósmica (rita), o poder dos deuses e a ventura dos homens... Daí a importância que os hindus davam a certas preces (mantra) e gestos (nuasa). Os Vedas são os livros que contém estes hinos e ritos, tidos como ditados por “videntes” (rishis), constituindo quatro grandes coleções (samhitâs): 1 - Rig-Veda (Veda dos hinos): coleção de hinos métricos (ric), invocando, em geral, os deuses durante a oblação do “soma”, licor feito de uma planta desconhecida, e durante o sacrifício do fogo sagrado, realizado com manteiga fundida (ghi). 2 - Sâma-Veda (Veda das melodias): coleção de cantos sagrados, destinados aos “udgâtar”, sacerdotes que tinham o ofício de cantar as orações prescritas (sâman), lembremo-nos de que nas religiões primitivas o som tinha efeito mágico. Era o livro dos feiticeiros e mágicos. 3 - Yajur-Veda (Veda das fórmulas do sacrifício) divide-se em duas coleções: a Branca e a Preta. Esta última, mais antiga, tira o nome de “krishna”, o “obscuro”, porque as suas fórmulas (yajus) resistem à exegese dos brâmanes. São em prosa e de caráter mágico. 4 - Atharva-Veda (Vedas dos atharvans): mais recente, está escrito em versos e destina-se aos “atharvans” (os bons feiticeiros) e aos “angiras” (os maus feiticeiros). Nota-se já na sua elaboração a supremacia dos brâmanes”. Waldomiro Otávio PIAZZA, Religiões da humanidade, p. 218-219. 10 “O Sistema de castas e os deveres sociais e religiosos individuais (svadharma) governam tão intensamente a sociedade, que dentro do hinduísmo o engajamento social nunca teve maior desenvolvimento. A vida atual é condicionada pelas ações anteriores, portanto pelo mau carma. Sobre este pano de fundo, a justiça social não é nem possível, nem coerente. O moderno estado indiano, com sua constituição social, tenta enfrentar a rigidez desta mentalidade de muitos séculos. Também os movimentos reformistas hindus e as comunidades hinduístas no Ocidente com freqüência possuem uma mentalidade muito beneficente. Aqui o ponto de partida é formado, por exemplo, pela idéia do bhakti: a entrega amorosa ao Deus Vishnu ou Shiva (bhakti) se manifesta também pelo amor ativo ao próximo”. Burkhard SCHERER, As grandes religiões, p.126.
25
como vinda do direito divino. Os brâmanes11 constituíram a casta superior e
reservavam para si a exclusividade da custódia da lei védica e da realização das
práticas religiosas de cunho utilitário, voltadas para a obtenção da felicidade e das
prosperidades terrenas, tais como longa vida, numerosa prole e todo tipo de bens
materiais:
Riqueza e pobreza são consideradas o resultado de atos anteriores. Para o desenvolvimento espiritual do homem, podem constituir um obstáculo, sobretudo o luxo e o gozo dos sentidos. Por isso sempre de novo surgiram movimentos que consideravam privações corporais extremas como meios e instrumentos no caminho da libertação (maksha). Os naga-sadhu`s do Deus Shiva, ascetas nus de cabelos emaranhados, ainda hoje marcam o panorama das ruas de muitas cidades indianas. Em muitas histórias se relata que, pela renúncia à sexualidade e pelo jejum, estes ascetas desenvolveram um “fogo interior” (tapas) que lhe conferiu capacidades mágicas (siddhis). Assim eles ganham a chave para o mundo (o jogo das ilusões), ameaçando a ordem divina. Os deuses, então, precisam dar um jeito. Muitas vezes o Deus Shiva, que une em si continência e prazer sexual, tenta os ascetas, desta forma apagando neles o fogo interior.12
Porém, ao lado dessa religião materialista, havia os ascetas que, sujos e nus,
viviam expostos ao tempo e levavam uma vida em busca da elevação espiritual.
“Uns levam longos cabelos e se vestem miseravelmente, às vezes pedaços de
árvores, outros andam completamente nus, alimentam-se de esterco e urina de
vaca, vivem nos cemitérios”13. Estes são alguns traços monásticos, porém jamais
saberemos suas reais motivações.
A especulação filosófica acabou influenciando grandemente a vida religiosa
hinduísta. A principal idéia foi de que existe uma vida após a morte e que, como
11 “Do ponto de vista dos brâmanes-orgulhosos de possuir a “língua sagrada” (o sânscrito) -, a porção nordeste da Índia, onde o Buda atuava como líder religioso, não pertencia às áreas religiosamente predestinadas do subcontinente. Era encarada, com efeito, como território bárbaro, local de idiomas impuros, inclusive o magadhi, dialeto falado por Siddhartha Gautama. Importante, ainda, era o fato de Buda pertencer a uma família de Ksatriyas, casta tradicionalmente inferior à dos sacerdotes. O nascimento e crescimento do movimento budista foi, portanto, uma forma de articulação emancipadora de uma região até então considerada decadente. Sob o pretexto de debates filosóficos e religiosos, fermentavam tensões relativas à ordem social tradicional. Em outras palavras: a negação, por ksatriyas, da sublimidade do sânscrito e do status dos Vedas como suposto manifesto do eterno conhecimento e da máxima autoridade era, na verdade, uma articulação de exigências contra a antiga hierarquia da sociedade tradicional indiana”. Frank USARSKI, O budismo e as outras, p.68-69. 12 Burkahard SCHERER, As grandes religiões, p. 106. 13 García M. COLOMBÁS, La tradición Benedictina, ensayo histórico - tomo primeiro - las raíces, p. 29.
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efeito automático de seus atos, a pessoa virtuosa, ao morrer, renascia em um lugar
de deleites. Mas, tais situações não eram eternas, cessando no momento em que
acabassem os efeitos dos atos bons ou maus. Neste momento, os indivíduos
renasciam nesta terra num incessante ciclo de renascimentos e de mortes:
É o que chamamos comumente transmigração das almas e o que seria melhor chamar metempsicose ou metensomatose.14 O termo vem de sam si: “correr com”. O samsara é a corrente perpétua e cíclica que arrasta o atmã, a alma individual, através das reencarnações sucessivas. É simbolizada por uma roda sempre em movimento ou pela sucessão das vagas de um rio incessante. O atmã, a alma eterna, ela voa de corpo em corpo. Qual pássaro migrador, o hamsa, ela voa de corpo em corpo, sem fim, durante todo um ciclo cósmico, antes de fundir-se no “brama”. Mas, pesando mais por causa de seus atos maus, cai na escala dos seres, renascendo no corpo de um homem de categoria inferior, até de um animal ou planta. Ou, tornada leve por suas boas ações, eleva-se até alcançar o brama. Nas crenças populares posteriores instauram-se todo um código das reencarnações: do homem ao vegetal, passando pelo macaco, pelo pássaro e pelo inseto, 86 milhões de vezes (...)
Além dessas especulações muito minuciosas, o samsara contém duas concepções, comuns a todas as religiões, sobre a morte e o além. A morte não é definitiva. Mas, se para os animistas os espíritos sobrevivem entre os vivos e, para os cristãos os corpos dos santos ressuscitarão no fim dos tempos, para o hindu a alma transmigra de corpo em corpo até sua dissolução no brama. Mas ela não conhece a Salvação cristã, nem sequer o Paraíso de Alá. Espera a libertação. Ser libertado é escapar ao sofrimento das reencarnações. A alma chega a esse estado pela observância dos ritos e principalmente pelo conhecimento da identidade entre ele e o absoluto. O que distingue o samsara hinduísta das outras formas de metempsicose é que ele repousa na crença fundamental no carma.15
A partir deste pressuposto, desenvolveu-se a teoria de que existe uma
unidade total entre o principio individual e o principio cósmico ou a essência do
universo. Somente a meditação e o conhecimento intuitivo de que atman e Brahma
são uma só coisa é que podem libertar o ser humano do samsara. Tais idéias foram
pouco a pouco penetrando na sociedade e contribuindo poderosamente para dar um
valor positivo à vida virtuosa e à ascese, pois elas colaboravam poderosamente para
se obter a união definitiva do atman com o Brahama. A vida ascética é um caminho
para a total libertação e a concretização desta união.
Vejamos a seguir os possíveis estados de vida, que o Hinduísmo oferece.
14 Transmutação de um corpo em outro. 15 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 79-80.
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O pantis é uma espécie de doutor no hinduísmo. Sabe de cor o Veda e o saber que se pode encontrar nele sobre Deus, o homem e o universo. É sábio e teólogo. O eremita, como em todas as religiões, é aquele que renuncia ao mundo para dedicar-se melhor a Deus. Na Índia, isso significa deixar a casa e a família para percorrer as estradas, de santuário em santuário, pregando aos aldeões. Muitos são venerados como “loucos de Deus”. O sadu é um eremita que, para escapar ao ciclo dos renascimentos, isola-se no silêncio e no jejum. Pior que um pária, abandona tudo e é abandonado por todos. É um “renunciante” que concebeu essa loucura: juntar-se diretamente ao brama, escapando do universo dele. Enfim, a partir do século VIII, foram criados mosteiros ligados ao culto de Siva ou de Vixnu. Neles, os monges, homens ou mulheres, praticam uma ascese particular sob a direção de um mestre. Existem, finalmente, os gurus, isto é, “homens de peso”, em sânscrito. Cada um está à frente de uma seita, fundada por ele mesmo e que, geralmente, não sobrevive a ele. Muitas vezes muitos humildes, até analfabetos, são principalmente mestres espirituais. Seu ensinamento sobre o darma atraí discípulos. O guru os inicia, ensina-lhes fórmulas sagradas e os ajuda a se identificar com a última realidade. É geralmente para um guru que o pai apela, quando chega o tempo de seu filho ser ensinado no hinduísmo. 16
A vida comunitária, no monaquismo Hinduísta, é praticamente desconhecida,
são monges mendicantes e itinerantes. Seus poucos mosteiros são de dimensões
modestas, onde um guru17, figura indispensável, convive com uns poucos discípulos
e eventualmente com algum hóspede. Os monges possuem uma regra de vida
extremamente simples: 1- Mendigar o sustento uma vez ao dia; 2 - Dominar suas
paixões; 3 - Exercitar continuamente a vigilância; 4 - Vestir uma túnica cor de
açafrão; 5 - Depender única e exclusivamente da generosidade alheia no que toca à
sua manutenção. Seus principais votos são: 1- Não prejudicar a nenhum ser vivo; 2 -
Ser sincero; 3 - Não roubar; 4 - Não perder o autodomínio; 5 - Ser generoso.
Exposto resumidamente o que significa ser monge no hinduísmo, percebe-se
alguns elementos comuns com o monge cristão. A vida ascética, os votos, a
meditação e a dedicação exclusiva ao ideal abraçado, comprometimento feito por
toda a vida. Motivo de admiração e de respeito pela generosidade tão grande de
pessoas que decidem viver este estilo de vida.
16 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 93-94. 17 “Preceptor do menino que entra para a comunidade bramânica, mestre espiritual reconhecido como tal por seus discípulos”. Ibid., p. 107.
28
1.2 - Monaquismo no Budismo
A história nos ensina que o surgimento dos monges budistas teve início com
os primeiros cinco companheiros, após o Primeiro Sermão de Benares, chamado
“Sangha”. No início do Sermão, encontra-se o fundamento do budismo: o sofrimento
é universal: “O nascimento é dor, a velhice é dor, a doença é dor, a morte é dor, a
união com o que não se ama é dor, a separação do que se ama é dor, não obter o
que se deseja é dor”18. Esta descoberta referente à dor é o fundamento das Quatro
Verdades Santas:
As quatro verdades salientam que: a) a vida é marcada pelo sofrimento; b) o sofrimento tem suas raízes em conceitos falsos e atitudes erradas; c) o sofrimento pode ser vencido sob a condição de que suas raízes sejam superadas; e d) o método de superar a situação existencialmente precária consta no caminho óctuplo ensinado pelo Buda para alcançar o nirvana, objetivo soteriológico do Budismo qualificado pela extinção das raízes do sofrimento e, portanto, pela ausência do mesmo. Do ponto de vista do pensamento budista em torno do axioma da não-substancialidade, a primeira verdade confirma que o sofrimento como experiência subjacente de qualquer ser vivo não iluminado nasce da construção de um autoconceito baseado na imaginação do atta. Segundo a tradição budista, essa idéia de um self cultivado pelo individuo nasce de um “engano” (avidya) fundamental, determinado pelo habito de mergulhar no fluxo permanente de atividades corporais, mentais e emocionais que o levam a se perceber como portador “autônomo” de todas as experiências, sensações e conteúdos mentais.19
Para Buda, não há “eu”, mas somente um aglomerado de cinco elementos: o
corpo, as sensações, as representações, as formações e o conhecimento. Para o
budismo, o ser se reduz a uma simples denominação. “Eu” é somente o nome que
damos a essa união provisória de elementos. Fora dessa designação, não há
realidade. O ser não existe senão pelo apego a essa aparência de ser. Todo apego
é sofrimento. O que nos faz sofrer é nossa vontade de viver, nosso desejo de existir
e de nos perpetuar, nosso temor permanente de perdermos o que pensamos ser.
Viver eternamente é o nosso desejo, mas vamos morrer. Ser felizes sem cessar não
é possível e isto causa sofrimento. Nosso desejo de viver, apegado à aparência, só
provoca a decepção incessante do sofrimento humano. O que se busca é
desapegar-se de tudo. Deve-se matar o desejo, até aniquilar a sede e viver através
18 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 116. 19 Frank USARSKI, O budismo e as outras, p. 29-30.
29
da prática da meditação pura. Nesta verdade está à ética budista, que também é
chamada de caminho óctuplo:
A trilha espiritual budista praticada para se liberar do mecanismo da perpetuação no samsara é composta por oito elementos. A literatura especializada organiza esses aspectos geralmente em três blocos, a saber: a sabedoria, moralidade e cultura mental. O que especificamente importa, no contexto do presente trabalho, é a rubrica de moralidade ou ética. A ética budista enfatiza a importância da intenção com a qual uma ação é levada a efeito. Motivações alimentadas por apego, ódio e ignorância são carmicamente negativas, especialmente quando se realizam em ações correspondentes. Em oposição, intenções caracterizadas como não-apego, benevolência e entendimento são classificadas como construtivas, não apenas no sentido de um comportamento que beneficia outrem, mas também porque trazem futuras consequências positivas para o próprio autor.20
As quatro verdades estão próximas da mensagem original de Buda. A
sabedoria e a meditação, das quatro verdades santas, supõem o estado monacal. O
budismo é praticado plenamente pelas confrarias de monges que acompanham o
mestre pelas estradas, mendigando e ouvindo seu ensinamento, tal como pregado
pelo próprio Buda:
O Buda sempre insistiu em que seu ensinamento se baseava inteiramente em sua própria experiência. Não estudara as opiniões de outros, nem criara uma teoria abstrata. Tirara suas conclusões da história de sua própria vida. Ensinava aos discípulos que, se quisessem chegar á iluminação, deviam abandonar seus lares, tornar-se monges mendicantes e praticar disciplinas mentais de ioga, como ele fizera. Sua vida e doutrina combinavam-se inextricavelmente. Sua filosofia era essência autobiográfica, e os principais contornos de sua vida eram descritos nas escrituras e comentários como modelo e inspiração para outros budistas. Como ele disse: - Aquele que me vê, vê o dhamma (a doutrina), e aquele que vê o dhamma, vê a mim. 21
O Budismo está presente em todos os países, um fator que traz em si
algumas complexidades, devido às suas diferenciações, sobretudo nos países
asiáticos tradicionais, onde o monaquismo é muito prestigiado:
20 Frank USARSKI, O budismo e as outras, p.31-32. 21 Karen ARMSTRONG, Buda, p. 15
30
Trata-se de duas lógicas religiosas próprias. Uma representada por monges e monjas, qualificando-se por uma organização rigorosa, uma ética minuciosamente regulamentada e uma rotina consequentemente orientada no ideal da realização, o mais imediatamente possível, do nirvana. A outra lógica é constitutiva para os budistas leigos e leigas. Comparada com as condições monásticas, a religiosidade leiga é caracterizada por uma série de concessões diante das exigências da vida mundana, inclusive o principio de que a “existência civil” é desprivilegiada em termos da realização do nirvana, o que faz com que a prática religiosa se concentre no acúmulo de um carma positivo em prol de uma reencarnação soteriologicamente mais auspiciosa.22
Expor numa visão panorâmica o processo do monaquismo Budista é a
finalidade deste item. Como se dá o processo de formação do monge budista?
Podemos entendê-lo em duas etapas:
A primeira, aos dezesseis anos. É a pravrajya, a saída do mundo. Apresentado por um mestre à assembléia dos monges, o futuro noviço se compromete a confiar nos “três refúgios” e a observar os “dez mandamentos”. Depois de admitido, o noviço, vestido com sua roupa amarela, mendiga pelo resto do dia em companhia de seu mestre. Após vários anos, quatro, no mínimo, vem a segunda ordenação: o upasampada, a entrada. É um verdadeiro exame, no qual o impetrante deve dar provas tanto de sua boa saúde como de sua plena liberdade. Mas o novo bhikshu23 pode deixar livremente a ordem na qual entrou como também ser excluído dela por faltas graves: fornicação, roubo, homicídio, impostura. 24
A profissão de fé nos “três refúgios” ou ainda a trijatna25, que o noviço, futuro
monge, faz, consiste na confiança depositada no Buda, na lei e na Comunidade. Eis
a fórmula:
1 - Eu ponho minha confiança em Buda.
Buddha (em Pâli: Gotama). Nos textos em sânscrito, Buda é chamado Shâkyamuni (o monge dos Shâkyas), seus discípulos o chamavam Bhagavat (o bem-aventurado), o povo lhe dava o titulo de Buddha (o iluminado), também aparecem os apelidos Siddhârta (o que chegou ao fim) e Tathâgata (o que chegou à verdade). Nada diz, de novo, mas introduz um novo método de vida interior, a via média. Evita os excessos entre a austeridade e o pietismo (separado dos outros para encontrar-se a si mesmo, e bastante
22 Frank USARSKI, O Budismo e as outras, p. 24- 25. 23 Monge mendicante. 24 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p.121. 25 As três jóias: bodhi, darma, sangha, isto é, a sabedoria, a lei e a comunidade, que permitem chegar ao nirvana.
31
vizinho dos outros para encontrá-los). Preocupa-se mais em salvar o homem do que honrar os deuses. 26
2 - Eu ponho minha confiança em lei (Dharman).
Buda propõe sua doutrina como um “iluminado”, ou seja, como alguém que obteve por seu esforço pessoal, um conhecimento claro e exato da situação do homem no mundo (no cosmo). Por isso, ele expõe a sua doutrina sem imposição dogmática e sem justificação racional. Ele parte de um fato: a existência do homem é de si mesmo dolorosa, e a dor é causada pelo apego do homem à sua vida terrena. Daí a necessidade de extinguir este apego (thana). Buda serve-se dos conceitos da cultura do seu tempo para expor esta doutrina, sem especular sobre eles, mas dando-lhes um sentido compatível com a sua intuição da dor. Por isso, pode-se dizer que Buda se apresenta como um “médico”, e não como profeta ou mestre, propondo-se curar o homem do “mal da dor”. No seu ensino ele: exclui a religião e a filosofia: Afirma: a necessidade da salvação (libertação da dor). A inutilidade das especulações e da oração (o homem deve libertar-se a si mesmo). A realidade da experiência e o seu valor pessoal (lei do Dharman).27
3 - Eu ponho minha confiança na comunidade.
O termo “samgha” parece provir de “sam-han”, que corresponderia ao nossa “con-gregação”. É um conceito pré-búdico, pois serviu também para indicar a confraternidade jainista, mas logo se tornou o termo consagrado para designar o movimento budista. Ao tempo de Buda, a vida religiosa, independente de filiação sectária, supunha quatro etapas ascensionais: a do “Brahma-cârya” (estudante, principiante), a do “grahasta” (pai de família, adulto), a do “vanaprastha” (eremita- asceta) e a do “samnyâsin” (monge esmoler). O budismo adotou a denominação de “brahmacârya” (castidade perfeita) para os principiantes, chamados também na Tailândia de “nâga” (serpente), para indicar que ainda estavam presos ao mundo (à terra), de “bhiksu” (mendicantes), para os monges aprovados, e de “upâsaka”, para os que não abandonavam o mundo. 28
Ele também se compromete a observar os dez mandamentos29:
1 - Abster-se de destruir a vida. 2 - Abster-se de roubar. 3 - Abster-se de fornicar e de outras impurezas. 4 - Abster-se de mentir. 5 - Abster-se de licores fermentados, do álcool e de bebidas fortes. 6 - Abster-se de comer nas horas proibidas. 7 - Abster-se de danças, de cânticos e de todos os espetáculos. 8 - Abster-se de enfeitar e embelezar-se com grinaldas, perfumes e ungüentos. 9 - Abster-se de fazer uso de um leito ou de uma cadeira elevados ou espaçosos. 10 - Abster-se de receber ouro e prata. 30
26 Waldomiro Otávio PIAZZA, Religiões da Humanidade, p. 248-249. 27 Ibid., p. 249-250. 28 Ibid., p. 251. 29 Cf. Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 120. 30 Ibid., p. 120.
32
Todas as religiões possuem seus ritos de passagem, que são celebrações
comunitárias e significativas. Uma das cerimônias dentro do Budismo é a confissão.
Em tempo de lua nova e de lua cheia, duas vezes por mês, ela é celebrada,
desenrolando-se em “oito partes, com interrogatório, introdução e catálogo, com
classificação das diversas faltas, desde os pecados “indecisos” até “os pecados
capitais”; os que abrem para a absolvição e os que conduzem à exclusão temporária
ou definitiva”31. A realização das festas acontece dentro do próprio culto e as mais
importantes são: “Pravarana, no fim da estação das chuvas; o dia da lua nova de
abril, aniversário da entrada de Buda no nirvana, e, no começo da primavera, a
comemoração da vitória de Buda sobre o diabo Mara” 32. As festas são uma maneira
alegre de fazer memória de alguns fatos significativos dentro das religiões.
Em algumas religiões como o Cristianismo, Hinduísmo, Islamismo e Budismo
a mulher nem sempre é valorizada. Em nome da religião a mulher sofre
descriminações abertas e veladas. Diante de Deus todos somos iguais, exercendo
apenas, funções diferentes, mas nenhum ser humano está acima de outro ser
humano. Poderíamos, perguntar para todas as religiões, qual a posição e o respeito
para com a mulher?
Para o Budismo, qual é o status que a mulher ocupa dentro da religião, mas,
sobretudo no monaquismo? A mulher33 só é aceita com muitas precauções. O
próprio Buda acabou aceitando sua mãe, após uma longa reflexão:
A primeira a ser admitida foi a mãe de Buda, depois que se tornou viúva, depois de tê-la recusado, ele a aceitou, somente para evitar que andasse vagando sozinha. Em seguida, regras muito severas – oito - são impostas às postulantes. Elas permanecem sempre retiradas atrás em relação aos monges. Segundo Buda, “uma monja, ainda que tenha cem anos, deve
31 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 121. 32 Ibid., p. 122 33 “Homem e mulher possuem iguais direitos: ambos podem pelos mesmos meios chegar à iluminação. Isto não significa que nos países budistas as mulheres não sejam ou não tenham sido prejudicadas: aos budistas interessa mais a meditação do que a revolução social! E a doutrina de Buda sobre a igualdade dos sexos já se deparou com grande desconfiança em seu ambiente mais íntimo: os antigos ascetas ambulantes temiam por sua castidade. (...) Assim, só com considerável resistência, e um tanto a contragosto, foi que Buda criou uma ordem de monjas. Ele acreditava, pessimisticamente, que com isto estava abreviando em 500 anos o tempo de vida da sua doutrina. Por via de regra a posição da mulher nos países budistas corresponde às tradições culturais de cada país. No budismo monástico do Sri Lanka, Tailândia, etc., a distinção “monge- leigo” é mais importante do que a distinção dos sexos. Para o budismo dos leigos e dos realizadores do “grande veículo” (mahayana), o sexo não desempenha nenhum papel.” Burkhard SCHERER, As grandes religiões, p. 125.
33
reverenciar um monge, levantar-se à sua chegada, saudá-lo com as mãos juntas e honrá-lo, ainda que tenha sido recebido na ordem nesse mesmo dia.34
Após muitas insistências e a intercessão do influente monge Ananda, a tia de
Buda, Mahã Pajãpati é aceita no monaquismo, desde de que observasse as regras e
estivesse praticamente sob o domínio dos monges. No primeiro concílio budista,
Ananda foi acusado de ter cometido um delito, por tentar obter de Buda a permissão
para fundar o primeiro ramo feminino:
Com tudo, o cânon conserva relatos muito positivos sobre o primeiro desenvolvimento do instituto das bhikkhunis, como chamam as monjas. Mostraram-se muito receptivas a respeito da doutrina e muito fervorosas na prática do ascetismo e na concentração menta, muitas alcançaram o estado de perfeição (arhat). Particularmente interessante desde este ponto de vista é um dos textos mais antigos que possuímos, com o título o canto das monjas, nele explica a vocação de muitas mulheres. Eram numerosas as viúvas e as que renunciavam o mundo, seguindo o exemplo de seus maridos e irmãos, as virgens poucas. 35
A questão de gênero tem gerado ao longo da história das religiões alguns
conflitos, mas aos poucos as mulheres vão conquistando seu espaço e contribuindo
para o aperfeiçoamento da própria religião.
Mas, afinal, quem foi Buda? O nome verdadeiro de Buda era Gautama
Sidharta. Ele nasceu por volta de 563 a.C. em uma casta de nobres guerreiros.
Casou-se e vivia como um príncipe. Aos vinte e nove anos de idade, deparou-se
com um velho, um doente, um cadáver e um monge com sua sacola de esmolas.
Estes encontros o fizeram refletir sobre a velhice, o sofrimento e a morte.
Desgostoso com sua vida de prazer e de luxo, ele decide abandonar sua esposa e o
palácio com toda sua glória, iniciando a vida errante de um asceta com as mais
duras mortificações. De acordo com a lenda, ele se refugiou no mais profundo das
florestas, mudando suas vestes de seda para uma veste feita de casca de árvores:
34 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p.120-121. 35 García M. COLOMBÁS, La tradición Benedictina, ensayo histórico - tomo primeiro - las raíces, p. 50.
34
Quando deixou a casa do pai vestindo a túnica amarela do monge mendicante que pedia comida, Gautama acreditava que partia numa aventura emocionante. Sentia a atração da estrada “inteiramente aberta”, e o estado radioso e perfeito de um “sem lar”. Todos nessa época falavam da “vida santa” como uma nobre missão. Reis, mercadores ricos proprietários honravam igualmente aqueles bhikkhus (mendigos) e disputavam uns aos outros o privilégio de alimentá-los. Alguns tornavam-se protetores e discípulos constantes. Não era nenhuma moda passageira. As pessoas na Índia são tão materialistas quanto quaisquer outras, mas tem uma longa tradição de veneração daqueles que buscam o espiritual, e continuam a sustentá-los.36
Após sete anos de dura ascese e não encontrando a almejada libertação,
nem nas especulações filosófico-teológico dos brâmanes, nem nas austeridades,
nem práticas iogues e nem nos ensinamentos dos diversos mestres que freqüentou,
abandona-os e, através do seu próprio esforço, acaba atingindo, em uma única noite
de intensa meditação, a iluminação. É a iluminação libertadora, que teria sobrevindo
perto da aldeia de Uruvela, quando Gautama, sentado embaixo de uma figueira,
havia recebido oferta de arroz de uma jovem. Tendo atirado o prato no rio, ele viu o
prato subir a correnteza. Como o prato, ele subia à fonte da verdade. “Não acendo
fogo do altar, acendo uma chama em mim, a lareira é meu coração”37.
Despertou para a realidade essencial e alcançou a paz graças à extinção das
paixões. Sentiu-se libertado da existência e, portanto, da dor. Supôs que não voltaria
a renascer. Tornou-se um Buddah (desperto). A partir daí, movido por uma grande
compaixão pelas pessoas, dedicou-se a pregar as Quatro Verdades Santas e a
formar discípulos com a finalidade de libertá-los do sofrimento e da miséria da
condição humana e fazer com que alcançassem a iluminação:
Para obter a felicidade, precisamos de paz interior. A felicidade real, duradoura, não se obtém de uma fonte externa. Isso não significa que não possamos ter felicidade baseada em circunstâncias e situações externas, mas a felicidade real e duradoura deve advir de dentro.38
Quem não deseja uma vida feliz? Pode-se resumir a doutrina de Buda como:
tudo é aparência. Um filósofo budista do século V, Yacomitra, declarou: “Os seres
não são criados nem por deus, nem pelo espírito, nem pela matéria. Tudo é ilusão, 36 Karen ARMSTRONG, Buda, p. 37-38. 37 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 113. 38 Traleg KYABGON, A essência do Budismo, p. 32.
35
Deus mesmo é ilusório, a única realidade é a dor universal, essa é a grande
descoberta de Buda”39.
Portanto, o perfeito estado de libertação da ignorância, do ódio e da
sensualidade só é acessível aos monges: “As pessoas encaravam os ascetas como
pioneiros: eles exploravam domínios do espírito para trazer socorro aos homens e
mulheres sofredores”40. O leigo, por mais comprometido que esteja com a doutrina
de Buda, por causa dos múltiplos cuidados da vida mundana, pode, no máximo,
acumular méritos que melhorem seu karma de modo a permitir que venha a ser
monge em uma próxima encarnação.
Os monges são discípulos e modelos, que ensinam a religião na qual
iniciaram seu processo de conversão e pretendem dia a dia continuar este caminho
de aniquilação do eu, visando o estado de perfeição.
O Budismo pode ser comparado a uma árvore com muitas raízes. A ênfase
deste capítulo foi conhecer um pouco melhor o monaquismo nestas duas religiões
milenares, o Hinduísmo e o Budismo, mesmo que em linhas gerais. Küng diz que
Buda foi o primeiro a aprender a arte de se esvaziar de si mesmo e, por isso, torna-
se o iluminado:
Quem foi o primeiro a aprender a arte de esquecer o próprio eu? Não foi nenhum psicólogo dos nossos tempos, mas sim o Buda, 2.500 anos atrás. Ele ensinou a arte de viver com atenção, cujo símbolo veio a ser o tiro com arco e flecha. Para Buda, o reto esforço e a reta intenção (sati) constituem uma condição para a concentração meditativa (samadhi) que leva à perfeita iluminação (bodhi).41
Há muitos elementos semelhantes entre os monges budistas e os monges
cristãos. A roupa simples e o canto dos salmos, o distanciamento do mundo e a
saída de casa, a observância de uma regra, a renúncia aos bens materiais e a
abstinência sexual são apenas alguns exemplos.
Dentro do Cristianismo, há diversas correntes monacais. No próximo capítulo,
apresentaremos o seguimento beneditino, baseado na pessoa de São Bento e em
sua Regra, que dá o perfil do que deve ser o monge beneditino. 39 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 113 40 Karen ARMSTROG, Buda, p. 38. 41 Hans KÜNG, Religiões do mundo, p. 149.
36
CAPÍTULO II: MONAQUISMO CRISTÃO E A VIA BENEDITINA
Este segundo capítulo, o Monaquismo Cristão e a via Beneditina, é formado
por quatro itens. Explanaremos as origens remotas do monaquismo Cristão;
passaremos pelo pai dos Beneditinos, São Bento, já que é indispensável o
entendimento da sua pessoa para compreender sua Regra; dissertaremos sobre a
norma que ele elaborou para os monges beneditinos, que continua servindo de
instrumento valioso de vivência para muitas pessoas e, sobretudo, para a formação
do novo monge beneditino e; por fim, explanaremos a respeito do perfil do monge
Beneditino, caracterizado fundamentalmente pela vivência da Regra de São Bento.
2.1 – Monaquismo e tradição
No monaquismo1, os ensinamentos são transmitidos através da Tradição:
“tudo aquilo que ouvimos e aprendemos e transmitiram para nós os nossos pais, não
haveremos de ocultar a nossos filhos, mas à nova geração nós contaremos”(Sl 77,
3-7). Em várias regiões do mundo, o monaquismo foi nascendo e se organizando.
Em nossos dias, ele se apresenta como uma proposta de vida para muitas pessoas.
O monaquismo Cristão e a via Beneditina são uma imensa riqueza contida dentro do
seio da Igreja Católica e que, por vezes, não são conhecidos em profundidade e até
mesmo deixados à margem.
Por volta do ano 500 de nossa Era, o monaquismo contava com dois ou três
milênios de existência ininterrupta, como vimos no primeiro capítulo, apesar de suas
origens se perderem nas trevas dos tempos mais remotos. Desde que
misteriosamente se rompeu a unidade primigênia, segundo a crença comum
presente em várias religiões e em várias filosofias, sempre houve monges e monjas:
Ao longo da história sempre de novo surgiram na Igreja cristã movimentos de pobreza, cujos adeptos e adeptas, seguiram a Jesus, renunciando à
1 Estado daqueles que se dedicam inteiramente a Deus. Adalbert G. HAMMAN, Os Padres da Igreja, p. 7.
37
propriedade e à riqueza, procurando concretizar esta independência por uma vida ascética ou monástica.2
Homens e mulheres que renunciavam ao mundo falacioso para buscar a
salvação no Absoluto ou no Nirvana. Rompendo todos os laços que fosse preciso,
adotando estilos de vida austeros e duríssimos e se esforçando para alcançar
Alguém ou algo que transcende o ser humano.
Monaquismo Cristão e Tradição Beneditina são distintos do monaquismo
Hinduísta e Budista, mesmo possuindo elementos semelhantes, apresentados no
capítulo anterior. O monaquismo Cristão é a busca de Deus através de Jesus Cristo,
uma vez que o conhecimento e a experiência de Deus se dão somente em Jesus
Cristo. São Bento, o pai dos beneditinos, compreendeu e viveu profundamente esta
verdade.
O termo traditio, que se origina do latim, designa o ato de entregar alguma
coisa.3 Todo grupo humano tem sua tradição e os monges, os mosteiros e as
associações monásticas de qualquer espécie não constituem exceção. Ao contrário,
já desde as primeiras décadas da história do monaquismo Cristão, a Tradição foi
objeto das mais vivas recomendações dos grandes mestres. Santo Antão4, São
Pacômio5 e muitos outros Pais do monaquismo como Santo Agostinho, São Basílio e
São Jerônimo, deram origem às diversas tradições paralelas, ainda que com um
importante núcleo comum. Estas várias correntes formam o grande início da gênese
monástica, que nunca foi homogênea, mas variada e plural. Cada colônia de
2 Burkhard SCHERER, As grandes Religiões, p.106. 3 Cf. Peter EICHER, Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 959. 4 “Antão era amado por todos. Ele se submetia de boa vontade aos zelosos ascetas que ia ver, e se instruía com eles na virtude e na ascese própria de cada um. Em um contemplava a amabilidade, em outro a assiduidade à oração, neste via a paciência, naquele a caridade para com o próximo, de um observava as vigílias, de outro a assiduidade à leitura, admirava um por sua constância, outro por seus jejuns e seu repouso na terra nua. Assim alimentado, voltava para o lugar onde se dedicava à ascese condensando e se esforçando para exprimir em si mesmo as virtudes de todos. Todos os habitantes da aldeia e as pessoas respeitáveis que se relacionavam com ele, vendo-o assim, chamavam-no amigo de Deus, e uns o amavam como a um filho, outros como a um irmão”. Adalbert HAMMAN, Os padres da Igreja, p. 98. 5 “A vida e São Pacômio, fundador do monaquismo copta, nos leva a um mundo de uma ordem totalmente diversa. O maravilhoso e o angelismo continuam a ter um papel importante, mas não são mais a trama única das ações do santo. A vida de Pacômio é antes de tudo o labor diário de um homem decidido a instruir, no deserto, os primeiros mosteiros do mundo cristão: idéia que pareceu tão singular aos próprios contemporâneos que atribuíram sua paternidade a um anjo”. Jacques LACARRIÈRE, Padres do deserto, p. 77.
38
eremitas6 ou cada cenóbio7 tinha suas próprias tradições e as sucessivas gerações
de monges foram transmitindo-as com regularidade e sem interrupção. A Tradição
monástica ao longo do tempo foi enriquecendo-se com novos elementos,
depurando-se e se purificando, já que ocorreu a transmissão de erros e de
deformações. Por exemplo, Êutiques, monge de Constantinopla, no século V,
admitia Cristo só com a natureza divina, sendo a natureza humana absorvida por
ela. Esta é uma heresia chamada Monofisismo.8
Podemos investigar as múltiplas manifestações do monaquismo através dos
séculos e ao redor do mundo, distinguir e estudar os elementos que integra, analisar
os ideais que persegue, além de seus valores, de suas motivações e de suas
justificativas. Porém, o monaquismo, em sua essência, continua sendo um mistério,
isto é, a participação do próprio mistério divino. Todos os conceitos são apenas
tentativas de definição, que nunca serão exatas. As palavras ficam sem um sentido
próprio para descrever uma experiência humana e divina tão singular como o
monaquismo.
Monge é aquele que se preserva do mundo e se entretém continuamente a sós com Deus. Ele o vê, ama-o, é visto e amado por Ele. Iluminado de modo inefável, torna-se luz. Glorificado, acha-se sempre mais pobre. Íntimo, sente-se como um estranho. Ó maravilha admirável e inexprimível! Minha riqueza infinita me faz indigente, penso nada possuir quando tenho tanto! Digo: “tenho sede”, na superabundância de água. “Quem me dará” o que já tenho até demais? “Onde encontrarei” aquele que vejo a cada dia? “Como conseguirei” aquele que já está em mim e está fora do mundo porque é totalmente invisível? Quem tem ouvidos para ouvir ouça e compreenda as palavras do iletrado.9
Não apenas o monge é chamado a fazer uma experiência de Deus, mas em
todos os seres humanos “há um impulso interior (admonitio) que convida a pessoa a
se lembrar de Deus, buscá-Lo, sentir sede Dele, sem nenhum festio. É luz que esse
6 “Aquele que vivia no deserto, anacoreta (sinônimo), aquele que se retirava do mundo para viver sozinho”. Adalbert HAMMAN, Os padres da Igreja, p. 7. 7 “El primer género es el de los cenobitas, afirma la Regla de San Bento, y los define: cenobitas son los que viven em el monastério, Es decir, juntos, bajo la obediencia a uma regla e a um abad”. Garcia COLOMBÁS, La Regla de San Bento. Introducción y comentário, p. 274. 8 Adalbert HAMMAN, Os Padres da Igreja, p. 186. 9 José COMBLIN; Carlos MESTERS; FERREIRA, Oração Mistica- Simeão, o novo teólogo, Hino 3, p.13-14.
39
misterioso Sol irradia em nossos olhos interiores”10. Saborear e se deixar penetrar
pela verdade que emana desta misteriosa forma de vida é um imenso desafio para
as pessoas de uma sociedade pós-moderna, líquida, volátil e descartável como a
nossa. Mas é possível e os monges são os primeiros chamados a fazer a
experiência do numinoso em suas vidas.
Qual é a natureza e qualidade deste objeto, exterior ao eu, que pressentimos? O que é o numinoso em si mesmo? Uma vez que não é racional, isto é, que não pode desenvolver-se por conceitos, não podemos indicar o que é a não ser observando a reação dos sentimentos particular que o seu contanto em nós provoca. É – diríamos - de tal natureza que arrebata e comove desta ou daquela maneira a alma humana. 11
O monge pode ter maior possibilidade de contemplação e se deixar envolver
por esta luz misteriosa, porque se encontra dentro de um espaço propício para este
tipo de experiência. “A vida monástica com seus valores perenes será sempre a
mesma, porém com modalidades específicas na forma de viver seus valores”12. O
cotidiano dentro de um mosteiro é todo organizado para que seus membros possam
fazer a experiência do numinoso. Porém, é possível para algumas pessoas, mesmo
fora do mosteiro e dentro da sociedade, em meio aos seus afazeres cotidianos,
organizar-se de maneira tal, que possam ter tempo para experienciar o inefável ou o
transcendente, como foi o caso de São Bento.
2.2 - São Bento
Uma das melhores apresentações da Vida de São Bento foi escrita pelo Papa
São Gregório Magno.13 Trata-se dos II Diálogos, escrita entre 593-594 d.C., com a
finalidade de narrar os milagres, as profecias e as visões que exerceram profunda
influência espiritual na vida das pessoas. São Gregório pretende mostrar que no
Ocidente, na Itália, também havia ascetas célebres, como São Bento, e não
somente no Oriente. Os personagens do livro II Diálogos oferecem exemplos de 10 Santo AGOSTINHO, A Vida Feliz, p. 61. 11 Rudolf OTTO, O sagrado, p. 21. 12 Abade Dom André MARTINS, Servo bom e fiel: entra na alegria de teu Senhor- Livro II dos Diálogos do papa S. Gregório Magno, p. 17. 13 Gregório I Magno é o primeiro monge que se tornou papa (usa pela primeira vez, para designar a si mesmo, a expressão “servus servorum Dei”. Roland FROHLICH, Curso Básico de História da Igreja, p. 49.
40
virtude para todos os cristãos, especialmente aos monges. São Bento é apresentado
como um homem de Deus: “... houve um homem de vida venerável, Bento tanto pela
graça quanto pelo nome, que desde a infância possuía um coração maduro”14. Bento
é comparado às grandes figuras bíblicas, como João Batista, Samuel, Jó e muitos
outros.
O autor do II Diálogos apresenta a biografia espiritual de São Bento,
contendo dois gêneros literários: o narrativo e o dialógico. A obra foi escrita menos
de cinqüenta anos após a morte de São Bento. “Todo cuanto sabemos de Benito de
Núrsia, absolutamente todo, lo debemos a san Gregorio Magno, y más
concretamente a uma sola de sus obras: los Diálogos sobre los milagros de los
Padres italianos”15. As principiais fontes de informações foram os quatro discípulos
imediatos de São Bento e seus abades: Constantino, que sucedeu Bento no regime
de Monte Cassino; Valentiniano de Letrão; Simplício, sucessor de Constantino; e
Honorato, de Subiaco, que ainda vivia quando a obra foi publicada.
Bento nasceu na comarca de Núrsia, atualmente Norcia, província de Perusa,
região montanhosa, de invernos gelados, celebre pela robustez e pela austeridade
de seus habitantes. Sua família pertencia à pequena nobreza rural. Sua irmã,
Escolástica, havia sido consagrada a Deus desde sua infância: “A Irmã de Bento, de
nome Escolástica, consagrada desde a infância a Deus Onipotente, tinha o costume
de visitar o irmão uma vez por ano”16. A história de São Bento está muito ligada às
pessoas, aos lugares, aos edifícios e às circunstâncias históricas concretas e bem
conhecidas.
Bento foi enviado a Roma para completar sua formação literária. A corrupção
dos costumes reinante na cidade moveu-o a tomar uma decisão radical: “...
desprezando, pois, tais estudos, deixou a casa e os bens paternos e no desejo de
agradar somente a Deus, pôs-se à procura do santo hábito do monaquismo”17. Viveu
primeiro como anacoreta em uma gruta na solidão de Subiaco. “Chegaram assim, a
localidade chamada Enfide, (Enfide atualmente Affile, 684 m de altura, está situada a
8 km de Subiaco), onde entretidos pela caridade de muitas pessoas de virtude,
14 São Magno GREGÓRIO, São Bento - vida e milagres, p. 61. 15 Garcia M. COLOMBÁS, La tradición Benedictina - tomo segundo: Los siglos VI y VII, p.118. 16 André Abade MARTINS, Servo bom e fiel: entra na alegria de teu Senhor - Livro II dos Diálogos do papa S. Gregório Magno, p. 223. 17 São Gregório MAGNO, São Bento Vida e Milagres, p. 62.
41
ficaram morando junto à Igreja de São Pedro Apóstolo”18. Ao fim de algum tempo,
foram chegando discípulos, cada vez mais numerosos, com os quais chegou a
povoar doze mosteiros, cada qual com doze monges. Ele mesmo se tornou o abade
destes mosteiros, num total de cento e quarenta e quatro monges. São Bento
administrou toda a colônia cenobítica e se encarregou da formação dos noviços. Sua
fama chegou até Roma: “... por esse tempo também, começaram a afluir de Roma
pessoas nobres e piedosas, que confiavam a Bento os seus filhos a fim de que os
criasse no serviço de Deus todo-poderoso”19.
A inveja de um sacerdote chamado Florêncio de uma igreja dos arredores
veio perturbar gravemente a paz dos moradores de Subiaco:
Como é costume dos maus invejar aos outros o bem da virtude que eles mesmos não procuram praticar, eis que um padre de uma igreja próxima, chamado Florêncio, começou a ter inveja do santo homem, pôs-se a denegrir sua vida de monge e a impedir quantos podia, de irem visitá-lo.20
Em meio às lutas de perseguição por parte de Florêncio, Bento resolveu
mudar de residência. “Nomeou os superiores, distribuiu os irmãos pelos mosteiros
que edificara e, levando consigo alguns poucos monges, mudou o lugar de sua
residência”21. Bento seguiu ao Monte Cassino, ponto estratégico no caminho entre
Roma e Nápoles. Ali, converteu uma antiqüíssima fortaleza, arruinada e dotada de
um templo pagão, em cenóbio. Transformou o templo em oratório, dedicado a São
Martinho de Tours e construiu outro oratório em honra de São João Batista:
Saindo de Subiaco, o santo homem mudou de lugar, mas não de inimigo. Porque os combates que sustentou se tornaram tanto mais duros, quanto mais teve de enfrentar abertamente, desde então, o próprio mestre da maldade. A fortaleza chamada Cassino está situada na vertente de elevada montanha que parece acolhê-la como que dentro de extensa garganta, e depois, alteando-se ainda por três milhas, como que prolonga até as nuvens o seu cume. Aí em cima havia um templo muito antigo onde, segundo o primitivo costume pagão, Apolo era venerado por insensata multidão de camponeses. Na região ao redor cresciam bosques consagrados ao culto dos demônios, onde numerosos e ignorantes infiéis, ainda naquele tempo,
18 São Gregório MAGNO, São Bento Vida e Milagres, p. 64. 19 Ibid., p. 85. 20 Ibid., p. 93-94. 21 Ibid., p. 95-96.
42
ofereciam sacrifícios sacrílegos. (II D8). Escolheu para sua dedicação o andar superior de uma torre que domina os outros edifícios. Chegando, pois, ali, o homem de Deus despedaçou o ídolo, derrubou o altar, incendiou os bosques, construiu, no próprio tempo de Apolo, um oratório dedicado a São Martinho e, no mesmo lugar do altar de Apolo construiu o oratório de São João Batista. Alem disto, por contínuas pregações, chamava à fé os que habitavam nas redondezas.22
São Bento levou uma vida longe dos interesses políticos, separada dos
acontecimentos, mas manteve estreitas relações com alguns bispos e reis, por
exemplo, o rei dos godos, chamado Tótila. “Então Tótila foi ter pessoalmente com o
homem de Deus”23. Ou ainda, o bispo Sabino: “Também o bispo da Igreja da
Canossa costumava visitar o servo de Deus, que muito o amava pelo mérito de sua
vida”24. Além deles, Constâncio de Aquino e Germano de Cápua.
Bento previu sua própria morte, tomou algumas providências e morreu no
oratório, sendo sustentado pela caridade dos irmãos da comunidade, que seguraram
seus braços até o último suspiro:
No mesmo ano em que devia partir desta vida, anunciou o dia de sua santíssima morte a alguns discípulos que com ele viviam e a outros que moravam longe. Aos presentes acrescentou que guardassem em silêncio o que ouviram, e aos ausentes indicou qual o sinal que receberiam quando sua alma lhe saísse do corpo. Seis dias antes da sua morte, mandou abrir a sepultura. Pouco depois, atacado de febres, começou a ser atormentado pela violenta temperatura. Como dia a dia se agravasse o mal, no sexto dia fez-se levar ao oratório pelos discípulos. Aí, muniu-se para a partida, com a comunhão do Corpo e do Sangue do Senhor. A seguir, apoiado nos braços dos discípulos os membros enfraquecidos, ficou de pé, com as mãos elevadas para o céu, e entre palavras de oração exalou o ultimo suspiro. 25
O Abade Dom André Martins do Mosteiro da Ressurreição comenta:
A característica mais impressionante de sua agonia é o heroísmo que permanecendo de pé, de braços abertos e em oração, sustentado por seus discípulos, entrega seu espírito a Deus. O atleta de Cristo quis estar em combate até o momento derradeiro. Não se rende, não abandona o campo de batalha. No sexto dia, o velho Pai pede a seus filhos que o levem até o
22 São Gregório MAGNO, São Bento Vida e Milagres, p. 101-102. 23 Ibid., p.117. 24 Ibid., p.119. 25 Ibid., p. 178-179.
43
Oratório de S. Martinho. Foi no sexto que o homem foi criado e também no sexto dia pelo Cristo recriado. Pois é neste sexto dia que S. Bento entrega seu espírito. Pede o “Viaticum”, isto é, a Eucaristia, para, alimentado pelo Corpo do Senhor, transpor o Jordão e pisar na terra prometida. Como o Cristo, São Bento morre em oração, com os braços estendidos, mas não morre só. É sustentado em seu último combate pelos irmãos, para que pudesse se configurar plenamente com o Redentor. Os irmãos, neste momento de sua Páscoa, o sustentam como a cruz sustentou o Senhor. Foram e são, neste momento, a cruz do Santo Abade. Por outro lado, São Bento precisou e precisa nesse momento derradeiro de sua vida do auxilio de seus filhos para se configurar com o Senhor. Assim, morre São Bento de braços abertos no centro do Oratório, lugar central no conjunto dos edifícios monásticos, lugar aonde se atualiza o sacrifício do Cristo, consumado na ara da cruz. São Bento não morre só, para imitar o seu Senhor até o fim, precisou dos irmãos, que ele carregou durante a vida. No mesmo dia, os irmãos que estavam distantes viram um caminho forrado de tapeçarias e coruscante de inumeráveis luzes, que se estendia do mosteiro ao céu, na direção do oriente. São Bento, o amado do Senhor, entra na alegria dos bem-aventurados. Foi sepultado na capela de São João Batista ao lado de sua irmã Escolástica. 26
São Bento, o homem de Deus, deixou este mundo, mas sua obra
permanece até aos dias de hoje. Seu modo de viver o amor cristão está alicerçado
em sua Regra, que é motivo de inspiração para muitas pessoas. A Regra escrita por
São Bento não é somente para os monges, mas para todo aquele que busca
verdadeiramente um caminho que seja capaz de conduzir à santidade. Monte
Cassino, lugar onde repousa São Bento, continua irradiando a mensagem
Evangélica.
2.3 - Regra de São Bento
Os escritos de São Bento ainda hoje possuem uma força de atração para
entusiasmar e transformar a vida de muitas pessoas, que decidem vivê-la. A Regra
de São Bento é fundamentada na Sagrada Escritura, sendo um texto legislativo e
espiritual ao mesmo tempo. Consta de um Prólogo e setenta e três capítulos, o
último dos quais se considera, com razão, como um Epílogo:
O Prólogo e o Epílogo são dois pontos chaves da Regra de São Bento. De ambos retiramos o sentido da vida que se deve levar num mosteiro. É sob essa luz que devemos ler e interpretar todos os demais capítulos. Sem eles, a Regra corre o risco de perder o seu “espírito”, tornando-se tão somente um
26 André MARTINS, Livro II dos Diálogos do Papa S. Gregório Magno, p. 235.
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código de leis, enquanto tem ela a finalidade de levar-nos a uma certa experiência de vida, sob a inspiração e a condução do Espírito Santo. O Prólogo e o Epílogo formam um todo, um bloco coeso, englobando todos os textos da Regra de São Bento, revelando-nos a experiência a que ela nos propõe. Eles dão à Regra a sua dimensão contemplativa fundamental. O Epílogo nos remete ao Prólogo. Seja qual for a experiência que o monge tenha de Deus, está sempre no ponto de partida. O monge está sempre num perpétuo iniciar: “Escuta, ó filho, os preceitos do Mestre”. O Prólogo é uma síntese, narrando o essencial da obra de São Bento. Põe em relevo os temas de suma importância. Para atingir seu propósito, isto é, atingir os candidatos à vida monástica e aos monges que o escutarão durante toda a sua vida, sua linguagem é clara, solene e bela. Ele tem um sabor marcadamente sapiencial. Utiliza abundantemente o verbo no imperativo, que é gênero literário usado nos livros sapiências da Sagrada Escritura. Há uma certa dramaticidade no texto, provocando no candidato uma decisão. Cristo é o grande protagonista do Prólogo. Ele é o verdadeiro Mestre. Ele, o Senhor, ajuda o discípulo a descobrir o caminho que conduz à vida, um diálogo apaixonante. O Senhor toma sempre a iniciativa. Portanto, a vocação monástica, conforme o Prólogo aparece como o encontro com uma pessoa: Jesus Cristo. Podemos, com certeza, afirmar que a vida do monge consiste num “diálogo constantemente com Cristo. “O Senhor fala ao monge no presente, falou no passado e continuará falando-lhe no futuro.27
O Prólogo e alguns poucos capítulos relativamente longos constituem
verdadeiros tratados. A maioria dos capítulos é curta, alguns capítulos são tão
breves que podem ser qualificados de simples notas, o que acontece também com
outras regras monásticas. Muitos capítulos da Regra de São Bento estão
simplesmente justapostos; aparentemente parece não existir unidade, sendo que
alguns se encontram evidentemente deslocados. Contudo, duas seções se
destacam em sua homogeneidade: o código litúrgico e o código penal.
O Prólogo é um documento exclusivamente espiritual, que trata da vocação
monástica. No final se intercalam algumas frases de apresentação da Regra. Os três
primeiros capítulos tratam dos diversos gêneros de monges, do Abade e do
Conselho. Com relação aos diversos gêneros de monges:
É evidente que são quatro as espécies de monges. A primeira é a dos cenobitas, isto é, dos que habitam nos mosteiros militando sob uma Regra e um Abade. A segunda espécie é a dos anacoretas ou eremitas, que não se acham mais no fervor de recente conversão. A terceira e detestável espécie de monges, é a dos sarabaítas, que não sendo provados por alguma regra, nem pelas lições da experiência, como se prova o ouro no crisol, antes se amolgando como o chumbo, demonstram por suas obras que se conservam
27 Abade Dom André MARTINS, Prólogo e Epílogo da Regra de São Bento, p.1-3.
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ainda fiéis ao mundo e mantém a Deus pela tonsura. A quarta espécie de monges é denominada a dos giróvagos, que passam toda a vida a percorrer as províncias, permanecendo três ou quatro dias em cada mosteiro, sempre errantes, nunca estáveis, escravos da gula e de suas paixões, piores em tudo do que os sarabaítas. 28
O capítulo que fala sobre o Abade é um pouco mais longo, devido à
importância e à responsabilidade que este serviço acarreta. O Abade é o pai que vai
gerando, ao longo dos anos, nos seus membros, o seu próprio espírito. Segundo o
Abade Dom André Martins:
São Bento desejava que o Abade fosse pai espiritual como os abades foram no deserto. Porém, ele junta na pessoa do pai espiritual o superior e o administrador. No deserto, o pai espiritual, mesmo os Pacomianos que tinham comunidade, não tinham nada haver com administração. Eles cuidavam somente da paternidade espiritual. Quando São Bento junta as duas realidades, começa a crise. E como São Bento resolve a crise? Resolve como se resolve na Igreja. O bispo que gera a Igreja deve ser o pai espiritual. E a administração é feita pelos presbíteros e diáconos. E no mosteiro o abade tem o celeireiro, prior e decanos. Quanto mais os colaboradores forem eficientes, mais chance o abade tem de ser pastor. Se não o forem, o abade deixa de ser pai espiritual e administra. É preciso saber ler o texto no contexto em que a Regra foi escrita, século VI. A regra acrescenta ainda que o abade precisa ter a severidade de um mestre, o lado masculino. E o pio afeto de um pai, o lado feminino, que o homem pode adquirir até certo ponto. Precisa juntar a severidade do pai, o pio afeto e a ternura da mãe. À medida que a regra vai se desenvolvendo é melhor que o abade tome atitudes, muito mais do pio afeto que a severidade. Atitudes de misericórdia e acreditar no monge. Por exemplo, a mãe sempre vê alguma coisa boa em seu filho, mesmo que todos digam o contrário. Esta é a atitude que o abade deve ter em relação aos seus monges. Se o abade tem o pio afeto do pai, ele ainda vai ver alguma coisa boa, mesmo naquele monge, que todos dizem que não enxergam, ainda dá para salvar.29
O Abade é o eixo de unidade entre todos os membros da comunidade. É a
presença indispensável para relembrar a presença de Cristo com seus discípulos.
Procura amar a todos sem fazer acepção de pessoas: os amigos e também os
inimigos, os simpáticos e os antipáticos. O Abade, além de exercer a paternidade
espiritual, também ajuda a administrar as coisas meramente humanas. Vejamos
alguns itens que a Regra apresenta:
28 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo I, p.25-27. 29 Entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 2, Ponta Grossa, 29/11/2009. Dom André MARTINS é um dos fundadores do Mosteiro da Ressurreição e atual Abade.
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O Abade que for considerado digno de governar o mosteiro deve sempre lembrar-se do nome que lhe dão e realizar nas suas ações o título de superior. Na verdade, acredita-se que no mosteiro ele ocupa o lugar do Cristo, uma que é chamado pelo mesmo nome, segundo as palavras do Apóstolo: Recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Abba, isto é, Pai. Por conseguinte, nada deve o Abade ensinar, estabelecer ou prescrever de contrário aos preceitos do Senhor, porém as suas ordens e ensinamentos penetrem na alma dos discípulos como fermento da justiça divina. (...) Não faça o Abade distinção de pessoas no mosteiro. (...) Por outro lado, nos seus ensinamentos o Abade deve sempre observar a norma do Apóstolo, quando diz: Repreende, exorta, ameaça. Assim, há de variar a maneira de proceder conforme a ocasião e as circunstâncias, unindo o rigor à brandura, manifestando severidade de mestre e ternura de pai. (...) Nunca deverá esquecer o Abade do que é e do nome que possui. Saiba que mais se exige daquele a quem mais se confia. Considere também quão árduo e difícil é o encargo que recebeu de guiar as almas e servir aos diversos temperamentos. 30
Para ajudar a resolver os mais diversos assuntos do mosteiro, o Abade forma
um conselho de irmãos e a Regra diz como deve ser esse conselho:
Todas as vezes que no mosteiro houver algum assunto de importância a tratar, o abade convoca toda a comunidade e expõe o assunto em questão, tendo ouvido a opinião dos irmãos, considere consigo mesmo e faça o que julgar mais acertado. Os irmãos dêem sua opinião com toda submissão e humildade, e não presumam sustentar com arrogância a sua opinião: a decisão dependerá do julgamento do abade, de forma que todos se submetam ao que ele julgar mais salutar.(...) Mas, quando se tratar de assuntos de menor importância para o bem do mosteiro, o abade consulte somente os antigos, conforme está escrito: Nada faças sem conselho e depois de o haveres feito não te arrependerás.31
O catálogo das boas obras possui setenta e oito itens e está todo
fundamentado na Bíblia. Estes itens são pequenas frases escritas de forma direta.
Pode ser uma ajuda para o monge no mosteiro ou o cristão na sociedade:
Em primeiro lugar, amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e com todas as forças. Em seguida, amar o próximo como a si mesmo. Depois não matar. Amar o jejum. Honrar todos os homens. Consolar os aflitos. Enterrar os mortos. (...) Nada preferir ao amor de Cristo. Não guardar falsidade no coração. Não pagar o mal com o mal. Amar os inimigos. Não amaldiçoar os que o amaldiçoam, mas, ao contrário, abençoá-los. Não ter apego ao sono.
30 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo II, p. 29-35. 31 Ibid., capítulo III, p. 39-41.
47
Nem murmurar. (...) Quanto aos maus pensamentos que invadem a alma, destruí-los imediatamente de encontro ao Cristo e manifestá-los ao pai espiritual. Não gostar dos risos freqüentes ou ruidosos. Ouvir com satisfação as santas leituras.(...) Não satisfazer os desejos da carne. Não ter ciúmes. Não exercer a inveja. Venerar os anciãos. Amar os mais novos. Reconciliar-se antes de anoitecer com os seus contraditores.(...) Estes são os instrumentos da arte espiritual. Se os cumprirmos dia e noite, sem interrupção, e os apresentarmos no dia do juízo, Deus nos recompensará com aquele prêmio por ele mesmo prometido: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, o que Deus preparou para aqueles que o amam.32
No capítulo V, a Regra apresenta um pequeno tratado sobre a obediência: “o
primeiro grau da humildade é a obediência sem demora”33. O capítulo VI fala sobre o
espírito de silêncio. No capítulo VII é descrito a virtude da humildade, itinerário
espiritual do monge, que vai desde o temor a Deus até os cumes da caridade
perfeita. Apresenta doze degraus de humildade:
Assim, irmãos, se desejamos atingir o cume da suprema humildade e alcançar em pouco tempo aquela elevação celestial à qual se sobe pela humildade da vida presente, é preciso por meio de atos sempre ascendentes, erigir aquela escala que o patriarca Jacó viu em sonhos e pela qual desciam e subiam os anjos. Esta descida e subida significam, sem dúvida, para nós, que pela exaltação se desce e pela humildade se sobe. A escada erguida representa a nossa vida mortal, que o Senhor eleva até ao céu, se o nosso coração se humilha. Os dois lados desta escada para nós são o nosso corpo e a nossa alma, o chamado de Deus, nela dispôs vários degraus de humildade e disciplina por onde devemos subir. (...) O primeiro degrau da humildade consiste em que tendo sempre diante dos olhos o temor de Deus, fujamos absolutamente do esquecimento e sempre nos lembremos de tudo quanto Deus ordenou.(...) O duodécimo degrau da humildade consiste em que o monge, não só de coração, mas igualmente no seu próprio corpo, manifeste sempre a humildade a todos os que vêem, isto é, no trabalho, no oratório, no mosteiro, no jardim, em viagem, nos campos, em toda parte, quer esteja sentado, em pé ou caminhando, tenha sempre a cabeça inclinada, os olhos cravados no chão, sentido-se a todo instante carregado de pecados, como no momento de comparecer perante o tremendo juízo de Deus.34
Com este capítulo sobre a humildade encerra-se a primeira parte da Regra de
São Bento. A segunda parte da Regra apresenta um caráter institucional e
disciplinar, conhecido como código litúrgico, que vai do capítulo VII ao XX. Trata-se
da celebração dos ofícios divinos durante o dia e durante a noite. A quantidade de
32 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo IV, p. 43-51. 33 Ibid., capítulo V, p. 53. 34 Ibid., capítulo VII, p. 59-75.
48
Salmos que se deve rezar, qual a ordem e o modo de salmodiar, como celebrar o
ofício no inverno e no verão, como celebrar as vigílias aos domingos e nas festas
dos santos. Versa também a respeito das solenidades das Laudes e dos dias da
semana. Além disso, orienta em que tempo dizer o aleluia e a reverência na oração.
O capítulo XXI da Regra fala sobre os decanos do Mosteiro: “Se a
comunidade for numerosa, escolham-se entre os irmãos alguns de boa fama e de
vida monástica santa, que serão nomeados decanos”35.
Nos capítulos XXII a XXX, encontra-se o código penal, isto é, as normas de
conduta, como, por exemplo, o sono dos monges, a excomunhão, as culpas, o
tratamento que o Abade deve ter para com os excomungados, os castigos, os
irmãos que saírem do mosteiro e os irmãos menores de idade.
Dos capítulos XXXI a XLII, seguem-se algumas normas para a vida
econômica e o serviço do celeireiro do mosteiro:
Para celeireiro do mosteiro será escolhido na comunidade um irmão sensato, de caráter refletido, sóbrio, moderado na comida, que não seja orgulhoso, turbulento, dado às injurias, vagaroso, prodigo, mas sim temente a Deus e como que um pai para toda a comunidade.36
Nestes capítulos também se tratam dos utensílios e dos móveis do mosteiro,
da necessidade de receber e de ter alguma coisa própria, dos semanários da
cozinha, das refeições, do tratamento dos enfermos, do leitor semanário, da medida
das refeições e da bebida, do horário e do grande silêncio após as Completas.
Os capítulos XLIII a XLVI versam sobre o chamado código da satisfação. Dos
que chegam tarde ao oficio divino ou à mesa, como devem os excomungados
satisfazer, dos que erram no coro e dos que incorrem em quaisquer outras faltas.
Dos capítulos XLVII a LII, a Regra apresenta o modo de anunciar a hora do
Ofício Divino, como também o trabalho manual cotidiano, a observância da
quaresma, o que fazer quando os irmãos trabalham longe do oratório ou estão em
viagem.
35 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo XXI, p. 111. 36 Ibid., capítulo XXXI, p. 131.
49
Os capítulos LIII a LVII falam sobre a recepção dos hóspedes, sobre as
cartas, sobre os presentes, sobre os vestuários e os calçados, sobre a mesa do
Abade e sobre os artistas do mosteiro.
Os capítulos LVIII a LXIII tratam do acolhimento dos novos membros na
comunidade monástica, desde a sua chegada até o início da profissão.
Nos capítulos LXIV a LXVIII, a Regra apresenta a eleição do Abade, do prior e
do porteiro do mosteiro, dos irmãos que viajam e das coisas impossíveis ordenadas
para um irmão. Com estes capítulos, encerra-se a segunda parte da Regra de São
Bento.
Os capítulos restantes, LXIX a LXII, formam uma espécie de apêndice.
Tratam de diversos assuntos, mas insistem, sobretudo, no tema das relações
fraternas. Por exemplo, que ninguém ouse defender, castigar ou excomungar o
outro, que haja obediência mútua e bom zelo entre os irmãos.
Finalmente, no último capítulo, o capítulo LXXIII, encontra-se o epílogo.
A Regra deve ser apresentada solenemente ao noviço por três vezes no
decorrer do ano. No tempo de provação, que precede a profissão, pede-se para ela
seja lida por inteiro e por três vezes, quando é textualmente apresentada: “Eis a lei
sob a qual queres militar: se podes observá-la entra, mas se não podes, sai
livremente”37. Por disposição da própria Regra Beneditina, o compromisso assumido
pelo noviço está em íntima e expressa conexão com ela. O noviço “... sabendo que
em virtude da mesma Regra não lhe é permitido, desde este dia, abandonar o
mosteiro, nem sacudir o jugo desta Regra que, após tão longa deliberação, poderia
ter recusado ou aceitado”38.
Isto indica com toda a nitidez que a perseverança no estado monástico não
só é um dever imposto pela Regra, mas que persistir consiste precisamente em
permanecer submetido à Regra até a morte. O próprio abade deve observá-la em
todos os momentos. “O Abade, porém, faça todas as coisas com temor de Deus e
de acordo com a Regra, sabendo que sem dúvida dará conta a Deus, de todas as
suas decisões”39. E, ainda: “Conserve em todos os pontos a presente Regra”40. O
37 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo LVIII, p. 203. 38 Ibid., capítulo LVIII, p. 205. 39 Ibid., capítulo III, p. 41. 40 Ibid., capítulo LXIV, p. 227.
50
Abade e os monges obedecem tudo o que contém na Regra como mestre: “Todos
sigam em tudo a Regra como mestra e ninguém temerariamente dela se afaste”41.
A Regra de São Bento, como a imensa maioria das regras monásticas, é uma
regra cenobítica, isto é, não se dirige aos eremitas, nem aos sarabaítas, nem aos
giróvagos. Seus destinatários são os monges que vivem em comunidade. Há uma
frase solene que expressa a realidade: “Deixando, por conseguinte, uns e outros,
ocupemo-nos com o auxilio do Senhor, em estabelecer a regra de vida da mais
valorosa espécie de monges, a dos cenobitas”42. Mas, apesar de tão bela
expressão, folheando a Regra, os esforçados cenobitas acabam sendo monges
vulgares, medíocres, débeis, pusilânimes e tíbios. Aos monges que não conhecem
nada do monaquismo, só é possível escrever uma regra de simples iniciação, muito
inferior aos ensinamentos dos antigos Padres.
Parece que São Bento não tinha em grande estima os irmãos, aos quais,
modestamente, inclui-se e para os quais redigiu a Regra. Segundo ele, estava muito
longe a idade de ouro do monaquismo: “... porquanto lemos que os nossos santos
Pais desempenhavam essa tarefa resolutamente num só dia. Oxalá em nossa
fraqueza possamos, nós cumpri-la uma vez por semana”43. Ou sobre o vinho, ele
afirma:
Lemos, é verdade, que o vinho não convém de forma alguma aos monges, mas, como não é possível convencer disso os monges do nosso tempo, procuremos ao menos não beber até à saciedade, mas com moderação, porque o vinho faz apostatar até os sábios.44
Sendo mais incisivo diz: “Quanto a nós enfraquecidos, relaxados e
negligentes, devemos corar de confusão”45. Enfim, São Bento conhece os limites da
natureza humana em seus mais diversos aspectos, escreve a Regra para servir de
estímulo aos seus monges e para que a vida no mosteiro seja suportável e menos
desumana. Ao escrever a Regra, escolheu certas fontes para se inspirar:
41 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo III, p. 39. 42 Ibid., capítulo I, p. 27. 43 Ibid., capítulo XVIII, p. 105. 44 Ibid., capítulo XL, p. 155. 45 Ibid., capítulo LXXIII, p. 249.
51
São Bento bebeu em muitos autores, a maior parte da regra, ele tomou de outra regra. Cada abade tinha o costume de escrever uma regra para seu mosteiro. São Bento escreveu a Regra para seu próprio mosteiro, que poderia ser aplicado a outros mosteiros. Além da regra de São Bento, havia muitas outras regras. A partir do que o Abade escrevia sua regra? Às vezes pegava a regra do outro mosteiro e aplicava ao seu mosteiro. Era o abade que interpretava a regras, pois a regra do mosteiro é o abade, às vezes tinha um texto, próprio do ocidente, mas no oriente não há. No ocidente havia um pluralismo muito grande, onde cada Abade era livre para escrever sua regra e podia pegar dentro da tradição monástica, os elementos para escrever e elaborar a regra. No caso da regra de São Bento, ele usou uma fonte principal, chamada Regra do Mestre. A Regra do Mestre é de um autor anônimo, chamada de mestre porque usa o estilo pergunta e resposta, o discípulo pergunta ao Mestre e o mestre responde. A maior parte da regra de São Bento é uma cópia desta regra. E a regra do Mestre é inspirada em João Cassiano, que acentua muito a vida de solidão. No entanto São Bento não é fechado em Cassiano. A regra de São Bento não foi escrita de uma vez só, escreveu em fases da vida e no fim da vida foi abrindo às outras correntes, sem renegar Cassiano. Como São Basílio e Santo Agostinho, que são duas formas de vida monástica, uma oriental e outra ocidental, que tipicamente comunitária. A fraternidade faz parte da vida monástica, São Bento fez uma síntese. A regra de São Bento é aberta e não fechada como historicamente foi interpretada. Ele abre à uma vida cenobítica, tem muito a estrutura de Cassiano. 46
A obra de São Bento não é apenas um mosaico de citações e de
reminiscências de outros autores. A Regra contém, em sua maior parte, a reflexão,
as recordações e as leituras do próprio São Bento. Organiza de acordo com sua
própria experiência a Regra. Certamente influenciado por seus mestres e dentro do
clima tradicional no que diz respeito às instituições e à doutrina. Age com toda a
liberdade de espírito, usando tudo o que serve e descartando o que não convém.
A originalidade da Regra de São Bento consiste, principalmente, em sua
índole de síntese poderosa e de flexibilidade. São Bento não era um teórico, mas um
pai espiritual e um legislador. Possuidor de um dom excepcional para sintetizar as
diferentes linhas da tradição monástica cristã. A Regra de São Bento constitui um
dos monumentos mais elaborados que o mundo dos monges antigos latinos deixou
para a posteridade. É uma tentativa de reelaboração de toda a tradição monástica.
O chamado código penal pode parecer, para nossa sensibilidade
contemporânea, bastante rigoroso e, às vezes, até cruel. Mas, é perfeitamente clara
que toda correção tem na Regra de São Bento um sentimento pedagógico. Tudo,
46 Dom Mateus Salles Penteado, um dos fundadores do Mosteiro da Ressurreição, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 2, Ponta Grossa, 29/11/2009.
52
inclusive as ásperas ameaças de sanções que surgem no final de vários capítulos,
tende a conduzir o monge concreto ao seu aperfeiçoamento, a “... fim de serem
curados”47. As palavras conclusivas do código penal expressam com perfeição o
espírito da Regra.
São Bento não desenvolve, na Regra, teorias sublimes e nem estabelece um
regime de vida tão perfeito e ideal que não possa ser praticado. Nunca perde de
vista a verdade das pessoas e das coisas. O mestre e pai São Bento era muito
realista. Soube reconhecer os limites e as possibilidades da natureza humana,
aceitar que há coisas possíveis e impossíveis e se adaptar às circunstâncias e às
necessidades de tempos e de lugares.
A Regra de São Bento pode parecer um tanto vaga e elíptica, porque quer
deixar as mãos livres ao abade para que possa adaptar-se melhor às pessoas
concretas e também às diversas circunstâncias, imprevisíveis, da comunidade e dos
indivíduos que a integram. Não quer entrar demasiadamente em pormenores, seu
espírito é de liberdade e de flexibilidade. A fecundidade e a permanente atualidade
da Regra decorrem do seu liberalismo, que também é um traço de humanidade. Se
São Bento outorga ao abade um poder quase absoluto é para que os irmãos sejam
bem servidos.
2.4 - O monge beneditino
A Tradição Beneditina não nasceu como um fenômeno histórico inteiramente
novo, pois, tratava-se da continuação de uma Tradição muito mais antiga. São Bento
herdou e transmitiu às gerações posteriores, através de sua Regra, um compêndio
genial da sabedoria monástica primitiva, uma vez que, na verdade, a Regra não é
apenas o ponto de partida da Tradição Beneditina:
Quem quer a vida e deseja ver dias felizes? De diversas maneiras, consciente ou não, estamos todos em busca da vida. E buscar a vida é buscar a Deus. Por que a Regra de São Bento, escrita no século VI, no leva a encontrar a vida, a viver dias felizes? Entre outros aspectos destacamos a sua real humanidade, por isso pode ser vivida por pessoas frágeis e por pessoas fortes, jovens e idosos, intelectuais e de inteligência prática, religiosos e leigos e sua profunda espiritualidade, baseada na Sagrada Escritura e na
47 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo XXX, p. 129.
53
tradição monástica, é guia seguro, fonte de contínua inspiração para toda pessoa de boa vontade que procura verdadeiramente a Deus48.
O que caracteriza um monge beneditino é o seu lema milenar, ora et labora,
conhecido no mundo inteiro. Mas qual a repercussão deste lema? Será que reflete o
Evangelho na vida do monge, que vive num determinado espaço dentro da Igreja,
que é a vida monástica? O Cristianismo pode ser resumido em ora et labora?
Notamos que o Evangelho resume-se em ora et labora: “Pedi e vos será dado,
buscai e achareis, batei e será aberto. Pois todo aquele que pede recebe, quem
procura, acha, e a quem bate, se abre. Tudo o que pedirdes ao rezar, crede que
recebereis e vos será dado”(Mt 7,7-8.11). Ou ainda: “Orai sem cessar”(I Tes
5,17).Entretanto, é preciso ampliar o significado da expressão ora et labora. São
Bento chama a celebração litúrgica de Opus, isto é, trabalho. Portanto, celebrar a fé
é um trabalho que todo cristão é chamado a realizar.
O monge é aquele que renunciou livre e alegremente a formar uma família, ou
mesmo deixar a família, assim como fez Buda, São Bento e os Apóstolos. Mas, nem
por isso, é eternamente só, pois vive movido pelo ideal místico, isto é, pelo sentido
do Absoluto. A relação trinitária é o espelho para a vivência monacal. O coração do
monge é indivisível, nada se opõem ao amor pela Trindade, sobretudo na pessoa de
Jesus Cristo. O monge por viver célibe, não faz a renuncia ao amor, mas, pelo
contrário, seu coração se torna universal. Neste amor trinitário, deseja amar todas as
pessoas da humanidade, começando pelas mais próximas. O celibato, a castidade
perfeita, constitui a base indispensável para empreender a unificação pessoal e a
porta de acesso ao caminho de volta à unidade perdida e ardentemente desejada:
Tenho um insight também que o ser humano por natureza é monge, devido à volta à unidade e também à solidão. Não existe nada que preenche o coração humano. Existe um recanto dentro do ser humano que é ele com ele. A natureza monástica faz parte do ser humano, que é o retorno à unidade e pelo aspecto do só. Que não é só, quando ele se une, assim, como na Trindade. Só o que a Trindade vive é um presente, e nós estamos sendo num vir-a-ser. A Trindade é e nós não somos, estamos sempre num processo em um só corpo e três pessoas.49
48 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, prefácio. 49 Dom Abade André MARTINS, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 1, Ponta Grossa, 04/09/2009.
54
Um dos desejos que animava São Bento era o de indicar como, com que
disposições internas e com que espírito os monges, seus filhos, devem agir no
cumprimento de seus cargos e de suas obrigações. O monge é, antes de tudo, um
ser espiritual e interior. Os atos internos de serviço, caridade fraterna, amor a Deus,
fé e humildade profundamente sentida, devem informar e vivificar tanto a
observância dos monges como os serviços que o abade e seus colaboradores
prestam à comunidade. Basta abrir o capítulo XLIX para comprovarmos como a
Regra de São Bento destaca as disposições pessoais que devem animar os monges
em suas práticas voluntárias e obrigatórias próprias do tempo da quaresma.
“Aplicando-nos à oração acompanhada de lágrimas”50. Ou ainda: “Cada um ofereça
a Deus por sua livre vontade, na alegria do Espírito Santo”51. E mais: “Esperando a
santa Páscoa com o gozo de um desejo espiritual ”52.
Uma das características dos filhos de São Bento é a escuta. Escuta, filho!
Aqui há o fundamento de toda a direção espiritual, que na tradição monástica tem o
nome de colóquio espiritual entre o mestre e o discípulo, entre o Pai espiritual e o
discípulo. O monge, diante de seu Abade, põe-se na postura de filho. Como filho
escuta a sua palavra. Como filho e discípulo deixa-se moldar por Deus através das
mãos do Abade ou do Pai espiritual. Da afirmação anterior, pode-se concluir o
quanto é necessário para o monge estar em seu lugar, ou seja, no lugar de filho e de
discípulo, pois só assim pode receber verdadeiramente a Tradição e ser por ela e
nela gerado. Ninguém se faz monge sozinho. Alguém o fará.
Analogamente pode-se dizer, com autoridade, que ninguém se batiza, deve
ser batizado; ninguém se ordena, é ordenado; assim também ninguém se veste com
o hábito monástico para ser monge, será sempre revestido pelo Abade; ninguém se
consagra monge, será sempre consagrado. Para ser monge é preciso primeiro ter
sido discípulo de um Pai espiritual da Tradição Monástica. No monaquismo, ninguém
se faz por geração espontânea, nenhum candidato chega ao Mosteiro “mestre”, isto
é, ensinando; chega para aprender e ser discípulo. Aquele que entra no Mosteiro
assume a paternidade do Abade, que a exerce como vigário de Cristo. No deserto,
os discípulos escolhem o Pai espiritual e no Mosteiro de São Bento, aquele que
chega já o encontra e deve aceitá-lo. Isto só se faz pela fé. 50 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo XLIX, p. 179. 51 Ibid., capítulo XLIX, p. 179. 52 Ibid., capítulo XLIX, p. 179.
55
São Bento procurava o bem físico e espiritual de cada um dos monges, não
ignorando sua fraqueza ou sua fatiga. Considerava os enfermos e os de saúde frágil,
mas também os que sofriam de algum distúrbio psíquico ou moral. “Mas faça-se
tudo com moderação, por causa dos fracos”53. É permitido aos enfermos banhar-se
com discrição e comer todo tipo de carne. “Aos enfermos o uso dos banhos é
oferecido todas as vezes que for conveniente. Aos doentes e aos muito debilitados
concede-se também o uso da carne a fim de lhes reparar as forças”54. E ainda:
“Serão concedidos auxiliares aos fracos para não desempenharem esta função com
tristeza”55.
Rendia homenagem a um ideal de vida monástica tão puro, que correspondia
todo o tempo à observância quaresma: “Se bem que a vida do monge deva-se ser
em todo tempo conforme a observância da Quaresma”56.
Nunca perde de vista a verdade das pessoas e das coisas. Em vez de tentar
impor à realidade concretas teorias impossíveis, parte das necessidades reais
aceitando-as plenamente como manifestação da vontade de Deus.
A Regra Beneditina torna-se para o monge parâmetro da vivência monástica.
Quanto mais o monge esforça-se para praticá-la, mais beneditino se torna e,
conseqüentemente, mais cristão. A característica beneditina está contida na Regra e
vivê-la é o grande desafio, seja do monge, seja do leigo.
Podemos constatar que o monaquismo Cristão é rico, possuindo diversas
famílias, como, por exemplo: Cistercienses, Trapistas, Camaldulenses e Cartuxos.
Impossível apresentar a história de cada uma delas neste trabalho. Por opção
pessoal e por admiração pela figura de São Bento, escolhi apresentar a família
Beneditina, não porque as demais não fossem interessantes, pois todas mereceriam
um trabalho mais aprofundado. O que há de comum entre todas as famílias
monacais é que Jesus Cristo torna-se o elemento fundamental de escolha e de
unidade.
Santo Bento, homem que decidiu largar tudo e se tornou o amigo íntimo de
Jesus Cristo, só desejava uma coisa: agradar somente a Deus. “Isso significa que a
53 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo XLVIII, p. 173. 54 Ibid., capítulo XXXVI, p. 145. 55 Ibid., capítulo XXXV, p. 141. 56 Ibid., capítulo XLIX, p. 179.
56
vida monástica é o estado de vida pela qual se busca agradar somente a Deus em
um lugar da Igreja. Não há outra finalidade na vida monástica, senão “agradar
somente a Deus” 57.
Após um período, longe de tudo e de todos, vivendo na gruta e moldando o
seu espírito pelo próprio Espírito Santo, que o inspirava, tornou-se o pai dos
Beneditinos. Desejava que seus monges vivessem no Evangelho. Para isto
escreveu uma Regra de vida, que pode ajudá-los nesta vivência:
Escreveu, com efeito, uma Regra de Monges, notável pelo espírito de discernimento e clara pela linguagem. Se, pois, alguém quiser conhecer mais exatamente os costumes e a vida do santo Pai, poderá encontrar nos preceitos desta Regra todas as ações que ele praticou como Mestre, pois o santo homem de modo nenhum pôde ensinar outra coisa que o que mesmo viveu.58
É pela vivência da Regra de São Bento, que alguém se torna um monge
beneditino e pelos ensinamentos da Igreja, que o Beneditino renova-se:
Para sermos monges, portanto é preciso beber das fontes, conforme o ensinamento conciliar da Igreja. Por conseguinte, a Santa Regra para os beneditinos não é a fonte única de vida monástica. É preciso igualmente conhecer seu autor, outros santos monges com seus escritos e Regras para renovarmos, conforme desejo da Igreja, a vida monástica que levamos. 59
Este trabalho vai percorrendo o caminho e chega à sua segunda parte, onde
quando será apresentada a história da chegada dos primeiros beneditinos no Brasil
colonial, bem como a fundação heróica do Mosteiro Beneditino da Ressurreição,
com toda sua riqueza litúrgica, como, por exemplo, o canto gregoriano em português
dos salmos e as sete orações durante o dia. Também falaremos a respeito da
questão da manutenção, dos trabalhos e das suas repercussões, como também das
etapas de formação dos futuros monges.
57 Dom Abade André MARTINS, Servo bom e fiel: entra na alegria de teu Senhor, Livro II dos Diálogos do papa S. Gregório Magno, p. 28. 58 São Gregório MAGNO, São Bento- Vida e Milagres, p. 177. 59 Dom Abade André MARTINS, Servo bom e fiel: entra na alegria de teu Senhor, Livro II dos Diálogos do papa S. Gregório Magno, p. 14.
57
PARTE II: A VIDA MONÁSTICA NO MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO
O Mosteiro da Ressurreição não nasceu do nada.
É herdeiro e protagonista de uma Tradição viva.1
Nesta segunda parte do trabalho, cujo título é a vida monástica no Mosteiro
da Ressurreição, trabalhar-se-ão alguns antecedentes históricos dos Beneditinos no
Brasil, como as primeiras fundações dos mosteiros beneditinos em terra brasileira.
Também falará a respeito do contexto histórico, apresentando as invasões aos
mosteiros, a situação da escravidão no Brasil colonial e a questão de Pombal. Por
fim, abordaremos a restauração dos Beneditinos no Brasil.
A fundação heróica do Mosteiro da Ressurreição, por um grupo de dez jovens
monges, aconteceu a trinta anos no Paraná, aspecto que trabalharemos com
detalhes. Depois disso, apresentaremos os sete momentos de salmodia, juntamente
com a missa, realizados todos os dias, seguindo rigorosamente o ritual estabelecido
e dando vida a cada ação litúrgica. Por fim, falaremos a respeito do labora, como
expressão da santificação do trabalho, que se realiza dentro e fora do Mosteiro da
Ressurreição, expresso através dos estudos, do auto-sustento, da repercussão
extra-muros e da questão vocacional em suas etapas.
1 Dom Mateus de Salles PENTEADO, OSB, Mosteiro da Ressurreição: Síntese histórica e projeto monástico- Exposição apresentada no curso sobre o Monaquismo no Brasil promovido pela CIMBRA (Conferência de Intercâmbio dos Mosteiros Beneditinos no Brasil) no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, aos 21 e 29 de julho de 1997.
58
CAPÍTULO III: ANTECEDENTES HISTÓRICOS E FUNDAÇÃO
Os Beneditinos que chegaram ao Brasil vieram de Portugal e desenvolveram
um trabalho diferente das demais congregações religiosas que também estiveram no
Brasil colônia. Os Beneditinos, mesmo voltados mais para a contemplação,
conseguiram fundar seus primeiros mosteiros no Brasil colônia, contando sempre
com a ajuda de pessoas. As questões históricas da época também devem ser
consideradas, como a invasão holandesa, a escravidão e a expulsão das ordens
religiosas do Brasil por Pombal. Por meio da Congregação Beneditina Brasileira,
surge a restauração da Ordem de São Bento em nosso país. Dando um salto
histórico no tempo, no ano de 1981, surge a fundação do jovem Mosteiro da
Ressurreição, ao qual é o objeto de foco desta pesquisa. Desde os tempos da
chegada dos portugueses ao Brasil, nossa história tem vínculos indissociáveis com
Portugal. A Igreja deu um grande impulso para a Evangelização, sobretudo aquela
empreendida por Portugal:
A Igreja se torna verdadeiramente “católica”. Inextricavelmente mesclada ao comércio, à colonização, às vicissitudes da política e dos conflitos mundiais, a evangelização sofre contragolpes dessa situação e, muitas vezes, perde com isso a sua pureza.2
Na Europa tudo estava fervilhando, devido às muitas mudanças. Obviamente,
não podemos entrar em detalhes e nem abranger todos os acontecimentos desta
época, mas vale lembrar que:
Uma nova época iniciada. A expansão para o ocidente leva para outras partes do mundo o estilo de vida europeu e a fé cristã. Ao clima excitante da nova época se opõe a resignação de um grande imperador: Carlos V renuncia, quando não consegue mais restaurar a unidade da fé diante dos protestantes e garantir o alicerce do Império cristão que lhe foi confiado. O protestantismo toma o seu caminho; a Igreja se acha diante de governos nacionais sempre mais autônomos. (...) O novo interesse para com o comércio e a economia (mercantilismo) prepara uma concepção secularizada do Estado.3
2 Jean COMBY, Para ler a História da Igreja II. Do século XV ao século XX, p. 54. 3 Roland FRÖHLICH, Curso básico de história da Igreja, p. 119.
59
A Reforma que Lutero empregou, nos primeiros anos do século XV, teve
consequências como a ruptura com o catolicismo, que foi definitiva. A Reforma
Protestante não foi a única a acontecer, pois, em vários países, surgiram outras
Reformas derivadas desta primeira: na Inglaterra, formou-se o Anglicanismo, na
França e na Suíça, o Calvinismo, e na Alemanha, o Luteranismo:
Lutero teve seus próprios discípulos, como Melanchton (1497-1560), “o doce Filipe”. Mas, ao mesmo tempo que Lutero, surgem em toda a Alemanha e Suíça numerosos reformadores. Quase todos são padres e muitas vezes religiosos. Se, de um modo geral, eles concordam com Lutero acerca da fé e das Escrituras, suas divergências podem ser significativas no que diz respeito às suas concepções da Eucaristia. Lutero rompe com vários deles em função desse ponto.4
Além da Reforma, outro acontecimento significante foi a convocação do
Concílio de Trento em 1545-1563, com a finalidade de continuar a Reforma Católica:
Numerosos decretos são baixados; dizem respeito antes de tudo a temas levantados por Lutero: a doutrina da justificação, as fontes da fé, o pecado original, os sacramentos. Os casamentos clandestinos são declarados inválidos e não apenas ilícitos. Os deveres do ministério episcopal são regulamentados: convocação anual de sínodos diocesanos, reunião de sínodos provinciais a cada três anos... obrigação de residência; proibição de ocupar ao mesmo tempo diversas sedes episcopais (acumulação de benefícios). Para melhorar a formação dos futuros padres, instituição de seminários diocesanos.5
A Igreja do Brasil recebeu a influência dos acontecimentos políticos e
religiosos de Portugal, como também da Reforma e do Concilio. Um exemplo, a ser
citado é a questão do padroado, que teve muita influência sobre a Igreja no Brasil.
Neste sentido, é possível afirmar que o fato religioso era um negócio do Estado, isto
é, a religião possuía uma relação de dependência com o Estado:
A proteção do Estado trouxe sempre privilégios e benefícios materiais para a Igreja, mas significou sempre compromisso e não poucas vezes, opressão da Igreja. Nas nações neolatinas continuou a dominar o catolicismo. De modo mais conturbado na França, onde se impôs através das guerras de religião, e
4 Jean COMBY, Para ler a História da Igreja II. Do século XV ao século XX, p. 19 5 Roland FRÖHLICH, Curso básico de História da Igreja, p. 125-126.
60
de um modo mais estável na Itália e na Península Ibérica, sustentado pela força da inquisição religiosa. O padroado será a forma através da qual o governo de Portugal exercerá sua função de “proteção” sobre a Igreja católica, religião oficial e única permitida na nação. Tendo obtido para si o título perpétuo de grão-mestre da Ordem de Cristo, os reis de Portugal passaram a exercer nas colônias e terras de conquista o pleno domínio político e religioso.6
O padroado tornou-se um problema para a Igreja na época da Colônia, uma
vez que Portugal controlava toda a vida da Igreja no Brasil, desde a chegada até o
autosustendo dos novos missionários: “O clero secular vive imprensado entre os
senhores de terra e a Coroa da qual depende econômica e juridicamente mercê do
sistema de padroado, daí formarem-se os tipos de capelão-de-fazenda e do padre-
funcionário”7. Ou ainda:
O rei controla, nos mínimos detalhes, a vida da Igreja no Brasil. Nada acontece na Igreja sem sua expressa licença. É ele quem dá autorização para novos missionários entrarem na Colônia ou para a construção de templos ou conventos. O monarca nomeia bispos e padres nos cargos eclesiásticos mais importantes e os sustenta financeiramente. Para obter os recursos destinados às obras da Igreja, a Coroa faz a cobrança dos dízimos (10% das rendas dos colonos) e parte desse dinheiro volta à Colônia em forma de subvenção eclesiástica.8
Portugal começou a se interessar pelas terras brasileiras por volta de 1530. O
primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, chegou em 1549 e trouxe os primeiros
membros da Companhia de Jesus para dar assistência religiosa e executar a
evangelização dos nativos. Os Jesuítas foram os primeiros a chegar ao Brasil:
A principal causa que me levou a povoar o Brasil foi que a gente do Brasil se convertesse à nossa santa fá católica. E Camões desafia a generosidade cristã dos descobridores exclamando: “E vós outros que os nomes usurpais. De mandados de Deus, como Tomé Dizei, se sois mandados, como estais, Sem irdes a pregar a santa fé?9
6 Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil- tomo II/1, p. 161-162. 7 Alfredo BOSSI, Dialética da colonização, p. 24. 8 Henrique Cristiano José MATOS, História mínima da Igreja no Brasil, p.11. 9 Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil- tomo II/1, p. 24.
61
A fundação da Ordem de São Bento no Brasil foi um acontecimento relevante,
sendo a primeira fundação no continente latino-americano e a primeira fora da
Europa, como já observamos. A Família Beneditina é semelhante a uma árvore, que
cresce a cada dia e não para de apontar novos horizontes através das gerações.
Conhecer o histórico passado dos Beneditinos no Brasil é trazer à luz um pedaço da
própria história brasileira e eclesial, muitas vezes, esquecida nos porões do tempo.
O grande contributo cultural e religioso que os Monges Negros10 deram ao país é
uma marca indelével presente na gênese da jovem nação. O Brasil acolheu e acolhe
com entusiasmo os Beneditinos.
Entre tantos acontecimentos que antecederam a chegada dos Beneditinos no
Brasil, conta-se que três jovens foram estudar em Portugal: Pedro Ferraz, natural de
Ilhéus, João Porcalho, também de Ilhéus, e Manuel Mesquita, baiano.11 Quando eles
conheceram a Ordem Beneditina, ficaram tão entusiasmados, que decidiram
abandonar os estudos acadêmicos e se tornarem monges:
Grande impulso recebeu ainda essa determinação pelo fato, de, por este tempo, terem professado na Ordem três jovens, nascidos em terras brasileiras, os quais tinham sido enviados por seus pais a Portugal, para que, na “terrinha”, recebessem boa formação. Tendo eles conhecido a Ordem de São Bento, enamoraram-se do ideal monástico e vestiram a cogula beneditina. Era, pois, natural que neles ardesse o desejo de verem a Ordem transplantada para sua terra natal e de influírem em seus conterrâneos os poderes espirituais que haviam recebido. 12
3.1 – Primeiros mosteiros beneditinos no Brasil
Os primeiros beneditinos vieram de Portugal13. “Alcançada a provisão régia,
embarcaram para Salvador da Bahia, onde foram recebidos pelos moradores com a
10 “A exemplo dos padres da Companhia de Jesus, que vieram com Tomé de Souza, chegaram, depois os frades da Ordem do Patriarca São Bento, os chamados Monges Negros (Monachi Nigrorum Ordinis Sancti Patris Benedictus), como eram conhecidos, pelo uso exclusivo do hábito negro”. Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 do mosteiro de São Bento da Bahia, p. 21. 11 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582-1827, p. 34. 12 Ibid., p. 34. 13 “Em Portugal processou-se a reforma da vida monástica, quando no Brasil se procedia à exploração do território, à administração das terras já povoadas e à evangelização dos gentios. O centro da renovação da Ordem Beneditina em Portugal foi o mosteiro de Tibães onde, por ocasião do segundo Capítulo Geral, a 13 de fevereiro de 1575, no reinado de D. Sebastião, os Padres Capitulares se mostraram dispostos a cooperar na evangelização da Índia, do Brasil e de outras
62
caridade, veneração e respeito devido ao seu estado, às suas virtudes e aos seus
anos. Frei Antonio Ventura era já de idade avançada quando o escolheram para lhe
conferir o honroso e pesado encargo de “Fundador da Religião Beneditina nos
Estados do Brasil”14. Oficialmente, os Beneditinos desembarcaram no Brasil em
1581, na cidade de Salvador, Bahia.15
Os Beneditinos estabeleceram-se definitivamente no Brasil em 1581. Naquele ano aportou à cidade do Salvador o primeiro grupo de monges chefiado pelo padre Frei Antonio Ventura do Laterão, mandado pelo abade geral da Congregação Beneditina de Portugal a fim de construir um mosteiro em terras de Santa Cruz, em cumprimento da decisão do segundo Capítulo Geral da Congregação e atender aos reiterados pedidos dos habitantes da Bahia. Antes deles já tinham estado no Brasil alguns beneditinos, mas em caráter particular e temporário, em missões especiais, sobretudo de pregação evangélica.16
No desenrolar da história Beneditina no Brasil, antes da fundação
propriamente dita, estiveram alguns beneditinos no Brasil para ver se era possível
uma fundação da Ordem. “Criada a Congregação Beneditina de Portugal, pelo Papa
Paulo V em 1569, logo a 13 de fevereiro de 1575, em reunião de seu Segundo
Capítulo Geral, veio a idéia de se fundar um mosteiro beneditino no Brasil”17. Para
isto, o “... abade geral escolheu ao Frei Pedro de São Bento Ferraz, filho de Ilhéus e
religioso expedito e inteligente para a delicada missão de estudar a situação no
além-mar”18. Assim:
Sabiamente aconselhado Fr. Pedro de Chaves mandou-o, em data ignorada (mas por certo o mais tardar no correr do ano de 1579) para a Cidade de Salvador, “cabeça do Estado Brasílico Lusitano”, com carta de recomendação
regiões, se assim aprouvesse a El Rei”. Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento – São Paulo, p. 11 14 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582- 1827, p. 43 15 “A Bahia era, então, a sede do Governo da Colônia, local para onde se dirigiu o primeiro grupo de monges enviado de Portugal. Tão grande impulso tomou a Fundação ali montada pelos religiosos vindos da Metrópole que, em 1584, três anos depois, portanto, foi a Congregação elevada à categoria de Abadia e o Padre Frei Antonio Ventura, que viera chefiando o grupo, eleito seu primeiro Abade”. Antonio de Paula DUTRA, Ora et Labora, Revista Mensal Religiosa, p. 2. 16 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 17. 17 Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 21. 18 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582- 1827, p. 35
63
ao “nobilíssimo Senado da Câmara”. Do teor desta carta se conclui que o expedito e inteligente monge foi mandado ao Novo Mundo mais para sondar terreno (se convinha ou não fazer-se mosteiro nesta parte) do que propriamente para tratar logo duma fundação.19
Com a permissão do Senado da Câmara, o bispo da Bahia concebeu aos
beneditinos a ermida20 de São Sebastião e os terrenos adjacentes:
Na pequena ermida preexistente, fora dos muros da cidade, junto às Portas de Sta. Luzia (ou, depois, de São Bento), dedicada ao mártir S. Sebastião (então voltada para as águas a fim de proteger a Bahia dos “miasmas do mar”, que se fixaram desde o início os “frades bentos”). Ocupava-se, assim, o terreno que já antes da chegada dos monges, acontecida em 1582, segundo vários testemunhos, lhes doaram, já antes, em 1580, os seus proprietários, Francisco Afonso, o Condestável, e sua mulher Maria Carneiro. Recolheram-se os monges às casas existentes junto da ermida e logo puseram mãos à obra para edificar sua morada, segundo o traçado monasterial. 21
No Brasil surgiu o primeiro mosteiro beneditino de toda a América Latina22,
como vimos, e, em pouquíssimo tempo, este mosteiro de Salvador foi elevado à
categoria de abadia23: “No prazo de dois anos, o mosteiro foi elevado ao grau de
Abadia e o seu superior, Frei Antonio Ventura, passou a ser Abade”24. Os monges
beneditinos eram estimados por sua observação religiosa:
Rapidamente, a obra foi progredindo, graças ao grande desvelo do Pe. Frei Antonio Ventura, e com o auxílio generoso dos habitantes da Província, muito edificados com a observância regular dos monges. Acelerou-se a construção
19 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582-1827, p. 35. 20 “Pequena Igreja ou capela em lugar ermo ou fora de uma povoação”. Antônio HOUAISS, Dicionário de Houaiss, p.1189, vocabulário Ermida 21 Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 9. 22 “No Brasil, foram os beneditinos a segunda Ordem Religiosa a se estabelecer, depois da chegada dos Jesuítas, em 1549”. Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 9. 23 “Local que abriga uma comunidade religiosa monástica, mosteiro onde monges ou monjas vivem em retiro, cumprindo votos. Comunidade, associação ou instituição religiosa à qual pertencem esses monges ou monjas, dirigida por abade ou abadessa”. Antônio HOUSAISS, Dicionário Houaiss, p. 4 no vocábulo abadia. 24 Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 9.
64
do convento, de modo que em 1584 uma parte dele já podia ser habitada pela comunidade. 25
O segundo mosteiro beneditino fundado no Brasil foi o de Olinda, em
Pernambuco, entre os anos de 1585 e 1588. Não há uma precisão nesta data:
O Mosteiro de Olinda, ou de Pernambuco, como lhe chama sempre o primeiro Bezerro26, deve ter sido fundado no decorrer do ano de 1586, visto que no mês de março do ano de 1592 já estava habilitado a ter noviciado próprio, como claramente se infere do fato de terem sido nomeados, naquela data, examinadores de noviços para o dito mosteiro.27
E ainda:
Minha Ordem primeiro fundou os seus Mosteiros na Bahia e de Olinda do que edificasse o do Rio de Janeiro... Em segundo lugar fundou-se o Mosteiro de Olinda. Investigando a época em que se deu esta fundação, topamos com a dura realidade, de que “com a destruição deste Mosteiro de Olinda pelos holandeses, se acabou as memórias e notícias dela assim da sua fundação, como dos fundadores. 28
Em 1589, houve uma tentativa de fundar um novo mosteiro, em Vila Velha, no
Espírito Santo, mas devido às grandes dificuldades, abandonou-se a idéia:
Já antes, em 1589, foram dois monges para o Espírito Santo com o encargo de uma fundação naquela Capitania. Começada a construção do mosteiro em Vila Velha, tiveram que abandoná-lo alguns anos depois em vista da pobreza da terra e, sobretudo, provavelmente, pela carência de monges, pois o abade da Bahia necessitava de pessoal para atender aos muitos pedidos de fundações em outras Capitanias, onde prometiam lisonjeiro futuro.29
25 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província 1582- 1827, p. 45. 26 Bezerro (Livro das Atas Capitulares e das Juntas). Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província 1582- 1827, p. 19 - abreviaturas. 27 Ibid., p. 51 28 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582-1827, p. 49. 29 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 18.
65
A Ordem Beneditina continuava expandindo-se pelo Brasil, pois todas as
Capitanias do Brasil desejavam a presença dos religiosos de São Bento. Por fim,
chegou a vez do Rio de Janeiro:
O que ocorreu com os moradores de Olinda repetiu-se com os do Rio de Janeiro. Tendo notícias das virtudes dos monges Bentos na Bahia, solicitaram ao Rvdo. Abade do Salvador, lhes mandassem monges que naquela cidade também construíssem um mosteiro. O bom acolhimento dos moradores, as atenções e gentilezas de que foram cumulados, estimularam-lhes o desejo de fundarem o mosteiro. Com esse objetivo foi-lhes oferecida a “Ermida de N. Sra. do Ó”. 30
A Ermida de N. Sra. do Ó ficava numa região barulhenta e não agradou aos
monges fundadores, que pediram um pouco mais de tempo para procurar outro
lugar em que pudessem ter maior recolhimento:
Parece que a localização da Ermida de N. Sra. do Ó, que se situava onde hoje fica a Igreja do antigo Convento do Carmo, à Rua Primeiro de Março, não agradou aos nossos dois monges, por achar junto ao desembarcadouro da cidade, não sendo propício ao recolhimento, em virtude da movimentação e barulho que isto ocasionava. Como lhes fosse deixada a faculdade de escolherem algum sítio da cidade que melhor estivesse, pediram tempo para observar e procurar. 31
Por fim, os dois monges fundadores encontraram a Ermida de Nossa Senhora
da Conceição, que se situava nas terras do fidalgo cavaleiro de El Rei, Manuel de
Brito, e que pertencia a uma irmandade. “Agradaram-se do quase promontório que
ficava no fim da cidade e onde estava a Ermida de Nossa Senhora da Conceição”32.
Os monges falaram com o Sr. Manuel de Brito sobre o lugar perfeito para o
recolhimento e este lhe concedeu a doação, fato que ocorreu verbalmente. Somente
mais tarde é que seu filho Diogo passou-lhes a escritura:
30 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582-1827, p. 55. 31 Dom Clemente da Silva NIGRA, O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro – 1590 - 1990, p. 25-26. 32 Ibid., p. 26.
66
Os dois beneditinos falaram a Manoel de Brito, e este lhe concedeu verbalmente, certamente depois de ter combinado com seu filho Diogo de Brito de Lacerda, que dela largou mão, e com Aleixo Manuel, responsável pela irmandade da Ermida de Nossa Senhora da Conceição. Em 25 de março de 1590, Diogo de Brito Lacerda confirma por escrito particular esta doação, sem, contudo, passar escritura definitiva, porém com o compromisso de fazer-lhe escritura de doação e trespassarão todas as vezes que por eles ou seus sucessores me for pedido. Somente em 1620 é que receberam de seu benfeitor Diogo de Brito de Lacerda e escritura definitiva de doação. Nessa época a comunidade já se achava consolidada, com vasto patrimônio e mais de doze monges, chegando a ter dezessete.33
A data da fundação do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro é de 1590,
como atestam vários documentos: “A crônica de 1646 dá a entender que foi logo
depois de confirmada a doação por Diogo de Brito, em 25 de março de 1590.
Podemos considerar este o ano como o da fundação do Mosteiro de São Bento do
Rio de Janeiro”34. E ainda:
Com efeito, em finais de 1591 já existia um convento do Bem-Aventurado São Bento, também chamado de casa de São Bento, como se lê na escritura de doação de terras em Iguaçu, feita por Jorge Ferreira ao Mosteiro, em 11 de novembro de 1591, e noutra, de venda de meia légua de terra, também no rio Iguaçu, feita aos monges pelo mesmo Jorge Ferreira em 23 de novembro de 1591, com tomada de posse em 29 de daquele mês e ano. Foi por estes documentos que julgamos ter provado que nosso Mosteiro foi fundado em 1590, e não em 1586, como pensava Dom Clemente da Silva- Nigra, nem em 1593, como sustentava Dom José Lohr Endres.
Porém, a consolidação do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro
aconteceu somente no ano de 1596, segundo a informação: “Até o ano de 1596, que
se pode considerar como o da consolidação da fundação do Mosteiro de Nossa
Senhora da Conceição do Rio de Janeiro”35. Conta-se, através de crônicas, que o
dia da transferência da Ermida de Nossa Senhora do Ó para a Ermida de Nossa
Senhora da Conceição foi um dia memorável. O povo estava feliz, acompanhando a
procissão. Fazia muito tempo que não chovia e neste dia, durante a procissão, a
chuva começou a cair:
33 Dom Clemente da Silva NIGRA, O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro – 1590-1990, p. 26. 34 Ibid., p. 28. 35 Ibid., p. 32.
67
O povo e o clero, querendo sair da Igreja com a dita imagem do Nosso Santo Padre, em levantando o Pe. Frei João Porcalho o cântico do Benedictus, sentiram cair uma chuva grossíssima sem vento nem trovão, que os há nesta terra espantosíssimos. Todos, em lugar de se abrigarem, se meteram a molhar, dando infinitas graças ao Senhor São Bento por tão assinalada mercê, aumentada com tão alegre benefício a devoção de nosso Santo Padre moveram-se todos a fazer o que cada um pudesse na fábrica do mosteiro. 36
A situação de pobreza atingia a maioria dos habitantes da cidade, mas eles
repartiam generosamente o pouco que tinham com os monges. Os fundadores
viviam na simplicidade e eles mesmos faziam todos os trabalhos no mosteiro:
Não é difícil imaginar o quotidiano de nossos fundadores na solidão do Morro de N. Senhora da Conceição: a menos que algum ou outro morador lhes tivesse cedido algum escravo seu, eram eles próprios que preparavam sua comida, cuidavam da limpeza da pequena ermida, lavavam a roupa, cuidavam do plantio e cultivo da roça e bananais deixados por Manuel Brito, cortavam a lenha nos matos da sesmaria, iam buscar água no riacho próximo, que limitava a propriedade doada.37
Os fundadores não podiam ficar eternamente vivendo da generosidade dos
fiéis e precisavam dar um jeito de ter seu auto-sustento. Por isso, Frei Pedro Ferraz
procurou intensificar o trabalho com todos os que estavam dispostos a ajudá-los, a
fim de que o próprio mosteiro pudesse ter o suficiente e também ajudar todos os que
precisassem dele:
Estabelecer patrimônio suficiente para subsistência dos monges, e é fácil conjeturar o grande desvelo que nisso teve quem refletir que a maior parte das casas da cidade estava nesse tempo coberta de colmo ou palha, pela pobreza da terra. E nada adiantaria esta fundação se as suas virtudes e regular observância não excitassem nos corações de todo o povo uma grande e especial devoção à nossa Religião, ajudando-nos a estabelecer um Mosteiro que se fundava unicamente com o patrimônio das virtudes de seus primeiros fundadores.38
36 Dom Clemente da Silva NIGRA, O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro – 1590-1990, p. 30. 37 Ibid., p. 30. 38 Ibid., p. 32.
68
São Bento já havia pensado sobre o assunto, isto é, de que cada mosteiro
tivesse, no seu próprio recinto, tudo aquilo de que necessitasse. Assim, seus
monges ficariam separados do mundo e teriam mais tempo para o recolhimento:
A cerca da clausura do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro de que nos falam os documentos antigos correspondia ao que define a Regra beneditina em seu capítulo 66, 6s. Seja (...) o mosteiro (...) construído de tal modo que todas as coisas necessárias, isto é, água, moinho, horta, e os diversos ofícios, se exerçam dentro do mosteiro, para que não haja necessidade de os monges vagarem fora.39
Por fim, o Mosteiro foi sendo construído, crescendo, e chegou aos nossos
dias como um marco cultural histórico importantíssimo não só da cidade
maravilhosa, mas de todo o Brasil. Hoje, o Mosteiro está sob o título de Nossa
Senhora de Monserrate:
Por fazerem os religiosos a vontade do governador que era, e depois foi Marquês das Minas de São Paulo, Dom Francisco de Souza, grande afeiçoado e devoto da Virgem de Monserrate, puseram nome ao Mosteiro de N. S. de Monserrate (em 1602) como de presente se chama a intitula nesta cidade do Rio de Janeiro no Brasil. 40
Fazendo uma breve retrospectiva, após as fundações na Bahia em 1581,
Olinda entre 1585 a 1588, a terceira fundação foi Vila Velha, em 1589, que não foi
para frente, devido às dificuldades encontradas. A fundação do Rio de Janeiro deu-
se em 1590; finalmente foi a vez de São Paulo em 159841, quando ocorreu a
fundação do Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção de São Paulo.
Foi no ano de 1598 que Frei Mauro Teixeira42 43 44, monge beneditino, natural
de São Vicente, recebeu, da Câmara da Vila de São Paulo, a permissão para
construir, naquela mesma Vila, um mosteiro e uma igreja dedicados a São Bento:
39 Dom Clemente da Silva NIGRA, O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro – 1590-1990, p. 34. 40 Ibid., p. 138. 41 “Foi a Abadia de São Paulo, na ordem cronológica, a quinta construída no Brasil”. Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 133. 42 “O irmão Mauro Teixeira, durante muito tempo tido por sacerdote pelos historiadores, mas que era um irmão leigo”. Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom
69
No ano de 1598 a cidade de São Paulo era um pequeno e pobre povoado, segundo Sérgio Buarque de Holanda. Crescia e desenvolvia ao redor do Colégio dos Jesuítas e, de maneira especial, com a chegada dos beneditinos, a Capitania de São Vicente torna-se um pólo importante.45
E ainda:
O modesto vilarejo que, no campo de Piratininga, surgiu e cresceu ao redor de um colégio dos padres da Companhia de Jesus, parece claro que não se pode medir pela pequenez física e a pobreza de São Paulo colonial, o significado que ela assume, quase desde o primeiro momento, para a vida brasileira. Embora o estabelecimento paulistano dos beneditinos ou “padres bentos”, como é costume nomeá-los na documentação municipal, não se possa datar exatamente daqueles “primeiros tempos”; sua presença é inseparável dos sucessos e personagens que terão papel da maior importância no núcleo bandeirante. 46
Frei Mauro Teixeira ergueu uma ermida dedicada ao Patriarca São Bento,
onde, mais tarde, foi construída a capela e o mosteiro. Ele se dedicou à oração e à
penitência e, depois de algum tempo, retirou-se de São Paulo. Pelo ano de 1610, o
nome da ermida de São Bento foi trocado para Nossa Senhora do Monserrate, “a
pedido do Governador Dom Francisco de Sousa”47 e, em 1720, para o nome de
Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, O Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 11. 43 Na obra de Joaquim LUNA, Os Beneditinos no Brasil, ele chama Frei Mauro de padre. Frei Clemente das Chagas deu, em 1598, licença ao padre Frei Mauro Teixeira. 44 O ter sido Frei Mauro Teixeira mandado a São Paulo apenas para investigar a possibilidade da planejada fundação e não para fazê-la, resulta já do fato de na “Ordem de São Bento não ser costume ser um simples Irmão-leigo que trate dos negócios públicos do seu mosteiro, a não ser que existem razões absolutamente particulares”. Dom Clemente da Silva NIGRA, Arquivo do Estado do Espírito Santo, p. 53. No processo informativo sobre a vida do Pe. Anchieta foi também Frei Mauro Teixeira arrolado como testemunha. Ali figura não como padre, mas como irmão-leigo. Sendo esse documento coevo aos sucessos que acabamos de referir, devemos atribuir-lhe o valor documentário de primeira ordem, e grande importância, sobretudo em relação à crônica anônima do Mosteiro de S. Bento de S. Paulo, na qual foi “adulterada muita coisa”, no dizer do historiador das primeiras áreas paulistas (Frei Gaspar da Madre de Deus) e na qual Frei Mauro Teixeira figura como padre. Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província – 1582- 1827, p. 71. 45 Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 7. 46 Dom Martinho JOHNSON, Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo, p. XV. 47 Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 12.
70
Nossa Senhora da Assunção48, o qual vigora até os dias de hoje. No dizer de
Taunay, “... onde se assentara a taba do velho Tibiriçá, o glorioso índio que realiza a
aproximação euroamericana e permitira o surto da civilização no planalto, salvando
São Paulo da agressão tamoia de 1562”49. Com isto:
Frei Mauro, bem acolhido pelo Senado da Câmara, ergueu uma ermida dedicada a São Bento, onde se entregou à oração e à penitência para a grande edificação dos moradores. Frei Mauro retirou-se de São Paulo, e o mesmo Provincial enviou o Padre Frei Mateus da Ascensão que solicitou à Câmara de São Paulo as terras onde se assentara a taba do velho Tibiriça, para a construção do mosteiro. A Câmara concedeu as terras pedidas em doação perpétua “até ao fim do mundo”.50
Quando Frei Mauro Teixeira ausentou-se de São Paulo, Manuel Preto
assumiu a administração do Mosteiro, por ser um dos mais ricos homens de cidade:
Deixou Manuel Preto, o fundador da Capela de N. Senhora do Ó, encarregado de cuidar da ermida de S. Bento e dos demais bens do Mosteiro, consoante declara Taunay, era o procurado de São Bento, um dos paulistanos de maior prestígio, o formidável sertanista terror das reduções jesuítas, arrasador do domínio inaciano no Guaíra. Possuía ele, em São Paulo, nada menos que 1000 escravos índios. Havendo-se internado, no fim de 1629 ou princípio de 1630, no Sertão de Santa Catarina, que pretendia colonizar, lá foi morto a flechadas pelos silvícolas, chegando a notícia do fato a São Paulo, em 22 de julho de 1630.51
Manuel Preto, homem rico, mas a quê preço? Preço de sangue dos nativos e
dos escravos. Parece ser um contraste que ele seja um benfeitor notório do
mosteiro:
48 “Todavia, 100 anos depois, em 1720, a Capela passou a chamar-se de N. Sra. da Assunção, título que conserva ainda hoje. José Ramos da SILVA, português, natural da Cidade do Porto e grande benfeitor do mosteiro, havia solicitado tal mudança, obtendo-a do então Abade Geral, Frei José de S. Maria. Do S. Padre CLEMENTE XI obteve o privilégio de indulgência plenária para todos os fies, que, confessados, visitassem, em dia da Sra. da Assunção, a 15 de agosto, a Igreja. Este privilégio, concedido por 10 anos, infelizmente, se perdeu, por já não haver mais quem procurasse a prorrogação do mesmo indulto, acabado o tempo da sua concessão”. Ibid., p. 74. 49 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província 1582- 1827, p. 71. 50 Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 12 51 Dom Martinho JOHNSON, Livro Tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo, p. 6
71
O culto celebrado nas missões jesuítas dos Sete Povos será igualmente rezado pelos bandeirantes, que, ungidos por seus capelães, irão massacrá-los sem piedade. Atenderá o Deus dos missionários e dos profetas pelo mesmo nome que o deus dos guerreiros e dos fariseus? A questão nodal é saber como cada agrupo em situação lê as Escrituras, e interpreta, do ângulo da sua prática, os discursos universalizantes da religião. 52
Em 1610, chegou à cidade de São Paulo o novo governador da Capitania,
Dom Francisco de Sousa, e também “Frei Mateus da Assunção, nomeado prior da
fundação, e mais os padres Frei Antonio da Ascensão ou Assunção e Frei Bento da
Purificação”53. Estes se organizaram na medida do possível para viver a vida
monástica, de acordo com a Regra, e também deram início às obras de construção
do mosteiro. Em 1630, chegaram à São Paulo mais quatro monges e “... mais tarde
o padre João Pimentel54, antigo pároco da vila de S. Paulo, que se fizera monge de
S. Bento na abadia fluminense e agora voltava à vila com o hábito beneditino”55. Frei
João Pimentel construiu um dormitório com quatro celas, junto à Igreja.
O bandeirante Fernão Dias Paes Leme tornou-se um grande benfeitor do
mosteiro de São Paulo. Como retribuição teve apenas um desejo: ser enterrado
dentro do mosteiro:
Grande protetor dos beneditinos, fez construir novo mosteiro e outra Igreja, com a só condição de ter aí sepultura para si e seus descendentes, e ainda concedeu à igreja e ao mosteiro rendas e patrimônio. A Escritura dessa doação foi lavrada a 17 de janeiro de 1650, perante o Abade Provincial do Brasil, Frei Gregório de Magalhães. A comunidade beneditina de São Paulo compunha-se, então, de sete membros.56
Pessoas devotas, amigas e generosas ajudaram os monges na construção do
mosteiro. Alguns benfeitores destacaram-se pelo montante da ajuda. Entre tantos,
52 Alfredo BOSI, Dialética da colonização, p.15-16 53 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 134. 54 “É provável que a notícia da morte de Manuel Preto tenha chegado no Rio de Janeiro mais depressa do que em São Paulo. Assim, compreender-se-ia a preocupação do beneditino Frei Máximo de enviar logo a São Paulo o seu representante Frei João Pimentel da Rocha para tomar posse dos bens de S. Bento, impedir prováveis invasões e pedir à Câmara nova escritura, a qual foi lavrada a 9 de julho de 1630”. Dom Martinho JOHNSON, Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo, p. 6. 55 Ibid., p. 134. 56 Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 12.
72
há o Capitão-Mor desta cidade Pedro Tacques de Almeida Lara, natural da cidade
de São Paulo, Antonio de Oliveyra Leytão, José da Silva de Goy e o português José
Ramos da Silva Filho, natural da cidade do Porto, Portugal.57 “Outros benfeitores,
vendo a pobreza do mosteiro, contribuíram para o explendor do culto, mandando
fazer novas e ricas alfaias para a Igreja”58. No entanto, há uma lista enorme de
doadores que ao longo dos anos foram surgindo, conforme consta no livro do tombo
do mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo:
Sendo, pois, a abadia pobre e poucos os seus monges, não pôde dar grande desenvolvimento à vida litúrgica. Eram os religiosos, no entanto, piedosos e observantes, por isso respeitados e estimados pelo povo. Embora poucos em número, os beneditinos do mosteiro de São Paulo exerceram influência salutar na sociedade paulista do seu tempo e contribuíram para a catequese e aldeiamento dos índios.59
Em 1760, o novo Abade, Frei Miguel de S. Rita substitui a Igreja abacial por
outra mais ampla e digna do culto divino:
Mandou por isso demolir a igreja antiga e começou a construir outra, cujas obras foram continuadas por seus sucessores (...). Da Igreja antiga conservou-se apenas a torre em que colocaram um relógio com mostrador externo. Fizeram importante melhoramento no edifício do mosteiro.
As eleições para Abades davam-se a cada três anos e a lista é grande até
chegar aos nossos dias. Não é o caso, neste momento, de registrar os nomes e os
feitos de todos os abades do Mosteiro de São Bento de São Paulo. Neste trabalho,
pretende-se apresentar a relevância deste mosteiro em relação à fundação de
outros mosteiros que foram gerados ao longo dos anos. A partir daí, muitas
fundações aconteceram: Mosteiro de N. Sra. do Destêrro da Paraíba, em 1643; nos
arredores da cidade de Salvador surgiu um novo mosteiro, o de N. Sra. das Graças,
no ano de 1647; em Santos, no ano de 1649, fundou-se o Mosteiro dedicado a N.
57 Foi ele quem obteve a autorização para mudar o título de N. Sra. de Monserrate para N. Sra. da Assunção. 58 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 136. 59 Ibid., p. 137.
73
Sra. do Desterrero; em Pernambuco, no ano de 1656, o Mosteiro dedicado a N. Sra.
dos Prazeres de Guararapes; em Sorocaba, no ano de 1661, foi feita a doação do
terreno, mas somente seis anos depois é que chegaram os primeiros monges.
Inicialmente, o Mosteiro teve o título de N. Sra. da Ponte de Sorocaba, depois se
trocou o nome para N. Sra. da Visitação; em Jundiaí, em 1668, o mosteiro de
Sant’Ana; e no recôncavo baiano surgiu outro mosteiro, no ano de 1670, sob o título
de N. Sra. das Brotas.
Os monges de ontem e de hoje procuram trabalhar com suas mãos, para não
se tornarem um peso para as pessoas. Continuam orando e trabalhando, como é
dito pela Regra Beneditina, colaborando na construção de uma sociedade mais
justa. Quem visita o Mosteiro de São Bento em São Paulo pode perceber a beleza
de todo o conjunto arquitetônico. Ontem e hoje, os mosteiros esforçam-se para viver
o verdadeiro espírito cristão, ajudando as pessoas a fazer uma experiência divina:
Contudo, nos seus mosteiros, respirava-se paz, saboreava-se bom canto religioso e apreciavam-se dignas cerimônias litúrgicas. Muitas almas, atormentadas pelas agitações e dissabores da vida, encontravam nos mosteiros um oásis de serenidade, uns momentos de tranqüilidade e de distensão espiritual. Isto quando neles havia sincera prática do espírito monástico.60
3.2- Contexto histórico 3.2.1 – Escravidão e invasão holandesa
Os mosteiros fundados até 1596 eram subordinados diretamente a Portugal,
mas a partir desse ano os mosteiros do Brasil formaram uma província, sendo os
mosteiros de Olinda e do Rio de Janeiro elevados à categoria de abadia.61 Tudo
estava caminhando em pleno desenvolvimento espiritual e material, até que a
invasão dos holandeses teve início no ano de 1624 na Bahia. Essa invasão
prejudicou muito a obra dos beneditinos no Brasil, principalmente nos mosteiros do
nordeste:
60 Arlindo RUBERT, A Igreja no Brasil, p. 231 61 “Em 1596, a Congregação portuguesa determinou que os mosteiros do Brasil se instituíssem em Província à parte, embora sob a sua dependência. Consequentemente a esse ato, os mosteiros do Rio de Janeiro e de Olinda foram elevados a Abadia, enquanto que o da Bahia passou a ser designado como cabeça da Província Brasileira em 1612”. Antonio de Paula DUTRA, Ora et Labora, Revista Mensal Religiosa, p. 2.
74
Em princípios do século XVII, a cidade de São Salvador foi apanhada pelo infortúnio, com a invasão dos holandeses. Sendo ferrenhos seguidores dos princípios luteranos e calvinistas, não iriam poupar os católicos e muito menos seus templos. O Mosteiro de São Bento passou maus momentos. Num recuo estratégico, para o assalto e tomada da cidade, os holandeses se aquartelaram62 no mosteiro para passarem a madrugada63, quando, então, deram início à devastação do templo. Com o domínio da cidade, expulsaram os beneditinos, saqueando tudo e depois destruíram o que podiam do mosteiro.64
Após um ano da invasão do mosteiro de Salvador, os monges voltaram e a
eles se juntaram mais três monges vindos de Portugal para ajudar na reconstrução.
“Tarefa que conseguiram, rapidamente, ainda que com grandes sacrifícios. Também
desta vez foram os monges eficazmente auxiliados por gente generosa”65.
Na Capitania de Pernambuco, a invasão deu-se aos 16 de fevereiro de 1630.
Os monges fugiram de Olinda, escondendo-se em vários lugares e sempre foram
ajudados por pessoas devotas e generosas. Em 1632, dois anos após a presença
dos inimigos, aconteceu a trágica destruição do mosteiro de Olinda, sendo suas
pedras arrancadas para a residência do Conde de Nassau. Em 1654, vinte e quatro
anos após a invasão, os monges voltaram para Olinda e começaram imediatamente
a reconstrução do mosteiro. Até os nossos dias esse mosteiro continua de pé, como
outro marco histórico da Ordem Beneditina no Brasil.
No mosteiro da Paraíba, os monges também precisaram fugir para não serem
mortos. No ano 1655, quando eles voltaram, viram somente a ruína e a destruição,
encarando a grande pobreza com espírito de fé:
Depararam com a completa destruição de seu convento, encontrando, apenas, um monte de escombros no lugar da habitação que tinham deixado e cuja direção vinham reassumir. O que restava do antigo edifício eram, apenas, as paredes. Tão arruinado ficara que tiveram de recolher-se a uma pequena casa térrea, onde permaneceram por mais de quatro anos. Como o convento estivesse totalmente saqueado e desprovido de meios de que
62 A palavra “aquartelaram” está presente no texto do qual foi copiado e quer dizer que os holandeses, transformaram o convento em quartel a partir daquela noite. 63 Verificar no livro de Affonso RUY, História política e administrativa da cidade do Salvador, p. 135. Informação retirada de Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 22 64 Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 22. 65 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582- 1827, p. 84
75
pudessem valer, foram obrigados a viver na maior indigência, sofrendo tão grandes privações que nem para o necessário tinham recursos. Por isso, o Rvdo. Abade Frei Antônio dos Reis permitiu a seus religiosos a utilização de um pequeno pecúlio com que provessem ao seu sustento. Suportaram, entretanto, com resignação, a grande pobreza a que havia reduzido a depredação do antigo convento.66
Terminada a reconstrução do mosteiro da Paraíba, os sinos voltaram a
ressoar por toda parte após vinte anos em silêncio. Com a situação da invasão
holandesa, todas as pessoas que moravam nas proximidades dos mosteiros
empobreceram, pois dependiam dos mesmos. As fazendas e os escravos dos
mosteiros foram abandonados e grande parte da mão-de-obra escrava estava
foragida. Dezessete anos antes da libertação dos escravos e da assinatura da Lei
Áurea, os beneditinos já tinham realizado a libertação dos mesmos:
Os Frades de São Bento (e outras “religiões” como franciscanos e carmelitas) não mostravam a solicitude dos padres da Companhia em reduzir os indígenas para convertê-los e estavam longe de considerar essa a missão “principal” que os trouxe ao Brasil. Não deixaram, é certo, de preservá-los em aldeias para os defender, se necessário, das tiranias dos brancos e mamelucos.67
Ou ainda:
O antiescravista foi o Abade Geral do Mosteiro de São Paulo que pediu licença ao Geral da Ordem para libertar mil escravos pardos, quase brancos, para servirem na guerra. Nem se diga que a alforria, objetivando o serviço do exército, minimiza a beleza deste gesto. Há um trecho de Joaquim Nabuco profundamente significativo: “Essa cooperação dos escravos com o exército era enobrecimento legal e social daquela classe. Nenhum povo, a menos que haja perdido o sentimento da própria dignidade, pode intencionalmente rebaixar os que estão encarregados de defendê-lo, os que fazem profissão de manter a integridade, a independência e a honra nacional. Por isso não era o exército que o Governo humilhava indo buscar soldados nas fileiras ínfimas dos escravos; eram os escravos todos que ele elevava. Entre o senhor qu ele fazia titular, e o escravo que fazia soldado, a maior honra para este. A significação de tais fatos não podia ser outra para a massa de escravos brasileiros, senão que o Estado, por sua própria dignidade, procuraria no futuro fazer cidadãos os companheiros daqueles que tinham ido morrer pela
66 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582- 1827, p. 85 67 Dom Martinho JOHNSON, prefácio, Livro do tombo do Mosteiro de São Paulo, p. XX.
76
pátria no mesmo dia em que tiveram uma. A influência, na imaginação dessa classe, de semelhantes atos dos poderes públicos, aos quais ela atribui, na sua ignorância supersticiosa, mais coerência, memória, respeito próprio e sentimento de justiça do que eles com efeito tem, devia ter sido muito grande. Desde esse dia pelo menos o Governo deu aos escravos uma classe social por aliado: o Exército. No dia 3 de maio de 1866 o Capítulo Geral declarou livre todos os que nascessem dentro dos muros dos conventos beneditinos. Este modo de agir inspirou a Lei do Ventre Livre. Três anos depois o Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, promovia a libertação de toso os seus escravos com mais de 50 anos e, em 1871, manumitia três mil cativos. No tocante a este posicionamento, Joaquim Nabuco faz esta interpretação: “Os monges de S. Bento forravam os seus escravos e isso produziu entre os panegiristas dos conventos uma explosão de entusiasmo.68
No final do século XIX, alguns viajantes estrangeiros, ao visitar o Brasil,
ficaram maravilhados com a beleza das abadias. Um deles, chamado Sir George
Stauton,69 escreveu em seu diário de viagem, em 1798, para o rei de da Inglaterra,
sobre a situação dos escravos e a possibilidade de alguns escolhidos estudarem em
Portugal:
Sozinhos, os beneditinos tinham cerca de 1.00070 escravos nas plantações. O monge desta ordem, sendo muito opulento, praticava atos de caridade, porém apreciava mais exercer a hospitalidade. Os freis beneditinos, quanto ao todo de seus escravos, tiveram a oportunidade de observar que a prole que havia entre brancos e negros era geralmente dotada de inteligência e capacidade. Alguns desses eles criavam cuidadosamente, e os educavam com tal sucesso, como se fossem projetá-los sem mais obséquios para uma universidade portuguesa, a fim de terem formação literária. Esses freis mencionavam com certo orgulho que uma pessoa de raça mista (mulata) tinha alcançado promoção para lecionar em Lisboa71.
68 José Geraldo Vidigal de CARVALHO, A Igreja e a escravidão, p. 69. 69 “Súdito de sua majestade britânica, foi o autor de uma referência crítica a qual se enraizou em nossa literatura histórica. São dele as frases célebres sobre o que se convencionou chamar escravos brancos de São Bento”. Luiz Gonzaga PIRATININGA JUNIOR, Dietário dos Escravos de São Bento, p. 30 70 “Alguns números servem para que melhor nos situemos a respeito do volume de mão-de-obra escrava em São Bento. Estima-se, quando da alforria geral de 1871, que esse número passava de 4.000 escravos, em todo o país. No Rio, em 1834, calculou-se 1.497 escravos. Em Campos, por exemplo, havia 457. Um outro documento deu-nos um número um pouco menor: 442. O total das fazendas de Jacarepaguá parece ser menor. Estimamos em torno de 300, no período de maior produtividade, no século XVIII. Na fazenda de Iguaçu, no rol de 1685, havia 48 escravos trabalhando no engenho de açúcar. Eram 21 adultos homens e 27 mulheres, quase todos de “enchada e fouce”. O inventário dos bens beneditinos, realizado em 1833, dá um total de 1.097 escravos para a província fluminense. Desses, 45 no mosteiro, 18 na ilha do Governador, 178 em Iguaçu, 293 em Camorim-Vargem, 41 em Maricá, 6 em Cabo Frio e 516 em Campos. Entre os dados de 1833 e 1834, há uma discrepância numérica, que pode ser erro de avaliação, fugas, mortes etc”. Ibid., p. 30-31. 71 Ibid., p. 30.
77
Os escravos ou índios72 trabalhavam nas cozinhas ou nos serviços gerais da
sacristia. Faziam o transporte de qualquer mercadoria, até mesmo dos monges em
cadeiras, quando faziam pequenas viagens. No dia a dia trabalhavam na lavoura,
nas olarias, nas oficinas, nos reparos dos edifícios, cuidavam do gado, das galinhas
e dos porcos. “O balanço das relações entre a Igreja e a escravidão no novo mundo
é sensivelmente desastroso: em geral, o clero é proprietário de escravos, cumprindo
para com a administração papel legitimador”73. Porém, há vozes em discordância:
A condenação, mais do que explícita, da Igreja à escravidão, encontra-se nas duas bulas de Paulo III, Véritas ipsa e Sublimis Deus, ambas de 02/06/1537 (uma é continuação da outra), em que o papa diz textualmente: “... os mesmo índios e todas as demais gentes que vierem à notícia dos cristãos, ainda que estejam fora da fé de Cristo, não estão privados, nem devem sê-lo, da sua liberdade, nem do domínio de seus bens e não devem ser reduzidos à escravidão.”74
A história da escravidão em nosso país precisa ser conhecida e assumida
como uma página sangrenta. Na época, alguns homens da Igreja não questionavam
a situação dos escravos, entendendo-os como um bem necessário. Por outro lado,
alguns homens da Igreja gritavam e faziam algo de concreto contra a situação
desumana e nada evangélica:
Os religiosos de modo geral acompanharam o pensamento da Igreja no que se refere à escravidão negra. Sucedia, porém, que a rigidez institucional de seus “bens eclesiásticos”, que gozavam de uma verdadeira “sacralidade” jurídica, obstaculizavam uma atitude revolucionária no sentido da libertação
72 “Bem poucos pormenores temos da assistência que aos índios de Pinheiros, fizeram os beneditinos durante a meia dúzia de décadas em que regeram a aldeia, até que viesse a lei pombalina da libertação geral dos índios. Quase nada, a tal respeito, falam os autores que se ocuparam deste assunto... numerosas, porém, são as referências da assistência contínua dos religiosos à sede de sua missão. Assim nos livros da Mordomia freqüentes são as notas de despesas como estas para o Pe. Fr. Joseph que assiste em Pinheiros, e as informações de viagens de índios da aldeia levando monge a missionar pelas vizinhanças ou à Parnaíba, Araçariguama, etc... Com a libertação geral dos índios decretada por Pombal em 1758, não deixaram os beneditinos de São Paulo a prestar assistência à sua aldeiola de autóctones. Lá continuou a residir um padre superior. Prova-o exuberantemente o falecimento na aldeia do superior da Missão, Fr, Francisco da Purificação, a 8 de março de 1761”. Dom Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 81. 73 Enrique DUSSEL (org.), História Liberationis - 500 anos de História da Igreja na América Latina, p. 531. 74 Maurilio Cesar LIMA, Breve história da Igreja no Brasil, p. 41.
78
dos escravos. Daí ter sido corajosa a atitude prática, de iniciativa dos beneditinos, no tocante à libertação de seus escravos.75
A Igreja é feita de pessoas, que, infelizmente, em alguns momentos
históricos, compactuaram com certas injustiças sociais, deixando de lado a prática
do Evangelho. Mas, por outro lado, dentro da mesma Igreja, sempre houve vozes
que gritavam contra as práticas de desamor ao próximo. É necessário ter um amplo
olhar histórico e crítico para emitir juízos precisos sobre decisões do passado:
O que fica difícil de explicar é como a Igreja, tão intransigente na defesa da liberdade dos nativos, foi tão condescendente com a escravidão negra, a ponto de permiti-la e até usá-la. Parece que a explicação plausível deve basear-se na mentalidade da época.76
Em 1720, a Província Beneditina no Brasil contava com sete abadias77 e
quatro presidências78. A Presidência era um mosteiro autônomo, porém não podia
ter noviciado; somente as abadias podiam ter noviciado próprio. Tanto as abadias,
as presidências e os mosteiros recebiam a visita do provincial de três em três anos,
o qual auxiliava nas necessidades e corrigia os abusos que porventura encontrasse.
No fim do triênio apresentava um relatório ao Capítulo Geral. Porém, como vimos, a
história beneditina no Brasil é marcada por idas e vindas. Além da invasão
holandesa, os beneditinos encontraram outras dificuldades relacionadas à figura do
Marquês de Pombal.
3.2.2- A questão de Pombal
No início do século XVII, os religiosos no Brasil tiveram a expansão de suas
propriedades, como as imensas fazendas e os engenhos:
75 José Geraldo Vidigal de CARVALHO, A Igreja e a escravidão, p. 68. 76 Maurilio Cesar LIMA, Breve história da Igreja no Brasil, p. 41 77 “Local (um conjunto de edifícios com habitações, igreja, dependência etc.) que abriga uma comunidade religiosa monástica: mosteiro onde monges ou monjas vivem em retiro, cumprindo votos, mosteiro. Comunidade, associação ou instituição religiosa à qual pertencem esses monges ou monjas, dirigidos por abade ou abadessa. Território sob a autoridade eclesiástica de abade ou abadessa”. Antônio HOUAISS, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p. 4, no verbete: Abadia. 78 Posição ocupada por um mosteiro antes de ser elevado a uma abadia.
79
Os religiosos tornavam-se progressivamente senhores de grandes latifúndios e inúmeras fazendas, principalmente no norte e nordeste do país. Também as autoridades locais e pessoas particulares faziam doações aos religiosos. Quase todos os colégios dos jesuítas sustentavam-se mediante a administração de fazendas e engenhos recebidos como dotação ou herança. No Norte, os carmelitas e mercedários tornaram-se poderosos senhores territoriais. 79
Por outro lado, em 1759, Pombal expulsou os Jesuítas do Brasil:
A política de Portugal foi sempre de restrição à vida das Ordens religiosas. Constitui um elenco bastante numero o conjunto de leis e decretos que pouco a pouco foram reduzindo todas as atividades dos religiosos, até chegar à supressão explicita de conventos e províncias.80
Ainda sobre este ocorrido, é possível afirmar:
Uma das razões mais fortes dessa oposição do governo era o poderio econômico das ordens religiosas. Supressos os jesuítas, continuavam os carmelitas, mercedários e beneditinos possuidores de vasto domínio de terras e outros bens patrimoniais que despertavam a cobiça dos poderes públicos, os quais alegavam com freqüência a improdutividade desses bens. Eram bens de mão morta, conforme a terminologia da época.81
A situação de medo tomou conta de todos os religiosos, pois começaram
algumas ameaças ao fechamento dos noviciados:
O período de fastio coincide com a primeira metade do século XVII. Em geral, a esse tempo, quase todas as ordens religiosas haviam atingido grande prosperidade. Havia um número de monges, que se renovava constantemente pela entrada livre de noviços. A situação só mudaria a partir da segunda metade desse século, quando Pombal deu início a uma política severa contra as ordens religiosas. A independência econômica e política que possuíam, de algum modo, atrapalhava o governo e gerava desconfianças no clero secular. Expulsa os jesuítas do país e reverte os bens para a Coroa. A seguir, começaram as restrições periódicas ao noviciado.82
79 Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil II/1, p. 220 80 Ibid., p. 222. 81 Ibid., p. 222. 82 Luiz Gonzaga PIRATININGA JUNIOR, Dietário dos Escravos de São Bento, p. 29.
80
Os bens que os religiosos possuíam haviam aumentado muito, sobretudo o
número elevado de escravos. Isto incomodava a muitos, principalmente a Pombal:
“Os muitos bens religiosos eram, na verdade, o motivo desse jogo político, e, no
caso, principalmente o montante de escravos”83.
Realmente, após ter fulminado a gloriosa Companhia de Jesus com os raios da sua injusta quanto desumana arbitrariedade, o ímpio ministro entendeu, que, também, entravam os institutos monásticos no rol dos obstáculos que se opunham à grandeza e prosperidade de sua pátria. Por isso, habituado a executar qualquer projeto que porventura tivesse formado, sem curar muito da justiça, dos meios e da dignidade das armas utilizadas, julgou Pombal que convinha descarregar os golpes de seu poder despótico sobre a Ordem e São Bento. 84
Em 1763, quando o vice-rei Conde de Cunha tomou posse no Rio de Janeiro,
escreveu a Pombal dando informações sobre o clero da época: “Padres e frades são
ignorantes, que o bispo os ordenavam sem escrúpulos, que os moços se faziam
frades para não servirem nas milícias e viviam numa escandalosa liberdade, que o
número de frades nos três conventos era demais”. 85
Aos 31 de janeiro de 1764, cinco anos após ameaças, agora Pombal, por
meio de um aviso ministerial, proibiu os noviciados no Brasil e em Portugal:
Foi proibida, em nome do soberano, a recepção de noviços nas corporações monásticas de Portugal e do Brasil, ordenando, ao mesmo tempo, que se mandasse uma relação circunstancial de todos os mosteiros, casas e residências com o número de sacerdotes, coristas e irmãos leigos como das suas respectivas rendas.86
Porém, tal fato apresenta outras vertentes:
Nem se pode esquecer entre as causas dessa crise da vida religiosa a própria decadência do espírito religioso dos monges e frades. Essa decadência é
83 Luiz Gonzaga PIRATININGA JUNIOR, Dietário dos Escravos de São Bento, p. 30. 84 José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582-1827, p. 136-137. 85 Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil tomo II/1, p. 220. 86 Ibid., p. 137.
81
mais nítida e acentuada nas comunidades masculinas. Assume diversos aspectos, entre os quais a procura de bem-estar e comodismo por parte dos religiosos, chagando até certa ostentação nos conventos, o relaxamento da disciplina eclesiástica, o mundanismo, a fuga da vida comum, os privilégios e exceções à observância regular. 87
Com a proibição de receber noviços, o número de candidatos diminuiu muito,
a disciplina monástica decaiu e a esperança de um futuro para a Congregação
Beneditina quase desmoronou88. Mas, Dona Maria I, rainha piedosa e devota, subiu
ao trono português e o ministro Pombal foi afastado do seu cargo:
A tormenta prestes a desabar para arrasar tudo foi, felizmente, desviada, porque, com a subida ao trono de Portugal de Da. Maria I, o perigoso ministro foi afastado, condenando esta piedosa rainha de sempre grata memória, muitas das tirânicas disposições do reinado anterior.89
Esta tormenta havia terminado e houve um curto período de paz. Em Portugal
e no Brasil, as ordens religiosas podiam receber seus noviços, mas isto durou pouco
tempo: “Pois em 1789, por decreto de 21 de novembro, criou-se a “Junta do exame
do estado actual e melhoramento das ordens religiosas”, encarregada de consultar
sobre todos os negócios desta especialidade”90. No final do século XVIII, o governo
português dava ordens para vender todos os bens dos Beneditinos no Brasil:
O governo de Portugal dava ordens, para se venderem os bens dos Beneditinos da Província do Brasil, dos quais possuía relatório circunstanciado. Quão serio foi este perigo se vê do ofício que o Governador D. Fernando José de Portugal, mandou ao Visconde de Anadia com a data de 9 de setembro de 1801, que é o do seguinte teor: “Com o recebimento da carta régia de 6 de fevereiro passado fica este Governo na inteligência de que se deve suspender a venda dos propriedades urbanas e rústicas que os Religiosos Beneditinos possuem nesta Capitania (da Bahia), insinuadas na carta régia de 19 de maio de 1799, visto terem os Beneditinos entrado nos cofres da Real Fazenda da Capitania do Rio de Janeiro com a quantia de
87 Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil tomo II/1, p. 222. 88 “Estado de noviço, condição de quem entra em determinada ordem religiosa para professar. Período de aprendizagem e de provação a que submetem aqueles que desejam professar uma religião”. Ibid., p. 2031, no vocábulo: Noviciado. 89 José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província - 1582-1827, p.137. 90 Ibid., p. 138.
82
100:000 cruzados como um donativo ou dom gratuito que Sua Majestade se digna aceitar-lhes”. 91
Observemos a carta que se encontra nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro, 1914, t. 36, p. 420, n. 22.826:
Ao mesmo tempo em que deixou vigorar esta Junta, também foi revogado o aviso proibitivo e reabriram-se os noviciados. O que, sobretudo, influiu no espírito do governo para tal procedimento não foi a mera extinção desta Junta, mas o reconhecimento dos serviços, que acabaram de prestar as ordens regulares durante a invasão francesa (1807-1810).92
O direito de propriedade foi restituído aos Beneditinos e todos agradeceram
ao Pai São Bento pelos benefícios recebidos. Em 1822, com a Independência do
Brasil, a situação dos Beneditinos ficou um pouco delicada. Todas as instituições
civis haviam cortado relações com Portugal, exceto a religião, porque Portugal era a
grande metrópole que realizava as eleições para cargos significativos:
Quanto à Ordem de S. Bento, a interrupção por alguns anos das relações com Portugal, depois da independência do país, causou não poucas dificuldades aos mosteiros da Província, visto os cargos da mesma não terem sido renovados depois deste acontecimento político. Assim, o Capítulo Geral de 1825, celebrado no Mosteiro de S. Martinho de Tibães, havia omitido as eleições dos prelados brasileiros, em virtude da emancipação política do Império. Os cargos estavam, pois, todos providos interinamente, o que não era regular nem conveniente à boa administração dos mosteiros.93
Em meio à situação política em que os Beneditinos encontravam-se, surgiu,
em 1827, a Congregação Beneditina Brasileira, cujo pedido foi feito através do
governo brasileiro. “Em tais circunstâncias resolveu a Província dirigir-se ao
Imperador, pedindo sua interferência junto a Santa Sé, para obter a independência
91 José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província - 1582-1827, p. 138. 92 Ibid., p. 138. 93 Ibid., p.141.
83
da Província e sua ereção em Congregação própria e autônoma”94. O Papa Leão XII
concedeu o pedido através da bula Inter Gravíssimas95:
Em primeiro de julho de 1827, em que o Santo Padre Leão XII declarava desmembrada da Congregação de Portugal os mosteiros do Brasil e os constituía em Congregação independente sob a denominação de Congregação Beneditina Brasileira, regendo-se pelas Constituições, até então em vigor na Província do Brasil.96
Em 1829, realizou-se o primeiro Capítulo Geral no Brasil, onde foi eleito o
primeiro Abade Geral da Congregação Beneditina Brasileira, Frei José de S.
Escolástica Oliveira. A Congregação Beneditina Brasileira possui um brasão com
símbolos interessantes da Ordem, respeitados até os nossos dias97. Uma das
94 José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província - 1582-1827, p.141-142. 95 A Bula Inter Gravíssimas diz: Mandamos, pois, que aquele que atualmente desempenha o cargo de Abade Provincial... dirija inteiramente essa Congregação com todos os direitos, honras e privilégios que competem ao Superior Geral da Congregação Lusitana, e convoque o mais cedo possível o Capítulo Geral no mosteiro de S. Sebastião, a fim de cuidar da pronta e canônica eleição do Superior Geral. Sendo com esta diretriz efetivamente constituída a nova Congregação dos monges da Ordem de São Bento do Império do Brasil. Nós lhe liberalizamos, para sempre, todos os privilégios, isenções, honras e prerrogativas de que consta que dantes foram legitimamente concedidos à congênere Congregação existente em Portugal. Joaquim LUNA, Os monges Beneditinos no Brasil, p. 24. 96 Ibid., p. 24. 97 “O desenho do brasão beneditino é da autoria da irmã Gertrudes Marker. Foi reproduzido, com ligeiras alterações do que se acha na folha de rosto das antigas constituições dos monges de Portugal, que datam de 1629. Representa as armas da Congregação Beneditina Brasileira que se originou de sua antiga matriz, a Congregação Beneditina Lusitana. Após a separação, a Congregação Beneditina Brasileira continuou com as mesmas armas. No início da Idade Média, os Mosteiros beneditinos da Europa começaram a atribuir a São Bento armas heráldicas, por ter sido ele filho da tradicional família dos Anícios, cujos antepassados eram os senhores de Núrsia. Segundo informa Dom Clemente da SILVA-NIGRA, um pergaminho da Abadia suíça de São Galo apresenta como armas do Patriarca São Bento, um escudo partido com os elementos principais do escudo dos seus antepassados. Na primeira área, em campo azul, uma torre branca (originada das armas da Mãe de São Bento, tendo-se omitido as duas árvores. Na segunda, em campo vermelho, o leão de outro (provém do bisavó de São Bento), datando a Heráldica, documentalmente, dos fins do século XI. É evidente que São Bento, nascido em 480 e falecido em 21 de março de 547, não conheceu tais armas. Cumpre ressaltar, com Dom SILVA-NIGRA, que os monges de Portugal, em por conseguinte os do Brasil, foram os únicos a conservarem o primitivo escudo beneditino. A nossa Congregação, filha de Portugal, tem pois as seguintes armas: um escudo partido, sendo o primeiro campo azul com a torre em prata firmada num contra chefe de verde, saindo-lhe da porta um rio de prata aguado de azul, e encimado por um sol de ouro com feições humanas irradiando pontas. Consoante o simbolismo heráldico, a torre ou o castelo significam refúgio, proteção, segurança. A porta aberta indica liberalidade, e o rio, que dela emana, é o emblema da vida. O sol antropomorfo é símbolo da Divindade, e, por isso, também da eternidade, da glória e da verdade. Consta o segundo campo do escudo de um leão rampante de ouro sustentando um báculo em pala do mesmo. O leão rampante com as patas da frente levantadas indica vigilância, pois os antigos julgavam que o rei dos animais dormia com os olhos abertos. Significa também: força, magnanimidade, nobreza. Empunha o báculo, representando a Autoridade em administrar a Justiça. Sobre o bordo superior do escudo vê-se a mitra
84
primeiras preocupações, do primeiro Abade da Congregação Beneditina Brasileira,
era a reabertura do noviciado. Ele escreveu ao Abade do Rio de Janeiro, que tinha
certa influência junto ao Governo, sobretudo com a chegada da segunda imperatriz
ao Brasil: “Em consequência das leis de proibição de se receberem noviços, as
quais vinham sendo decretadas com intermitências desde o tempo de Pombal, os
claustros do Brasil se despovoavam, diminuindo o número dos seus monges”98. A
carta foi esquecida e o Regente Feijó concedeu uma licença ao Abade Geral da
Congregação para escrever um requerimento ao Núncio Apostólico na Côrte do
Brasil, Mons. Pedro Ostini. Fez um longo relatório da história dos Beneditinos no
Brasil. No dia 4 de setembro de mesmo ano, o Núncio Apostólico outorgou a licença
para eleger os Abades e todo o conselho.
Houve uma troca de correspondência ente Feijó e o Núncio Apostólico,
quando finalmente o Núncio enviou uma circular para todos os superiores dos
religiosos e também para o Regente Feijó, desejando que todos os institutos
crescessem. Ao longo de quase seis anos, houve uma correspondência epistolar
entre o governo e os Beneditinos:
O certo, porém, era, como faz notar o Cônego Christiano Muller, que o Governo não queria atender ao ponto principal necessário para a reforma, isto é a admissão de noviços que viessem insulflar vida nova nesses claustros quase moribundos, pois extinta a Ordem com o desaparecimento do último monge, tornar-se-ia senhor dos bens. Assim, entendeu de apertar o cerco aos institutos religiosos, transformando-os em quartéis com grande detrimento para a disciplina e observância monásticas e estrago material em seus edifícios, em suas bibliotecas, em seus arquivos. Fato que se deu na Bahia e no mosteiro do Rio de Janeiro, que obrigou os monges deste a se transferirem para uma dependência da abadia.99
Segundo Luna, para o governo não era interessante a abertura do noviciado,
pois com a extinção da Ordem Beneditina no Brasil, o governo se tornaria abacial, de prata com ornatos de ouro, emblema da dignidade eclesiástica. O ornato exterior do escudo apresenta-se em cartela pontuada (ouro), própria da heráldica da Igreja, e é ornato característico do século XVII. As cores do escudo estão indicadas conforme a solução dada, em 1638, pelo Jesuíta italiano Silvestre Petra Santa, a saber: o ouro representa-se por pontos, a prata por uma superfície lisa, o vermelho por tracejado vertical, o azul por um tracejado horizontal e o verde por traços em banda. Dom Martinho JOHNSON, Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 197-198. 98 Joaquim LUNA, Os monges Beneditinos no Brasil, p. 26. 99 Ibid., p. 24.
85
proprietário de todos os bens da Ordem. Com a política do governo, lentamente a
Família Beneditina caminhava para a extinção. Em 1834, havia apenas cinqüenta e
dois monges na Ordem com idade avançada, divididos nos vários mosteiros e
abadias localizados em várias regiões do império:
Entretanto em junho de 1835 uma aura bonançosa animou a Congregação, despertando o ânimo e a esperança dos monges. A Assembléia provincial da Bahia animada de zelo pela justiça e pelo brilho da religião, aproveitando-se das prerrogativas que lhe concedera o ato adicional da Constituição, legisla sobre os conventos e expede autorização para se admitirem 30 noviços em cada uma das Ordens de S. Bento, de S. Francisco e de Nossa Senhora do Carmo.100
Com a admissão de noviços, a Ordem Beneditina ganhou esperanças, pois os
novos monges deram continuidade à tradição beneditina de oração e de trabalho e o
temor da extinção da Ordem no Brasil foi superado:
O Arcebispo Primaz, o grande D. Romualdo Antonio Seixas, como prova do seu apreço à Ordem Beneditina e imensa satisfação pela abertura do noviciado e particular estima ao novo Abade Geral, dignou-se chegar até à velha abadia de São Bento e com as próprias mãos impor o habito monacal aos dez primeiros candidatos ao noviciado canônico. Nessa ocasião ao dirigir a palavra aos noviços, D. Romualdo salientou os méritos do Prelado beneditino, dizendo-lhes acharem nele mais um pai que um chefe, um verdadeiro amigo, um conselheiro fiel e zeloso da santificação das almas. E o Arcebispo serve-se do ensejo para manifestar publicamente a sua gratidão ao Abade Geral pelos bons serviços prestados àquela Arquidiocese como lente de teologia dogmática no seminário desde 1815, ano da sua fundação. Ficou assim o dia 17 de setembro de 1835 registrado nos anais da Congregação Beneditina Brasileira como um a data de máximo regozijo para o vetusto cenóbio da cidade do Salvador e aurora de esperança para todos os mosteiros do Brasil.101
Em 1855, o ministro da justiça trancou novamente o noviciado e os jovens
não podiam mais ingressar na Ordem Beneditina:
100 Joaquim LUNA, Os monges Beneditinos no Brasil, p. 34. 101 Ibid., p. 35.
86
Por simples aviso de 19 de maio de 1855 do ministro da Justiça, foram trancados de vez os noviciados. Esta resolução do Governo foi comunicada por carta circular aos prelados das ordens religiosas, aos bispos e ao presidente de província. Na circular dizia o ministro que ficavam cassadas as licenças concedidas para entrada de noviços, até que fosse realizada a concordata que à S. Sé ia o Governo propor. No entanto o governo jamais tratou de propor a Roma a aludida concordata, e os conventos começaram a se despovoar, a ponto de, com a continuação do tempo, muitos deles ficarem só com um ou dois religiosos e em geral de idade avançada. 102
Alguns jovens brasileiros foram enviados à Roma para fazerem o noviciado e
receberam a ordenação presbiteral em 1875, mas:
... quando se dispunham a regressar à pátria, o governo imperial por aviso do ministro da Justiça, visando naturalmente os três jovens monges, declara que as profissões religiosas de súbditos brasileiros, feitas no estrangeiro para os mosteiros do Brasil, não eram aqui reconhecidas nem validas.103
Os três jovens monges ficaram nos mosteiros da Europa e a Ordem dos
Beneditinos no Brasil estava quase morta, devido ao pouco número de membros e
da idade avançada de muitos. Enfim, a situação da Congregação Beneditina no
Brasil só foi resolvida após a Proclamação da República em 1889:
Quando menos se esperava, um acontecimento veio mudar a situação religiosa no país. Caiu em 1889 a Monarquia e com ela foi sepultado o regalismo que manietava a Igreja no Brasil. Sucedeu-lhe então a República. E o novo regime, não obstante guiado por uma Constituição agnóstica, deu indiretamente liberdade à Igreja, e assim as ordens religiosas puderam tomar alento e receber vida nova.104
O Abade geral e os padres capitulares, aproveitando-se da situação religiosa
na qual se encontrava a Ordem dos Beneditinos no Brasil, escrevem uma carta ao
Papa Leão XIII:
102 Joaquim LUNA, Os monges Beneditinos no Brasil, p. 37. 103 Ibid., p. 37. 104 Ibid., p. 39-40.
87
Expunham a situação aflitiva em que se achavam a Congregação. Cumpunha-se de 7 abadias e quatro presidências com o total de 19 monges. Nesses claustros, outrora observantes e fervorosos, já não havia mais a vida regular monástica. Alguns estavam fechados e os outros eram habitados por um ou dois monges. Nessas condições, era impossível restaurar-se a Congregação com as próprias mãos. Pediam, portanto ao Santo Padre que mandasse alguns monges de boa observância dos mosteiros da Europa para empreenderem aqui, com a abertura dos noviciados, a restauração da vida monástica nesses veneráveis cenóbios.105
Esta carta e a atitude do Papa Leão XIII iniciou uma nova etapa na história
dos monges beneditinos no Brasil, uma vez que através dela houve um
reavivamento dos mosteiros e a presença de novos monges. Lentamente, eles
foram sendo restaurados.
3.3 – Restauração dos beneditinos no Brasil
Roma, sentindo a necessidade de restaurar a Ordem Beneditina no Brasil,
encarregou a Congregação de Beuron 106 para essa missão, sendo designado como
chefe da missão Dom107 Gerardo108 Van Caloen, Aquiabade Primaz da
Congregação, que chegou ao Brasil em 1895. No mesmo ano iniciou-se o processo
de restauração da Ordem Beneditina no Brasil.
Luna relata um fato marcante, que deixa bem explícita a luta dos monges
brasileiros, quanto às reformas que estavam sendo implantadas. No início do século
XX, o Abade do Rio de Janeiro não aceitou a restauração da sua abadia. Para
transpor esse obstáculo, Dom Domingos obteve da Santa Sé, em 1902, a
transferência provisória de sua residência da Bahia para o Rio de Janeiro.
O velho Abade do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro se recusava a
receber os religiosos. Porém, o Abade Geral recorreu à justiça federal, que lhe
concedeu um mandato de posse da abadia. Protegido por força policial, Dom
Domingos tomou posse da Abadia de São Bento, gerando revolta na população, que 105 Joaquim LUNA, Os monges Beneditinos no Brasil, p. 39-40. 106 Congregação Beneditina da Alemanha - Beuron. 107 “No ano de 1907 a Congregação Brasileira alcança uma nova era: quatro abades de mosteiros brasileiros recebem a bênção abacial: Dom Chysostomo de SAEGHER (Rio), Dom Majolo de CAIGNY (Bahia), Dom Pedro ROESER (Olinda e Paraíba) e Dom Miguel KRUSE (São Paulo). Cessa a era dos Freis de Tibaes na Bahia, e a Ordem se revigora com a nova era dos Dons”. Ibid., p. 18. 108 Gerárd, em belga; preferencialmente usarei Geraldo em português.
88
apoiava o velho Abade. A população invadiu a abadia e os monges foram obrigados
a fugir. Para resolver a situação, o governo mandou o exército para acalmar a
revolta. Todas as pessoas foram retiradas da abadia, possibilitando que os monges
retornassem. O exército garantiu a segurança até que a calma retornasse à cidade.
As propostas que Dom Gerardo apresentou estavam baseadas na
Congregação de Beuron e não foram aceitas com facilidade. Os Beneditinos da
Congregação Brasileira se recusavam a aceitar que os noviços teriam uma formação
comum. Para os brasileiros, cada mosteiro deveria ter o seu próprio noviciado, ponto
esse que gerou muita polêmica, assim como rejeitavam o princípio do abaciado
vitalício: “A partir de 1898, o Papa Leão XIII concede a perpetuidade do cargo ao
Abade Geral, Dom Domingos, e o de Abade vitalício de Olinda a Dom Gerar, porém
os demais mosteiros continuam elegendo seus Abades por apenas três anos”109.
Mesmo reabrindo o noviciado no Brasil, eram poucos os jovens que procuravam os
mosteiros. Fundou-se em 1899, na Bélgica, um mosteiro destinado a receber jovens
da Europa encaminhados aos mosteiros do Brasil. O mosteiro de Santo André, na
Bélgica, pertenceu à Congregação Brasileira até 1920.
Após a morte de Dom Domingos, Dom Gerardo assumiu o cargo de Abade
Geral, convocando, em 1909, o Capítulo Geral, o qual foi realizado em Roma. Neste
Capítulo Geral, houve a discussão e a aprovação das novas constituições da
Congregação Beneditina Brasileira, aprovadas pelo Papa Pio X, em 1910, em vigor
até hoje. Luna faz uma ressalva saudosa da Congregação de Cluny110:
As novas constituições da Congregação Brasileira foram moldadas nas de Beuron. É pena terem-se deixado inteiramente de lado as antigas sob as quais foram governados os mosteiros do Brasil pelo espaço de 300 anos, quando muita coisa da venerável Tradição, oriunda da Congregação de
109 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 43. 110 “Cluny foi fundada especialmente para rejuvenescer o monaquismo cristão mediante uma observância mais estrita da regra beneditina. Procurou retomar a pureza original dos mosteiros fundados no Ocidente por Bento de Núrsia, dando a mesma ênfase que se dava no começo ao ciclo diário de oração como atividade principal dos monges. Cluny buscou integrar monasticismo e sociedade. Os monges reformistas queriam apresentar aos leigos comuns um modo de vida radicalmente diferente daquele do clero ordinário, cujos membros, na opinião de muitos, viviam na imoralidade e no luxo. Em geral, os monges cluniacenses entravam no mosteiro ainda meninos e recebiam dentro do claustro toda a educação de que precisavam”. Tim DOWLEY, Os Cristãos, uma história ilustrada, p. 67.
89
Cluny, podia ter sido adaptada com vantagem às novas constituições. O mesmo se pode dizer do cerimonial monástico.111
Merton fala da beleza externa do mosteiro de Cluny, afirmando que era o
reflexo da vida interior de seus membros:
Os monges de Cluny, portanto, não hesitavam em afirmar ser sua vida verdadeiramente contemplativa. A contemplação, alimentada inteiramente pela liturgia e os salmos, consistia, essencialmente, numa tomada de consciência de Deus, da Sabedoria Divina, que vive e se manifesta na comunidade monástica. O mosteiro é não só a corte de Cristo, o Grande Rei, mas também o Corpo de Cristo. É o próprio Cristo. Em outros termos, o que constituía a vida contemplativa em Cluny, litúrgica e cenobítica até a medula, era a profunda consciência da caridade de Cristo, viva e ativa nos corações de todos os que viviam nessa enorme comunidade. A “Santa Igreja de Cluny” era um mosteiro contemplativo por ser um “paraíso de caridade”. Sem essa condição, isso não teria sido possível. 112
Durante vinte anos, Dom Gerardo se dedicou inteiramente à restauração da
Ordem Beneditina no Brasil e em 1919 deixou o país e retornou à sua pátria, a
Bélgica.113 A Congregação Beneditina Brasileira deve muito de suas realizações a
este monge.
Nos primórdios da fundação no Brasil, os Beneditinos eram chamados de
freis, assim como os franciscanos e os carmelitas. Em 1934, no Capítulo Geral,
tomou-se a resolução de trocar o título de frei por dom.114
111 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 49. 112 Thomas MERTON, A vida silenciosa, p. 77. 113 “Dom Gerardo chegando à Bélgica recolheu-se ao mosteiro de Santo André, por ele fundado. Mas como já não pudesse adaptar-se ao clima, foi residir no sul da França, em Cap. D’Antibes, onde desenvolveu verdadeiro apostolado em prol dos russos refugiados na França e da união da Igreja Ortodoxa à Igreja de Roma. Aos 16 de janeiro de 1932 faleceu santamente, com 79 anos incompletos. Os seus restos mortais repousam na abadia de Santo André”. Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 53. 114 “Desde a restauração da Congregação Beneditina Brasileira, no fim do século XX, os monges beneditinos são designados com o prenome de Dom. Em estudo inédito, com o título: “O prenome de Dom dos monges beneditinos”, apresentado ao Capítulo Geral da Congregação Beneditina Brasileira, em 1934, Dom Clemente da SILVA-NIGRA demonstrou ser legítimo esse tratamento de Dom, o qual vigorou em toda a história monástica, desde os tempos de São Bento, em todos os países, com exceção de Portugal e de Espanha. Sendo a Congregação Beneditina Brasileira filha da de Portugal, como é óbvio, adotou os seus costumes. Daí a razão de, antes da restauração da vida monástica em nossa terra, os monges do Brasil adotarem o mesmo tratamento de Frei, usado em Portugal. Frei Manuel de Santo Antonio é que a Congregação de São Bento de Portugal foi reformada pelos filhos da Congregação de São Bento de Castela, Valhadolide, os quais, vendo que os seculares por pompa
90
A finalidade do capítulo apresentado foi de apresentar parte da história dos
Beneditinos no Brasil, com suas dificuldades, suas expansões e seus paradoxos.
Uma história marcada profundamente pela dedicação incondicional que os filhos de
São Bento possuíam dentro de si, capaz de qualquer sacrifício. Graças à coragem
destes homens, a Ordem Beneditina no Brasil continuou existindo, não recuando
diante dos desafios e dos limites humanos. Apresentam-se como fiéis discípulos do
Pai São Bento, encarnando o Evangelho como valor máximo e se adaptando aos
novos tempos. A história revelada ao longo do tempo mostra que os Beneditinos no
Brasil realizaram um esforço para que seu lema, ora et labora, fosse uma realidade
concreta.
Nos exemplos que a História nos oferece, que o início da ruína ou da decadência de grandes impérios e poderosas instituições não foi proveniente, na maioria dos casos, de elementos e circunstâncias externas, como devastações, guerras, derrotas etc., mas, muito mais, do enfraquecimento ou da perda de sua energia espiritual, da força motivadora do seu próprio ideal. A vida monástica beneditina, por ser uma instituição que faz parte da própria Igreja de Jesus Cristo, conhece muito bem onde se encontra a fonte de sua força, bem como da sua fragilidade. São Bento, desejando organizar o seu mosteiro como uma escola onde se pode aprender a servir o Senhor, e como um homem intensamente apaixonado pelo Cristo, não poderia formar os seus discípulos senão na força deste mesmo fundamento: “nada absolutamente anteponham a Cristo”. (RB 72,11). Considera que as exigências de sua escola, principalmente aquelas mais difíceis e árduas, são próprias daqueles “que nada estimam haver mais caro que o Cristo” (RB 5, 2).115
A história dos Beneditinos no Brasil é um capítulo pouco conhecido. Como
Ordem monástica, colaborou com a vida de oração, para que as pessoas pudessem
encontrar um momento de paz, sobretudo na liturgia. Os filhos de São Bento
procuraram ser mais contemplativos, mas mesmo assim colaboraram com os
demais religiosos na catequese e na formação de outros. No desfecho deste item,
faço uso das palavras do historiador Rubert.
e fausto haviam tomado o Dom, que era próprio dos monges beneditinos, por humildade e por fugir à pompa secular, deixaram o Dom e tomaram o Frei, próprio dos Mendicantes, e na Reforma o deixaram na Congregação Portuguesa”. Dom Martinho JOHNSON, Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 2. 115 Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 7.
91
É lícito reconhecer que o estabelecimento de mais religiosos no Brasil foi providencial, evitando-se assim o monopólio de ministérios extraordinários e da evangelização dos indígenas apenas por parte de uma Ordem religiosa, em nosso caso, os jesuítas, além da vantagem de novos estilos de vida religiosa e de outras modalidades de apostolado. Eram tantas outras mensagem de vida cristã e ascética. Por isso, as novas Ordens aqui chegadas, foram recebidas geralmente com muita simpatia por parte do clero, das autoridades e do povo. Os mosteiros e conventos, nesta sua primeira etapa, antes que a relaxação os atingisse, exerceram importante missão, foram centros de vida cristã e irradiaram seus benefícios influxos em todas as camadas do povo de Deus, principalmente nos pobres que viviam das esmolas aí recebidas, num estilo tradicional de caridade, talvez não o mais indicado mas estava em voga no tempo. Ademais, neles se adestravam e temperavam alguns homens de marca, que depois percorriam vilas e freguesias do interior em missões populares ou embrenhavam-se nas selvas para reduzirem o gentio à fé católica, para não falar naqueles que, dedicados ao estudo e à contemplação, se avantajaram nas letras e nas virtudes. Restou-nos, infelizmente, escassa documentação destes novos religiosos em terras da Santa Cruz. Mesmo assim, o pouco que nos ficou, descontando certo estilo redundante e outras inexatidões ampliadas por cronistas posteriores, nos dizem bastante da benemerência dos franciscanos, beneditinos e carmelitas nos últimos decênios do século XVI.116
Impossível fazer um julgamento preciso da história do passado, com os olhos
de hoje. Quase sempre ela se apresenta como um paradoxo. Muitas perguntas
continuam sem respostas, oxalá mais pessoas possam interessar-se para continuar
aprofundar o conhecimento dos beneditinos no Brasil. Assim, no próximo item
apresentaremos a fundação heróica do Mosteiro Beneditino da Ressurreição no
Estado do Paraná.
3.4 - Fundação do Mosteiro da Ressurreição
Apresentar a história da fundação do Mosteiro da Ressurreição significa uma
tentativa de resposta para algumas indagações. Qual a validade da vida monástica
para uma sociedade pós-moderna? Na atualidade, é possível encontrar pessoas
dispostas a viver segundo os princípios do desprendimento quase total de suas
vidas? O nosso tempo é apresentado como
116 Arlindo RUBERT, A Igreja no Brasil, p. 234-235.
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rápida expansão do consumo e da comunicação de massa, enfraquecimento das normas autoritárias e disciplinares, surto de individualização, consagração do hedonismo e do psicologismo, perda da fé no futuro revolucionário, descontentamento com as paixões políticas e as militâncias.117
A vida monástica parece estar centrada em outro tipo de relação, que tem por
base o amor a Deus, ao próximo e a si mesmo, como antídoto para uma sociedade
consumista e egoísta.
Como surge um novo Mosteiro? Quais os critérios válidos para a continuidade
deste estilo de vida? É possível ser monge nesta era do vazio? Será que o Mosteiro
da Ressurreição tem alguma coisa para oferecer à sociedade pós-moderna? “Como
tornar-se monge, viver como monge, vindo da sociedade de hoje, e especificamente
da sociedade atual brasileira”118? Muitas são as perguntas que despertam a
curiosidade e o interesse, mas as respostas são poucas.
Durante a realização deste trabalho, pude interagir com os membros do
Mosteiro da Ressurreição, passando muitos dias na companhia deles. Geralmente,
ficava hospedada na casa de hóspedes ou na casa da Dona Maria119, quando não
havia lugar. O que mais me atraiu é a forma como eles rezam os salmos, isto é, a
liturgia. Todas as vezes que lá estive, procurando alguma resposta, nasciam mais
perguntas e, muitas vezes, nem dormir eu conseguia. Alguns monges teriam tudo
para viver uma vida bem sucedida, segundo as normas da sociedade, mas deixaram
tudo e todos para viver uma vida reclusa na simplicidade, na pobreza, na obediência
a um ser superior e em castidade. Afirmam que são felizes e que encontraram a
felicidade. Isto parece um paradoxo diante da sociedade contemporânea. Estamos
acostumados a associar felicidade com poder, ter e prazer, no entanto, estes
monges, com os quais conversei, são felizes com a opção de vida que fizeram.
O nascimento do Mosteiro da Ressurreição só foi possível graças à
determinação de um grupo de dez monges, ainda muito jovens, que na sua
totalidade nem tinham feito os votos solenes. Dom Lucas Torrel de Almeida Costa
era o único com votos solenes e presbítero. Tive a oportunidade de ver uma
117 Gilles LIPOVETSKY, Os tempos hipermodernos, p. 52 118 Bernardo BONOWITZ, Apto a ganhar as almas, p. 110. 119 Dona Maria é uma vizinha, que mora em uma casa há três quilômetros de distância do mosteiro. Quando não havia lugar para eu me hospedar no mosteiro, ela sempre me recebia.
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filmagem da época da fundação e tive a impressão de que eram realmente loucos
ou santos, vivendo na extrema pobreza. Mas, apesar de todos os obstáculos, o
grupo foi perseverante e corajoso, dando continuidade à comunidade até os nossos
dias. Desejavam um Mosteiro que fosse distante da cidade, mais voltado para a
contemplação, no sentido de voltar às origens de São Bento e adaptar-se aos
tempos atuais. Sem o menor apoio econômico e sem a possibilidade de retorno de
onde cada um deles saiu, aquele grupo de jovens monges só tinha a confiança que
o impossível pode torna-se possível. Jovens idealistas e sonhadores ou
simplesmente apaixonados por um ideal? Parece paradoxal nos nossos dias que
pessoas tenham atitudes tão diferentes daquelas que a sociedade apresenta. A vida
monacal deve ter algum valor e sentido para transformar radicalmente vidas.
O segredo que a vida monástica teve no passado como no presente está num
outro nível de compreensão. O parâmetro é espiritual, sendo a fé, a chave para vivê-
la. Do ponto de vista humano, é um absurdo e um contra-senso de existência.
Augusto Pascual apresenta, em poucas linhas, o que significa o monaquismo para o
mundo hodierno:
Atrevemo-nos mesmo a afirmar que mais do que nunca, e precisamente pelas características do mundo atual e pela necessidade que tem a Igreja de dar a este mundo um testemunho apropriado, com frequência perguntam a nós, os monges, que fazermos. Em muitos não há que uma compreensível curiosidade por penetrar no mistério de uma vida que se diferencia do comum. Em outros, sob esta aparentemente inocente pergunta, oculta-se uma outra não tão inocente: que contribuição dão vocês à sociedade e à Igreja? Isto é, aplicam à comunidade monástica o termômetro da eficácia, para descobrir sua temperatura humana cristã. Nada há a opor a isso. O engano costuma estar em que o termômetro que se aplica não está graduado conforme o único padrão válido nesse, o Evangelho. O monaquismo, como fenômeno eclesial que é, deve ser encarado a partir do Evangelho e como fazendo parte do mistério da Igreja. É a única maneira de se obter dados úteis para um juízo de valor. 120
A Igreja não seria totalmente completa se não aproveitasse o patrimônio da
vida monacal, que forjou toda a Europa e que tem uma experiência secular na
história da Igreja. Como afirma Merton: “O monaquismo beneditino teve tamanha
importância na reconstrução da Europa, após as grandes migrações que, com 120 Augusto PASCUAL, O compromisso Cristão do Monge, p. 48.
94
razão, Bento é chamado não somente Pai do monaquismo ocidental, mas
simplesmente “pai do Ocidente’”121. A vida monástica continuará tendo razão em
existir, porque ainda hoje consegue atrair pessoas para dentro dos claustros e o
Mosteiro da Ressurreição é uma prova concreta da continuação e da eficácia deste
estilo de vida em nossos dias. Não é algo apenas do passado longínquo e remoto,
ele faz parte de um patrimônio, sendo herdeiro protagonista de uma Tradição viva,
que perpassa o tempo. O Mosteiro da Ressurreição surgiu do desejo de alguns
monges que tiveram sua formação no Mosteiro de São Bento de São Paulo, no qual
foram educados, através da Tradição, para a vida monástica.
O Mosteiro de São Bento de São Paulo assumiu a tradição Beuronense122,
que valoriza a vida conventual, a clausura, o silêncio, a celebração da liturgia e o
trabalho, sobretudo o manual. Ninguém se autointitula monge ou funda um mosteiro
sozinho. Sempre é alguém que foi gerado dentro de uma Tradição e depois vai
transmitindo o que aprendeu. É muito provável que devido à tradição contemplativa,
sempre tenha havido insatisfação com a localização do mosteiro de São Bento no
centro de São Paulo. A ideia, porém, nunca morreu e ao longo dos anos sempre se
voltou ao assunto, seja na transferência ou na fundação de um novo mosteiro
retirado do grande centro de São Paulo.
Os futuros fundadores do Mosteiro da Ressurreição123 foram formados dentro
deste contexto histórico e, durante o noviciado124, formou-se um grupo favorável
para a nova e tão sonhada fundação do mosteiro. As reuniões para tratarem sobre a
futura fundação eram sempre acompanhadas de tensões e de divisões. O grupo
formado por dez monges partiu em junho de 1981, mesmo sem ter uma preparação
adequada125. Constava de quatro professos temporários, quatro noviços e um
postulante, além de Dom Lucas Torrell de Almeida Costa, como mestre de noviços,
presbítero e também o reitor do Colégio São Bento. Como Dom Lucas não podia
deixar o cargo de um dia para o outro, o grupo partiu para a fundação sem a
presença dele. 121 Thomas MERTON, A vida silenciosa, p. 68. 122 Pertencente à Congregação Beneditina de Beuron, Alemanha, a qual, por sua vez, inspirou-se na Congregação de Solesmes, França. 123 Que na época nem sabiam que iria fundar algum mosteiro. 124 Tempo de formação e de preparação aos Primeiros Votos. 125 Preparação específica para com o grupo, no campo humano, espiritual e material, mas não houve tempo em preparar o grupo para a tal fundação.
95
A nova fundação do Mosteiro da Ressurreição deveria ser no Sul do país,
onde a vida monástica era quase desconhecida, fato que permanece até hoje. O
primeiro Bispo interessado e comprometido foi Dom Geraldo Michelletto Pellanda, da
cidade de Ponta Grossa126. O novo Mosteiro levaria o nome de Ressurreição por ser
o centro da fé cristã e também em homenagem a uma experiência feita no México.
Até então os nomes dos mosteiros eram dedicados a São Bento e à cidade que
acolhia a fundação:
Tinha havido uma experiência monástica muito original em Cuarnavaca, no México, com um prior que era belga e constituiu toda a comunidade nativa. Antes do Concílio, ele fez o mosteiro nos moldes beneditinos, mas todo centrado na celebração viva em espanhol, que naquela época era proibido. Segundo o prior belga, Lemercier, queria que não houvesse formalidade entre eles e que a fraternidade fosse vivida entre todos. Deu o nome de Ressurreição, que era uma coisa nova na Igreja. Este mosteiro depois desandou para o lado da terapia, da psicologia freudiana e a Santa Sé fechou. Quando Dom Lucas veio para Ponta Grossa, ele quis dar o nome de Ressurreição, por ser o núcleo da nossa fé, mas também em memória da experiência de Cuarnavaca.127
A fundação do Mosteiro da Ressurreição foi oficializada no dia 30 de junho de
1981, no Santuário Mariano de Nossa Senhora Mãe da Divina Graça, padroeira da
Diocese. A localização fica dentro do Parque Estadual de Vila Velha, ponto turístico
do Estado do Paraná. O louvor divino, isto é, a oração da Liturgia das Horas, teve
início e continua sem interrupção até aos nossos dias.
O processo histórico da tramitação burocrática para o novo Mosteiro tem seu
início dentro de um processo lógico e legal. Antes da partida de São Paulo, o Abade
Dom Joaquim Zamith concedeu uma licença pessoal para o grupo fundador se
transferir para Ponta Grossa. Em outra reunião, o Capítulo128 foi consultado e se
aprovou a decisão. Portanto, a nova fundação foi realizada dentro de todas as
normas canônicas, tendo apenas o desejo de renovação da vida religiosa. Segundo
Dom Mateus129:
126 Cidade a 138 quilômetros de Curitiba. 127 Dom Abade André MARTINS, osb, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, Fita VII, Ponta Grossa, 12/04/2010. 128 Assembléia de dignidade eclesiástica para determinado assunto, assembléia geral de religiosos. 129 Dom Mateus de Salles PENTEADO é um dos fundadores do Mosteiro da Ressurreição.
96
O Mosteiro da Ressurreição nasceu como um dos frutos do Vaticano II, quando pediu para que toda Igreja voltasse às fontes. As fontes são a Sagrada Escritura, Tradição, Padres da Igreja e Liturgia. Toda Igreja precisa voltar às suas origens. Toda renovação é um retorno às origens. O mosteiro da Ressurreição nasceu como uma renovação à vida Religiosa. Olhar para suas origens e não apenas copiar materialmente. Beber nas fontes e viver esta renovação em nossos dias.130
Em novembro de 1981, apenas quatro meses após a fundação, reuniu-se
uma Junta Abacial no Rio de Janeiro, inclinada ao fechamento da nova fundação ou
a excluir da Congregação Beneditina do Brasil, porque considerava os fundadores
“rebeldes”. Na visão (errada) de alguns Abades e algumas Abadessas, a fundação
foi um ato de desobediência. Tal fato não ocorreu, pois o Capítulo de São Paulo,
embora não aceitando o Mosteiro da Ressurreição como fundação regular da
Abadia, concedeu, por votação, a licença para a partida dos fundadores para Ponta
Grossa. Mas, além dessa falsa questão da “desobediência”, a Congregação
Beneditina do Brasil (principalmente os mosteiros masculinos) não é pluralista e
rejeita propostas diferentes de vida monástica, como é o caso do Mosteiro da
Ressurreição. Porém, com o apoio do Abade-presidente, Dom Basílio Penido, e a
não objeção do Abade de São Paulo, Dom Joaquim Zamith, a fundação acabou se
concretizando. Justamente neste momento crítico chegou, de Olinda, o documento
da Sagrada Congregação para os Religiosos, dando a permissão para a fundação
ad experimentum do Mosteiro da Ressurreição por três anos. A decisão final da
Santa Sé foi favorável e se deveu, em grande parte, à influência do Bispo da cidade
de Ponta Grossa, Dom Geraldo Pellanda, falecido em 1991.
3.4.1 – Primeiros tempos da fundação
Como viviam os irmãos nos primeiros tempos da fundação do Mosteiro da
Ressurreição? Nas palavras de Dom Mateus que desde o início acompanha a
fundação, podemos imaginar a situação:
130 Dom MATEUS de Salles Penteado entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 1, Ponta Grossa, 29/11/2009.
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Encantados com a beleza do local, de imediato os monges compreenderam a razão da região seduzir a todos que por ela passam. Porém, o vento fino e incessante, típico dos Campos Gerais, parecia prenunciar os tempos difíceis que teriam pela frente. Os primeiros meses foram de privação total. O dinheiro que possuíam mal dava para custear a alimentação e os gêneros de primeira necessidade. Um casarão de madeira, quase um arremedo de mosteiro, foi construído graças às doações de madeireiras e serrarias pontagrossenses. Sua rusticidade evidenciava a simplicidade e a pobreza que tomaram conta do cotidiano monástico.131
De junho de 1981 a agosto de 1985, a comunidade viveu em situação muito
precária. Algumas Congregações religiosas, sobretudo femininas, e também alguns
leigos, auxiliaram os monges com diversos tipos de doações, principalmente
alimentos. Nos primeiros anos da fundação havia total incerteza quanto ao futuro.
Além da pobreza material, a situação canônica era apenas provisória. Quanto ao
trabalho, fazia-se de tudo. Os gastos eram míninos e as entradas de dinheiro
provinham quase que exclusivamente do artesanato produzido pelos próprios
monges. No início da fundação era tudo muito pobre e havia situações difíceis, mas
não se perdia a esperança de dias melhores. Como bem ilustra o texto a respeito
dos fatos históricos vividos pelos jovens monges da época:
A primeira horta fracassou miseravelmente na primeira chuva forte, porque os canteiros estendiam-se na mesma direção do declive do terreno. A cozinha, inicialmente de chão de terra batida, nas chuvas, as goteiras transformavam num lamaçal. Não se preparava quase nada além de macarrão no almoço e sopa à tarde. O pão, amavelmente doado por uma padaria da cidade, tinha que ser previamente amolecido na água e depois reaquecido no forno. É difícil exagerar a fragilidade dos primeiros anos. Paradoxalmente, o corte do cordão umbilical com o mosteiro de São Paulo teve o benéfico resultado de fortificar a fé e as vontades. A impossibilidade de voltar atrás duplicou a coragem para enfrentar as ásperas privações materiais. Assim como todo gênero de dificuldades humanas inerentes à construção de uma comunidade que toma por guia o Evangelho, inestimável tesouro que, porém, é trazido em vasos de barro. 132
131 Niltonci Batista CHAVES (org.), Visões de Ponta Grossa, p. 22. 132 Síntese histórica e projeto monástico de Dom Mateus Salles PENTEADO. Exposição apresentada como parte de um painel sobre a Congregação Beneditina do Brasil, realizado durante o curso de História do Monaquismo no Brasil promovido pelo CIMBRA (Conferência de Intercâmbio dos Mosteiros Beneditinos no Brasil) , entre 21 e 29 de junho de 1997, no Mosteiro do Rio de Janeiro.
98
Com a doação de uma instituição e a ajuda de uma congregação foi possível,
em agosto de 1983, dois anos após a fundação, comprar um terreno de sete
alqueires há doze quilômetros da cidade, sede atual do Mosteiro da Ressurreição.
No ano seguinte iniciou-se a construção do mosteiro e a comunidade teve de se
dividir. Um grupo transferiu-se para o novo terreno, a fim de acompanhar as obras, e
o outro permaneceu em Vila Velha. Em agosto de 1985, com a inauguração das
primeiras dezesseis celas, os dois grupos se reuniram novamente.
Antes da mudança para a atual sede, em 18 de outubro de 1984, um Rescrito
da Sagrada Congregação para os Religiosos erigiu canonicamente o Mosteiro da
Ressurreição de maneira definitiva. O Mosteiro tornou-se um Priorado Simples133,
sob a jurisdição direta do Abade Presidente, Dom Basílio Penido, que esteve em
Ponta Grossa, no dia 25 de novembro, para receber a profissão solene dos três
primeiros monges fundadores. Para a solenidade de São Bento de 1987, o Mosteiro
da Ressurreição foi erigido em Priorado Conventual134, sendo Dom Lucas Torrell de
Almeida Costa nomeado Prior em 12 de agosto.135 Porém, o Prior e a maior parte da
comunidade tinham concepções de vida monástica diferentes e excludentes. Houve
novamente alguma tensão.
Alguns ramos beneditinos acentuam a austeridade da regra, outros são mais abertos ao espírito de humanismo e discrição que nela se encontram. Enquanto uns afirmam a natureza essencialmente contemplativa e solitária do ideal monástico, outros recordam o fato de que, na prática, o próprio S. Bento e os primeiros beneditinos reservavam ao apostolado lugar definido na vida do monge. Mas na realidade, essas duas tendências, uma solitária e austera, e a outra social e humanística, devem sempre, até certo ponto, se unir em toda vida monástica. O fim visado por cada observância determinará em que proporção uma tendência dominará a outra. Esse fim, aliás, será simplesmente a maneira especial de chegar ao único alvo proposto por São Bento a todos os seus filhos.136
133 Não autônomo. 134 Independente. 135 As Constituições da Congregação Beneditina do Brasil determinam que o primeiro superior maior (Prior Conventual ou Abade) deve ser nomeado pelo Abade da Abadia fundadora e não deve ser eleito pela comunidade. Como o Mosteiro de Ponta Grossa dependia do Abade-Presidente, este nomeou o primeiro Prior. 136 Thomas MERTON, A vida silenciosa, p. 66.
99
Depois de nove anos de fundação, em 1990, a comunidade pediu uma visita
canônica. Realizada em novembro, os visitadores decidiram que o prior deveria
apresentar sua renúncia, o que de fato aconteceu em março de 1991:
Porque parte do grupo desejava uma fundação bastante secularizada em nada ligada à tradição beuronense e ao que ela representava. O que se entendia por uma fundação bastante secularizada? Alguns membros do grupo não aceitavam os “sinais sagrados” (sinais visíveis de realidades invisíveis), como o hábito monástico e muitos rituais internos. Do mesmo modo, rejeitavam características essências do monaquismo, como a clausura e a valorização da liturgia. Tudo isso, porém, fazia parte do ideal da nova fundação.137
É próprio do monaquismo ser extra civitatem, não por razões sociológicas,
mas razões espirituais e teológicas. Não se trata de oposição entre um ideal agrícola
e outro intelectual. No mosteiro, há monges que exercem algumas atividades
agrícolas e outros que são intelectuais, mas o mosteiro não é agrícola nem
intelectual. Aliás, os maiores intelectuais da Ordem estão em mosteiros bem
afastados da cidade. Os mosteiros budistas ou hinduístas também estão localizados
fora dos centros urbanos, a fim de proporcionar ao monge um ambiente de
tranquilidade e silêncio, fundamental para a busca da oração contínua. Um mosteiro
pode estar no topo de uma montanha gelada do Tibete e, nem por isso, ser um
mosteiro “agrícola”, embora esteja fora da área urbana.
Dom André Martins foi eleito o novo Prior Conventual aos 17 de abril de 1991
e a história do Mosteiro entrou em uma nova fase. Dom Joaquim Zamith promoveu o
Mosteiro da Ressurreição à condição de Abadia aos 21 de agosto de 1997, por
Decreto da Santa Sé. Aos 05 de setembro Dom André Martins foi eleito pela
comunidade o primeiro Abade do Mosteiro da Ressurreição, com quarenta e um
anos de idade e continua sendo o atual Abade. Recebeu a Bênção Abacial aos 30
de novembro de 1997, pelas mãos do bispo Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger.
137 Síntese histórica e projeto monástico de Dom Mateus Salles PENTEADO. Exposição apresentada como parte de um painel sobre a Congregação Beneditina do Brasil, realizado durante o curso de História do Monaquismo no Brasil promovido pelo CIMBRA, entre 21 e 29 de junho de 1997, no Mosteiro do Rio de Janeiro.
100
3.4.2 - O rosto do Mosteiro da Ressurreição
Quem visita o Mosteiro de Ponta Grossa e o de São Paulo, certamente nota
muitas afinidades, mas constata que não se trata de uma reprodução. Há muitos
valores comuns assumidos, contudo de formas diversas. Cada comunidade
monástica tem seu próprio rosto e suas peculiaridades. O Mosteiro da Ressurreição
recebeu do Mosteiro de São Paulo quase toda a formação, já que os fundadores
vieram deste mosteiro. Porém o Mosteiro da Ressurreição vive de maneira diferente
o carisma Beneditino. Basta participar dos ofícios divinos para ver a diferença entre
eles. A vida comunitária, que envolve o silêncio, o trabalho, a fraternidade e a oração
pessoal, é distinta. Todos os mosteiros Beneditinos nasceram do Pai São Bento,
contudo cada um vive o espírito recebido de maneira singular:
O espírito monástico é uno e o mesmo nos vários ramos da Ordem monástica. As diferenças acidentais que distinguem o monge cistercience do de Solesmes ou do beneditino branco de Prinknas do eremita camaldulense são suficientemente profundas para constituir diversidade específica em sua espiritualidade. Todos procuram glorificar a Deus e salvar suas almas, abraçando a vida contemplativa em conformidade com a Regra de São Bento e guiados por seu espírito. As variantes na observância dependem, em larga medida, da importância que cada família monástica dá a este ou àquele aspecto particular da regra beneditina. 138
Neste trabalho será apresentado o diferencial que existe no Mosteiro da
Ressurreição, sobretudo a maneira como os monges celebram a Liturgia. O Mosteiro
da Ressurreição foi fundado em uma região longe da cidade, porque quis acentuar o
ambiente de silêncio e o recolhimento próprio para qualquer vida monástica. O
ambiente distante da cidade é um lócus teológico e espiritual e não sociológico.
Também não é uma negação do monaquismo urbano.
Sempre devemos ter em mente que o silêncio, a solidão, a oração e recolhimento são os elementos mais importantes da vida monástica, os auxílios mais diretos que conduzem àquela caridade que une o monge a Deus e aos irmãos. Se, em certo sentido, o silêncio e a contemplação podem ser considerados como existindo “por causa” do apostolado, nas Ordens mendicantes, para o monge não pode ter outra finalidade senão favorecer a sua própria união com Deus e, por causa disso, torná-lo membro viçoso da
138 Thomas MERTON, A Vida Silenciosa, p. 66.
101
comunhão dos santos. Tudo no mosteiro, portanto, está ordenando a produzir uma atmosfera favorável a uma vida de oração. 139
A vida no mosteiro não é constituída apenas por um determinado tipo de
pessoa. Existem os mais variados temperamentos, provindo das diferentes classes
sociais e níveis intelectuais. No dizer de Merton, a verdadeira união não consiste em
apenas um contrato social:
União verdadeira, pois a caridade monástica não é apenas um “contrato social”, um acordo a que se chega pelo consentimento de vários egoísmos, é a pureza de coração, que se alcança somente quando todas as vontades separadas de cada irmão se transformam em uma só vontade, a vontade comum, a vontade de Cristo. A essa comunidade de vontade não se pode chegar por um contrato como para um negócio. É um amplexo das almas na pureza do Espírito de Deus.140
Atualmente, no Mosteiro da Ressurreição, há monges e candidatos de várias
regiões do Brasil. Desde o Amazonas, Rio Grande do Sul, Santa Catariana, Paraná,
São Paulo, Brasília, Belém do Pará, Ceará, Rio de Janeiro, Piauí e Portugal. “O que
torna essencial a uma comunidade é que todos os membros se achem ligados por
laços de amor fraterno e que cada um se considere responsável pela qualidade da
vida monástica de todos os irmãos”141. Quando há uma consciência de que Jesus
faz-se presente na comunidade, também pelo esforço de cada membro, as
dificuldades parecem superadas ou não pesam tanto, o jugo é suave.
As atividades realizadas dentro do mosteiro, sejam intelectuais ou manuais,
são voltadas para o bem da Igreja e do Reino e não para o bem pessoal:
Os monges trabalhando juntos, em espírito de sacrifício de si próprios e perfeita solidariedade, não estão provendo apenas às necessidades materiais desta vida. O trabalho que realizam contribui para um fim comum espiritual de importância muito maior: sua união com Cristo. Construindo e mantendo o mosteiro, estão construindo a nova Jerusalém, um pequeno Corpo Místico de Cristo, a Igreja de seu mosteiro.142
139 Thomas MERTON, A Vida Silenciosa, p. 45. 140 Ibid., p. 34. 141 Dom Armand VEILLEUX, Explorando o essencial, Revista Beneditina, p. 15. 142 Thomas MERTON, A Vida Silenciosa, p. 46.
102
Mesmo acentuando mais a vida contemplativa no Mosteiro da Ressurreição é
necessária a realização de diversos trabalhos:
Nenhum trabalho útil que possa ser executado dentro da clausura é estranho ao estado monástico. A maioria dos monges pode esperar participar da tarefa de cavar a terra, recolher o feno, rachar a lenha, descascar batatas, lavar pratos e varrer o chão. Todas as tarefas ordinárias de uma comunidade vivendo no campo podem, razoavelmente, reclamar o tempo dos membros da comunidade.143
O dia a dia do monge no Mosteiro da Ressurreição é intenso, pautado pelo
lema original, ora et labora. O trabalho também ajuda no discernimento vocacional
do candidato. Segundo Dom Abade André Martins:
Em comunidade ninguém se basta. Ninguém é autor de uma obra sozinho. O artista, por exemplo, só executa a sua arte porque um outro faz o alimento que lhe dará possibilidades de trabalhar, outros limpam o mosteiro, outros ainda atendem à porta do mosteiro etc. Neste sentido, a obra não é apenas do artista, é de toda a comunidade.144
Uma constatação muito triste e lamentável é que a vida religiosa e presbiteral,
muitas vezes, tem se constituído em um refúgio para pessoas que querem viver em
confortável e segura ociosidade, além de almejarem a ascensão social. Os últimos
são conhecidos como carreiristas.
O trabalho é a forma beneditina básica de viver a pobreza e ser solidário com o pobre. O beneditino não vive isolado dos demais. O beneditino não vive à custa dos outros, não se esquiva e não engana. A espiritualidade beneditina nos ensina a fazer cada coisa no seu devido tempo. Jogar meu trabalho em cima dos outros para ficar mais tempo à-toa, assumir que os dias livres são automaticamente apenas dias de férias adicionais, levar meia hora para o cafezinho quando o tempo previsto é de quinze minutos, dar apenas uma mão de tinta quando podemos dar duas, não é a maneira beneditina de considerar o trabalho no Jardim. 145
143 Thomas MERTON, A Vida Silenciosa, p. 44. 144 Dom Abade André MARTINS, Servo bom e fiel entra na alegria do teu Senhor - Livro II dos diálogos do papa S. Gregório Magno, p. 173-174. 145 Joan D. CHITTISTER, Sabedoria que brota do cotidiano, p. 108.
103
3.4.3 – Pluralismo monástico
Existe um pluralismo dentro da vocação monástica. A vida monástica pode
ser comparada com um imenso jardim que possui diversas flores. O que torna o
jardim belo é a riqueza das diversas flores. Dentro de uma grande comunidade de
Igreja, como também dentro de uma comunidade monacal, há uma diversidade de
qualidades, humanas e artísticas, aos quais chamamos de carismas ou de dons.
Após o discernimento e a submissão aquele que no mosteiro faz a presença de
Cristo, isto é, o Abade, os dons e as qualidades são colocados em favor do bem-
estar de todos. A vida cenobítica tem sentido em si mesma, não sendo apenas uma
preparação à vida solitária. A razão principal da unidade entre os irmãos e o serviço
por amor a Cristo é a koinonia146 pela própria koinonia, isto é, o serviço pelo serviço.
A razão fundamental de se viver em comunidade é o testemunho de amor ao
próximo e a Deus.
A comunhão, por sua própria natureza, precisa ser aberta aos outros. A comunhão que fecha um grupo de irmãos ou irmãs em uma comunidade monástica restrita não é cristã. Pois esse grupo, que através da koinonia se abre a outras comunidades, é que vai formar a Igreja. Comunhão com toda a Igreja é essencial. E como Igreja devemos compreender não apenas a hierarquia da Igreja Católica, ou mesmo a Igreja Católica como tal, mas a grande koinonia formada por todos aqueles que crêem em Cristo. Uma dimensão ecumênica para nossa vida monástica também faz parte do essencial.147
Pode ser que alguns monges sejam chamados a uma forma de vida mais
solitária e contemplativa:
aprenderam com o auxílio de muitos a lutar contra o demônio e treinados nas fileiras de seus irmãos para as batalhas singulares do deserto, bastante firmes para dispensarem a companhia de outro, tornam-se capazes, por meio
146 O salmo 132 pode exemplificar melhor o significado de koinonia: “Eis como é bom e alegre viverem juntos os irmãos. Vinde e vede como é bom, como é suave. Os irmãos viverem juntos bem unidos. É como um óleo perfumado na cabeça. Que escorre e vai descendo até à barba.Vai descendo até à barba de Aarão. E vai chegando até à orla do seu manto. É também como o orvalho do Hermon. Que cai suave sobre os montes de Sião. Pois a eles o Senhor dá sua bênção. E a vida pelos séculos sem fim”. Bíblia Sagrada Ave Maria, Livro dos Salmos, p. 766. 147 Dom Armand VEILLEUX, Explorando o Essencial, Revista Beneditina, p. 8.
104
do socorro de Deus, a sustarem sós com a sua mão ou o seu braço, a luta contra os vícios da carne e do pensamento.148
No Catecismo da Igreja Católica, há uma definição sobre a vida escondida em
Cristo, a vida eremita:
Embora nem sempre professem publicamente os três votos evangélicos, os eremitas, “por uma separação mais rígida do mundo, pelo silêncio da solidão, pela assídua oração e penitência, consagram a vida ao louvor de Deus e à salvação do mundo”. Os eremitas mostram a cada um este aspecto interior do mistério da Igreja que é a intimidade pessoal com Cristo. Escondida aos olhos dos homens, a vida do eremita é pregação silenciosa daquele ao qual entregou a sua vida, pois é tudo para ele. É uma chamada peculiar a encontrar no deserto, precisamente no combate espiritual, a glória do Crucificado.149
Independentemente da real possibilidade de vocações solitárias permanentes,
no Mosteiro da Ressurreição, cada monge pode fazer experiências mais ou menos
prolongadas de solidão em um eremitério. Nas palavras do atual Abade Dom André,
a solidão é também um valor para a sociedade, especialmente para a Igreja:
Koinonia não é o único valor da vida monástica. A vida comunitária é uma fatia do bolo, não é o bolo inteiro. Aliás, hoje parece que vida se resume em relacionamentos. Não é assim. Também a solidão é um valor fundamental na vida humana, portanto na vida cristã. Solidão e comunhão são como a música: intervalos entre sons e silêncio.150
Com trinta anos de fundação, o Mosteiro da Ressurreição deseja continuar
militando sob a Regra de São Bento para entender o sentido mais antigo da
Tradição monástica. Vivendo em fraternidade, procura servir ao Reino de Deus e à
Igreja na pessoa que se aproxima do mosteiro. Há um esforço para que cada
membro encontre seu espaço e cresça em todos os sentidos. Segundo Irmão
Gabriel Jiménez, “aos olhos humanos e para algumas ciências, como é o caso da
148 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, p. 25. 149 VATICANO, Catecismo da Igreja Católica, Can. 920- 921, p. 224. 150 Dom Abade Dom André MARTINS, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita V- Ponta Grossa, 14/03/2010.
105
Sociologia e Psicologia, é impossível que um grupo de indivíduos do mesmo sexo
vivam juntos. Porém, isto se torna possível para mostrar que é a graça de Deus que
age e inspira este ideal”151.
Os monges do Mosteiro da Ressurreição estão cientes de que Jesus Cristo
diz: “... não vim chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores”152. Os
monges também se consideram pecadores, que necessitam da misericórdia de
Deus para se converter dia a dia. Segundo Dom Timóteo Amoroso, não se pode
esquecer “... o aspecto essencial de partilha de vida: a dos limites e pobreza de cada
membro, das suas dificuldades e carências. Só a partir do acolhimento recíproco
oferecido à verdade de cada um, podemos falar de comunidade e de amor
cristão”153. Ou ainda, nas palavras de Merton:
Abraçar a vida contemplativa não resolve problema algum: antes os cria. Não nos livra do medo e do sofrimento. Aumenta cem vezes o sentimento de nossa pobreza. Intensifica a consciência de que somos pecadores. Põe-nos face a face com tudo quanto é mais odioso em nós. Não nos esconde a realidade do pecado, mas planta-a inexoravelmente, em face de nossa atenção: porque no centro de nosso ser, na passagem secreta por onde gostaríamos de passar para a serena noite de Deus, encontramos o caminho bloqueado pela presença do mal. Então, nas profundezas da alma, devemos começar uma terrível e solitária luta com o mal. Devemos combater um mal que não é nosso, mas se tornou perfeitamente identificado conosco, a ponto de ser como nós mesmos.154
O Mosteiro da Ressurreição deixa a Congregação Beneditina do Brasil,
porque os mosteiros masculinos estão todos nas cidades e não são flexíveis ao
pluralismo. Os monges da Congregação não vêem com bons olhos comunidades
com propostas diferentes de vida monástica. O Mosteiro da Ressurreição nunca foi
bem aceito pelos monges, diferentemente das monjas. A Congregação Beneditina
Sublacense155 ou de Subiaco é uma Congregação internacional e pluralista e a
151 Ir Gabriel JIMÉNEZ, A vida monástica e o terceiro milênio, p. 23. 152 Bíblia Sagrada Ave Maria Lucas: 5, 32, p.1353. 153 Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p.13. 154 Thomas MERTON, Espiritualidade, contemplação e paz, p. 53-54. 155 A Congregação Beneditina Sublacense (ou de Subiaco) é uma das vinte e uma Congregações que, juntas, formam a Confederação Beneditina (Ordem de São Bento). Ao contrário da maioria das Ordens e Congregações, a Ordem de São Bento é descentralizada (é uma Confederação), isto é, não tem um governo geral, valorizando-se a autonomia de cada comunidade monástica. Assim, a Ordem
106
maioria de suas comunidades adota um gênero de vida semelhante ao Mosteiro da
Ressurreição. Há uma ligação espiritual maior com os mosteiros sublacenses do que
da Congregação Brasileira.
O Mosteiro da Ressurreição foi incorporado à Congregação Beneditina
Sublacense aos 14 de setembro de 2008, no XVIII capítulo geral extraordinário em
Subiaco. Aos 21 de outubro de 2008, o rescrito da Santa Sé incorporou a Abadia da
Ressurreição à Congregação Sublacense da província Hispânica. No dia 08 de
janeiro de 2010, o Mosteiro da Ressurreição recebeu a primeira visita canônica da
Congregação Sublacence. Perguntei o que significa uma visita canônica:
Muito importante, pois os abades visitantes falam com cada um de nós em particular. Querem saber como estamos aqui no mosteiro, sobre as alegrias e dificuldades. Sobre as relações entre nós, a formação, projetos, nossas famílias de sangue. A conversa dura de trinta a sessenta minutos. Enfim, eles vêem em nome da Igreja e para a Igreja levam o nosso histórico. Assim, a Santa Sé fica sabendo como estamos caminhando. A visita acontece de 3 a 4 anos. Está sendo um momento de graça e crescimento para toda a comunidade.156
3.4.4 – Construção material do Mosteiro da Ressurreição
Fazendo uma breve apresentação da construção material do mosteiro,
notamos que o complexo atual do Mosteiro da Ressurreição é simples, funcional e não tem um Abade Geral, mas um Abade Primaz, o "primeiro entre os iguais". Ele é o Abade da Abadia de Santo Anselmo, em Roma (na realidade, uma casa de estudantes com sede no Pontifício Instituto Litúrgico), representa a Ordem junto à Santa Sé e dá certa unidade canônica aos beneditinos. Não tem, porém, nenhuma autoridade sobre as Congregações Beneditinas nem sobre os Mosteiros individuais. As Congregações Beneditinas têm origem diversa e também Constituições e tradições diferentes, mais ou menos contemplativas. Cada Congregação elege um Abade Presidente, cuja autoridade é exercida quando ocorre a visita canônica às comunidades. Fora deste momento, não há autoridade (a autoridade máxima em um Mosteiro é o Abade local). A Congregação Beneditina Sublacense nasceu de um movimento reformador no interior da Congregação Beneditina Cassinense (italiana), por obra de Dom Pietro Francesco Casaretto (+ 1828), reforma cujo centro estava no Mosteiro de Subiaco (o primeiro fundado por São Bento). A Congregação Sublacense, de orientação mais contemplativa, logo em seguida tornou-se internacional, com mosteiros na Inglaterra e na França, depois se espalhou por todos os continentes. A Congregação Sublacense é uma das maiores da Confederação Beneditina, com cerca de sessenta e cinco mosteiros masculinos autônomos (aproximadamente mil monges) e outros tantos mosteiros femininos. O Abade Presidente reside em Roma com alguns colaboradores que formam a sua Cúria. Pelo fato de a Congregação ser muito extensa, ela é dividida em Províncias (por regiões ou línguas) e a visita canônica nas comunidades é realizada por um Visitador de cada Província. A Abadia da Ressurreição está incorporada à Província Hispânica (mosteiros da Espanha e América Latina, excetuando-se o México). Dom Mateus Salles PENTEADO, [email protected], 05/05/11. 156 Dom Francisco dos Santos CARVALHO, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita VII, Ponta Grossa, 12/01/2010.
107
bonito, todo feito em tijolos à vista. Quanto ao projeto do Mosteiro, que comporta a
parte mais antiga, foi executado pelo arquiteto Ubiratan157. O restante da construção
pelos próprios monges da Ressurreição:
O Mosteiro da Ressurreição guarda, em sua arquitetura, diversos elementos originários do mundo medieval. Incontáveis arcos se espalham desde a Igreja até o claustro. O átrio, rodeado por pilastras, se constitui o espaço central de toda construção. Nas paredes e no chão, mosaicos e pinturas se multiplicam, como se quisessem lembrar a todo instante que ali é um lugar sagrado. O claustro, com a sala capitular e as celas, se constitui no espaço mais íntimo do Mosteiro, fisicamente desligando-se por completo de mundo exterior. Crucifixos e estatuetas de santos, estrategicamente distribuídos por todas as áreas, reforçam a fé e a mística do local. As pilastras e seus capitéis de pedra cumprem um papel de ligação entre o mundo atual e o mundo medieval, marcado pela rusticidade e simplicidade. Os vitrais com motivações religiosas valorizam esteticamente os ambientes e os tornam mais claros e iluminados.158
Figura 1 - Visão do claustro do Mosteiro Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero
157 O arquiteto Ubiratan é conhecido pelo apelido de Bira. Mora na cidade de São Paulo e é amigo dos Monges do Mosteiro da Ressurreição. 158 Wilfried KOCH, Visões de Ponta Grossa – Mosteiro da Ressurreição, 25 anos, p. 24.
108
Localiza-se na Rodovia do Café, que vai para o Norte do Paraná. Há uma
placa de identificação na Rodovia: Mosteiro da Ressurreição – 100 metros159.
Saindo da Rodovia, entra-se numa estrada sem asfalto, de terra vermelha. Quando
é verão, faz uma nuvem de poeira, quando chove, forma-se um barro que fica
impregnado no carro. São três quilômetros nesta estrada até o portão do Mosteiro.
Figura 2 - Portão do Mosteiro Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero
Chegando ao Mosteiro, há uma placa em madeira esculpida: Mosteiro da
Ressurreição. Há um bosque com um imenso gramado, muitas árvores, inclusive o
pinheiro do Paraná, conhecido como araucária. Muitos pássaros, borboletas e
mosquitos borrachudos envoltos em uma variedade de flores e de folhagens. Ouvi
muita gente dizer: “Aqui encontro a paz! Como é bom poder ficar aqui!”.
159 O endereço é: Rodovia do Café, km 5, Caixa Postal 16-84001-90, Ponta Grossa, Paraná, Brasil.
109
Figura 3 - Loja Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero
Na entrada do Mosteiro, à esquerda, há uma casa onde funciona uma
pequena loja com produtos feitos pelos próprios monges e que são vendidos para
ajudar na manutenção. Nesta mesma casa, há uma sala maior, que chamam de
parlatório, que serve para acolher pessoas que passam algumas horas ou o dia no
Mosteiro. Neste mesmo complexo, há banheiros, bebedouro e mais duas salas
pequenas, para o atendimento das pessoas.
Figura 4 - Casa de hóspedes Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero
110
Perto desta casa da loja, no lado direito, há a casa de hóspedes. Possui
quatro quartos com banheiros individuais, uma pequena cozinha e uma sala maior.
Tudo muito simples, mas bem aconchegante. O hóspede faz a reserva e pode ficar
até cinco dias. Não existe uma taxa de pagamento pela hospedagem, mas de
acordo com as possibilidades de cada pessoa, pode-se deixar alguma contribuição.
Figura 5 - Cemitério Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero
No bosque-jardim, há o cemitério. Atualmente, existem três monges
enterrados160. Todo cercado de flores, possui uma cruz de madeira ao centro e
apenas uma pequena placa com a identificação dos falecidos. Há uma estrela,
indicando o nome e a data do nascimento. Uma lâmpada derramando-se para
indicar a data dos votos monásticos. O terceiro símbolo é Jonas dentro de uma
baleia, para indicar o dia de sua partida para encontrar o Esposo Jesus, fazendo a
páscoa definitiva. Os túmulos são diretamente na terra e por cima apenas grama.
160 1) Dom Gregório. Nasceu aos 20 de fevereiro de 1960. Emitiu os votos monásticos aos 26 de maio de 1991 e partiu fazendo sua páscoa, recebendo o esposo aos 27 de agosto de 1997. 2) Irmão Bernardo. Nasceu aos 12 de agosto de 1972. Recebeu o hábito monástico aos 25 de novembro de 2000 e partiu para receber o esposo aos 04 de julho de 2002. 3) Dom Antão. Nasceu aos 18 de janeiro de 1929. Emitiu os votos monásticos aos 18 de agosto de 1996 e fez sua páscoa, recebendo o esposo aos 04 de dezembro de 2002.
111
Figura 6 - Visão externa da capela Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero
A capela, o lugar mais importante do Mosteiro, funciona como o coração da
comunidade orante. Ela segue o mesmo estilo das demais construções: tijolos à
vista, tendo uma porta de tamanho normal e duas janelas. Do lado da assembléia
estão umas trinta cadeiras, colocadas todas em perfeita ordem e do lado do coro
dos monges também há outras trinta cadeiras. A nave da capela não é muito grande
e aos domingos torna-se pequena, mas muito aconchegante.
Figura 7- Pintura do Cristo Pantocrator Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero
112
Na capela há a imensa pintura do Cristo Pantocrator161. Todos que chegam,
deparam-se com esta obra de arte. Há um cuidado com e em todos os detalhes:
vasos, flores, velas, cantos, leitores, gestos, incenso, especialmente no que se
refere aos objetos do altar e dos paramentos. O cerimonial sempre muito discreto e
atencioso observa cada mínimo detalhe, antes das celebrações. Participar da liturgia
com os monges do Mosteiro da Ressurreição é ter a possibilidade de fazer uma
verdadeira experiência mística.
Figura 8 - Celebração Eucarística Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero
Ao concluir este capítulo, detectamos que o Mosteiro da Ressurreição não
nasceu por acaso e nem do nada. Ele é a concretização de que o espírito do Pai
São Bento, que transcorreu o tempo e as culturas, continua vivo e motivando
pessoas para o seguimento deste estilo de vida, mesmo numa sociedade hiper
consumista e individualista como a nossa. O Mosteiro da Ressurreição com apenas
trinta anos de existência está marcando a sociedade e a Igreja pelo seu modo de
ser. Parece paradoxal, mas eles são modernos e tradicionais, intelectuais e simples,
espirituais e acessíveis, enfim, monges que buscam aperfeiçoar sua humanidade 161 É uma obra de arte pintada pelo monge Dom Ruberval. O Cristo sentado num trono, sendo o juiz e o rei do universo, tendo um olho maior que outro, para simbolizar que a misericórdia deve ser maior que a justiça. Possui um livro na mão esquerda e dos seus pés saem rios de água.
113
através da conversão. “Uma conversão completa de vida: exterior, moral, afetiva e
intelectual. Para o monge cristão, o principio e o fim deste dinamismo é a pessoa de
Jesus Cristo”162.
Estar com os fundadores deste Mosteiro e escutar o relato desta fundação
foram oportunidades ímpares. Impossível descrevê-las inteiramente. Eles
acreditaram que o impossível pode tornar-se possível mediante a perseverança e
um grande amor ao ideal abraçado. Jamais se deixaram vencer pelos obstáculos e
continuam acreditando: “... se o seu projeto ou sua obra provém de homens, por si
mesma se destruirá; mas se provier de Deus não podereis desfazê-la. Vós vos
arriscaríeis a entrar em luta contra o próprio Deus” (At 5,38-39).
No próximo capítulo vamos apresentar o lema beneditino milenar, ora et
labora, dando ênfase ao ora, isto é, a liturgia. Umas das marcas registradas do
Mosteiro da Ressurreição é a boa qualidade de sua liturgia.
162 Agostinho ROBERTS, Vida Monástica- elementos básicos, p. 21.
114
CAPÍTULO IV: ORA ET LABORA: A SANTIFICAÇÃO DAS HORAS
Ora et labora é marca registrada dos Beneditinos. Desde os tempos mais
remotos até os nossos dias, este é o perfil do monge Beneditino: orar e trabalhar.
Aliás, tal fato devia ser algo natural para cada cristão, isto é, “orai sem cessar” (I
Tess 5,17), uma vez que é uma norma recomendada pelo próprio Cristo. Para
aqueles cristãos que decidem viver dentro de um mosteiro, há uma maior
possibilidade de exercício desta ação. Assim, interrompem o trabalho manual ou
intelectual sete vezes ao dia e se dirigem à capela. Reza-se não apenas para si
mesmo, mas pelos outros, pedindo ou agradecendo as graças recebidas. Rezar os
salmos é também um grande e insubstituível serviço, que o monaquismo oferece
para a humanidade e, de modo especial, à Igreja.
Este capítulo quer ressaltar os sete momentos de oração comunitária, quando
os monges do Mosteiro da Ressurreição rezam sem interrupção desde a sua
fundação, há trinta anos. A maior parte da oração consiste na recitação dos Salmos
e na escuta da Palavra. A jornada diária nesse mosteiro começa ainda de
madrugada, nas chamadas Vigílias, que acontecem às 4h20. O segundo momento
de oração, no amanhecer, são as Laudes, às 6h15. De terça-feira a sábado, as
Laudes são rezadas junto com a Missa. Tércia é a terceira oração do dia que ocorre
às 9h00. Sexta é a oração das 12h00. A tarde começa com a oração de Noa às
14h30. No entardecer são rezadas as Vésperas às 17h30. Para completar a jornada
das sete orações, quando a noite cai sobre a terra, reza-se as Completas às 19h00.
Após esta última oração, cada monge retira-se em profundo silêncio para sua cela.
Sucessivamente, dia após dia, ano após ano, os Beneditinos vão
prolongando, através do tempo e das gerações, a tradição de rezar sem cessar. O
Mosteiro da Ressurreição, como herdeiro direto desta Tradição secular, sempre
realizou esta atividade sem jamais interrompê-la. Cada comunidade monástica
possui sua característica própria no que diz respeito à Liturgia. Nesta parte do
trabalho, será ressaltado o rosto litúrgico do Mosteiro da Ressurreição.
115
4.1 - Vígilias - das 4h20 às 5h10 No Mosteiro da Ressurreição, o dia começa de madrugada, com o toque do
sino, às 04h00, despertando os monges para a primeira oração. Ainda está bem
escuro, mas a escuridão é apenas externa, pois há uma luz que brilha e as palavras
do salmista parecem tornar-se realidade. “As próprias trevas não são escuras para
vós. A noite vos é transparente como o dia e a escuridão, clara como a luz” (Sl 138,
12). O silêncio é quebrado apenas pelo badalar do sino. As palavras desta poesia
expressam melhor o significado deste momento:
MUITO CEDO TOCA O SINO... Muito cedo toca o sino,
Já despertos se levantam,
Pouco a pouco povoando,
Corredores solitários,
Mergulhados no silêncio,
Homens de tantos lugares,
De idades e culturas variadas,
Que se doam totalmente,
Desde a noite ao sol poente,
Repartindo um dom precioso,
O amor que existe neles...
Que beleza, que harmonia,
Todo dia sempre novo,
Nenhum dia há outro igual,
Tudo ali é diferente,
Tudo é fruto do amor,
Renovando a cada instante,
Vida nova é gerada,
Para ser sacrificada num amor de doação,
Nada em vão, nada fugaz,
Faz crescer quem é pequeno,
Faz pequeno até o grande,
Num caminho que se sobre,
Numa escada que se desce,
Quem quer vida encontra a morte,
116
Quem quer morrer ganha vida,
Como a vela se consome,
Quando a todos ilumina... 1
Todo cristão é convidado, dia após dia, a despertar sua alma para escutar o
próprio Cristo que fala ao coração: ”A cada manhã Ele me desperta meus ouvidos
para que escute como discípulo” (Is 50, 4). O monge cristão é alguém que organizou
sua vida de tal maneira, que é possível a ele despertar para a oração em qualquer
horário da noite ou do dia. Acordar e se levantar da cama é relativamente fácil,
quando se acostuma, mesmo no inverno; o mais difícil é ser uma pessoa vigilante o
tempo todo e estar sempre desperto2. Rezar é um grande combate espiritual:
A oração é um dom da graça e uma resposta decidida da nossa parte. Supõe sempre um esforço. Os grandes orantes da Antiga Aliança antes de Cristo, como a Mãe de Deus e os santos com Ele, nos ensinam: a oração é um combate. Contra quem? Contra nós mesmos e contra os embustes do Tentador que tudo faz para desviar o homem da oração, da união com o seu Deus. Reza-se como se vive, porque se vive como se reza. Se não quisermos habitualmente agir segundo o Espírito de Cristo, também não poderemos habitualmente rezar em seu Nome. O “combate espiritual” da vida nova do cristão é inseparável do combate da oração. No combate da oração, devemos enfrentar, em nós mesmos e à nossa volta, concepções errôneas da oração. Algumas vêem nela uma simples operação psicológica, outras em esforço de concentração para se chegar ao vazio mental. Algumas a codificam em atitudes e palavras rituais.3
Os hóspedes são convidados, mas não obrigados a rezar com os monges,
sobretudo nesta hora da madrugada. A natureza parece despertar um sentimento de
alegria, por exemplo, quando é tempo de lua cheia ou quando se olha o firmamento
com as estrelas brilhando. Parece algo indescritível. As palavras do salmista tornam-
se as próprias palavras daquele que vive esta realidade:
1 Liturgia das Horas, vol. II, Leitura da 3ª semana da Quaresma – quinta-feira. 2 “El dia, para los monjes, empieza quando aún es de noche. Han dormido bastante: de siete a nueve horas em inverno y cinco horas em verano, com el comlemento de la siesta, es una cantidad de sueño bastante razonable. Estaban preparados para emprender la jornada. Las vigílias se celebran durante todo el año cuando todavía está oscuro”. Garcías M. COLOMBÁS, La Tradicion Benedictina. Ensayo histórico, p. 87-88. 3 VATICANO, Catecismo da Igreja Católica, Cânones, 2725- 2726, p. 610.
117
Ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso vosso nome em toda a terra! quando contemplo o firmamento, obra de vossos dedos, a lua e as estrelas que lá fixastes: Que é o homem, digo-me então, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com eles? (Sl 8, 2-5).
Há um texto sobre o tratado da oração de Tertuliano, do século III, dizendo
que os anjos e as criaturas, juntamente com toda a natureza, como as feras e as
aves, louvam o Deus criador, rezando à sua maneira. Na capela do Mosteiro da
Ressurreição, algumas vezes, aparece um cachorro, um gato ou um pássaro, dando
a impressão que se fazem presentes para acompanhar a oração:
Oram todos os anjos, ora toda a criatura. Oram à sua maneira os animais domésticos e as feras, que dobram os joelhos. Saindo de seus estábulos ou de suas tocas, levantam os olhos para o céu e não abrem a boca em vão, fazendo vibrar o ar com seus gritos. Mesmo as aves quando levantam vôo, elevam-se para o céu e, em lugar de mãos, estendem as asas, em forma de cruz, dizendo algo semelhante a uma prece. 4
Nesta esta hora da madrugada, na capela, há pouca luz, tornando o ambiente
próprio para o recolhimento. Propositalmente, não se acendem todas as luzes. O
hóspede entra na capela e fica sentado em uma cadeira de madeira. Cada monge
que chega faz uma inclinação para o altar5 e segue para a sua cadeira do lado do
coro. Alguns estão com o capuz sobre a cabeça, outros colocam as mãos sobre os
4 Frei Alberto BECKHAUSER, Liturgia das Horas, vol. II, Leitura da 3ª semana da Quaresma – quinta-feira. 5 “No Novo Testamento menciona-se o altar ainda, mas somente em sentido figurado. Os que crêem em Cristo “tem um altar do qual não podem se alimentar os que servem à Tenda” (Hb 13, 10), ou seja, os cristãos só têm uma lei sobre comida, a da eucaristia, que exclui todos os outros de sua participação, de modo particular os que pemanecem a serviço da Tenda (= Judaísmo). O altar é a mesa santa da ceia de Cristo e constitui, em última análise, cópia do altar que o apocalíptico João viu no céu e sob o qual ficam as almas “dos que foram imolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que dela tinham prestado” (Ap 6, 9). A mesa, sobre a qual o Senhor celebrou com os discípulos a última ceia (Mt 26, 20-46, Lc 22,14-23), é o primeiro altar para o novo sacrifício, essencialmente diverso dos sacrifícios do Antigo Testamento. A parte mais importante da casa de Deus é o altar, cujo caráter de santidade expressa-se de maneira mais vigorosa nos ritos latinos da consagração de igrejas. Os significados simbólicos principais do altar são: ser representação da mesa da última ceia, ser símbolo da santa cruz sobre a qual foi oferecido o sacrifício redentor e ser símbolo do próprio Cristo. A mesa de pedra assinala para “a pedra que os construtores rejeitaram” e, não obstante, “tornou-se a pedra angular” (Sl 118,22). Uma interpretação místico-mortal dos Padres da Igreja viu no altar o coração de todo homem em que se queima o amor divino como eterna chama. Já Ambrósio considerou as virgens consagradas a Deus como altares do Altíssimo. E as virtudes são os degraus de acesso ao altar, considerando-se os degraus do altar de Salomão como o seu anúncio”. Manfred LURKER, Dicionário de figuras e símbolos bíblicos, p. 5, vocábulo: Altar.
118
joelhos. A maioria dos monges está com os olhos fechados. Enfim, há um profundo
silêncio, também corporal, mas o corpo fala por si mesmo, em cada gesto que os
monges fazem6, há uma atmosfera de oração.7
A oração das Vigílias8 começa pontualmente às 4h20, ao toque de um
pequenino martelo de madeira. O Abade dá uma suave e discreta batida; o som é
quase imperceptível aos ouvidos do hóspede, que não está acostumado com um
toque tão discreto. Monges e hóspedes ficam em pé, voltados para o altar e com os
olhos fitos sob o ícone da Virgem Maria. As mãos postas uma sobre a outra, um
6 “O corpo é o inconsciente visível”, afirmava Wilhelm Reich. É o nosso texto mais concreto, nossa mensagem mais primordial, a escritura de argila que somos. É também o templo onde outros corpos mais sutis se abrigam. A pele é a ponte sensível do contato com o mundo e pode ser também um abismo. É o nosso órgão mais extenso, é o nosso código mais intenso, um lar de profundas memórias O corpo sente, toca, fala, comunga. Vida incorporada, corpo da Vida. Hoje sabemos o quanto nos desviou da saúde integral a concepção moderna que dissociou o corpo da alma e do espírito. Perdemos a coesão e a congruência: mais do que isto, perdemos a transparência. A fragmentação epistemológica também refletiu-se no indivíduo e na sociedade, separando o organismo do meio ambiente, enfatizando as fronteiras e os conflitos. Alienação diabólica, já que diablos é o que divide, o fator tanatológico básico. Divino é o que vincula, unifica e restaura a inteireza vital”. Jean- Yves LELOUP, O corpo e seus símbolos, p. 9. 7 “São Bento, no 6º capítulo, não fala de silentium, que significa mais a prática do silêncio, e sim de taciturnitas, taciturnidade. Com isto ele quer, por um lado, referir-se à atitude do silêncio, e por outro a uma atitude de recolhimento, que deve dominar em seu convento. Este espaço de recolhimento é o lugar em que o monge está aberto para Deus, em que ele pode escutar a palavra de Deus na Escritura e na Liturgia, e onde pode viver na presença de Deus. Aqui São Bento está descrevendo mais uma atmosfera do que uma técnica de silêncio. É uma atmosfera de abertura para o espírito de Deus. Ele coloca estas duas palavras uma ao lado da outra: “calar” e “ouvir”. O silêncio serve para ouvir, ao escutar a palavra de Deus. Ele aguça a percepção para a presença de Deus como espaço em que nos movimentamos, e para a palavra de Deus que nos aponta o caminho”. Anselm GRUN, As exigências do silêncio, p. 67-68. 8 “A noite é o tempo em que esperamos pelo Cristo como esposo da humanidade. O tempo noturno de oração chama-se “Vigília”, que significa o não querer dormir, o ficar acordado. Essa prática era adotada pelos filósofos gregos para libertar a alma do sono da existência terrestre, reconduzindo-a à sua essência original, mais pura. Gregos e romanos conheciam celebrações noturnas, das quais esperavam a iniciação em mistérios mais profundos. “Vigílias” significa também a vigilância para a segurança da cidade. É um conceito derivado da linguagem militar, pois, à noite, o soldado deve estar no seu posto, montando guarda. Os monges vigiam para, na oração, se encontrarem com Deus. E ainda para o bem da população. Com sua vigília noturna, eles prestam um serviço ao mundo. Vigiam orando, para que ninguém seja assaltado por inimigos internos. A vigília é o tempo mais demorado de oração; nesse momento, recitam-se salmos e medita-se sobre como penetrar no mistério da vida diante de Deus. Enquanto todos dormem, os monges cuidam para que o mundo não se afunde no inconsciente, mas seja despertado pelo Espírito de Deus e enfrente a realidade de olhos abertos. E vigiando, querem participar da oração de Jesus, de quem Lucas afirma: “passou a noite toda em oração a Deus” (Lc 6,12b). Os salmos nos dizem que é, sobretudo, durante a noite que se deve refletir sobre as instruções e o agir de Deus. “Recordo teu nome no decorrer da noite, Senhor, e observo tua lei” (Sl 118, 55). E como base para a Vigília dos monges, São Bento cita outro versículo de um salmo predileto: “No meio da noite me levanto para te louvar pelas tuas justas normas” (Sl 118, 62). A noite é um tempo propício para se refletir sobre as obras de Deus. Por isso São Bento prescreve leituras da Bíblia e dos esclarecimentos dos santos padres”. Anselm GRUN, No ritmo dos Monges, convivência com o tempo, um bem valioso, p. 25-27.
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pouco abaixo do queixo, fazem uma cruz sobre os lábios e cantam alternando entre
uma voz-solo e todos respondem:
Senhor, abri os meus lábios! E minha boca anunciará vosso louvor! Desperte conosco a Virgem Maria! Que ela nos faça guardar a Palavra no coração! Com Ela cantamos o Cântico Novo! Glória a Vós, Senhor, por vosso Filho no Espírito Santo.9
Ouvi muitas vezes a palavra coração durante as celebrações da liturgia. Qual
o significado de repeti-la tantas vezes?
O coração, para a grande tradição monástica, como para a Bíblia, é em primeiro lugar, o homem em suas raízes mais profundas; este lugar onde ele pode dizer sem mentira eu e sim, mas também tu. É o lugar onde o homem se revela, separado, pode enfim habitar consigo mesmo, reconhecer o Senhor e rezar em verdade. Entra em teu coração e vê o que experimentas lá e que tu és a imagem de Deus. O monge deve, em primeiro lugar, reconhecer que ele tem um coração petrificado; deve então reuni-lo na paz e, com a lembrança do Senhor, amolecê-lo e quebrá-lo no arrependimento até que ele se torne um coração de carne, trabalhado pela Palavra de Deus, irrigado e semeado pelo Espírito. Então, deste “âmago”, brota o louvor e assim a vida comum, que o monge vive com seus irmãos, se torna concórdia, unidade dos corações, a convivência com a Palavra não é mais somente leitura ou estudo, mas recordatio, meditação no coração, e a liturgia que ele celebra se desenrola também no altar de seu coração.10
Um dos monges leitor da semana dirige-se ao ambão11 com o passo tranquilo
e acende uma lâmpada para enxergar melhor. Com a voz clara e terna, canta12 o
9 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 3-4. 10 Jean Yves LELOUP, Palavras do Monte Atos, p. 8-9. 11 Estante de madeira onde fica o livro para as leituras. 12 “No Mosteiro da Ressurreição, canta-se em tom gregoriano e em português todos os salmos. Pois o canto Gregoriano é uma forma musical para uso nas celebrações litúrgicas da Igreja. Característica do Canto Gregoriano é ser essencialmente orante. Ele próprio se constitui em oração e suas melodias não são acessórios à ornamento exterior, mas sim a própria vida da oração, que reforçando a Palavra e dirigindo o pensamento, dispõe o fiel à ação do Espírito Santo, elevando-o a Deus. Como, a partir do século III, a língua latina foi adotada pela Igreja Romana, para celebração litúrgica, também as composições do gregoriano tradicional, até a Reforma do Concilio Vaticano II, foram feitas em Latim. Celebramos a Liturgia em vernáculo, segundo o espírito da reforma litúrgica do Vaticano II, sem deixar de lado a tradição do canto gregoriano. Esse foi um desafio assumido pelos monges do Mosteiro da Ressurreição: adaptar o espírito do Canto Gregoriano para o Português. Com base no principio fundamental de que a melodia no canto Gregoriano é “serva” da Palavra, iniciou-se então o trabalho de adaptação e composição das melodias de forma a que essas pudessem contemplar a
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salmo 94 e toda comunidade monástica repete sempre o refrão referente à temática
do dia. Ao terminar, volta para seu lugar:
Vinde, exultemos de alegria no Senhor, aclamemos o Rochedo que nos salva! Ao seu encontro caminhemos com louvores, e com cantos de alegria o celebremos!
Refrão: Adoremos a Deus, o nosso Criador.
Na verdade, o Senhor é o grande Deus, o grande Rei, muito maior que os deuses todos. Tem nas mãos as profundezas dos abismos, e as alturas das montanhas lhe pertencem; o mar é dele, pois foi ele quem o fez, e a terra firme suas mãos a modelaram!
Refrão: Adoremos a Deus, o nosso Criador.
Vinde adoremos o prestemo-nos por terra, e ajoelhemos ante o Deus que nos criou! Porque ele é o nosso Deus, nosso Pastor, e nós somos o seu povo e o seu rebanho, as ovelhas que conduz com sua mão.
Refrão: Adoremos a Deus, o nosso Criador.
Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: “Não fecheis os corações como em Meriba, como em Massa, no deserto, aquele dia, em que outrora vossos pais me provocaram, apesar de terem visto as minhas obras.
Refrão: Adoremos a Deus, o nosso Criador.
Quarenta anos desgostou-me aquela raça, e eu disse: “Eis um povo transviado, seu coração não conheceu os meu caminhos!”E por isso lhes jurei na minha ira: “Não entrarão no meu repouso prometido!”.
Refrão: Adoremos a Deus, o nosso Criador. (Sl 94).
E num ato sincrônico, com se fosse uma grande sinfonia, outro monge
começa a cantar o hino, dando a continuidade da temática do dia.
Todo hino termina com uma saudação à Santíssima Trindade e faz uma
inclinação, por exemplo: “A vós Trindade Santa, inefável: a majestade, a honra e
poder, nós tributemos junto aos vossos Anjos eternamente”13. Ou ainda: “Deus
Clemente e Pai Piedoso, a Vós louvor e a Jesus que está à vossa destra. Ao
Consolador que nos reúne em mistério o que é vindouro e glória eterna”14. Muitos
santos tinham uma devoção especial para com a Trindade, como, por exemplo:
estrutura das frases do texto litúrgico em português, atendendo as tônicas das palavras e métricas das frases”. www.abadiadaressurreicao@org. Acesso em: 05 abril 2009. 13 Hino referente à festa dos Santos Anjos. MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 19. 14 Hino para a solenidade de São Bento. Ibid., p. 114.
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“Santa Madalena de Pazzi tinha tanta devoção ao recitar o Glória Patri, que via-se
nesse momento empalidecer, tão compenetrada estava da doação que fazia de si
mesma à Santíssima Trindade, ao pronunciar essas palavras”15.
Ao terminar este momento, outro monge reza em voz alta a oração do dia, ou
melhor, da madrugada. Palavras como escuridão, noite e trevas, são próprias deste
momento de oração, pois ainda é madrugada. Exemplificamos com apenas duas
orações, mesmo havendo uma variedade imensa:
Enquanto as trevas ainda não se dissipam, Senhor nosso Deus, nós vigiamos celebrando o vosso louvor. Derramai, vos pedimos, em nossos corações o amor, cuja chama não se extingue e fazei-nos entrar um dia em vossa glória. Por Nosso Senhor Jesus Cristo.16
Senhor Jesus, no silêncio da noite assumistes nossa carne nascido da Virgem Maria. Enquanto caminhamos, pela fé, até Vós, possamos nossas trevas vos acolher e assim nos tornarmos filhos da luz na glória de vosso Pai. Atendei-nos, Vós que sois nosso Salvador vivendo com o Pai na unidade do Espírito Santo.17
Após esta oração, todos se sentam e sobre suas mãos está o saltério18 e o
Abade, em pé, com a voz clara e suave, recita a antífona do primeiro salmo.
Inicialmente são dois salmos históricos e longos, que narram as maravilhas da
criação e da salvação que Deus realizou na história. Às vezes, é rezado por uma voz
somente, alternando com os dois lados do coro monástico. Após a recitação dos
salmos, um dos monges leitores dirige-se novamente ao ambão19 para a primeira
leitura bíblica. Acende uma lâmpada que fica bem acima da cabeça do leitor, com a
finalidade de ter um pouco mais de claridade. Na penumbra e no silêncio, a voz
ressoa por toda a capela. Ao terminar a leitura, as poucas luzes da capela são todas
apagadas e todos os presentes ficam na escuridão, literalmente. A finalidade é
15 Columba MARMION, Jesus Cristo ideal do monge, p. 498. 16 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Liturgia das horas, p. 55. 17 Ibid., p. 99. 18 O saltério é o livro em que a Palavra de Deus se torna oração do homem. Nos outros livros do Antigo Testamento “as palavras proclamam as obras” (de Deus em favor dos homens) “e elucidam o mistério nelas contido”. No Saltério, as palavras do salmista exprimem, cantando-as a Deus, suas obras de salvação. O mesmo Espírito inspira a obra de Deus e a resposta do homem. Cristo unirá uma e outra. Nele, os salmos nos ensinam continuamente a orar. VATICANO, Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 2587. 19 Uma estante de madeira onde se coloca o livro das leituras.
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deixar que as palavras que foram ouvidas fiquem ruminando no coração20 do
ouvinte. Este tempo dura cerca de cinco minutos. Como já dissemos, a palavra
coração é pronunciada muitas vezes. Por que a repetição contínua? Leloup afirma
que o coração é o centro do verdadeiro encontro com Deus na oração:
Seguir o Cristo é de início, abrir-lhe as portas de nosso coração: “Que é preciso fazer para ser salvo?”. Um ancião respondeu: Tem um coração e serás salvo. O coração, para a grande tradição monástica, como para a Bíblia, é, em primeiro lugar, o homem em suas raízes mais profundas, este lugar onde ele pode dizer sem mentira eu e sim, mas também tu. É lugar onde o homem se revela, separado; pode enfim habitar consigo mesmo, reconhecer o Senhor e rezar em verdade. Entra em teu coração e vê o que experimentas lá e que tu és a imagem de Deus.21
Os primeiros pais do monaquismo souberam encontrar Deus na prática do
silêncio. Isto parece ser um choque para nós que vivemos numa sociedade tão
barulhenta, que não gosta do silêncio. Porém, é necessário saber silenciar, pois ele
é salutar:
Nossos pais espirituais são grandes silenciosos. De outro modo, como poderíamos escutar, quando lhes contamos nossas misérias? O silêncio de nosso pai espiritual é o silêncio e o ouvido de Deus que nos escuta. Só o silêncio fala bem sobre Deus. O silêncio é uma condição para rezar bem, ele é também o fruto da oração. Quanto mais rezares, mais o silêncio se faz em ti.22
20 “Na fé dos povos, o coração destes tempos assumiu papel central. Designa o homem inteiro em contraste com a pessoa externa. O verdadeiro ser do homem está não no seu exterior, na beleza ou na força, mas no seu interior. “Deus vê não como o homem vê, porque o homem toma em consideração a aparência, mas Javé olha o coração” (1Sm 16, 7). Também no Novo Testamento, o coração designa o centro anímico-espiritual. Paulo escreve “em grande tribulação e com o coração angustiado” (2Cor 2,4). A fé não é coisa do pensamento e sentimento, mas só do coração (Rm 10, 10). Na Idade Média, o coração tornou-se cada vez mais símbolo do amor, tanto em sentido profano como religioso. Representações de Santo Agostinho mostram-no com coração flamejante, às vezes transpassado também com setes, como símbolo do seu fervoroso amor a Deus. O liturgista Durando (século XIII) chamou o coração de altar místico, onde os movimentos carnais são consumidos pelo fogo do Espírito Santo e as obras purificadas pelo amor são oferecidas como sacrifício”. Manfred LURKER, Dicionário de figuras e símbolos bíblicos, p.67, verbete: coração. 21 Jean Yves LELOUP, Palavra do Monte Atos, p. 8. 22 Ibid., p. 67.
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Terminado o tempo de silêncio, o Abade dá novamente um pequeno sinal e
as poucas luzes são acesas. Ao som do órgão, um dos cantores entoa o aleluia23
para dar início ao terceiro salmo. Um dos monges leitores vai pronunciar a segunda
leitura, que geralmente é um texto dos Padres da Igreja24. Ao terminar a leitura,
acontece o mesmo ritual: apagam-se as poucas luzes e o silêncio toma conta de
todos, para que as palavras ouvidas possam ser meditadas.25
Após este tempo, sobre o altar, somente a luz sobre dos ícones do Cristo e
da Virgem Maria ficam acesas. O ambiente permanece na penumbra silenciosa.
Finalizam a oração comunitária, rezando pelos irmãos ausentes. Há uma bênção e
todos saem para a lectio divina26. Os monges geralmente vão para suas celas;
alguns ficam na capelinha ao lado por alguns minutos; outros ainda ficam na grande
capela; os hóspedes geralmente voltam para a hospedaria, para dormir mais uma
hora ou mesmo para rezar. A oração das Vigílias é a mais longa do Ofício, com
duração de cinquenta minutos. Mas a impressão é que o tempo não passou e junto
com o salmista pode-se dizer: “Porque mil anos, diante de vós, são como o dia de
ontem que já passou, como uma só vigília da noite” (Sl 89,4). 23 “Cântico de alegria ou de ação de graças, que no judaísmo passou para a liturgia cristã e ficou ligado especialmente ao tempo da Páscoa. Trecho da missa que se segue ao gradual e antecede o Evangelho. Exclamação de alegria, de júbilo. Etimologia hebraica, indeclinável hall´lu-yah “louvai com júbilo o Senhor”. (Deus, hebraico, Adonai = Senhor, subentendido Iave, o chamado tetragrama inefável, as quatro letras sagradas que, por isso, não podiam ser ditas”). Antônio HOUAISS, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p.147, verbete: Aleluia. 24 “Os Padres são os santos teólogos da Antiguidade. Eles constituem toda uma galeria de grandes homens de fé, cuja palavra e cujos escritos geraram um pensamento cristão. Historicamente, o título de Padres foi dado no início simplesmente aos bispos; às vezes também aos ascetas, que nos desertos ofereciam uma palavra espiritual, geradora de vida, aos que os procuravam. Os “Padres” são caracterizados por quatro itens: 1) Ortodoxia doutrinária, 2) santidade de vida, 3) reconhecimento ao menos indireto, por parte da Igreja, 4) antiguidade”. Folch C. GOMES, Antologia dos Santos Padres, p. 9-10. 25 Aos domingos e solenidades, nas Vigílias, é acrescentado mais este ritual: o Evangelho está sobre o altar juntamente com uma linda estola e após a segunda leitura o acólito leva-o ao Abade para proclamar; ao terminar ele canta: “Te Decet Laus, te decet hymnus, tibi glória Deo Patri et Filio, cum Sancto Spiritu, in saecula saeculorum”. Enquanto isso, o acólito leva novamente o Livro sobre o altar e deixa-o aberto. Ao terminar, toda a comunidade canta o Te Deum e, assim, terminam as Vigílias. 26 “Lectio é uma leitura, mas não como tantas outras. Ela tem como objeto a Palavra de Deus contida na Bíblia. Divina por várias razões, mas especialmente porque é feita com Deus, a dois, em estreita colaboração com Ele. O método: a lectio exige um método próprio. A leitura do texto bíblico deve ser integrada com estudos e pesquisas, e sempre acompanhada por meditação, atualização pessoal, oração. Com retorno final sobre o agir do cristão, sobre sua vida de cada dia. Uma vida, portanto, que se expande no interior do projeto de salvação de Deus. Os objetivos: a Lectio divina torna-se também em relação a eles. “Com efeito, com ela não nos aproximamos da Escritura por desejo de erudição, ou por uma exegese técnica..., mas com uma finalidade existencial ou vital, ou seja, para alimentar a fé, para favorecer o aprofundamento da adesão pessoal a Deus, e ao seu Filho. Portanto, a atitude interior não é caracterizada pelo interesse científico, pela curiosidade, mas pela sede do coração”. Enzo BIANCO, Lectio Divina. Encontrar Deus na sua Palavra, p. 31-32.
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A Lectio Divina é uma prática diária, que todo bom monge realiza. É a forma
de oração que os antigos monges já praticavam. O exercício diário da Lectio Divina
ajuda a todos os que queiram alimentar-se das palavras divinas e ter uma vida
espiritual de melhor qualidade:
Lectio Divina é o nome dado à leitura orante da Sagrada Escritura. Uma de suas características principais é a gratuidade com que é feita. Não se busca na Lectio adquirir informações práticas, mas simplesmente escutar o que Deus diz por meio do texto sagrado. Essa forma de oração cristã ligada à Sagrada Escritura, cujas raízes encontram-se no judaísmo, pertence ao patrimônio da espiritualidade cristã e das origens e foi assumida de modo especial na tradição monástica.
Fator fundamental na prática da Lectio é a invocação do Espírito Santo: a Lectio é “ler a Deus”, é estar diante da Palavra de Deus que é viva pelo Espírito Santo por meio do qual essa mesma Palavra foi escrita. O mesmo Espírito que moveu, inspirou e acompanhou o autor na consignação por escrito do texto, acompanha aquele que faz a Lectio Divina, dando lhe a luz necessária para penetrar o sentido do texto.
A Lectio é constituída de alguns elementos ou momentos que se entrelaçam formando uma unidade, como os fios que constituem uma corda. Esses elementos são: leitura, oração, meditação e contemplação. Desse contato íntimo, que envolve o homem todo, em seu afeto, intelecto e vontade, brota o compromisso de acolher e realizar a vontade que Deus manifesta nesse encontro.27
Desde às 4h20 da manhã, o monge está disposto e vigilante orando diante de
Deus. Só por isso estes monges já deveriam ser mais valorizados, amados e
respeitados. Eles prestam um relevante serviço para toda a humanidade e a maioria
das pessoas nem sabe que eles existem. Entre a primeira oração e a segunda, os
monges também tomam o café, algo muito rápido e frugal: café com ou sem leite e
pão. O próximo item apresentará a segunda oração, onde toda a comunidade
monástica reúne-se para rezar as Laudes.
4.2 - Laudes28 com e sem missa: das 6h15 às 7h20
Durante a semana, as Laudes são rezadas junto com a missa, pela manhã,
ao nascer dos primeiros raios do sol. A escolha das horas para se rezar não se dá 27 www.abadiadaressurreicao@org. Acesso em: 05 abril 2009. 28 De terça-feira a sábado as Laudes são rezadas com a Missa.
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aleatoriamente, mas em todas elas há uma motivação espiritual significativa que
vem dos primórdios dos tempos:
As Laudes são o louvor que os judeus praticavam no momento do nascer do sol. Os cristãos se lembram, então, do nascer do sol da Ressurreição, que para eles resplandece das profundezas do sepulcro. Nas Laudes, eles louvam o mistério da Ressurreição de Jesus Cristo, pela qual sua vida ficou clara e curada. A beleza do sol nascente torna-se o símbolo da Ressurreição de Jesus, na qual toda a nossa escuridão foi vencida. Ao alvorecer, o coração humano se abre para louvar a Deus, pois não está preso nos sonhos noturnos ou nos sentimentos depressivos da noite. Sente antes aquilo que o salmista canta: “Se de tarde sobrevém o pranto, de manhã vem a alegria” (Sl 29,6). Com o Salmo (91) Rezamos: “É bom louvar o Senhor e cantar a teu nome, ó Altíssimo, anunciar de manhã o teu amor e tua fidelidade durante a noite”. 29
No Mosteiro da Ressurreição, às 6h00 da manhã, o sino ressoa novamente.
Este horário é significativo para os católicos praticantes da religião e com maior
intensidade para os monges30. Às 6h10, novamente, ouve-se o badalar do sino,
avisando a todos que a segunda oração está prestes a começar. Todas as lâmpadas
da capela estão acesas e as velas do lado do altar tornam o ambiente bem
iluminado. Tudo é preparado com esmero, atenção e sem correria, dando a
impressão que todos vivem dentro de um ritual permanente. Ao lado das janelas da
29 Anselm GRUN, No Ritmo dos Monges, p. 27-28. 30 “O Capítulo provincial de Pádua, em 1305, decretou para a província de Veneza “que se tocasse o sino, ao entardecer, em todos os conventos, por três vezes, lentamente, em honra da Virgem gloriosa e que então todos os Irmãos se ajoelhassem e dissessem três Aves Maria. Os cartuxos, os beneditinos e os cistercienses, antes deste costume, já tinham a prática das “três orações” recitadas três vezes por dia: antes do Ofício da noite, antes de Prima ou de Terça, depois do Ofício de Completas, tratava-se de salmos, responsos e orações propriamente ditas. Nessa hora, ao entardecer, era o Abade quem devia tocar o sino. O desenvolvimento da devoção mariana no século XIII trouxe para o primeiro plano o costume das três Aves Maria e os três toques de sino, três vezes ao dia, para assinalar a tripla saudação angélica. É possível que o repicar dos sinos, tal como é praticado no final dos tríplices toques, tenha sua origem no uso muito antigo do toque de recolher nas cidades. Entretanto, no século XIV, à recitação das Aves Maria une-se três versículos com os respectivos responsos, são ditos pela manhã, ao meio-dia e ao entardecer. Como dizem respeito à Encarnação, esta toma a dianteira em relação à Paixão e à Ressurreição, as quais só vão aparecer na oração final. O próprio apelativo Angelus suplanta o antigo nome de Aves Maria ao longo do século XIV. São Pedro Canisio, que está sepultado em Friburgo, Suíça, onde morreu, fez muito por esta extensão do Angelus tal como conhecemos, pela difusão de seu Manuale cathollicorum”. (Manual dos Católicos- Anvers, 1588). Robert Dom LE GALL, O Angelus: A anunciação três vezes por dia, Revista Beneditina, p. 21-23. Dom Robert LE GALL, OSB, arcebispo de Toulouse, França, foi anteriormente abade da abadia Beneditina de Sant`Ana de Kergonan, depois Bispo de Mende, França.
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capela, há algumas jabuticabeiras e os pássaros cantam o tempo todo, como se
fosse uma sinfonia musical, sobretudo quando é tempo da primavera.
Dez minutos antes de cada oração, os monges se encontram num lugar
chamado Statio, que consiste num corredor com pouca luz em suas paredes e piso
escuro. Todos os monges estão no mais profundo silêncio em seus corpos,
parecendo imóveis. Este local é a extensão da sacristia e da sala capitular, dando
direto na capela. Podem-se observar alguns pequenos detalhes neste lugar como os
quadros pintados pelos próprios monges artistas. Lembro-me de três quadros na
parede central, das santas monjas Escolástica, Hildegarden e Gertrudes e, na frente,
um balcão com um vaso de flores. Na outra parede, um pequenino mural com o
nome e as funções litúrgicas que cada monge vai exercer durante a celebração.
Ainda, na outra parede, um ícone do batismo de Cristo. Perto da porta da capela, há
uma frase esculpida na madeira: si cor non orat invanum língua laborat. Nesta frase
parece estar contida uma verdade essencial a respeito da oração:
A verdadeira oração não sai apenas dos lábios, mas do “coração”, isto é, de todo o ser. É o grito de profundis, “das profundezas”. Pois existe uma correspondência entre as profundezas do coração e as alturas do céu, que não deve ser entendida em sentido físico, mas no sentido de ir além pelo centro. Foi assim que Pascal recorreu a Deus escondido quando as descobertas de Copérnico e Galileu mostraram o vazio dos “espaços infinitos”. Por oração, não entendo a que está apenas nos lábios, mas a que brota do fundo do coração. De fato, assim como as árvores de raízes profundas não são quebradas nem arrancadas pelas tempestades, as orações que vêm do fundo do coração, assim enraizadas, sobem ao céu com toda confiança e não são desviadas pelo assédio de nenhum pensamento. Por isso, o salmo diz: “Das profundezas clamei a ti, Senhor” (Sl 129, 1). 31
Estar na Statio minutos antes das celebrações é um ato litúrgico. Os monges
ficam no mais profundo silêncio e vão formando duas filas. Um deles disse-me que é
o momento do esvaziamento do coração e de grande intensidade espiritual, quando
é possível fazer memória de acontecimentos e de pessoas. É um momento de
preparação imediata à oração comunitária:
31 Olivier CLÉMENT, Fontes - os místicos cristãos dos primeiros séculos, p. 168.
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Portanto, a primeira disposição que nos é exigida é a preparação da nossa alma por uma oração fervorosa: instantíssima oratione. É para esse fim que nos reunimos na “estação”, no claustro, antes de entrar na Igreja. O silêncio da estação deve ser inviolável. É preciso que cada um respeite o recolhimento dos irmãos, não perturbando, mesmo com palavras necessárias, mas que poderão ser ditas noutro momento, o trabalho de uma alma que se prepara para se unir a Deus. Os minutos passados na estação são minutos de ouro. A experiência prova que o fervor durante o ofício divino se mede exactamente pela preparação imediata. Pode-se dizer mesmo que, se não nos prepararmos bem, sairemos da “obra de Deus como entramos”, e, além disso, com a culpa da nossa negligência.32
Após todo este ritual de preparação, a porta central da capela é aberta aos
poucos, como se fosse a coisa mais importante daquele momento. Abrir uma porta!
Como é que um místico abre uma porta! Para nós que corremos o tempo todo, este
pequenino gesto impressiona. Geralmente, é aberta por um postulante ou um
noviço, que abre um pouquinho e a deixa assim por alguns minutos. Somente no
momento em que o Abade faz um sinal, bate palmas, a porta é aberta totalmente.
Todos os sinos tocam alegre e solenemente, e assim que param, o organista
começa a tocar alguma música. Pontualmente às 6h15, os monges começam a
procissão de entrada, fazendo o sinal da cruz com água benta, que está ao lado
direito da porta. Aquele monge que se encontra a direita molha os dedos na água e
estende a mão ao companheiro. Neste gesto, eles simbolizam a Tradição que vem
passando de geração em geração.
Atravessando a porta central, os monges entram de dois em dois, a partir dos
mais novos do mosteiro. Seus rostos estão serenos e suas bocas cantando. Entram
com os olhos fitos na partitura ou abaixados, salvos quando um ou outro dá uma
olhadinha muito rapidamente para as pessoas e, às vezes, um sorriso muito
discreto. Com devoção e com piedade fazem uma inclinação diante do altar, que
está no centro da capela e outra inclinação para seu irmão que entrou junto na fila.
Assim, cada um segue para seu lugar no coro. No final da fila estão os monges-
padres do mosteiro; todos estão paramentados, fazem a inclinação, beijam o altar e
seguem para seus lugares.
A celebração tem início com o sinal da cruz, algumas palavras de acolhimento
e uma breve explicação das leituras bíblicas do dia. O pedido de perdão é cantado 32 Columba MARMION, Jesus Cristo ideal do monge, p. 469.
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através do Kyrie eleison e o presidente da celebração reza a oração da coleta.
Todos sentam e começa a recitação dos salmos e dos hinos próprios para esta hora.
Cada monge está com o saltério em suas mãos. Ao final de cada salmo ou hino,
existem alguns minutos de silêncio para que se refleta sobre o que foi rezado.
Terminada a recitação dos dois salmos e do hino, faz-se um silêncio mais
prolongado, com a finalidade de preparar o coração para escutar a Leitura da missa.
Um dos monges levanta-se do seu lugar e segue caminhando quase sempre
compenetrado, de maneira solene, para o local, onde se encontra o Ambão e o livro
com as leituras. Pausadamente, sem pressa, com voz clara, é proclamada a leitura.
Todos estão muito atentos, alguns estão até com os olhos fechados e inclinados,
outros olham bem para o leitor. Nas palavras de Merton, as leituras são importantes,
pois:
A contemplação ativa é alimentada pela leitura e pela meditação e, como veremos, pela vida litúrgica e sacramental da Igreja. Mas antes que a leitura, a meditação e o culto se tornem contemplação, devem convergir numa visão unificada e intuitiva da realidade. Na leitura, por exemplo, passamos de um pensamento a outro, seguimos o desenvolvimento das idéias do autor e, se lemos bem, contribuímos com idéias nossas. A leitura se torna contemplativa quando, em vez de raciocinarmos, abandonamos a sequência dos pensamentos (meditação), mas simplesmente para nos elevarmos acima do pensamento e penetrar no mistério da verdade experimentada intuitivamente como presente e atual. Meditamos com a nossa mente que parte de nosso ser. Mas contemplamos com todo o nosso ser e não apenas com uma de suas partes.33
Terminada a leitura, o leitor e o salmista fazem juntos a inclinação para o
altar. O salmista canta ou recita o salmo e toda a assembléia repete o refrão. Em
seguida, todos ficam de pé e cantam o aleluia, aclamando o Evangelho, e um dos
padres segue caminhando, juntamente com o cerimonial, até o Ambão. Todos os
presentes na capela se voltam para aquele que vai ler o Evangelho. Em questão de
segundos, é possível olhar para o rosto dos monges e perceber quanto os olhos
falam: uns estão brilhantes, outros mais introvertidos, outros ainda muito
expressivos. Ao terminar a leitura do Evangelho, todos se voltam para a posição
inicial.
33 Thomas MERTON, Espiritualidade, contemplação e paz, p. 70-71.
129
O celebrante tem um livro em suas mãos, no qual estão algumas preces. Ele
reza em voz alta e, após um momento de silêncio, espontaneamente vai surgindo
mais orações. Algumas são pedidos locais, outras universais, com os mais variados
pedidos e agradecimentos. Ouvi uma prece que dizia: “Pelas irmãs que trabalham
na China, ajudando as crianças e as pessoas, para que não se cansem”34. Outra
ainda: “Por todos os participantes desta Eucaristia, por aqueles que nos fazem o
bem, rezemos ao Senhor”35. O celebrante termina com uma oração específica.
Todos os presentes sentam e apenas um dos padres e dois acólitos vão
preparar as oferendas de pão e vinho. É chegado o momento do ofertório. Ao lado
existe uma mesinha, chamada credencia, onde se encontram os cálices, as alfaias,
a água, o pão e o vinho. Eles colocam tudo sobre o altar numa ordem impecável. Dá
gosto de ficar olhando cada gesto realizado. O padre “acólito” apresenta ao
presidente da celebração o pão e o vinho, enquanto a comunidade monástica canta
algo apropriado para o momento. Tudo é feito num clima de solenidade e dentro de
um rito e de um ritmo, que expressam uma beleza ímpar. Um dia perguntei para um
hóspede o que ele viu na celebração. Não conseguia falar, apenas chorava, pois
estava feliz e em paz.
Segue-se a missa, conforme o missal romano, na obediência fiel às rubricas e
às normas. Os padres presentes na celebração ficam em volta do altar formando um
grande abraço. Algumas partes da missa são cantadas em latim, como Glória,
Credo, Santo e Cordeiro de Deus. Geralmente, há o abraço da paz, seguido pela
oração do Pai Nosso.
Durante a Comunhão, a comunidade dos monges forma duas filas do lado do
coro e recebe a comunhão sob as duas espécies. Hóspedes e visitantes também
recebem a comunhão sob as duas espécies, sobretudo durante a semana, quando
há menos gente que no domingo. Tudo acontece em clima de silêncio e de oração.
Algumas vezes cantam algum salmo ou alguma antífona ou apenas se ouve uma
música instrumental, seja do órgão, do violão, da flauta ou da cítara.
Ao terminar a comunhão, cada um volta-se para seu lugar inicial e os acólitos
vão limpar e tirar os objetos sagrados do altar e colocá-los de volta na credência.
34 Anotação em caderno de pesquisa da autora, Missa do dia 26/12/2009, Ponta Grossa. 35 Anotação em caderno de pesquisa da autora, Missa do dia 26/12/2009, Ponta Grossa.
130
Eles fazem com muita devoção este mínimo gesto, deixando apenas a toalha sobre
o altar. Terminado todo o cerimonial, as pessoas ficam em pé e entoa-se o cântico
evangélico, chamado o Benedictus. Em seguida, todos se inclinam para receber a
bênção final.
O mesmo monge que abriu a porta no início da celebração sai um pouquinho
antes, para abri-la novamente. A procissão de saída é formada solenemente e, na
mesma ordem inicial, faz-se a inclinação, agora somente para o altar. O celebrante
presidente da missa beija o altar e todos atravessam a porta central que dá acesso à Stacio, sempre em silêncio.
Alguns dos monges, sobretudo os candidatos, entram por uma porta
secundária, levam os objetos para a sacristia, apagam as luzes e as velas. Alguns
voltam para pegar seus livros de orações. Muito rapidamente, alguns poucos
monges aparecem para cumprimentar as pessoas presentes, mas logo se recolhem
para a clausura. Essa função litúrgica termina mais ou menos às 7h25 e cada um
dos monges e dos hóspedes seguem seus trabalhos e seus estudos até a próxima
oração.
As Laudes sem a missa acontecem aos domingos ou nas solenidades,
porque, nestes dias festivos, a missa é celebrada solenemente às 10h00. Existem
algumas pequenas diferenças, ora acrescentadas, ora tiradas desta oração. As
Laudes têm início às 6h15 da manhã e duram mais ou menos até às 7h00. A
introdução inicial é feita com estas palavras:
Ó Deus, eu vos busco desde a aurora! A minh’alma tem sede de vós. Minha carne também vos deseja como terra sedenta e sem água. Demos glória a Deus Pai Onipotente, e a seu Filho, Jesus, Nosso Senhor, e ao Espírito que habita em nosso peito, pelos séculos dos séculos. Amém.36
As preces são feitas do ambão, onde um monge as pronuncia sob um suave
fundo musical, vindo do órgão. Um acréscimo nesta oração é a bênção especial
dada pelo Abade aos monges que, durante a semana, servirão à comunidade no
refeitório e na liturgia. São chamados de semanários. São mais ou menos sete
36 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 1.
131
monges, que se apresentam na frente do altar diante de toda a comunidade e dizem
a seguinte oração: “Bendito sejais, ó Deus, que me ajudastes e me consolastes”37. E
o Abade reza:
Oremos: Ó Deus, Senhor e guarda da vinha e da colheita, que reparti as tarefas e dais a justa recompensa, recompensai estes nossos irmãos que nos serviram, conforme o preceito do amor fraterno deixado por vosso Filho aos homens de boa vontade. Ele que convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo.38
Em seguida, os monges voltam para os seus lugares e se apresentam aos
outros que vão servir durante a semana. Todos juntos dizem: “Vinde, ó Deus, em
meu auxilio, sem demora. Apressai-vos, ó Senhor, em socorrer-me!”39. Somente um
monge reza em voz alta: “Abri meus lábios, ó Senhor, e minha boca anunciará vosso
louvor!”40. Depois, o Abade pronuncia a oração:
Oremos. Deus de bondade e de clemência, que em todos os lugares protegeis e auxiliais os vossos servos, vos pedimos: cumulai de bens a dedicação destes nossos irmãos e aumentai-lhes o zelo para que sirvam com o coração puro seus irmãos. Por Cristo Nosso Senhor. 41
Aos domingos, após as Laudes, os hóspedes e os visitantes são convidados
a entrarem na Stacio, juntamente com toda a comunidade monástica para o rito da
bênção da água do batismo. O Abade faz uma oração sobre a água e depois, com
um raminho verde, asperge cada pessoa.
Enfim, aos domingos e nas solenidades, algumas partes da missa são
cantadas em latim, como, por exemplo: Kyrie, Glória, Credo, Santo, Cordeiro,
sempre acompanhadas pelo órgão, e outras vezes por flautas, por violão ou por
cítara. A missa segue seu curso normal como nos dias da semana, conforme já
descrevemos neste trabalho. Durante a celebração da missa sempre há muito
37 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, folha de rosto. 38 Ibid., folha de rosto. 39 Ibid., folha de rosto. 40 Ibid., folha de rosto. 41 Ibid., folha de rosto.
132
incenso42, de vez enquanto convidam algum leigo para proclamar as leituras da
missa. As homilias são bem preparadas e não ultrapassam vinte minutos. Muitas
pessoas vêm de longe somente para escutar uma boa homilia. Em tempos de
carência homilética, é um prazer escutar palavras precisas sobre o Evangelho.
Na oração do Pai-Nosso, os monges levantam os braços bem para o alto,
numa atitude de abandono. No momento do abraço da paz, é possível sentir uma
alegria contagiante entre todos. Alguns dos monges-sacerdotes cumprimentam as
pessoas que participam da missa, dando o abraço da paz. Tudo é feito com muita
tranqüilidade e quando acontece algum imprevisto, procura-se manter a calma. Uma
vez, durante a missa, vi que a naveta de incenso caiu com todo o incenso no chão.
Todos continuaram como se nada estivesse acontecido.
Ao terminar a missa dominical, todos os monges saem da mesma forma que
entraram: em procissão solene em silêncio e ao som do órgão. As pessoas também
saem da capela e vão para o bosque do mosteiro e ficam esperando alguns dos
monges, que vêm para cumprimentá-los. Esta conversa pode durar até trinta
minutos. Ao bater do próximo sino, todos os monges vão para a capela rezar a
oração de sexta e a maioria das pessoas que estava na missa, vão embora. A
manhã de domingo, no Mosteiro da Ressurreição, segue sempre este ritmo.
4.3 - Tércia: das 9h00 às 9h15 É o terceiro momento de oração do dia e todos os monges já estão em seus
trabalhos cotidianos. Ao soar do sino, às 8h50, os monges deixam seus trabalhos43
para rezar os salmos na capela. O sol ilumina quase todo o bosque e alguns de seus
raios entram pela janela da capela, exceto quando chove ou faz frio. Em todos os
momentos da oração, há uma motivação espiritual e não é por acaso que foi
escolhida esta hora. Nesta oração, querem lembrar a descida do Espírito Santo
sobre os Apóstolos, “chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no
mesmo lugar. De repente veio do céu um ruído, como que soprasse um vento
impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados”( At 2,1-2). 42 Incenso que eles mesmos produzem e quando o altar é incensado, seu cheiro suave, parece que penetra todos os cantos, fazendo uma cortina de fumaça. 43 Manuais ou intelectuais. Está dispensado àquele monge que sai para o estudo fora do mosteiro ou aquele que necessitou fazer alguma outra coisa muito urgente.
133
Os monges vão chegando espontaneamente, entrando pela porta secundária.
Estão vestidos com suas roupas de trabalho, que consiste em calça jeans e uma
jaqueta preta. Alguns estão com tênis, sapatos, chinelos ou mesmo com suas botas
de trabalho. Pontualmente, às 9h00, o Abade, ou, na sua ausência, o Prior, faz o
sinal para iniciar a oração, sinal que é dado por um toque muito discreto com o
martelinho de madeira. Todos se voltam para o altar e com as mãos postas uma
sobre a outra, um pouco abaixo do queixo, fazem o sinal da cruz, cantando: “Ò
Deus, vinde em meu auxílio! Senhor, socorrei-me sem demora. Glória ao Pai e ao
Filho e ao Espírito Santo. Como era no princípio, agora e sempre. Amém”44.
Em seguida, um dos monges cantores, em pé, entoa um hino referente à hora
e ao dia. Os salmos sempre são cantados em gregoriano e em português,
acompanhado por algum instrumento. Um dos salmos que eles rezam é o longo 118,
que dividem em pequenos trechos, como, por exemplo: “de coração quero apegar-
me à vossa lei, ó Senhor, não me deixeis desiludido! De vossos mandamentos corro
a estrada, porque vós me dilatais o coração” (Sl 118, 31-32). Após o salmo, há um
pequeno silêncio e todos estão atentos à leitura que é proclamada do ambão.
Novamente, ao toque do martelinho do Abade, todos se levantam e cantam o Kyrie
eleison. Rezam o Pai-Nosso sempre com a cabeça bem inclinada, gesto que faz
memória aos mártires dos primeiros séculos.
Após o Pai Nosso, há uma significativa oração pelos monges ausentes, que é
rezada em todas as celebrações das horas: “O auxílio divino esteja sempre conosco
e com nossos irmãos ausentes”45. Terminada a oração, todos se retiram da capela
pela mesma porta que entraram, começando pelo Abade, que é seguido pelos mais
velhos de vida monástica, sempre em silêncio. Nas palavras do Abade Dom
Bernardo Bonowitz, as chamadas horas menores, Tércia, Sexta e Noa, são
importantes, mesmo que o tempo seja muito curto em relação às demais horas:
As Horas Menores do Ofício Divino - Tércia, Sexta e Noa, celebradas mais ou menos às 9 horas da manhã, ao meio dia e as 3 horas da tarde, interrompem
44 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Introdução ao Oficio Divino desta hora, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 5. 45 Esta oração é mencionada como Auxílio Divino em várias páginas do livro das Completas do Mosteiro da Ressurreição. Este livro é de uso privado e a oração não se encontra escrita, apenas é dita oralmente.
134
um pouquinho nossa atividade, mas não a ponto de comprometê-la ou de declará-la sem importância. Ao contrário, esses momentos mais breves do Oficio Divino asseguram-nos que é o Espírito de Deus quem nos dá a vontade, a capacidade e a energia para empreender nossos trabalhos (Tércia). Os salmos das horas menores são, na maioria das vezes, porções do mais longo dos salmos de todo o saltério, o 118. Este fala em muitas diferentes maneiras poéticas do desejo do cristão de encarnar a santa vontade de Deus no seu dia a dia. Eu imagino que esse fosse um dos salmos prediletos de Jesus, que desejava em tudo “fazer a vontade d’Aquele que o enviou”. E, então, trata-se de um salmo perfeito para essa parte do dia quando, além de se ter a oportunidade de “deixar nossa marca”, também nos é dada a possibilidade de agir e interagir de tal modo que o nome de Deus é santificado.46
Finalizando, assim, o terceiro momento de oração comunitária da jornada
monacal. Parece ser importante ressaltar que nem todas as comunidades
monásticas costumam rezar esta oração neste horário. Algumas comunidades
chegam até a suprimi-la ou a rezá-la noutro horário. Após esta oração, todos voltam
para seus afazeres. Enfim, cada um no seu trabalho e sempre em silêncio. A
próxima oração será rezada ao meio dia, chamada Sexta, que veremos a seguir.
4.4 - Sexta: das 12h00 às 12h20 Como de costume, dez minutos antes da oração, isto é, 11h50, o sino bate
novamente para lembrar aos monges e aos hóspedes que a hora da oração está
próxima. A razão deste momento de oração é fazer memória à paixão e à morte de
Jesus Cristo: “Desde a hora sexta até à nona, cobriu-se toda a terra de trevas” (Mt
27,45). Os monges vão chegando espontaneamente à capela, com suas roupas de
trabalho, algumas já gastas pelo tempo. Será que eles não se cansam desta vida
pautada pelo trabalho e pela oração? Para quem olha de fora parece ser repetitivo,
dia após dia, as mesmas ações, as mesmas palavras e os mesmos gestos. Eles
afirmam que, a cada instante, algo novo acontece, embora o ato formal seja sempre
o mesmo. Passam a vida inteira rezando os Salmos e sempre encontram uma
novidade em suas palavras, pois há uma dinâmica espiritual:
46 Bernardo BONOWITZ, O Ofício Divino, O mensageiro de Santo Antonio, p. 3-5.
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É Deus quem, no momento de maior intensidade da luz – meio-dia – e também de maior intensidade do nosso trabalho, nos chama para um momento de repouso espiritual e de calma interior e nos convida a renovar nossas forças corporais com a comida e a bebida da qual necessitamos.47
Às doze horas, ao toque discreto do martelinho, o Abade dá o sinal para
iniciar a oração. Todos se voltam para o altar e com mãos postas uma sobre a outra
iniciam a oração sempre fazendo o sinal da cruz. Segue a oração com os hinos e
com os salmos próprios para este momento do dia. Para exemplificar, um dos
salmos que se rezam nesta hora é:
A voz de Iahweh retorce os carvalhos, descansando as florestas. E no seu Templo tudo grita: Glória! Iahweh está sentado sobre o dilúvio, Iahweh sentou-se como rei para sempre. Iahweh dá força ao seu povo, e abençoa seu povo com paz”(Sl 28, 9-11).
Um dos monges leitores proclama a leitura da Escritura, fazem-se uns
minutos de silêncio e, novamente ao sinal do Abade, todos se levantam e cantam o
Kyrie eleison. Rezam o Pai-Nosso com as cabeças inclinadas e a oração pelos
irmãos ausentes. O esquema para as horas de oração sempre é o mesmo, podendo
sofrer alguma pequena variação. O diferencial neste momento da oração é que,
ao final da oração, todos se voltam para o ícone da Virgem Maria, um pequeno
quadro que se encontra nos fundos da capela. O Abade faz uma saudação mariana,
de acordo com o tempo litúrgico. Por exemplo: “O anjo do Senhor anunciou a Maria.
E ele concebeu do Espírito Santo. Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim
segundo a tua vontade. Ave Maria...”(Lc 1,26-38). Depois, os monges retiram-se
pela porta secundária e vão para o refeitório almoçar sempre em silêncio. Os
visitantes dirigem-se à casa de hóspedes. O tempo desta oração é de vinte minutos.
4.5 - Noa: das 14h30 às 14h45 É a quinta vez que a comunidade reúne-se para cantar os salmos. O sino toca
às 14h20 e os monges vão chegando um após o outro, ainda trajando suas roupas
47 Bernardo BONOWITZ, O Oficio Divino, O mensageiro de Santo Antonio, p. 5.
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de trabalho. Do almoço até este momento, eles tiveram um tempo para o descanso,
cerca de uma hora, pois acordam muito cedo. “É Deus quem retorna conosco ao
trabalho à tarde, mas em um passo menos frenético, à medida que nós e o mundo
começamos a desacelerar e almejar pelo descanso”48. O significado desta hora é
fazer memória à morte de Jesus Cristo, pois “próximo da hora nona, Jesus exclamou
em voz forte: Eli, Eli, lamma sabactrani?”(Mt 27,46). Exatamente às 14h30, o Abade
dá o sinal para começar a oração. Todos se levantam, olham para o altar com as
mãos postas uma sobre a outra, fazem o sinal da cruz e começam a oração. Rezam
os salmos, sempre cantando e acompanhados por algum instrumento musical. A
oração consiste em um hino próprio do dia e da hora, como, por exemplo:
Senhor Ressuscitado, que a morte aniquilaste, na Cruz, Pascal Cordeiro, por nós foste imolado. Ao declinar da tarde nós, membros de teu corpo, louvando esperamos, na glória, o teu retorno. À hora Nona demos, a Ti, Trindade Santa, louvor eternamente, que em Cristo nos salvaste. 49
Como foi mencionado acima, rezar nesta hora do dia é fazer memória à morte
de Jesus Cristo, portanto os salmos são quase todos parecidos com este: “palpita-
me no peito o coração, invade-me um pavor de morte. Apoderam-se de mim o terror
e o medo, e o medo já me assalta” (Sl 54,5-6). Há a leitura da Bíblia, seguida por
alguns minutos de silêncio para assimilar a palavra ouvida. E, ao sinal do Abade,
todos se levantam para cantar o Kyrie eleison, o Pai-Nosso e a oração, auxÍlio divino
pelos irmãos ausentes. Terminada a oração, vão saindo da capela pela porta
secundária e, ao passarem em frente do altar, fazem uma inclinação. A duração
desta oração é de aproximadamente uns quinze minutos.
Segundo Nowell, rezar os salmos é ter a possibilidade de fazer uma
experiência litúrgica pessoal, na qual se pode encontrar Deus, que torna a pessoa
plenamente realizada e feliz.
48 Bernardo BONOWITZ, O Oficio Divino, O mensageiro de Santo Antonio, p. 5. 49 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hino para o oficio de Noa dos domingos, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 4.
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Mas a consequência final de rezar os salmos diariamente é a primeira promessa do Saltério: ‘Felizes serão vocês!’. A primeira palavra do saltério é “ashrê” – “Feliz”. O Saltério começa com a promessa de que se rezarmos os salmos dia e noite seremos felizes. Todas as outras qualidades que discutimos serão secundárias e é a esta primeira promessa do Saltério: Rezando, os salmos diariamente farão de nós pessoas felizes! 50
4.6 - Vésperas: Das 17h30 às 18h00 Vésperas é a sexta oração do dia que a comunidade do Mosteiro da
Ressurreição reúne-se para rezar. Momento de louvar e de agradecer ao Senhor da
Vida por tantas realidades vividas durante o dia. Momento de fazer memória às
pessoas e às situações, apresentando-as a Deus por meio de Jesus Cristo.
Segundo Grün:
A denominação “hora da tardinha” vem de vésper, “estrela da tarde”, que é o planeta Vênus, é a estrela dos namorados, que anuncia descanso e paz aos cansados. Vésperas e laudes são as horas de oração mais antigas. Em todos os povos, existe o costume de louvar a Deus de manhã cedinho e à noite. Quando o sol se põe, a Igreja comemora a morte de Jesus, que desceu em nossa escuridão para transformá-la. Por isso, à noite, pedimos que Cristo continue a brilhar como o sol em nosso coração, enquanto o sol terrestre se põe.51
Dia após dia, no Mosteiro da Ressurreição, o sino bate às 17h00 horas, meia
hora antes da oração, para o encerramento dos trabalhos. Assim, os monges podem
tomar banho, trocar a roupa de trabalho e colocar o hábito preto ou a cogula. A vida
monástica é marcada pelo ritmo e pela tradição. Fazer as mesmas coisas todos os
dias, aparentemente, pode parecer uma rotina, mas, na verdade, sempre há uma
novidade. No Mosteiro não há espaço e nem tempo para a rotina. Segundo o monge
Dom Bento:
Não há tempo para monotonia no mosteiro. O belo de tudo isto é que a oração e Deus na oração é super dinâmico. Essa dinamicidade não deixa ficar monótono nada, porque a cada dia, mesmo repetindo a cada duas semanas os mesmos salmos, hinos e orações, o diferencial é que Deus
50 Ir. Irene NOWEL, Terceiro Simpósio Internacional Beneditino Feminino – Conferências, 5 a 12 de setembro de 1998, p. 6. (Mimeo) 51 Anselm GRUN, No ritmo dos monges, p. 34-35.
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continua agindo dentro de nós. Então, o salmo rezado há quinze dias era diferente, devido ao momento histórico vivido na vida e no mosteiro. Tudo era diferente e naquele momento Deus falou de uma maneira. E, no hoje, Deus fala de maneira diferente. Por isso, não é monótono. 52
Às 17h20 novamente toca o sino. Esse tempo funciona como uma preparação
imediata e espontaneamente os monges vão caminhando em direção a Statio.
Formam duas filas para a entrada solene na capela e o silêncio é total. Todos estão
muito concentrados. Um dos monges acende as velas que estão perto do altar e
todas as luzes da capela. O organista, os monges cantores e todos os que exercem
alguma função litúrgica, nesta hora, vão até seus lugares, pegam os livros e
verificam se tudo está em ordem. Um dos monges escreve sobre um pequeno
quadro os números dos salmos e o hino que vão cantar, assim os hóspedes e os
visitantes podem acompanhar juntamente as orações com a comunidade orante.
Às 17h30, dois sinos batem juntos e alegremente. O órgão começa a tocar e
a porta principal, que dá acesso à capela, é aberta solenemente. Começa a
procissão pelo Abade, que está sozinho na fila. Ele caminha à frente de sua
comunidade como o pastor, que conduz suas ovelhas. Os monges entram sempre
de dois em dois. Estão compenetrados, como se estivessem na presença de algo
grandioso. Geralmente entram na capela cantando, cada um faz a inclinação na
frente do altar e outra para o irmão ao lado. Perguntei ao Abade Dom André, qual o
significado deste gesto tão freqüente? Respondeu-me que com este sinal eles fazem
uma reverência à presença de Cristo no meio deles e também à presença de Cristo
no irmão.
Iniciam a oração com a mão posta uma sobre a outra, um pouco abaixo do
queixo, todos voltados para o altar, cantando: “Senhor, eu clamo por vós, socorrei-
me; quando eu grito, escutai minha voz. Minha oração suba até vós como incenso e
minhas mãos como oferta da tarde”53. Aos sábados, dias de festa e de solenidade,
colocam sobre o altar um recipiente de bronze, onde se coloca o incenso. O perfume
do incenso espalha-se por toda a capela. Nas palavras de Chittister, podemos
compreender melhor o significado do uso do incenso nas celebrações:
52 Dom BENTO de Souza, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 3, Ponta Grossa, 25/11/2009. 53 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 3.
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Nas primeiras Vésperas dos domingos e das grandes festas, a capela de nosso mosteiro se enche com incenso enquanto a comunidade reza. O incenso envolve a acolita que o leva cerimoniosamente pela nave quando começam as Vésperas. Eleva-se do turíbulo que fica aos pés do altar durante a recitação dos salmos. Flutua ao redor das velas durante a leitura das Escrituras. No final da oração, desaparece tranquilamente pelo teto da capela e quando a comunidade começa a cantar o Magnificat, ele se desvanece totalmente. Fica apenas o aroma. Parece ter realizado tudo o que se pretendia dele. Acabou. Foi-se. E qual era o objetivo de todo esse incenso? Certamente não era criar um ambiente místico: a capela continua sendo a capela, com ou sem incenso. Não há calor: o carvão que queima o incenso só faz queimar o incenso. Não há antiguidade: criamos um ambiente por demais moderno para deixarmo-nos enganar, imaginando termos o mesmo estilo e ambiente dos monges de há quinze séculos. Evidentemente não. O incenso dos dias festivos e dos domingos deve significar algo mais. O incenso que mergulha a comunidade numa cortina densa de fumaça, uma vez por semana, é um modo diferente de nos lembrar o outro significado da oração. A oração, diz o incenso, não é exercício de recitação. A oração é o filtro através do qual contemplamos nosso mundo. A oração nos incita a vermos a vida ao nosso redor de um modo novo. A oração é o que fica quando o incenso desaparece. 54
Outro pequeno detalhe nas celebrações são os vasos com as flores. Um dos
monges cria arranjos com as flores de acordo com a liturgia do dia. Fica muito
bonito, mesmo! E a criatividade parece ser contínua, nunca vi algum arranjo de
flores repetido. Por exemplo, no Advento, as flores eram brancas e roxas com
alguns galhos secos. Nas festas de Nossa Senhora, sempre há lírios ou rosas. Nos
santos mártires, alguma flor vermelha. Até os elementos secundários ajudam a
formar um ambiente harmonioso dentro da capela.
Um dos monges cantores, com a voz sempre afinada, inicia vibrante o hino
referente à celebração do dia. Como ilustração, um dos muitos hinos:
A Vós, Jesus Cristo, Rei dos reis, todo o orbe se prostra em adoração. Vós que governais servindo e não servido, vinde com soberania nossa alma reger. Em todos os homens, Redentor, infundi vossa graça para transformar este nosso ser manchado pela culpa, quando Adão no paraíso não Vos quis escutar. Sois Vós, o Caminho, Salvador, cuja meta nos leva para o além Jordão. Dilatai, guiai o coração e a mente, dos que trilham vacilantes na verdadeira fé. Ouvi, suplicamos, Bom Pastor, Vós que estais à direita do Altíssimo: sede o nosso Sol, que não conhece ocaso, que ilumina as nossas trevas, nós, vossa criação. A Vós, tributamos, Rei da Paz, majestade, poder,
54 Joan CHITTISTER d, Sabedoria que brota do cotidiano, p. 43.
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sem jamais cessar. Ao Consolador e a Vós, Pai de Bondade, que em Cristo nos salvastes, igualmente o louvor.55
Feita a oração referente ao dia, todos se sentam para rezar os salmos,
cantados em tom gregoriano. Nesta hora de oração, são rezados dois salmos e mais
um hino. Este é um dos muitos salmos rezado nesta hora: “Palavra do Senhor ao
meu Senhor: Assenta-te ao meu lado direito até eu pôr teus inimigos, todos eles,
como escabelo por debaixo de teus pés!” (Sl 109, 1).
Após os salmos e o hino, um dos monges leitores caminha em direção ao
ambão, para fazer a leitura da Sagrada Escritura. Todos os presentes e, de modo
especial, os monges estão sempre muito atentos e compenetrados. Ouvir é muito
significativo para eles. Seguem alguns minutos de silêncio para meditar na leitura.
Ao sinal discreto do Abade, um monge canta o responsório. Logo em seguida,
canta-se a antífona para o hino do Magnificat. Quando é tempo de festa ou de
solenidade especial, o presidente da celebração incensa o ícone da Virgem Maria, a
qual eles possuem especial devoção.
Minha alma engrandece o Senhor, em Deus, meu Salvador, exulto e canto. Todas as gerações vão bendizer-me, pois sobre a humilde serva se inclinou. Imensas maravilhas fez em mim, Deus de todo poder, santo é o seu nome! Sua misericórdia há de estender-se por toda geração, sobre os que o temem. Manifestou a força de seu braço, os corações soberbos dispersou. Depôs os poderosos dos seus tronos, aos humildes, porém, quis exaltar. Cumulou com seus bens quem tinha fome, aos ricos despediu de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servidor, sua misericórdia recordando. Conforme prometera aos nossos pais, a Abraão e toda descendência. (Lc 1,46-55).
Terminado o ritual do cântico da Virgem Maria, um dos monges levanta-se e
vai até o ambão, onde está um livro com as preces. Reza em voz alta e clara e todos
respondem o refrão. Ao acabar a oração das preces, volta-se para seu lugar. Todos
esperam alguns segundos e se inicia a oração do Pai-Nosso. Às vezes, é cantado,
outras vezes, é rezado, sempre com a cabeça inclinada, gesto memorável dos
tempos das perseguições no início do Cristianismo. Logo em seguida, vem a oração
55 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hino para a solenidade de Cristo Rei, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 168-169.
141
do Auxílio Divino, pelos irmãos ausentes, finalizando o momento de oração
comunitária.
Os monges sempre estão em silêncio, sobretudo quando estão na capela. A
saída da capela é semelhante à procissão de entrada. O Abade sai primeiro, sendo
seguido pelos monges mais antigos de vida monástica, vão em direção ao refeitório
para o jantar, sempre em silêncio. O silêncio é parte integrante deste estilo de vida.
A oração das Vésperas dura mais ou menos de trinta a quarenta minutos.
Nas grandes solenidades, as vésperas são chamadas de pontificais, com a
exposição e com a bênção do Santíssimo Sacramento. Tudo é feito no mesmo ritmo
de seriedade e de beleza. Aos domingos, após as Vésperas, há uma oração
especial à Virgem Maria, feita na Statio. Neste dia não rezam as Completas em
comunidade, pois, a partir deste momento, eles entram em seu dia “livre” de
“descanso”, que vai até a segunda-feira nas Vésperas, com a missa celebrada às
17h30, quando novamente a comunidade monástica se reúne.
Segundo Marmion, somente pela fé e com generosidade é possível ser
perseverante na oração dos salmos e encontrar sempre elementos novos, capazes
de inspirar a vida:
Para a alma animada de fé viva, o Opus Dei aparece sempre com sua grandeza incomparável e sua fecundidade inesgotável, ela considera-o, e ao Santo Sacrifício a que rodeia, como a mais perfeita homenagem que possamos oferecer ao Senhor, como um meio extremamente eficaz de união com Deus. No religioso assim disposto não há lugar para a rotina, o louvor divino apresenta-se-lhe diariamente com novos atractivos, é cada dia um “cântico novo” canticum novum que todo o seu ser, corpo e alma, faz subir a Deus para glorificá-Lo. 56
4.7 - Completas: das 19h às 19h20 É a sétima oração do dia, ou seja, a última em que a comunidade se reúne
para rezar, completando, assim, o ciclo da Liturgia das Horas de um dia. No
Mosteiro da Ressurreição é celebrada entre às 19h00 à 19h30. A capela está com
56 Columba MARMION, Jesus Cristo ideal do monge, p. 498.
142
pouquíssima luz, apenas uma lâmpada sobre o ícone de Cristo e da Virgem Maria.
Ao lado do ícone mariano, há três velas acesas.
A oração das Completas tem início na sala capitular com a leitura de um
trecho da Regra de São Bento. Quando toca o sino, todos os hóspedes dirigem-se à
capela. A porta central está aberta e ao término das badaladas dos sinos,
solenemente, surgem os monges, com suas vestimentas monásticas. Formam duas
filas, os mais velhos de mosteiro puxam fila, o Abade sempre à frente. Aparecem
silenciosamente e caminhando dois a dois, cada um faz aquela inclinação diante do
altar e para o irmão que está ao seu lado. Dirigem-se para seus lugares de sempre e
fazem novamente um profundo silêncio, como se ninguém estivesse presente na
capela. Os hóspedes também procuram ficar em silêncio para não atrapalhar.
Nesta profunda atmosfera de oração e de silêncio, o Abade dá um toque com
um pequenino martelo. Todos os presentes voltam-se para o altar e cantam: Ao
repousarmos, Senhor, vigia o nosso coração! Após a introdução, todos estão em pé
e fazem uma profunda inclinação para o ato penitencial, chamado exame de
consciência, que dura alguns minutos. Em seguida, todos sentam para cantar o
salmo da noite. Dependendo da semana, os salmos são alternados entre os
números 4,133 e 90, são significativos e bem apropriados para esta hora de oração.
Olhando para os monges, percebe-se que os mais velhos cantam os salmos de cor,
retendo tudo na memória. Os mais jovens possuem o livro em suas mãos. As
palavras dos salmos quase sempre inspiram a vida em seu cotidiano. Por exemplo,
no salmo 4, eles rezam que somente em Deus é possível encontrar a felicidade:
Quando eu chamo, respondei-me, ó Deus, minha justiça! Vós que soubestes aliviar-me nos momentos de aflição. Atendei-me por piedade e escutai minha oração! Filhos dos homens, até quando fechareis o coração? Por que amais a ilusão e procurais a falsidade? Compreendei que nosso Deus faz maravilhas por seu servo. E que o Senhor me ouvirá quando lhe faço a minha prece! Se ficardes revoltados, não pequeis por vossa ira. Meditai nos vossos leitos e calai o coração! Sacrificai o que é justo, e ao Senhor oferecei-o. Confiai sempre no Senhor, ele é a única esperança! Muitos há que se perguntam: “Quem nos dá felicidade?”. Sobre nós fazei brilhai o esplendor de vossa face! Vós me destes, ó Senhor, mais alegria ao coração. Do que a outros na fartura do seu trigo e vinho novo. Eu tranqüilo vou deitar-me e na paz logo adormeço. Pois só vós, ó Senhor Deus, dais segurança à minha vida! (Sl 4).
143
Outro salmo convida a todos a bendizer ao Senhor, especialmente aqueles
que celebram a liturgia no templo:
Vinde, agora, bendizei ao Senhor Deus. Vós todos, servidores do Senhor. Que celebrais a liturgia no seu templo. Nos átrios da casa do Senhor. Levantai as vossas mãos ao santuário. Bendizei ao Senhor Deus a noite inteira! Que o Senhor te abençoe de Sião. O Senhor que fez o céu e fez a terra (Sl 133).
Nas palavras deste salmo, os monges pedem proteção não só para si, mas
também para toda a humanidade. Deus mesmo vem em auxílio e não permite que
algum mal possa acontecer aos seus filhos:
Quem habita ao abrigo do Altíssimo. E vive à sombra do Senhor onipotente. Diz ao Senhor: “Sois meu refúgio e proteção. Sois o meu Deus, no qual confio inteiramente”. Do caçador e do seu laço ele te livra. Ele te salva da palavra que destrói. Com suas asas haverá de proteger-te. Com seu escudo e suas armas, defender-te. Não temerás terror algum durante a noite. Nem a flecha disparada em pleno dia. Nem a peste que caminha pelo escuro. Nem a desgraça que devasta ao meio-dia. Podem cair muitos milhares a teu lado. Podem cai até dez mil à tua direita: Nenhum mal há de chegar perto de ti. Os teus olhos haverão de contemplar. O castigo infligido aos pecadores. Pois fizeste do Senhor o teu refúgio. E no Altíssimo encontraste o teu abrigo. Nenhum mal há de chegar perto de ti. Nem a desgraça baterá à tua porta. Pois o Senhor deu uma ordem a seus anjos. Para em todos os caminhos te guardarem. Haverão de te levar em suas mãos. Para o teu pé não se ferir nalguma pedra. Passarás por sobre cobras e serpentes. Pisarás sobre leões e outras feras. Porque a mim se confiou, hei de livrá-lo. E protegê-lo, pois meu nome ele conhece. Ao invocar-me hei de ouvi-lo e atendê-lo. E a seu lado eu estarei em suas dores. Hei de livrá-lo e de glória coroá-lo. Vou conceder-lhe vida longa e dias plenos. E vou mostrar-lhe minha graça e salvação (Sl 90).57
Após o canto destes salmos, um dos monges leitores sai do seu lugar e
caminha tranquilamente, dirigindo-se ao ambão. Acende uma luz e pronuncia uma
curta leitura bíblica. Todos estão sempre muito atentos, ouvindo a leitura, mesmo
quando há qualquer movimento estranho à rotina. O monge leitor volta-se para seu
lugar e, neste momento, o silêncio parece ser sepulcral, contagiando todos os
57 Os três salmos são rezados alternadamente. MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Completas, p. 2-3.
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presentes. O abade discretamente dá o sinal para continuar a oração. Os monges
cantores iniciam o responsório.
Após o silêncio canta-se: “Senhor, deixai agora o vosso servo partir em paz
segundo prometestes. Meus olhos viram vossa salvação, preparada por Vós perante
os povos: luz para iluminar as nações todas e glória de Israel, o vosso povo”58.
Segue o Kyrie eleison e a oração do Pai-Nosso, quando todos fazem uma profunda
inclinação para rezar. Algumas vezes, é cantado pelo Abade. Segue-se a oração e a
bênção final.
Em seguida, todos se dirigem para o belo ícone da Virgem Maria. Como numa
longa caminhada e sem a menor pressa, o primeiro monge da fila traz em suas
mãos um recipiente com água benta, que é usado para aspergir os presentes. Os
olhos dos monges e dos visitantes ficam parados por algum momento sobre o ícone
da Virgem Maria. Na vida monástica, sempre houve um grande carinho e devoção
pela Virgem Maria e não poderia ser diferente. Maria, a mãe de Jesus, é também
mãe de todos nós.
Maria pode dizer “faça-se em mim segundo a tua palavra”, não porque conheça o que irá acontecer, mas porque muito ama. Sua resposta é possível porque, ante o apelo do Amor, não olha para si mesma, nem mede suas forças, mas porque n’Ele confia. E neste diálogo amoroso vai se formando uma harmonia de vontades, a qual permite que o abandono, a confiança no Outro e o desejo de colaborar com o seu Plano, encarna-se no cotidiano. É a aceitação de um caminho não determinado, onde a entrega mútua se renova a cada instante e se une a um discernimento não isento de dúvidas e dificuldades. Com Maria compreendemos que todo o nosso caminho é também uma história de amor. Uma história na qual a iniciativa foi do outro, que se nos revela e nos convida à confiança.59
Quando todos os monges já estão perto do ícone da Virgem, um deles
começa o hino mariano seguido por todos. Terminam o dia rezando pelos irmãos
ausentes. Pareceu-me um gesto significativo rezar pelos ausentes.
Solenemente e com simplicidade, o Abade faz uma profunda inclinação para
o quadro, pega um asperge de metal, traça uma cruz sobre sua própria cabeça e
58 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Completas do Mosteiro da Ressurreição. 59 Ir. Dolores Maria PÉREZI, FMA, Maria, uma história viva de amor, Revista Beneditina, p. 14-15.
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depois asperge cada pessoa. Ao soar do sino, todos os monges fazem uma
inclinação à Virgem Maria e, no mais profundo silêncio, vão se retirando aos poucos.
Alguns ficam olhando para o ícone, enquanto outros vão até a capela ao lado e se
ajoelham. Enfim, quando todos se retiraram, o responsável pela capela apaga as
velas, fecha as duas janelas e a porta. Com esta oração tem início o grande silêncio
noturno. A duração desta oração é de mais ou menos vinte minutos.
Assim termina a jornada comunitária do dia do monge no Mosteiro da
Ressurreição. Após está última oração, todos vão para suas celas, onde estudam ou
rezam, até mais ou menos às 21hs, quando vão dormir, para na manhã seguinte às
04:20hs recomeçar tudo de novo.
Ao fechar este capítulo, é importante ressaltar que as sete orações que os
monges do Mosteiro da Ressurreição rezam não é apenas um cumprimento
“obrigatório” do ofício, mas traz em si toda a beleza e o encanto de uma Tradição,
que desperta na pessoa o desejo de rezar. Deixar o trabalho para estar na capela,
não significa interromper, mas, de certa forma, é a continuação do trabalho. O
próprio São Bento chama a celebração litúrgica de Opus, isto é, trabalho. Portanto,
celebrar a fé é uma atividade que todo cristão devia realizar. A palavra liturgia vem
do grego e significa um serviço em favor do povo, seja ela eucarística ou laudativa
do Ofício Divino.
Por outro lado, o trabalho para a Tradição monástica não se resume apenas a
uma tarefa a ser executada para a sustentação econômica de uma comunidade. O
trabalho é um meio e um tempo de adoração ao Criador. Um prolongamento no
tempo da Obra da Criação traz em si um relacionamento com coisas, com situações
e com pessoas, como o próprio Deus se relaciona na dinâmica do amor. O Concílio
Vaticano II apresentou a vida monástica como o humilde e o nobre serviço prestado
à Igreja e à toda a sociedade.60
Conserve-se fielmente e brilhe cada vez mais no seu genuíno espírito, tanto no Oriente como no Ocidente, a venerável instituição da vida monástica, que tantos méritos alcançou no decorrer dos séculos diante da Igreja e da sociedade humana. O principal dever dos monges é servir, de modo ao
60 Cf. Lourenço COSTA (org.) Perfectae Caritatis, n. 9, Documentos do Concílio Vaticano II (1962-1965), p. 284.
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mesmo tempo humilde e nobre, a divina Majestade dentro das paredes do mosteiro, que se entreguem totalmente ao culto divino na vida contemplativa, que tenham assumido legitimamente algumas obras de apostolado ou caridade cristã. Mantida, pois, a índole própria da instituição, renovem as suas antigas e beneméritas tradições, acompanha-as, porém às necessidades hodiernas das almas, de tal forma que os mosteiros sejam como que os viveiros da edificação do povo de Cristo. 61
Quando São Bento, herdeiro da Tradição Monástica, fala sobre oração, não
se restringe apenas à Liturgia, obra por excelência da Igreja, quando Deus santifica
a criatura e esta glorifica a Deus. São Bento também tem em mente a oração
silenciosa, feita no pulsar do coração, que põe o monge em contínua presença com
Deus Altíssimo:
O silêncio toma posse da pessoa, às vezes a consome, esvazia, provoca dor, e às vezes e um silêncio denso que o próprio Deus provoca, um silêncio perpassado da presença de Deus. Mas então já não é fácil falarmos a respeito disto, não se pode tagarelar a toa diante dos homens sobre sua experiência de Deus, mas carrega-se consigo a antevisão deste silencio pleno como se fosse uma flor delicada, que não pode ser exposta aos rigores do vento. O fato de São Bento nem sequer mencionar a oração silêncio demonstra que para os monges ela era uma exceção. Aquele que dia por dia se empenha pela honesta oração coral, por uma boa meditação, leitura e oração pessoal, este de tempos em tempos, como um presente de Deus, experimenta momentos cheios de silêncio.62
As horas do dia são santificadas pela oração e a interrupção do trabalho é
uma pausa restauradora. A própria Palavra de Deus diz que “sete vezes ao dia
publico vossos louvores”(Sl 118,164). No Mosteiro da Ressurreição, a comunidade
reúne-se sete vezes para a oração salmística. A oração dos salmos não é
propriedade exclusiva dos monges ou dos presbíteros, mas de todo o povo cristão
que participa ativamente do ser Igreja. Este patrimônio litúrgico pertence a todo povo
cristão e todos podem rezar. O Catecismo da Igreja Católica apresenta uma síntese
sobre os Salmos, desde o Antigo Testamento até os dias de hoje.63
61 Lourenço COSTA (org.) Perfectae Caritatis, n. 9, Documentos do Concílio Vaticano II (1962-1965), p. 284. 62 Anselm GRUN, As exigências do silêncio, p.80-81. 63 Cf. VATICANO, Catecismo da Igreja Católica, p.582.
147
Os Salmos alimentam e exprimem a oração do povo de Deus como assembléia, por ocasião das grandes festas em Jerusalém e cada sábado nas sinagogas. Esta oração é inseparavelmente pessoal e comunitária, refere-se aos que oram e a todos os homens, sobe da Terra Santa e das comunidades da Diáspora, mas abrange toda a criação, lembra os acontecimentos salvíficos do passado e se estende até a consumação da história, recorda as promessas de Deus já realizadas e aguarda o Messias que as realizará definitivamente. Rezados e realizados em Cristo, os Salmos são sempre essenciais à oração de Sua Igreja.
As expressões multiformes da oração dos Salmos tomam forma tanto na liturgia do Templo quanto no coração do homem. Quer se trate de um hino, de uma oração de aflição ou de ação de graças, de uma súplica individual ou comunitária, de canto de aclamação real ou de um cântico de peregrinação, ou ainda de uma meditação sapiencial, os Salmos são o espelho das maravilhas de Deus na história de seu povo e das situações humanas vividas pelo salmista. Um Salmo pode refletir um acontecimento do passado, mas é de uma sobriedade tão grande que pode ser rezado na verdade pelos homens de qualquer condição e em qualquer tempo.
Os Salmos são marcados por características constantes: a simplicidade e a espontaneidade da oração, o desejo do próprio Deus através de e com tudo o que é bom em sua criação, a situação desconfortável do crente que, em seu amor preferencial ao Senhor, está exposto a uma multidão de inimigos e tentações e, na expectativa do que fará o Deus fiel a certeza de seu amor e a entrega à sua vontade. A oração dos Salmos é sempre motivada pelo louvor e por isso o título desta coletânea convém perfeitamente ao que ela nos oferece: “Os Louvores”. Feita para o culto da Assembléia, ela anuncia o convite à oração e canta-lhe a resposta: “Hallelu-Ya”! (Aleluia), “Louvai o Senhor”! 64
Ora et Labora, a santificação das horas, procurou apresentar de modo sucinto
a maneira ímpar como o Mosteiro da Ressurreição celebra a Liturgia das Horas e a
Celebração Eucarística. A importância dos salmos, da Tradição, do silêncio, dos
gestos, dos objetos e das horas, quer expressar a vida espiritual que o ser humano
possui dentro de si e que se apresenta como graça divina através da liturgia.
Vivemos numa sociedade líquida, plural, consumista, hedonista, materialista,
individualista, veloz e descartável, onde nem sempre há lugar para a mística. A
comunidade monástica do Mosteiro da Ressurreição, herdeira da grande Tradição
Beneditina, há trinta anos, procura viver um estilo de vida diferente, tendo por base a
pessoa de Jesus Cristo, querendo apenas continuar testemunhando este ideal, de
que Jesus Cristo não é uma lenda ou fábula, Ele ressuscitou e está vivo no meio de
todo aquele que o busca com sinceridade.
64 VATICANO, Catecismo da Igreja Católica, p. 583.
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Como sabemos, os Beneditino possuem um lema dado pelo próprio São
Bento, ora et labora. Neste capítulo ressaltamos o Ora sobre o labora, no próximo
capítulo queremos salientar também a importância do labora, pois ambos fazem
parte de uma unidade espiritual e material, ou seja, um não existe sem o outro.
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CAPÍTULO V: LABORA ET ORA: A SANTIFICAÇÃO DO TRABALHO
Ao abordar o dia a dia do Mosteiro da Ressurreição, pretende-se apresentar a
sua dimensão mais humana, já que um Mosteiro é uma comunidade feita de seres
humanos e não de anjos. Os monges são pessoas como nós, mas com uma vida
voltada para o ideal ao qual escolheram livremente. Algumas vezes, pensamos e
ouvimos: Como deve ser uma vida monástica? Será que o monge estuda? Monge
come? Como eles vivem a dimensão econômica? Monge precisa pagar luz, água e
telefone? Eles têm os mesmo direitos e os mesmos deveres como todo cidadão?
Como a sociedade os vê? Egocêntricos, alienados ou idealistas? Alguém deseja ser
monge? Quais as etapas de formação para se tornar monge? Enfim, Labora et Ora,
a santificação do trabalho, quer enfatizar a dimensão concreta das ações, que
ocorrem dentro do Mosteiro da Ressurreição. Na vida monacal o ora et labora não
existe sem o outro, formando, assim, uma unidade perfeita. O trabalho é uma das
formas de manifestar a fé celebrada na liturgia. Portanto, o estudo, o autosustento, a
ação e a repercussão extra-muros, bem como os vocacionados em todas as etapas
de formação, formam o grande corpo místico na Opus Dei. Neste capítulo
trabalharemos as dimensões apresentadas acima.
5.1 - O estudo Recomenda-se aos candidatos que chegam ao Mosteiro da Ressurreição,
que tenham completado ao menos o ensino médio, para melhor absorver a
formação monástica. Embora alguns, entre eles, tenham curso superior, a prioridade
não é ter gente com diploma universitário, mas indivíduos que sejam
verdadeiramente cristãos e apaixonados pelo ideal abraçado:
Em Ponta Grossa há espaço material e espiritual tanto para o intelectual refinado e erudito como para o bóia-fria analfabeto, para os cassiodoros e os godos. Não se trata de um Mosteiro “especializado”, assim como a Igreja, devedora “a gregos e bárbaros, a sábios e a ignorantes” (Rm 1,14) não é constituída apenas por um determinado tipo de pessoa. Qualquer atividade no
150
Mosteiro é voltada para o bem da Igreja e do Reino, e o seu valor, maior ou menos, é apenas aquele que Deus lhe atribui e que só d’Ele é conhecido.1
O fundamental dos estudos é a formação monástica, que pode durar de sete
a dez anos. Somente após esta longa formação, alguns monges são convidados a
iniciar os estudos filosóficos e teológicos. Atualmente, eles saem todas as manhãs
para estudar na faculdade da diocese, isto é, de segunda à sexta-feira, das 8h00 às
11h45. A mensalidade e demais despesas são custeadas pelo próprio Mosteiro, que,
por vezes, pesam no orçamento mensal, mas se faz um esforço comunitário para
que seus membros completem seus estudos. A prioridade na vida monástica do
Mosteiro da Ressurreição não é a ordenação sacerdotal. Alguns deles já concluíram
a filosofia e a teologia, mas não foram ordenados presbíteros, isto ocorrerá somente
se houver real necessidade na comunidade monástica. O mais importante é ser
monge, depois presbítero.
No início das pesquisas, participei da missa no Mosteiro da Ressurreição.
Era um dia de semana, comum. Após a celebração, dentro de uns trinta minutos, o
padre, que presidiu a missa, estava com a roupa de trabalho, puxando uma vaca
pela corda para levá-la ao pasto. Um serviço tão humilde e trivial, sendo realizado
por um padre? Isto é um serviço que os escravos, os empregados ou algum
candidato pode realizar, mas não um padre, como pensam algumas pessoas. Fiquei
admirada com tal ação. Na prática, a ordenação presbiteral não é a função mais
importante de todas, ao menos no Mosteiro da Ressurreição.
O sacerdócio devia ser um serviço prestado às pessoas e não um status de
grandeza e de prestígio social, lamentavelmente, presente em alguns membros da
Igreja Católica. Lembro-me quando estudava teologia com os seminaristas, muitos
deles provinham de famílias muito humildes, mas ao receberem a ordenação
sacerdotal ficaram com atitudes principescas. Ainda bem que atitudes semelhantes
não atingem a todos, também há sábios e santos presbíteros entre nós.
No Mosteiro da Ressurreição, todos estudam. Aqueles que possuem os votos
solenes vão à faculdade pela manhã. Os candidatos que chegam ao Mosteiro têm
aulas de terça a sexta das 15h00 às 17h00 e, aos sábados, eles fazem a formação 1 Dom Mateus de Salles PENTEADO, OSB Mosteiro da Ressurreição: Síntese histórica e projeto monástico, p.4.
151
com o próprio Abade. Estudam: Liturgia, Sacramentos, História da Igreja e do
Monaquismo, a Regra de São Bento, Espiritualidade, Canto e Idiomas. Enfim, os
candidatos que estão iniciando a vida monacal estudam o tempo todo, seja na sala
de aula, cujos professores são os próprios monges, seja nos diversos trabalhos que
realizam. Assim, a Tradição Beneditina é transmitida de geração em geração, para
aqueles que desejam trilhar os caminhos da vida monacal no Mosteiro da
Ressurreição.
5.2 - O auto-sustento A Regra de São Bento diz: “São verdadeiros monges se vivem do trabalho de
suas mãos, como também os nossos Pais e os Apóstolos”2. Quando a Regra de São
Bento foi escrita, a Itália estava depauperada pela interminável guerra entre godos e
bizantinos nos anos 535 a 553 d.C. Não havia mão de obra nem dinheiro para pagá-
la. O que fazer? Os duros e os cansativos trabalhos agrícolas talvez não fossem os
mais apropriados para os monges, pois os monges praticavam a lei do jejum, a
pontualidade, a celebração do Ofício Divino e a Lectio Divina. Se os monges
executassem as tarefas longas e pesadas da colheita, poderiam ficar prejudicados.
Mas a circunstância se impunha e a realidade foi vista como manifestação da
vontade divina. Bento aceitou o trabalho agrícola para os cenobitas e ao mesmo
tempo descobriu um princípio fundamental da vida cristã: viver do próprio trabalho,
segundo o preceito paulino: “Fatigamo-nos, trabalhando com as nossas próprias
mãos”(1 Cor 4,12). Pela primeira vez aparece na Regra a expressão já citada:
“porque serão verdadeiramente monges, quando vivem do trabalho de suas mãos” 3.
Este preceito milenar é colocado em prática também no Mosteiro da Ressurreição.
A fundação do Mosteiro da Ressurreição foi pautada pela tradição secular,
mas adaptada à modernidade através das necessidades impostas pelo nosso
tempo. O cotidiano é divido entre as sete orações, como vimos no capítulo quarto, e
os diversos trabalhos necessários para a economia do Mosteiro. Perguntei ao
monge como eles conseguem encaixar o lema Ora et Labora sem que um pese mais
2 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, Capítulo XLVIII, p. 8 3 Ibid., Capítulo XLVIII, p. 8.
152
sobre o outro? Com tanto tempo para a oração, como é possível encontrar tempo
para os diversos trabalhos no Mosteiro?
A vida do monge é justamente este ora et labora, rezar e trabalhar. Rezar porque é uma necessidade, para preencher o espaço do qual viemos procurar e buscar, preencher com Deus é a parte da oração. O trabalho que é uma necessidade vital de todo homem. Temos que trabalhar para podermos manter-nos. Então, rezar e trabalhar, um complementa o outro, o Ofício Divino é um trabalho, Opus Dei. Ir ao coro, não significa somente rezar, mas é também um trabalho. Por isso, vamos em silêncio ao trabalho, para continuar rezando. O ora et labora é uma continuidade na presença de Deus. Enquanto estou diante de Deus, estou trabalhando e quando estou trabalhando, Deus está diante de mim. Está na minha presença, pois a oração continua. Aquilo que rezei e cantei lá no coro, com a comunidade, deve continuar ressoando durante todo o dia, nos trabalhos e no horário de silêncio. Em toda a nossa vida desde a hora que acorda até a hora que vai dormir.4
É a partir dos horários das orações, que o Mosteiro da Ressurreição organiza
os diversos trabalhos, num total de seis horas diárias em comum, isto é, juntos na
capela. O trabalho serve como meio de conversão para o monge. Portanto, cabe
perguntar: quais os trabalhos que os monges deste mosteiro realizam? Eles não
possuem empregados e todos os trabalhos são executados por eles mesmos. Na
sala capitular, há vinte e sete vitrais, representando os vários trabalhos que a
comunidade executa.
Os monges da Ressurreição cultivam uma horta, também criam galinhas,
porcos e vacas, tudo para o consumo interno. A fábrica de velas deles é quase toda
artesanal, e de lá saem os conhecidos círios pascais, vendidos para todo o Brasil.. O
que será que eles comem? Da cozinha saem os pratos mais variados, por exemplo,
arroz, feijão e repolho podem ser os ingredientes de um almoço. Macarrão com
carne moída, outro. Sopa no jantar ou apenas um lanche, pão e frios. Aos domingos
e nos dias de festas, as comidas são preparadas com antecipação, podendo ser
carne assada, arroz com lentilha e salada, sobremesa como gelatina, sorvete ou
bolo. O café geralmente é pão e queijo feito por eles mesmos, às vezes, tem
margarina, leite e alguma fruta. Em geral, a alimentação é muito simples e bem
criativa, comem pouca carne e não são vegetarianos. 4 Dom Bento de SOUZA, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 3, Ponta Grossa, 25/11/2009.
153
A Biblioteca é um lugar muito especial. Está localizada dentro do claustro,
local onde não é permitido o acesso de pessoas de fora do mosteiro. Mas, com uma
licença, tive a oportunidade de estar algumas vezes dentro dela. Possui mais de
dezenove mil acervos com uma variedade incrível de assuntos.
A hospedaria, que consiste em uma casa com quatro quartos com banheiros,
pode receber até seis pessoas, tendo uma pequena cozinha e uma sala. Os
hóspedes podem ficar até cinco dias, de terça-feira a domingo, não existindo um
preço fixo, cada um paga de acordo com suas possibilidades. As pessoas procuram
um lugar para rezar e para serem ouvidas. No tempo em que fiquei hospedada para
realizar a pesquisa, encontrei uma variedade de hóspedes, inclusive pessoas de
outras religiões. Lembro-me de um pastor, que há dez anos frequenta o Mosteiro da
Ressurreição, fazendo seu retiro anual. Portanto, o Mosteiro da Ressurreição
também é um local aberto ao diálogo ecumênico.
Há uma pequena loja no Mosteiro, onde eles vendem os seus produtos, tais
como velas, pães, biscoitos e os CD-room com os salmos gregorianos em
português, além dos quadros de ícones, pintados pelos próprios artistas do mosteiro.
A manutenção do prédio está sob a função chamada de mordomia, que é
responsável pelos reparos, pela pintura, pela troca do telhado, pelo corte das
árvores, pelo conserto da porta. Enfim, trabalho não falta! Falta tempo e gente para
realizar tanta atividade. Eles também possuem um atelier de costura,
confeccionando hábitos e paramentos para a própria comunidade e também para
vender. Todo sábado, das 14h45 às 17h00, é dia da faxina geral no mosteiro, cada
monge, além de limpar sua cela, tem outros ambientes para fazer a limpeza.
As pessoas que procuram o Mosteiro sempre são atendidas. Este trabalho é
um grande contributo para a sociedade e, sobretudo, à Igreja. Quantas situações de
risco foram solucionadas, somente porque a pessoa encontrou alguém para escutá-
lo e, em função da gratuidade, os monges não cobram por este serviço. Sempre há
algum monge-sacerdote para atendimento:
O Mosteiro da Ressurreição não exerce atividades “externas”, tais como colégios ou paróquias, por compreender que no seio da Igreja a sua vocação é essencialmente contemplativa. No entanto realizamos uma pastoral
154
intramonasterial, através do acolhimento das pessoas que procuram nossa comunidade em busca de auxilio espiritual, do sacramento da confissão ou de um ambiente onde se recolher em oração.5
O Mosteiro da Ressurreição trabalha em prol da pastoral da acolhida, da
escuta e da orientação. Quando o grupo de jovens monges, os fundadores, saíram
do Mosteiro de São Bento de São Paulo, fizeram uma experiência longe da cidade e
voltada para a contemplação, sem atividades externas. Isto ocorreu não porque
desejavam ser “diferentes”, mas porque compreenderam que este estilo de vida
também é vida Monástica Beneditina.
Os Pais do monaquismo são os mesmos para todos os monges e monjas, que têm, portanto a mesma Tradição, expressa em tradições particulares. O ecumenismo monástico não visa eliminar essas diferentes tradições. Ao contrário: o que pretende é evidenciar o que têm em comum, permitir a livre circulação entre elas segundo os desígnios do Espírito e reintegrá-las na grande Tradição, viabilizando a recuperação do pluralismo existente nos primeiros séculos.6
Dentro da Ordem Beneditina é possível a existência de ramificações. Um dos
exemplos recentes é o próprio Mosteiro da Ressurreição:
A árvore não dá frutos apenas devido a seus galhos e flores. Antes disto, possui um tronco, cujas raízes estão alicerçadas em diferentes direções, para lhes dar sustentação e firmeza. Desse conjunto de elementos depende a própria possibilidade de vida, enquanto árvore, e de formação de seus frutos e, assim, a sua perpetuação pelos frutos-sementes que germinarem a seu modo e lugar.7
Desde as origens mais antigas, os pais do deserto sempre valorizaram e
trabalharam para se manter e ajudar os outros. Driot, em seu livro os Padres do Deserto, apresenta vários exemplos sobre este trabalho:
5 www.abadiadaressurreicao@org. Acesso em: 05 abril 2009. 6 Dom Mateus PENTEADO, OSB, Por um ecumenismo monástico, p. 8. (Mimeo) 7 Idalgo SANGALLI, O fim último do homem- da eudaimonia aristotélica à beatitude agostiniana, p. 143.
155
As viagens até à cidade, para venderem o produto do seu trabalho, podia também ser uma ocasião propícia para praticarem a caridade. Foi assim que o aba Agatão encontrou um estranho doente, deitado na praça pública, sem ninguém que se ocupasse dele. O ancião alugou um apartamento e foi para lá viver com ele, trabalhando com as próprias mãos para pagar a renda, e gastando o resto do dinheiro que tinha nas suas necessidades pessoais e nas do doente. Ficou quatro meses, até conseguir curar o enfermo. E regressou em paz à sua solidão. O mesmo aba dizia: “Se pudesse encontrar um leproso, dar-lhe o meu corpo e tomar o dele, ficaria muito feliz.” Que melhor testemunho poderíamos encontrar? 8
Os filhos de São Bento sempre foram bons trabalhadores e colaboradores
incansáveis para com o progresso do Ocidente:
Sendo pioneiros no desenvolvimento de técnicas em diversos setores como a agricultora (técnica da irrigação e drenagem do solo, bem como métodos para a aclimatação de plantas), a construção civil (pontes, igrejas, estradas), artesanato (fabricação de utensílios artísticos, cerveja), além, é claro, de um imenso esforço dispensado à educação humana e religiosa dos povos.9
O Mosteiro da Ressurreição, como protagonista da história Beneditina no
Estado do Paraná, continua trabalhando e com todos os esforços para conseguir a
sua própria autosustentação e também para repartir, com os mais necessitados, os
bens materiais e espirituais.
5.3 - Ação e repercussão extra-muros O Mosteiro da Ressurreição com seu lema milenar, ora et labora, procura
viver intensamente, cada dia, não obstante desafios e dificuldades. Alguns trabalhos
são mais visíveis que outros, tendo repercussão além das paredes do mosteiro. Os
meios de comunicação ajudam para a divulgação, em massa, dos trabalhos
monacais, como também a propaganda boca-a-boca, isto é, as próprias pessoas
vão transmitindo aquilo que ocorre para os demais.
Ao pesquisar os arquivos da biblioteca, foram encontradas algumas
reportagens noticiando a vida cotidiana e os acontecimentos especiais da vida dos
8 Marcel DRIOT, Os padres do deserto, p. 94-95. 9 www.abadidadaressurreição@org. Acesso em: 05 abril 2009.
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monges do Mosteiro da Ressurreição. Nesta publicação é apresentada uma visão
panorâmica dos trabalhos realizados pelos monges:
O Mosteiro da Ressurreição tornou-se conhecido no Brasil e no exterior a partir de 1994, quando a “febre” do canto gregoriano tomou conta do mundo. Os monges do Paraná cometeram o que, para alguns, é heresia, compondo melodias gregorianas para hinos, cânticos e salmos com letras em português. A ousadia deu bons resultados, e os cinco CDS anteriores já venderam, juntos, mais de 300 mil cópias. Especiais de TV e matérias nos principais jornais e revistas do país também contribuíram para a divulgação não só da musica, como também da própria vida monástica, que poucas pessoas conhecem de perto, mas que exerce grande atração por suas tradições milenares.[...]. Os monges cantam nas celebrações religiosas sete vezes por dia. Acordam às 04:20h e atravessam o dia numa rotina que se divide entre oração, estudo e trabalho. Além das tarefas domésticas tais como cozinhar, cortar a grama do jardim, lavar a roupa etc. Os monges também trabalham nos vários ateliês do mosteiro, produzindo ícones, velas artesanais, peças em cerâmica, pinturas em diversos materiais e paramentos litúrgicos. Da padaria do mosteiro saem pães, biscoitos e bolos, para o consumo próprio e para os frequeses da lojinha: e na licoraria, que mais parece um laboratório de alquimista, são produzidos licores a partir de fórmulas desenvolvidas pelos próprios monges e guardadas a sete chaves. Alguns monges trabalham, ainda, num projeto de tradução das obras clássicas da espiritualidade monástica, desde textos em latim dos primeiros séculos da Igreja até obras de autores contemporâneos. 10
De modo geral as pessoas desconhecem a vida monástica e sua estrutura
de trabalho. Esta reportagem apresenta o cotidiano do Mosteiro como intenso e
cheio de atividades, seja na oração, no estudo ou no trabalho. Se alguém imagina
que o Mosteiro já é o céu, onde só se reza o tempo todo, engana-se, pois há muito
trabalho para executar. Os próprios monges, quando precisam de um lugar para
melhor mergulhar no silêncio e na oração, vão para o eremitério durante uma
semana toda. Uma vez por ano, a comunidade toda faz o retiro anual, convidando
algum pregador de fora.
Entre os mais variados trabalhos que um mosteiro presta à sociedade e
mesmo ao claustro monástico, a vida de oração ocupa um lugar todo especial. As
atividades são organizadas a partir dos momentos de oração. Ora et Labora é uma
dimensão exigente especialmente para o monges, mas todo cristão é chamado a
realizar estas duas dimensões em sua vida cotidiana. 10 Lizza EICHENBERGER, Vida monástica: monges gravam no cd de canto gregoriano, Revista Páginas Abertas, p. 12.
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A reportagem deste jornal também apresenta o perfil do Mosteiro da
Ressurreição com seu espaço natural que muito contribui para o bem-estar das
pessoas. Apresenta também alguns trabalhos realizados pelos Monges:
É possível se isolar do mundo, numa época em que a televisão e a internet parecem estar por toda a parte? Talvez a questão não seja mais essa, quando o assunto é a vida em um mosteiro. [...] O Mosteiro da Ressurreição como é mais conhecido, é um espaço aprazível. Ali algumas pessoas vão buscar, por curtos períodos de tempo, lugar para refletir, orar, e fugir um pouco do barulho, fumaça e agitação do centro urbano. Diariamente, todos os membros da comunidade se reúnem em sete momentos de oração. Mas, no restante do tempo, eles trabalham. Enquanto desempenham diversas atividades que tornam o mosteiro autossuficiente, continuam orando, e parando apenas uma vez ou outra para admirar a beleza natural do lugar onde vivem. No entorno do prédio principal, outras construções menores incluem marcenaria, lavanderia, fábrica de velas e horta comunitária. Na entrada do Mosteiro, o visitante encontra um espaço para a venda de alguns produtos alimentícios de fabricação artesanal dos monges, além de obras de arte sacras, utilizadas em rituais religiosos, como ícones. 11
As homilias, numa linguagem simples, clara e direta, representam outra
grande atração dos domingos e dos dias santos. As pessoas vêm de todas as
cidades, Curitiba, Castro, Campo Largo, Norte do Paraná, para escutar a homilia e
participar da liturgia “quase perfeita”. Quase todas as pessoas que frequentam a
missa dizem que vale a pena participar dela no Mosteiro. Há alguma coisa diferente!
Hoje, os monges também colocam no site do mosteiro as homilias do domingo,
dando a possibilidade de que mais pessoas possam tomar conhecimento e lê-las.
Dentro do mosteiro, há alguns monges pintores de ícones, com projeção
nacional e internacional, o mais conhecido dentre eles é Dom Ruberval.
Observando, notei que alguns quadros não são assinados com o nome do artista,
então, perguntei o motivo pelo qual não havia o nome do autor no quadro que pintou
ou no texto que escreveu. A resposta foi que a obra ou o mesmo algum texto escrito
não é somente de um monge, mas de todo o Mosteiro.
A grande sensação da época foi o surgimento do canto gregoriano em
português. Eles foram os primeiros no Brasil a traduzir os salmos gregorianos do
11 A vida no Mosteiro. URBE – O JM EM REVISTA, 09.11.2011, Caderno Comportamento, p. 4-5.
158
latim para o português. Foram feitas várias reportagens sobre o fato inédito no
Brasil. A Revista Veja, de circulação nacional, noticiou o acontecimento:
Os monges do Mosteiro da Ressurreição, de Ponta Grossa, que lançaram o CD independente Ressuscitou Aleluia, que inclui além de cantos seculares, melodias de sua própria lavra entoadas em português. “Nosso objetivo é dar ao povo acesso à Palavra de Deus”, diz irmão Jose, da Ordem de São Bento, no Paraná. A novidade ecoou pelo país. O fax do mosteiro já recebeu inúmeros pedidos de religiosos interessados em ter as letras e partituras dos salmos vertidos. “Cantar em português está de acordo com o que ficou decidido no Concílio Vaticano II”, defendem-se os monges de Ponta Grossa. Esse concílio, iniciado pelo papa João XXIII nos anos 60 e completado por seu sucessor, o papa Paulo VI, decidiu-se que as missas deveriam Sr celebradas na língua dos fiéis.12
Temos também uma reportagem mais atual, mostrando que os monges do
Mosteiro da Ressurreição sempre estão aprimorando seus talentos musicais, o que
gera notícias constantes:
Os CDs com músicas gregorianas, provenientes dos próprios monges. O mosteiro se orgulha de já ter lançado três álbuns e para facilitar o entendimento das canções, as letras foram traduzidas para o português. O último deles se chama Mais que os Querubins.13
A originalidade em cantar os salmos na língua vernácula tem atraído pessoas
de diversos lugares para a capela do Mosteiro da Ressurreição, com a finalidade de
escutar e de gravar o canto gregoriano em português:
Com apenas cinco Cds, os monges do Mosteiro da Ressurreição sacudiram Ponta Grossa, Paraná, devido ao interesse nacional pelo canto gregoriano: muitos hóspedes reproduziram em pequenos gravadores os cantos executados na capela do mosteiro.14
12 Mauro TRINDADE, O hábito faz o sucesso - Monges do Mosteiro da Ressurreição, em Ponta Grossa: pioneiros no canto gregoriano em português, Revista Veja, p. 103. 13 Fabrício BICUDO, Uma janela para a espiritualidade - Mosteiro da Ressurreição é o ponto de referência para visitantes que buscam paz e reflexão: alguns chegam e ficam para servir os propósitos da Igreja. Jornal o Portal, 31/01/2010, Caderno Portal Embarque, p. 26-27. 14 Washington OLIVEIRA-ARAÚJO, Toda música é uma prece, Revista Manchete, p. 63.
159
Outros trabalhos relevantes que os monges prestam à comunidade são os
casamentos e os batizados realizados dentro da capela do Mosteiro. Conheci
Mariana e Juliano, que casaram em setembro de 2009, ambos felizes e realizados
pelo sonho concretizado. Também participei de um batizado de uma menina
chamada Mariana no ano de em novembro de 2010. Fiquei impressionada, pois foi
uma cerimônia bem feita, onde cada detalhe fazia a diferença, mesmo os objetos e
os utensílios utilizados na celebração pareciam novos, por estarem bem
conservados. O celebrante realizava o rito com toda calma, as palavras bem
pronunciadas, tudo dentro das normas litúrgicas. Dá gosto de participar, pois a
simplicidade revela uma beleza ímpar.
O intuito da existência de um Mosteiro é apresentar a presença de Deus entre
nós e por maiores que sejam as necessidades de uma ação pastoral, é
indispensável a vida contemplativa, a qual não se mede com parâmetros humanos:
Temos uma primeira prova da atualidade eclesial do monaquismo no fato de continuar o Espírito Santo suscitando vocações à solidão da vida monástica. São muitos os que ouvem o chamado ao encontro com Deus no “deserto” e os que descobrem que podem servir também o irmão, até com mais eficácia e pureza, na oração e no amor universal, sem fronteiras. A Igreja tem ainda hoje necessidade dessa forma de vida religiosa (a monástica), o mundo ainda tem necessidade dela. Os institutos puramente contemplativos, por mais urgente que seja a necessidade do apostolado ativo, conservem sempre um lugar preeminente no Corpo Místico de Cristo. Conserve-se fielmente e brilhe, cada vez mais em seu autêntico espírito, tanto no Oriente como no Ocidente, a venerável Instituição da vida monástica.15
O Mosteiro da Ressurreição nasceu com o carisma de ser mais contemplativo
que ativo, muito embora se mesclem as duas realidades, ora et labora, é a melhor
síntese de vida de oração e de trabalho.
O que não falta são candidatos para este Mosteiro! Este será o assunto do
próximo item desta pesquisa: os vocacionados.
15 Augusto PASCUAL, O compromisso cristão do Monge, p.48-50.
160
5.4 - Vocacionados No Mosteiro da Ressurreição, as vocações nunca deixaram de afluir e quase
todas identificadas com o projeto de vida contemplativa. Mas, afinal, qual o perfil das
pessoas que procuram ingressar no mosteiro? A pessoa que deseja tornar-se
monge em nossos dias traz seus limites e suas deficiências pessoais e sociais.
Porém, também há um idealismo verdadeiro e generoso nas pessoas, segundo as
palavras de Pascual:
Os jovens que vêm buscando a vida monástica hoje em dia são pessoas admiráveis. Além de: a) um grande idealismo que eles quase sempre trazem para o mosteiro. b) chegam com uma generosidade transbordante, c) um desejo de experimentar Deus d) e uma esperança de viver numa comunhão de amor fraterno. Mas também chegam carregando um jugo pesado de sofrimento e de potencialidades ainda adormecidas ou despertadas apenas para torna-se frustradas novamente. Vêm de lares com grande freqüência de situações familiares marcadas por todo tipo de abuso, negligência e fracasso. Vêm de lares pobres que não permitem o desenvolvimento normal de suas capacidades intelectuais, sociais, ou artísticas. Vêm de famílias onde não há livros ou instrumentos musicais. 16
É indispensável um longo trabalho de formação integral, isto é, um trabalho
que envolva o humano e o espiritual, o que, muitas vezes, é doloroso. Os candidatos
à vida monástica são resultados da vivência das famílias e da sociedade. Segundo
Bonowitz, abade trapista do Mosteiro do Novo Mundo, é necessário que o candidato
assuma sua história pessoal:
Os jovens que vêm ao mosteiro levando nas costas o peso de seu passado sofrido não tem muito interesse em viver o primeiro passo desta subida-descida para a descoberta da sua identidade radical de filho de Deus. Qual é este primeiro passo “impulável”? Apropriação da própria história de dor, fracasso e insegurança, uma apropriação que se faz sentir à flor da pele. Sem falar em fuga, o qual seria um termo injusto, o jovem pobre, ou subdesenvolvido de uma ou outra maneira, ou negligenciando, olha com desejo para o mosteiro como um lugar de felicidade. Se ele quisesse ficar mergulhado em seus problemas, poderia ter permanecido no mundo. Ele busca Deus, isto sim, mas ainda não busca a cruz de Cristo. Aquele que já carrega a cruz da sua vida não precisa da cruz de outrem.17
16 Bernardo BONOWITZ, Apto a ganhar as almas, p. 112-113. 17 Ibid., p. 117
161
É preciso paciência dos formadores e verdadeiro interesse dos candidatos em
se deixar formar. O caminho é estreito, mas dá para sobreviver. Mais uma vez, as
palavras de esperança de Bonowitz acerca da formação monacal auxiliam-nos no
entendimento:
Num encontro de um pequeno grupo dos superiores reunidos para estabelecer a agenda para nosso Capítulo Geral, uma abadessa me perguntou: “E então? Como vai a batalha?”- “Madre”, respondi, “às vezes, quando olho pra os meus monges, não os vejo onde esperava encontrá-los, mas num ponto mais baixo, mais necessitado.” “E o que faz?”- “Eu vou lá onde eles estão, e começo lá de novo. Agora, eu sei que isto vai acontecer muitas vezes. Mas não importa. O que importa é ir aonde eles estão e começar de novo. Um dia, vamos todos chegar juntos no fundo do poço, e depois vamos subindo.”- “Pois é, disse ela. Se eu não pensasse assim, não haveria monjas”.18
No Mosteiro da Ressurreição, há rostos de todo o Brasil e até do exterior. Às
vezes é possível perceber pelo sotaque diferente. Nestes tempos onde os bens
materiais falam mais alto, é uma graça sempre ter vocações que batem à porta do
Mosteiro. Contudo, não quer dizer que todos serão perseverantes até a morte, pois
alguns candidatos e mesmo monges de votos temporários ou solenes, desistem da
vida monástica. Isto ocorre, pois desejam ir para outro mosteiro ou voltar para a
sociedade e se casar, seguir a carreira acadêmica. Enfim, as razões e as situações
são diversas e resolvidas entre os responsáveis e o interessado. No entanto, outros
monges permanecem até a morte e as palavras do salmista tornam-se realidade em
suas vidas. “Felizes os que habitam vossa casa, para sempre haverão de vos louvar!
Felizes os que em vós têm sua força, e se decidem a partir quais peregrinos!
Caminharão com um ardor sempre crescente” (Sl 83, 5-6).
Dom Geraldo, o monge mais velho do Mosteiro da Ressurreição, com 83 anos
de idade e 67 vividos dentro do Mosteiro conta que ele deixou a casa paterna aos 16
anos de idade, morava com a família e trabalhava no sítio com o pai e com os
irmãos. Porém, Deus o chamava, depois de alguma resistência, entregou-se
totalmente ao Senhor. Ele mesmo nos conta:
18 Bernardo BONOWITZ, Apto a ganhar as almas, p. 132.
162
(...) é um chamado forte que senti, como que me pegasse pelos cabelos, de tão forte, eu não pude resistir, uma sacudida, deixa tudo e siga-me. E não estou arrependido, pois, nesse encontro com Ele eu fiz uma troca do mundo inteiro, pois não há nenhum valor maior que Jesus.19
Nossos argumentos caem por terra ao constatar que é possível ser monge
numa sociedade pós-moderna e ser feliz.
As etapas de formação são sucessivas. Primeiramente o futuro candidato
escreve algumas cartas ao responsável e depois vai conhecer o mosteiro, passando
algum tempo junto à comunidade. “O Mosteiro da Ressurreição acolhe pessoas que
têm disposição para a conversão. Todos os dias re-começar, perdoar e amar,
vivendo de acordo com o Evangelho e dentro do espaço da Igreja e nestas
condições”20.
O primeiro tempo é chamado de aspirantado e o candidato participa de
quase tudo da vida comunitária. É o tempo de conhecimento mútuo, que é variável.
Não possui nenhum distintivo, vestindo roupas comuns como a de qualquer pessoa,
além de se sentar na assembléia junto com o povo.
O passo seguinte é o postulantado, quando o candidato já possui formação
interna sobre a vida religiosa, com aulas e com trabalhos específicos. Por exemplo:
participa do coro e assume um trabalho. Nestes dois primeiros períodos, os
postulantes vestem apenas um hábito preto e recebem o cinto.21 A duração é de
nove a doze meses, podendo ser prolongada.
19 Dom Geraldo CESTAROLI, entrevista realizada com a autora, gravação em áudio, fita 4, Ponta Grossa, 28/11/2009. 20 Dom Adalberto SAVICKI, entrevista realizada com a autora, gravação em áudio, fita 4, Ponta Grossa, 28/11/2009. 21 “Por que o cinto? Segundo CASSIANO, o cinto simboliza e nos amarra a quatro realidades de nossa vocação: a pureza, a vigilância, a paixão e ressurreição e a perseverança. O cinto descreve um círculo ao nosso redor, constitui um campo fechado. O que se encontra dentro da área do cinto, isto é, o monge, já separado, já tem dono. Se a monja usa anel no dedo para proclamar seu casamento místico com Cristo, o monge, por sua parte, se envolve de corpo inteiro no anel do cinto. Meu corpo e todas as suas forças pertencem a Cristo. O monge se torna assim um recinto sagrado, um lugar corporal consagrado a Cristo. O cinto concentra as energias a serviço da castidade e, ano após ano, estas energias crescem. O cinto, diz Cassiano, é carne morta. Numa existência anterior era pele de um animal, de uma vaca, boi ou carneiro. Passou por vários processos e agora chegou a ter outra identidade, uma identidade misteriosa. Era macio, agora é duro, era quente, agora é frio, era fresco, agora é seco. No cinto, o monge contempla sua nova identidade misteriosa. Ela não é mais cidadã do mundo, mas do deserto, o mundo não o alimenta mais com sua gordura, carne e sangue”. Bernardo BONOWITZ, Senhor, abri os meus lábios, p. 84-85.
163
Após o término deste período de formação, o postulante pede sua admissão
na comunidade e, sendo aprovado, começa o noviciado. Os noviços22 recebem o
hábito monástico com o escapulário curto, que deve ser usado todos os dias de sua
vida. Os monges de votos simples vestem o hábito preto e o escapulário longo. Os
monges de votos solenes usam a Cogula, uma espécie de túnica preta com capuz23,
que vestem por cima do hábito, muito grande e com as mangas exageradamente
largas, usam mais ou menos seis metros de tecidos para confeccioná-la. No
monaquismo, quase tudo possui um sentido espiritual. Também as vestes adquirem
significado novo. 24
O noviciado corresponde a dois anos de formação intensa e básica. Estuda-
se espiritualidade, humanismo e monaquismo, especialmente o livro dos II Diálogos
de São Gregório Magno, a vida de São Bento e sua Regra. Troca-se o nome civil por
outro nome, como sinal de uma mudança de vida. Por exemplo: Snardi por Tomé,
Rubens por João da Cruz, Dair por Bento, Roberto por André.
Após o período de noviciado, o candidato faz o pedido para emitir os
primeiros votos religiosos por três anos. O Abade aceita o pedido para a admissão
dos votos temporários e responde através de uma carta. Entre os muitos
22 Homem que está preparando-se para professar num convento ou num mosteiro. Aprendiz, principiante. 23 “O capuz é um símbolo da humildade. Porque as criancinhas, que são inocentes, vestem capuzes, mas o homem adulto não. Se, portanto, nós o trazemos, é para sermos como criancinhas quanto à malícia, conforme a palavra do Apóstolo: Não sejais como crianças quanto ao modo de julgar, mas mostrai-vos como crianças quanto à malícia? (1 Cor 14, 20). O capuz é ainda um símbolo da graça de Deus. Assim como o capuz protege e mantém aquecida a cabeça da criança, assim a graça divina protege nosso espírito”.Doroteu de GAZA, Ensinamentos espirituais, p. 54-55. 24 “A veste completa a figura do homem, não casual, mas reflete algo da realidade interior do homem. A veste é uma espécie de outro eu, a troca da veste pode significar a mudança do eu interno. A mudança de veste opera a renovação do homem e é com frequência condição prévia para a participação no culto. Antes de entrar num templo, os gregos tinham de banhar-se em água corrente e vestir vestes novas ou recentemente lavadas. A veste especial dos sacerdotes orientais antigos frisava a distinção entre o mundo sacral e o profano. Na Igreja católica, o noviço depõe com o seu nome as vestes profanas que são postas em mortalhas e enterradas, simbolizando a morte que precede a vida. Segundo o Pontifical Romano, concede-se o perdão a todo aquele que traz vestes de saco e pede a misericórdia de divina. Pelas vestes litúrgicas indica-se o sentido simbólico do manípulo (originalmente um lenço), ao ser entregue ao subdiácono; ele é indicado como símbolo dos “frutos das boas obras”, que deve remontar à semelhança de nome com manipulum (feixe, feixe de frutos). A túnica de paixão de Jesus, sobre a qual lançaram sorte os saldados (Jo 19, 23s), tornou-se relíquia preciosa. Segundo o doutor da Igreja Síria Efraim, a veste era o envoltório da humanidade de Jesus Cristo, ao passo que o seu corpo escondia a divindade”. Manfred LURKER, Dicionário de figuras e símbolos bíblicos, p. 258, verbete: Veste, vestimenta.
164
ensinamentos, o Abade vai explicando o que significa pedir admissão aos primeiros
votos.25
Transcorridos os três anos, após os votos temporários, acontece o rito da
profissão perpétua e a consagração monacal. O monge faz o pedido, escreve uma
carta renunciando todos os bens e o Abade responde através de uma carta o que
significa a renúncia dos bens para um monge.26
Quando um de nossos irmãos vai fazer sua profissão solene fazemos questão de realizar esse pequeno rito de renúncia dos bens. Esse rito doméstico, muito próprio de nosso mosteiro, após já ter feita em cartório, não significa que automaticamente o irmão saberá renunciar a tudo o que for necessário para o seguimento do Cristo. O próprio Senhor diz: “Quem não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo”. Essa afirmação de Jesus não e um conselho, e um mandamento. E cada cristão fará a renúncia exigida pelo Cristo no espaço onde se encontra na Igreja. Com certeza temos pontos em comum com todos os demais cristãos, mas há aspectos de renuncia própria do monge, inclusive para não “mentir pela tonsura” com diz São Bento na Santa Regra. 27
Transcorridos os três anos, após os votos temporários, acontece o rito da
profissão perpétua e a consagração monacal, no qual há a entrega da Cogula, como
símbolo da pertença à comunidade monástica, mas com a continuidade da
formação:
Depois da formação solene é que o monge começa a caminhada. Precisa procurar ver tudo o que foi estudado, pois não há mais o mestre que fica indicando livros e nem ministrando aulas. Cada um precisa dar continuidade ao que recebeu, como um eterno discípulo.28
Após apresentar este item e dando mais ênfase no labora beneditino,
percebemos que apesar de todas as atividades realizadas dentro do mosteiro e da
sua repercussão externa, os monges adaptam todo o trabalho de acordo com os
25 Vide anexo 1. 26 Vide anexo 2. 27 Carta do Abade Dom André Martins, OSB. Renúncia dos bens de Dom Vicente em 2007. Vide anexo 2. 28 Dom Adalberto SAVICKI, entrevista realizada com a autora, gravação em áudio, fita 4, Ponta Grossa, 28/11/2009.
165
horários da oração. Mesmo envolvidos com os mais diversos trabalhos, eles
procuram estar o tempo todo em espírito de oração, fazendo do trabalho uma oração
e da oração um trabalho.
No próximo capítulo, apresentaremos a situação da sociedade hodierna, no
que diz respeito à felicidade. Afinal, todos desejam a felicidade. Mesmo os monges
trancados em seus mosteiros aspiram, de certa forma, uma vida feliz. A sociedade
apresenta a felicidade com suas luzes sedutoras sob a forma do hiperconsumo. O
mosteiro, ao apresentar em que consiste uma vida feliz, chega até espantar algumas
pessoas, por ser tão diferente daquela que o mundo mostra. Perguntei ao monge
mais velho do Mosteiro da Ressurreição, que tem sessenta e cinco anos de
mosteiro: o que um monge procura no mosteiro?
No fundo, o monge procura sua própria conversão. Procura deixar seus vícios, antes de entregar-se a Deus de corpo e alma. Participando da Paixão do Senhor no seu dia a dia, sendo paciente e perseverante. Jesus, disse: Meu fardo é leve. Ele vai à nossa frente.29
O que a sociedade, pode dizer diante de uma convicção profunda de fé como
deste monge e de muitos outros?
29 Dom Geraldo CESTAROLI, entrevista realizada com a autora, gravação em áudio, fita 3 , Ponta Grossa, 28/11/2009
166
PARTE III: O MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO E A MENSAGEM DE FELICIDADE PARA A “ERA DO VAZIO”
Quero morrer acreditando no que moveu sempre minha vida: Jesus Cristo.1
Esta terceira parte do trabalho é composta por dois capítulos. No primeiro
deles, situaremos a discussão do tema da felicidade no contexto do hiperconsumo.
Afinal, quem não deseja dias felizes? A felicidade é um assunto comentado desde a
antiguidade. Muitos filósofos2 escreveram sobre o tema e em nossos dias muitos
continuam escrevendo sobre a vida feliz. Deparamo-nos cotidianamente com isto ao
entrar em uma livraria e observar a quantidade de livros sobre a felicidade. Hoje, em
uma sociedade pós-moderna, cheia de novas novidades tecnológicas, é possível
encontrar pessoas felizes? O consumismo desenfreado é capaz de comprar uma
felicidade duradoura? É possível viver um estilo de vida diferente dos ditames que a
sociedade coloca? Há espaço para alguém que faz uma opção em viver uma vida
pobre, casta e obediente? Parece haver um grande paradoxo entre estilos de vida
tão diferentes.
A partir daí, encaminhamo-nos para o capítulo final. O monaquismo é um
estilo de vida milenar voltada para valores espirituais e as pessoas aceitam
livremente viver sob uma regra e um abade em uma comunidade. O Mosteiro da
Ressurreição quer ser um espaço dentro da sociedade pós-moderna, que apresenta
o ideal monástico como sinal de uma nova concepção de sociedade. Nascido de
uma grande tradição milenar, nos seus trinta anos de história, tem deixado marcas
profundas na vida de muitas pessoas. O último capítulo quer, portanto, ressaltar a
1 Dom Abade André MARTINS OSB, e-mail, 03/10/2009. 2 “A maior parte dos filósofos gregos, e justamente a partir de Sócrates, apresentou ao mundo sua mensagem como mensagem de felicidade. Em grego, “felicidade” se diz “eudaimonía”, que, originalmente, significava ter tido a sorte de possuir um demônio-guardião bom e favorável, que garantia boa sorte e vida próspera e agradável”. Giovanni REALE; Dario ANTISERI, História da filosofia: filosofia pagã e antiga, p. 97. No livro Felicidade dos filósofos pré-socráticos aos contemporâneos, de Franklin Leopoldo e SILVA, o autor apresenta os seguintes filósofos que pensaram o tema felicidade: Homero, Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro,Zenão de Cítio, Marco Aurélio, Sêneca, Santo Agostinho, Descartes, Kant, Kierkagard, Hegel, Nietzsche, Marx, Freud, Sartre, Hans Jonas, Lévinas e Habermas.
167
felicidade como ideal monástico e defender que ela pode ser vivida a partir da
existência do Mosteiro da Ressurreição.
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CAPÍTULO VI: A FELICIDADE NO CONTEXTO DO HIPERCONSUMO
A discussão sobre a felicidade esteve presente sob a ótica de muitas
correntes filosóficas3, como, por exemplo: a socrática, a aristotélica, a epicurista e a
estóica. Chegou com toda força aos nossos dias, causando certos impactos sobre a
vida cotidiana. Nas várias vicissitudes da vida, como a dor, a perda e a doença, é
possível encontrar a felicidade? “Quem já meditou sobre os grandes mestres não
está melhor equipado que ninguém para viver feliz, pois nenhum filósofo nos protege
contra a experiência da tristeza, do desespero, da dor ou do medo”4. Os pensadores
são luzes que podem ajudar-nos a ter uma vida feliz, mas não trazem as receitas
prontas, pois a vida de cada um é uma descoberta e uma escolha pessoal: “Numa
época de self-service individualista, Sêneca e Montaigne surgem no campo do
consumo ao lado do Prozac, com todo um público procurando na filosofia das
consolações as receitas empíricas, imediatas, para a felicidade”5. Ainda segundo
Lipovetsky:
A pílula da felicidade. Com essa bela jogada de marketing foi lançado, há duas décadas, o Prozac. Com menos efeitos colaterais em relação aos antidepressivos da geração anterior, o novo medicamento prometia a cura para a depressão, apontada pela Organização Mundial da Saúde como o “mal do século 20”. Foi sucesso imediato. Até a chegada do Viagra, era o remédio mais vendido no mundo. É consumido hoje por 40 milhões de pessoas e ministrado até para crianças e cachorros. Descobre-se agora que há exagero nos benefícios do Prozac e seus congêneres. Um extenso estudo organizado por médicos da Universidade de Hull, na Inglaterra, apontou que, em casos de depressão leve e moderada, os antidepressivos funcionam quase tanto quanto um placebo - ou seja, nada. (...) No Brasil, entre 2004 e 2005, foram consumidos US$ 175 milhões de antidepressivos. No mundo o mercado é de US$ 19 bilhões. Nos Estados Unidos uma em cada dez mulheres acima de 18 anos toma antidepressivo entre os homens a taxa é de um consumidor para
3 “A Renascença inteira se nutriu das sabedorias antigas; e, mesmo em pleno século XVII, o estoicismo, o epicurismo, o pirronismo exerciam grande influência sobre as mentes. Não tenho a sensação de que o que estamos criando em matéria de filosofia possa conhecer destino semelhante. A filosofia pode até estar na moda, mas não se voltará ao statu quo ante, e nada deterá o processo de redução da influência dela sobre a vida cultural”. Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p.125. 4 Ibid., p. 124. 5 Ibid., p. 124.
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cada 25 pessoas. No Brasil, entre 2000 e 2002, o número de receitas médicas de antidepressivos para crianças registrou um aumento de 48%.6
Parece que felicidade não se adquire através de antidepressivos, parece ser
antes um cultivo de virtudes. Sócrates7 identifica a felicidade como virtude e
sabedoria, para tanto, costumava andar pelos mercados de Atenas e dizer para si
mesmo que não precisava de coisa alguma para ser feliz. Muitos outros filósofos
apresentam-nos possibilidades diferentes de como ter uma vida feliz:
O desejo de felicidade, que, cremos em Platão e Sócrates já proclamava ser um fato bruto da vida, parece ser um eterno companheiro da existência humana. Mas igualmente eterna parece ser a aparente impossibilidade de sua realização e satisfação totais, inquestionáveis, je ne regrettte rien. E igualmente eterna, não obstante todas as frustrações que isso causa, é a impossibilidade de os seres humanos algum dia deixarem de desejar a felicidade e, com efeito, fazer o possível para procurá-la, consegui-la e mantê-la.8
Aristóteles9 afirmou que a felicidade identifica-se com muitos bens: virtude,
sabedoria prática, sabedoria filosófica, certas atividades de caráter, com todas elas
acompanhadas ou não de prazer ou de prosperidade. Para ele, a felicidade não tem
sentido sem os bens que nos tornam felizes. Distingue duas possibilidades para a
felicidade: há uma felicidade que não é felicidade, a não ser na aparência; há a
felicidade “eterna”, que é a vida contemplativa, a felicidade final, chamada beatitude:
Aristóteles relacionou em sua Retórica as qualidades e realizações pessoais que - uma vez possuídos ou ganhos - se condensariam numa vida feliz. Ele concordava que a felicidade pode ser definida de uma série de maneiras: como “prosperidade combinada com virtude”, “independência da vida”, “gozo seguro do máximo prazer”, “boa condição da propriedade e de seu corpo e de fazer uso deles”. Mas então ele ofereceu uma lista dos bens “internos” e “externos” que são indispensáveis para a felicidade, qualquer que seja a fórmula que se escolha para uma vida feliz. A lista, em sua opinião, tinha
6 Fábio ALTMAN, Comportamento - Depressão: felicidade não se toma, Revista da Semana – Como ser feliz, p. 21.www.revistadasemana.com.br. Acesso em: 03 mar 2008. 7 Cf. SÓCRATES apud Neuza de Fátima BRANDELLERO, De beata vita de Santo Agostinho: uma reflexão sobre a felicidade 8 Zygmunt BAUMAN, A Arte da vida, p.40-41. 9 Cf. ARISTÓTELES apud Neuza de Fátima BRANDELLERO, De beata vita de Santo Agostinho: uma reflexão sobre a felicidade
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fundamento empírico e era composta de desejos que provavelmente seriam relatados por todos os cidadãos de Atenas, como: bom berço, muitos amigos, bons amigos, riqueza, bons filhos, muitos filhos, saúde, beleza, força, grande estatura, capacidade atlética, fama, honra, boa sorte, virtude. Não há nessa lista uma hierarquia de valores, todos os ingredientes estão colocados no mesmo nível de importância, indicando que nenhum deles pode ser sacrificado em proveito de outro sem diminuir a felicidade, e que a presença ou abundância de qualquer um deles não poderia realmente compensar a ausência ou escassez de um outro. Essa sugestão fazia coro com o restante da filosofia de vida de Aristóteles, famoso por suspeitar de qualquer escolha radical, unilateral, aconselhando em vez disso a moderação, a avaliação equilibrada e a escolha do “meio-terno” como a única estratégia correta e eficaz a ser perseguida dentre as realidades notoriamente variegadas e inconsistentes. 10
Já os epicuristas afirmavam que a felicidade é a falta de dor e de perturbação
e, para atingir essa felicidade, a pessoa só precisa de si mesmo, não lhe servindo a
cidade, as instituições, a nobreza, as riquezas e os deuses:
Para Epicuro, portanto, o verdadeiro prazer consiste na “ausência de dor no corpo” (aponía) e na “ausência de perturbação da alma” (ataraxía). Eis as afirmações do filósofo: “Assim, quando dizemos que o prazer é um bem, não aludimos, de modo algum, aos prazeres dos dissipados, que consistem em torpezas, como crêem alguns que ignoram nosso ensinamento ou o interpretam mal; aludimos, ao contrário, à ausência de dor no corpo e a ausência de perturbação na alma. Portanto, nem libações e festas ininterruptas, nem gozar com crianças e mulheres, nem comer peixes e tudo o mais que uma mesa rica pode oferecer são fonte de vida feliz, mas sim o sóbrio raciocinar, que perscruta a fundo as causas de todo ato de escolha e de recusa, e que expulsa as falsas opiniões por via das quais grande perturbação se apossa da alma.11
Por sua vez os estóicos colocavam no sofrimento e na dor o sinal libertador
do ser humano à busca da impassibilidade. A finalidade do viver é atingir a
felicidade, segundo a natureza e a impassibilidade (apatia), mas sem sofrer com as
dores, nem com a busca dos prazeres. Hoje, a “cultura do sacrifício está morta”12.
Alguém vai aceitar que é possível ser feliz mesmo no sofrimento e na dor? A
tecnologia transforma todo esforço em apenas um toque na tecla ou na tela, tudo é
digital. Filosofia? Pensamento?
10 Zygmunt BAUMAN, A arte da vida, p. 41 11 Giovanni REALE; Dario ANTISERI, História da Filosofia – Filosofia pagã e antiga, p. 269. 12 Zygmunt BAUMAN, A Arte da Vida, p. 57.
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Sinal dos tempos: não há mais “ismos”, não há mais grandes escolas filosóficas. É forçoso reconhecer que o papel histórico-“prometido” da filosofia já ficou para trás. Daqui para frente, são as ciências e a tecnociência que abrem mais perspectivas, que inventam o futuro, que mudam o presente e a vida, que inspiram os criadores.13
Felicidade! Felicidade! Será que há algo errado com a felicidade? Em nosso
tempo, há muita discussão e literatura sobre a temática. Deparamo-nos,
frequentemente, com muitas publicações sobre o tema da felicidade:
Eis a moral erigida em ciência da felicidade, a única a ser realmente útil aos homens. Moral da felicidade, mas também sonhos de felicidade: os discursos utópicos que imaginam uma sociedade diferente, reconciliada com a felicidade, multiplicam-se; romances e poemas, canções e peças de teatro a põem em cena, mesmo o ambiente de vida (residências, interiores, jardins, mobiliário, modas, bibelôs, decoração) concretiza o novo primado reconhecido aos prazeres e à vida radiante. A secularização do mundo caminhou junto com a sacralizada da felicidade terrena.14
Há um super-consumo e um faturamento econômico que gira em torno do
tema felicidade: “A suposta chave para a felicidade de todos, e assim o propósito
declarado da política, é o crescimento do produto nacional bruto (PNB). E o PNB é
medido pela quantidade de dinheiro gasto por todo mundo em conjunto”15. Observa-
se uma verdadeira avalanche literária sobre a vida feliz com diversas abordagens16.
13 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 125. 14 IDEM, A felicidade paradoxal, p. 334. 15 Zygmunt BAUMAN, Amor líquido, p. 86. 16 A título de curiosidade, alguns títulos de livros sobre a felicidade: Daniel GILBERT, O que nos faz felizes - o futuro nem sempre é o que imaginamos; Pedro DEMO, Dialética da Felicidade: olhar sociológico pós-moderno, vol. I; Pedro DEMO, Dialética da Felicidade: insolúvel busca de solução, vol. II; Pedro DEMO, Dialética da felicidade: felicidade possível, vol III; Santo AGOSTINHO, A Vida Feliz - diálogo Filosófico; Marco Túlio CÍCERO, A Virtude e a Felicidade; André Comte SPONVILLE, A Felicidade, desesperadamente; André Comte-SPONVILLE, A mais bela história da felicidade: a recuperação da existência humana diante da desordem do mundo; EPICURO, Carta sobre a Felicidade (a Meneceu); Anselm GRÜN, O pequeno livro da verdadeira Felicidade; Idalgo José SANGALLI, O fim último do homem da eudaimonia aristotélica à beatitude agostiniana; Franklin Leopoldo e SILVA, Felicidade - Dos filósofos pré-socráticos aos contemporâneos; Jean ONIMUS, O segredo da felicidade; Antônio MOSER, Casado ou Solteiro você pode ser feliz; Antonio Carlos TEIXEIRA, Como criar felicidade; JULIÁN MARÍAS, A felicidade humana; Eric WEINER, A Geografia da felicidade; DALAI-LAMA; Howard G. CUTLER, A arte da felicidade: um manual para a vida; João Carlos MOTTI; Eduardo BETTEGA, Insatisfação e felicidade ciclo motivacional; Gilles LIPOVETSKY, A felicidade paradoxal - ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo; Flávio FRANKLIN, Dá trabalho ser feliz, mas vale a pena; David NIVEN, Os 100 segredos das pessoas felizes; Eduardo GIANNETTI, Felicidade: diálogos
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A discussão sobre a felicidade continua percorrendo os lugares e perpassando o
tempo e nos deixando sempre inquietos. Em compensação, o que tem chances de
se difundir é o consumo maciço de certas obras, quer de introdução às filosofias,
quer de meditações do tipo eudemonístico. Em meio a esta sociedade consumista,
globalizada e líquida, falar sobre a vida monástica parece desconcertante e fora de
lugar, mas é o que se propõe este trabalho. Afinal, existe alguma ligação entre o
estilo de vida monacal e a atual sociedade?
Hoje, fala-se muito dos sistemas sócio-politicos e econômicos que afetam a sociedade contemporânea: o capitalismo, o neo-liberalismo, as políticas socialistas, a globalização, a união de países asiáticos, etc... Penso, porém, que todas estas estruturas não devem contribuir para que o monaquismo se individualize. Mas devem ser um ponto de referência no qual nos localizamos no tempo e na atualidade. A Comunidade deve entrar nestes modelos para que, como um núcleo de oração, seja a força que contribua em sua missão salvífica, e não o contrário. Isto seria um inicio da divisão e do individualismo dentro do cenóbio. Não quero dizer que o cenóbio deva estar fora da realidade que acompanha a época, penso, porém, que o ideal monástico não possa se encaixar dentro das correntes mundanas e dos modelos sócio-estruturais que não valorizam o “ser” como imagem de Deus. Estar unidos na Comunidade mediante o nosso voto de Conversatio Morum17. Este voto nos exige sermos fiéis às diferentes atualidades, que permitem que a ética não seja um obstáculo para a moral, pois, caso contrário, esta se reduziria a um simples moralismo. Converter-nos, juntos, na mesma Comunidade implica formar um cenóbio solidificado no Espírito Santo. Por isso, o voto de conversatio não pode ser um voto individual, mas coletivo.18
sobre o bem-estar na civilização; Antônio Lima dos SANTOS, Filosofando com o Mestre rumo à verdade e à felicidade; Hugo PRATHER, Como ser feliz apesar de tudo; Sonia Maria MACIEL, Ética e felicidade: um estudo do Filebo de Platão; Robert ELLSBERG, Instruções dos santos para a felicidade: lições práticas para as grandes questões da vida; Pascal BRUCKNER, A Euforia perpétua: ensaios sobre o dever de felicidade; Clarice LISPECTOR, Felicidade clandestina - contos; Felipe AQUINO, Para ser feliz; Bertrand RUSSELL, A conquista da felicidade; Rubens ALVES, Ostra feliz não faz pérola; Mark KINGWELL, Aprendendo felicidade: todas as tentativas de Platão ao prozac. 17 “Graças a nosso voto de conversão de vida, o propósito primordial, poderíamos dizer o propósito único de nosso estado de vida, se torna explícito: entrar em cheio no Reino de Cristo e deixar crescer seu reinado em nós. Ou outros votos aparecem assim em sua luz verdadeira. Encontram seu sentido como realizações do voto de conversão de vida. Despimo-nos do espírito do mundo ao renunciar à maneira mundana de viver. Revestimo-nos de Cristo ao interiorizar uma nova maneira de viver. A castidade consagrada, a pobreza, a obediência e a estabilidade são diferentes maneiras de expressar esse único movimento espiritual de renúncia e de aquisição”. ROBERTS Agostinho, Vida monástica - Elementos básicos, p. 48. 18 Ir. Gabriel JIMÉNEZ, Osb, O impacto da juventude, suas características e a nova antropologia, seu perfil e o desafio à vida monástica, A vida monástica e o terceiro milênio, p. 21.
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A vida monacal deve continuar a ser uma fonte de inspiração para toda
sociedade, mesmo que não compreendida em sua totalidade. A contribuição que ela
oferece é através do aspecto espiritual, como uma comunidade que almeja ser cada
vez mais através de sua conversatio morum, para melhor servir às pessoas do
nosso tempo. Como definir a sociedade hodierna? Segundo o filósofo Lipovetsky, o
hiperconsumo é uma das características da sociedade hipermoderna:
Hiperconsumo: um consumo que absorve e integra parcelas cada vez maiores da vida social; que funciona cada vez menos segundo o modelo de confrontações simbólicas caro a Bourdieu; e que, pelo contrário, se dispõe em função de fins e de critérios individuais e segundo uma lógica emotiva e hedonista que faz que cada um consuma antes de tudo para sentir prazer, mais que para rivalizar com outrem. O próprio luxo, elemento da distinção social por excelência, entra na esfera do hiperconsumo porque é cada vez mais consumido pela satisfação que proporciona (um sentimento de eternidade num mundo entregue à fugacidade das coisas), e não porque permite exibir status. A busca dos gozos privados suplantou a exigência de ostentação e de reconhecimento social: a época contemporânea vê afirmar-se um luxo de tipo inédito, um luxo emocional, experimental, psicologizado, substituindo a primazia da teatralidade social pela das sensações íntimas. 19
Pelos critérios sociais vigentes, consumo e felicidade são sinônimos:
É em nome da felicidade que se desenvolve a sociedade de hiperconsumo. A produção dos bens, os serviços, as mídias, os lazeres, a educação, a ordenação urbana, tudo é pensado, tudo é organizado, em princípio, com vista à nossa maior felicidade20.
Então, o que falta para que as pessoas sejam felizes? O que mudou na
sociedade, para que as pessoas tenham comportamentos tão diversificados?
Tudo evoluiu e mudou, porém há algo que permanece. Em todo lugar deseja-se e procura-se ser feliz. Os meios de comunicação e os melhores pregadores no-lo repetem: é preciso ser feliz. É um dever. Na cultura atual há um imperativo instante de ser feliz e algumas boas propostas de felicidade. Todavia, a alta exigência de êxito e de eficácia sem comprometimento conduziu e esta conduzindo a uma sociedade depressiva. Por isso é tão
19 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 25-26. 20 IDEM, A felicidade Paradoxal, p. 336.
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urgente repetir que necessitamos de uma reeducação para a felicidade. A verdadeira felicidade perdeu o encanto do difícil, do exigente, do simples e do religioso.21
Numa sociedade consumista, onde cada vez mais o dinheiro parece ser a
finalidade de labor humano, há lugar para a gratuidade e a solidariedade? “A
solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado
consumidor”22. A simplicidade, o difícil e o aspecto religioso foram substituídos pelo
valor monetário. As relações humanas, baseadas apenas na economia, não podem
trazer um bem-estar à nossa sociedade:
A invocação de “amar o próximo como a si mesmo”, diz Freud (em O mal-estar na civilização), é um dos preceitos fundamentais da vida civilizada. É também o que mais contraria o tipo de razão que a civilização promove: a razão do interesse próprio e da busca da felicidade.23
Será possível construir uma sociedade tendo como suporte a solidariedade
humana? “A sociedade individualizada caracteriza-se pelo afrouxamento dos laços
sociais, esse alicerce da ação solidária. Também é notável por sua resistência a
uma solidariedade que poderia tornar esses laços duráveis e seguros”24.
Estamos num tempo cheio de indefinições, cujas incertezas são maiores que
as certezas. Um mundo cheio de coisas supérfulas, onde quase tudo é descartável,
inclusive o ser humano:
Condições econômicas e sociais precárias treinam homens e mulheres (ou fazem aprender pelo caminho mais difícil) a perceber o mundo como um contêiner cheio de objetos descartáveis, objetos para uma só utilização, o mundo inteiro, inclusive outros seres humanos. Além disso, o mundo parece ser constituído de “caixas pretas”, hermeticamente fechadas, e que jamais deverão ser abertas pelos usuários, nem consertadas quando quebram.25
21 José Maria ARNAIZ, Três empenhos para um projeto de vida, Revista Beneditina, p. 16. 22 Zygmunt BAUMAN, Amor líquido, p. 98. 23 Ibid., p. 97. 24 IDEM, Medo líquido, p. 32. 25 Gilles LIPOVESTKY, Modernidade líquida, p. 186.
175
Descartável, finito, prazo vencido e fluidez, eis alguns adjetivos entre nós. O
“para sempre”, “até que a morte os separe”, não faz mais sentido. As relações
ocorrem de maneira rapidíssima apenas para cada um sentir prazer:
... se o prazer obtido não corresponder ao padrão prometido e esperado, ou se a novidade se acabar junto com o gozo, pode-se entrar com a ação de divórcio, com base nos direitos do consumidor. Não há qualquer razão para ficar com um produto inferior ou envelhecido em vez de procurar outro “novo e aperfeiçoado” nas lojas.26
Porém, pequenos problemas cotidianos também afetam as relações:
“desacordos triviais se tornam conflitos amargos, pequenos atritos são tomados
como sinais de incompatibilidade essencial e irreparável”27.
6.1 – Pós-modernidade, consumo e felicidade
Chegamos à pós-modernidade ou estamos na modernidade? O que pensam
os estudiosos sobre este assunto? Quais as características de ambas? Queiroz
apresenta-nos numa visão panorâmica, construindo um perfil interessante destes
dois momentos. Em seu artigo Deus e Crenças Religiosas no Discurso Filosófico
Pós-Moderno - Linguagem e Religião28, ele aponta que alguns pensadores, como
Habermas, Látour, Eagleton e Giddens, dizem que a Modernidade ainda não
terminou e que os prefixos pós e hiper nem existem, pois nunca “... fomos
modernos, e assim coloca em crise o conceito de Modernidade e, por conseqüência,
rejeita as pretensões pós-modernismo”29. Continuando no mesmo artigo, ele afirma
que outros estudiosos da sociedade, como Lyotard, Vattimo, Jameson, Maffesoli e
Connor, afirmam, com toda a convicção, de que já vivemos num Estado Pós-
Moderno ou HiperModerno, sendo que suas características são a desconstrução dos
discursos narrativos e dos pilares da ciência moderna, além do paradoxo e do
26 Gilles LIPOVESTKY, Modernidade líquida, p. 188. 27 Ibid., p. 188. 28 Cf. José J. QUEIROZ, Deus e Crenças Religiosas no Discurso Filosófico Pós-Moderno - Linguagem e Religião, Rever, www.pucsp.br/rever. Acesso em 06/10/2010 29 Ibid., p. 2.
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dissenso prevalecerem sobre as certezas, constituindo uma nova forma de
tribalismo.
Enfim, modernidade, pós-modernidade e hipermodernidade, são termos
usados ao longo desta exposição. Optamos pelo termo pós-modernidade:
Hipermodernidade: uma sociedade liberal, caracterizada pelo movimento, pela fluidez, pela flexibilidade, indiferente como nunca se foi aos grandes princípios estruturantes da modernidade, que precisaram adaptar-se ao ritmo hipermoderno para não desaparecer.30
Em algumas situações, as três faces estão co-ligadas, pois não há uma total
ruptura. “É sempre o velho paradigma com novas caras: globalização, flexibilização,
descentralização, comunidades mercadológicas”31. Nada há de novo debaixo do sol,
sempre há uma cópia da cópia; troca-se de máscaras, mas o rosto é sempre o
mesmo:
O indivíduo pós-moderno está desestabilizado e é, de certa maneira, “ubiqüista”. O pós-modernismo não passa de um grande encaixe suplementar na escalada da personalização do indivíduo devotado ao self-service narcisístico e às combinações indiferentes, como as do caleidoscópio.32
A modernidade deseja alcançar o outro estágio da vida, tornar-se gente
grande e independente. Enquanto a hipermodernidade é o eterno retorno à
juventude: tudo muito rápido, volátil, sendo que aquilo que interessa é a aparência
bela e jovial. Falar sobre o monaquismo, com seus valores perenes, estáveis e
tradicionais, parece estar fora da atual realidade, servindo mais para museu, já que:
(...) o modernismo quer romper a continuidade que nos liga ao passado, instituir obras absolutamente novas. O modernismo proíbe a estagnação, obriga a invenção ininterrupta, a fuga sempre para adiante, tal é a
30 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 26 31 José J. QUEIROZ, Deus e Crenças Religiosas no Discurso Filosófico Pós-Moderno - Linguagem e Religião, Rever, p. 2, www.pucsp.br/rever. Acesso em: 06 out 2010. 32 Gilles LIPOVETSKY, A Era do vazio, p. 24.
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“contradição” imanente ao modernismo: “a modernidade é uma espécie de autodestruição criadora”.33
Segundo o artigo abaixo, na sociedade pós-moderna não existe um valor
como a estabilidade e outros que são tão caros ao monaquismo, dando a impressão
de que há um distanciamento entre ambos:
O título de um artigo apresentado em dezembro de 1997 por um dos analistas mais incisivos do nosso tempo, Pierre BOURDIEU, é “Le précarité est aujourd’hui partout”. O título diz tudo: precariedade, instabilidade, vulnerabilidade, que são as características mais difundidas das condições de vida contemporânea e também a que se sente mais dolorosamente. Os teóricos franceses falam de précarité, os alemães, de Unsicherheit e Risikogesellschaft, os italianos, de incertezza e os ingleses, de insecurity- mas todos têm em mente o mesmo aspecto da condição humana, experimentada de varias formas sob nomes diferentes por todo o globo, mas sentida como especialmente enervante e deprimente na parte altamente desenvolvida e próspera do planeta- por ser um fato novo e sem precedentes. O fenômeno que todos esses conceitos tentam captar e articular é a experiência combinada da falta de garantias (de posição, títulos e sobrevivência), da incerteza (em relação à sua continuação e estabilidade futura) e de insegurança (do corpo, do eu e de suas extensões: poses, vizinhança, comunidade).34
Numa autêntica vivência do monaquismo, o supérfluo, a novidade e o
consumismo não têm espaço dentro do claustro. Vejamos as palavras do próprio
Lipovestky sobre este assunto:
Tudo o que é novo apraz se impõe como rei, e neofilia se afirma como paixão cotidiana e geral. Instalaram-se sociedades restruturadas pela lógica e pela própria temporalidade da moda: em outras palavras, um presente que substitui a ação coletiva pelas felicidades privadas, a tradição pelo movimento, as esperanças do futuro pelo êxtase do presente sempre novo. Nasce toda uma cultura hedonista e psicologista que incita à satisfação imediata das necessidades, estimula a urgência dos prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o paraíso do bem-estar, do conforto e do lazer. Consumir sem esperar; viajar, divertir-se, não renunciar a nada: a políticas do futuro radiante foram sucedidas pelo consumo como promessa de um futuro eufórico.35
33 Gilles LIPOVETSKY, A Era do vazio, p. 61. 34 Ibid., p. 184. 35 IDEM, Os tempos Hipermodernos, p. 60-61.
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Em meio a tantas situações sociais e pessoais, aparece um personagem
chamado Narciso. Personagem da mitologia grega, que reaparece um pouco
diferente com o rosto pós-moderno: “Hoje em dia é Narciso que, aos olhos de
considerável número de pesquisadores, principalmente americanos, simboliza os
tempos atuais”36. Em relação ao narcisismo e à pós-modernidade, afirma o autor:
O narcisismo não encontra seu verdadeiro sentido a não ser em uma escala histórica; no essencial, ele coincide com o processo tendencial que leva os indivíduos a reduzir a carga emocional investida no espaço público ou nas esferas transcendentes e, correlativamente, a aumentar as prioridades da esfera privada. O narcisismo é indissociável dessa tendência histórica de transferência emocional; igualação por baixo das hierarquias supremas, hipertrofia do ego, tudo isso com certeza pode ser mais ou menos pronunciado de acordo com as circunstâncias, mas a longo prazo o movimento parece ser irreversível porque coroa o sonho secular das sociedades democráticas. Poderes cada vez mais penetrantes, benevolentes, invisíveis e indivíduos cada vez mais atentos a si mesmos, “fracos”, senão instáveis ou sem convicção, a profecia de Tocqueville se realiza no narcisismo pós-moderno. 37
Com o narcisismo cada vez mais em voga entre nós, podemos perguntar
como são os membros de um mosteiro? Serão pessoas com um alto grau de
desenvolvimento humano, espiritual e cultural ou também são pessoas fragilizadas
com suas histórias comuns a todos os demais? De alguma maneira, a sociedade
atual também chega dentro dos claustros. A pós-modernidade faz-se presente, seja
pela tecnologia (computador, notebook, máquina fotográfica) ou pela marca do tênis
ou da caneta que o monge usa. Os próprios monges são frutos da vivência social e
levam para dentro dos mosteiros toda sua história: “Ninguém pode se vangloriar de
escapar, da deserção social que ocasionou uma democratização sem precedente da
depressão, o tédio de viver, flagelo hoje em dia difundido e endêmico”38. Todos nós
sentimos os efeitos da pós-modernidade na esfera privada ou pública:
Em especial, testemunha-se uma preocupante fragilizacão e desestabilização emocional dos indivíduos. O hiperconsumo desmantelou todas as formas de socialização que antes forneciam referenciais a eles. Durkheim já salientava:
36 Gilles LIPOVETSKY, Os tempos Hipermodernos, p. 31. 37 IDEM, A era do vazio, Prefácio, p. XXII. 38 Ibid., p. 28.
179
se ocorre uma epidemia de suicídios, não é porque a sociedade se torna mais severa, e sim porque os indivíduos ficam entregues a si mesmos e, por isso, menos equipados para suportar as desventuras da existência. Hoje, se os indivíduos estão cada vez mais frágeis, é menos porque o culto ao desempenho os destrói do que porque as grandes instituições sociais não mais lhes fornecem uma sólida armadura estruturante. Donde a aspiral de distúrbios psicossomáticos, depressões e outras ansiedades, que são a outra face da sociedade da felicidade. Se tal constatação é correta, isso quer dizer que a busca da felicidade que os modernos fizeram avançar está muito longe de ter-se consumado. O bem-estar material aumenta, o consumo dispara, mas a alegria de viver não segue o mesmo ritmo, pois o indivíduo hipermodermo perde em descontração o que ganha em rapidez operacional, em conforto, em extensão do tempo da vida.39
Desestabilização emocional das pessoas, depressão e ansiedade são
algumas doenças do nosso tempo. Aumenta o consumo de medicamentos, cada vez
mais caros, ou mesmo cresce o uso de drogas. Tudo isso parece um imenso
paradoxo:
Procurar exemplos, conselho e orientação é um vício: quanto mais se procura, mais se precisa e mais se sofre quando privado de novas doses da droga procurada. Como meio de aplacar a sede, todos os vícios são autodestrutivos; destroem a possibilidade de se chegar à satisfação.40
Afinal, o que pode satisfazer o ser humano? Os bens materiais serão capazes
de proporcionar esta satisfação?
Não há nenhum motivo para que desapareçam os homens com ambição de elevar-se acima dos preconceitos e lançar-se aos difíceis caminhos da fruição do mundo pelo entendimento. Mas tampouco há motivos para crer que tal atitude possa democratizar-se e conquistar as multidões.41
A vida monástica, com toda sua ascese, pode ser um dos caminhos capaz de
elevar um pequeno número de pessoas para uma vivência da felicidade, a partir de
valores diferentes dos da sociedade. Por exemplo, o valor da verdade. A pessoa que
é sempre sincera em nossa sociedade acaba dando-se mal, enquanto na vida 39 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 123. 40 Zugmunt BAUMAN, Modernidade líquida, p. 85. 41 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 122-123.
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monacal, ser sincero o tempo todo é uma virtude. Ajudar o próximo sem esperar
nada em troca. Quando isto acontece em nossa sociedade? Muito raro encontrar
pessoas que gratuitamente prestam sua ajuda ao semelhante. Um monge promete
publicamente que viverá o amor ao próximo. A lista poderia ser longa e a discussão
infinita.
Com tanta liberdade e a busca pelo bem-estar, o ser humano sente-se
sozinho e abandonado em meio à grande multidão: “A solidão se tornou um fato,
uma banalidade com a mesma importância dos gestos cotidianos”42. Ao dar um giro
pelo shopping, podemos assistir o que significa consumo: compra-se pelo impulso
de adquirir algo novo e moderno, como se isto fosse preencher o vazio do coração
humano. “As sociedades de consumo assemelham-se a um sistema de
estimulações sem fim das necessidades que tanto mais aprofunda a decepção e a
frustração quanto mais ressoam os convites à felicidade ao alcance da mão”43. Logo
que se adquire o produto tal, a pessoa sente-se deprimida e infeliz. Certa vez,
encontrei uma senhora que havia comprado dez pares de sapatos. A princípio
parecia feliz, mas quando voltou para sua casa, sentiu-se triste, frustrada e
endividada. Ela dizia que não era isso que desejava, mas, no impulso, comprava por
comprar, pois sabia muito bem que não iria usar todos os sapatos novos, pois ela já
possuía cerca de oitenta pares. Este é apenas um exemplo comum e banal entre
nós, mas o problema é grande, levando muitas pessoas ao endividamento:
Em 2003, estimava-se em 500 mil o número das famílias muito endividadas que eram objeto de um processo e 1,5 milhão de famílias estava em situação de endividamento excessivo. Ao mesmo tempo, um consumidor em dois reconhecia ceder regularmente ao prazer da compra por “entusiasmo repentino”; 30% a 60% dos artigos comprados nos supermercados e nos centros comerciais são compras impulsivas. Escalada das falências pessoais, “febre compradora” shopping “bulímico”, compras impulsivas, “patologias”que não deixam de ter ligações com as solicitações da publicidade e os sentimentos de urgência que ela prodigaliza. Essa seria a “tirania” da ordem publicitária que, propagando uma cultura da satisfação imediata dos desejos, conseguiria desestruturar a organização psíquica dos consumidores, desarmar o homem em face da expectativa e da frustração, privá-lo de distância entre seu ser e as seduções mercantis.44
42 Gilles LIPOVETSKY, A Era do Vazio, p. 29. 43 IDEM, A felicidade paradoxal - ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo, p. 154. 44 Ibid., p. 178.
181
Poderíamos fazer uma lista imensa de coisas supérfluas que se compram ao
longo da vida. Não por necessidade, mas pelo desejo de adquirir algo novo e
moderno: “... a vida organizada em torno do consumo, por outro lado, deve se bastar
sem normas: ela é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e
quereres voláteis - não mais por desejos normativos”45. A invensão do cartão de
crédito facilitou a vida de muitas pessoas. Tudo é automático, rápido, digitalizado,
sem burocracia. Talvez, estes consumidores são os novos pobres da nossa
sociedade:
Ao superendividamento “ativo”, que sanciona um uso imoderado do crédito, sucede cada vez mais um superendividamento “passivo” desencadeado por acontecimentos externos funestos. “Orgias” de consumo, febres de compra, sentimento de “não viver sem comprar”, desejos incontroláveis que provocam catástrofes financeiras, todos esses fenômenos são bem reais: é forçoso observar, contudo, que estão longe de se apresentar como um sismo geral que submerge as terras do hiperconsumo. 46
Um dos imperativos da sociedade de consumo é convencer a pessoa de que
ela precisa trabalhar cada vez mais para poder comprar, mesmo que não tenha
necessidade do produto, mas, sim, pelo desejo de possuí-lo:
Os anátemas lançados contra a sociedade afluente florescem, alimentando-se da idéia segundo a qual a “mecânica infernal” das necessidades condena o consumidor a viver num estado de carência perpétua, a ver recuar a quietude e o gozo verdadeiro em favor de uma insatisfação crônica.47
Será que as coisas materiais são capazes de preencher a vida humana de um
sentido mais profundo, trazendo a plena felicidade? Será que existe alguma relação
entre trabalho e felicidade?
Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, os seres humanos tendem a ser treinados, preparados, exortados, persuadidos e tentados a
45 Zygmunt BAUMAN, Modernidade líquida, p. 90. 46 Gilles LIPOVETSKY, A felicidade paradoxal, ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo, p. 179. 47 Ibid., p. 184
182
abandonar as maneiras que consideravam corretas e adequadas, dar as costas àquilo que prezavam e que imaginavam que os fazia felizes, e tornar-se diferentes do que são. Vêem-se pressionados a se transformar em trabalhadores prontos a sacrificar o resto de suas vidas pela empresa competitiva ou pela competição empresarial; em consumidores movidos pelos desejos e vontades infinitamente expansíveis; em cidadãos que abraçam total e irrestritamente a versão “não há alternativa” da “correção política” do momento, que os incita, entre outras coisas, a serem fechados e cegos à generosidade de desinteressada e indiferentes ao bem comum se este não puder ser utilizado para reforçar seus egos...48
Muitas pessoas passam a vida inteira lutando para adquirir algumas coisas
matérias para seu bem-estar; ter, ao menos, o necessário. Outra minoria trabalha
para amontoar fortunas, que geram grande preocupação. “A civilização atual
comporta uma variável de complexidade, particularmente terrível” 49. Trabalha-se
muito para aquisição de bens materiais e, com o passar do tempo, descobre-se que
somente este tipo de valores não é suficiente para trazer a felicidade ao coração
humano:
A massa dos homens do nosso tempo vive ao sabor das circunstâncias; desligada da essência a existência não passa de um vagar sem fim num deserto de valores. O imperativo maior, para o habitante do século XX que termina, é assegurar, na dificuldade dos tempos, sua vida material; ele perde sua vida a ganhá-la e freqüentemente não percebe que o destino do homem possa ser outro que o ganhar dinheiro a fim de se garantir o maior conforto material possível, e o maior número desses prazeres de toda espécie, que nos são propostos em nossa vida cotidiana sob forma de tentações obsessivas.50
Nos versos abaixo, podemos ver algumas das muitas atitudes pós-modernas
em relação ao consumo, ao tempo, à liberdade e à felicidade, bem como
comentários de teóricos sobre a sociedade atual: “Deixemos aos leitores decidir se a
coerção para buscar a felicidade, na forma praticada em nossa sociedade líquido-
moderna de consumidores, torna o coagido feliz”51. Como ser feliz numa sociedade
de hiper-consumo?
48 Zygmunt BAUMAN, A arte de Viver, p. 68. 49 Georges GUSDORF, A Agonia da nossa civilização, p. 165. 50 Ibid., p.18. 51 Zygmunt BAUMAM, A Arte da Vida, p. 69.
183
Gente que vem, gente que vai.
Ruidosa, que a festa faz.
Crê que a vida leva;
Mas para onde?
Sem mapa, sem direção, projeto audaz. 52
Existe um movimento, o tempo todo, quando as pessoas andam, correm e a
maioria nem sabe para onde e nem o porquê... “Quanto mais de depressa se vai,
menos tempo se tem. A modernidade se construiu em torno da crítica à exploração
do tempo de trabalho; já a época hipermoderna é contemporânea da sensação de
que o tempo se rarefaz”53. Tempo comprimido, apertado, veloz, fugaz, tudo parece
se tornar líquido, conforme afirma o sociólogo Bauman.
Gente que sabe gastar
Tempo, dinheiro e sua paz.
Gente que empurra a vida;
Alguma orientação?
O devaneio do amor ousa buscar.54
Trabalha-se para gastar dinheiro em coisas supérfluas, prazer por prazer.
Elemento efêmero e líquido. Esvai-se. Acabou.
O hiperconsumidor não está mais apenas ávido de bem-estar material, ele aparece como um solicitante exponencial de conforto psíquico, de harmonia interior e de desabrochamento subjetivo, demonstrados pelo florescimento das técnicas derivadas do desenvolvimento pessoal bem como pelo sucesso das sabedorias orientais das novas espiritualidades, dos guias da felicidade e da sabedoria.55
52 Poesia de Dom Abade André MARTINS, e-mail, 30/01/2011. 53 Gilles LIPOVESTKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 78. 54 Poesia de Dom Abade André MARTINS, e-mail, 30/01/2011. 55 Gilles LIPOVESTKY, A felicidade paradoxal, p. 15.
184
Time is money é o que todos falam e vivem neste tipo de sociedade, onde os
valores giram em torno do ter. Será que o dinheiro consegue comprar paz, amor,
saúde e prolongar a eterna juventude do ser?
Gente feia, gente bonita.
Pronta está, será capaz?
Para dar da vida o que tem
Pensa, qual delas? São tantas.
Ilusão benéfica, remédio eficaz.56
Vaidade das vaidades, vazio total, cirurgias plásticas, investimento de
primeira necessidade, para quem tem dinheiro para pagar:
O homem indiferente não se apega a nada, não tem certeza absoluta, adapta-se a tudo, suas opiniões são suscetíveis de modificações rápidas: para atingir esse grau de socialização, os burocratas do saber e do poder têm a oferecer verdadeiros tesouros de imaginação e toneladas de informações.57
Quase tudo gira em torno de ter deixando de lado o ser humano, o que
acarreta frustração:
Gente de face velada
E vista de longe podemos notar
Qual o vero semblante?
Tanta máscara, um gesto falaz,
Um para cada propício lugar.58
Máscaras... São tantas... O que é natural e verdadeiro? Tudo parece ser uma
grande mentira sem fim:
56 Poesia de Dom Abade André MARTINS, e-mail, 30/01/2011. 57 Gilles LIPOVESTKY, A Era do Vazio, p. 26. 58 Poesia de Dom Abade André MARTINS, e-mail, 30/01/2011.
185
Quando circulamos no meio da multidão, nas ruas da cidade, quando nos misturamos numa assembléia, os rostos numerosos dos homens e mulheres que encontramos, de ordinários, não retêm nossa atenção. Nosso olhar percorre de um a outro sem ir mais além da superfície dessas existências que cruzam a nossa.59
Um exemplo, de como as pessoas possuem medo de olhar nos olhos das
outras pessoas, é o metrô de São Paulo. Ninguém olha para ninguém, as pessoas
sentem-se sozinhas na imensa multidão:
Gente que de Deus tomou o lugar.
Mas por que? O que isso faz?
Tudo o que necessário for:
O paraíso já está habitado
Uma mentira que não se propõe revidar.60
Parece que o ser humano não só roubou o lugar de Deus, mas o matou e
nem por isso parece mais feliz:
A perda do ser, a deficiência ontológica, a morte de Deus, e a morte do homem são sinais nefastos de um desparecimento geral do querer viver no Ocidente, se se admite que a vida espiritual importa tanto, senão mais, quanto a vida material. O único remédio para esta situação de desorientação fundamental parecer ser o de lembrar aos homens o sentido dos valores perdidos.61
Deus continua sendo Deus sem o ser humano, mas o ser humano parece se
tornar desumano, quando tira Deus de sua vida. A sociedade de hoje é vazia e
líquida, pessoas sem rumo e direção, mas há justificação para tudo, até mesmo para
o vazio. “Os espaços vazios são antes de mais nada vazios de significado. Não que
sejam sem significado porque são vazios: é porque não tem significado, nem se
acredita que possam tê-lo, que são vistos como vazios (melhor seria dizer não-
59 Georges GUSDORF, A Agonia da Nossa Civilização, p. 105. 60 Poesia de Dom Abade André MARTINS, e-mail, 30/01/2011. 61 Georges GUSDORF, A Agonia da Nossa Civilização, p. 243.
186
vistos)”62. Luta-se pelos bens materiais e, depois, tudo parece ser uma grande
ilusão, um nada. São muitas as situações que trazem ao ser humano um sentimento
de impotência e de decepção: “O mal entendido da vida moderna é que ela faz
passar acessório diante do essencial. Multiplica as dependências em lugar de aliviá-
las e força o indivíduo a aceitar como ritmos vitais os mecanismos de ordem técnico-
burocrática”63.
A felicidade, no contexto do hiper-consumo, foi uma tentativa de apresentar
algumas situações vividas por muitas pessoas da sociedade pós-moderna. Num
esforço de querer entender qual o espaço que a felicidade ocupa dentro de um
consumismo cada vez maior. Na verdade surgiram mais perguntas que respostas:
O que há de errado com a felicidade? A pergunta do título pode deixar muitos leitores desconcertados. E foi feita mesmo para desconcertar - estimular que se faça uma pausa para pensar. Uma pausa em quê? Em nossa busca pela felicidade, que, como muitos leitores provavelmente concordarão, temos em mente na maior parte do tempo, preenche a maior parte de nossa vida, não pode nem vai abrandar a marcha, muito menos parar... Pelo menos não por mais que um instante (fugaz, sempre fugaz).64
Não há uma receita exata para uma vida feliz. São amplas as possibilidades,
cada pessoa busca, ao seu modo, desesperadamente ser feliz:
Todos querem viver felizes, mas não tem a capacidade de ver perfeitamente o que torna a vida feliz. Realmente não é fácil atingir a felicidade, porque, se alguém desviado do reto caminho se precipita para alcançá-la, fica sempre mais afastado da felicidade. Correndo em sentido contrário, a nossa própria pressa torna-se a causa de um contínuo distanciamento.65
Encaminhando-se para o último capítulo deste trabalho, queremos destacar a
felicidade no ideal monástico e na vida do Mosteiro da Ressurreição, como sinal de
contradição na sociedade hiper-consumista. O mosteiro é um micro espaço, dentro
do macro espaço da sociedade, onde algumas poucas pessoas se dispõem a viver
62 Zygmunt BAUMAN, Modernidade líquida, p. 120. 63 Georges GUSDORF, A Agonia da nossa civilização, p. 165. 64 Zygmunt BAUMAN, A Arte da Vida, p. 7. 65 SÊNECA, A vida feliz, p. 1.
187
um estilo de vida, que se prolonga no tempo e no espaço, isto é, a vida monástica.
Será possível uma vivência fraterna dentro dos muros do mosteiro? Um grupo de
pessoas completamente diferente em vários níveis deve ter também seus problemas
de convivência! Mas, parece que apesar de todos os obstáculos, o grupo é formado
por pessoas que têm fé e desejam aprofundá-la cada vez mais. Parece ser este o
segredo da convivência fraterna: dar e receber o perdão. Caso contrário, seria
apenas um aglomerado de indivíduos egocêntricos e alienados. Optar por este estilo
de vida é estar disposto a morrer a cada dia e não necessariamente sentir-se feliz.
Ser feliz no ideal monástico é muito mais do que um sentimento, é uma força da
vontade, que, cotidianamente, está começando, como se fosse um eterno discípulo
na escola monástica.
188
CAPÍTULO VII: SER FELIZ NO IDEAL MONÁSTICO – A VIDA NO MOSTEIRO DA RESSUREIÇÃO COMO SINAL DE CONTRADIÇÃO NA SOCIEDADE HIPERCONSUMISTA
No último capítulo da tese, a proposta é apresentar o conceito de felicidade
no contexto monacal, sobretudo no Mosteiro da Ressurreição. Um estilo de vida,
como o monástico, por mais afastado que esteja do urbanismo, está inserido numa
determinada cultura e em certo tempo, sofrendo também as consequências dos
mesmos. Muitas indagações e muitas curiosidades sobre o monaquismo surgem e
as respostas nem sempre aparecem. Após uma consideração inicial a respeito do
caráter inusitado da felicidade monacal; num segundo momento apreciaremos
alguns depoimentos de monges e de monjas sobre a vida monástica, testemunhos
válidos sob a ótica da fé. A vida deles é o maior argumento e pode ser a resposta
para aqueles que, curiosos e ansiosos pretendam entender um pouco melhor esta
forma de viver.
7.1 – Monaquismo e consumismo
Os monges do Mosteiro da Ressurreição, desde os tempos de sua fundação,
acreditaram que Jesus Cristo caminha com todos “aqueles que crêem sem ter visto”
(Jo 20, 29), uma vez que a Ressurreição é o que motiva os cristãos a praticar as
boas ações e a manter sempre acesa a esperança de dias melhores. A
Ressurreição é um fato, aceito sob o prisma da fé, mesmo havendo tantas
controvérsias em nossa sociedade. Em todos os tempos e em vários lugares, muitas
pessoas derramaram seu sangue, por professarem a Ressurreição de Cristo.
Mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia, e permitiu que aparecesse, não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia predestinado, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois que ressuscitou. Ele nos mandou pregar ao povo e testemunhar que é Ele quem foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. Dele todos os profetas dão testemunho, anunciando que todos os que nele crêem recebem o perdão dos pecados por meio de seu nome (At 10, 40-43).
189
O mosteiro, objeto desta pesquisa, traz o nome de Ressurreição não apenas
exteriormente. A impressão de muitos que o visitam é que seus monges trazem
gravados interiormente em seus corações a Ressurreição de Cristo: “... eis que
estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20). O que a sociedade
pode dizer diante de uma vivência de fé neste nível? É a crença nestes valores,
quase inenarráveis, que inspira algumas pessoas a se tornarem livres e
espontaneamente encarcerados dentro de um mosteiro, vivendo um estilo de vida
nada comum aos olhos da sociedade laica:
Na atual sociedade humana, que tão facilmente repele a Deus e o nega, a vida de homens e mulheres, dados à contemplação das coisas divina, proclama abertamente a existência de Deus e a sua presença, uma vez que essa vida traz consigo uma característica de amizade com Deus, que dá testemunho a nosso espírito de que somos filhos de Deus. Por isso, os que assim vivem podem confirmar aos que são tentados na fé e que, por erro, chegam a negar a faculdade dada a todo homem de entrar em colóquio com o Deus inefável.1
Muito já foi discutido sobre a relação da sociedade pós-moderna e a vida
monástica, já que na atualidade este tipo de vivência não é tão relevante ou
interessante e, portanto, desejável. Aparentemente, a vida monástica é uma
inutilidade, que não gera lucros materiais, algo quase descartável:
O ideal ascético já não é a figura dominante do capitalismo moderno (...). O que resta no momento em que o afrouxamento pós-moderno liquida o torpor e o enquadramento ou o transbordamento niilista; a descontração elimina a fixação ascética.2
É um paradoxo que neste transbordamento niilista e de vazio existencial,
pessoas, sobretudo, jovens, batam à porta de algum mosteiro para viver uma vida
baseada no ideal ascético. A sociedade propõe e impõe o consumismo como uma
suposta felicidade. A propaganda diz: compre e consuma o máximo, cuide-se, tenha
muito dinheiro, seja o melhor, viva o hedonismo, nada é eterno, tudo pode ser
1 Agostinho ROBERTS, Vida monástica - elementos básicos, p. 186. 2 Gilles LIPOVETSKY, A era do vazio, p. 20.
190
descartável e relativizado. Enfim, a lista é enorme. No entanto, os valores do
monaquismo são: ter despojamento, possuir apenas o necessário, viver com
simplicidade e com poucas coisas, amar a Deus de todo coração e ao próximo como
a si mesmo:
Se o amor é uma capacidade do caráter maduro e produtivo, segue-se que a capacidade de amar de um indivíduo que viva em qualquer cultura depende da influência que essa cultura tem no caráter da pessoa mediana. Falar do amor na cultura contemporânea é indagar se a estrutura social da civilização ocidental é o espírito que dela resulta propiciam o desenvolvimento do amor. Levantar tal questão é respondê-la negativamente. Nenhum observador objetivo da nossa vida ocidental pode duvidar que o amor [...] seja um fenômeno relativamente raro e que seu lugar seja tomado por um grande número de formas de pseudo-amor, que na realidade são formas de desintegração do amor. 3
Parece um contrassenso apresentar a vida monástica como uma fonte perene
de amor, capaz de preencher a existência humana de significado. No mais profundo
de todos os seres humanos, há um único desejo de amar e ser amado, conforme
afirma Comblin:
A raiz e a força de todas as paixões e atos humanos é o amor inato do ser. (...) Mas o espírito humano não se contenta com o que satisfaz os sentidos, e o amor inato de ser nunca se detém. O desejo se desenvolve sempre mais, o esforço para alcançar a plenitude aumenta, cumula a imaginação e impulsiona o sentimento para outro fim.4
O amor é a solução para muitas doenças do nosso tempo, inclusive o vazio.
“‘Se pelo menos eu pudesse sentir alguma coisa!’ Esta frase traduz o “novo”
desespero que aflige um número cada vez maior de pessoas”5. Scheler dizia num
sentido análogo: “o espaço de Newton é o vazio do coração. O homem não encontra
no universo neutro e estéril do discurso científico o como satisfazer suas exigências
íntimas. O espaço de fora não corresponde mais ao espaço interior”6. Ainda segundo
as palavras de Dom Bento: “... precisamos não de muito espaço, mas do que 3 Erich FROMM, A arte de amar, p. 103. 4 José COMBLIN (dir.), O peregrino Russo - três relatos inéditos, p. 114-115. 5 Gilles LIPOVETSKY, A era do vazio, p. 55. 6 Georges GUSDORF, A Agonia da Nossa Civilização, p. 34.
191
realmente nos ajuda a crescer humana e espiritualmente para atingirmos a estatura
e a medida de Cristo”7. O espaço monástico é preenchido pelo desejo de atingir o
próprio Cristo, já na sociedade, pretende-se preencher com coisas, que nem sempre
saciam a fome de amar e ser amado.
Na sociedade pós-moderna, onde quase tudo requer a comprovação cientifica
dos dados, a vida monacal nem sempre é compreendida e estimada por ser uma
vivência voltada para o sagrado. Torna-se difícil descrevê-la, já que o discurso é
limitado e a experiência é pessoal:
O sagrado não é uma categoria do entendimento que nosso espírito poderia manipular ao seu bel prazer; não é uma idéia nem uma doutrina; é uma presença, a revelação feita a alguns homens que se acham “diante de Deus”, fórmula, sem dúvida, intraduzível extremamente numa linguagem humana qualquer que ela seja. Estar “diante de Deus” é aceitar em não ser dono do sentido, é descobrir sua própria inexistência perante uma Existência transcendente, que anula o homem e ao mesmo tempo o reabilita graças a uma espécie de nova criação. Esta experiência assombrosa não pode ser transcrita na linguagem humana; os livros santos, as grandes figuras da vida religiosa dão-lhe descrições aproximativas, sob forma de alegorias, recorrendo a transposições imaginarias e poéticas. Pode-se indicar o sentido, não se pode analisá-lo, explicar-lhe o motivo. “É uma coisa terrível cair nas mãos do Deus vivo”. Está dito nas Escrituras.8
O sagrado torna-se uma realidade cotidiana na vida dos monges e, portanto,
eles supõem que encontraram a felicidade. “Na vivência do sagrado a pessoa
pressente o Ser e o sente como presença que coloca o seu próprio modo ser em
devir e em realização. Após a experiência, sente-se transformada”9. Ser monge é
enfrentar uma grande batalha pessoal, “... numa vida de luta contínua contra os
costumes do mundo, contra os vícios, as paixões e tudo o que pode afastar-nos de
Deus, e em uma vida de esforço constante para adquirir as virtudes”10. Com uma
busca contínua de configuração ao próprio Cristo crucificado, o monge aceita o
sofrimento com alegria, não porque é masoquista, mas por ser um homem de fé.
7 Dom Bento de SOUZA, Claustro: o útero que gera vida nova, p.1. (Mimeo, e-mail: 21/05/2011). 8 Georges GUSDORF Georges, A Agonia da Nossa Civilização, p. 196. 9 Gilberto SAFRA, Desvelando a memória do humano: o brincar, o narrar, o corpo, o sagrado, o silêncio, p. 53. 10 Agostinho ROBERTS, Vida monástica - elementos básicos, p. 20.
192
No próprio instante em que iniciava sua paixão, Jesus nos legava sua alegria, que consistia em cumprir em todas as coisas a vontade do Pai. Aí está também a fonte de alegria do monge. Mais cedo ou mais tarde vamos nos achar pregados à cruz por meio dos votos. Não se trata meramente de uma frase piedosa, mas de uma necessidade íntima da vida verdadeira. Será justamente a cruz que preferiríamos não carregar, Jesus declara, no entanto: “Felizes os pobres de espírito, porque a eles pertence aqui e agora, o reino dos céus”. A vida dos santos não faz mais que interrogar o paradoxo: “Ao ser interrogado pelos irmãos acerca das razões de suas renúncias, um dos santos Padres do deserto dizia: “Meus filhos, fazemos bem em odiar todo repouso na vida presente e também os prazeres do corpo e as alegrias do comer e beber. Não busquemos as honras dos homens. Porque então nosso Senhor Jesus Cristo nos dará as honras celestiais, o repouso na vida eterna e a alegria gloriosa de seus anjos”. Uma vida de aniquilamento por amor a Jesus Cristo não pode ser triste, confusa ou amargurada. Se renunciamos a tudo, inclusive às coisas boas, é para amar melhor e mostrar melhor a todos os homens o amor do Pai, que Jesus nos deu. Temos que aprender a deixar-nos invadir mais plenamente por esse amor, a fim de estarmos mais unidos ao Amado.11
Que espécie de gente são estes monges e estas monjas, que ao longo de
tantos séculos marcam presença na história do Cristianismo? “Somos homens e
mulheres do nosso século com o que há de melhor e pior, e foi esse o momento que
Deus escolheu para existirmos e fazermos parte de seu desígnio de salvação, para
no mundo estarmos plenamente, porém sem sermos dele”12. Ou, ainda, nas
palavras do próprio Cristo, que se tornou vivo na vida destas pessoas:
Dirigi-te esta oração enquanto estou no mundo, para que eles tenham a plenitude da minha alegria. Dei-lhes a tua palavra, mas o mundo os odeia, porque eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo. Não os peço que os tires do mundo, mas sim que os preserves do mundo mal. Eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo (Jo 17, 13-16).
Tudo indica que são pessoas comuns, como qualquer pessoa, mas que
decidiram viver a vida sob o prisma da fé, comprometendo-se sem reservas com a
pessoa de Jesus Cristo: “No claustro nossa vida se desenvolve num ritmo diverso
daquele que o mundo oferece. Corremos muito, mas o objetivo é o mesmo.
Corremos para servir e servimos para amar”13.
11 Agostinho ROBERTS, Vida monástica - elementos básicos, p. 182. 12 Homília de Dom Abade André MARTINS, IX Domingo do tempo Comum - Ano A, p. 2. 13 Dom Bento de SOUZA, Claustro: O útero que gera vida nova, p. 1. (Mimeo, e-mail: 21/05/2011).
193
Os paradoxos parecem que se encontram: vida de fé e vida sem fé.
Podemos ver despontar novas situações pessoais e históricas, onde só o próprio
tempo poderá fazer a avaliação positiva ou negativa, também em relação à pequena
sociedade monacal, já que segundo Lipovetsky, estamos “... na hipermodernidade,
um tempo em que excesso e vazio enfrentam-se num combate que gera autonomia,
novas liberdades e produz também, como não poderia deixar de ser, novos
problemas, novas angústias e novas expectativas”14. Quando o Mosteiro da
Ressurreição foi fundado, no coração daqueles jovens monges havia muitas
expectativas em relação ao futuro, deixando o mosteiro de São Paulo, que estava no
centro da cidade, para iniciar algo novo afastado da cidade. Certamente, não foi uma
situação fácil, mas prosseguiram com o propósito:
Por meio do humilde processo de sua vida, através da perseverança na fé, da docilidade, dos louvores divinos e do amor fraterno, está fazendo um apelo a Deus para atuar com intensidade no mundo de hoje. O monge descobre que sua experiência de Cristo o faz pai do mundo vindouro, príncipe da paz, primícias de uma nova humanidade.15
Muitas vezes, olhamos para a vida monástica como um ideal perfeito e
distante, mas esta idéia não procede e nem corresponde à verdade. Podemos
comparar a vida comunitária com as colunas que formam o claustro do Mosteiro da
Ressurreição, ou seja, são diferentes uma das outras. Algumas são tortas, outras
largas e ásperas, outras quase perfeitas. Enfim, um detalhe importante que pode
ficar despercebido, mas com profundo significado. Cada uma delas pode representar
cada monge do mosteiro, com seus limites, mas, quando juntas, formam um bonito
conjunto, onde os defeitos não aparecem com tanta saliência.
Num mosteiro, para além de sua disciplina como pedagogia de vida, tudo nos é permitido, porque somos livres, mas nem tudo nos convém, pois muitas coisas nos escravizam, nos tiram do alvo, mudam nosso roteiro, nos esvaziam e nos causam enfermidades físicas e psíquicas em nós e nos outros.16
14 Gilles LIPOVETSKY, A Era do Vazio, p. XI. 15 Agostinho ROBERTS, Vida Monástica - elementos básicos, p. 186. 16 Homília de Dom Abade André MARTINS, Abertura da Quaresma, 2011, p. 2.
194
Ter bom senso e saber usar da liberdade é a chave para uma boa
convivência consigo mesmo e com as demais pessoas. Dom Bento compara o
claustro e a vida comunitária com um útero:
O claustro de um mosteiro é como um grande útero, que enquanto gera, está ainda sendo gerado, porque não existe nem subsiste fora do útero maior que é aquele da Igreja de Cristo que nos acolhe e jamais rejeita. No claustro, através de orações, silêncio, trabalho, disciplina e convívio fraterno, muitas almas vão aos poucos sendo modeladas e formadas para também elas começarem um dia a gerar e serem responsáveis pela continuidade desta dinâmica de geração e criação de homens novos renovados em Cristo.17
Será possível que o mosteiro seja um lugar que proporciona aos seus
membros a felicidade? Como é concebida a felicidade dentro da vida monacal? Um
mosteiro formado por gente de diversos níveis culturais, sociais e cronológicos, pode
contribuir para uma vivência pacífica? “A vida feliz não se vê com os olhos, porque
não é corporal”18, parece que a vida feliz dentro do claustro é vivida noutro
parâmetro:
Não existiríamos nem resistiríamos sozinhos, mas somos aquecidos e alimentos pela seiva da graça do Espírito Santo, que gera e regenera homens e mulheres que batem à porta de nossas casas e experimentam a alegria, mesmo nas dores, de serem consagrados para a vida no claustro.19
São Bento apresenta sua proposta de felicidade, dizendo que é o próprio
Deus quem nos convida à vida feliz:
Desde o início do Prólogo da Regra, São Bento anuncia seu programa: propõe um caminho de felicidade: “Onde está o homem, pergunta a seu leitor, que quer a vida e deseja ver dias felizes? [...] Bento acrescenta: é quando você tiver feito isso, meus olhos estarão sobre você e meus ouvidos atentos às suas preces, e antes que você me invoque, eu direi: “Aqui estou!” Resposta encorajadora que arranca da pena de Bento um dos mais raros e breves impulsos líricos de sua Regra: “Que há de mais doce para nós, irmãos muito queridos, do que esta voz do Senhor que nos convida? É por sua
17 Dom Bento de SOUZA, Claustro: O útero que gera vida nova, p. 2. (Mimeo, e-mail: 21/05/2011). 18 SANTO AGOSTINHO, Confissões, 10, 21, p. 293. 19 Dom Bento de SOUZA, Claustro: O útero que gera vida nova, p. 2. (Mimeo, e-mail: 21/05/2011).
195
pietas, por sua ternura, que Deus nos mostra o caminho da vida”- quer dizer, da felicidade. 20
O monaquismo, como uma pequena sociedade inserida na grande sociedade,
tem seus desafios próprios:
... a história não é feita apenas de êxito daqueles que construíram intelectual e praticamente um mundo novo; é feito também da queda das sociedades que não compreenderam, permitiram e organizaram as novas formas que assume a vida econômica, política e cultural. 21
Outros perigos, como o isolamento e o fechamento em si mesmo, numa
atitude de auto-proteção ou egoísta, podem levar às pequenas comunidades a se
dilui na macro-sociedade, que segundo Touraine:
Em vez de as nossas pequenas sociedades se fundirem pouco a pouco numa vasta sociedade mundial, vemos desfazerem-se diante dos nossos olhos os conjuntos simultaneamente políticos e territoriais, sociais e culturais, que nós denominávamos sociedades, civilizações ou simplesmente países. Vemos separar-se, por um lado, o universo objetivado dos signos da globalização e, por outro, conjuntos de valores, expressões culturais, lugares de memória, que já não constituem sociedades na medida em que estão privados da sua atividade instrumental já globalizada e, por isso, se fecham sobre sim mesmas dando cada vez mais prioridade aos valores e não às técnicas, às tradições e não às inovações.22
Segundo Lipovestky, “a Era do Vazio está cheia de novos significados”23.
Descobrir estes novos significados deve ser a grande sabedoria deste tempo:
Tudo é descartável. Mas como encarar o fato? Será que, conforme sugerem alguns, o sistema temporal prevalecente equivale a um “presente absoluto”, fechado, encerrado em si mesmo, separado do passado e do futuro? Será que o indivíduo contemporâneo vive realmente num estado de imponderabilidade temporal”, confinado numa imediatez esvaizada de qualquer projeto e herança? Será que ele se confunde com o “homem
20 D. André LOUF, OCSO, A procura da felicidade na Regra de São Bento, Revista Beneditina, p. 1-2. 21 Alain TOURAINE, Iguais e Diferentes - Poderemos viver juntos?, p. 31. 22 Ibid., p. 14. 23 Gilles LIPOVETSKY, A Era do Vazio, p. XIV.
196
presente”, transformando em estrangeiro no tempo, mergulhado apenas no tempo da urgência e da instantaneidade? Será que a aceleração generalizada, o frenesi do consumo, o retraimento das tradições e utopias teriam conseguido criar a civilização do “presente perpétuo”, sem passado e sem futuro?24
A vida monástica parece estar noutro parâmetro de comparação com a atual
sociedade, embora tenha e faça uso de alguns elementos da pós-modernidade:
Se um ventilador quebra, antes de tudo nós tentamos consertar. Costumamos dizer que lidamos com as coisas como se fossem vasos sagrados do altar, como se cada item fosse uma peça única, e não algo descartável!, comenta Dom Elredo. Por essa razão existe um esforço, por parte do mosteiro, de ter tudo aquilo necessário às manutenções. O isolamento do mosteiro deve ser alicerçado no fato de ser sustentável. Mas a proximidade com a agitação urbana ocorre, de uma forma ou outra, seja no chinelo crocs que um dos monges usa, seja pela internet, através da qual o mosteiro emite suas notas fiscais, mantém um site e loja virtual, e por meio da qual os monges podem entrar em contato com a família. “Os mosteiros do mundo todo estão adotando a internet, porque é algo necessário até para escrever uma carta”. Justifica Elredo. 25
O ser humano é relacional e, mesmo na vida monástica, é indispensável a
comunhão entre todos “... reconheceu-se logo que a vida do anacoreta não era
possível para todos, surgindo então a tradição “cenobita”, na qual os monges já
viviam sozinhos, passando a compartilhar a vida de dedicação a Deus e a
comunidades”26. Ou ainda:
Elemento essencial na vida monástica é o respeito profundo pelo próximo. Dado que somos criação de Deus e por sermos chamados ao batismo, somos todos filhos do Senhor. Como filhos de Deus, temos de nos respeitar mutuamente. Isso é um eco da reverência que temos por Deus. Como o Senhor nos disse: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Com isso, o respeito e a reverência que temos uns pelos outros estendem-se para tudo o que há no mosteiro, São Bento diz que as ferramentas do mosteiro devem ser tratadas como se fossem vasos sagrados do altar.27
24 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 65. 25 A vida no mosteiro. Jornal Urbe – O JM EM REVISTA, 09/01/2011, Caderno Comportamento, p. 4-5. 26 Anthony STORR, Solidão, p. 120. 27 Mark W. McGINNIS, A sabedoria dos beneditinos - trinta monges e freiras compartilham as maiores lições de suas vidas, p. 340.
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O monge aceita livremente viver o amor cristão na medida do próprio Cristo.
Abraça este estado de vida na alegria e na tristeza, na saúde e na doença,
acreditando que, assim, pode dar sua parcela de paz à nossa civilização:
O chamado a viver os votos monásticos é um chamado a orientar a família humana para seu verdadeiro destino, o qual é divino: a passagem pascal da humanidade ao Pai. O monge leva a termo essa missão pelo testemunho de toda a sua vida, tanto em comunidade como em contemplação. E o faz também ao proporcionar um lugar de encontro para os que buscam a Deus hoje. No entanto, realiza sua vocação, sobretudo ao tocar os corações dos homens através do Coração de Cristo. Essa é a conseqüência de se abrir ele a Deus em corpo, alma e espírito. Como dizia São Serafim de Sarov, monge russo do século XIX: “Tem paz em teu coração e milhares em torno de ti se salvarão”. 28
Paz parece ser tudo o que um monge pode oferecer ao mundo de hoje!
7.2 – Análise de alguns depoimentos sobre a vida monástica
Esta tese tem pretensão de registrar parte do significado do Mosteiro da
Ressurreição e de responder algumas indagações acerca da vida monástica. Ser
monge na era do vazio: um estudo no Mosteiro da Ressurreição e sua mensagem
de felicidade na sociedade pós-moderna é um trabalho que traz em seu bojo um
conteúdo complexo e profundo, tornando-se, muitas vezes, difícil atingir seu objetivo.
Fazemos tentativas de aproximação e de comparação e, sobretudo, confiando nas
experiências pessoais de homens e de mulheres que vivem o próprio mistério divino
em suas vidas e que nos possibilitam a percepção da felicidade em aspectos não
tão comuns nos nossos dias.
O monaquismo, apesar de tudo e de todos, é um sina de contradição na
sociedade pós-moderna, mas que continua apontando para realidades, que estão
além da matéria, visto e vividos como expressão de fé em valores imutáveis. “Pela
nossa vocação, somos chamados a ser bons samaritanos, sinal de esperança ao
28 Agostinho ROBERTS, Vida Monástica - elementos básicos, p. 186.
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povo oprimido. Mostramos o caminho através da educação, do trabalho monástico e
da liturgia”29.
Parte deste trabalho é apresentar uma vida feliz monástica. Este desafio
tornou-se um grande, pois a felicidade é relativa e depende muito da concepção
pessoal de cada um. A vida monástica é pouca conhecida, sobretudo nos meios
acadêmicos. Na sociedade, é algo quase em extinção. Em nosso meio, encontramos
pessoas que vivem esta forma de vida e dizem que são felizes. Entre elas, temos a
monja Maria Rosa, trapestina, que fala da vida feliz no Mosteiro Trapista Nossa
Senhora da Boa Vista, não obstante tantas situações concretas e finitas próprias da
condição humana:
Sou feliz no caminho monástico. Não tenho todas as respostas que pedi a Deus e à vida. Conheço um pouco mais meus limites, minha finitude e meu destino eterno. Minhas exigências e impertinências e a dos demais, a dor pela dor que aflige os que amo, a minha mesma e a de qualquer pessoa. A resistência em deixar a morte passar e ceifar e a lista poderia continuar. Ironia? Fazer um elenco assim e depois reconhecer-me feliz? Não! O caminho monástico para a tradição beneditina, vivida no caminho do Cister, me situa na verdade. A Verdade nos faz livres realmente e felizes. Esperar que tudo se harmonize, que a fraternidade universal cure toda violência para ser feliz é ilusão e irrealidade. Creio que não deve ser esquecida a valiosa encíclica Deus Caritas est, de Bento XVI. Toda pessoa, imagem e semelhança de Deus é Eros e Ágape. Nenhum monge ou monja normal pode negar que em seu coração está o Eros e o Ágape. Reconhecer e aceitar a disciplina como caminho para amar com a força do Eros redimido pelo Ágape, e meu modo de ver é o segredo, a razão da felicidade. 30
Não podemos escapar do tempo em que vivemos e nem da sociedade na
qual estamos inseridos, sendo atingidos, de alguma maneira, pelo consumismo e
pelo espírito capitalista. Padre Stanislaus Maudlin, monge Beneditino, fala que
mesmo dentro dos mosteiros, pode haver certo espírito que não condiz com o
Cristianismo e muito menos com vida monacal:
29 Irmã Maria das Graças MORAES, OSB, Conversão de vida X Desafios, p. 68. Ver também: Dom Gregório PAIXÃO, A Vida monástica e o terceiro milênio. Desafios e Promessas. 30 Irmã Maria Rosa, entrevista realizada pela autora, e-mail: [email protected] 19/04/2011.
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Percebo que os beneditinos e beneditinas de hoje ainda não conseguiram reivindicar, integral e profundamente, a sabedoria de São Bento. Em vez de serem autênticos, são o produto desta sociedade consumista e competitiva. Mesmo em sua vida espiritual, falam em ganhar mérito, ganhar o céu, conquistar recompensas, planejar o futuro, saber o que “eles” querem. Essa é uma realidade que não deve ser propagada nas comunidades. A comunidade pode se estabelecer com base no mais baixo denominador comum. São Bento nos advertiu a esse respeito. Quase todas as páginas da Regra de São Bento são, de certa forma, um insight psicológico sobre as relações entre os seres humanos. Acredito que não houve alguém tão sábio que tenha escrito uma Regra. A Regra de São Bento não é apenas um manual; é uma declaração de vida. Meu direcionamento quanto à tradição tem sido servir, dizer sim. Trata-se de uma tradição de ajuda mútua. O Criador fez o homem e a mulher para que, ao se servirem mutuamente, criem vida nova. Quando duas pessoas formam uma aliança, o resultado é sempre uma nova criação.31
Ser feliz não significa ter uma vida sem problemas, o monge beneditino Vicent
Martin fala-nos da sua própria experiência de felicidade como algo que não se
busca, mas que se constrói:
A vida tem me dado alegrias e tristezas. Sempre fui um conquistador, tentando alcançar coisas que, na maioria das vezes, não deram certo. Fui bem-sucedido algumas vezes, o que me trouxe momentos de felicidade. Fiz muitas amizades nesses anos. Relacionei-me com pessoas que eram minhas amigas de verdade, sem nenhum interesse ou objetivo secundário, razão pela qual esses relacionamentos foram muito satisfatórios. Vivi muitos momentos de veneração que me deixaram muito feliz. A felicidade não é algo derivado, não é algo que se busca. A busca pela felicidade não faz sentido. Quem vive procurando a felicidade provavelmente nunca a encontrará. Acredito naquilo que se constrói. Meu humanismo e espiritualidade devem voltar-se à construção do reino de Deus. Você não constrói o reino dos céus no céu; você constrói na Terra. A felicidade não é ausência de desafio, mas o fato de tudo estar movendo-se em alguma direção, mesmo quando o caminho é árduo, doloroso e difícil, como uma mulher dando à luz.32
Irmã Margarete de Jesus Crucificado é uma jovem monja carmelita e nos
conta da sua felicidade em poder contribuir para que o mundo seja melhor:
Sou feliz porque acredito que minha vida faz a diferença para este mundo ser melhor. Sou feliz porque creio que não vivo só para mim, mas pelo amor de
31 Mark W. McGINNIS, A sabedoria dos Beneditinos- trinta monges e freiras compartilham as maiores lições de suas vidas, p. 36. 32 Ibid., p. 88.
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Deus. Sou uma semente que enterrada no chão, faz crescer frutos de bem e paz no coração de muitas pessoas. Sou feliz porque aos 18 anos senti o chamado de Deus no meu coração, segui, e hoje só posso ser feliz partilhando o seu plano de amor e salvação para todos. E creio que a felicidade é ser feliz se doando, para que todos sejam felizes, descobrindo e se deixando amar pelo amor de Jesus Cristo.33
Apresentamos mais um depoimento, colhido no Mosteiro da Ressurreição, em
conversa com Dom Geraldo Cestaroli, sobre a felicidade na vida monástica. Ele tem
oitenta e seis anos de idade e setenta de Mosteiro:
Pesquisadora: O senhor é feliz? O que é a felicidade para o senhor? As pessoas desejam tanto a felicidade e não encontram.
Dom Geraldo: A maior felicidade é encontrar o Senhor. A maior felicidade que podemos ter neste mundo é saber valorizar o que encontrei. O segredo é este: saber valorizar em estar com o Senhor. Ele convidou seus discípulos, preparou-os, vinde descansar. A grande arte é descansar com o Senhor. Estar com Ele. Que Ele nos baste. O Senhor é meu pastor, nada me falta. Uma sabedoria estar com Ele e confiar Nele. Nada me falta. Aparentemente pode faltar mil coisas, mas há uma garantia de que nada me falta. É uma entrega para Ele, isto basta. Não ficar procurando as coisas de fora que já deixei e renunciei. Eu fiz uma entrega a Ele. Então, Ele providencia o que eu preciso. É uma entrega total, nesta entrega posso não ter tudo hoje, mas nesta confiança. Ele é meu tudo.
[Neste momento há uma forte emoção, os olhos deste monge ficam cheios de lágrimas e os meus também...]
Pesquisadora: Por que somente algumas pessoas percebem estas realidades espirituais e a grande maioria não consegue perceber?
Dom Geraldo: É a graça que pode fazer, eu valorizar este encontro com Ele, sem nenhum merecimento pessoal. É uma entrega a Ele. Só Ele sabe o quanto é imperfeita esta entrega. Sua misericórdia acolheu-me e sustentou durante todos estes anos. Só a Misericórdia. Não por ser melhor que os outros, mas o contrário. Porque eu precisava neste estado de vida diferente, não comum. Em seu infinito amor que nos segue e acompanha, pois Ele quer o bem de cada um, não só o meu, mas a todos.
Pesquisadora: Como se valoriza aquilo que se encontra?
Dom Geraldo: Não é tão fácil explicar. E houve um silêncio. Valoriza-se na fé. Basta entregar-se, inclusive os erros.
Pesquisadora: Entregar-se nem sempre é fácil. Entregar-se a Jesus é como se entregar a uma pessoa?
Dom Geraldo: Jesus é muito mais que uma pessoa. Muito, muito mais.
33 Irmã Margarete de Jesus Crucificado, entrevista realizada pela autora, e-mail: [email protected], 13/05/2011.
201
Pesquisadora: Quem é Jesus para o senhor?
Dom Geraldo: É o bem sem medida. Eu posso confiar Nele sem medida, porque eu sei que Ele é fiel. Posso entregar-me sem medo.
Pesquisadora: Quem é Jesus Cristo? Como se segue Jesus Cristo?
Dom Geraldo: É muito simples. Simplesmente o contrário daquilo que o mundo oferece. Ele é o contrário do mundo. Isto chama-se conversão e conversão é voltar à direção. Retornar daquilo que o mundo ensina.
Pesquisadora: A pessoa será feliz fazendo isto?
Dom Geraldo: Sim. É preciso manter estável uma altura. Há altos e baixos. Não há uma estabilidade na altura. São Paulo vai dizer que é na fraqueza, que se é forte. Não se assustar de si mesmo, mediante a fraqueza, jogar-se em seus braços. Ele é a nossa força! Ele é o forte! Não assustar-se da própria fraqueza.
Pesquisadora: Como é o céu?
Dom Geraldo: Tudo é na base da fé! Eu creio que o céu é aquele lugar que não haverá mais grito e nem dor. Só no céu a felicidade estará completa e de algum modo já antecipamos alguma coisa de céu. Procurando estar com Jesus em tudo aquilo que é contrário ao mundo. O Espírito Santo completa, Ele vem nos ensinar a estar com Jesus e a falar com Jesus. Para mim, basta entregar-se a Jesus. Não é uma entrega que deixa tudo nas mãos Dele. Ele quer meu esforço, não dispensa aquilo que eu tenho que fazer. Ele quer meu pouco e esse pouco é Ele quem constrói, mas sem minha colaboração, não fará o céu vir.34
O que dizer diante do testemunho destas vidas? Muitas controvérsias e juízos
podem aparecer, mas o melhor é silenciar e guardar como um exemplo de que a
vida monástica ainda tem sentido em nossa sociedade. Na verdade, todo cristão
deveria viver sua vocação com radicalidade, pois os monges e as monjas, antes de
tudo, são cristãos que assumiram este compromisso com seriedade.
Qual o diferencial que o Mosteiro da Ressurreição apresenta à sociedade? O
que os visitantes e os peregrinos vão buscam no Mosteiro? Como elas vêem o
Mosteiro? Enfim, são muitas as perguntas em relação à vida monástica e
direcionada especificamente ao Mosteiro da Ressurreição, porém nem sempre é
possível uma resposta imediata e profunda. Não basta ter um olhar superficial, é
preciso ir um pouco mais além, nem sempre aquilo que vemos é verdadeiro, os
sentidos podem nos enganar. A sociedade atual apresenta a felicidade como a
frenética quase insaciável de busca pelo consumo, mas o consumismo não tem
34 Dom Geraldo Cestaroli, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 3, Ponta Grossa, 28/11/2009.
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correspondido à uma vida feliz, torna-se até um peso, quando “... os indivíduos não
são mais apenas infelizes, sentem a culpabilidade de não se sentir bem”35.
É em nome da felicidade que se desenvolve a sociedade de hiperconsumo. A produção dos bens, os serviços, as mídias, os lazeres, a educação, a ordenação urbana, tudo é pensado, tudo é organizado, em princípio, com vista à nossa maior felicidade. Nesse contexto, guias e métodos para viver melhor fervilham, a televisão e os jornais destilam conselhos de saúde e de forma, os psicólogos ajudam os casais e os pais em dificuldades, os gurus que prometem a plenitude multiplicam-se. Alimentar-se, dormir, seduzir, relaxar, fazer amor, comunicar-se com os filhos, conservar o dinamismo: qual esfera ainda escapa às receitas da felicidade? Passamos do mundo fechado ao universo infinito das chaves da felicidade: eis o tempo do treinamento generalizado e da felicidade ”modo de usar” para todos.36
O mundo apresenta uma diversidade de felicidades e de facilidades para se
conquistar a almejada vida feliz, no entanto vemos vidas infelizes. Qual a concepção
de felicidade que a sociedade apresenta, distinta daquela que a vida monástica
ensina e vive. Será o caso de romper uma com a outra? É possível um diálogo e
uma ajuda entre ambas? “Dentro do mosteiro o monge permanece aberto às
necessidades dos homens e ao acolhimento. É livre para encontrar e amar a todos.
E quer ser, segundo a vontade de Deus, um instrumento de seu Reino”37. Os valores
monásticos são meios diferenciados de que é possível a construção do Reino de
Deus neste mundo. Na sociedade atual, os valores visam à busca do material como
um grande e indispensável valor.
Muitas pessoas desenvolvem valores falsos que tentam impor aos outros: o valor das coisas matérias, o valor do dinheiro, o valor do prestigio, o valor da classe social, o valor de um alto padrão de vida. Falta, às pessoas, o básico e importante, até mesmo o valor do que é permanente. As pessoas não param, mudam de emprego, trocam de cônjuge. Parece que o permanente assusta. A religião e a oração podem ajudar a passar algum entendimento sobre o permanente. Acho que há também sinais positivos. Algumas pessoas estão começando a perceber que não adianta buscar a felicidade em conquistas
35 Gilles LIPOVETSKY, A felicidade paradoxal, p. 357. 36 Ibid., p. 336. 37 www.abadiadaressurreicao.org. Acesso em: 08 maio 2011.
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materiais. Essa é uma tendência positiva. Espero que os valores beneditinos sejam cada vez mais difundidos entre o público em geral.38
Os monges, gente como a gente, esforçam-se para que suas vidas sejam
coerentes e de acordo com aquilo que prometeram na profissão pública: “A vida do
monge é toda alicerçada na fé, experimentado constantemente a morte e
Ressurreição em Cristo, com tudo o que isso implica: despojamento, humildade,
paz, serviço, alegria, liberdade”39.
O Mosteiro da Ressurreição, atualmente, é composto por dezessete
professos de votos solenes e oito de votos simples, três noviços e dois postulantes.
Durante o ano sempre há novos jovens que batem à porta para fazer uma
experiência vocacional, ver se realmente é isto que desejam. No momento são cinco
candidatos. Perguntei para um dos candidatos40 o que ele veio fazer no mosteiro?
Respondeu-me: “Jesus me trouxe aqui!” Era um jovem universitário, que deixou tudo
para se apresentar no mosteiro. Como encarar semelhante resposta? No mínimo, é
uma resposta desconcertante, chocante e muito esquisita aos nossos olhos,
sobretudo saindo da boca de um jovem. Qual pode ser a motivação mais profunda
para tomar tal decisão existencial?
A comunidade monástica se forma impelida pela fé e pela esperança. E só na fé e na esperança encontra razões para existir. Os únicos móveis capazes de suscitar vocações à vida monástica são móveis de fé, e a fonte única onde o vocacionado vai haurir forças para perseverar na dura vida do claustro é a esperança nos bens futuros. No mosteiro se vem buscar Deus (RB58,7) busca que, devido à nossa condição de pecadores, adotará a forma de uma volta a Deus (Pról 2) de um longo e não fácil processo de renúncias para tornar possível a milícia sob o verdadeiro rei, Cristo o Senhor (Domino Christo vero regi militaturus (Pról.3). A fé ilumina e dá sentido a tudo o que a comunidade monástica é e faz.41
Frente ao que foi colocado até agora, ainda continuamos com a indagação
pertinente durante toda a exposição: Qual o sentido da opção por uma vida
38 Mark W. McGINNIS, A sabedoria dos beneditinos- trinta monges e freiras compartilham as maiores lições de suas vidas, p. 102-103. 39 www.abadiadaressurreicao.org. Acesso em: 08 maio 2011. 40 Prefere não se identificar. 41 Augusto PASCUAL, O compromisso cristão do monge, p. 69.
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monástica hodierna no Mosteiro da Ressurreição dentro da pós-modernidade?
Neste sentido, a opção pela vida monástica é uma busca de realização, uma
contribuição à sociedade ou apenas uma fuga existencial do ser humano?
A identidade do monge se define pela escolha de um modo de vida que é ao mesmo tempo marginal e implicitamente crítico, em relação à sociedade em geral e nos nossos tempos, especialmente em relação à sociedade de consumo. Um monge não foge do mundo, nem o odeia, mas dele se afasta. Renuncia a si mesmo e aos bens que poderia obter para si no mundo, para seguir ao Cristo no deserto, lugar de sofrimento e tentações, mas também de autenticidade e encontro. Assim, colocando-se à certa distância da sociedade, livre de suas convencões e imperativos, o monge entrega-se totalmente ao Cristo e assume uma disciplina cunhada pela sabedoria de uma tradição espiritual que lhe é transmitida por um mestre e uma comunidade. Sendo alguém que busca a Deus, o monge se dispõe a um contínuo e entusiasmado processo de conversão no dia-a-dia de sua vida comunitária. A comunidade torna-se a “escola do serviço do Senhor,” reunida em torno de um pai (Abade), sinal de Deus que é Pai.42
A vida monástica pode ser considerada como uma atividade que é realizada
no escondimento, nos bastidores, à semelhança dos alicerces de um edifício ou
ainda como a raiz de uma árvore. Jesus Cristo permaneceu trinta anos no
escondimento, vivendo uma vida aparentemente pacata, e sua pregação durou
apenas durante três. Outro exemplo é a mãe que espera seu bebê, quanta
preparação e quantos cuidados anteriores ao nascimento! É no interior da terra que
a semente desabrocha e se torna fruto. De potência chega ao ato, como se fala em
filosofia. A eficácia de uma atividade não se mede apenas pelo seu aspecto visível,
mas também por sua interioridade. Assim é também em relação à vida monacal, que
por natureza é escondida aos olhos de muitos, mas não menos eficaz que as
demais atividades realizadas dentro da Igreja. Aliás, vale a pena lembrar-se de que
a vida religiosa nasce justamente desta vida escondida:
Os mosteiros são os filhos primogênitos da Igreja em relação aos demais modos de vida religiosa conhecidos hoje de toda a gente. Toda a vida religiosa foi fundada e fundamentada a partir de experiências de silêncio e oração vivida dentro ou ao menos ao lado de grandes claustros. A vida religiosa espalhada por todo o mundo, sendo ela missionária ou não,
42 www.abadiadaressurreicao.org. Acesso em: 08 maio 2011.
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compartilha dos mesmos ideais encontrados nos claustros, pois o serviço que prestamos aos nossos irmãos acaba por se tornarem oferendas agradáveis levadas pelas nossas orações diante do Trono de Deus.43
Imaginemos uma flor dentro de um vaso, com água. A maioria olha apenas a
flor ou o vaso, poucos valorizam a água dentro vaso. A vida monástica é justamente
a água que sustenta a flor dentro do vaso. Neste estilo de vida, há muitos valores
distintos, que não são valorizados socialmente porque os olhos não conseguem ver
além do aspecto material e do lucro. Qual o lucro econômico que uma vida
monástica pode gerar para a sociedade consumista como a nossa?
Estive presente numa cerimônia de votos de uma monja, onde o padre-
monge, ao proferir sua homilia, apresentou o que significa a vida monástica:
Algumas pessoas, alheias às coisas de Deus, poderiam perguntar: que sentido tem uma jovem deixar o mundo e entrar para o mosteiro? Não poderia ser mais útil para a humanidade se colocasse seus dons para o bem da sociedade estando no mundo, fora dos claustros? Esta é a maneira de valorizar as pessoas a nível de eficácia; é o tecnicismo civil que é transferido para a vida religiosa, é a maneira de valorizar o outro pelo que ele produz, pelo que ele faz e não pelo que ele é. Esquece-se que a consagração religiosa não pode ser definida primeiramente por um agir, mas por um ser. O apostolado de todos os religiosos consiste primeiramente no testemunho de sua vida consagrada, na fidelidade ao carisma vivido no dia a dia, assim vai acontecendo uma secreta e misteriosa fecundidade em toda a Igreja em toda parte onde se faz presente. Aí de todos nós se não houvesse estas pessoas escondidas sustentando o mundo com suas orações, seu sacrifício, sua penitência. O que a monja faz não está confinado aos claustros do mosteiro, todos os seus atos são litúrgicos, sua vida é um ofertório contínuo em que no encontro com Deus ela oferece, amor, adoração e louvor em nome de toda a humanidade.44
Alguns elementos essenciais da vida religiosa e, sobretudo da vida
monástica, são o escondimento, o silêncio, o sacrifício, a oração contínua pessoal e
comunitária, principalmente da Palavra de Deus. É preciso ter muita coragem para
viver uma vida sob estes aspectos. Numa sociedade consumista, é possível
compreender e aceitar tal vivência?
43 Dom Bento de SOUZA, Claustro: O útero que gera vida nova, p. 2 (Mimeo, e-mail: 21/05/2011). 44 Homilia de Pe. Lázaro TRAPISTA, nos votos da Irmã Maria Aparecia Bezerra, 19/06/2011, p. 4-5.
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Nossa vida monástica, irmãos, por mais escondida que seja, tem valor de um testemunho. [...] Não fomos reunidos primariamente para dar esse testemunho, mas não podemos nos desinteressar dele, pois, foi também a nós que o Senhor disse: Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens; para que, vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus. (Mt 5,16) Nem sempre temos de testemunhar com o nosso sangue. Nossa maneira de viver constitui nosso testemunho habitual. Uma vida totalmente consagrada à adoração, testemunha, acima de tudo, a existência e a transcendência de Deus.45
A vida monástica fala por si mesma e em sua essência silenciosa e discreta
acredita que dá sua contribuição à sociedade, mesmo que a sociedade fique
chocada com maneira tão diversa de vivência:
Dos claustros nascem os mais diversos talentos escondidos e quase condenados a nunca existirem, porque escondidos ou camuflados em algum lugar sem a menor possibilidade de serem vistos e reconhecidos como dons gratuitos de Deus. O grande útero forma, artistas, escultores, cozinheiros, cantores, escritores, poetas, economistas, agricultores, alfaiates, professores, formadores e dirigentes capacitados para conduzirem a comunidade ou servires à Igreja de Cristo, lá onde o Espírito Santo os conduzir.46
A liturgia realizada no Mosteiro da Ressurreição é um dos grandes contributos
e diferenciais, atraindo sempre muitas pessoas que vêem de longe e de perto para
participar. Tal fato mostrou-se atraente desde o início, uma vez que a participação
na liturgia dentro da capela do Mosteiro, junto com à comunidade parecia sempre
ser a primeira vez que estivesse rezando com os monges. Mesmo que os salmos
fossem repetitivos e conhecidos era como se fosse sempre novo e dinâmico, caindo
na alma como a palavra certa. Outras vezes, a oração podia ser comparada a uma
terra seca, pedindo água, ou como um bálsamo, que curava ou aliviava as dores.
Outras ainda com um dia sem ocaso e resplandecente, exprimindo toda a alegria e a
luz dentro de um coração feliz. Naquela capela do Mosteiro da Ressurreição é
possível experienciar Deus que se torna presente, através da liturgia. Talvez, sejam
os pequenos detalhes, como os gestos, as palavras e os objetos que fazem a
diferença na celebração, que é capaz de resplandecer beleza e simplicidade.
45 Padre Nicolas Roger VISSEAUX, Livro da vida monástica- caminho do Evangelho, p. 98-99. 46 Dom Bento de SOUZA, Claustro: O útero que gera vida nova, p. 2 (Mimeo, e-mail: 21/05/2011).
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Os monges esforçam-se para acolher cada pessoa como se fosse o próprio
Cristo. Tornou-se comum ver aos domingos, após a missa, alguns monges
cumprimentando as pessoas e muitas vezes escutam suas histórias com suas
alegrias e tristezas. Falam muito pelo olhar, são discretos, falam com voz baixa e
quase sempre com um discreto sorriso. Uma visitante que, esteve no Mosteiro em
2007, após o encontro, escreveu uma carta de agradecimento ao acolhimento que
parece ser apropriada apresentarmos:
Sou eternamente grata ao Senhor da História e da nossa história, pela ocasião do nosso primeiro encontro. Senti-me tão plena e feliz, que até hoje continuo a pensar e meditar sobre tantas coisas faladas, sonhadas, intuídas e realizadas. Um certo medo, quer aparecer em meu coração, quando começo a pensar no futuro, mas eu sei que Deus está comigo e nunca, jamais me abandonou e não é agora que vai me deixar, portanto vou continuar vivendo nesta escola de amor cristão, sobretudo agora. Não, me sinto tão sozinha neste exílio, Deus me deu um grande presente, vocês. Também posso dizer em meu coração e para as pessoas, os Monges do Mosteiro da Ressurreição são meus novos e velhos amigos. São meus amados amigos. Só tenho que agradecer pelo carinho e acolhida. Realmente me sinto amada por Deus e também por vocês. De fato, o que vale está vida sem o amor? Todas as pessoas desejam a felicidade, mas poucas realmente conseguem, pois a felicidade passa pelo caminho muito estrito, doloroso, assim como vocês e outros. Realmente não é fácil, mas na certeza de que Deus caminha conosco e que contamos mais com a graça divina do que o esforço humano. Continuamos o caminho e por incrível que pareça até com alegria. Isto parece desconcertar o mundo, eles nos chamam de malucos, mas nós sabemos que não somos. Fiquei impressionada com a serenidade, sensibilidade e percepção das coisas que vocês possuem. Falei demais, comecei muitos assuntos ao mesmo tempo, mas neste encontro era como se algo novo estivesse acontecendo e se revelando em meu coração. Preciso de tempo para mastigar e digerir e me conscientizar de tantas realidades. Peço humildemente que continue rezando por mim e eu também estou em sintonia de oração com você.47
Os monges da Ressurreição são o que são, mas com o ardente desejo de
conversão diária, esforçando-se para colocar o preceito evangélico do perdão em
prática, “perdoai-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos àqueles que
nos ofenderam” (Lc 11, 4). Como comunidade contribuem para que a unidade do
amor se torne uma realidade nas relações humanas, “para que todos sejam um,
47 Victória Gogola, entrevista realizada pela autora, anotação em caderno de campo, São José dos Pinhais, 18/02/2007.
208
assim como tu, Pai estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós
e o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17, 21).
A vida monástica, portanto, é um lugar eclesial onde estaremos juntos retornando ao paraíso, o lugar do nosso repouso. Nós nos estimulamos e nos incentivamos mutuamente nessa trajetória. Não só podemos, mas devemos carregar os nossos e os fardos de nossos irmãos, mas a opção de continuar no Grande Retorno é pessoal. Ninguém caminha por ninguém. Ninguém mantém a enfermidade do amor por osmose, por estar lado-a-lado do outro.48
O mosteiro é um ambiente projetado para que os monges possam galgar os
mais elevados níveis de perfeição espiritual e humana, sendo que a decisão é
sempre pessoal. O grupo que forma a comunidade pode estimular seus membros
para que tal decisão esteja de acordo com o espírito da regra, na qual um ajuda o
outro a carregar o fardo:
Será sempre uma decisão pessoal deixar-se queimar pelo Sol que não conhece ocaso, a luz que ilumina nossos passos: Jesus Cristo. Esse é o nosso programa de vida, que pela bondade e misericórdia de nosso Deus, nós o vivemos num espaço da Igreja, o nosso Mosteiro, que nos oferece o que precisamos muito mais do que sonhamos e desejamos. Muito provavelmente Deus nos trouxe para esse lugar, a vida monástica, porque em outros da Igreja teríamos uma maior dificuldade para sermos discípulos da Palavra, não por deficiência do espaço eclesial, mas por nossa própria debilidade.49
Sinal dos tempos! Não é fácil ler os sinais espirituais em nossa sociedade
hodierna. Parece que os bens materiais sempre estão em primeiro lugar. Mesmo
dentro do Catolicismo, alguns membros da hierarquia como alguns leigos precisam
urgentemente de uma nova conversão e uma reciclagem em algumas áreas de
conhecimento. Após este trabalho, podemos afirmar que o Mosteiro da Ressurreição
é uma possibilidade de renovação também eclesial plasmada às margens da
hegemonia católica. Encontram-se alguns índices de uma nova esperança para a
Igreja e para a sociedade.
48 Abade Dom André MARTINS, OSB. Prológo e Epílogo da Regra de São Bento. p.11 (Mimeo). 49 Ibid p.11-12.
209
Uma comunidade com perfil jovem, onde três monges estão acima de
sessenta anos de idade, quatro na faixa etária dos cinquenta anos e os demais na
média dos trinta anos de idade. Desde o início da fundação, o espírito jovial, esteve
presente no Mosteiro da Ressurreição. Segundo o relato de Dom Beda:
O grupo de jovens monges, que fundaram o nosso Mosteiro da Ressurreição, partiu de um sonho e um desejo de realizar um ideal. Um sonho de viver uma vida com determinados valores e uma forma diferente daquilo que estavam vivendo. Decidiram deixar a zona urbana e vier na zona rural, levando uma vida que seria e autêntica como os valores do trabalho manual e orante. A nossa comunidade tem esta característica de ser idealista, cultivando os valores e ter a capacidade de inovar e ser espontânea. A espontaneidade tem haver com alegria e acolhimento. Este movimento com estas características, ainda é relativamente forte, porque os nossos superiores hoje, são aqueles jovens fundadores e nós que entramos, bebemos deste espírito. Por isso os irmãos possuem a característica de simplicidade, jovialidade e espontaneidade. Uma coisa que chama a atenção, a minha atenção é justamente o acolhimento e a alegria que a gente percebe na vivência da comunidade. A alegria é uma coisa que todos nós desejamos. Alguém que chega e vê uma comunidade alegre, espontânea e fraterna, se questiona. Há alguma coisa que acontece neste grupo que não acontece com freqüência nos demais grupos. 50
Concluo este capítulo com um dos gigantes pensadores, Santo Agostinho,
com uma das suas muitas páginas, quando ele escreveu sobre a felicidade. Ele
também foi monge e escreveu uma regra para seu mosteiro e procurou durante
muito tempo a tão almejada vida feliz:
Como devo procurar-te, Senhor? Quanto te procuro, ó meu Deus, procuro a felicidade da vida. Procurar-te-ei para que minha alma viva. O meu corpo, em efeito, vive da minha alma, e a alma vive de ti. Como então devo procurar a felicidade? [...] A felicidade não é justamente aquilo que todos querem, não havendo ninguém que não a queira? Onde a conheceram para assim a desejarem? Onde a viram para amá-la tanto? Que a possuímos, é certo, mas não sei de que maneira. Há um modo de possuí-la que nos torna felizes, e há os que são felizes pela esperança de possuí-la. [...] De fato, a felicidade em si não é grega nem latina, mas os gregos, os latinos e os homens de todas as línguas querem alcançá-la. Ela é conhecida por todos, e se todos pudessem ser interrogados a uma só voz - quereis ser felizes? - sem dúvida alguma responderiam que sim. 51
50 Dom Beda Carneiro, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita IV, Ponta Grossa, 8/11/2009. 51 Santo AGOSTINHO, Confissões, 10, 20, p. 292.
210
Todo ser humano aspira a felicidade e procura quase que desesperadamente
por muitos caminhos. Oxalá, que os monges do Mosteiro da Ressurreição, possam
continuar contribuindo para que o nosso mundo seja mais humano e divino.
“Ubi Benedictus ibi pax et gaudium”!52.
52 “Onde há São Bento, há paz e alegria!
211
CONCLUSÃO
Num mosteiro os horários reservados ao silêncio são vários. O vazio causado pela contínua agitação é preenchido beneficamente pelo tempo de silêncio externo, mas também interno que o ambiente monástico oferece. O silêncio no mosteiro é a nota musical que proporciona ao monge a elevação da sua alma a Deus. Quando entramos num mosteiro nossa motivação não pode ser o hábito, nem o canto, nem o ambiente de paz que a construção proporciona. O candidato à vida monástica deveria primeiramente se encantar com o silêncio que naturalmente deveria brotar do interior de nossas casas. Isso seria o natural, pois nossa vida é cada dia pautada pelos intervalos de trabalho, oração, leitura e tudo isso intercalado de verdadeiro e fecundo silêncio.1
Depois de termos acompanhado a história do monaquismo, sobretudo a
trajetória Beneditina e a fundação do Mosteiro da Ressurreição, realizada há trinta
anos, chegamos ao final, pelo menos desta pesquisa. Como o próprio São Bento
não “fecha” a sua Regra, este trabalho também não será fechado em si mesmo.
Algumas dúvidas e curiosidades foram supridas, porém uma série de novas
indagações nasceu a partir desta tese, já que estudamos apenas uma das
ramificações da longa tradição monástica. A pesquisa deverá continuar, pois há
muito o quê abordar.
Inicialmente, gostaríamos de relembrar a trajetória realizada para chegarmos
até onde chegamos. Iniciamos falando a respeito da grande tradição monástica pré-
cristã, quando foi ressaltada a presença do monaquismo em duas religiões
milenares: o Hinduísmo e o Budismo. Pegamos um atalho, o monaquismo cristão e
a via Beneditina, com a pessoa de São Bento e sua Regra, escrita no século VI,
moldando o perfil do monge beneditino. Os beneditinos estão presentes em nosso
país desde o tempo colonial, enfrentando muitas situações, desde as primeiras
fundações dos mosteiros, as invasões e a postura de Pombal frente aos religiosos.
Há trinta anos a fundação do Mosteiro da Ressurreição tornou-se relevante, devido 1 Dom Bento de SOUZA, e-mail, 03 jun 2011.
212
ao desenvolvimento dos fatos históricos e a contribuição litúrgica que o mosteiro doa
às pessoas que o procuram. A riqueza de sua liturgia com as sete orações diárias, a
celebração da missa, o trabalho que realizam em prol da sociedade e sua
repercussão através do estudo e das etapas de formação fazem jus ao seu lema
milenar: Ora et Labora. Vale a pena lembrar que na “Era do Vazio”, do consumismo,
o Mosteiro da Ressurreição apresenta uma mensagem de felicidade, baseada em
valores, como o amor, a honestidade, a bondade e a doação, onde no nada é
possível encontrar o tudo. Ser feliz no ideal monástico faz com que a vida no
Mosteiro da Ressurreição torne-se um sinal de contradição na sociedade hiper-
consumista. Com este trabalho apresentamos um estilo de vida diferente daquela
que a sociedade pós-moderna propõe, mas não necessariamente para um
enfrentamento entre ambos. Vimos que optar pela vida monástica é apenas um
modo de vivência não muito comum entre nós e que desde os tempos imemoráveis
sempre existiu.
Assim, podemos afirmar que optar pela vida monástica hodierna é uma
escolha desafiadora, mas que pode trazer felicidade para muitas pessoas.
Contemplamos que o monaquismo não é um privilégio somente do Cristianismo,
mas que é um fenômeno pré-cristão. No Hunduísmo e no Budismo, podemos
encontrar a fundamentação da longa tradição monacal presente nestas grandes
religiões milenares. Há elementos externos semelhantes e diferentes do
monaquismo Cristão. Por exemplo, no Hinduísmo, encontram-se alguns monges que
buscam uma elevação espiritual através de rigorosa disciplina; no Budismo, o
processo de formação do monge dá-se em duas etapas: uma aos dezesseis anos,
quando o jovem deixa o mundo e entra no mosteiro para o início da sua formação; e
a segunda parte da formação que é um verdadeiro exame, quando o monge deve
dar provas de sua saúde e de sua liberdade. Em geral são pessoas abnegadas, que
esqueceram de si para se doar ao bem da humanidade através de uma vida de
ascese, mediante a oração, o silêncio, o jejum, a pobreza e a castidade, elementos
semelhantes ao monaquismo cristão. Muito embora a motivação interior seja bem
diferente, sempre é possível o diálogo interreligioso, pois cada religião pode
enriquecer a outra, desde que haja uma abertura para o acolhimento. Este item
tornou-se muito importante para que se quebrassem velhos paradigmas
preconceituosos entre as religiões. Fica o desafio de continuar crescendo e
213
aprendendo com outras denominações, no sentido de perceber que há vida
espiritual e que as pessoas merecem todo o respeito e a admiração e que Deus
jamais vai deixar-se enquadrar nos moldes de pensamento, muitas vezes, pequenos
e mesquinhos.
O monaquismo é um longo caminho, devido à sua antigüidade. Ao apresentar
o monaquismo Cristão na via Beneditina pretendeu-se tornar mais conhecido o
próprio São Bento, o pai dos monges do Ocidente. São Bento, ao escrever sua
Regra, concebeu a ideia do monge Cristão Beneditino, sendo que o conhecimento
da mesma torna-se indispensável para todo aquele que deseja iniciar o processo
beneditino. Quando São Bento deixou os estudos clássicos em Roma, rompeu com
os parâmetros daquela sociedade corrupta, que haviam penetrado também no
interior da Igreja. Decidiu morar na gruta em Subíaco e durante três anos em
silêncio, jejum e oração, purificou seu espírito e ouviu a voz divina que disse:
“Escuta, ó filho, os preceitos do mestre e inclina o ouvido de teu coração”2.
Observamos que toda família Beneditina traz o legado deste Patriarca Ocidental,
que nunca para de se multiplicar, seja nas novas fundações de mosteiros, seja na
vida particular de pessoas anônimas.
Vimos que a Regra de São Bento é composta de setenta e três capítulos,
fundamentada na Sagrada Escritura e dividida entre um texto legislativo e o outro
espiritual. No dizer do próprio São Bento é uma “Regra mínima escrita para
principiantes”3. É necessário saber ler a Regra no contexto em que foi escrita e não,
simplesmente, aplicá-la aos nossos dias. Não basta apenas observar suas palavras,
é preciso ir além de uma prática externa, apreendendo o espírito da lei no próprio
espírito, para que as normas não sejam um peso imposto, mas um jugo leve e
suave. A vida de um mosteiro é pautada pela vivência de sua Regra, que, em última
instância, é a explicação prática do próprio Evangelho de Jesus Cristo. O monge
Beneditino, conhecido pelo lema, Ora et Labora, desempenha um serviço essencial
para o bem-estar da humanidade. O grande desafio é sempre a dicotomia entre
teoria e prática. O monaquismo, desde remota data, esforça-se para unificar estes
dois mundos, para que a tradição seja transmitida de geração em geração.
2 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, Prólogo, p. 13. 3 Ibid., Cap. LXIII, 8, p. 249.
214
Os antecedentes históricos dos Beneditinos no Brasil tornaram-se relevantes
devido à presença marcante deste grupo desde os tempos da colonização. Mesmo
mantendo a espiritualidade do Ora et Labora, voltados mais para a contemplação, os
Beneditinos ajudaram na evangelização na época do Brasil colonial. Mesmo com a
escassez de material bibliográfico, foi possível a abordagem deste item tão
importante para o enriquecimento histórico dos próprios mosteiros, que militam sob a
Regra de São Bento. Na época do descobrimento do Brasil, em toda Europa,
fervilhavam os rumores da Reforma Protestante, da Contra-Reforma e da
convocação do Concílio de Trento. Portugal, com todo fervor e ardor, empreendeu
sua conquista para o Ocidente, o novo mundo, com a finalidade de se expandir
territorialmente e converter o maior número de nativos para a fé católica. A questão
da escravidão no Brasil é uma página triste da nossa história, sendo que desessete
anos antes da abolição da escravidão, os Beneditinos já haviam libertados todos os
seus escravos. A invasão holandesa trouxe grandes aborrecimentos e prejuízos
para os mosteiros, sobretudo aos Beneditinos, além da política de Pombal que
quase extinguiu a presença total dos religiosos no país. Somente após muitas lutas
e negociações foi possível restabelecer os noviciados no Brasil. Chegamos, então, a
apreciação de que a fundação do Mosteiro da Ressurreição teve como intuito dar
continuidade ao estilo de vida nascido no coração do Pai São Bento. Exatamente há
trinta anos, o Mosteiro da Ressurreição nasceu da vontade e da determinação de
um grupo de jovens monges. Dom André Martins, primeiro e atual abade,
juntamente com Dom Mateus Salles Penteado, continuam formando os jovens que
se apresentam desde a fundação.
O Mosteiro da Ressurreição, como sinal de vivência nesta sociedade pós-
moderna, é o foco desta pesquisa, tarefa nada fácil, pois mesclamos o tradicional
com o pós-moderno. Foram realizadas entrevistas com alguns membros do próprio
mosteiro e passados muitos dias de vivência com a comunidade monástica. A vida
monástica, desde sua origem, foi vista pela sociedade como uma ruptura ou um
distanciamento. Os pais do Monaquismo, como Santo Antão, Santo Agostinho, São
Bento e outros tantos, apresentaram seus escritos, que continuam sendo válidos e
nós os encaramos como um desafio para nossa vivência em pleno século XXI. Por
outro lado, se a vida monástica hodierna não tivesse sentido, não haveria pessoas
dispostas a se entregar a este estilo de vida, sobretudo nos países periféricos e
215
emergentes, como o Brasil. Na Europa sabemos o grande contributo que os
mosteiros trouxeram para o desenvolvimento cultural e social. Hoje as vocações são
poucas. O Mosteiro da Ressurreição é visto por muitos visitantes como peculiar em
sua maneira de ser, onde a celebração da liturgia faz-se realidade sete vezes ao dia.
Desde antes da aurora, com a primeira oração chamada Vigílias, rezada às 04h20,
percorrendo o dia todo com as demais orações, até chegar à última, chamada de
Completas, rezada às 19hs. Uma celebração simples, mas vibrante, que contagia os
visitantes. Nossa maior dificuldade foi encontrar e ter acesso ao material
bibliográfico, abrindo-se um horizonte muito amplo para futuras pesquisas
particulares ou institucionais. Ao apresentar os sete momentos de oração, o
Mosteiro da Ressurreição presta um serviço para a humanidade, sobretudo à
santificação da própria Igreja. De fato, a comunidade monástica reza sem cessar e
se reuni na capela nos horários determinados. A dimensão Ora et Labora só é
possível com esforço humano e com ajuda da graça divina.
No capítulo a respeito da santificação das horas, apresentamos o lema
milenar Beneditino vivido na ótica do Mosteiro da Ressurreição, ressaltando a vida
litúrgica, durante as sete vezes ao dia em que a comunidade reúne-se na capela
para rezar. Comprovação de que eles rezam sem cessar o tempo todo é que aquilo
que rezam na capela deve prolongar-se ao longo do dia nas diversas atividades que
realizam. Na verdade, não há uma interrupção do trabalho para rezar, mas uma
oração contínua, pois rezar também é um trabalho. O Mosteiro da Ressurreição
celebra a Liturgia das Horas e a Celebração Eucarística, como se fosse um trabalho,
realizado com todo prazer. Ressaltando a importância dos salmos, do silêncio, dos
gestos, dos objetos e do próprio tempo cronológico, que se estende no tempo kairós.
Desta maneira, expressa-se a vida divina que se derrama sobre a humana sob a
forma da liturgia. Nesta sociedade materialista, líquida, veloz e descartável, onde
não há lugar para a mística, o Mosteiro da Ressurreição, herdeiro da grande
Tradição, esforça-se e professa que Jesus Cristo não é uma fábula, mas que está
vivo entre nós e que seu reino já começou. Participar junto à comunidade e rezar
com os monges, é uma experiência muito pessoal e se torna quase inenarrável. É
um conforto saber que existem pessoas que rezam por nós e pelo mundo. O
Mosteiro da Ressurreição organiza os trabalhos de acordo com as sete horas de
oração e a celebração da missa, sendo que tudo gira em torno da vida litúrgica.
216
Já quando falamos a respeito do trabalho e da oração, destacamos a
santificação do trabalho como um prolongamento da própria oração cantada e
celebrada na capela. Os monges do Mosteiro da Ressurreição trabalham muito,
executando o trabalho interno do mosteiro, como a limpeza, a horta, a cozinha, o
refeitório, a administração e a formação, como também o trabalho externo:
atendimento às pessoas, orientação, confissão, escuta, vendas e gravação dos
cantos gregorianos. Dentro do mosteiro, há um horário para tudo, inclusive ao
estudo, à formação e ao contínuo aperfeiçoamento. Vimos também que o Mosteiro
da Ressurreição mantém-se economicamente através da venda dos produtos
artesanais, como o Círio Pascal e os cd-roms de cantos gregorianos. Além disso,
conta também com a venda das pinturas de ícones e com a ajuda das pessoas
amigas.
Diante de um consumismo desenfreado, é possível viver uma vida
desapegada dos bens materiais? Que sentido tem a vida monástica dentro deste
contexto em que vivemos? Com as mudanças ocorridas tão rapidamente na
sociedade e no mundo, viver uma vida voltada ao espiritual é um desafio. As
pessoas do nosso tempo experimentam a descrença que o mundo prega, a
desvalorização do que é sagrado e vivendo, como vimos, uma desconexão total com
as realidades do céu. Existe quase uma negação do divino e de Deus, que passa a
ser visto como algo fora de moda, surgindo novos deuses sob diversas formas, a fim
de preencher o vazio do coração humano. O Mosteiro da Ressurreição e a
mensagem de felicidade para a “era do vazio” quer apontar para uma nova
perspectiva de vivência baseada em valores espirituais, vistos sob a ótica da fé. A
felicidade no contexto do hiperconsumo não é felicidade, pois o acúmulo de matéria
não sana o desejo da vida feliz. O consumo jamais foi sinônimo de felicidade! Na
verdade, não há uma receita para a felicidade, mas cada pessoa busca, a sua
maneira, um jeito de ser feliz. A questão não é ter acesso aos bens materiais, que a
sociedade nos oferece, mas como se administra estes bens. Se a felicidade fosse
apenas adquirir matéria, os milionários seriam as pessoas mais felizes do mundo. A
sociedade cada vez mais materialista estimula a aquisição de novos bens de
consumo, como se isto fosse preencher o coração humano, cada vez mais vazio de
sentido. Em meio a esta realidade social, os monges do Mosteiro da Ressurreição
optaram por uma vida pobre, obediente e na conversão dos costumes. Estes
217
homens dizem que são felizes, vivendo um estilo de vida diferente daquele proposto
pela sociedade pós-modernidade.
Frente a isto, é possível afirmar que nossa hipótese foi corroborada, pois é
possível viver desapegado dos bens materiais e ser feliz. “Ser feliz no ideal
monástico, a vida no Mosteiro da Ressurreição como sinal de contradição na
sociedade hiper-consumista” é o que apresenta o último capítulo deste trabalho. Os
valores monacais não se coadunam com a maior parte dos valores apresentados na
atual conjuntura social, dando a impressão de que este estilo de vida é ultrapassado
e não diz muita coisa para a maioria das pessoas. Hoje, mais do que nunca, as
pessoas têm necessidade de lugares de silêncio e de pessoas que as escutem na
gratuidade. O Mosteiro da Ressurreição esforça-se para atender todas as pessoas
que batem à sua porta. Os monges são pessoas como nós, chegando ao mosteiro
com as marcas da pós-modernidade: desejo de adquirir bens materiais. Todos nós
somos expostos aos ventos do egoísmo, da indiferença, do relativismo e da vã
glória. Os claustros dos mosteiros também correm o perigo de cair na armadilha do
consumismo desenfreado. Ser feliz no ideal monástico é muito mais do que um
sentimento, é uma força de vontade que, cotidianamente, inicia-se, como se fosse
um eterno discípulo.
Como já foi dito, não é pretensão deste trabalho dar uma resposta final ou
apresentar o Mosteiro da Ressurreição como único exemplo possível de vivência
monacal nos nossos dias. Mas, antes de tudo, afirmar positivamente a hipótese de
que a vida monástica ainda tem sentido, nesta sociedade. O monaquismo sempre foi
uma resposta vital ao mundo da época e quase sempre há um choque entre ambas.
O Mosteiro da Ressurreição, na sua simplicidade, busca conciliar o tradicional com o
presente da pós-modernidade. Seus membros são pessoas que deixaram as muitas
possibilidades de estarem inseridos na sociedade, para viver uma vida reclusa.
Mesmo mais contemplativos, jamais deixaram de trabalhar pelo sustento de sua
comunidade. A sociedade apresenta o desenvolvimento como algo volátil e rápido,
as pessoas circulam de um país para outro, seja a trabalho ou a passeio; em
oposição a isto, o Monaquismo vivido no Mosteiro da Ressurreição apresenta aos
seus membros o voto de estabilidade, isto é, viver e morrer no mesmo mosteiro.
Fala-se de consumismo desenfreado, compra-se de tudo, os objetos são cada vez
218
mais frágeis e descartáveis, avesso a isto, o Monaquismo apresenta-se como uma
possibilidade de se ter apenas o necessário e, muitas vezes, nem mesmo o
necessário possuem. Fazer voto de castidade? Parece ser outro absurdo à
sociedade hodierna-hedonista, que valoriza o culto ao amor livre. Obedecer uma
Regra e um Abade parece ser algo de um passado remoto e distante. A vida
monástica somente tem sentido, se for vivida na fé, somente ela justifica este estilo
de vida diferente em nossa sociedade. A vida de oração é uma constante no
Mosteiro da Ressurreição, sete vezes ao dia a comunidade reúne-se para rezar.
Uma explicação possível para tal vivência está na fé, encontrada na carta de
São Paulo aos Hebreus: “A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a
respeito do que não se vê” (Hb 11,1). Parece ser fácil tecer um julgamento crítico, a
partir daquilo que se vê de fora sobre a vida monástica. No entanto, a vida
monástica existe apenas para apontar as realidades do mundo que há de vir, sendo
o exercício constante da prova da fé. Nesta “era do vazio”, o Mosteiro da
Ressurreição oferece para a pós-modernidade aquilo que é próprio da vida
monástica, a fé incondicional em um Deus que se fez carne e habita entre nós, cujo
nome é Jesus Cristo. As pessoas têm sede deste Absoluto e o mosteiro oferece o
próprio ambiente de silêncio, além da natureza, das obras de arte e do acolhimento,
como também o trabalho de escuta e de orientação.
A vida monástica parece ser um tema marginal para o grande público,
sobretudo para o estudo stricto sensu. Existem muitas curiosidades e muitas lendas
em torno do assunto, dificultando o aprofundamento pela falta de material
bibliográfico e pelas dificuldades em entrar nas bibliotecas monásticas. A questão
histórica ficou um tanto limitada, justamente pela escassez de material. Deparamo-
nos com várias fontes de primeira mão, verdadeiros tesouros não publicados por
várias situações, mas guardados dentro da biblioteca do Mosteiro da Ressurreição.
As entrevistas e as observações realizaram-se de forma interativa. Este trabalho é
uma possibilidade de abrir novos horizontes no sentido de fazer memória a algo
esquecido: a Tradição monástica em sua milenar história, no sentido de valorizar o
trabalho que os Beneditinos prestaram e prestam ao Brasil desde o tempo colonial;
de apresentar a heróica fundação do Mosteiro da Ressurreição e toda sua riqueza
219
litúrgica, humana e artística; e de trazer à luz a validade em se optar pela vida
monástica hodierna.
Te Deum Laudamus.
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245
ANEXOS
Anexo 1 - Carta do Abade Dom André Martins- OSB ao pedido de admissão aos primeiros votos de Ir. João da Cruz, aos 12 de março de 2010.
Caríssimos irmãos.
Estamos celebrando o IV Domingo da Quaresma. E neste Domingo da Alegria
vamos escutar S. Paulo na Segunda Epístola aos Coríntios dizer: “Todo aquele que
está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho, eis que tudo se fez
novo!” Estas palavras de S. Paulo bastaria para exortar e animar nosso Ir. João da
Cruz, que hoje faz seu pedido de admitido à Profissão Monástica de votos
temporários, a continuar com seriedade o discipulado em nosso Mosteiro. Todo nós,
caros irmãos, somos novas criaturas, porque pelo batismo estamos em Cristo,
somos os ramos enxertados na videira. Porém, vivemos como novas criaturas? Uma
pergunta que devemos fazer frequentemente. Que significa viver como novas
criaturas? Sem dúvida alguma, significa viver como o Cristo viveu, ter seus
sentimentos, agir como agiu, optar pelo o que Ele optou, contemplar tudo e todos
como Ele contemplou. Jesus viveu em íntima união com o Pai, ou seja, em tudo o
que fazia tinha o que mais tarde os Pais do Monaquismo chamarão de “Memória
Dei”. O Pai estava presente efetivamente em sua vida. E porque o estava Jesus
tinha em seus lábios a Ação de Graças constante: “Eu te louvo, ó Pai, porque
escondestes aos grandes e revelastes aos pequenos os mistérios do Reino”. Cristo
tinha os sentimentos de alegria, compaixão, justiça e misericórdia enquanto Ele se
relacionava com os pobres, os pecadores, as crianças, os enfermos, os doutores da
Lei e os fariseus. Jesus agiu como é da natureza de Deus. Por isso casto, para amar
a todos e ser de todos sem predileção nem reservas, buscando assim o bem das
pessoas. Quem está em Cristo sabe que amar é fazer o bem, é dar a vida pelo
outro, é buscar primeiro o que é necessário para o outro, depois para si mesmo.
Quem não está em Cristo não sabe rir com os que riem e chorar com os que
choram. Por fim, pelo batismo, quais homens iluminados, nós somos capazes de
246
contemplar toda a criação com o mesmo olhar de Cristo. Disso decorre o respeito
por tudo o que é criado e por tudo o que constantemente recriado e sustentado
pelas mãos poderosas do Criador. Para quem não está em Cristo o que é velho
ainda não passou. E velho aqui significa tudo o que é carnal, ou seja, gula, luxúria,
avareza, ira, tristeza, acedia, vanglória e orgulho. É continuar insistindo na pertença
do Velho Adão. São Bento propõe o Mosteiro como uma Escola onde aprendemos a
permanecer em Cristo, isto é, viver as graças recebidas no Sacramento do Batismo,
portanto como homens novos. Mas não basta estarmos matriculados temporária ou
definitivamente nessa Escola. Faz-se mister nossa opção de vivermos como
verdadeiros discípulos do único Senhor, a que desejamos servir. Ir. João da Cruz
fará seu pedido para ser admitido à Profissão de Votos Temporários. Que ele e cada
um de nós, jamais se esqueça: O Reino de Deus hoje mais se contrai do que se
dilata. Com certeza, temos grande responsabilidade nesse fato, infelizmente. Nós
monges, religiosos e ministros dificilmente usamos “máscaras”. Elas não nos
convêm. Até perdemos o emprego, como se diz por aí. Mantemos o rosto de Cristo
em nosso rosto, mas maquiado, com botox ou repuxos de cirurgia plástica. Orígenes
comentando o Livro do Gênesis sobre a criação do homem no capítulo 1,27 “Deus
criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou...” diz: “Pois não se diz
que Deus fez o homem à sua imagem ou à sua semelhança, mas que Ele o fez à
imagem de Deus. Qual é, pois, esta outra imagem de Deus à semelhança da qual o
homem foi feito? Não pode ser outra senão a de Nosso Salvador, Ele é o
primogênito de toda a criatura” SC 270,61. Portanto, queridos irmãos, não
corrompamos a imagem do Cristo impressa em nos. Sejamos verdadeiros discípulos
da Escola de seu serviço, o Mosteiro, que, com sua pedagogia, no ensina e nos
estimula a viver a novidade do mistério pascal, pois, o velho tempo já passou. E
tempo de sermos ícones de Cristo e, pela sua graça, readquirirmos a sua
semelhança. Assim seja.
247
Anexo 2 - Carta do Abade Dom André Martins, OSB. Renúncia dos bens de Dom Vicente em 2007
Caros irmãos, nestas minhas férias levei um livro de uma psicóloga
americana chamada Judith Viorst, que, aliás, foi o próprio Ir. Vicente que mo indicou.
Ela defende uma tese interessante, que nossos pais o monaquismo há tantos
séculos, apoiados no Evangelho, já a articulavam e ensinavam no deserto e nos
cenóbios. Ela trata da realidade da perda. Conforme a autora, a perda é uma
realidade na vida humana difícil de assumir, mas necessária para o crescimento,
para o progresso, para o desenvolvimento. Ela, a autora, vai tratando da perda sob
vários aspectos da vida humana, como por exemplo: a perda do aconchego do útero
materno, que levará a criança a descobrir seu eu distinto da mãe. A perda da
exclusividade da mãe, quando a criança descobre que ela não é apenas as a sua
propriedade, pois existe também para seus demais irmãos, para outras pessoas,
para seu trabalho, etc. O capitulo VI tendo por titulo “quando você vai levar o novo
bebe de volta para o hospital” é por demais interessante. Inclusive procura explicar a
raiz da rivalidade e competitividade entre irmãos. Nesse capítulo Judith Viorst narra
várias histórias familiares. Uma delas apresento à vocês: “Um maravilhoso exemplo
de negação é a história da garotinha informada de que ia ganhar um irmão ou uma
irmã. Ouviu aquilo num silêncio pensativo, depois ergueu os olhos da barriga da mãe
para os olhos dela e disse: “Sim, mas quem vai ser a mamãe do novo bebê? (pg. 91)
Já sabemos por intuição antecipada aonde a autora quer chegar, não é mesmo?
Integrar a perda da exclusividade da mãe, depois do pai, dos brinquedos, do espaço,
de tudo o rodeia a criança é a garantia para uma vida sadia a nível pessoal e social.
Nós acrescentaríamos também a nível comunitário. Quando um de nossos irmãos
vai fazer sua profissão solene fazemos questão de realizar esse pequeno rito de
renúncia dos bens. Esse rito doméstico, muito próprio de nosso mosteiro, após já ter
feita em cartório, não significa que automaticamente o irmão saberá renunciar a tudo
o que for necessário para o seguimento do Cristo. O próprio Senhor diz: “Quem não
renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo”. Essa afirmação de
Jesus não e um conselho, e um mandamento. E cada cristão fará a renuncia exigida
pelo Cristo no espaço onde se encontra na Igreja. Com certeza temos pontos em
comum com todos os demais cristãos, mas há aspectos de renuncia própria do
248
monge, inclusive para não “mentir pela tonsura” com diz São Bento na Santa Regra.
Como nosso tempo não possibilita enumerarmos quais são os aspectos específicos
da renuncia para o monge, deixo tal reflexão para vocês a exercitarem
pessoalmente. Ressalto apenas um aspecto que a historia da garotinha me inspirou.
“Quem vai ser a mamãe do novo bebe? Podemos traduzir essa afirmação para:
“quem vai ser Deus para os meus irmãos que vivem comigo neste mosteiro?” Somos
chamados a renunciar à concepção de um Deus que trazemos, cuja existência e
assistência seja apenas para mim. Posso ter muitos irmãos, mas não quero dividir
Deus com ninguém. Se isso vem a acontecer, vivo realmente a fraternidade? Como
isso pode transformar-se em realidade na vida de um monge, cujo desejo é de não
aceitar a dividir Deus com seus irmãos? São inúmeros os exemplos que
encontramos disseminados aqui no Mosteiro da Ressurreição. Deus se faz presente
de muitas e variadas formas em nossa vida, portanto a aplicação de renunciar à
exclusividade de Deus, como se Ele existisse se para mim passa pela experiência
que o monge tem com o abade, com cada irmão, com espaços do mosteiro, com
trabalhos executados, com amizades adquiridas, com ferramentas de trabalho, com
talentos recebidos, etc. Aquele que ainda não se deu conta de que o abade não é
exclusividade sua, que determinado irmão ou alguns irmãos não são só para eles,
que espaços do mosteiro são para todos, mas adequados à necessidade e ao
serviço de alguns, que os trabalhos executados supõe capacidade,
responsabilidade, disponibilidade, flexibilidade não por parte de todos e por fim que
os talentos são muitos e que ninguém os tem todos, mas espalhados para a
edificação da comunidade cristã, então, tal monge passara sua vida toda
reclamando que Deus foi e tem sido “injusto” para com ele. Em outras palavras, para
tal monge, Deus não poderia exercer sua paternidade, sua maternidade, seu infinito
amor para com ninguém. Apenas para com ele. Podemos até aceitar outros
“irmãozinhos” que Deus nos envia, mas no secreto do coração vamos nos perguntar:
quem será seu abade? Quem será seus amigos? Quais serão seus espaços físicos
e morais no mosteiro? Que cargos assumirão na comunidade e que talentos trazem
e que serão desenvolvidos no mosteiro para possivelmente competir com os meus e
ate mesmo fazer sombras sobre os possuo? Caros irmãos, a renuncia dos bens,
importantíssima, sem dúvida alguma, é apenas um passo na via estreita do
Evangelho. Pouco adiantaria ao monge renunciar a bens materiais se não fosse
capaz de renunciar à exclusividade de Deus atuante e operante em sua graça. Não
249
seria renunciar a tudo o que possui, como deseja Jesus. Renunciar a tudo o que
possui, como quer Jesus, é também renunciar ao desejo de exclusividade de Deus.
Ele não é meu. Ele é nosso. Por isso todos os dias dizemos: “Pai Nosso”. Durante
muitos anos dizíamos uns aos outros: “a festa já inicia com seus preparativos”.
Considerei sempre essa forma de ver a vida e de vice-la com um bem. Nenhum de
nos já renunciou a tudo o que possui, lamentavelmente! O homem vive processos
desencadeados. E como se vivesse num constante gerúndio do verbo: esta sendo,
esta fazendo, esta desfrutando, esta pecando, esta renunciando. Mas a festa a se
inicia com os preparativos, por isso alegremo-nos, pois estar no processo, e na
linguagem de São Bento é “com o progresso da vida monástica e da fé”, de certa
forma já estamos vivendo a renúncia exigida pelo Senhor. O importante e não
desanimar, pois a festa real num presente que não conhece fim será realizada não
aqui, mas na vida eterna. Apenas quem é capaz de, com a graça de Deus, perder
esse sentimento e essa atitude egoísta do “isso é meu, isso existe só para mim, ele
não divido com ninguém”, fará progressos como um dos filhos de Deus descobrira
que a felicidade já começa com os preparativos da festa. E o que viemos fazer aqui!
Que Deus nos sustente em nossos bons propósitos. Amém.