Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da...

250
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Neuza de Fátima Brandellero Ser monge na “Era do Vazio”: um estudo do Mosteiro da Ressurreição e sua mensagem de felicidade na sociedade pós-moderna DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO SÃO PAULO 2011

Transcript of Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da...

Page 1: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Neuza de Fátima Brandellero

Ser monge na “Era do Vazio”: um estudo do Mosteiro da Ressurreição e sua mensagem de felicidade na sociedade pós-moderna

DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

SÃO PAULO

2011  

Page 2: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Neuza de Fátima Brandellero

Ser monge na “Era do Vazio”: um estudo do Mosteiro da Ressurreição e sua mensagem de felicidade na sociedade pós-

moderna

DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTORA em Ciências da Religião, sob orientação do Professor Livre-Docente Afonso Maria Ligório Soares.

SÃO PAULO

2011

Page 3: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

Banca Examinadora

______________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

Page 4: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

Dedicatória

Ao Deus Uno e Trino, que em sua divina e misteriosa providência,

sempre esteve ao meu lado durante todo este trabalho.

Aos meus generosos e amados pais: Ivo e Cenira, que desde à infância lutaram

para que seus filhos pudessem estudar.

Ao Pe. Boleslaw Blij, Missionário do Verbo Divino,

Amigo, pai e mestre de todos os momentos,

sem o qual não seria possível a realização desta tese.

Ao Mosteiro da Ressurreição, pelos trinta anos de sua fundação, na pessoa de Dom

Abade André Martins, Osb e Dom Mateus Salles Penteado, Osb, homens de fé.

Page 5: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

RESUMO

O tema deste trabalho é a longa Tradição monástica, sob a ótica de São

Bento, conhecida através dos Beneditinos. Dentro desta grande família beneditina,

detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia

a Regra que São Bento escreveu no século VI, adaptando-a aos nossos dias.

Inicialmente, abordamos, de maneira panorâmica, a questão monástica até

chegarmos ao núcleo central do problema, isto é, saber qual o sentido da opção por

uma vida monástica hodierna no Mosteiro da Ressurreição no contexto da pós-

modernidade. Neste sentido, a opção pela vida monástica é uma busca de

realização e de felicidade, além de uma contribuição à sociedade ou apenas uma

fuga existencial do ser humano? Trabalhamos com a hipótese de que o Mosteiro da

Ressurreição incorpora fielmente o ideal monástico beneditino, mas o realiza com

peculiaridades próprias, segundo a tradição da linha monástica do mosteiro, que

formou e informou os jovens monges fundadores. Além da revisão bibliográfica, este

trabalho contou com coleta de fontes primárias, entrevistas semi-dirigidas, além de

pesquisa participante, pois o trabalho envolveu nossa participação e interação com o

campo pesquisado.

É possível afirmar com este trabalho que o ideal monástico é a doação total

de si a Deus, na oração contínua e no trabalho. Esse ideal está encarnado no

Mosteiro da Ressurreição, que aponta para uma nova via de felicidade,

apresentando uma alternativa à felicidade hedonista e consumista da pós-

modernidade. O Mosteiro da Ressurreição constitui-se em foco de irradiação deste

novo ideal. Portanto, podemos dizer que há sentido em optar pela vida monástica

hodierna, mesmo em meio a tantas atrações que a sociedade pós-moderna

apresenta aos monges. Assim, é possível dizer que os monges são pessoas felizes

em viver uma vida simples voltada para os valores espirituais.

Palavras- chaves: Monaquismo, Beneditinos, Mosteiro da Ressurreição,

Felicidade, Pós-modernidade

Page 6: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

ABSTRACT

The subject of this paper is the long monastic tradition as viewed by São

Bento, known to us through the Benedictines. In this big family of Benedictines, we

chose the Mosteiro da Ressurreição where they are trying to live, day by day for

about thirty years, under the Rule written by São Bento in the sixth Century.

Firstly, in a panoramic way, we aim to approach the monastic question until we

get to the main core of the problem, that is, we want to grasp the sense of this option

for a monastic hodiernal life at the Mosteiro da Ressurreição, in the context of post-

modernity. In this sense, is monastic life an option to obtain fulfillment and happiness,

besides bringing a contribution to society or is it only an existential escapade of the

human being?

We worked under the assumption that the Mosteiro has incorporated the

Benedictine monastic ideal, executing it with their own peculiarities, according to the

traditional monastic lines of the monastery, where the founding monks were formed

and informed. Besides the bibliographical revision, this paper includes the research

of primary sources, semi-oriented interviews as also participative interviews, as the

work involved our participation as well as our interaction with the field of study.

In accordance to this paper, it is possible to affirm that the monastic ideal is

the total donation of oneself to God, through continuous prayer and work. This ideal

is invested in the Mosteiro da Ressurreição, pointing to a new channel of happiness,

presenting a new alternative to the hedonistic and consumerism of post-modernism.

The Mosteiro da Ressurreição is the irradiating center of this new ideal. So, we could

say that there is sense in opting for a monastic hodiernal life, even immersed in so

many distractions as post-modern society presents to monks. Also, it is possible to

say that the monks are happy people living a simple life focused on spiritual values.

Key-words: Monasticism, Benedictine, Mosteiro da Ressurreição, Happiness,

Postmodernity

Page 7: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

AGRADECIMENTOS

Oh, Senhor! Cantarei para sempre teu amor, pois fizeste uma aliança com à amiga do amicus autem

sponsi.

Á Virgem Maria, por sua maternal proteção; São José, amado e poderoso

intercessor.

São Bento e Edith Stein, santos protetores, a todos os santos e todas as

santas de Deus e ao inesquecível Beato João Paulo II.

A bondade divina passa pela mediação humana! Durante todo este trabalho,

pude experimentar o que significa a generosidade e a gratuidade. Este trabalho foi

feito com tantas mãos generosas, sendo que algumas nem conheço, mas sei de sua

existência. Não sei como agradecer! Passarei o resto da minha vida meditando e

agradecendo por tantas maravilhas operadas entre nós. Te Deum Laudamus!

Ao generoso, bondoso e intuitivo Pe. Boleslaw Blij, Svd, que, desde muito

tempo, já havia preconizado a concretização desta tese. Sou eternamente grata

desde agora e por toda a eternidade.

À minha querida irmã e cunhado: Ivone Brandellero e Jildo Begalle Tardiolli,

presenças marcantes nesta conquista.

Cada membro e cada irmão, da inspiradora e acolhedora Abadia da

Ressurreição, onde as palavras são apenas ecos de toda minha gratidão e pela qual

desenvolvi um imenso afeto.

Ao incentivo amigo, aos preciosos livros e às preces da Abadia Nossa

Senhora do Novo Mundo (Trapista) na pessoa do Abade Dom Bernardo Bonowitz.

Ao apoio discreto, amigo e orante do Carmelo, especialmente na pessoa da

Madre Regina e Ir. Celina, minhas irmãs de coração e de luta.

Ao acolhimento caridoso e carinhoso do Frei Almy José e toda comunidade

dominicana de São Domingos.

À generosa ajuda da Sra. Mariza Ignez Zampieri e Sra. Luiza Karoleski, em

que num momento crucial, foram meu socorro como se fossem fadas madrinhas.

Page 8: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

Aos amigos, aos familiares, às instituições e às pessoas anônimas, que direta

ou indiretamente contribuíram para que fosse possível a realização deste trabalho.

Eterna gratidão! Trago todos em meu coração e em oração: Maria Hoffaman

Trierweiler e família; Mauro, William, Liliane, Marianna, Joel e Rita Brandellero;

Ivanete Sinomelli, Lenir Gorte e Família; Cecília, Carmen Kula e família; Luíza e

Silvia Perle; Maria Almeri e família; Pe. Aluizio Fludra, Pe. Jaime Sanches Boch, Frei

Valdir Borges, Pe. César Braga, Pastor Ronaldo Perini, Pe. João Ademir, Pe.

Anderson; Terezinha Vaz de Oliveira; Neli Bombassaro e família; Elza Maria Bonin;

Alcas papelaria; Irmãs da Adoração Perpétua (Pinks), Irmãs Trapestinas, Ir.

Fernanda Martelline, Ir. Lourdes Zanini, Ir. Valéria Araujo, Ir. Maria Cleonice;

Valdemir e Claciane Chiquito; Zuzana Genoveva Perira e Familia; Victória Gogola;

Iracema do Colégio Cristo Rei; Josiani; Lucas e Francisquinho; Vera Lucia e

Mariazinha; Dona Aldina e Pina; Dona Nadir e Sr. Luiz.

Ao incentivo da bolsa da Capes, indispensável para a conclusão desta tese.

Meus agradecimentos.

À secretaria, Andréia, grande mulher, que ajuda a fazer a história nos

bastidores do programa, por todo cuidado e por toda atenção que dispensa para

todos os estudantes, fica gravada eternamente em minha na memória. Como ela me

ajudou!

Aos professores do Programa Ciências da Religião: Maria José Nunes

Rosado, Denise Gimenez Ramos, José J. Queiroz, João Edênio dos Reis Valle, Ênio

José da Costa Brito, Edin Sued Abumansur, Frank Usarski, Eduardo Rodriguês da

Cruz, Pedro Lima Vasconcellos, Fernando Torres-Londonõ, Luis Felipe de Cerqueira

e Silva Pondé, Silas Guerreiro.

Aos professores e às professoras da banca examinadora: Dr. João Décio

Passos, Dr. José J. Quieroz, Dr. Bortolo Valle, Dra. Ceci Baptista e Dra. Maria

Angela, muito agradeço pelo trabalho prestado.

À Dra. Brígida Carla Malandrino, por todo o trabalho de revisão profissional e

pelas palavras de incentivo e de ânimo, que se tornou uma presença muito

significante. Sou imensamente agradecida. O dinheiro não é capaz de pagar

tamanho afeto.

Page 9: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

Ao incansável incentivador e amigo, Prof. Dr. Afonso Maria Ligório Soares,

meu orientador, homem competente nas ciências humanas e divinas e que, agora,

faz parte da minha história acadêmica, por nunca ter-se cansado de mim. Sou muito

grata por toda dedicação.

Aos amigos e aos conhecidos do presente, passado e futuro, sendo

impossível nomear cada um. Apenas digo, muito obrigada. Não tenham medo de

grandes desafios!

Page 10: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................... 12

Parte I: A Tradição Monástica ............................................................................... 20

Capitulo I: A Tradição Monástica pré-cristã ........................................................ 21

1.1 - Monaquismo no Hinduísmo .......................................................................... 23

1.2 - Monaquismo no Budismo ............................................................................. 28

Capítulo II: Monaquismo Cristão e a Via Beneditina ........................................... 36

2.1 – Monaquismo e tradição ............................................................................... 36

2.2 - São Bento ..................................................................................................... 39

2.3 - Regra de São Bento ..................................................................................... 43

2.4 - O monge beneditino ..................................................................................... 52

Parte II: A vida Monástica no Mosteiro da Ressurreição .................................... 57

Capítulo III: Antecedentes históricos e fundação ............................................... 58

3.1 – Primeiros mosteiros beneditinos no Brasil .................................................. 61

3.2- Contexto histórico .......................................................................................... 73

3.2.1 – Escravidão e invasão holandesa .......................................................... 73

3.2.2- A questão de Pombal ............................................................................. 78

3.3 – Restauração dos beneditinos no Brasil ....................................................... 87

3.4 - Fundação do Mosteiro da Ressurreição ...................................................... 91

3.4.1 – Primeiros tempos da fundação ............................................................. 96

3.4.2 - O rosto do Mosteiro da Ressurreição .................................................. 100

3.4.3 – Pluralismo monástico ......................................................................... 103

3.4.4 – Construção material do Mosteiro da Ressurreição ............................ 106

Capítulo IV: Ora et Labora: A santificação das horas ..................................... 114

4.1 – Vigílias ....................................................................................................... 115

Page 11: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

4.2 - Laudes com e sem missa ........................................................................... 124

4.3 – Tércia ......................................................................................................... 132

4.4 – Sexta ......................................................................................................... 134

4.5 – Noa ............................................................................................................ 135

4.6 – Vésperas ................................................................................................... 137

4.7 – Completas ................................................................................................. 141

Capítulo V: Labora et Ora: A santificação do trabalho ..................................... 149

5.1 - O estudo ..................................................................................................... 149

5.2 - O auto-sustento .......................................................................................... 151

5.3 - Ação e repercussão extra-muros ............................................................... 155

5.4 – Vocacionados ............................................................................................ 160

Parte III: O Mosteiro da Ressurreição e a mensagem de felicidade para a “Era do Vazio” ............................................................................................................... 166

Capítulo VI: A felicidade no contexto do hipercosumo .................................... 168

6.1- Pós- Modernidade, consumo e Felicidade .................................................. 175

Capítulo VII: Ser feliz no ideal monástico- a vida no Mosteiro da Ressurreição como sinal de contradição na sociedade hiperconsumista ............................. 188

7.1- Monaquismo e consumismo ........................................................................ 188

7.2- Análise de alguns depoimentos sobre a vida monástica ............................ 197

Conclusão ............................................................................................................. 211

Bibliografia ............................................................................................................ 220

Anexos ................................................................................................................... 245

Anexo 1- Carta do Abade Dom André Martins, OSB ao pedido de admissão aos

primeiros votos do Ir. João da Cruz, aos 12 de março de 2010 ............................. 245

Anexo 2- Carta de Abade Dom André MARTINS, OSB. Renúncia dos bens de

Dom Vicente em 2007 ............................................................................................ 247

Page 12: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

LISTA DE FIGURAS

Parte II: A vida Monástica no Mosteiro da Ressurreição

Capítulo III: Antecedentes históricos e fundação

Foto 1- Visão do claustro do Mosteiro da Ressurreição ........................................ 107

Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero

Foto 2 - Portão de acesso ao Mosteiro .................................................................. 108

Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero

Foto 3 - Loja do Mosteiro ........................................................................................ 109

Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero

Foto 4 - Casa de hóspedes .................................................................................... 109

Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero

Foto 5 - Cemitério ................................................................................................... 110

Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero

Foto 6 - Visão externa da capela ........................................................................... 111

Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero

Foto 7- Pintura do Cristo Pantocrator dentro da capela ......................................... 111

Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero

Foto 8 - Celebração Eucarística ............................................................................. 112

Fonte: Arquivo pessoal- Neuza de Fátima Brandellero

Page 13: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

12

 

INTRODUÇÃO

O lugar dos homens é marcado pela ambigüidade inerente à nossa condição. Tem luzes e sombras, é fértil ou devastado. O mosteiro não escapa a essa contingência. Mas é bom lembrar que o projeto que inspira a instalação monástica obedece a certo ideal e a uma esperança. O mosteiro é como uma antiga pólis autárquica, onde a vida comum se desenrola como um espaço-tempo regido pelo mistério pascal. Uma unidade litúrgica celebrando, no culto e na vida, a morte e a ressurreição do Senhor. O mosteiro é, pois, um território de conflito, mas materializa um mito, representação poética duma realidade santa, natureza atrás do véu da natureza e oferece a quem se dispõe a viver aí conscientemente a significação última da sua existência.1

Este trabalho teve sua origem remota em algumas indagações pessoais: qual

o valor de ser monge numa sociedade pós-moderna? Na sociedade em que

vivemos, os valores materiais possuem grande peso na vida das pessoas, o que

gera competição pelo melhor e por aquilo que brilha mais, dando a impressão de

indispensabilidade e de essencialidade à vida humana. A sociedade hodierna

propõe valores diferentes daqueles que a vida monástica oferece, tais como: a

ascese, a durabilidade, a oração, o sacrifício, o despojamento, a pobreza, a

obediência e a castidade. Em meio a tantas possibilidades de oferta e de escolha é

possível encontrar pessoas dispostas a viver segundo a tradição monástica, com

princípios de desprendimento quase total de suas vidas? O nosso tempo é

apresentado como:

... rápida expansão do consumo e da comunicação de massa, enfraquecimento das normas autoritárias e disciplinares, surto de individualização, consagração do hedonismo e do psicologismo, perda da fé no futuro revolucionário, descontentamento com as paixões políticas e as militâncias.2

                                                       1 Dom Paulo ROCHA; Dom Timóteo AMOROSO; Clarival VALLADARES; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 10. 2 Gilles LIPOVETSKY, Os tempos hipermodernos, p. 52

Page 14: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

13

 

No entanto, a vida monástica está centrada em outro tipo de relação, que tem

como base o amor a Deus, ao próximo e a si mesmo, como antídoto para a

sociedade pós-moderna vazia de sentido, embora cheia de si mesma.

Conheci algumas pessoas que poderiam ter uma vida bem sucedida em

vários aspectos, mas deixaram tudo e todos para se tornarem monges e monjas,

vivendo uma vida reclusa dentro de uma clausura ou de um mosteiro. Vivem na

simplicidade, na pobreza, na obediência a um superior e em castidade. Justificam

que são felizes e a felicidade tornou-se uma realidade dentro deste estilo de vida.

Uma vivência nestes moldes parece um paradoxo diante do hioerconsumismo.

Estamos acostumados a associar felicidade com poder, ter e prazer; no entanto,

monges e monjas parecem que são, de fato, felizes com a sua opção de vida. Será

que existe algum segredo? Como pesquisadora, procurei alguma resposta para tal

questão. Visitei alguns mosteiros como os Trapistas e as Trapistinas, os Carmelitas,

as Clarissas e os Beneditinos no Brasil e também fora do país3, comprovando que,

de fato, a felicidade é uma constante para a maior parte dos monges e das monjas e

que ter não é mais importante que ser.

Foi nesse contexto que descobri, em abril de 2006, os monges Beneditinos do

Mosteiro da Ressurreição, mosteiro que se encontra localizado na cidade de Ponta

Grossa, no estado do Paraná. Os monges fundadores vieram do mosteiro de São

Bento da cidade de São Paulo, porém o Mosteiro da Ressurreição não é

considerado uma continuação do mosteiro de São Paulo. Após o primeiro contato,

fui aos poucos me integrando cada vez mais a eles. Por que escolhi este mosteiro

para campo de pesquisa? Os demais não eram interessantes? Sem dúvida, todos

mereceriam um estudo aprofundado, pois todos possuem algo genuíno para                                                        3 Itália, Roma: Mosteiro Beneditino: Monte Subiaco, onde São Bento viveu por três anos e também o Mosteiro onde viveu Escolástica, sua irmã; Assis: Mosteiro, onde teve início a congregação das Monjas Clarissas; Terra Santa, Haifa: Monte Carmelo, berço dos Carmelitas; Portugal, Coimbra: Monjas Carmelitas, onde viveu a vidente Lúcia; Lisboa: Mosteiro de Jerónimos Claustro. Hoje, sede turística; Chile, Quilvo-Curicó: Monjas Trapestinas, mãe da fundação no Brasil; Los Andes: Carmelitas Descalças, mosteiro onde viveu a Santa Teresa de Los Andes; Alemanha, Würzburg: conjunto de mosteiros, fundados pelos monges-missionários Irlandeses, terra de São Bonifácio, o apóstolo Germanico. O forte de Marienberg é belíssimo; Polônia, Oliwa: Mosteiro Cistercienses do século XIV, hoje, um restaurante; Pelplin: imensa catedral gótica dos Cistercienses do século XIV junto com o antigo Mosteiro; Kartuzy: cidade fundada no século XIII em homenagem aos Cartuxos; Czestochowa: capital espiritual da Polônia, desde séc. XIII, mosteiro dos Paulinos (Trazidos da Hungria); Uruguay, Montevidéu: Monjas Beneditinas; Paraguay, Ciudad del Leste: Mosteiro da Visitação; Villa Ricca: Monjas Clarissas; Grécia, Atenas: Mosteiro de Dafni dos Mosaicos, Mosteiro de Kesarianí e Mosteiro de Careas, no monte Himeto.

Page 15: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

14

 

acrescentar à nossa sociedade, à Igreja e à vida pessoal de cada pessoa. A questão

da escolha foi, a princípio, quase gratuita: a distância entre Curitiba, cidade onde

moro, e o mosteiro é de apenas cento e trinta e oito quilômetros, o que facilitou as

várias visitas. Também a afinidade empática com os monges teve seu peso. Desde

o início, o que mais chamou minha atenção foi a maneira como aqueles monges

celebravam a Liturgia. Eu dizia para mim mesma: “É uma liturgia quase perfeita”, dá

gosto em participar!”. Simples, alegre, vibrante, realizada com piedade e com zelo,

bem preparada, onde pequenos detalhes fazem a grande diferença. Enfim, hoje, sou

como outros, assídua participante da Liturgia do Mosteiro da Ressurreição em

especial nas festas litúrgicas e nas solenidades.

O tema é relevante por apresentar o Cristianismo no perfil monástico

Beneditino, como uma opção de vida feliz e válida para a nossa sociedade pós-

moderna, por apontar a contribuição cultural e religiosa dos Beneditinos no Brasil,

desde o tempo da colonização e por discutir as variantes da fundação heróica dos

trinta anos do Mosteiro da Ressurreição. Como sabemos o tema é muito amplo, pois

existem inúmeras ramificações monásticas e tivemos que fazer uma escolha, não

descartando em hipótese alguma a importância das demais famílias monásticas do

Oriente e do Ocidente. A mais importante para o Ocidente, sem dúvida, são os

Beneditinos, os cistercienses e os trapistas4, as duas últimas como fundações

posteriores, uma reforma da antiga Ordem de São Bento. “Ser monge na era do

vazio: um estudo no Mosteiro da Ressurreição e sua mensagem de felicidade para a

sociedade pós-moderna” é uma tese que embora modesta, quer trazer uma

autêntica contribuição para todos os amantes da vida monástica. Acreditamos que o

Mosteiro da Ressurreição, com sua peculiaridade desde os seus primórdios até os

nossos dias dentro da Regra de São Bento, anuncia de forma genuína o mandato

“Ide, pois, ensinai a todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do

Espírito Santo. Ensinai-a a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou

convosco todos os dias, até o fim do mundo”(Mt 28, 19-20).

O estado da questão encontra-se como um longo caminho a ser conhecido e

percorrido, pois no Brasil há poucos estudos sobre a vida monástica dentro da

                                                       4 No Brasil a única presença dos monges Trapistas é na cidade de Campo do Tenente no Paraná. As monjas Trapestinas chegaram em 2009 na cidade de Rio Negrinho em Santa Catarina.

Page 16: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

15

 

Academia. Faltam dados atualizados e bibliografias, sendo que quase todas são

traduções europeias. Alguns escritos de primeira mão de difícil acesso ficam

trancados dentro das bibliotecas dos respectivos mosteiros, não estando disponíveis

para o público. Ao acessar o site do Google com a palavra “vida monástica”,

encontramos trezentos e noventa e nove itens aproximadamente. Não é pouco o

interesse nesta área, mas como pesquisa, no sentido stricto sensu, dentro da

academia brasileira, foram poucas as dissertações e as teses encontradas.

Buscando-se monaquismo no Brasil, aparecem apenas quatro itens. Ao fazer um

estudo panorâmico sobre os mosteiros existentes no Brasil foram encontrados vinte

e sete mosteiros masculinos e dezessete mosteiros femininos, dados fornecidos

pelo site no ano de 1992.5

O que justifica este trabalho é a comprovação do pouco conhecimento sobre

a vida monástica dentro da academia brasileira. Ao apresentar o Mosteiro da

Ressurreição como uma história concreta de vivência monacal dentro da sociedade

hiper-consumista, podemos verificar que tem sentido optar pela vida monástica

hodierna. Este mosteiro, objeto desta pesquisa, pode ressoar como um paradoxo

social, onde seus membros esforçam-se para viver numa dimensão espiritual, tendo

como base a fé e não apenas o suporte sociológico ou psicológico. Um grupo de

jovens monges que chegou a um lugar totalmente diferente, desconhecido e sem

nenhum recurso material, deve ser admirado e reconhecido pela obra que fizeram e

que continuam a fazer nos nossos dias. Ao iniciar a fundação, há trinta anos, o

grupo fundador desejava retornar às origens da Regra de São Bento e atualizá-la ao

o nosso tempo, numa vivência simples e longe do urbanismo, fazendo uma mescla

entre a antiga tradição e os tempos modernos.

Durante o desenvolvimento da tese, precisei de bibliografia que contasse a

história dos Beneditinos no Brasil. Tive imensa dificuldade para encontrar o material,

porque, em muitos mosteiros, não existem estes livros e, se existem, não podem ser

retirados das respectivas bibliotecas monásticas. Enfim, este estudo quer somar

conhecimentos à Teologia e, de modo especial, ao estudo das Ciências da Religião.

A grande contribuição religiosa e cultural que os Beneditinos deram ao nosso país é

relevante e precisa tornar-se mais conhecida a sua história. É possível ser monge na

                                                       5 Atlas monástico Brasileiro. www.google.com.br Acesso em: 06 set 2010.

Page 17: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

16

 

era do vazio e do hiper-consumismo? Qual a contribuição que o Mosteiro da

Ressurreição pode oferecer à sociedade pós-moderna? Desde sua fundação, o

Mosteiro da Ressurreição vem desempenhando um papel relevante à sociedade,

seja pelo desempenho litúrgico, voltados mais à contemplação e a vivência fraterna

entre seus membros, sejam pelos diferentes e vários trabalhos prestados às

pessoas que batem todos os dias à porta do mosteiro ou, a nível nacional, pelo

canto gregoriano em português. Parece ser relevante apresentar o monaquismo

como um estilo de vida válida numa sociedade como a nossa, onde o espiritual é

pouco valorizado.

O objeto de estudo desta tese é a recepção e a vivência Beneditina no

Mosteiro da Ressurreição. O ramo Beneditino teve seu início com São Bento, no

século VI, sendo a grande novidade da época, perpassando o tempo e o espaço e

se atualizando nas contínuas fundações. O trabalho quer ressaltar o monaquismo

como uma possibilidade do ser humano ser feliz, não obstante à sociedade a qual

está inserido.

Frente ao que foi colocado até então, este trabalho tem como problema de

pesquisa saber qual o sentido da opção por uma vida monástica hodierna no

Mosteiro da Ressurreição no contexto da pós-modernidade. Neste sentido, a opção

pela vida monástica é uma busca de realização e de felicidade, uma contribuição à

sociedade ou apenas uma fuga existencial do ser humano? Além disso,

encaminham-se como problemas periféricos: como o Mosteiro da Ressurreição

incorpora a vivência da Tradição monacal e o perfil do monge Beneditino? O que o

Mosteiro da Ressurreição recebeu dos ramos Beneditinos instalados no Brasil desde

os tempos da Colônia? Que ideal de felicidade é vivido pelos monges?

Vivemos numa sociedade onde é super valorizado o bem material, a

aparência, o consumismo com toda a sua atração, coisas que, muitas vezes,

significam uma promessa de felicidade. Trabalhamos com a hipótese de que em

meio à pós-modernidade, algumas pessoas fazem a opção por uma vida simples e

voltada para os valores espirituais, que tem como consequência a vida feliz, não

como fuga, mas acreditando que todo ser humano é chamado para viver a vida em

plenitude e feliz. Os mosteiros da Europa muito contribuíram para o desenvolvimento

cultural da sociedade e hoje continuam ajudando as pessoas em vários níveis.

Page 18: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

17

 

O Mosteiro da Ressurreição incorpora o ideal monástico beneditino, mas o

realiza com peculiaridades próprias de acordo com o espírito dos jovens monges

fundadores. Dom André Martins e Dom Mateus Salles Penteado continuam, desde a

fundação, formando e informando os monges, dando um perfil próprio ao monge

desta comunidade. Quando os Beneditinos chegaram ao Brasil Colonial, mesmo

sendo uma ordem voltada mais à contemplação, ajudaram na catequese, no ensino

e no esmero para com a liturgia. O Mosteiro da Ressurreição herdou da Tradição

todo o cuidado para com a Liturgia e a obediência à Regra de São Bento,

adaptando-a para os tempos modernos. O ideal monástico é a doação total de si a

Deus, na oração contínua e no trabalho, encarnado no Mosteiro da Ressurreição,

que aponta para uma nova via de felicidade, como alternativa à felicidade hedonista

e consumista da pós-modernidade. O Mosteiro se constitui em foco de irradiação

deste novo ideal.

Os objetivos desta tese são: compreender a opção pela vida monástica;

apresentar parte da história dos Beneditinos no Brasil; trazer à luz dos nossos dias a

vivência dos monges do Mosteiro da Ressurreição, como a continuação milenar da

grande Tradição Beneditina; mostrar qual alternativa o Mosteiro da Ressurreição

oferece à sociedade pós-moderna e hiper-consumista.

As categorias que fundamentarão as análises são: 1 - A caracterização da

pós-modernidade ou hiper-modernidade, o seu vazio de sentido e a felicidade que

ela propõe (categoria sociológica); 2 - A mística da vida consagrada monástica

beneditina e a felicidade decorrente da doação de si (categoria teológica).

Utilizaremos dois tipos de procedimentos: 1 - Teórico: neste procedimento o

método é a da revisão da bibliografia: coleta da bibliografia, seleção das obras e dos

textos, análise, interpretação e organização no corpo da tese; 2 - Empírico: coleta

das fontes primárias, seleção das principais fontes e emprego das mesmas na

composição dos capítulos históricos, entrevista semi-dirigida e pesquisa participante,

quando o pesquisador participa e interage com o campo pesquisado.

O trabalho esta dividido em três partes e sete capítulos. A primeira parte do

trabalho é composta por dois capítulos, sendo que no primeiro apresentaremos a

tradição monástica presente em outras religiões, como o Hinduísmo e o Budismo,

entendendo-o como um movimento pré-cristão. O segundo capítulo mostrará o

Page 19: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

18

 

monaquismo Cristão, sob a ótica de São Bento e sua Regra, dando o perfil do

monge Beneditino.

A segunda parte do trabalho é composta por três capítulos, considerada a

parte central desta pesquisa, isto é, a vida monástica no Mosteiro da Ressurreição.

O capítulo três ressaltará os antecedentes históricos e as fundações dos Beneditinos

no Brasil, desde os tempos coloniais com seus primeiros mosteiros em terra

brasileira. A congregação beneditina foi a segunda congregação religiosa presente

no Brasil, deixando sua contribuição cultural e religiosa, não obstante as muitas

dificuldades da época, como a invasão holandesa, a escravidão e a política de

Pombal. Como continuação do estilo de vida cunhado no século VI, há trinta anos

aconteceu uma nova fundação beneditina: o Mosteiro da Ressurreição. No quarto

capítulo será apresentado o lema beneditino, Ora et Labora, isto é, a santificação

das horas. Os monges “interrompem” o trabalho e se dirigem à capela para cantar

os salmos comunitariamente, sete vezes ao dia. Começando pelas Vigilias, às

04h20 da madrugada, as Laudes com ou sem missa, às 06h15, a Tércia, às 9hs, a

Sexta, às 12hs, a Noa, às 14h30, as Vésperas às 17h30 e as Completas às 19hs.

No quinto capítulo será apresentado a dimensão do trabalho, o labora et ora. São

Bento escreveu claramente aos seus monges, dizendo que: “são verdadeiros

monges se vivem do trabalho de suas mãos, como também os nossos Pais e os

Apóstolos”6. Destacaremos o serviço realizado dentro e fora do mosteiro. Como, por

exemplo, o estudo, o auto-sustento, a ação e a repercussão extra-muros, os

vocacionados e as etapas de formação.

A terceira parte da tese intitulada “O Mosteiro da Ressurreição e a mensagem

de felicidade para a Era do Vazio” nasce da seguinte pergunta: que tipo de felicidade

o Mosteiro da Ressurreição pode apresentar à sociedade pós-moderna? São dois

capítulos que tratam de contextualizar a atual sociedade e o sentido em optar pela

vida monástica. O último capítulo apresenta o ser feliz no ideal monástico,

especificamente na vivência do Mosteiro da Ressurreição, como sinal de contradição

na sociedade hiper-moderna.

                                                       6 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo XLVIII, 8, p. 173.

Page 20: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

19

 

Desejo que a leitura desta pesquisa possa inspirar também a vida de seus

eventuais leitores e que “o Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com

todos aumente e transborde sempre mais” (1Ts,3,12).

Page 21: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

20  

PARTE I: A TRADIÇÃO MONÁSTICA

Tudo aquilo que ouvimos e aprendemos e transmitiram para nós os nossos pais não haveremos de ocultar a nossos filhos, mas à nova geração nós contaremos (Sl 77,3-2).

A primeira parte deste trabalho é composta por dois capítulos, tendo como

objetivo apresentar a tradição monástica na era pré-cristã, destacando o

monaquismo Hinduísta e o Budista, para, em seguida, abordar o monaquismo

Cristão na via beneditina. Assim, o primeiro capítulo disserta sobre o monaquismo

dentro do Hinduísmo e do Budismo, duas religiões milenares, tendo como intuito a

demonstração do monaquismo como um fenômeno pré-cristão. Já o segundo

capítulo traz à luz o monaquismo cristão na via beneditina, destacando-se São

Bento e a sua Regra, o que dá a diretriz à família beneditina em todos os tempos e

lugares, delineando um perfil próprio do monge beneditino.

Page 22: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

21  

CAPÍTULO I: A TRADIÇÃO MONÁSTICA PRÉ-CRISTÃ

O título, tradição monástica, quer apresentar um pouco das raízes do

monaquismo pré-cristão, indo buscar no hinduísmo e no budismo, religiões

milenares, o arquétipo do surgimento monacal. Todos nós conhecemos a estória O Pequeno Príncipe, de Antonie de Saint-Exupéry, que, parece-nos, serve de

ilustração:

Perguntou o príncipe à flor no deserto: Onde estão os homens? E a flor respondeu: Os homens? O vento os levou. Não têm raízes e lhes molesta muito não tê-las. A flor, que apenas conhecia os homens, se enganava. Os homens têm raízes. Alguns aceitam, outros pretendem livrar-se delas, outros duvidam; outros arrancam sem compaixão, fazendo-os sofrer. Mas todos nascemos em uma família, em um povo, em um país e em uma cultura determinada. Temos raízes biológicas, geográficas, morais, religiosas; muitas e muitas diversas raízes.1

Por falar em raízes, é mais conhecido entre nós o monaquismo cristão e,

muitas vezes, não sabermos quais foram as suas raízes. Ao destacar o monaquismo

no Hinduísmo e no Budismo, queremos tornar mais conhecido e popular entre nós

este estilo de vida. Também buscamos fomentar o diálogo com outras

denominações religiosas e culturais, valorizando e escutando o diferente, o que

pode gerar uma somatória na diversidade religiosa:

O caminho para assumir o inter-religioso como grandeza teológica e, portanto, a transcendência das posturas exclusivistas e inclusivas, pressupõe metodologias inclusivas e dialogantes, capazes de revelar as identidades das tradições religiosas, bem como suas leituras das outras religiões.2

                                                       1 “Preguntó el principito a la flor del desierto: Dónde están los hombres? Y la flor le contesto: Los hombres? El viento los lleva. No tienen raíces. Les molesta mucho no tenerlas. La flor, que apenas conocía a los hombres, se enganaba. Los hombres tenemos raíces. Algunos lo aceptan, otros intentan librarse de ellas, otros las olvidan, a otros se las arrancan sin compasión, lo que los hace sufrir. Pero todos nacemos en una família, en un pueblo, en un país, en una cultura determinada. Tenemos raíces biológicas, geográficas, morales, religiosas; muchas y muy diversas raíces.” Antonie de SAINT-EXUPÉRY apud García M. COLOMBÁS, La tradición Benedictina, ensayo histórico - tomo primeiro - las raíces, p.13 2 Frank USARSKI, O budismo e as outras, p. 14.

Page 23: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

22  

O Hinduísmo e o Budismo são religiões muito anteriores ao Cristianismo e

torná-las mais conhecidas é uma forma de valorizá-las, respeitá-las e admirá-las.

Faremos isto apresentando um pequeno relato histórico e contextualizando o

surgimento das duas religiões. Além disso, destacaremos a riqueza da vida ascética

de ambas as religiões e perceberemos que há raízes comuns no monaquismo,

como, por exemplo: o ritual de admissão do candidato, a vida de pobreza, o silêncio,

a reclusão ou a vida de comunidade (cenóbio) e a contínua oração. Apontando as

suas semelhanças e as suas diferenças, percebe-se que apresentá-las traz

contribuições para o entendimento do monaquismo Cristão. “Não basta falar do

outro, é preciso ouví-lo. A prática do diálogo inter-religioso só é possível se a outra

religião estiver disposta ao diálogo e entrar no seu circuito inclusivo que expõe os

limites e as possibilidades reais de qualquer construção comum”3. É necessário um

diálogo, entre as diversas religiões, baseado na humildade, quando todos podem

aprender e sair lucrando com o encontro do outro, o diferente.

A finalidade do monaquismo Hinduísta, Budista e Cristão é a busca pela

perfeição, embora a intenção interior de cada uma delas seja distinta: a fonte de

inspiração para uns é Buda e para outros é Jesus Cristo, mas os dois podem levar o

ser humano para um elevado nível espiritual, sendo a perfeição uma busca contínua

de ambos. Hinduísmo designa a religião geográfica da Índia, onde nasceu e é

praticada. Mas para os seus praticantes, ela é a Sanatana Darma, a Lei Eterna.

Enfim, o que importa neste trabalho é dar destaque à presença dos monges

dentro destas religiões. À margem do Hinduísmo, “existiam os ascetas e extáticos”4.

Quanto ao surgimento da vida monástica budista, sabe-se que essa forma de vida

nasceu do próprio coração de Buda, que sente a necessidade de reunir homens

para instruí-los e levá-los a perfeição:

A comunidade dos monges, porém, não surgiu como uma imposição do ambiente, mas nasceu da própria determinação de Buda, que julgou oportuno reunir os seus monges durante os meses de chuva, para instruí-los e corrigi-los. Por causa destas reuniões, surgiram a princípio cabanas isoladas, depois residências estáveis (vihâra), enfim comunidades organizadas, que passaram a celebrar grandes cerimônias de renovação espiritual, como os retiros (pavâranâs), com dias de jejum, de leituras de regras e de recitação de

                                                       3 García M. COLOMBÁS, La tradición Benedictina, ensayo histórico - tomo primeiro - las raíces, p. 14. 4 “Existían los ascetas y extáticos”. Ibid., p. 29

Page 24: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

23  

culpas. Estes mosteiros budistas exerceram posteriormente grande influência, não só no desenvolvimento do próprio Budismo, como também na evolução histórica e cultural de alguns países.5

No Budismo, o monaquismo, ocupa uma parte central, enquanto que no

Hinduísmo e no Cristianismo, o monaquismo fica em um lugar mais periférico:

Jesus e seus discípulos não eram monges, o Buda e seus discípulos sim. No budismo primitivo, aquele que quisesse seguir o caminho da salvação e retirar-se do mundo ingressava no sangha, na comunidade monástica. Os monges budistas se distinguem dos outros monges hinduístas pelo fato de seguirem o Buda como seu modelo, de abraçarem sua doutrina e a regra de sua ordem.6

Ou ainda:

O Budismo, nas suas variadas formas, reconhece a insuficiência radical deste mundo mutável e ensina o caminho através do qual os homens, com coração devoto e confiante, poderão atingir o estado de libertação perfeita, ou chegar ao estado de iluminação suprema por meio dos próprios esforços ou com a ajuda vinda do alto.7

Veremos, a seguir, com mais detalhes, cada uma destas tradições.

1.1 - Monaquismo no Hinduísmo

O monaquismo no Hinduísmo é antiguíssimo, não podemos dar uma data

precisa sobre seu nascimento. Apenas indicar alguns pontos de referência, dos

quais, os mais seguros, são fornecidos pelas datas de aparecimento de textos

sagrados. A tradição mais antiga remonta provavelmente aos anos 2000 ou 1500

antes de nossa Era. Portanto, a idade do Hinduísmo é de pelo menos 3500 anos

antes de Cristo.

Sua busca pela contemplação encontra na meditação o meio de alcançá-la e

obter, como fruto, uma sabedoria plena de poder salvífico. Em suas tendências                                                        5 Valdomiro Otávio PIAZZA, Religiões da humanidade, p. 251. 6 Hans KÜNG, Religiões do mundo, p. 157. 7 VATICANO, Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II - Nostra Aetate, p. 341-342.

Page 25: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

24  

teístas primitivas, a contemplação tem um efeito unificante e libertador, no sentido

de reunir o ser humano ao absoluto, que é o próprio Deus:

No hinduísmo é importante que se reconheça a validade dos Vedas, os escritos sagrados, e a autoridade dos sacerdotes (brâmanes). Porém, trata-se antes de experiência (de Deus) do que de fé (em Deus). Para esta experiência de Deus, no entanto, é necessário que se tenha confiança e entrega (bhakti): a amorosa veneração do grande Deus Vishnu, por exemplo, cria a base interior para a libertação, e retorno da alma para Deus.8

O primeiro período da história religiosa da Índia (2000-600 a.C.) é conhecido

como Védico, devido à elaboração dos textos teológicos e científico-culturais

denominados Veda9. As principais características dessa religião eram o politeísmo, a

grande importância do culto-sacrifical, a complexidade da liturgia e o

desenvolvimento lento e ininterrupto de um pensamento filosófico-teológico com

grandes intuições religiosas e místicas.

Ao mesmo tempo em que a religião constituía-se, a sociedade assumia uma

estrutura estratificada no rígido sistema de castas10, que os brâmanes consideravam

                                                       8 Burkhard SCHERER, As grandes religiões, p. 77. 9 “Livros do período védico: Veda que dizer conhecimento, não de verdades teóricas, mas de ritos e de hinos sagrados, que produziam o “brahman”, espécie de força primordial que garantia a ordem cósmica (rita), o poder dos deuses e a ventura dos homens... Daí a importância que os hindus davam a certas preces (mantra) e gestos (nuasa). Os Vedas são os livros que contém estes hinos e ritos, tidos como ditados por “videntes” (rishis), constituindo quatro grandes coleções (samhitâs): 1 - Rig-Veda (Veda dos hinos): coleção de hinos métricos (ric), invocando, em geral, os deuses durante a oblação do “soma”, licor feito de uma planta desconhecida, e durante o sacrifício do fogo sagrado, realizado com manteiga fundida (ghi). 2 - Sâma-Veda (Veda das melodias): coleção de cantos sagrados, destinados aos “udgâtar”, sacerdotes que tinham o ofício de cantar as orações prescritas (sâman), lembremo-nos de que nas religiões primitivas o som tinha efeito mágico. Era o livro dos feiticeiros e mágicos. 3 - Yajur-Veda (Veda das fórmulas do sacrifício) divide-se em duas coleções: a Branca e a Preta. Esta última, mais antiga, tira o nome de “krishna”, o “obscuro”, porque as suas fórmulas (yajus) resistem à exegese dos brâmanes. São em prosa e de caráter mágico. 4 - Atharva-Veda (Vedas dos atharvans): mais recente, está escrito em versos e destina-se aos “atharvans” (os bons feiticeiros) e aos “angiras” (os maus feiticeiros). Nota-se já na sua elaboração a supremacia dos brâmanes”. Waldomiro Otávio PIAZZA, Religiões da humanidade, p. 218-219. 10 “O Sistema de castas e os deveres sociais e religiosos individuais (svadharma) governam tão intensamente a sociedade, que dentro do hinduísmo o engajamento social nunca teve maior desenvolvimento. A vida atual é condicionada pelas ações anteriores, portanto pelo mau carma. Sobre este pano de fundo, a justiça social não é nem possível, nem coerente. O moderno estado indiano, com sua constituição social, tenta enfrentar a rigidez desta mentalidade de muitos séculos. Também os movimentos reformistas hindus e as comunidades hinduístas no Ocidente com freqüência possuem uma mentalidade muito beneficente. Aqui o ponto de partida é formado, por exemplo, pela idéia do bhakti: a entrega amorosa ao Deus Vishnu ou Shiva (bhakti) se manifesta também pelo amor ativo ao próximo”. Burkhard SCHERER, As grandes religiões, p.126.

Page 26: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

25  

como vinda do direito divino. Os brâmanes11 constituíram a casta superior e

reservavam para si a exclusividade da custódia da lei védica e da realização das

práticas religiosas de cunho utilitário, voltadas para a obtenção da felicidade e das

prosperidades terrenas, tais como longa vida, numerosa prole e todo tipo de bens

materiais:

Riqueza e pobreza são consideradas o resultado de atos anteriores. Para o desenvolvimento espiritual do homem, podem constituir um obstáculo, sobretudo o luxo e o gozo dos sentidos. Por isso sempre de novo surgiram movimentos que consideravam privações corporais extremas como meios e instrumentos no caminho da libertação (maksha). Os naga-sadhu`s do Deus Shiva, ascetas nus de cabelos emaranhados, ainda hoje marcam o panorama das ruas de muitas cidades indianas. Em muitas histórias se relata que, pela renúncia à sexualidade e pelo jejum, estes ascetas desenvolveram um “fogo interior” (tapas) que lhe conferiu capacidades mágicas (siddhis). Assim eles ganham a chave para o mundo (o jogo das ilusões), ameaçando a ordem divina. Os deuses, então, precisam dar um jeito. Muitas vezes o Deus Shiva, que une em si continência e prazer sexual, tenta os ascetas, desta forma apagando neles o fogo interior.12

Porém, ao lado dessa religião materialista, havia os ascetas que, sujos e nus,

viviam expostos ao tempo e levavam uma vida em busca da elevação espiritual.

“Uns levam longos cabelos e se vestem miseravelmente, às vezes pedaços de

árvores, outros andam completamente nus, alimentam-se de esterco e urina de

vaca, vivem nos cemitérios”13. Estes são alguns traços monásticos, porém jamais

saberemos suas reais motivações.

A especulação filosófica acabou influenciando grandemente a vida religiosa

hinduísta. A principal idéia foi de que existe uma vida após a morte e que, como

                                                       11 “Do ponto de vista dos brâmanes-orgulhosos de possuir a “língua sagrada” (o sânscrito) -, a porção nordeste da Índia, onde o Buda atuava como líder religioso, não pertencia às áreas religiosamente predestinadas do subcontinente. Era encarada, com efeito, como território bárbaro, local de idiomas impuros, inclusive o magadhi, dialeto falado por Siddhartha Gautama. Importante, ainda, era o fato de Buda pertencer a uma família de Ksatriyas, casta tradicionalmente inferior à dos sacerdotes. O nascimento e crescimento do movimento budista foi, portanto, uma forma de articulação emancipadora de uma região até então considerada decadente. Sob o pretexto de debates filosóficos e religiosos, fermentavam tensões relativas à ordem social tradicional. Em outras palavras: a negação, por ksatriyas, da sublimidade do sânscrito e do status dos Vedas como suposto manifesto do eterno conhecimento e da máxima autoridade era, na verdade, uma articulação de exigências contra a antiga hierarquia da sociedade tradicional indiana”. Frank USARSKI, O budismo e as outras, p.68-69. 12 Burkahard SCHERER, As grandes religiões, p. 106. 13 García M. COLOMBÁS, La tradición Benedictina, ensayo histórico - tomo primeiro - las raíces, p. 29.

Page 27: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

26  

efeito automático de seus atos, a pessoa virtuosa, ao morrer, renascia em um lugar

de deleites. Mas, tais situações não eram eternas, cessando no momento em que

acabassem os efeitos dos atos bons ou maus. Neste momento, os indivíduos

renasciam nesta terra num incessante ciclo de renascimentos e de mortes:

É o que chamamos comumente transmigração das almas e o que seria melhor chamar metempsicose ou metensomatose.14 O termo vem de sam si: “correr com”. O samsara é a corrente perpétua e cíclica que arrasta o atmã, a alma individual, através das reencarnações sucessivas. É simbolizada por uma roda sempre em movimento ou pela sucessão das vagas de um rio incessante. O atmã, a alma eterna, ela voa de corpo em corpo. Qual pássaro migrador, o hamsa, ela voa de corpo em corpo, sem fim, durante todo um ciclo cósmico, antes de fundir-se no “brama”. Mas, pesando mais por causa de seus atos maus, cai na escala dos seres, renascendo no corpo de um homem de categoria inferior, até de um animal ou planta. Ou, tornada leve por suas boas ações, eleva-se até alcançar o brama. Nas crenças populares posteriores instauram-se todo um código das reencarnações: do homem ao vegetal, passando pelo macaco, pelo pássaro e pelo inseto, 86 milhões de vezes (...)

Além dessas especulações muito minuciosas, o samsara contém duas concepções, comuns a todas as religiões, sobre a morte e o além. A morte não é definitiva. Mas, se para os animistas os espíritos sobrevivem entre os vivos e, para os cristãos os corpos dos santos ressuscitarão no fim dos tempos, para o hindu a alma transmigra de corpo em corpo até sua dissolução no brama. Mas ela não conhece a Salvação cristã, nem sequer o Paraíso de Alá. Espera a libertação. Ser libertado é escapar ao sofrimento das reencarnações. A alma chega a esse estado pela observância dos ritos e principalmente pelo conhecimento da identidade entre ele e o absoluto. O que distingue o samsara hinduísta das outras formas de metempsicose é que ele repousa na crença fundamental no carma.15

A partir deste pressuposto, desenvolveu-se a teoria de que existe uma

unidade total entre o principio individual e o principio cósmico ou a essência do

universo. Somente a meditação e o conhecimento intuitivo de que atman e Brahma

são uma só coisa é que podem libertar o ser humano do samsara. Tais idéias foram

pouco a pouco penetrando na sociedade e contribuindo poderosamente para dar um

valor positivo à vida virtuosa e à ascese, pois elas colaboravam poderosamente para

se obter a união definitiva do atman com o Brahama. A vida ascética é um caminho

para a total libertação e a concretização desta união.

Vejamos a seguir os possíveis estados de vida, que o Hinduísmo oferece.

                                                       14 Transmutação de um corpo em outro. 15 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 79-80.

Page 28: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

27  

O pantis é uma espécie de doutor no hinduísmo. Sabe de cor o Veda e o saber que se pode encontrar nele sobre Deus, o homem e o universo. É sábio e teólogo. O eremita, como em todas as religiões, é aquele que renuncia ao mundo para dedicar-se melhor a Deus. Na Índia, isso significa deixar a casa e a família para percorrer as estradas, de santuário em santuário, pregando aos aldeões. Muitos são venerados como “loucos de Deus”. O sadu é um eremita que, para escapar ao ciclo dos renascimentos, isola-se no silêncio e no jejum. Pior que um pária, abandona tudo e é abandonado por todos. É um “renunciante” que concebeu essa loucura: juntar-se diretamente ao brama, escapando do universo dele. Enfim, a partir do século VIII, foram criados mosteiros ligados ao culto de Siva ou de Vixnu. Neles, os monges, homens ou mulheres, praticam uma ascese particular sob a direção de um mestre. Existem, finalmente, os gurus, isto é, “homens de peso”, em sânscrito. Cada um está à frente de uma seita, fundada por ele mesmo e que, geralmente, não sobrevive a ele. Muitas vezes muitos humildes, até analfabetos, são principalmente mestres espirituais. Seu ensinamento sobre o darma atraí discípulos. O guru os inicia, ensina-lhes fórmulas sagradas e os ajuda a se identificar com a última realidade. É geralmente para um guru que o pai apela, quando chega o tempo de seu filho ser ensinado no hinduísmo. 16

A vida comunitária, no monaquismo Hinduísta, é praticamente desconhecida,

são monges mendicantes e itinerantes. Seus poucos mosteiros são de dimensões

modestas, onde um guru17, figura indispensável, convive com uns poucos discípulos

e eventualmente com algum hóspede. Os monges possuem uma regra de vida

extremamente simples: 1- Mendigar o sustento uma vez ao dia; 2 - Dominar suas

paixões; 3 - Exercitar continuamente a vigilância; 4 - Vestir uma túnica cor de

açafrão; 5 - Depender única e exclusivamente da generosidade alheia no que toca à

sua manutenção. Seus principais votos são: 1- Não prejudicar a nenhum ser vivo; 2 -

Ser sincero; 3 - Não roubar; 4 - Não perder o autodomínio; 5 - Ser generoso.

Exposto resumidamente o que significa ser monge no hinduísmo, percebe-se

alguns elementos comuns com o monge cristão. A vida ascética, os votos, a

meditação e a dedicação exclusiva ao ideal abraçado, comprometimento feito por

toda a vida. Motivo de admiração e de respeito pela generosidade tão grande de

pessoas que decidem viver este estilo de vida.

                                                       16 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 93-94. 17 “Preceptor do menino que entra para a comunidade bramânica, mestre espiritual reconhecido como tal por seus discípulos”. Ibid., p. 107.

Page 29: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

28  

1.2 - Monaquismo no Budismo

A história nos ensina que o surgimento dos monges budistas teve início com

os primeiros cinco companheiros, após o Primeiro Sermão de Benares, chamado

“Sangha”. No início do Sermão, encontra-se o fundamento do budismo: o sofrimento

é universal: “O nascimento é dor, a velhice é dor, a doença é dor, a morte é dor, a

união com o que não se ama é dor, a separação do que se ama é dor, não obter o

que se deseja é dor”18. Esta descoberta referente à dor é o fundamento das Quatro

Verdades Santas:

As quatro verdades salientam que: a) a vida é marcada pelo sofrimento; b) o sofrimento tem suas raízes em conceitos falsos e atitudes erradas; c) o sofrimento pode ser vencido sob a condição de que suas raízes sejam superadas; e d) o método de superar a situação existencialmente precária consta no caminho óctuplo ensinado pelo Buda para alcançar o nirvana, objetivo soteriológico do Budismo qualificado pela extinção das raízes do sofrimento e, portanto, pela ausência do mesmo. Do ponto de vista do pensamento budista em torno do axioma da não-substancialidade, a primeira verdade confirma que o sofrimento como experiência subjacente de qualquer ser vivo não iluminado nasce da construção de um autoconceito baseado na imaginação do atta. Segundo a tradição budista, essa idéia de um self cultivado pelo individuo nasce de um “engano” (avidya) fundamental, determinado pelo habito de mergulhar no fluxo permanente de atividades corporais, mentais e emocionais que o levam a se perceber como portador “autônomo” de todas as experiências, sensações e conteúdos mentais.19

Para Buda, não há “eu”, mas somente um aglomerado de cinco elementos: o

corpo, as sensações, as representações, as formações e o conhecimento. Para o

budismo, o ser se reduz a uma simples denominação. “Eu” é somente o nome que

damos a essa união provisória de elementos. Fora dessa designação, não há

realidade. O ser não existe senão pelo apego a essa aparência de ser. Todo apego

é sofrimento. O que nos faz sofrer é nossa vontade de viver, nosso desejo de existir

e de nos perpetuar, nosso temor permanente de perdermos o que pensamos ser.

Viver eternamente é o nosso desejo, mas vamos morrer. Ser felizes sem cessar não

é possível e isto causa sofrimento. Nosso desejo de viver, apegado à aparência, só

provoca a decepção incessante do sofrimento humano. O que se busca é

desapegar-se de tudo. Deve-se matar o desejo, até aniquilar a sede e viver através

                                                       18 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 116. 19 Frank USARSKI, O budismo e as outras, p. 29-30.

Page 30: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

29  

da prática da meditação pura. Nesta verdade está à ética budista, que também é

chamada de caminho óctuplo:

A trilha espiritual budista praticada para se liberar do mecanismo da perpetuação no samsara é composta por oito elementos. A literatura especializada organiza esses aspectos geralmente em três blocos, a saber: a sabedoria, moralidade e cultura mental. O que especificamente importa, no contexto do presente trabalho, é a rubrica de moralidade ou ética. A ética budista enfatiza a importância da intenção com a qual uma ação é levada a efeito. Motivações alimentadas por apego, ódio e ignorância são carmicamente negativas, especialmente quando se realizam em ações correspondentes. Em oposição, intenções caracterizadas como não-apego, benevolência e entendimento são classificadas como construtivas, não apenas no sentido de um comportamento que beneficia outrem, mas também porque trazem futuras consequências positivas para o próprio autor.20

As quatro verdades estão próximas da mensagem original de Buda. A

sabedoria e a meditação, das quatro verdades santas, supõem o estado monacal. O

budismo é praticado plenamente pelas confrarias de monges que acompanham o

mestre pelas estradas, mendigando e ouvindo seu ensinamento, tal como pregado

pelo próprio Buda:

O Buda sempre insistiu em que seu ensinamento se baseava inteiramente em sua própria experiência. Não estudara as opiniões de outros, nem criara uma teoria abstrata. Tirara suas conclusões da história de sua própria vida. Ensinava aos discípulos que, se quisessem chegar á iluminação, deviam abandonar seus lares, tornar-se monges mendicantes e praticar disciplinas mentais de ioga, como ele fizera. Sua vida e doutrina combinavam-se inextricavelmente. Sua filosofia era essência autobiográfica, e os principais contornos de sua vida eram descritos nas escrituras e comentários como modelo e inspiração para outros budistas. Como ele disse: - Aquele que me vê, vê o dhamma (a doutrina), e aquele que vê o dhamma, vê a mim. 21

O Budismo está presente em todos os países, um fator que traz em si

algumas complexidades, devido às suas diferenciações, sobretudo nos países

asiáticos tradicionais, onde o monaquismo é muito prestigiado:

                                                       20 Frank USARSKI, O budismo e as outras, p.31-32. 21 Karen ARMSTRONG, Buda, p. 15

Page 31: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

30  

Trata-se de duas lógicas religiosas próprias. Uma representada por monges e monjas, qualificando-se por uma organização rigorosa, uma ética minuciosamente regulamentada e uma rotina consequentemente orientada no ideal da realização, o mais imediatamente possível, do nirvana. A outra lógica é constitutiva para os budistas leigos e leigas. Comparada com as condições monásticas, a religiosidade leiga é caracterizada por uma série de concessões diante das exigências da vida mundana, inclusive o principio de que a “existência civil” é desprivilegiada em termos da realização do nirvana, o que faz com que a prática religiosa se concentre no acúmulo de um carma positivo em prol de uma reencarnação soteriologicamente mais auspiciosa.22

Expor numa visão panorâmica o processo do monaquismo Budista é a

finalidade deste item. Como se dá o processo de formação do monge budista?

Podemos entendê-lo em duas etapas:

A primeira, aos dezesseis anos. É a pravrajya, a saída do mundo. Apresentado por um mestre à assembléia dos monges, o futuro noviço se compromete a confiar nos “três refúgios” e a observar os “dez mandamentos”. Depois de admitido, o noviço, vestido com sua roupa amarela, mendiga pelo resto do dia em companhia de seu mestre. Após vários anos, quatro, no mínimo, vem a segunda ordenação: o upasampada, a entrada. É um verdadeiro exame, no qual o impetrante deve dar provas tanto de sua boa saúde como de sua plena liberdade. Mas o novo bhikshu23 pode deixar livremente a ordem na qual entrou como também ser excluído dela por faltas graves: fornicação, roubo, homicídio, impostura. 24

A profissão de fé nos “três refúgios” ou ainda a trijatna25, que o noviço, futuro

monge, faz, consiste na confiança depositada no Buda, na lei e na Comunidade. Eis

a fórmula:

1 - Eu ponho minha confiança em Buda.

Buddha (em Pâli: Gotama). Nos textos em sânscrito, Buda é chamado Shâkyamuni (o monge dos Shâkyas), seus discípulos o chamavam Bhagavat (o bem-aventurado), o povo lhe dava o titulo de Buddha (o iluminado), também aparecem os apelidos Siddhârta (o que chegou ao fim) e Tathâgata (o que chegou à verdade). Nada diz, de novo, mas introduz um novo método de vida interior, a via média. Evita os excessos entre a austeridade e o pietismo (separado dos outros para encontrar-se a si mesmo, e bastante

                                                       22 Frank USARSKI, O Budismo e as outras, p. 24- 25. 23 Monge mendicante. 24 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p.121. 25 As três jóias: bodhi, darma, sangha, isto é, a sabedoria, a lei e a comunidade, que permitem chegar ao nirvana.

Page 32: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

31  

vizinho dos outros para encontrá-los). Preocupa-se mais em salvar o homem do que honrar os deuses. 26

2 - Eu ponho minha confiança em lei (Dharman).

Buda propõe sua doutrina como um “iluminado”, ou seja, como alguém que obteve por seu esforço pessoal, um conhecimento claro e exato da situação do homem no mundo (no cosmo). Por isso, ele expõe a sua doutrina sem imposição dogmática e sem justificação racional. Ele parte de um fato: a existência do homem é de si mesmo dolorosa, e a dor é causada pelo apego do homem à sua vida terrena. Daí a necessidade de extinguir este apego (thana). Buda serve-se dos conceitos da cultura do seu tempo para expor esta doutrina, sem especular sobre eles, mas dando-lhes um sentido compatível com a sua intuição da dor. Por isso, pode-se dizer que Buda se apresenta como um “médico”, e não como profeta ou mestre, propondo-se curar o homem do “mal da dor”. No seu ensino ele: exclui a religião e a filosofia: Afirma: a necessidade da salvação (libertação da dor). A inutilidade das especulações e da oração (o homem deve libertar-se a si mesmo). A realidade da experiência e o seu valor pessoal (lei do Dharman).27

3 - Eu ponho minha confiança na comunidade.

O termo “samgha” parece provir de “sam-han”, que corresponderia ao nossa “con-gregação”. É um conceito pré-búdico, pois serviu também para indicar a confraternidade jainista, mas logo se tornou o termo consagrado para designar o movimento budista. Ao tempo de Buda, a vida religiosa, independente de filiação sectária, supunha quatro etapas ascensionais: a do “Brahma-cârya” (estudante, principiante), a do “grahasta” (pai de família, adulto), a do “vanaprastha” (eremita- asceta) e a do “samnyâsin” (monge esmoler). O budismo adotou a denominação de “brahmacârya” (castidade perfeita) para os principiantes, chamados também na Tailândia de “nâga” (serpente), para indicar que ainda estavam presos ao mundo (à terra), de “bhiksu” (mendicantes), para os monges aprovados, e de “upâsaka”, para os que não abandonavam o mundo. 28

Ele também se compromete a observar os dez mandamentos29:

1 - Abster-se de destruir a vida. 2 - Abster-se de roubar. 3 - Abster-se de fornicar e de outras impurezas. 4 - Abster-se de mentir. 5 - Abster-se de licores fermentados, do álcool e de bebidas fortes. 6 - Abster-se de comer nas horas proibidas. 7 - Abster-se de danças, de cânticos e de todos os espetáculos. 8 - Abster-se de enfeitar e embelezar-se com grinaldas, perfumes e ungüentos. 9 - Abster-se de fazer uso de um leito ou de uma cadeira elevados ou espaçosos. 10 - Abster-se de receber ouro e prata. 30

                                                       26 Waldomiro Otávio PIAZZA, Religiões da Humanidade, p. 248-249. 27 Ibid., p. 249-250. 28 Ibid., p. 251. 29 Cf. Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 120. 30 Ibid., p. 120.

Page 33: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

32  

Todas as religiões possuem seus ritos de passagem, que são celebrações

comunitárias e significativas. Uma das cerimônias dentro do Budismo é a confissão.

Em tempo de lua nova e de lua cheia, duas vezes por mês, ela é celebrada,

desenrolando-se em “oito partes, com interrogatório, introdução e catálogo, com

classificação das diversas faltas, desde os pecados “indecisos” até “os pecados

capitais”; os que abrem para a absolvição e os que conduzem à exclusão temporária

ou definitiva”31. A realização das festas acontece dentro do próprio culto e as mais

importantes são: “Pravarana, no fim da estação das chuvas; o dia da lua nova de

abril, aniversário da entrada de Buda no nirvana, e, no começo da primavera, a

comemoração da vitória de Buda sobre o diabo Mara” 32. As festas são uma maneira

alegre de fazer memória de alguns fatos significativos dentro das religiões.

Em algumas religiões como o Cristianismo, Hinduísmo, Islamismo e Budismo

a mulher nem sempre é valorizada. Em nome da religião a mulher sofre

descriminações abertas e veladas. Diante de Deus todos somos iguais, exercendo

apenas, funções diferentes, mas nenhum ser humano está acima de outro ser

humano. Poderíamos, perguntar para todas as religiões, qual a posição e o respeito

para com a mulher?

Para o Budismo, qual é o status que a mulher ocupa dentro da religião, mas,

sobretudo no monaquismo? A mulher33 só é aceita com muitas precauções. O

próprio Buda acabou aceitando sua mãe, após uma longa reflexão:

A primeira a ser admitida foi a mãe de Buda, depois que se tornou viúva, depois de tê-la recusado, ele a aceitou, somente para evitar que andasse vagando sozinha. Em seguida, regras muito severas – oito - são impostas às postulantes. Elas permanecem sempre retiradas atrás em relação aos monges. Segundo Buda, “uma monja, ainda que tenha cem anos, deve

                                                       31 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 121. 32 Ibid., p. 122 33 “Homem e mulher possuem iguais direitos: ambos podem pelos mesmos meios chegar à iluminação. Isto não significa que nos países budistas as mulheres não sejam ou não tenham sido prejudicadas: aos budistas interessa mais a meditação do que a revolução social! E a doutrina de Buda sobre a igualdade dos sexos já se deparou com grande desconfiança em seu ambiente mais íntimo: os antigos ascetas ambulantes temiam por sua castidade. (...) Assim, só com considerável resistência, e um tanto a contragosto, foi que Buda criou uma ordem de monjas. Ele acreditava, pessimisticamente, que com isto estava abreviando em 500 anos o tempo de vida da sua doutrina. Por via de regra a posição da mulher nos países budistas corresponde às tradições culturais de cada país. No budismo monástico do Sri Lanka, Tailândia, etc., a distinção “monge- leigo” é mais importante do que a distinção dos sexos. Para o budismo dos leigos e dos realizadores do “grande veículo” (mahayana), o sexo não desempenha nenhum papel.” Burkhard SCHERER, As grandes religiões, p. 125.

Page 34: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

33  

reverenciar um monge, levantar-se à sua chegada, saudá-lo com as mãos juntas e honrá-lo, ainda que tenha sido recebido na ordem nesse mesmo dia.34

Após muitas insistências e a intercessão do influente monge Ananda, a tia de

Buda, Mahã Pajãpati é aceita no monaquismo, desde de que observasse as regras e

estivesse praticamente sob o domínio dos monges. No primeiro concílio budista,

Ananda foi acusado de ter cometido um delito, por tentar obter de Buda a permissão

para fundar o primeiro ramo feminino:

Com tudo, o cânon conserva relatos muito positivos sobre o primeiro desenvolvimento do instituto das bhikkhunis, como chamam as monjas. Mostraram-se muito receptivas a respeito da doutrina e muito fervorosas na prática do ascetismo e na concentração menta, muitas alcançaram o estado de perfeição (arhat). Particularmente interessante desde este ponto de vista é um dos textos mais antigos que possuímos, com o título o canto das monjas, nele explica a vocação de muitas mulheres. Eram numerosas as viúvas e as que renunciavam o mundo, seguindo o exemplo de seus maridos e irmãos, as virgens poucas. 35

A questão de gênero tem gerado ao longo da história das religiões alguns

conflitos, mas aos poucos as mulheres vão conquistando seu espaço e contribuindo

para o aperfeiçoamento da própria religião.

Mas, afinal, quem foi Buda? O nome verdadeiro de Buda era Gautama

Sidharta. Ele nasceu por volta de 563 a.C. em uma casta de nobres guerreiros.

Casou-se e vivia como um príncipe. Aos vinte e nove anos de idade, deparou-se

com um velho, um doente, um cadáver e um monge com sua sacola de esmolas.

Estes encontros o fizeram refletir sobre a velhice, o sofrimento e a morte.

Desgostoso com sua vida de prazer e de luxo, ele decide abandonar sua esposa e o

palácio com toda sua glória, iniciando a vida errante de um asceta com as mais

duras mortificações. De acordo com a lenda, ele se refugiou no mais profundo das

florestas, mudando suas vestes de seda para uma veste feita de casca de árvores:

                                                       34 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p.120-121. 35 García M. COLOMBÁS, La tradición Benedictina, ensayo histórico - tomo primeiro - las raíces, p. 50.

Page 35: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

34  

Quando deixou a casa do pai vestindo a túnica amarela do monge mendicante que pedia comida, Gautama acreditava que partia numa aventura emocionante. Sentia a atração da estrada “inteiramente aberta”, e o estado radioso e perfeito de um “sem lar”. Todos nessa época falavam da “vida santa” como uma nobre missão. Reis, mercadores ricos proprietários honravam igualmente aqueles bhikkhus (mendigos) e disputavam uns aos outros o privilégio de alimentá-los. Alguns tornavam-se protetores e discípulos constantes. Não era nenhuma moda passageira. As pessoas na Índia são tão materialistas quanto quaisquer outras, mas tem uma longa tradição de veneração daqueles que buscam o espiritual, e continuam a sustentá-los.36

Após sete anos de dura ascese e não encontrando a almejada libertação,

nem nas especulações filosófico-teológico dos brâmanes, nem nas austeridades,

nem práticas iogues e nem nos ensinamentos dos diversos mestres que freqüentou,

abandona-os e, através do seu próprio esforço, acaba atingindo, em uma única noite

de intensa meditação, a iluminação. É a iluminação libertadora, que teria sobrevindo

perto da aldeia de Uruvela, quando Gautama, sentado embaixo de uma figueira,

havia recebido oferta de arroz de uma jovem. Tendo atirado o prato no rio, ele viu o

prato subir a correnteza. Como o prato, ele subia à fonte da verdade. “Não acendo

fogo do altar, acendo uma chama em mim, a lareira é meu coração”37.

Despertou para a realidade essencial e alcançou a paz graças à extinção das

paixões. Sentiu-se libertado da existência e, portanto, da dor. Supôs que não voltaria

a renascer. Tornou-se um Buddah (desperto). A partir daí, movido por uma grande

compaixão pelas pessoas, dedicou-se a pregar as Quatro Verdades Santas e a

formar discípulos com a finalidade de libertá-los do sofrimento e da miséria da

condição humana e fazer com que alcançassem a iluminação:

Para obter a felicidade, precisamos de paz interior. A felicidade real, duradoura, não se obtém de uma fonte externa. Isso não significa que não possamos ter felicidade baseada em circunstâncias e situações externas, mas a felicidade real e duradoura deve advir de dentro.38

Quem não deseja uma vida feliz? Pode-se resumir a doutrina de Buda como:

tudo é aparência. Um filósofo budista do século V, Yacomitra, declarou: “Os seres

não são criados nem por deus, nem pelo espírito, nem pela matéria. Tudo é ilusão,                                                        36 Karen ARMSTRONG, Buda, p. 37-38. 37 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 113. 38 Traleg KYABGON, A essência do Budismo, p. 32.

Page 36: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

35  

Deus mesmo é ilusório, a única realidade é a dor universal, essa é a grande

descoberta de Buda”39.

Portanto, o perfeito estado de libertação da ignorância, do ódio e da

sensualidade só é acessível aos monges: “As pessoas encaravam os ascetas como

pioneiros: eles exploravam domínios do espírito para trazer socorro aos homens e

mulheres sofredores”40. O leigo, por mais comprometido que esteja com a doutrina

de Buda, por causa dos múltiplos cuidados da vida mundana, pode, no máximo,

acumular méritos que melhorem seu karma de modo a permitir que venha a ser

monge em uma próxima encarnação.

Os monges são discípulos e modelos, que ensinam a religião na qual

iniciaram seu processo de conversão e pretendem dia a dia continuar este caminho

de aniquilação do eu, visando o estado de perfeição.

O Budismo pode ser comparado a uma árvore com muitas raízes. A ênfase

deste capítulo foi conhecer um pouco melhor o monaquismo nestas duas religiões

milenares, o Hinduísmo e o Budismo, mesmo que em linhas gerais. Küng diz que

Buda foi o primeiro a aprender a arte de se esvaziar de si mesmo e, por isso, torna-

se o iluminado:

Quem foi o primeiro a aprender a arte de esquecer o próprio eu? Não foi nenhum psicólogo dos nossos tempos, mas sim o Buda, 2.500 anos atrás. Ele ensinou a arte de viver com atenção, cujo símbolo veio a ser o tiro com arco e flecha. Para Buda, o reto esforço e a reta intenção (sati) constituem uma condição para a concentração meditativa (samadhi) que leva à perfeita iluminação (bodhi).41

Há muitos elementos semelhantes entre os monges budistas e os monges

cristãos. A roupa simples e o canto dos salmos, o distanciamento do mundo e a

saída de casa, a observância de uma regra, a renúncia aos bens materiais e a

abstinência sexual são apenas alguns exemplos.

Dentro do Cristianismo, há diversas correntes monacais. No próximo capítulo,

apresentaremos o seguimento beneditino, baseado na pessoa de São Bento e em

sua Regra, que dá o perfil do que deve ser o monge beneditino.                                                         39 Albert SAMUEL, As religiões hoje, p. 113 40 Karen ARMSTROG, Buda, p. 38. 41 Hans KÜNG, Religiões do mundo, p. 149.

Page 37: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

36  

CAPÍTULO II: MONAQUISMO CRISTÃO E A VIA BENEDITINA

Este segundo capítulo, o Monaquismo Cristão e a via Beneditina, é formado

por quatro itens. Explanaremos as origens remotas do monaquismo Cristão;

passaremos pelo pai dos Beneditinos, São Bento, já que é indispensável o

entendimento da sua pessoa para compreender sua Regra; dissertaremos sobre a

norma que ele elaborou para os monges beneditinos, que continua servindo de

instrumento valioso de vivência para muitas pessoas e, sobretudo, para a formação

do novo monge beneditino e; por fim, explanaremos a respeito do perfil do monge

Beneditino, caracterizado fundamentalmente pela vivência da Regra de São Bento.

2.1 – Monaquismo e tradição

No monaquismo1, os ensinamentos são transmitidos através da Tradição:

“tudo aquilo que ouvimos e aprendemos e transmitiram para nós os nossos pais, não

haveremos de ocultar a nossos filhos, mas à nova geração nós contaremos”(Sl 77,

3-7). Em várias regiões do mundo, o monaquismo foi nascendo e se organizando.

Em nossos dias, ele se apresenta como uma proposta de vida para muitas pessoas.

O monaquismo Cristão e a via Beneditina são uma imensa riqueza contida dentro do

seio da Igreja Católica e que, por vezes, não são conhecidos em profundidade e até

mesmo deixados à margem.

Por volta do ano 500 de nossa Era, o monaquismo contava com dois ou três

milênios de existência ininterrupta, como vimos no primeiro capítulo, apesar de suas

origens se perderem nas trevas dos tempos mais remotos. Desde que

misteriosamente se rompeu a unidade primigênia, segundo a crença comum

presente em várias religiões e em várias filosofias, sempre houve monges e monjas:

Ao longo da história sempre de novo surgiram na Igreja cristã movimentos de pobreza, cujos adeptos e adeptas, seguiram a Jesus, renunciando à

                                                       1 Estado daqueles que se dedicam inteiramente a Deus. Adalbert G. HAMMAN, Os Padres da Igreja, p. 7.

Page 38: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

37  

propriedade e à riqueza, procurando concretizar esta independência por uma vida ascética ou monástica.2

Homens e mulheres que renunciavam ao mundo falacioso para buscar a

salvação no Absoluto ou no Nirvana. Rompendo todos os laços que fosse preciso,

adotando estilos de vida austeros e duríssimos e se esforçando para alcançar

Alguém ou algo que transcende o ser humano.

Monaquismo Cristão e Tradição Beneditina são distintos do monaquismo

Hinduísta e Budista, mesmo possuindo elementos semelhantes, apresentados no

capítulo anterior. O monaquismo Cristão é a busca de Deus através de Jesus Cristo,

uma vez que o conhecimento e a experiência de Deus se dão somente em Jesus

Cristo. São Bento, o pai dos beneditinos, compreendeu e viveu profundamente esta

verdade.

O termo traditio, que se origina do latim, designa o ato de entregar alguma

coisa.3 Todo grupo humano tem sua tradição e os monges, os mosteiros e as

associações monásticas de qualquer espécie não constituem exceção. Ao contrário,

já desde as primeiras décadas da história do monaquismo Cristão, a Tradição foi

objeto das mais vivas recomendações dos grandes mestres. Santo Antão4, São

Pacômio5 e muitos outros Pais do monaquismo como Santo Agostinho, São Basílio e

São Jerônimo, deram origem às diversas tradições paralelas, ainda que com um

importante núcleo comum. Estas várias correntes formam o grande início da gênese

monástica, que nunca foi homogênea, mas variada e plural. Cada colônia de

                                                       2 Burkhard SCHERER, As grandes Religiões, p.106. 3 Cf. Peter EICHER, Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 959. 4 “Antão era amado por todos. Ele se submetia de boa vontade aos zelosos ascetas que ia ver, e se instruía com eles na virtude e na ascese própria de cada um. Em um contemplava a amabilidade, em outro a assiduidade à oração, neste via a paciência, naquele a caridade para com o próximo, de um observava as vigílias, de outro a assiduidade à leitura, admirava um por sua constância, outro por seus jejuns e seu repouso na terra nua. Assim alimentado, voltava para o lugar onde se dedicava à ascese condensando e se esforçando para exprimir em si mesmo as virtudes de todos. Todos os habitantes da aldeia e as pessoas respeitáveis que se relacionavam com ele, vendo-o assim, chamavam-no amigo de Deus, e uns o amavam como a um filho, outros como a um irmão”. Adalbert HAMMAN, Os padres da Igreja, p. 98. 5 “A vida e São Pacômio, fundador do monaquismo copta, nos leva a um mundo de uma ordem totalmente diversa. O maravilhoso e o angelismo continuam a ter um papel importante, mas não são mais a trama única das ações do santo. A vida de Pacômio é antes de tudo o labor diário de um homem decidido a instruir, no deserto, os primeiros mosteiros do mundo cristão: idéia que pareceu tão singular aos próprios contemporâneos que atribuíram sua paternidade a um anjo”. Jacques LACARRIÈRE, Padres do deserto, p. 77.

Page 39: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

38  

eremitas6 ou cada cenóbio7 tinha suas próprias tradições e as sucessivas gerações

de monges foram transmitindo-as com regularidade e sem interrupção. A Tradição

monástica ao longo do tempo foi enriquecendo-se com novos elementos,

depurando-se e se purificando, já que ocorreu a transmissão de erros e de

deformações. Por exemplo, Êutiques, monge de Constantinopla, no século V,

admitia Cristo só com a natureza divina, sendo a natureza humana absorvida por

ela. Esta é uma heresia chamada Monofisismo.8

Podemos investigar as múltiplas manifestações do monaquismo através dos

séculos e ao redor do mundo, distinguir e estudar os elementos que integra, analisar

os ideais que persegue, além de seus valores, de suas motivações e de suas

justificativas. Porém, o monaquismo, em sua essência, continua sendo um mistério,

isto é, a participação do próprio mistério divino. Todos os conceitos são apenas

tentativas de definição, que nunca serão exatas. As palavras ficam sem um sentido

próprio para descrever uma experiência humana e divina tão singular como o

monaquismo.

Monge é aquele que se preserva do mundo e se entretém continuamente a sós com Deus. Ele o vê, ama-o, é visto e amado por Ele. Iluminado de modo inefável, torna-se luz. Glorificado, acha-se sempre mais pobre. Íntimo, sente-se como um estranho. Ó maravilha admirável e inexprimível! Minha riqueza infinita me faz indigente, penso nada possuir quando tenho tanto! Digo: “tenho sede”, na superabundância de água. “Quem me dará” o que já tenho até demais? “Onde encontrarei” aquele que vejo a cada dia? “Como conseguirei” aquele que já está em mim e está fora do mundo porque é totalmente invisível? Quem tem ouvidos para ouvir ouça e compreenda as palavras do iletrado.9

Não apenas o monge é chamado a fazer uma experiência de Deus, mas em

todos os seres humanos “há um impulso interior (admonitio) que convida a pessoa a

se lembrar de Deus, buscá-Lo, sentir sede Dele, sem nenhum festio. É luz que esse

                                                       6 “Aquele que vivia no deserto, anacoreta (sinônimo), aquele que se retirava do mundo para viver sozinho”. Adalbert HAMMAN, Os padres da Igreja, p. 7. 7 “El primer género es el de los cenobitas, afirma la Regla de San Bento, y los define: cenobitas son los que viven em el monastério, Es decir, juntos, bajo la obediencia a uma regla e a um abad”. Garcia COLOMBÁS, La Regla de San Bento. Introducción y comentário, p. 274. 8 Adalbert HAMMAN, Os Padres da Igreja, p. 186. 9 José COMBLIN; Carlos MESTERS; FERREIRA, Oração Mistica- Simeão, o novo teólogo, Hino 3, p.13-14.

Page 40: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

39  

misterioso Sol irradia em nossos olhos interiores”10. Saborear e se deixar penetrar

pela verdade que emana desta misteriosa forma de vida é um imenso desafio para

as pessoas de uma sociedade pós-moderna, líquida, volátil e descartável como a

nossa. Mas é possível e os monges são os primeiros chamados a fazer a

experiência do numinoso em suas vidas.

Qual é a natureza e qualidade deste objeto, exterior ao eu, que pressentimos? O que é o numinoso em si mesmo? Uma vez que não é racional, isto é, que não pode desenvolver-se por conceitos, não podemos indicar o que é a não ser observando a reação dos sentimentos particular que o seu contanto em nós provoca. É – diríamos - de tal natureza que arrebata e comove desta ou daquela maneira a alma humana. 11

O monge pode ter maior possibilidade de contemplação e se deixar envolver

por esta luz misteriosa, porque se encontra dentro de um espaço propício para este

tipo de experiência. “A vida monástica com seus valores perenes será sempre a

mesma, porém com modalidades específicas na forma de viver seus valores”12. O

cotidiano dentro de um mosteiro é todo organizado para que seus membros possam

fazer a experiência do numinoso. Porém, é possível para algumas pessoas, mesmo

fora do mosteiro e dentro da sociedade, em meio aos seus afazeres cotidianos,

organizar-se de maneira tal, que possam ter tempo para experienciar o inefável ou o

transcendente, como foi o caso de São Bento.

2.2 - São Bento

Uma das melhores apresentações da Vida de São Bento foi escrita pelo Papa

São Gregório Magno.13 Trata-se dos II Diálogos, escrita entre 593-594 d.C., com a

finalidade de narrar os milagres, as profecias e as visões que exerceram profunda

influência espiritual na vida das pessoas. São Gregório pretende mostrar que no

Ocidente, na Itália, também havia ascetas célebres, como São Bento, e não

somente no Oriente. Os personagens do livro II Diálogos oferecem exemplos de                                                        10 Santo AGOSTINHO, A Vida Feliz, p. 61. 11 Rudolf OTTO, O sagrado, p. 21. 12 Abade Dom André MARTINS, Servo bom e fiel: entra na alegria de teu Senhor- Livro II dos Diálogos do papa S. Gregório Magno, p. 17. 13 Gregório I Magno é o primeiro monge que se tornou papa (usa pela primeira vez, para designar a si mesmo, a expressão “servus servorum Dei”. Roland FROHLICH, Curso Básico de História da Igreja, p. 49.

Page 41: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

40  

virtude para todos os cristãos, especialmente aos monges. São Bento é apresentado

como um homem de Deus: “... houve um homem de vida venerável, Bento tanto pela

graça quanto pelo nome, que desde a infância possuía um coração maduro”14. Bento

é comparado às grandes figuras bíblicas, como João Batista, Samuel, Jó e muitos

outros.

O autor do II Diálogos apresenta a biografia espiritual de São Bento,

contendo dois gêneros literários: o narrativo e o dialógico. A obra foi escrita menos

de cinqüenta anos após a morte de São Bento. “Todo cuanto sabemos de Benito de

Núrsia, absolutamente todo, lo debemos a san Gregorio Magno, y más

concretamente a uma sola de sus obras: los Diálogos sobre los milagros de los

Padres italianos”15. As principiais fontes de informações foram os quatro discípulos

imediatos de São Bento e seus abades: Constantino, que sucedeu Bento no regime

de Monte Cassino; Valentiniano de Letrão; Simplício, sucessor de Constantino; e

Honorato, de Subiaco, que ainda vivia quando a obra foi publicada.

Bento nasceu na comarca de Núrsia, atualmente Norcia, província de Perusa,

região montanhosa, de invernos gelados, celebre pela robustez e pela austeridade

de seus habitantes. Sua família pertencia à pequena nobreza rural. Sua irmã,

Escolástica, havia sido consagrada a Deus desde sua infância: “A Irmã de Bento, de

nome Escolástica, consagrada desde a infância a Deus Onipotente, tinha o costume

de visitar o irmão uma vez por ano”16. A história de São Bento está muito ligada às

pessoas, aos lugares, aos edifícios e às circunstâncias históricas concretas e bem

conhecidas.

Bento foi enviado a Roma para completar sua formação literária. A corrupção

dos costumes reinante na cidade moveu-o a tomar uma decisão radical: “...

desprezando, pois, tais estudos, deixou a casa e os bens paternos e no desejo de

agradar somente a Deus, pôs-se à procura do santo hábito do monaquismo”17. Viveu

primeiro como anacoreta em uma gruta na solidão de Subiaco. “Chegaram assim, a

localidade chamada Enfide, (Enfide atualmente Affile, 684 m de altura, está situada a

8 km de Subiaco), onde entretidos pela caridade de muitas pessoas de virtude,

                                                       14 São Magno GREGÓRIO, São Bento - vida e milagres, p. 61. 15 Garcia M. COLOMBÁS, La tradición Benedictina - tomo segundo: Los siglos VI y VII, p.118. 16 André Abade MARTINS, Servo bom e fiel: entra na alegria de teu Senhor - Livro II dos Diálogos do papa S. Gregório Magno, p. 223. 17 São Gregório MAGNO, São Bento Vida e Milagres, p. 62.

Page 42: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

41  

ficaram morando junto à Igreja de São Pedro Apóstolo”18. Ao fim de algum tempo,

foram chegando discípulos, cada vez mais numerosos, com os quais chegou a

povoar doze mosteiros, cada qual com doze monges. Ele mesmo se tornou o abade

destes mosteiros, num total de cento e quarenta e quatro monges. São Bento

administrou toda a colônia cenobítica e se encarregou da formação dos noviços. Sua

fama chegou até Roma: “... por esse tempo também, começaram a afluir de Roma

pessoas nobres e piedosas, que confiavam a Bento os seus filhos a fim de que os

criasse no serviço de Deus todo-poderoso”19.

A inveja de um sacerdote chamado Florêncio de uma igreja dos arredores

veio perturbar gravemente a paz dos moradores de Subiaco:

Como é costume dos maus invejar aos outros o bem da virtude que eles mesmos não procuram praticar, eis que um padre de uma igreja próxima, chamado Florêncio, começou a ter inveja do santo homem, pôs-se a denegrir sua vida de monge e a impedir quantos podia, de irem visitá-lo.20

Em meio às lutas de perseguição por parte de Florêncio, Bento resolveu

mudar de residência. “Nomeou os superiores, distribuiu os irmãos pelos mosteiros

que edificara e, levando consigo alguns poucos monges, mudou o lugar de sua

residência”21. Bento seguiu ao Monte Cassino, ponto estratégico no caminho entre

Roma e Nápoles. Ali, converteu uma antiqüíssima fortaleza, arruinada e dotada de

um templo pagão, em cenóbio. Transformou o templo em oratório, dedicado a São

Martinho de Tours e construiu outro oratório em honra de São João Batista:

Saindo de Subiaco, o santo homem mudou de lugar, mas não de inimigo. Porque os combates que sustentou se tornaram tanto mais duros, quanto mais teve de enfrentar abertamente, desde então, o próprio mestre da maldade. A fortaleza chamada Cassino está situada na vertente de elevada montanha que parece acolhê-la como que dentro de extensa garganta, e depois, alteando-se ainda por três milhas, como que prolonga até as nuvens o seu cume. Aí em cima havia um templo muito antigo onde, segundo o primitivo costume pagão, Apolo era venerado por insensata multidão de camponeses. Na região ao redor cresciam bosques consagrados ao culto dos demônios, onde numerosos e ignorantes infiéis, ainda naquele tempo,

                                                       18 São Gregório MAGNO, São Bento Vida e Milagres, p. 64. 19 Ibid., p. 85. 20 Ibid., p. 93-94. 21 Ibid., p. 95-96.

Page 43: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

42  

ofereciam sacrifícios sacrílegos. (II D8). Escolheu para sua dedicação o andar superior de uma torre que domina os outros edifícios. Chegando, pois, ali, o homem de Deus despedaçou o ídolo, derrubou o altar, incendiou os bosques, construiu, no próprio tempo de Apolo, um oratório dedicado a São Martinho e, no mesmo lugar do altar de Apolo construiu o oratório de São João Batista. Alem disto, por contínuas pregações, chamava à fé os que habitavam nas redondezas.22

São Bento levou uma vida longe dos interesses políticos, separada dos

acontecimentos, mas manteve estreitas relações com alguns bispos e reis, por

exemplo, o rei dos godos, chamado Tótila. “Então Tótila foi ter pessoalmente com o

homem de Deus”23. Ou ainda, o bispo Sabino: “Também o bispo da Igreja da

Canossa costumava visitar o servo de Deus, que muito o amava pelo mérito de sua

vida”24. Além deles, Constâncio de Aquino e Germano de Cápua.

Bento previu sua própria morte, tomou algumas providências e morreu no

oratório, sendo sustentado pela caridade dos irmãos da comunidade, que seguraram

seus braços até o último suspiro:

No mesmo ano em que devia partir desta vida, anunciou o dia de sua santíssima morte a alguns discípulos que com ele viviam e a outros que moravam longe. Aos presentes acrescentou que guardassem em silêncio o que ouviram, e aos ausentes indicou qual o sinal que receberiam quando sua alma lhe saísse do corpo. Seis dias antes da sua morte, mandou abrir a sepultura. Pouco depois, atacado de febres, começou a ser atormentado pela violenta temperatura. Como dia a dia se agravasse o mal, no sexto dia fez-se levar ao oratório pelos discípulos. Aí, muniu-se para a partida, com a comunhão do Corpo e do Sangue do Senhor. A seguir, apoiado nos braços dos discípulos os membros enfraquecidos, ficou de pé, com as mãos elevadas para o céu, e entre palavras de oração exalou o ultimo suspiro. 25

O Abade Dom André Martins do Mosteiro da Ressurreição comenta:

A característica mais impressionante de sua agonia é o heroísmo que permanecendo de pé, de braços abertos e em oração, sustentado por seus discípulos, entrega seu espírito a Deus. O atleta de Cristo quis estar em combate até o momento derradeiro. Não se rende, não abandona o campo de batalha. No sexto dia, o velho Pai pede a seus filhos que o levem até o

                                                       22 São Gregório MAGNO, São Bento Vida e Milagres, p. 101-102. 23 Ibid., p.117. 24 Ibid., p.119. 25 Ibid., p. 178-179.

Page 44: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

43  

Oratório de S. Martinho. Foi no sexto que o homem foi criado e também no sexto dia pelo Cristo recriado. Pois é neste sexto dia que S. Bento entrega seu espírito. Pede o “Viaticum”, isto é, a Eucaristia, para, alimentado pelo Corpo do Senhor, transpor o Jordão e pisar na terra prometida. Como o Cristo, São Bento morre em oração, com os braços estendidos, mas não morre só. É sustentado em seu último combate pelos irmãos, para que pudesse se configurar plenamente com o Redentor. Os irmãos, neste momento de sua Páscoa, o sustentam como a cruz sustentou o Senhor. Foram e são, neste momento, a cruz do Santo Abade. Por outro lado, São Bento precisou e precisa nesse momento derradeiro de sua vida do auxilio de seus filhos para se configurar com o Senhor. Assim, morre São Bento de braços abertos no centro do Oratório, lugar central no conjunto dos edifícios monásticos, lugar aonde se atualiza o sacrifício do Cristo, consumado na ara da cruz. São Bento não morre só, para imitar o seu Senhor até o fim, precisou dos irmãos, que ele carregou durante a vida. No mesmo dia, os irmãos que estavam distantes viram um caminho forrado de tapeçarias e coruscante de inumeráveis luzes, que se estendia do mosteiro ao céu, na direção do oriente. São Bento, o amado do Senhor, entra na alegria dos bem-aventurados. Foi sepultado na capela de São João Batista ao lado de sua irmã Escolástica. 26

São Bento, o homem de Deus, deixou este mundo, mas sua obra

permanece até aos dias de hoje. Seu modo de viver o amor cristão está alicerçado

em sua Regra, que é motivo de inspiração para muitas pessoas. A Regra escrita por

São Bento não é somente para os monges, mas para todo aquele que busca

verdadeiramente um caminho que seja capaz de conduzir à santidade. Monte

Cassino, lugar onde repousa São Bento, continua irradiando a mensagem

Evangélica.

2.3 - Regra de São Bento

Os escritos de São Bento ainda hoje possuem uma força de atração para

entusiasmar e transformar a vida de muitas pessoas, que decidem vivê-la. A Regra

de São Bento é fundamentada na Sagrada Escritura, sendo um texto legislativo e

espiritual ao mesmo tempo. Consta de um Prólogo e setenta e três capítulos, o

último dos quais se considera, com razão, como um Epílogo:

O Prólogo e o Epílogo são dois pontos chaves da Regra de São Bento. De ambos retiramos o sentido da vida que se deve levar num mosteiro. É sob essa luz que devemos ler e interpretar todos os demais capítulos. Sem eles, a Regra corre o risco de perder o seu “espírito”, tornando-se tão somente um

                                                       26 André MARTINS, Livro II dos Diálogos do Papa S. Gregório Magno, p. 235.

Page 45: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

44  

código de leis, enquanto tem ela a finalidade de levar-nos a uma certa experiência de vida, sob a inspiração e a condução do Espírito Santo. O Prólogo e o Epílogo formam um todo, um bloco coeso, englobando todos os textos da Regra de São Bento, revelando-nos a experiência a que ela nos propõe. Eles dão à Regra a sua dimensão contemplativa fundamental. O Epílogo nos remete ao Prólogo. Seja qual for a experiência que o monge tenha de Deus, está sempre no ponto de partida. O monge está sempre num perpétuo iniciar: “Escuta, ó filho, os preceitos do Mestre”. O Prólogo é uma síntese, narrando o essencial da obra de São Bento. Põe em relevo os temas de suma importância. Para atingir seu propósito, isto é, atingir os candidatos à vida monástica e aos monges que o escutarão durante toda a sua vida, sua linguagem é clara, solene e bela. Ele tem um sabor marcadamente sapiencial. Utiliza abundantemente o verbo no imperativo, que é gênero literário usado nos livros sapiências da Sagrada Escritura. Há uma certa dramaticidade no texto, provocando no candidato uma decisão. Cristo é o grande protagonista do Prólogo. Ele é o verdadeiro Mestre. Ele, o Senhor, ajuda o discípulo a descobrir o caminho que conduz à vida, um diálogo apaixonante. O Senhor toma sempre a iniciativa. Portanto, a vocação monástica, conforme o Prólogo aparece como o encontro com uma pessoa: Jesus Cristo. Podemos, com certeza, afirmar que a vida do monge consiste num “diálogo constantemente com Cristo. “O Senhor fala ao monge no presente, falou no passado e continuará falando-lhe no futuro.27

O Prólogo e alguns poucos capítulos relativamente longos constituem

verdadeiros tratados. A maioria dos capítulos é curta, alguns capítulos são tão

breves que podem ser qualificados de simples notas, o que acontece também com

outras regras monásticas. Muitos capítulos da Regra de São Bento estão

simplesmente justapostos; aparentemente parece não existir unidade, sendo que

alguns se encontram evidentemente deslocados. Contudo, duas seções se

destacam em sua homogeneidade: o código litúrgico e o código penal.

O Prólogo é um documento exclusivamente espiritual, que trata da vocação

monástica. No final se intercalam algumas frases de apresentação da Regra. Os três

primeiros capítulos tratam dos diversos gêneros de monges, do Abade e do

Conselho. Com relação aos diversos gêneros de monges:

É evidente que são quatro as espécies de monges. A primeira é a dos cenobitas, isto é, dos que habitam nos mosteiros militando sob uma Regra e um Abade. A segunda espécie é a dos anacoretas ou eremitas, que não se acham mais no fervor de recente conversão. A terceira e detestável espécie de monges, é a dos sarabaítas, que não sendo provados por alguma regra, nem pelas lições da experiência, como se prova o ouro no crisol, antes se amolgando como o chumbo, demonstram por suas obras que se conservam

                                                       27 Abade Dom André MARTINS, Prólogo e Epílogo da Regra de São Bento, p.1-3.

Page 46: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

45  

ainda fiéis ao mundo e mantém a Deus pela tonsura. A quarta espécie de monges é denominada a dos giróvagos, que passam toda a vida a percorrer as províncias, permanecendo três ou quatro dias em cada mosteiro, sempre errantes, nunca estáveis, escravos da gula e de suas paixões, piores em tudo do que os sarabaítas. 28

O capítulo que fala sobre o Abade é um pouco mais longo, devido à

importância e à responsabilidade que este serviço acarreta. O Abade é o pai que vai

gerando, ao longo dos anos, nos seus membros, o seu próprio espírito. Segundo o

Abade Dom André Martins:

São Bento desejava que o Abade fosse pai espiritual como os abades foram no deserto. Porém, ele junta na pessoa do pai espiritual o superior e o administrador. No deserto, o pai espiritual, mesmo os Pacomianos que tinham comunidade, não tinham nada haver com administração. Eles cuidavam somente da paternidade espiritual. Quando São Bento junta as duas realidades, começa a crise. E como São Bento resolve a crise? Resolve como se resolve na Igreja. O bispo que gera a Igreja deve ser o pai espiritual. E a administração é feita pelos presbíteros e diáconos. E no mosteiro o abade tem o celeireiro, prior e decanos. Quanto mais os colaboradores forem eficientes, mais chance o abade tem de ser pastor. Se não o forem, o abade deixa de ser pai espiritual e administra. É preciso saber ler o texto no contexto em que a Regra foi escrita, século VI. A regra acrescenta ainda que o abade precisa ter a severidade de um mestre, o lado masculino. E o pio afeto de um pai, o lado feminino, que o homem pode adquirir até certo ponto. Precisa juntar a severidade do pai, o pio afeto e a ternura da mãe. À medida que a regra vai se desenvolvendo é melhor que o abade tome atitudes, muito mais do pio afeto que a severidade. Atitudes de misericórdia e acreditar no monge. Por exemplo, a mãe sempre vê alguma coisa boa em seu filho, mesmo que todos digam o contrário. Esta é a atitude que o abade deve ter em relação aos seus monges. Se o abade tem o pio afeto do pai, ele ainda vai ver alguma coisa boa, mesmo naquele monge, que todos dizem que não enxergam, ainda dá para salvar.29

O Abade é o eixo de unidade entre todos os membros da comunidade. É a

presença indispensável para relembrar a presença de Cristo com seus discípulos.

Procura amar a todos sem fazer acepção de pessoas: os amigos e também os

inimigos, os simpáticos e os antipáticos. O Abade, além de exercer a paternidade

espiritual, também ajuda a administrar as coisas meramente humanas. Vejamos

alguns itens que a Regra apresenta:

                                                       28 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo I, p.25-27. 29 Entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 2, Ponta Grossa, 29/11/2009. Dom André MARTINS é um dos fundadores do Mosteiro da Ressurreição e atual Abade.

Page 47: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

46  

O Abade que for considerado digno de governar o mosteiro deve sempre lembrar-se do nome que lhe dão e realizar nas suas ações o título de superior. Na verdade, acredita-se que no mosteiro ele ocupa o lugar do Cristo, uma que é chamado pelo mesmo nome, segundo as palavras do Apóstolo: Recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Abba, isto é, Pai. Por conseguinte, nada deve o Abade ensinar, estabelecer ou prescrever de contrário aos preceitos do Senhor, porém as suas ordens e ensinamentos penetrem na alma dos discípulos como fermento da justiça divina. (...) Não faça o Abade distinção de pessoas no mosteiro. (...) Por outro lado, nos seus ensinamentos o Abade deve sempre observar a norma do Apóstolo, quando diz: Repreende, exorta, ameaça. Assim, há de variar a maneira de proceder conforme a ocasião e as circunstâncias, unindo o rigor à brandura, manifestando severidade de mestre e ternura de pai. (...) Nunca deverá esquecer o Abade do que é e do nome que possui. Saiba que mais se exige daquele a quem mais se confia. Considere também quão árduo e difícil é o encargo que recebeu de guiar as almas e servir aos diversos temperamentos. 30

Para ajudar a resolver os mais diversos assuntos do mosteiro, o Abade forma

um conselho de irmãos e a Regra diz como deve ser esse conselho:

Todas as vezes que no mosteiro houver algum assunto de importância a tratar, o abade convoca toda a comunidade e expõe o assunto em questão, tendo ouvido a opinião dos irmãos, considere consigo mesmo e faça o que julgar mais acertado. Os irmãos dêem sua opinião com toda submissão e humildade, e não presumam sustentar com arrogância a sua opinião: a decisão dependerá do julgamento do abade, de forma que todos se submetam ao que ele julgar mais salutar.(...) Mas, quando se tratar de assuntos de menor importância para o bem do mosteiro, o abade consulte somente os antigos, conforme está escrito: Nada faças sem conselho e depois de o haveres feito não te arrependerás.31

O catálogo das boas obras possui setenta e oito itens e está todo

fundamentado na Bíblia. Estes itens são pequenas frases escritas de forma direta.

Pode ser uma ajuda para o monge no mosteiro ou o cristão na sociedade:

Em primeiro lugar, amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e com todas as forças. Em seguida, amar o próximo como a si mesmo. Depois não matar. Amar o jejum. Honrar todos os homens. Consolar os aflitos. Enterrar os mortos. (...) Nada preferir ao amor de Cristo. Não guardar falsidade no coração. Não pagar o mal com o mal. Amar os inimigos. Não amaldiçoar os que o amaldiçoam, mas, ao contrário, abençoá-los. Não ter apego ao sono.

                                                       30 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo II, p. 29-35. 31 Ibid., capítulo III, p. 39-41.

Page 48: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

47  

Nem murmurar. (...) Quanto aos maus pensamentos que invadem a alma, destruí-los imediatamente de encontro ao Cristo e manifestá-los ao pai espiritual. Não gostar dos risos freqüentes ou ruidosos. Ouvir com satisfação as santas leituras.(...) Não satisfazer os desejos da carne. Não ter ciúmes. Não exercer a inveja. Venerar os anciãos. Amar os mais novos. Reconciliar-se antes de anoitecer com os seus contraditores.(...) Estes são os instrumentos da arte espiritual. Se os cumprirmos dia e noite, sem interrupção, e os apresentarmos no dia do juízo, Deus nos recompensará com aquele prêmio por ele mesmo prometido: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, o que Deus preparou para aqueles que o amam.32

No capítulo V, a Regra apresenta um pequeno tratado sobre a obediência: “o

primeiro grau da humildade é a obediência sem demora”33. O capítulo VI fala sobre o

espírito de silêncio. No capítulo VII é descrito a virtude da humildade, itinerário

espiritual do monge, que vai desde o temor a Deus até os cumes da caridade

perfeita. Apresenta doze degraus de humildade:

Assim, irmãos, se desejamos atingir o cume da suprema humildade e alcançar em pouco tempo aquela elevação celestial à qual se sobe pela humildade da vida presente, é preciso por meio de atos sempre ascendentes, erigir aquela escala que o patriarca Jacó viu em sonhos e pela qual desciam e subiam os anjos. Esta descida e subida significam, sem dúvida, para nós, que pela exaltação se desce e pela humildade se sobe. A escada erguida representa a nossa vida mortal, que o Senhor eleva até ao céu, se o nosso coração se humilha. Os dois lados desta escada para nós são o nosso corpo e a nossa alma, o chamado de Deus, nela dispôs vários degraus de humildade e disciplina por onde devemos subir. (...) O primeiro degrau da humildade consiste em que tendo sempre diante dos olhos o temor de Deus, fujamos absolutamente do esquecimento e sempre nos lembremos de tudo quanto Deus ordenou.(...) O duodécimo degrau da humildade consiste em que o monge, não só de coração, mas igualmente no seu próprio corpo, manifeste sempre a humildade a todos os que vêem, isto é, no trabalho, no oratório, no mosteiro, no jardim, em viagem, nos campos, em toda parte, quer esteja sentado, em pé ou caminhando, tenha sempre a cabeça inclinada, os olhos cravados no chão, sentido-se a todo instante carregado de pecados, como no momento de comparecer perante o tremendo juízo de Deus.34

Com este capítulo sobre a humildade encerra-se a primeira parte da Regra de

São Bento. A segunda parte da Regra apresenta um caráter institucional e

disciplinar, conhecido como código litúrgico, que vai do capítulo VII ao XX. Trata-se

da celebração dos ofícios divinos durante o dia e durante a noite. A quantidade de

                                                       32 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo IV, p. 43-51. 33 Ibid., capítulo V, p. 53. 34 Ibid., capítulo VII, p. 59-75.

Page 49: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

48  

Salmos que se deve rezar, qual a ordem e o modo de salmodiar, como celebrar o

ofício no inverno e no verão, como celebrar as vigílias aos domingos e nas festas

dos santos. Versa também a respeito das solenidades das Laudes e dos dias da

semana. Além disso, orienta em que tempo dizer o aleluia e a reverência na oração.

O capítulo XXI da Regra fala sobre os decanos do Mosteiro: “Se a

comunidade for numerosa, escolham-se entre os irmãos alguns de boa fama e de

vida monástica santa, que serão nomeados decanos”35.

Nos capítulos XXII a XXX, encontra-se o código penal, isto é, as normas de

conduta, como, por exemplo, o sono dos monges, a excomunhão, as culpas, o

tratamento que o Abade deve ter para com os excomungados, os castigos, os

irmãos que saírem do mosteiro e os irmãos menores de idade.

Dos capítulos XXXI a XLII, seguem-se algumas normas para a vida

econômica e o serviço do celeireiro do mosteiro:

Para celeireiro do mosteiro será escolhido na comunidade um irmão sensato, de caráter refletido, sóbrio, moderado na comida, que não seja orgulhoso, turbulento, dado às injurias, vagaroso, prodigo, mas sim temente a Deus e como que um pai para toda a comunidade.36

Nestes capítulos também se tratam dos utensílios e dos móveis do mosteiro,

da necessidade de receber e de ter alguma coisa própria, dos semanários da

cozinha, das refeições, do tratamento dos enfermos, do leitor semanário, da medida

das refeições e da bebida, do horário e do grande silêncio após as Completas.

Os capítulos XLIII a XLVI versam sobre o chamado código da satisfação. Dos

que chegam tarde ao oficio divino ou à mesa, como devem os excomungados

satisfazer, dos que erram no coro e dos que incorrem em quaisquer outras faltas.

Dos capítulos XLVII a LII, a Regra apresenta o modo de anunciar a hora do

Ofício Divino, como também o trabalho manual cotidiano, a observância da

quaresma, o que fazer quando os irmãos trabalham longe do oratório ou estão em

viagem.

                                                       35 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo XXI, p. 111. 36 Ibid., capítulo XXXI, p. 131.

Page 50: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

49  

Os capítulos LIII a LVII falam sobre a recepção dos hóspedes, sobre as

cartas, sobre os presentes, sobre os vestuários e os calçados, sobre a mesa do

Abade e sobre os artistas do mosteiro.

Os capítulos LVIII a LXIII tratam do acolhimento dos novos membros na

comunidade monástica, desde a sua chegada até o início da profissão.

Nos capítulos LXIV a LXVIII, a Regra apresenta a eleição do Abade, do prior e

do porteiro do mosteiro, dos irmãos que viajam e das coisas impossíveis ordenadas

para um irmão. Com estes capítulos, encerra-se a segunda parte da Regra de São

Bento.

Os capítulos restantes, LXIX a LXII, formam uma espécie de apêndice.

Tratam de diversos assuntos, mas insistem, sobretudo, no tema das relações

fraternas. Por exemplo, que ninguém ouse defender, castigar ou excomungar o

outro, que haja obediência mútua e bom zelo entre os irmãos.

Finalmente, no último capítulo, o capítulo LXXIII, encontra-se o epílogo.

A Regra deve ser apresentada solenemente ao noviço por três vezes no

decorrer do ano. No tempo de provação, que precede a profissão, pede-se para ela

seja lida por inteiro e por três vezes, quando é textualmente apresentada: “Eis a lei

sob a qual queres militar: se podes observá-la entra, mas se não podes, sai

livremente”37. Por disposição da própria Regra Beneditina, o compromisso assumido

pelo noviço está em íntima e expressa conexão com ela. O noviço “... sabendo que

em virtude da mesma Regra não lhe é permitido, desde este dia, abandonar o

mosteiro, nem sacudir o jugo desta Regra que, após tão longa deliberação, poderia

ter recusado ou aceitado”38.

Isto indica com toda a nitidez que a perseverança no estado monástico não

só é um dever imposto pela Regra, mas que persistir consiste precisamente em

permanecer submetido à Regra até a morte. O próprio abade deve observá-la em

todos os momentos. “O Abade, porém, faça todas as coisas com temor de Deus e

de acordo com a Regra, sabendo que sem dúvida dará conta a Deus, de todas as

suas decisões”39. E, ainda: “Conserve em todos os pontos a presente Regra”40. O

                                                       37 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo LVIII, p. 203. 38 Ibid., capítulo LVIII, p. 205. 39 Ibid., capítulo III, p. 41. 40 Ibid., capítulo LXIV, p. 227.

Page 51: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

50  

Abade e os monges obedecem tudo o que contém na Regra como mestre: “Todos

sigam em tudo a Regra como mestra e ninguém temerariamente dela se afaste”41.

A Regra de São Bento, como a imensa maioria das regras monásticas, é uma

regra cenobítica, isto é, não se dirige aos eremitas, nem aos sarabaítas, nem aos

giróvagos. Seus destinatários são os monges que vivem em comunidade. Há uma

frase solene que expressa a realidade: “Deixando, por conseguinte, uns e outros,

ocupemo-nos com o auxilio do Senhor, em estabelecer a regra de vida da mais

valorosa espécie de monges, a dos cenobitas”42. Mas, apesar de tão bela

expressão, folheando a Regra, os esforçados cenobitas acabam sendo monges

vulgares, medíocres, débeis, pusilânimes e tíbios. Aos monges que não conhecem

nada do monaquismo, só é possível escrever uma regra de simples iniciação, muito

inferior aos ensinamentos dos antigos Padres.

Parece que São Bento não tinha em grande estima os irmãos, aos quais,

modestamente, inclui-se e para os quais redigiu a Regra. Segundo ele, estava muito

longe a idade de ouro do monaquismo: “... porquanto lemos que os nossos santos

Pais desempenhavam essa tarefa resolutamente num só dia. Oxalá em nossa

fraqueza possamos, nós cumpri-la uma vez por semana”43. Ou sobre o vinho, ele

afirma:

Lemos, é verdade, que o vinho não convém de forma alguma aos monges, mas, como não é possível convencer disso os monges do nosso tempo, procuremos ao menos não beber até à saciedade, mas com moderação, porque o vinho faz apostatar até os sábios.44

Sendo mais incisivo diz: “Quanto a nós enfraquecidos, relaxados e

negligentes, devemos corar de confusão”45. Enfim, São Bento conhece os limites da

natureza humana em seus mais diversos aspectos, escreve a Regra para servir de

estímulo aos seus monges e para que a vida no mosteiro seja suportável e menos

desumana. Ao escrever a Regra, escolheu certas fontes para se inspirar:

                                                       41 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo III, p. 39. 42 Ibid., capítulo I, p. 27. 43 Ibid., capítulo XVIII, p. 105. 44 Ibid., capítulo XL, p. 155. 45 Ibid., capítulo LXXIII, p. 249.

Page 52: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

51  

São Bento bebeu em muitos autores, a maior parte da regra, ele tomou de outra regra. Cada abade tinha o costume de escrever uma regra para seu mosteiro. São Bento escreveu a Regra para seu próprio mosteiro, que poderia ser aplicado a outros mosteiros. Além da regra de São Bento, havia muitas outras regras. A partir do que o Abade escrevia sua regra? Às vezes pegava a regra do outro mosteiro e aplicava ao seu mosteiro. Era o abade que interpretava a regras, pois a regra do mosteiro é o abade, às vezes tinha um texto, próprio do ocidente, mas no oriente não há. No ocidente havia um pluralismo muito grande, onde cada Abade era livre para escrever sua regra e podia pegar dentro da tradição monástica, os elementos para escrever e elaborar a regra. No caso da regra de São Bento, ele usou uma fonte principal, chamada Regra do Mestre. A Regra do Mestre é de um autor anônimo, chamada de mestre porque usa o estilo pergunta e resposta, o discípulo pergunta ao Mestre e o mestre responde. A maior parte da regra de São Bento é uma cópia desta regra. E a regra do Mestre é inspirada em João Cassiano, que acentua muito a vida de solidão. No entanto São Bento não é fechado em Cassiano. A regra de São Bento não foi escrita de uma vez só, escreveu em fases da vida e no fim da vida foi abrindo às outras correntes, sem renegar Cassiano. Como São Basílio e Santo Agostinho, que são duas formas de vida monástica, uma oriental e outra ocidental, que tipicamente comunitária. A fraternidade faz parte da vida monástica, São Bento fez uma síntese. A regra de São Bento é aberta e não fechada como historicamente foi interpretada. Ele abre à uma vida cenobítica, tem muito a estrutura de Cassiano. 46

A obra de São Bento não é apenas um mosaico de citações e de

reminiscências de outros autores. A Regra contém, em sua maior parte, a reflexão,

as recordações e as leituras do próprio São Bento. Organiza de acordo com sua

própria experiência a Regra. Certamente influenciado por seus mestres e dentro do

clima tradicional no que diz respeito às instituições e à doutrina. Age com toda a

liberdade de espírito, usando tudo o que serve e descartando o que não convém.

A originalidade da Regra de São Bento consiste, principalmente, em sua

índole de síntese poderosa e de flexibilidade. São Bento não era um teórico, mas um

pai espiritual e um legislador. Possuidor de um dom excepcional para sintetizar as

diferentes linhas da tradição monástica cristã. A Regra de São Bento constitui um

dos monumentos mais elaborados que o mundo dos monges antigos latinos deixou

para a posteridade. É uma tentativa de reelaboração de toda a tradição monástica.

O chamado código penal pode parecer, para nossa sensibilidade

contemporânea, bastante rigoroso e, às vezes, até cruel. Mas, é perfeitamente clara

que toda correção tem na Regra de São Bento um sentimento pedagógico. Tudo,

                                                       46 Dom Mateus Salles Penteado, um dos fundadores do Mosteiro da Ressurreição, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 2, Ponta Grossa, 29/11/2009.

Page 53: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

52  

inclusive as ásperas ameaças de sanções que surgem no final de vários capítulos,

tende a conduzir o monge concreto ao seu aperfeiçoamento, a “... fim de serem

curados”47. As palavras conclusivas do código penal expressam com perfeição o

espírito da Regra.

São Bento não desenvolve, na Regra, teorias sublimes e nem estabelece um

regime de vida tão perfeito e ideal que não possa ser praticado. Nunca perde de

vista a verdade das pessoas e das coisas. O mestre e pai São Bento era muito

realista. Soube reconhecer os limites e as possibilidades da natureza humana,

aceitar que há coisas possíveis e impossíveis e se adaptar às circunstâncias e às

necessidades de tempos e de lugares.

A Regra de São Bento pode parecer um tanto vaga e elíptica, porque quer

deixar as mãos livres ao abade para que possa adaptar-se melhor às pessoas

concretas e também às diversas circunstâncias, imprevisíveis, da comunidade e dos

indivíduos que a integram. Não quer entrar demasiadamente em pormenores, seu

espírito é de liberdade e de flexibilidade. A fecundidade e a permanente atualidade

da Regra decorrem do seu liberalismo, que também é um traço de humanidade. Se

São Bento outorga ao abade um poder quase absoluto é para que os irmãos sejam

bem servidos.

2.4 - O monge beneditino

A Tradição Beneditina não nasceu como um fenômeno histórico inteiramente

novo, pois, tratava-se da continuação de uma Tradição muito mais antiga. São Bento

herdou e transmitiu às gerações posteriores, através de sua Regra, um compêndio

genial da sabedoria monástica primitiva, uma vez que, na verdade, a Regra não é

apenas o ponto de partida da Tradição Beneditina:

Quem quer a vida e deseja ver dias felizes? De diversas maneiras, consciente ou não, estamos todos em busca da vida. E buscar a vida é buscar a Deus. Por que a Regra de São Bento, escrita no século VI, no leva a encontrar a vida, a viver dias felizes? Entre outros aspectos destacamos a sua real humanidade, por isso pode ser vivida por pessoas frágeis e por pessoas fortes, jovens e idosos, intelectuais e de inteligência prática, religiosos e leigos e sua profunda espiritualidade, baseada na Sagrada Escritura e na

                                                       47 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo XXX, p. 129.

Page 54: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

53  

tradição monástica, é guia seguro, fonte de contínua inspiração para toda pessoa de boa vontade que procura verdadeiramente a Deus48.

O que caracteriza um monge beneditino é o seu lema milenar, ora et labora,

conhecido no mundo inteiro. Mas qual a repercussão deste lema? Será que reflete o

Evangelho na vida do monge, que vive num determinado espaço dentro da Igreja,

que é a vida monástica? O Cristianismo pode ser resumido em ora et labora?

Notamos que o Evangelho resume-se em ora et labora: “Pedi e vos será dado,

buscai e achareis, batei e será aberto. Pois todo aquele que pede recebe, quem

procura, acha, e a quem bate, se abre. Tudo o que pedirdes ao rezar, crede que

recebereis e vos será dado”(Mt 7,7-8.11). Ou ainda: “Orai sem cessar”(I Tes

5,17).Entretanto, é preciso ampliar o significado da expressão ora et labora. São

Bento chama a celebração litúrgica de Opus, isto é, trabalho. Portanto, celebrar a fé

é um trabalho que todo cristão é chamado a realizar.

O monge é aquele que renunciou livre e alegremente a formar uma família, ou

mesmo deixar a família, assim como fez Buda, São Bento e os Apóstolos. Mas, nem

por isso, é eternamente só, pois vive movido pelo ideal místico, isto é, pelo sentido

do Absoluto. A relação trinitária é o espelho para a vivência monacal. O coração do

monge é indivisível, nada se opõem ao amor pela Trindade, sobretudo na pessoa de

Jesus Cristo. O monge por viver célibe, não faz a renuncia ao amor, mas, pelo

contrário, seu coração se torna universal. Neste amor trinitário, deseja amar todas as

pessoas da humanidade, começando pelas mais próximas. O celibato, a castidade

perfeita, constitui a base indispensável para empreender a unificação pessoal e a

porta de acesso ao caminho de volta à unidade perdida e ardentemente desejada:

Tenho um insight também que o ser humano por natureza é monge, devido à volta à unidade e também à solidão. Não existe nada que preenche o coração humano. Existe um recanto dentro do ser humano que é ele com ele. A natureza monástica faz parte do ser humano, que é o retorno à unidade e pelo aspecto do só. Que não é só, quando ele se une, assim, como na Trindade. Só o que a Trindade vive é um presente, e nós estamos sendo num vir-a-ser. A Trindade é e nós não somos, estamos sempre num processo em um só corpo e três pessoas.49

                                                       48 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, prefácio. 49 Dom Abade André MARTINS, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 1, Ponta Grossa, 04/09/2009.

Page 55: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

54  

Um dos desejos que animava São Bento era o de indicar como, com que

disposições internas e com que espírito os monges, seus filhos, devem agir no

cumprimento de seus cargos e de suas obrigações. O monge é, antes de tudo, um

ser espiritual e interior. Os atos internos de serviço, caridade fraterna, amor a Deus,

fé e humildade profundamente sentida, devem informar e vivificar tanto a

observância dos monges como os serviços que o abade e seus colaboradores

prestam à comunidade. Basta abrir o capítulo XLIX para comprovarmos como a

Regra de São Bento destaca as disposições pessoais que devem animar os monges

em suas práticas voluntárias e obrigatórias próprias do tempo da quaresma.

“Aplicando-nos à oração acompanhada de lágrimas”50. Ou ainda: “Cada um ofereça

a Deus por sua livre vontade, na alegria do Espírito Santo”51. E mais: “Esperando a

santa Páscoa com o gozo de um desejo espiritual ”52.

Uma das características dos filhos de São Bento é a escuta. Escuta, filho!

Aqui há o fundamento de toda a direção espiritual, que na tradição monástica tem o

nome de colóquio espiritual entre o mestre e o discípulo, entre o Pai espiritual e o

discípulo. O monge, diante de seu Abade, põe-se na postura de filho. Como filho

escuta a sua palavra. Como filho e discípulo deixa-se moldar por Deus através das

mãos do Abade ou do Pai espiritual. Da afirmação anterior, pode-se concluir o

quanto é necessário para o monge estar em seu lugar, ou seja, no lugar de filho e de

discípulo, pois só assim pode receber verdadeiramente a Tradição e ser por ela e

nela gerado. Ninguém se faz monge sozinho. Alguém o fará.

Analogamente pode-se dizer, com autoridade, que ninguém se batiza, deve

ser batizado; ninguém se ordena, é ordenado; assim também ninguém se veste com

o hábito monástico para ser monge, será sempre revestido pelo Abade; ninguém se

consagra monge, será sempre consagrado. Para ser monge é preciso primeiro ter

sido discípulo de um Pai espiritual da Tradição Monástica. No monaquismo, ninguém

se faz por geração espontânea, nenhum candidato chega ao Mosteiro “mestre”, isto

é, ensinando; chega para aprender e ser discípulo. Aquele que entra no Mosteiro

assume a paternidade do Abade, que a exerce como vigário de Cristo. No deserto,

os discípulos escolhem o Pai espiritual e no Mosteiro de São Bento, aquele que

chega já o encontra e deve aceitá-lo. Isto só se faz pela fé.                                                        50 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo XLIX, p. 179. 51 Ibid., capítulo XLIX, p. 179. 52 Ibid., capítulo XLIX, p. 179.

Page 56: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

55  

São Bento procurava o bem físico e espiritual de cada um dos monges, não

ignorando sua fraqueza ou sua fatiga. Considerava os enfermos e os de saúde frágil,

mas também os que sofriam de algum distúrbio psíquico ou moral. “Mas faça-se

tudo com moderação, por causa dos fracos”53. É permitido aos enfermos banhar-se

com discrição e comer todo tipo de carne. “Aos enfermos o uso dos banhos é

oferecido todas as vezes que for conveniente. Aos doentes e aos muito debilitados

concede-se também o uso da carne a fim de lhes reparar as forças”54. E ainda:

“Serão concedidos auxiliares aos fracos para não desempenharem esta função com

tristeza”55.

Rendia homenagem a um ideal de vida monástica tão puro, que correspondia

todo o tempo à observância quaresma: “Se bem que a vida do monge deva-se ser

em todo tempo conforme a observância da Quaresma”56.

Nunca perde de vista a verdade das pessoas e das coisas. Em vez de tentar

impor à realidade concretas teorias impossíveis, parte das necessidades reais

aceitando-as plenamente como manifestação da vontade de Deus.

A Regra Beneditina torna-se para o monge parâmetro da vivência monástica.

Quanto mais o monge esforça-se para praticá-la, mais beneditino se torna e,

conseqüentemente, mais cristão. A característica beneditina está contida na Regra e

vivê-la é o grande desafio, seja do monge, seja do leigo.

Podemos constatar que o monaquismo Cristão é rico, possuindo diversas

famílias, como, por exemplo: Cistercienses, Trapistas, Camaldulenses e Cartuxos.

Impossível apresentar a história de cada uma delas neste trabalho. Por opção

pessoal e por admiração pela figura de São Bento, escolhi apresentar a família

Beneditina, não porque as demais não fossem interessantes, pois todas mereceriam

um trabalho mais aprofundado. O que há de comum entre todas as famílias

monacais é que Jesus Cristo torna-se o elemento fundamental de escolha e de

unidade.

Santo Bento, homem que decidiu largar tudo e se tornou o amigo íntimo de

Jesus Cristo, só desejava uma coisa: agradar somente a Deus. “Isso significa que a

                                                       53 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, capítulo XLVIII, p. 173. 54 Ibid., capítulo XXXVI, p. 145. 55 Ibid., capítulo XXXV, p. 141. 56 Ibid., capítulo XLIX, p. 179.

Page 57: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

56  

vida monástica é o estado de vida pela qual se busca agradar somente a Deus em

um lugar da Igreja. Não há outra finalidade na vida monástica, senão “agradar

somente a Deus” 57.

Após um período, longe de tudo e de todos, vivendo na gruta e moldando o

seu espírito pelo próprio Espírito Santo, que o inspirava, tornou-se o pai dos

Beneditinos. Desejava que seus monges vivessem no Evangelho. Para isto

escreveu uma Regra de vida, que pode ajudá-los nesta vivência:

Escreveu, com efeito, uma Regra de Monges, notável pelo espírito de discernimento e clara pela linguagem. Se, pois, alguém quiser conhecer mais exatamente os costumes e a vida do santo Pai, poderá encontrar nos preceitos desta Regra todas as ações que ele praticou como Mestre, pois o santo homem de modo nenhum pôde ensinar outra coisa que o que mesmo viveu.58

É pela vivência da Regra de São Bento, que alguém se torna um monge

beneditino e pelos ensinamentos da Igreja, que o Beneditino renova-se:

Para sermos monges, portanto é preciso beber das fontes, conforme o ensinamento conciliar da Igreja. Por conseguinte, a Santa Regra para os beneditinos não é a fonte única de vida monástica. É preciso igualmente conhecer seu autor, outros santos monges com seus escritos e Regras para renovarmos, conforme desejo da Igreja, a vida monástica que levamos. 59

Este trabalho vai percorrendo o caminho e chega à sua segunda parte, onde

quando será apresentada a história da chegada dos primeiros beneditinos no Brasil

colonial, bem como a fundação heróica do Mosteiro Beneditino da Ressurreição,

com toda sua riqueza litúrgica, como, por exemplo, o canto gregoriano em português

dos salmos e as sete orações durante o dia. Também falaremos a respeito da

questão da manutenção, dos trabalhos e das suas repercussões, como também das

etapas de formação dos futuros monges.

                                                       57 Dom Abade André MARTINS, Servo bom e fiel: entra na alegria de teu Senhor, Livro II dos Diálogos do papa S. Gregório Magno, p. 28. 58 São Gregório MAGNO, São Bento- Vida e Milagres, p. 177. 59 Dom Abade André MARTINS, Servo bom e fiel: entra na alegria de teu Senhor, Livro II dos Diálogos do papa S. Gregório Magno, p. 14.

Page 58: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

57

 

PARTE II: A VIDA MONÁSTICA NO MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO

O Mosteiro da Ressurreição não nasceu do nada.

É herdeiro e protagonista de uma Tradição viva.1

Nesta segunda parte do trabalho, cujo título é a vida monástica no Mosteiro

da Ressurreição, trabalhar-se-ão alguns antecedentes históricos dos Beneditinos no

Brasil, como as primeiras fundações dos mosteiros beneditinos em terra brasileira.

Também falará a respeito do contexto histórico, apresentando as invasões aos

mosteiros, a situação da escravidão no Brasil colonial e a questão de Pombal. Por

fim, abordaremos a restauração dos Beneditinos no Brasil.

A fundação heróica do Mosteiro da Ressurreição, por um grupo de dez jovens

monges, aconteceu a trinta anos no Paraná, aspecto que trabalharemos com

detalhes. Depois disso, apresentaremos os sete momentos de salmodia, juntamente

com a missa, realizados todos os dias, seguindo rigorosamente o ritual estabelecido

e dando vida a cada ação litúrgica. Por fim, falaremos a respeito do labora, como

expressão da santificação do trabalho, que se realiza dentro e fora do Mosteiro da

Ressurreição, expresso através dos estudos, do auto-sustento, da repercussão

extra-muros e da questão vocacional em suas etapas.

                                                       1 Dom Mateus de Salles PENTEADO, OSB, Mosteiro da Ressurreição: Síntese histórica e projeto monástico- Exposição apresentada no curso sobre o Monaquismo no Brasil promovido pela CIMBRA (Conferência de Intercâmbio dos Mosteiros Beneditinos no Brasil) no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, aos 21 e 29 de julho de 1997.

Page 59: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

58

 

CAPÍTULO III: ANTECEDENTES HISTÓRICOS E FUNDAÇÃO

Os Beneditinos que chegaram ao Brasil vieram de Portugal e desenvolveram

um trabalho diferente das demais congregações religiosas que também estiveram no

Brasil colônia. Os Beneditinos, mesmo voltados mais para a contemplação,

conseguiram fundar seus primeiros mosteiros no Brasil colônia, contando sempre

com a ajuda de pessoas. As questões históricas da época também devem ser

consideradas, como a invasão holandesa, a escravidão e a expulsão das ordens

religiosas do Brasil por Pombal. Por meio da Congregação Beneditina Brasileira,

surge a restauração da Ordem de São Bento em nosso país. Dando um salto

histórico no tempo, no ano de 1981, surge a fundação do jovem Mosteiro da

Ressurreição, ao qual é o objeto de foco desta pesquisa. Desde os tempos da

chegada dos portugueses ao Brasil, nossa história tem vínculos indissociáveis com

Portugal. A Igreja deu um grande impulso para a Evangelização, sobretudo aquela

empreendida por Portugal:

A Igreja se torna verdadeiramente “católica”. Inextricavelmente mesclada ao comércio, à colonização, às vicissitudes da política e dos conflitos mundiais, a evangelização sofre contragolpes dessa situação e, muitas vezes, perde com isso a sua pureza.2

Na Europa tudo estava fervilhando, devido às muitas mudanças. Obviamente,

não podemos entrar em detalhes e nem abranger todos os acontecimentos desta

época, mas vale lembrar que:

Uma nova época iniciada. A expansão para o ocidente leva para outras partes do mundo o estilo de vida europeu e a fé cristã. Ao clima excitante da nova época se opõe a resignação de um grande imperador: Carlos V renuncia, quando não consegue mais restaurar a unidade da fé diante dos protestantes e garantir o alicerce do Império cristão que lhe foi confiado. O protestantismo toma o seu caminho; a Igreja se acha diante de governos nacionais sempre mais autônomos. (...) O novo interesse para com o comércio e a economia (mercantilismo) prepara uma concepção secularizada do Estado.3

                                                       2 Jean COMBY, Para ler a História da Igreja II. Do século XV ao século XX, p. 54. 3 Roland FRÖHLICH, Curso básico de história da Igreja, p. 119.

Page 60: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

59

 

A Reforma que Lutero empregou, nos primeiros anos do século XV, teve

consequências como a ruptura com o catolicismo, que foi definitiva. A Reforma

Protestante não foi a única a acontecer, pois, em vários países, surgiram outras

Reformas derivadas desta primeira: na Inglaterra, formou-se o Anglicanismo, na

França e na Suíça, o Calvinismo, e na Alemanha, o Luteranismo:

Lutero teve seus próprios discípulos, como Melanchton (1497-1560), “o doce Filipe”. Mas, ao mesmo tempo que Lutero, surgem em toda a Alemanha e Suíça numerosos reformadores. Quase todos são padres e muitas vezes religiosos. Se, de um modo geral, eles concordam com Lutero acerca da fé e das Escrituras, suas divergências podem ser significativas no que diz respeito às suas concepções da Eucaristia. Lutero rompe com vários deles em função desse ponto.4

Além da Reforma, outro acontecimento significante foi a convocação do

Concílio de Trento em 1545-1563, com a finalidade de continuar a Reforma Católica:

Numerosos decretos são baixados; dizem respeito antes de tudo a temas levantados por Lutero: a doutrina da justificação, as fontes da fé, o pecado original, os sacramentos. Os casamentos clandestinos são declarados inválidos e não apenas ilícitos. Os deveres do ministério episcopal são regulamentados: convocação anual de sínodos diocesanos, reunião de sínodos provinciais a cada três anos... obrigação de residência; proibição de ocupar ao mesmo tempo diversas sedes episcopais (acumulação de benefícios). Para melhorar a formação dos futuros padres, instituição de seminários diocesanos.5

A Igreja do Brasil recebeu a influência dos acontecimentos políticos e

religiosos de Portugal, como também da Reforma e do Concilio. Um exemplo, a ser

citado é a questão do padroado, que teve muita influência sobre a Igreja no Brasil.

Neste sentido, é possível afirmar que o fato religioso era um negócio do Estado, isto

é, a religião possuía uma relação de dependência com o Estado:

A proteção do Estado trouxe sempre privilégios e benefícios materiais para a Igreja, mas significou sempre compromisso e não poucas vezes, opressão da Igreja. Nas nações neolatinas continuou a dominar o catolicismo. De modo mais conturbado na França, onde se impôs através das guerras de religião, e

                                                       4 Jean COMBY, Para ler a História da Igreja II. Do século XV ao século XX, p. 19 5 Roland FRÖHLICH, Curso básico de História da Igreja, p. 125-126.

Page 61: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

60

 

de um modo mais estável na Itália e na Península Ibérica, sustentado pela força da inquisição religiosa. O padroado será a forma através da qual o governo de Portugal exercerá sua função de “proteção” sobre a Igreja católica, religião oficial e única permitida na nação. Tendo obtido para si o título perpétuo de grão-mestre da Ordem de Cristo, os reis de Portugal passaram a exercer nas colônias e terras de conquista o pleno domínio político e religioso.6

O padroado tornou-se um problema para a Igreja na época da Colônia, uma

vez que Portugal controlava toda a vida da Igreja no Brasil, desde a chegada até o

autosustendo dos novos missionários: “O clero secular vive imprensado entre os

senhores de terra e a Coroa da qual depende econômica e juridicamente mercê do

sistema de padroado, daí formarem-se os tipos de capelão-de-fazenda e do padre-

funcionário”7. Ou ainda:

O rei controla, nos mínimos detalhes, a vida da Igreja no Brasil. Nada acontece na Igreja sem sua expressa licença. É ele quem dá autorização para novos missionários entrarem na Colônia ou para a construção de templos ou conventos. O monarca nomeia bispos e padres nos cargos eclesiásticos mais importantes e os sustenta financeiramente. Para obter os recursos destinados às obras da Igreja, a Coroa faz a cobrança dos dízimos (10% das rendas dos colonos) e parte desse dinheiro volta à Colônia em forma de subvenção eclesiástica.8

Portugal começou a se interessar pelas terras brasileiras por volta de 1530. O

primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, chegou em 1549 e trouxe os primeiros

membros da Companhia de Jesus para dar assistência religiosa e executar a

evangelização dos nativos. Os Jesuítas foram os primeiros a chegar ao Brasil:

A principal causa que me levou a povoar o Brasil foi que a gente do Brasil se convertesse à nossa santa fá católica. E Camões desafia a generosidade cristã dos descobridores exclamando: “E vós outros que os nomes usurpais. De mandados de Deus, como Tomé Dizei, se sois mandados, como estais, Sem irdes a pregar a santa fé?9

                                                       6 Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil- tomo II/1, p. 161-162. 7 Alfredo BOSSI, Dialética da colonização, p. 24. 8 Henrique Cristiano José MATOS, História mínima da Igreja no Brasil, p.11. 9 Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil- tomo II/1, p. 24.

Page 62: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

61

 

A fundação da Ordem de São Bento no Brasil foi um acontecimento relevante,

sendo a primeira fundação no continente latino-americano e a primeira fora da

Europa, como já observamos. A Família Beneditina é semelhante a uma árvore, que

cresce a cada dia e não para de apontar novos horizontes através das gerações.

Conhecer o histórico passado dos Beneditinos no Brasil é trazer à luz um pedaço da

própria história brasileira e eclesial, muitas vezes, esquecida nos porões do tempo.

O grande contributo cultural e religioso que os Monges Negros10 deram ao país é

uma marca indelével presente na gênese da jovem nação. O Brasil acolheu e acolhe

com entusiasmo os Beneditinos.

Entre tantos acontecimentos que antecederam a chegada dos Beneditinos no

Brasil, conta-se que três jovens foram estudar em Portugal: Pedro Ferraz, natural de

Ilhéus, João Porcalho, também de Ilhéus, e Manuel Mesquita, baiano.11 Quando eles

conheceram a Ordem Beneditina, ficaram tão entusiasmados, que decidiram

abandonar os estudos acadêmicos e se tornarem monges:

Grande impulso recebeu ainda essa determinação pelo fato, de, por este tempo, terem professado na Ordem três jovens, nascidos em terras brasileiras, os quais tinham sido enviados por seus pais a Portugal, para que, na “terrinha”, recebessem boa formação. Tendo eles conhecido a Ordem de São Bento, enamoraram-se do ideal monástico e vestiram a cogula beneditina. Era, pois, natural que neles ardesse o desejo de verem a Ordem transplantada para sua terra natal e de influírem em seus conterrâneos os poderes espirituais que haviam recebido. 12

3.1 – Primeiros mosteiros beneditinos no Brasil

Os primeiros beneditinos vieram de Portugal13. “Alcançada a provisão régia,

embarcaram para Salvador da Bahia, onde foram recebidos pelos moradores com a

                                                       10 “A exemplo dos padres da Companhia de Jesus, que vieram com Tomé de Souza, chegaram, depois os frades da Ordem do Patriarca São Bento, os chamados Monges Negros (Monachi Nigrorum Ordinis Sancti Patris Benedictus), como eram conhecidos, pelo uso exclusivo do hábito negro”. Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 do mosteiro de São Bento da Bahia, p. 21. 11 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582-1827, p. 34. 12 Ibid., p. 34. 13 “Em Portugal processou-se a reforma da vida monástica, quando no Brasil se procedia à exploração do território, à administração das terras já povoadas e à evangelização dos gentios. O centro da renovação da Ordem Beneditina em Portugal foi o mosteiro de Tibães onde, por ocasião do segundo Capítulo Geral, a 13 de fevereiro de 1575, no reinado de D. Sebastião, os Padres Capitulares se mostraram dispostos a cooperar na evangelização da Índia, do Brasil e de outras

Page 63: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

62

 

caridade, veneração e respeito devido ao seu estado, às suas virtudes e aos seus

anos. Frei Antonio Ventura era já de idade avançada quando o escolheram para lhe

conferir o honroso e pesado encargo de “Fundador da Religião Beneditina nos

Estados do Brasil”14. Oficialmente, os Beneditinos desembarcaram no Brasil em

1581, na cidade de Salvador, Bahia.15

Os Beneditinos estabeleceram-se definitivamente no Brasil em 1581. Naquele ano aportou à cidade do Salvador o primeiro grupo de monges chefiado pelo padre Frei Antonio Ventura do Laterão, mandado pelo abade geral da Congregação Beneditina de Portugal a fim de construir um mosteiro em terras de Santa Cruz, em cumprimento da decisão do segundo Capítulo Geral da Congregação e atender aos reiterados pedidos dos habitantes da Bahia. Antes deles já tinham estado no Brasil alguns beneditinos, mas em caráter particular e temporário, em missões especiais, sobretudo de pregação evangélica.16

No desenrolar da história Beneditina no Brasil, antes da fundação

propriamente dita, estiveram alguns beneditinos no Brasil para ver se era possível

uma fundação da Ordem. “Criada a Congregação Beneditina de Portugal, pelo Papa

Paulo V em 1569, logo a 13 de fevereiro de 1575, em reunião de seu Segundo

Capítulo Geral, veio a idéia de se fundar um mosteiro beneditino no Brasil”17. Para

isto, o “... abade geral escolheu ao Frei Pedro de São Bento Ferraz, filho de Ilhéus e

religioso expedito e inteligente para a delicada missão de estudar a situação no

além-mar”18. Assim:

Sabiamente aconselhado Fr. Pedro de Chaves mandou-o, em data ignorada (mas por certo o mais tardar no correr do ano de 1579) para a Cidade de Salvador, “cabeça do Estado Brasílico Lusitano”, com carta de recomendação

                                                                                                                                                                         regiões, se assim aprouvesse a El Rei”. Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento – São Paulo, p. 11 14 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582- 1827, p. 43 15 “A Bahia era, então, a sede do Governo da Colônia, local para onde se dirigiu o primeiro grupo de monges enviado de Portugal. Tão grande impulso tomou a Fundação ali montada pelos religiosos vindos da Metrópole que, em 1584, três anos depois, portanto, foi a Congregação elevada à categoria de Abadia e o Padre Frei Antonio Ventura, que viera chefiando o grupo, eleito seu primeiro Abade”. Antonio de Paula DUTRA, Ora et Labora, Revista Mensal Religiosa, p. 2. 16 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 17. 17 Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 21. 18 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582- 1827, p. 35

Page 64: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

63

 

ao “nobilíssimo Senado da Câmara”. Do teor desta carta se conclui que o expedito e inteligente monge foi mandado ao Novo Mundo mais para sondar terreno (se convinha ou não fazer-se mosteiro nesta parte) do que propriamente para tratar logo duma fundação.19

Com a permissão do Senado da Câmara, o bispo da Bahia concebeu aos

beneditinos a ermida20 de São Sebastião e os terrenos adjacentes:

Na pequena ermida preexistente, fora dos muros da cidade, junto às Portas de Sta. Luzia (ou, depois, de São Bento), dedicada ao mártir S. Sebastião (então voltada para as águas a fim de proteger a Bahia dos “miasmas do mar”, que se fixaram desde o início os “frades bentos”). Ocupava-se, assim, o terreno que já antes da chegada dos monges, acontecida em 1582, segundo vários testemunhos, lhes doaram, já antes, em 1580, os seus proprietários, Francisco Afonso, o Condestável, e sua mulher Maria Carneiro. Recolheram-se os monges às casas existentes junto da ermida e logo puseram mãos à obra para edificar sua morada, segundo o traçado monasterial. 21

No Brasil surgiu o primeiro mosteiro beneditino de toda a América Latina22,

como vimos, e, em pouquíssimo tempo, este mosteiro de Salvador foi elevado à

categoria de abadia23: “No prazo de dois anos, o mosteiro foi elevado ao grau de

Abadia e o seu superior, Frei Antonio Ventura, passou a ser Abade”24. Os monges

beneditinos eram estimados por sua observação religiosa:

Rapidamente, a obra foi progredindo, graças ao grande desvelo do Pe. Frei Antonio Ventura, e com o auxílio generoso dos habitantes da Província, muito edificados com a observância regular dos monges. Acelerou-se a construção

                                                       19 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582-1827, p. 35. 20 “Pequena Igreja ou capela em lugar ermo ou fora de uma povoação”. Antônio HOUAISS, Dicionário de Houaiss, p.1189, vocabulário Ermida 21 Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 9. 22 “No Brasil, foram os beneditinos a segunda Ordem Religiosa a se estabelecer, depois da chegada dos Jesuítas, em 1549”. Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 9. 23 “Local que abriga uma comunidade religiosa monástica, mosteiro onde monges ou monjas vivem em retiro, cumprindo votos. Comunidade, associação ou instituição religiosa à qual pertencem esses monges ou monjas, dirigida por abade ou abadessa”. Antônio HOUSAISS, Dicionário Houaiss, p. 4 no vocábulo abadia. 24 Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 9.

Page 65: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

64

 

do convento, de modo que em 1584 uma parte dele já podia ser habitada pela comunidade. 25

O segundo mosteiro beneditino fundado no Brasil foi o de Olinda, em

Pernambuco, entre os anos de 1585 e 1588. Não há uma precisão nesta data:

O Mosteiro de Olinda, ou de Pernambuco, como lhe chama sempre o primeiro Bezerro26, deve ter sido fundado no decorrer do ano de 1586, visto que no mês de março do ano de 1592 já estava habilitado a ter noviciado próprio, como claramente se infere do fato de terem sido nomeados, naquela data, examinadores de noviços para o dito mosteiro.27

E ainda:

Minha Ordem primeiro fundou os seus Mosteiros na Bahia e de Olinda do que edificasse o do Rio de Janeiro... Em segundo lugar fundou-se o Mosteiro de Olinda. Investigando a época em que se deu esta fundação, topamos com a dura realidade, de que “com a destruição deste Mosteiro de Olinda pelos holandeses, se acabou as memórias e notícias dela assim da sua fundação, como dos fundadores. 28

Em 1589, houve uma tentativa de fundar um novo mosteiro, em Vila Velha, no

Espírito Santo, mas devido às grandes dificuldades, abandonou-se a idéia:

Já antes, em 1589, foram dois monges para o Espírito Santo com o encargo de uma fundação naquela Capitania. Começada a construção do mosteiro em Vila Velha, tiveram que abandoná-lo alguns anos depois em vista da pobreza da terra e, sobretudo, provavelmente, pela carência de monges, pois o abade da Bahia necessitava de pessoal para atender aos muitos pedidos de fundações em outras Capitanias, onde prometiam lisonjeiro futuro.29

                                                       25 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província 1582- 1827, p. 45. 26 Bezerro (Livro das Atas Capitulares e das Juntas). Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província 1582- 1827, p. 19 - abreviaturas. 27 Ibid., p. 51 28 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582-1827, p. 49. 29 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 18.

Page 66: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

65

 

A Ordem Beneditina continuava expandindo-se pelo Brasil, pois todas as

Capitanias do Brasil desejavam a presença dos religiosos de São Bento. Por fim,

chegou a vez do Rio de Janeiro:

O que ocorreu com os moradores de Olinda repetiu-se com os do Rio de Janeiro. Tendo notícias das virtudes dos monges Bentos na Bahia, solicitaram ao Rvdo. Abade do Salvador, lhes mandassem monges que naquela cidade também construíssem um mosteiro. O bom acolhimento dos moradores, as atenções e gentilezas de que foram cumulados, estimularam-lhes o desejo de fundarem o mosteiro. Com esse objetivo foi-lhes oferecida a “Ermida de N. Sra. do Ó”. 30

A Ermida de N. Sra. do Ó ficava numa região barulhenta e não agradou aos

monges fundadores, que pediram um pouco mais de tempo para procurar outro

lugar em que pudessem ter maior recolhimento:

Parece que a localização da Ermida de N. Sra. do Ó, que se situava onde hoje fica a Igreja do antigo Convento do Carmo, à Rua Primeiro de Março, não agradou aos nossos dois monges, por achar junto ao desembarcadouro da cidade, não sendo propício ao recolhimento, em virtude da movimentação e barulho que isto ocasionava. Como lhes fosse deixada a faculdade de escolherem algum sítio da cidade que melhor estivesse, pediram tempo para observar e procurar. 31

Por fim, os dois monges fundadores encontraram a Ermida de Nossa Senhora

da Conceição, que se situava nas terras do fidalgo cavaleiro de El Rei, Manuel de

Brito, e que pertencia a uma irmandade. “Agradaram-se do quase promontório que

ficava no fim da cidade e onde estava a Ermida de Nossa Senhora da Conceição”32.

Os monges falaram com o Sr. Manuel de Brito sobre o lugar perfeito para o

recolhimento e este lhe concedeu a doação, fato que ocorreu verbalmente. Somente

mais tarde é que seu filho Diogo passou-lhes a escritura:

                                                       30 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582-1827, p. 55. 31 Dom Clemente da Silva NIGRA, O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro – 1590 - 1990, p. 25-26. 32 Ibid., p. 26.

Page 67: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

66

 

Os dois beneditinos falaram a Manoel de Brito, e este lhe concedeu verbalmente, certamente depois de ter combinado com seu filho Diogo de Brito de Lacerda, que dela largou mão, e com Aleixo Manuel, responsável pela irmandade da Ermida de Nossa Senhora da Conceição. Em 25 de março de 1590, Diogo de Brito Lacerda confirma por escrito particular esta doação, sem, contudo, passar escritura definitiva, porém com o compromisso de fazer-lhe escritura de doação e trespassarão todas as vezes que por eles ou seus sucessores me for pedido. Somente em 1620 é que receberam de seu benfeitor Diogo de Brito de Lacerda e escritura definitiva de doação. Nessa época a comunidade já se achava consolidada, com vasto patrimônio e mais de doze monges, chegando a ter dezessete.33

A data da fundação do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro é de 1590,

como atestam vários documentos: “A crônica de 1646 dá a entender que foi logo

depois de confirmada a doação por Diogo de Brito, em 25 de março de 1590.

Podemos considerar este o ano como o da fundação do Mosteiro de São Bento do

Rio de Janeiro”34. E ainda:

Com efeito, em finais de 1591 já existia um convento do Bem-Aventurado São Bento, também chamado de casa de São Bento, como se lê na escritura de doação de terras em Iguaçu, feita por Jorge Ferreira ao Mosteiro, em 11 de novembro de 1591, e noutra, de venda de meia légua de terra, também no rio Iguaçu, feita aos monges pelo mesmo Jorge Ferreira em 23 de novembro de 1591, com tomada de posse em 29 de daquele mês e ano. Foi por estes documentos que julgamos ter provado que nosso Mosteiro foi fundado em 1590, e não em 1586, como pensava Dom Clemente da Silva- Nigra, nem em 1593, como sustentava Dom José Lohr Endres.

Porém, a consolidação do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro

aconteceu somente no ano de 1596, segundo a informação: “Até o ano de 1596, que

se pode considerar como o da consolidação da fundação do Mosteiro de Nossa

Senhora da Conceição do Rio de Janeiro”35. Conta-se, através de crônicas, que o

dia da transferência da Ermida de Nossa Senhora do Ó para a Ermida de Nossa

Senhora da Conceição foi um dia memorável. O povo estava feliz, acompanhando a

procissão. Fazia muito tempo que não chovia e neste dia, durante a procissão, a

chuva começou a cair:

                                                       33 Dom Clemente da Silva NIGRA, O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro – 1590-1990, p. 26. 34 Ibid., p. 28. 35 Ibid., p. 32.

Page 68: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

67

 

O povo e o clero, querendo sair da Igreja com a dita imagem do Nosso Santo Padre, em levantando o Pe. Frei João Porcalho o cântico do Benedictus, sentiram cair uma chuva grossíssima sem vento nem trovão, que os há nesta terra espantosíssimos. Todos, em lugar de se abrigarem, se meteram a molhar, dando infinitas graças ao Senhor São Bento por tão assinalada mercê, aumentada com tão alegre benefício a devoção de nosso Santo Padre moveram-se todos a fazer o que cada um pudesse na fábrica do mosteiro. 36

A situação de pobreza atingia a maioria dos habitantes da cidade, mas eles

repartiam generosamente o pouco que tinham com os monges. Os fundadores

viviam na simplicidade e eles mesmos faziam todos os trabalhos no mosteiro:

Não é difícil imaginar o quotidiano de nossos fundadores na solidão do Morro de N. Senhora da Conceição: a menos que algum ou outro morador lhes tivesse cedido algum escravo seu, eram eles próprios que preparavam sua comida, cuidavam da limpeza da pequena ermida, lavavam a roupa, cuidavam do plantio e cultivo da roça e bananais deixados por Manuel Brito, cortavam a lenha nos matos da sesmaria, iam buscar água no riacho próximo, que limitava a propriedade doada.37

Os fundadores não podiam ficar eternamente vivendo da generosidade dos

fiéis e precisavam dar um jeito de ter seu auto-sustento. Por isso, Frei Pedro Ferraz

procurou intensificar o trabalho com todos os que estavam dispostos a ajudá-los, a

fim de que o próprio mosteiro pudesse ter o suficiente e também ajudar todos os que

precisassem dele:

Estabelecer patrimônio suficiente para subsistência dos monges, e é fácil conjeturar o grande desvelo que nisso teve quem refletir que a maior parte das casas da cidade estava nesse tempo coberta de colmo ou palha, pela pobreza da terra. E nada adiantaria esta fundação se as suas virtudes e regular observância não excitassem nos corações de todo o povo uma grande e especial devoção à nossa Religião, ajudando-nos a estabelecer um Mosteiro que se fundava unicamente com o patrimônio das virtudes de seus primeiros fundadores.38

                                                       36 Dom Clemente da Silva NIGRA, O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro – 1590-1990, p. 30. 37 Ibid., p. 30. 38 Ibid., p. 32.

Page 69: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

68

 

São Bento já havia pensado sobre o assunto, isto é, de que cada mosteiro

tivesse, no seu próprio recinto, tudo aquilo de que necessitasse. Assim, seus

monges ficariam separados do mundo e teriam mais tempo para o recolhimento:

A cerca da clausura do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro de que nos falam os documentos antigos correspondia ao que define a Regra beneditina em seu capítulo 66, 6s. Seja (...) o mosteiro (...) construído de tal modo que todas as coisas necessárias, isto é, água, moinho, horta, e os diversos ofícios, se exerçam dentro do mosteiro, para que não haja necessidade de os monges vagarem fora.39

Por fim, o Mosteiro foi sendo construído, crescendo, e chegou aos nossos

dias como um marco cultural histórico importantíssimo não só da cidade

maravilhosa, mas de todo o Brasil. Hoje, o Mosteiro está sob o título de Nossa

Senhora de Monserrate:

Por fazerem os religiosos a vontade do governador que era, e depois foi Marquês das Minas de São Paulo, Dom Francisco de Souza, grande afeiçoado e devoto da Virgem de Monserrate, puseram nome ao Mosteiro de N. S. de Monserrate (em 1602) como de presente se chama a intitula nesta cidade do Rio de Janeiro no Brasil. 40

Fazendo uma breve retrospectiva, após as fundações na Bahia em 1581,

Olinda entre 1585 a 1588, a terceira fundação foi Vila Velha, em 1589, que não foi

para frente, devido às dificuldades encontradas. A fundação do Rio de Janeiro deu-

se em 1590; finalmente foi a vez de São Paulo em 159841, quando ocorreu a

fundação do Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção de São Paulo.

Foi no ano de 1598 que Frei Mauro Teixeira42 43 44, monge beneditino, natural

de São Vicente, recebeu, da Câmara da Vila de São Paulo, a permissão para

construir, naquela mesma Vila, um mosteiro e uma igreja dedicados a São Bento:

                                                       39 Dom Clemente da Silva NIGRA, O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro – 1590-1990, p. 34. 40 Ibid., p. 138. 41 “Foi a Abadia de São Paulo, na ordem cronológica, a quinta construída no Brasil”. Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 133. 42 “O irmão Mauro Teixeira, durante muito tempo tido por sacerdote pelos historiadores, mas que era um irmão leigo”. Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom

Page 70: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

69

 

No ano de 1598 a cidade de São Paulo era um pequeno e pobre povoado, segundo Sérgio Buarque de Holanda. Crescia e desenvolvia ao redor do Colégio dos Jesuítas e, de maneira especial, com a chegada dos beneditinos, a Capitania de São Vicente torna-se um pólo importante.45

E ainda:

O modesto vilarejo que, no campo de Piratininga, surgiu e cresceu ao redor de um colégio dos padres da Companhia de Jesus, parece claro que não se pode medir pela pequenez física e a pobreza de São Paulo colonial, o significado que ela assume, quase desde o primeiro momento, para a vida brasileira. Embora o estabelecimento paulistano dos beneditinos ou “padres bentos”, como é costume nomeá-los na documentação municipal, não se possa datar exatamente daqueles “primeiros tempos”; sua presença é inseparável dos sucessos e personagens que terão papel da maior importância no núcleo bandeirante. 46

Frei Mauro Teixeira ergueu uma ermida dedicada ao Patriarca São Bento,

onde, mais tarde, foi construída a capela e o mosteiro. Ele se dedicou à oração e à

penitência e, depois de algum tempo, retirou-se de São Paulo. Pelo ano de 1610, o

nome da ermida de São Bento foi trocado para Nossa Senhora do Monserrate, “a

pedido do Governador Dom Francisco de Sousa”47 e, em 1720, para o nome de

                                                                                                                                                                         Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, O Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 11. 43 Na obra de Joaquim LUNA, Os Beneditinos no Brasil, ele chama Frei Mauro de padre. Frei Clemente das Chagas deu, em 1598, licença ao padre Frei Mauro Teixeira. 44 O ter sido Frei Mauro Teixeira mandado a São Paulo apenas para investigar a possibilidade da planejada fundação e não para fazê-la, resulta já do fato de na “Ordem de São Bento não ser costume ser um simples Irmão-leigo que trate dos negócios públicos do seu mosteiro, a não ser que existem razões absolutamente particulares”. Dom Clemente da Silva NIGRA, Arquivo do Estado do Espírito Santo, p. 53. No processo informativo sobre a vida do Pe. Anchieta foi também Frei Mauro Teixeira arrolado como testemunha. Ali figura não como padre, mas como irmão-leigo. Sendo esse documento coevo aos sucessos que acabamos de referir, devemos atribuir-lhe o valor documentário de primeira ordem, e grande importância, sobretudo em relação à crônica anônima do Mosteiro de S. Bento de S. Paulo, na qual foi “adulterada muita coisa”, no dizer do historiador das primeiras áreas paulistas (Frei Gaspar da Madre de Deus) e na qual Frei Mauro Teixeira figura como padre. Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província – 1582- 1827, p. 71. 45 Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 7. 46 Dom Martinho JOHNSON, Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo, p. XV. 47 Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 12.

Page 71: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

70

 

Nossa Senhora da Assunção48, o qual vigora até os dias de hoje. No dizer de

Taunay, “... onde se assentara a taba do velho Tibiriçá, o glorioso índio que realiza a

aproximação euroamericana e permitira o surto da civilização no planalto, salvando

São Paulo da agressão tamoia de 1562”49. Com isto:

Frei Mauro, bem acolhido pelo Senado da Câmara, ergueu uma ermida dedicada a São Bento, onde se entregou à oração e à penitência para a grande edificação dos moradores. Frei Mauro retirou-se de São Paulo, e o mesmo Provincial enviou o Padre Frei Mateus da Ascensão que solicitou à Câmara de São Paulo as terras onde se assentara a taba do velho Tibiriça, para a construção do mosteiro. A Câmara concedeu as terras pedidas em doação perpétua “até ao fim do mundo”.50

Quando Frei Mauro Teixeira ausentou-se de São Paulo, Manuel Preto

assumiu a administração do Mosteiro, por ser um dos mais ricos homens de cidade:

Deixou Manuel Preto, o fundador da Capela de N. Senhora do Ó, encarregado de cuidar da ermida de S. Bento e dos demais bens do Mosteiro, consoante declara Taunay, era o procurado de São Bento, um dos paulistanos de maior prestígio, o formidável sertanista terror das reduções jesuítas, arrasador do domínio inaciano no Guaíra. Possuía ele, em São Paulo, nada menos que 1000 escravos índios. Havendo-se internado, no fim de 1629 ou princípio de 1630, no Sertão de Santa Catarina, que pretendia colonizar, lá foi morto a flechadas pelos silvícolas, chegando a notícia do fato a São Paulo, em 22 de julho de 1630.51

Manuel Preto, homem rico, mas a quê preço? Preço de sangue dos nativos e

dos escravos. Parece ser um contraste que ele seja um benfeitor notório do

mosteiro:

                                                       48 “Todavia, 100 anos depois, em 1720, a Capela passou a chamar-se de N. Sra. da Assunção, título que conserva ainda hoje. José Ramos da SILVA, português, natural da Cidade do Porto e grande benfeitor do mosteiro, havia solicitado tal mudança, obtendo-a do então Abade Geral, Frei José de S. Maria. Do S. Padre CLEMENTE XI obteve o privilégio de indulgência plenária para todos os fies, que, confessados, visitassem, em dia da Sra. da Assunção, a 15 de agosto, a Igreja. Este privilégio, concedido por 10 anos, infelizmente, se perdeu, por já não haver mais quem procurasse a prorrogação do mesmo indulto, acabado o tempo da sua concessão”. Ibid., p. 74. 49 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província 1582- 1827, p. 71. 50 Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 12 51 Dom Martinho JOHNSON, Livro Tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo, p. 6

Page 72: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

71

 

O culto celebrado nas missões jesuítas dos Sete Povos será igualmente rezado pelos bandeirantes, que, ungidos por seus capelães, irão massacrá-los sem piedade. Atenderá o Deus dos missionários e dos profetas pelo mesmo nome que o deus dos guerreiros e dos fariseus? A questão nodal é saber como cada agrupo em situação lê as Escrituras, e interpreta, do ângulo da sua prática, os discursos universalizantes da religião. 52

Em 1610, chegou à cidade de São Paulo o novo governador da Capitania,

Dom Francisco de Sousa, e também “Frei Mateus da Assunção, nomeado prior da

fundação, e mais os padres Frei Antonio da Ascensão ou Assunção e Frei Bento da

Purificação”53. Estes se organizaram na medida do possível para viver a vida

monástica, de acordo com a Regra, e também deram início às obras de construção

do mosteiro. Em 1630, chegaram à São Paulo mais quatro monges e “... mais tarde

o padre João Pimentel54, antigo pároco da vila de S. Paulo, que se fizera monge de

S. Bento na abadia fluminense e agora voltava à vila com o hábito beneditino”55. Frei

João Pimentel construiu um dormitório com quatro celas, junto à Igreja.

O bandeirante Fernão Dias Paes Leme tornou-se um grande benfeitor do

mosteiro de São Paulo. Como retribuição teve apenas um desejo: ser enterrado

dentro do mosteiro:

Grande protetor dos beneditinos, fez construir novo mosteiro e outra Igreja, com a só condição de ter aí sepultura para si e seus descendentes, e ainda concedeu à igreja e ao mosteiro rendas e patrimônio. A Escritura dessa doação foi lavrada a 17 de janeiro de 1650, perante o Abade Provincial do Brasil, Frei Gregório de Magalhães. A comunidade beneditina de São Paulo compunha-se, então, de sete membros.56

Pessoas devotas, amigas e generosas ajudaram os monges na construção do

mosteiro. Alguns benfeitores destacaram-se pelo montante da ajuda. Entre tantos,

                                                       52 Alfredo BOSI, Dialética da colonização, p.15-16 53 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 134. 54 “É provável que a notícia da morte de Manuel Preto tenha chegado no Rio de Janeiro mais depressa do que em São Paulo. Assim, compreender-se-ia a preocupação do beneditino Frei Máximo de enviar logo a São Paulo o seu representante Frei João Pimentel da Rocha para tomar posse dos bens de S. Bento, impedir prováveis invasões e pedir à Câmara nova escritura, a qual foi lavrada a 9 de julho de 1630”. Dom Martinho JOHNSON, Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo, p. 6. 55 Ibid., p. 134. 56 Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 12.

Page 73: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

72

 

há o Capitão-Mor desta cidade Pedro Tacques de Almeida Lara, natural da cidade

de São Paulo, Antonio de Oliveyra Leytão, José da Silva de Goy e o português José

Ramos da Silva Filho, natural da cidade do Porto, Portugal.57 “Outros benfeitores,

vendo a pobreza do mosteiro, contribuíram para o explendor do culto, mandando

fazer novas e ricas alfaias para a Igreja”58. No entanto, há uma lista enorme de

doadores que ao longo dos anos foram surgindo, conforme consta no livro do tombo

do mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo:

Sendo, pois, a abadia pobre e poucos os seus monges, não pôde dar grande desenvolvimento à vida litúrgica. Eram os religiosos, no entanto, piedosos e observantes, por isso respeitados e estimados pelo povo. Embora poucos em número, os beneditinos do mosteiro de São Paulo exerceram influência salutar na sociedade paulista do seu tempo e contribuíram para a catequese e aldeiamento dos índios.59

Em 1760, o novo Abade, Frei Miguel de S. Rita substitui a Igreja abacial por

outra mais ampla e digna do culto divino:

Mandou por isso demolir a igreja antiga e começou a construir outra, cujas obras foram continuadas por seus sucessores (...). Da Igreja antiga conservou-se apenas a torre em que colocaram um relógio com mostrador externo. Fizeram importante melhoramento no edifício do mosteiro.

As eleições para Abades davam-se a cada três anos e a lista é grande até

chegar aos nossos dias. Não é o caso, neste momento, de registrar os nomes e os

feitos de todos os abades do Mosteiro de São Bento de São Paulo. Neste trabalho,

pretende-se apresentar a relevância deste mosteiro em relação à fundação de

outros mosteiros que foram gerados ao longo dos anos. A partir daí, muitas

fundações aconteceram: Mosteiro de N. Sra. do Destêrro da Paraíba, em 1643; nos

arredores da cidade de Salvador surgiu um novo mosteiro, o de N. Sra. das Graças,

no ano de 1647; em Santos, no ano de 1649, fundou-se o Mosteiro dedicado a N.

                                                       57 Foi ele quem obteve a autorização para mudar o título de N. Sra. de Monserrate para N. Sra. da Assunção. 58 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 136. 59 Ibid., p. 137.

Page 74: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

73

 

Sra. do Desterrero; em Pernambuco, no ano de 1656, o Mosteiro dedicado a N. Sra.

dos Prazeres de Guararapes; em Sorocaba, no ano de 1661, foi feita a doação do

terreno, mas somente seis anos depois é que chegaram os primeiros monges.

Inicialmente, o Mosteiro teve o título de N. Sra. da Ponte de Sorocaba, depois se

trocou o nome para N. Sra. da Visitação; em Jundiaí, em 1668, o mosteiro de

Sant’Ana; e no recôncavo baiano surgiu outro mosteiro, no ano de 1670, sob o título

de N. Sra. das Brotas.

Os monges de ontem e de hoje procuram trabalhar com suas mãos, para não

se tornarem um peso para as pessoas. Continuam orando e trabalhando, como é

dito pela Regra Beneditina, colaborando na construção de uma sociedade mais

justa. Quem visita o Mosteiro de São Bento em São Paulo pode perceber a beleza

de todo o conjunto arquitetônico. Ontem e hoje, os mosteiros esforçam-se para viver

o verdadeiro espírito cristão, ajudando as pessoas a fazer uma experiência divina:

Contudo, nos seus mosteiros, respirava-se paz, saboreava-se bom canto religioso e apreciavam-se dignas cerimônias litúrgicas. Muitas almas, atormentadas pelas agitações e dissabores da vida, encontravam nos mosteiros um oásis de serenidade, uns momentos de tranqüilidade e de distensão espiritual. Isto quando neles havia sincera prática do espírito monástico.60

3.2- Contexto histórico 3.2.1 – Escravidão e invasão holandesa

Os mosteiros fundados até 1596 eram subordinados diretamente a Portugal,

mas a partir desse ano os mosteiros do Brasil formaram uma província, sendo os

mosteiros de Olinda e do Rio de Janeiro elevados à categoria de abadia.61 Tudo

estava caminhando em pleno desenvolvimento espiritual e material, até que a

invasão dos holandeses teve início no ano de 1624 na Bahia. Essa invasão

prejudicou muito a obra dos beneditinos no Brasil, principalmente nos mosteiros do

nordeste:

                                                       60 Arlindo RUBERT, A Igreja no Brasil, p. 231 61 “Em 1596, a Congregação portuguesa determinou que os mosteiros do Brasil se instituíssem em Província à parte, embora sob a sua dependência. Consequentemente a esse ato, os mosteiros do Rio de Janeiro e de Olinda foram elevados a Abadia, enquanto que o da Bahia passou a ser designado como cabeça da Província Brasileira em 1612”. Antonio de Paula DUTRA, Ora et Labora, Revista Mensal Religiosa, p. 2.

Page 75: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

74

 

Em princípios do século XVII, a cidade de São Salvador foi apanhada pelo infortúnio, com a invasão dos holandeses. Sendo ferrenhos seguidores dos princípios luteranos e calvinistas, não iriam poupar os católicos e muito menos seus templos. O Mosteiro de São Bento passou maus momentos. Num recuo estratégico, para o assalto e tomada da cidade, os holandeses se aquartelaram62 no mosteiro para passarem a madrugada63, quando, então, deram início à devastação do templo. Com o domínio da cidade, expulsaram os beneditinos, saqueando tudo e depois destruíram o que podiam do mosteiro.64

Após um ano da invasão do mosteiro de Salvador, os monges voltaram e a

eles se juntaram mais três monges vindos de Portugal para ajudar na reconstrução.

“Tarefa que conseguiram, rapidamente, ainda que com grandes sacrifícios. Também

desta vez foram os monges eficazmente auxiliados por gente generosa”65.

Na Capitania de Pernambuco, a invasão deu-se aos 16 de fevereiro de 1630.

Os monges fugiram de Olinda, escondendo-se em vários lugares e sempre foram

ajudados por pessoas devotas e generosas. Em 1632, dois anos após a presença

dos inimigos, aconteceu a trágica destruição do mosteiro de Olinda, sendo suas

pedras arrancadas para a residência do Conde de Nassau. Em 1654, vinte e quatro

anos após a invasão, os monges voltaram para Olinda e começaram imediatamente

a reconstrução do mosteiro. Até os nossos dias esse mosteiro continua de pé, como

outro marco histórico da Ordem Beneditina no Brasil.

No mosteiro da Paraíba, os monges também precisaram fugir para não serem

mortos. No ano 1655, quando eles voltaram, viram somente a ruína e a destruição,

encarando a grande pobreza com espírito de fé:

Depararam com a completa destruição de seu convento, encontrando, apenas, um monte de escombros no lugar da habitação que tinham deixado e cuja direção vinham reassumir. O que restava do antigo edifício eram, apenas, as paredes. Tão arruinado ficara que tiveram de recolher-se a uma pequena casa térrea, onde permaneceram por mais de quatro anos. Como o convento estivesse totalmente saqueado e desprovido de meios de que

                                                       62 A palavra “aquartelaram” está presente no texto do qual foi copiado e quer dizer que os holandeses, transformaram o convento em quartel a partir daquela noite. 63 Verificar no livro de Affonso RUY, História política e administrativa da cidade do Salvador, p. 135. Informação retirada de Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 22 64 Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p. 22. 65 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582- 1827, p. 84

Page 76: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

75

 

pudessem valer, foram obrigados a viver na maior indigência, sofrendo tão grandes privações que nem para o necessário tinham recursos. Por isso, o Rvdo. Abade Frei Antônio dos Reis permitiu a seus religiosos a utilização de um pequeno pecúlio com que provessem ao seu sustento. Suportaram, entretanto, com resignação, a grande pobreza a que havia reduzido a depredação do antigo convento.66

Terminada a reconstrução do mosteiro da Paraíba, os sinos voltaram a

ressoar por toda parte após vinte anos em silêncio. Com a situação da invasão

holandesa, todas as pessoas que moravam nas proximidades dos mosteiros

empobreceram, pois dependiam dos mesmos. As fazendas e os escravos dos

mosteiros foram abandonados e grande parte da mão-de-obra escrava estava

foragida. Dezessete anos antes da libertação dos escravos e da assinatura da Lei

Áurea, os beneditinos já tinham realizado a libertação dos mesmos:

Os Frades de São Bento (e outras “religiões” como franciscanos e carmelitas) não mostravam a solicitude dos padres da Companhia em reduzir os indígenas para convertê-los e estavam longe de considerar essa a missão “principal” que os trouxe ao Brasil. Não deixaram, é certo, de preservá-los em aldeias para os defender, se necessário, das tiranias dos brancos e mamelucos.67

Ou ainda:

O antiescravista foi o Abade Geral do Mosteiro de São Paulo que pediu licença ao Geral da Ordem para libertar mil escravos pardos, quase brancos, para servirem na guerra. Nem se diga que a alforria, objetivando o serviço do exército, minimiza a beleza deste gesto. Há um trecho de Joaquim Nabuco profundamente significativo: “Essa cooperação dos escravos com o exército era enobrecimento legal e social daquela classe. Nenhum povo, a menos que haja perdido o sentimento da própria dignidade, pode intencionalmente rebaixar os que estão encarregados de defendê-lo, os que fazem profissão de manter a integridade, a independência e a honra nacional. Por isso não era o exército que o Governo humilhava indo buscar soldados nas fileiras ínfimas dos escravos; eram os escravos todos que ele elevava. Entre o senhor qu ele fazia titular, e o escravo que fazia soldado, a maior honra para este. A significação de tais fatos não podia ser outra para a massa de escravos brasileiros, senão que o Estado, por sua própria dignidade, procuraria no futuro fazer cidadãos os companheiros daqueles que tinham ido morrer pela

                                                       66 Dom José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582- 1827, p. 85 67 Dom Martinho JOHNSON, prefácio, Livro do tombo do Mosteiro de São Paulo, p. XX.

Page 77: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

76

 

pátria no mesmo dia em que tiveram uma. A influência, na imaginação dessa classe, de semelhantes atos dos poderes públicos, aos quais ela atribui, na sua ignorância supersticiosa, mais coerência, memória, respeito próprio e sentimento de justiça do que eles com efeito tem, devia ter sido muito grande. Desde esse dia pelo menos o Governo deu aos escravos uma classe social por aliado: o Exército. No dia 3 de maio de 1866 o Capítulo Geral declarou livre todos os que nascessem dentro dos muros dos conventos beneditinos. Este modo de agir inspirou a Lei do Ventre Livre. Três anos depois o Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, promovia a libertação de toso os seus escravos com mais de 50 anos e, em 1871, manumitia três mil cativos. No tocante a este posicionamento, Joaquim Nabuco faz esta interpretação: “Os monges de S. Bento forravam os seus escravos e isso produziu entre os panegiristas dos conventos uma explosão de entusiasmo.68

No final do século XIX, alguns viajantes estrangeiros, ao visitar o Brasil,

ficaram maravilhados com a beleza das abadias. Um deles, chamado Sir George

Stauton,69 escreveu em seu diário de viagem, em 1798, para o rei de da Inglaterra,

sobre a situação dos escravos e a possibilidade de alguns escolhidos estudarem em

Portugal:

Sozinhos, os beneditinos tinham cerca de 1.00070 escravos nas plantações. O monge desta ordem, sendo muito opulento, praticava atos de caridade, porém apreciava mais exercer a hospitalidade. Os freis beneditinos, quanto ao todo de seus escravos, tiveram a oportunidade de observar que a prole que havia entre brancos e negros era geralmente dotada de inteligência e capacidade. Alguns desses eles criavam cuidadosamente, e os educavam com tal sucesso, como se fossem projetá-los sem mais obséquios para uma universidade portuguesa, a fim de terem formação literária. Esses freis mencionavam com certo orgulho que uma pessoa de raça mista (mulata) tinha alcançado promoção para lecionar em Lisboa71.

                                                       68 José Geraldo Vidigal de CARVALHO, A Igreja e a escravidão, p. 69. 69 “Súdito de sua majestade britânica, foi o autor de uma referência crítica a qual se enraizou em nossa literatura histórica. São dele as frases célebres sobre o que se convencionou chamar escravos brancos de São Bento”. Luiz Gonzaga PIRATININGA JUNIOR, Dietário dos Escravos de São Bento, p. 30 70 “Alguns números servem para que melhor nos situemos a respeito do volume de mão-de-obra escrava em São Bento. Estima-se, quando da alforria geral de 1871, que esse número passava de 4.000 escravos, em todo o país. No Rio, em 1834, calculou-se 1.497 escravos. Em Campos, por exemplo, havia 457. Um outro documento deu-nos um número um pouco menor: 442. O total das fazendas de Jacarepaguá parece ser menor. Estimamos em torno de 300, no período de maior produtividade, no século XVIII. Na fazenda de Iguaçu, no rol de 1685, havia 48 escravos trabalhando no engenho de açúcar. Eram 21 adultos homens e 27 mulheres, quase todos de “enchada e fouce”. O inventário dos bens beneditinos, realizado em 1833, dá um total de 1.097 escravos para a província fluminense. Desses, 45 no mosteiro, 18 na ilha do Governador, 178 em Iguaçu, 293 em Camorim-Vargem, 41 em Maricá, 6 em Cabo Frio e 516 em Campos. Entre os dados de 1833 e 1834, há uma discrepância numérica, que pode ser erro de avaliação, fugas, mortes etc”. Ibid., p. 30-31. 71 Ibid., p. 30.

Page 78: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

77

 

Os escravos ou índios72 trabalhavam nas cozinhas ou nos serviços gerais da

sacristia. Faziam o transporte de qualquer mercadoria, até mesmo dos monges em

cadeiras, quando faziam pequenas viagens. No dia a dia trabalhavam na lavoura,

nas olarias, nas oficinas, nos reparos dos edifícios, cuidavam do gado, das galinhas

e dos porcos. “O balanço das relações entre a Igreja e a escravidão no novo mundo

é sensivelmente desastroso: em geral, o clero é proprietário de escravos, cumprindo

para com a administração papel legitimador”73. Porém, há vozes em discordância:

A condenação, mais do que explícita, da Igreja à escravidão, encontra-se nas duas bulas de Paulo III, Véritas ipsa e Sublimis Deus, ambas de 02/06/1537 (uma é continuação da outra), em que o papa diz textualmente: “... os mesmo índios e todas as demais gentes que vierem à notícia dos cristãos, ainda que estejam fora da fé de Cristo, não estão privados, nem devem sê-lo, da sua liberdade, nem do domínio de seus bens e não devem ser reduzidos à escravidão.”74

A história da escravidão em nosso país precisa ser conhecida e assumida

como uma página sangrenta. Na época, alguns homens da Igreja não questionavam

a situação dos escravos, entendendo-os como um bem necessário. Por outro lado,

alguns homens da Igreja gritavam e faziam algo de concreto contra a situação

desumana e nada evangélica:

Os religiosos de modo geral acompanharam o pensamento da Igreja no que se refere à escravidão negra. Sucedia, porém, que a rigidez institucional de seus “bens eclesiásticos”, que gozavam de uma verdadeira “sacralidade” jurídica, obstaculizavam uma atitude revolucionária no sentido da libertação

                                                       72 “Bem poucos pormenores temos da assistência que aos índios de Pinheiros, fizeram os beneditinos durante a meia dúzia de décadas em que regeram a aldeia, até que viesse a lei pombalina da libertação geral dos índios. Quase nada, a tal respeito, falam os autores que se ocuparam deste assunto... numerosas, porém, são as referências da assistência contínua dos religiosos à sede de sua missão. Assim nos livros da Mordomia freqüentes são as notas de despesas como estas para o Pe. Fr. Joseph que assiste em Pinheiros, e as informações de viagens de índios da aldeia levando monge a missionar pelas vizinhanças ou à Parnaíba, Araçariguama, etc... Com a libertação geral dos índios decretada por Pombal em 1758, não deixaram os beneditinos de São Paulo a prestar assistência à sua aldeiola de autóctones. Lá continuou a residir um padre superior. Prova-o exuberantemente o falecimento na aldeia do superior da Missão, Fr, Francisco da Purificação, a 8 de março de 1761”. Dom Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 81. 73 Enrique DUSSEL (org.), História Liberationis - 500 anos de História da Igreja na América Latina, p. 531. 74 Maurilio Cesar LIMA, Breve história da Igreja no Brasil, p. 41.

Page 79: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

78

 

dos escravos. Daí ter sido corajosa a atitude prática, de iniciativa dos beneditinos, no tocante à libertação de seus escravos.75

A Igreja é feita de pessoas, que, infelizmente, em alguns momentos

históricos, compactuaram com certas injustiças sociais, deixando de lado a prática

do Evangelho. Mas, por outro lado, dentro da mesma Igreja, sempre houve vozes

que gritavam contra as práticas de desamor ao próximo. É necessário ter um amplo

olhar histórico e crítico para emitir juízos precisos sobre decisões do passado:

O que fica difícil de explicar é como a Igreja, tão intransigente na defesa da liberdade dos nativos, foi tão condescendente com a escravidão negra, a ponto de permiti-la e até usá-la. Parece que a explicação plausível deve basear-se na mentalidade da época.76

Em 1720, a Província Beneditina no Brasil contava com sete abadias77 e

quatro presidências78. A Presidência era um mosteiro autônomo, porém não podia

ter noviciado; somente as abadias podiam ter noviciado próprio. Tanto as abadias,

as presidências e os mosteiros recebiam a visita do provincial de três em três anos,

o qual auxiliava nas necessidades e corrigia os abusos que porventura encontrasse.

No fim do triênio apresentava um relatório ao Capítulo Geral. Porém, como vimos, a

história beneditina no Brasil é marcada por idas e vindas. Além da invasão

holandesa, os beneditinos encontraram outras dificuldades relacionadas à figura do

Marquês de Pombal.

3.2.2- A questão de Pombal

No início do século XVII, os religiosos no Brasil tiveram a expansão de suas

propriedades, como as imensas fazendas e os engenhos:

                                                       75 José Geraldo Vidigal de CARVALHO, A Igreja e a escravidão, p. 68. 76 Maurilio Cesar LIMA, Breve história da Igreja no Brasil, p. 41 77 “Local (um conjunto de edifícios com habitações, igreja, dependência etc.) que abriga uma comunidade religiosa monástica: mosteiro onde monges ou monjas vivem em retiro, cumprindo votos, mosteiro. Comunidade, associação ou instituição religiosa à qual pertencem esses monges ou monjas, dirigidos por abade ou abadessa. Território sob a autoridade eclesiástica de abade ou abadessa”. Antônio HOUAISS, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p. 4, no verbete: Abadia. 78 Posição ocupada por um mosteiro antes de ser elevado a uma abadia.

Page 80: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

79

 

Os religiosos tornavam-se progressivamente senhores de grandes latifúndios e inúmeras fazendas, principalmente no norte e nordeste do país. Também as autoridades locais e pessoas particulares faziam doações aos religiosos. Quase todos os colégios dos jesuítas sustentavam-se mediante a administração de fazendas e engenhos recebidos como dotação ou herança. No Norte, os carmelitas e mercedários tornaram-se poderosos senhores territoriais. 79

Por outro lado, em 1759, Pombal expulsou os Jesuítas do Brasil:

A política de Portugal foi sempre de restrição à vida das Ordens religiosas. Constitui um elenco bastante numero o conjunto de leis e decretos que pouco a pouco foram reduzindo todas as atividades dos religiosos, até chegar à supressão explicita de conventos e províncias.80

Ainda sobre este ocorrido, é possível afirmar:

Uma das razões mais fortes dessa oposição do governo era o poderio econômico das ordens religiosas. Supressos os jesuítas, continuavam os carmelitas, mercedários e beneditinos possuidores de vasto domínio de terras e outros bens patrimoniais que despertavam a cobiça dos poderes públicos, os quais alegavam com freqüência a improdutividade desses bens. Eram bens de mão morta, conforme a terminologia da época.81

A situação de medo tomou conta de todos os religiosos, pois começaram

algumas ameaças ao fechamento dos noviciados:

O período de fastio coincide com a primeira metade do século XVII. Em geral, a esse tempo, quase todas as ordens religiosas haviam atingido grande prosperidade. Havia um número de monges, que se renovava constantemente pela entrada livre de noviços. A situação só mudaria a partir da segunda metade desse século, quando Pombal deu início a uma política severa contra as ordens religiosas. A independência econômica e política que possuíam, de algum modo, atrapalhava o governo e gerava desconfianças no clero secular. Expulsa os jesuítas do país e reverte os bens para a Coroa. A seguir, começaram as restrições periódicas ao noviciado.82

                                                       79 Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil II/1, p. 220 80 Ibid., p. 222. 81 Ibid., p. 222. 82 Luiz Gonzaga PIRATININGA JUNIOR, Dietário dos Escravos de São Bento, p. 29.

Page 81: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

80

 

Os bens que os religiosos possuíam haviam aumentado muito, sobretudo o

número elevado de escravos. Isto incomodava a muitos, principalmente a Pombal:

“Os muitos bens religiosos eram, na verdade, o motivo desse jogo político, e, no

caso, principalmente o montante de escravos”83.

Realmente, após ter fulminado a gloriosa Companhia de Jesus com os raios da sua injusta quanto desumana arbitrariedade, o ímpio ministro entendeu, que, também, entravam os institutos monásticos no rol dos obstáculos que se opunham à grandeza e prosperidade de sua pátria. Por isso, habituado a executar qualquer projeto que porventura tivesse formado, sem curar muito da justiça, dos meios e da dignidade das armas utilizadas, julgou Pombal que convinha descarregar os golpes de seu poder despótico sobre a Ordem e São Bento. 84

Em 1763, quando o vice-rei Conde de Cunha tomou posse no Rio de Janeiro,

escreveu a Pombal dando informações sobre o clero da época: “Padres e frades são

ignorantes, que o bispo os ordenavam sem escrúpulos, que os moços se faziam

frades para não servirem nas milícias e viviam numa escandalosa liberdade, que o

número de frades nos três conventos era demais”. 85

Aos 31 de janeiro de 1764, cinco anos após ameaças, agora Pombal, por

meio de um aviso ministerial, proibiu os noviciados no Brasil e em Portugal:

Foi proibida, em nome do soberano, a recepção de noviços nas corporações monásticas de Portugal e do Brasil, ordenando, ao mesmo tempo, que se mandasse uma relação circunstancial de todos os mosteiros, casas e residências com o número de sacerdotes, coristas e irmãos leigos como das suas respectivas rendas.86

Porém, tal fato apresenta outras vertentes:

Nem se pode esquecer entre as causas dessa crise da vida religiosa a própria decadência do espírito religioso dos monges e frades. Essa decadência é

                                                       83 Luiz Gonzaga PIRATININGA JUNIOR, Dietário dos Escravos de São Bento, p. 30. 84 José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província- 1582-1827, p. 136-137. 85 Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil tomo II/1, p. 220. 86 Ibid., p. 137.

Page 82: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

81

 

mais nítida e acentuada nas comunidades masculinas. Assume diversos aspectos, entre os quais a procura de bem-estar e comodismo por parte dos religiosos, chagando até certa ostentação nos conventos, o relaxamento da disciplina eclesiástica, o mundanismo, a fuga da vida comum, os privilégios e exceções à observância regular. 87

Com a proibição de receber noviços, o número de candidatos diminuiu muito,

a disciplina monástica decaiu e a esperança de um futuro para a Congregação

Beneditina quase desmoronou88. Mas, Dona Maria I, rainha piedosa e devota, subiu

ao trono português e o ministro Pombal foi afastado do seu cargo:

A tormenta prestes a desabar para arrasar tudo foi, felizmente, desviada, porque, com a subida ao trono de Portugal de Da. Maria I, o perigoso ministro foi afastado, condenando esta piedosa rainha de sempre grata memória, muitas das tirânicas disposições do reinado anterior.89

Esta tormenta havia terminado e houve um curto período de paz. Em Portugal

e no Brasil, as ordens religiosas podiam receber seus noviços, mas isto durou pouco

tempo: “Pois em 1789, por decreto de 21 de novembro, criou-se a “Junta do exame

do estado actual e melhoramento das ordens religiosas”, encarregada de consultar

sobre todos os negócios desta especialidade”90. No final do século XVIII, o governo

português dava ordens para vender todos os bens dos Beneditinos no Brasil:

O governo de Portugal dava ordens, para se venderem os bens dos Beneditinos da Província do Brasil, dos quais possuía relatório circunstanciado. Quão serio foi este perigo se vê do ofício que o Governador D. Fernando José de Portugal, mandou ao Visconde de Anadia com a data de 9 de setembro de 1801, que é o do seguinte teor: “Com o recebimento da carta régia de 6 de fevereiro passado fica este Governo na inteligência de que se deve suspender a venda dos propriedades urbanas e rústicas que os Religiosos Beneditinos possuem nesta Capitania (da Bahia), insinuadas na carta régia de 19 de maio de 1799, visto terem os Beneditinos entrado nos cofres da Real Fazenda da Capitania do Rio de Janeiro com a quantia de

                                                       87 Eduardo HOORNAERT, História da Igreja no Brasil tomo II/1, p. 222. 88 “Estado de noviço, condição de quem entra em determinada ordem religiosa para professar. Período de aprendizagem e de provação a que submetem aqueles que desejam professar uma religião”. Ibid., p. 2031, no vocábulo: Noviciado. 89 José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província - 1582-1827, p.137. 90 Ibid., p. 138.

Page 83: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

82

 

100:000 cruzados como um donativo ou dom gratuito que Sua Majestade se digna aceitar-lhes”. 91

Observemos a carta que se encontra nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio

de Janeiro, 1914, t. 36, p. 420, n. 22.826:

Ao mesmo tempo em que deixou vigorar esta Junta, também foi revogado o aviso proibitivo e reabriram-se os noviciados. O que, sobretudo, influiu no espírito do governo para tal procedimento não foi a mera extinção desta Junta, mas o reconhecimento dos serviços, que acabaram de prestar as ordens regulares durante a invasão francesa (1807-1810).92

O direito de propriedade foi restituído aos Beneditinos e todos agradeceram

ao Pai São Bento pelos benefícios recebidos. Em 1822, com a Independência do

Brasil, a situação dos Beneditinos ficou um pouco delicada. Todas as instituições

civis haviam cortado relações com Portugal, exceto a religião, porque Portugal era a

grande metrópole que realizava as eleições para cargos significativos:

Quanto à Ordem de S. Bento, a interrupção por alguns anos das relações com Portugal, depois da independência do país, causou não poucas dificuldades aos mosteiros da Província, visto os cargos da mesma não terem sido renovados depois deste acontecimento político. Assim, o Capítulo Geral de 1825, celebrado no Mosteiro de S. Martinho de Tibães, havia omitido as eleições dos prelados brasileiros, em virtude da emancipação política do Império. Os cargos estavam, pois, todos providos interinamente, o que não era regular nem conveniente à boa administração dos mosteiros.93

Em meio à situação política em que os Beneditinos encontravam-se, surgiu,

em 1827, a Congregação Beneditina Brasileira, cujo pedido foi feito através do

governo brasileiro. “Em tais circunstâncias resolveu a Província dirigir-se ao

Imperador, pedindo sua interferência junto a Santa Sé, para obter a independência

                                                       91 José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província - 1582-1827, p. 138. 92 Ibid., p. 138. 93 Ibid., p.141.

Page 84: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

83

 

da Província e sua ereção em Congregação própria e autônoma”94. O Papa Leão XII

concedeu o pedido através da bula Inter Gravíssimas95:

Em primeiro de julho de 1827, em que o Santo Padre Leão XII declarava desmembrada da Congregação de Portugal os mosteiros do Brasil e os constituía em Congregação independente sob a denominação de Congregação Beneditina Brasileira, regendo-se pelas Constituições, até então em vigor na Província do Brasil.96

Em 1829, realizou-se o primeiro Capítulo Geral no Brasil, onde foi eleito o

primeiro Abade Geral da Congregação Beneditina Brasileira, Frei José de S.

Escolástica Oliveira. A Congregação Beneditina Brasileira possui um brasão com

símbolos interessantes da Ordem, respeitados até os nossos dias97. Uma das

                                                       94 José Lohr ENDRES, A Ordem de São Bento no Brasil quando Província - 1582-1827, p.141-142. 95 A Bula Inter Gravíssimas diz: Mandamos, pois, que aquele que atualmente desempenha o cargo de Abade Provincial... dirija inteiramente essa Congregação com todos os direitos, honras e privilégios que competem ao Superior Geral da Congregação Lusitana, e convoque o mais cedo possível o Capítulo Geral no mosteiro de S. Sebastião, a fim de cuidar da pronta e canônica eleição do Superior Geral. Sendo com esta diretriz efetivamente constituída a nova Congregação dos monges da Ordem de São Bento do Império do Brasil. Nós lhe liberalizamos, para sempre, todos os privilégios, isenções, honras e prerrogativas de que consta que dantes foram legitimamente concedidos à congênere Congregação existente em Portugal. Joaquim LUNA, Os monges Beneditinos no Brasil, p. 24. 96 Ibid., p. 24. 97 “O desenho do brasão beneditino é da autoria da irmã Gertrudes Marker. Foi reproduzido, com ligeiras alterações do que se acha na folha de rosto das antigas constituições dos monges de Portugal, que datam de 1629. Representa as armas da Congregação Beneditina Brasileira que se originou de sua antiga matriz, a Congregação Beneditina Lusitana. Após a separação, a Congregação Beneditina Brasileira continuou com as mesmas armas. No início da Idade Média, os Mosteiros beneditinos da Europa começaram a atribuir a São Bento armas heráldicas, por ter sido ele filho da tradicional família dos Anícios, cujos antepassados eram os senhores de Núrsia. Segundo informa Dom Clemente da SILVA-NIGRA, um pergaminho da Abadia suíça de São Galo apresenta como armas do Patriarca São Bento, um escudo partido com os elementos principais do escudo dos seus antepassados. Na primeira área, em campo azul, uma torre branca (originada das armas da Mãe de São Bento, tendo-se omitido as duas árvores. Na segunda, em campo vermelho, o leão de outro (provém do bisavó de São Bento), datando a Heráldica, documentalmente, dos fins do século XI. É evidente que São Bento, nascido em 480 e falecido em 21 de março de 547, não conheceu tais armas. Cumpre ressaltar, com Dom SILVA-NIGRA, que os monges de Portugal, em por conseguinte os do Brasil, foram os únicos a conservarem o primitivo escudo beneditino. A nossa Congregação, filha de Portugal, tem pois as seguintes armas: um escudo partido, sendo o primeiro campo azul com a torre em prata firmada num contra chefe de verde, saindo-lhe da porta um rio de prata aguado de azul, e encimado por um sol de ouro com feições humanas irradiando pontas. Consoante o simbolismo heráldico, a torre ou o castelo significam refúgio, proteção, segurança. A porta aberta indica liberalidade, e o rio, que dela emana, é o emblema da vida. O sol antropomorfo é símbolo da Divindade, e, por isso, também da eternidade, da glória e da verdade. Consta o segundo campo do escudo de um leão rampante de ouro sustentando um báculo em pala do mesmo. O leão rampante com as patas da frente levantadas indica vigilância, pois os antigos julgavam que o rei dos animais dormia com os olhos abertos. Significa também: força, magnanimidade, nobreza. Empunha o báculo, representando a Autoridade em administrar a Justiça. Sobre o bordo superior do escudo vê-se a mitra

Page 85: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

84

 

primeiras preocupações, do primeiro Abade da Congregação Beneditina Brasileira,

era a reabertura do noviciado. Ele escreveu ao Abade do Rio de Janeiro, que tinha

certa influência junto ao Governo, sobretudo com a chegada da segunda imperatriz

ao Brasil: “Em consequência das leis de proibição de se receberem noviços, as

quais vinham sendo decretadas com intermitências desde o tempo de Pombal, os

claustros do Brasil se despovoavam, diminuindo o número dos seus monges”98. A

carta foi esquecida e o Regente Feijó concedeu uma licença ao Abade Geral da

Congregação para escrever um requerimento ao Núncio Apostólico na Côrte do

Brasil, Mons. Pedro Ostini. Fez um longo relatório da história dos Beneditinos no

Brasil. No dia 4 de setembro de mesmo ano, o Núncio Apostólico outorgou a licença

para eleger os Abades e todo o conselho.

Houve uma troca de correspondência ente Feijó e o Núncio Apostólico,

quando finalmente o Núncio enviou uma circular para todos os superiores dos

religiosos e também para o Regente Feijó, desejando que todos os institutos

crescessem. Ao longo de quase seis anos, houve uma correspondência epistolar

entre o governo e os Beneditinos:

O certo, porém, era, como faz notar o Cônego Christiano Muller, que o Governo não queria atender ao ponto principal necessário para a reforma, isto é a admissão de noviços que viessem insulflar vida nova nesses claustros quase moribundos, pois extinta a Ordem com o desaparecimento do último monge, tornar-se-ia senhor dos bens. Assim, entendeu de apertar o cerco aos institutos religiosos, transformando-os em quartéis com grande detrimento para a disciplina e observância monásticas e estrago material em seus edifícios, em suas bibliotecas, em seus arquivos. Fato que se deu na Bahia e no mosteiro do Rio de Janeiro, que obrigou os monges deste a se transferirem para uma dependência da abadia.99

Segundo Luna, para o governo não era interessante a abertura do noviciado,

pois com a extinção da Ordem Beneditina no Brasil, o governo se tornaria                                                                                                                                                                          abacial, de prata com ornatos de ouro, emblema da dignidade eclesiástica. O ornato exterior do escudo apresenta-se em cartela pontuada (ouro), própria da heráldica da Igreja, e é ornato característico do século XVII. As cores do escudo estão indicadas conforme a solução dada, em 1638, pelo Jesuíta italiano Silvestre Petra Santa, a saber: o ouro representa-se por pontos, a prata por uma superfície lisa, o vermelho por tracejado vertical, o azul por um tracejado horizontal e o verde por traços em banda. Dom Martinho JOHNSON, Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 197-198. 98 Joaquim LUNA, Os monges Beneditinos no Brasil, p. 26. 99 Ibid., p. 24.

Page 86: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

85

 

proprietário de todos os bens da Ordem. Com a política do governo, lentamente a

Família Beneditina caminhava para a extinção. Em 1834, havia apenas cinqüenta e

dois monges na Ordem com idade avançada, divididos nos vários mosteiros e

abadias localizados em várias regiões do império:

Entretanto em junho de 1835 uma aura bonançosa animou a Congregação, despertando o ânimo e a esperança dos monges. A Assembléia provincial da Bahia animada de zelo pela justiça e pelo brilho da religião, aproveitando-se das prerrogativas que lhe concedera o ato adicional da Constituição, legisla sobre os conventos e expede autorização para se admitirem 30 noviços em cada uma das Ordens de S. Bento, de S. Francisco e de Nossa Senhora do Carmo.100

Com a admissão de noviços, a Ordem Beneditina ganhou esperanças, pois os

novos monges deram continuidade à tradição beneditina de oração e de trabalho e o

temor da extinção da Ordem no Brasil foi superado:

O Arcebispo Primaz, o grande D. Romualdo Antonio Seixas, como prova do seu apreço à Ordem Beneditina e imensa satisfação pela abertura do noviciado e particular estima ao novo Abade Geral, dignou-se chegar até à velha abadia de São Bento e com as próprias mãos impor o habito monacal aos dez primeiros candidatos ao noviciado canônico. Nessa ocasião ao dirigir a palavra aos noviços, D. Romualdo salientou os méritos do Prelado beneditino, dizendo-lhes acharem nele mais um pai que um chefe, um verdadeiro amigo, um conselheiro fiel e zeloso da santificação das almas. E o Arcebispo serve-se do ensejo para manifestar publicamente a sua gratidão ao Abade Geral pelos bons serviços prestados àquela Arquidiocese como lente de teologia dogmática no seminário desde 1815, ano da sua fundação. Ficou assim o dia 17 de setembro de 1835 registrado nos anais da Congregação Beneditina Brasileira como um a data de máximo regozijo para o vetusto cenóbio da cidade do Salvador e aurora de esperança para todos os mosteiros do Brasil.101

Em 1855, o ministro da justiça trancou novamente o noviciado e os jovens

não podiam mais ingressar na Ordem Beneditina:

                                                       100 Joaquim LUNA, Os monges Beneditinos no Brasil, p. 34. 101 Ibid., p. 35.

Page 87: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

86

 

Por simples aviso de 19 de maio de 1855 do ministro da Justiça, foram trancados de vez os noviciados. Esta resolução do Governo foi comunicada por carta circular aos prelados das ordens religiosas, aos bispos e ao presidente de província. Na circular dizia o ministro que ficavam cassadas as licenças concedidas para entrada de noviços, até que fosse realizada a concordata que à S. Sé ia o Governo propor. No entanto o governo jamais tratou de propor a Roma a aludida concordata, e os conventos começaram a se despovoar, a ponto de, com a continuação do tempo, muitos deles ficarem só com um ou dois religiosos e em geral de idade avançada. 102

Alguns jovens brasileiros foram enviados à Roma para fazerem o noviciado e

receberam a ordenação presbiteral em 1875, mas:

... quando se dispunham a regressar à pátria, o governo imperial por aviso do ministro da Justiça, visando naturalmente os três jovens monges, declara que as profissões religiosas de súbditos brasileiros, feitas no estrangeiro para os mosteiros do Brasil, não eram aqui reconhecidas nem validas.103

Os três jovens monges ficaram nos mosteiros da Europa e a Ordem dos

Beneditinos no Brasil estava quase morta, devido ao pouco número de membros e

da idade avançada de muitos. Enfim, a situação da Congregação Beneditina no

Brasil só foi resolvida após a Proclamação da República em 1889:

Quando menos se esperava, um acontecimento veio mudar a situação religiosa no país. Caiu em 1889 a Monarquia e com ela foi sepultado o regalismo que manietava a Igreja no Brasil. Sucedeu-lhe então a República. E o novo regime, não obstante guiado por uma Constituição agnóstica, deu indiretamente liberdade à Igreja, e assim as ordens religiosas puderam tomar alento e receber vida nova.104

O Abade geral e os padres capitulares, aproveitando-se da situação religiosa

na qual se encontrava a Ordem dos Beneditinos no Brasil, escrevem uma carta ao

Papa Leão XIII:

                                                       102 Joaquim LUNA, Os monges Beneditinos no Brasil, p. 37. 103 Ibid., p. 37. 104 Ibid., p. 39-40.

Page 88: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

87

 

Expunham a situação aflitiva em que se achavam a Congregação. Cumpunha-se de 7 abadias e quatro presidências com o total de 19 monges. Nesses claustros, outrora observantes e fervorosos, já não havia mais a vida regular monástica. Alguns estavam fechados e os outros eram habitados por um ou dois monges. Nessas condições, era impossível restaurar-se a Congregação com as próprias mãos. Pediam, portanto ao Santo Padre que mandasse alguns monges de boa observância dos mosteiros da Europa para empreenderem aqui, com a abertura dos noviciados, a restauração da vida monástica nesses veneráveis cenóbios.105

Esta carta e a atitude do Papa Leão XIII iniciou uma nova etapa na história

dos monges beneditinos no Brasil, uma vez que através dela houve um

reavivamento dos mosteiros e a presença de novos monges. Lentamente, eles

foram sendo restaurados.

3.3 – Restauração dos beneditinos no Brasil

Roma, sentindo a necessidade de restaurar a Ordem Beneditina no Brasil,

encarregou a Congregação de Beuron 106 para essa missão, sendo designado como

chefe da missão Dom107 Gerardo108 Van Caloen, Aquiabade Primaz da

Congregação, que chegou ao Brasil em 1895. No mesmo ano iniciou-se o processo

de restauração da Ordem Beneditina no Brasil.

Luna relata um fato marcante, que deixa bem explícita a luta dos monges

brasileiros, quanto às reformas que estavam sendo implantadas. No início do século

XX, o Abade do Rio de Janeiro não aceitou a restauração da sua abadia. Para

transpor esse obstáculo, Dom Domingos obteve da Santa Sé, em 1902, a

transferência provisória de sua residência da Bahia para o Rio de Janeiro.

O velho Abade do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro se recusava a

receber os religiosos. Porém, o Abade Geral recorreu à justiça federal, que lhe

concedeu um mandato de posse da abadia. Protegido por força policial, Dom

Domingos tomou posse da Abadia de São Bento, gerando revolta na população, que                                                        105 Joaquim LUNA, Os monges Beneditinos no Brasil, p. 39-40. 106 Congregação Beneditina da Alemanha - Beuron. 107 “No ano de 1907 a Congregação Brasileira alcança uma nova era: quatro abades de mosteiros brasileiros recebem a bênção abacial: Dom Chysostomo de SAEGHER (Rio), Dom Majolo de CAIGNY (Bahia), Dom Pedro ROESER (Olinda e Paraíba) e Dom Miguel KRUSE (São Paulo). Cessa a era dos Freis de Tibaes na Bahia, e a Ordem se revigora com a nova era dos Dons”. Ibid., p. 18. 108 Gerárd, em belga; preferencialmente usarei Geraldo em português.

Page 89: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

88

 

apoiava o velho Abade. A população invadiu a abadia e os monges foram obrigados

a fugir. Para resolver a situação, o governo mandou o exército para acalmar a

revolta. Todas as pessoas foram retiradas da abadia, possibilitando que os monges

retornassem. O exército garantiu a segurança até que a calma retornasse à cidade.

As propostas que Dom Gerardo apresentou estavam baseadas na

Congregação de Beuron e não foram aceitas com facilidade. Os Beneditinos da

Congregação Brasileira se recusavam a aceitar que os noviços teriam uma formação

comum. Para os brasileiros, cada mosteiro deveria ter o seu próprio noviciado, ponto

esse que gerou muita polêmica, assim como rejeitavam o princípio do abaciado

vitalício: “A partir de 1898, o Papa Leão XIII concede a perpetuidade do cargo ao

Abade Geral, Dom Domingos, e o de Abade vitalício de Olinda a Dom Gerar, porém

os demais mosteiros continuam elegendo seus Abades por apenas três anos”109.

Mesmo reabrindo o noviciado no Brasil, eram poucos os jovens que procuravam os

mosteiros. Fundou-se em 1899, na Bélgica, um mosteiro destinado a receber jovens

da Europa encaminhados aos mosteiros do Brasil. O mosteiro de Santo André, na

Bélgica, pertenceu à Congregação Brasileira até 1920.

Após a morte de Dom Domingos, Dom Gerardo assumiu o cargo de Abade

Geral, convocando, em 1909, o Capítulo Geral, o qual foi realizado em Roma. Neste

Capítulo Geral, houve a discussão e a aprovação das novas constituições da

Congregação Beneditina Brasileira, aprovadas pelo Papa Pio X, em 1910, em vigor

até hoje. Luna faz uma ressalva saudosa da Congregação de Cluny110:

As novas constituições da Congregação Brasileira foram moldadas nas de Beuron. É pena terem-se deixado inteiramente de lado as antigas sob as quais foram governados os mosteiros do Brasil pelo espaço de 300 anos, quando muita coisa da venerável Tradição, oriunda da Congregação de

                                                       109 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 43. 110 “Cluny foi fundada especialmente para rejuvenescer o monaquismo cristão mediante uma observância mais estrita da regra beneditina. Procurou retomar a pureza original dos mosteiros fundados no Ocidente por Bento de Núrsia, dando a mesma ênfase que se dava no começo ao ciclo diário de oração como atividade principal dos monges. Cluny buscou integrar monasticismo e sociedade. Os monges reformistas queriam apresentar aos leigos comuns um modo de vida radicalmente diferente daquele do clero ordinário, cujos membros, na opinião de muitos, viviam na imoralidade e no luxo. Em geral, os monges cluniacenses entravam no mosteiro ainda meninos e recebiam dentro do claustro toda a educação de que precisavam”. Tim DOWLEY, Os Cristãos, uma história ilustrada, p. 67.

Page 90: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

89

 

Cluny, podia ter sido adaptada com vantagem às novas constituições. O mesmo se pode dizer do cerimonial monástico.111

Merton fala da beleza externa do mosteiro de Cluny, afirmando que era o

reflexo da vida interior de seus membros:

Os monges de Cluny, portanto, não hesitavam em afirmar ser sua vida verdadeiramente contemplativa. A contemplação, alimentada inteiramente pela liturgia e os salmos, consistia, essencialmente, numa tomada de consciência de Deus, da Sabedoria Divina, que vive e se manifesta na comunidade monástica. O mosteiro é não só a corte de Cristo, o Grande Rei, mas também o Corpo de Cristo. É o próprio Cristo. Em outros termos, o que constituía a vida contemplativa em Cluny, litúrgica e cenobítica até a medula, era a profunda consciência da caridade de Cristo, viva e ativa nos corações de todos os que viviam nessa enorme comunidade. A “Santa Igreja de Cluny” era um mosteiro contemplativo por ser um “paraíso de caridade”. Sem essa condição, isso não teria sido possível. 112

Durante vinte anos, Dom Gerardo se dedicou inteiramente à restauração da

Ordem Beneditina no Brasil e em 1919 deixou o país e retornou à sua pátria, a

Bélgica.113 A Congregação Beneditina Brasileira deve muito de suas realizações a

este monge.

Nos primórdios da fundação no Brasil, os Beneditinos eram chamados de

freis, assim como os franciscanos e os carmelitas. Em 1934, no Capítulo Geral,

tomou-se a resolução de trocar o título de frei por dom.114

                                                       111 Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 49. 112 Thomas MERTON, A vida silenciosa, p. 77. 113 “Dom Gerardo chegando à Bélgica recolheu-se ao mosteiro de Santo André, por ele fundado. Mas como já não pudesse adaptar-se ao clima, foi residir no sul da França, em Cap. D’Antibes, onde desenvolveu verdadeiro apostolado em prol dos russos refugiados na França e da união da Igreja Ortodoxa à Igreja de Roma. Aos 16 de janeiro de 1932 faleceu santamente, com 79 anos incompletos. Os seus restos mortais repousam na abadia de Santo André”. Joaquim LUNA, Os Monges Beneditinos no Brasil, p. 53. 114 “Desde a restauração da Congregação Beneditina Brasileira, no fim do século XX, os monges beneditinos são designados com o prenome de Dom. Em estudo inédito, com o título: “O prenome de Dom dos monges beneditinos”, apresentado ao Capítulo Geral da Congregação Beneditina Brasileira, em 1934, Dom Clemente da SILVA-NIGRA demonstrou ser legítimo esse tratamento de Dom, o qual vigorou em toda a história monástica, desde os tempos de São Bento, em todos os países, com exceção de Portugal e de Espanha. Sendo a Congregação Beneditina Brasileira filha da de Portugal, como é óbvio, adotou os seus costumes. Daí a razão de, antes da restauração da vida monástica em nossa terra, os monges do Brasil adotarem o mesmo tratamento de Frei, usado em Portugal. Frei Manuel de Santo Antonio é que a Congregação de São Bento de Portugal foi reformada pelos filhos da Congregação de São Bento de Castela, Valhadolide, os quais, vendo que os seculares por pompa

Page 91: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

90

 

A finalidade do capítulo apresentado foi de apresentar parte da história dos

Beneditinos no Brasil, com suas dificuldades, suas expansões e seus paradoxos.

Uma história marcada profundamente pela dedicação incondicional que os filhos de

São Bento possuíam dentro de si, capaz de qualquer sacrifício. Graças à coragem

destes homens, a Ordem Beneditina no Brasil continuou existindo, não recuando

diante dos desafios e dos limites humanos. Apresentam-se como fiéis discípulos do

Pai São Bento, encarnando o Evangelho como valor máximo e se adaptando aos

novos tempos. A história revelada ao longo do tempo mostra que os Beneditinos no

Brasil realizaram um esforço para que seu lema, ora et labora, fosse uma realidade

concreta.

Nos exemplos que a História nos oferece, que o início da ruína ou da decadência de grandes impérios e poderosas instituições não foi proveniente, na maioria dos casos, de elementos e circunstâncias externas, como devastações, guerras, derrotas etc., mas, muito mais, do enfraquecimento ou da perda de sua energia espiritual, da força motivadora do seu próprio ideal. A vida monástica beneditina, por ser uma instituição que faz parte da própria Igreja de Jesus Cristo, conhece muito bem onde se encontra a fonte de sua força, bem como da sua fragilidade. São Bento, desejando organizar o seu mosteiro como uma escola onde se pode aprender a servir o Senhor, e como um homem intensamente apaixonado pelo Cristo, não poderia formar os seus discípulos senão na força deste mesmo fundamento: “nada absolutamente anteponham a Cristo”. (RB 72,11). Considera que as exigências de sua escola, principalmente aquelas mais difíceis e árduas, são próprias daqueles “que nada estimam haver mais caro que o Cristo” (RB 5, 2).115

A história dos Beneditinos no Brasil é um capítulo pouco conhecido. Como

Ordem monástica, colaborou com a vida de oração, para que as pessoas pudessem

encontrar um momento de paz, sobretudo na liturgia. Os filhos de São Bento

procuraram ser mais contemplativos, mas mesmo assim colaboraram com os

demais religiosos na catequese e na formação de outros. No desfecho deste item,

faço uso das palavras do historiador Rubert.

                                                                                                                                                                         e fausto haviam tomado o Dom, que era próprio dos monges beneditinos, por humildade e por fugir à pompa secular, deixaram o Dom e tomaram o Frei, próprio dos Mendicantes, e na Reforma o deixaram na Congregação Portuguesa”. Dom Martinho JOHNSON, Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 2. 115 Celso NEVES; Dom Abade Joaquim de Arruda ZAMITH; João MARINO; Dom Clemente da Silva NIGRA, Dom Martinho JOHNSON Dom Martinho, Mosteiro de São Bento de São Paulo, p. 7.

Page 92: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

91

 

É lícito reconhecer que o estabelecimento de mais religiosos no Brasil foi providencial, evitando-se assim o monopólio de ministérios extraordinários e da evangelização dos indígenas apenas por parte de uma Ordem religiosa, em nosso caso, os jesuítas, além da vantagem de novos estilos de vida religiosa e de outras modalidades de apostolado. Eram tantas outras mensagem de vida cristã e ascética. Por isso, as novas Ordens aqui chegadas, foram recebidas geralmente com muita simpatia por parte do clero, das autoridades e do povo. Os mosteiros e conventos, nesta sua primeira etapa, antes que a relaxação os atingisse, exerceram importante missão, foram centros de vida cristã e irradiaram seus benefícios influxos em todas as camadas do povo de Deus, principalmente nos pobres que viviam das esmolas aí recebidas, num estilo tradicional de caridade, talvez não o mais indicado mas estava em voga no tempo. Ademais, neles se adestravam e temperavam alguns homens de marca, que depois percorriam vilas e freguesias do interior em missões populares ou embrenhavam-se nas selvas para reduzirem o gentio à fé católica, para não falar naqueles que, dedicados ao estudo e à contemplação, se avantajaram nas letras e nas virtudes. Restou-nos, infelizmente, escassa documentação destes novos religiosos em terras da Santa Cruz. Mesmo assim, o pouco que nos ficou, descontando certo estilo redundante e outras inexatidões ampliadas por cronistas posteriores, nos dizem bastante da benemerência dos franciscanos, beneditinos e carmelitas nos últimos decênios do século XVI.116

Impossível fazer um julgamento preciso da história do passado, com os olhos

de hoje. Quase sempre ela se apresenta como um paradoxo. Muitas perguntas

continuam sem respostas, oxalá mais pessoas possam interessar-se para continuar

aprofundar o conhecimento dos beneditinos no Brasil. Assim, no próximo item

apresentaremos a fundação heróica do Mosteiro Beneditino da Ressurreição no

Estado do Paraná.

3.4 - Fundação do Mosteiro da Ressurreição

Apresentar a história da fundação do Mosteiro da Ressurreição significa uma

tentativa de resposta para algumas indagações. Qual a validade da vida monástica

para uma sociedade pós-moderna? Na atualidade, é possível encontrar pessoas

dispostas a viver segundo os princípios do desprendimento quase total de suas

vidas? O nosso tempo é apresentado como

                                                       116 Arlindo RUBERT, A Igreja no Brasil, p. 234-235.

Page 93: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

92

 

rápida expansão do consumo e da comunicação de massa, enfraquecimento das normas autoritárias e disciplinares, surto de individualização, consagração do hedonismo e do psicologismo, perda da fé no futuro revolucionário, descontentamento com as paixões políticas e as militâncias.117

A vida monástica parece estar centrada em outro tipo de relação, que tem por

base o amor a Deus, ao próximo e a si mesmo, como antídoto para uma sociedade

consumista e egoísta.

Como surge um novo Mosteiro? Quais os critérios válidos para a continuidade

deste estilo de vida? É possível ser monge nesta era do vazio? Será que o Mosteiro

da Ressurreição tem alguma coisa para oferecer à sociedade pós-moderna? “Como

tornar-se monge, viver como monge, vindo da sociedade de hoje, e especificamente

da sociedade atual brasileira”118? Muitas são as perguntas que despertam a

curiosidade e o interesse, mas as respostas são poucas.

Durante a realização deste trabalho, pude interagir com os membros do

Mosteiro da Ressurreição, passando muitos dias na companhia deles. Geralmente,

ficava hospedada na casa de hóspedes ou na casa da Dona Maria119, quando não

havia lugar. O que mais me atraiu é a forma como eles rezam os salmos, isto é, a

liturgia. Todas as vezes que lá estive, procurando alguma resposta, nasciam mais

perguntas e, muitas vezes, nem dormir eu conseguia. Alguns monges teriam tudo

para viver uma vida bem sucedida, segundo as normas da sociedade, mas deixaram

tudo e todos para viver uma vida reclusa na simplicidade, na pobreza, na obediência

a um ser superior e em castidade. Afirmam que são felizes e que encontraram a

felicidade. Isto parece um paradoxo diante da sociedade contemporânea. Estamos

acostumados a associar felicidade com poder, ter e prazer, no entanto, estes

monges, com os quais conversei, são felizes com a opção de vida que fizeram.

O nascimento do Mosteiro da Ressurreição só foi possível graças à

determinação de um grupo de dez monges, ainda muito jovens, que na sua

totalidade nem tinham feito os votos solenes. Dom Lucas Torrel de Almeida Costa

era o único com votos solenes e presbítero. Tive a oportunidade de ver uma

                                                       117 Gilles LIPOVETSKY, Os tempos hipermodernos, p. 52 118 Bernardo BONOWITZ, Apto a ganhar as almas, p. 110. 119 Dona Maria é uma vizinha, que mora em uma casa há três quilômetros de distância do mosteiro. Quando não havia lugar para eu me hospedar no mosteiro, ela sempre me recebia.

Page 94: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

93

 

filmagem da época da fundação e tive a impressão de que eram realmente loucos

ou santos, vivendo na extrema pobreza. Mas, apesar de todos os obstáculos, o

grupo foi perseverante e corajoso, dando continuidade à comunidade até os nossos

dias. Desejavam um Mosteiro que fosse distante da cidade, mais voltado para a

contemplação, no sentido de voltar às origens de São Bento e adaptar-se aos

tempos atuais. Sem o menor apoio econômico e sem a possibilidade de retorno de

onde cada um deles saiu, aquele grupo de jovens monges só tinha a confiança que

o impossível pode torna-se possível. Jovens idealistas e sonhadores ou

simplesmente apaixonados por um ideal? Parece paradoxal nos nossos dias que

pessoas tenham atitudes tão diferentes daquelas que a sociedade apresenta. A vida

monacal deve ter algum valor e sentido para transformar radicalmente vidas.

O segredo que a vida monástica teve no passado como no presente está num

outro nível de compreensão. O parâmetro é espiritual, sendo a fé, a chave para vivê-

la. Do ponto de vista humano, é um absurdo e um contra-senso de existência.

Augusto Pascual apresenta, em poucas linhas, o que significa o monaquismo para o

mundo hodierno:

Atrevemo-nos mesmo a afirmar que mais do que nunca, e precisamente pelas características do mundo atual e pela necessidade que tem a Igreja de dar a este mundo um testemunho apropriado, com frequência perguntam a nós, os monges, que fazermos. Em muitos não há que uma compreensível curiosidade por penetrar no mistério de uma vida que se diferencia do comum. Em outros, sob esta aparentemente inocente pergunta, oculta-se uma outra não tão inocente: que contribuição dão vocês à sociedade e à Igreja? Isto é, aplicam à comunidade monástica o termômetro da eficácia, para descobrir sua temperatura humana cristã. Nada há a opor a isso. O engano costuma estar em que o termômetro que se aplica não está graduado conforme o único padrão válido nesse, o Evangelho. O monaquismo, como fenômeno eclesial que é, deve ser encarado a partir do Evangelho e como fazendo parte do mistério da Igreja. É a única maneira de se obter dados úteis para um juízo de valor. 120

A Igreja não seria totalmente completa se não aproveitasse o patrimônio da

vida monacal, que forjou toda a Europa e que tem uma experiência secular na

história da Igreja. Como afirma Merton: “O monaquismo beneditino teve tamanha

importância na reconstrução da Europa, após as grandes migrações que, com                                                        120 Augusto PASCUAL, O compromisso Cristão do Monge, p. 48.

Page 95: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

94

 

razão, Bento é chamado não somente Pai do monaquismo ocidental, mas

simplesmente “pai do Ocidente’”121. A vida monástica continuará tendo razão em

existir, porque ainda hoje consegue atrair pessoas para dentro dos claustros e o

Mosteiro da Ressurreição é uma prova concreta da continuação e da eficácia deste

estilo de vida em nossos dias. Não é algo apenas do passado longínquo e remoto,

ele faz parte de um patrimônio, sendo herdeiro protagonista de uma Tradição viva,

que perpassa o tempo. O Mosteiro da Ressurreição surgiu do desejo de alguns

monges que tiveram sua formação no Mosteiro de São Bento de São Paulo, no qual

foram educados, através da Tradição, para a vida monástica.

O Mosteiro de São Bento de São Paulo assumiu a tradição Beuronense122,

que valoriza a vida conventual, a clausura, o silêncio, a celebração da liturgia e o

trabalho, sobretudo o manual. Ninguém se autointitula monge ou funda um mosteiro

sozinho. Sempre é alguém que foi gerado dentro de uma Tradição e depois vai

transmitindo o que aprendeu. É muito provável que devido à tradição contemplativa,

sempre tenha havido insatisfação com a localização do mosteiro de São Bento no

centro de São Paulo. A ideia, porém, nunca morreu e ao longo dos anos sempre se

voltou ao assunto, seja na transferência ou na fundação de um novo mosteiro

retirado do grande centro de São Paulo.

Os futuros fundadores do Mosteiro da Ressurreição123 foram formados dentro

deste contexto histórico e, durante o noviciado124, formou-se um grupo favorável

para a nova e tão sonhada fundação do mosteiro. As reuniões para tratarem sobre a

futura fundação eram sempre acompanhadas de tensões e de divisões. O grupo

formado por dez monges partiu em junho de 1981, mesmo sem ter uma preparação

adequada125. Constava de quatro professos temporários, quatro noviços e um

postulante, além de Dom Lucas Torrell de Almeida Costa, como mestre de noviços,

presbítero e também o reitor do Colégio São Bento. Como Dom Lucas não podia

deixar o cargo de um dia para o outro, o grupo partiu para a fundação sem a

presença dele.                                                        121 Thomas MERTON, A vida silenciosa, p. 68. 122 Pertencente à Congregação Beneditina de Beuron, Alemanha, a qual, por sua vez, inspirou-se na Congregação de Solesmes, França. 123 Que na época nem sabiam que iria fundar algum mosteiro. 124 Tempo de formação e de preparação aos Primeiros Votos. 125 Preparação específica para com o grupo, no campo humano, espiritual e material, mas não houve tempo em preparar o grupo para a tal fundação.

Page 96: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

95

 

A nova fundação do Mosteiro da Ressurreição deveria ser no Sul do país,

onde a vida monástica era quase desconhecida, fato que permanece até hoje. O

primeiro Bispo interessado e comprometido foi Dom Geraldo Michelletto Pellanda, da

cidade de Ponta Grossa126. O novo Mosteiro levaria o nome de Ressurreição por ser

o centro da fé cristã e também em homenagem a uma experiência feita no México.

Até então os nomes dos mosteiros eram dedicados a São Bento e à cidade que

acolhia a fundação:

Tinha havido uma experiência monástica muito original em Cuarnavaca, no México, com um prior que era belga e constituiu toda a comunidade nativa. Antes do Concílio, ele fez o mosteiro nos moldes beneditinos, mas todo centrado na celebração viva em espanhol, que naquela época era proibido. Segundo o prior belga, Lemercier, queria que não houvesse formalidade entre eles e que a fraternidade fosse vivida entre todos. Deu o nome de Ressurreição, que era uma coisa nova na Igreja. Este mosteiro depois desandou para o lado da terapia, da psicologia freudiana e a Santa Sé fechou. Quando Dom Lucas veio para Ponta Grossa, ele quis dar o nome de Ressurreição, por ser o núcleo da nossa fé, mas também em memória da experiência de Cuarnavaca.127

A fundação do Mosteiro da Ressurreição foi oficializada no dia 30 de junho de

1981, no Santuário Mariano de Nossa Senhora Mãe da Divina Graça, padroeira da

Diocese. A localização fica dentro do Parque Estadual de Vila Velha, ponto turístico

do Estado do Paraná. O louvor divino, isto é, a oração da Liturgia das Horas, teve

início e continua sem interrupção até aos nossos dias.

O processo histórico da tramitação burocrática para o novo Mosteiro tem seu

início dentro de um processo lógico e legal. Antes da partida de São Paulo, o Abade

Dom Joaquim Zamith concedeu uma licença pessoal para o grupo fundador se

transferir para Ponta Grossa. Em outra reunião, o Capítulo128 foi consultado e se

aprovou a decisão. Portanto, a nova fundação foi realizada dentro de todas as

normas canônicas, tendo apenas o desejo de renovação da vida religiosa. Segundo

Dom Mateus129:

                                                       126 Cidade a 138 quilômetros de Curitiba. 127 Dom Abade André MARTINS, osb, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, Fita VII, Ponta Grossa, 12/04/2010. 128 Assembléia de dignidade eclesiástica para determinado assunto, assembléia geral de religiosos. 129 Dom Mateus de Salles PENTEADO é um dos fundadores do Mosteiro da Ressurreição.

Page 97: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

96

 

O Mosteiro da Ressurreição nasceu como um dos frutos do Vaticano II, quando pediu para que toda Igreja voltasse às fontes. As fontes são a Sagrada Escritura, Tradição, Padres da Igreja e Liturgia. Toda Igreja precisa voltar às suas origens. Toda renovação é um retorno às origens. O mosteiro da Ressurreição nasceu como uma renovação à vida Religiosa. Olhar para suas origens e não apenas copiar materialmente. Beber nas fontes e viver esta renovação em nossos dias.130

Em novembro de 1981, apenas quatro meses após a fundação, reuniu-se

uma Junta Abacial no Rio de Janeiro, inclinada ao fechamento da nova fundação ou

a excluir da Congregação Beneditina do Brasil, porque considerava os fundadores

“rebeldes”. Na visão (errada) de alguns Abades e algumas Abadessas, a fundação

foi um ato de desobediência. Tal fato não ocorreu, pois o Capítulo de São Paulo,

embora não aceitando o Mosteiro da Ressurreição como fundação regular da

Abadia, concedeu, por votação, a licença para a partida dos fundadores para Ponta

Grossa. Mas, além dessa falsa questão da “desobediência”, a Congregação

Beneditina do Brasil (principalmente os mosteiros masculinos) não é pluralista e

rejeita propostas diferentes de vida monástica, como é o caso do Mosteiro da

Ressurreição. Porém, com o apoio do Abade-presidente, Dom Basílio Penido, e a

não objeção do Abade de São Paulo, Dom Joaquim Zamith, a fundação acabou se

concretizando. Justamente neste momento crítico chegou, de Olinda, o documento

da Sagrada Congregação para os Religiosos, dando a permissão para a fundação

ad experimentum do Mosteiro da Ressurreição por três anos. A decisão final da

Santa Sé foi favorável e se deveu, em grande parte, à influência do Bispo da cidade

de Ponta Grossa, Dom Geraldo Pellanda, falecido em 1991.

3.4.1 – Primeiros tempos da fundação

Como viviam os irmãos nos primeiros tempos da fundação do Mosteiro da

Ressurreição? Nas palavras de Dom Mateus que desde o início acompanha a

fundação, podemos imaginar a situação:

                                                       130 Dom MATEUS de Salles Penteado entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 1, Ponta Grossa, 29/11/2009.

Page 98: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

97

 

Encantados com a beleza do local, de imediato os monges compreenderam a razão da região seduzir a todos que por ela passam. Porém, o vento fino e incessante, típico dos Campos Gerais, parecia prenunciar os tempos difíceis que teriam pela frente. Os primeiros meses foram de privação total. O dinheiro que possuíam mal dava para custear a alimentação e os gêneros de primeira necessidade. Um casarão de madeira, quase um arremedo de mosteiro, foi construído graças às doações de madeireiras e serrarias pontagrossenses. Sua rusticidade evidenciava a simplicidade e a pobreza que tomaram conta do cotidiano monástico.131

De junho de 1981 a agosto de 1985, a comunidade viveu em situação muito

precária. Algumas Congregações religiosas, sobretudo femininas, e também alguns

leigos, auxiliaram os monges com diversos tipos de doações, principalmente

alimentos. Nos primeiros anos da fundação havia total incerteza quanto ao futuro.

Além da pobreza material, a situação canônica era apenas provisória. Quanto ao

trabalho, fazia-se de tudo. Os gastos eram míninos e as entradas de dinheiro

provinham quase que exclusivamente do artesanato produzido pelos próprios

monges. No início da fundação era tudo muito pobre e havia situações difíceis, mas

não se perdia a esperança de dias melhores. Como bem ilustra o texto a respeito

dos fatos históricos vividos pelos jovens monges da época:

A primeira horta fracassou miseravelmente na primeira chuva forte, porque os canteiros estendiam-se na mesma direção do declive do terreno. A cozinha, inicialmente de chão de terra batida, nas chuvas, as goteiras transformavam num lamaçal. Não se preparava quase nada além de macarrão no almoço e sopa à tarde. O pão, amavelmente doado por uma padaria da cidade, tinha que ser previamente amolecido na água e depois reaquecido no forno. É difícil exagerar a fragilidade dos primeiros anos. Paradoxalmente, o corte do cordão umbilical com o mosteiro de São Paulo teve o benéfico resultado de fortificar a fé e as vontades. A impossibilidade de voltar atrás duplicou a coragem para enfrentar as ásperas privações materiais. Assim como todo gênero de dificuldades humanas inerentes à construção de uma comunidade que toma por guia o Evangelho, inestimável tesouro que, porém, é trazido em vasos de barro. 132

                                                       131 Niltonci Batista CHAVES (org.), Visões de Ponta Grossa, p. 22. 132 Síntese histórica e projeto monástico de Dom Mateus Salles PENTEADO. Exposição apresentada como parte de um painel sobre a Congregação Beneditina do Brasil, realizado durante o curso de História do Monaquismo no Brasil promovido pelo CIMBRA (Conferência de Intercâmbio dos Mosteiros Beneditinos no Brasil) , entre 21 e 29 de junho de 1997, no Mosteiro do Rio de Janeiro.

Page 99: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

98

 

Com a doação de uma instituição e a ajuda de uma congregação foi possível,

em agosto de 1983, dois anos após a fundação, comprar um terreno de sete

alqueires há doze quilômetros da cidade, sede atual do Mosteiro da Ressurreição.

No ano seguinte iniciou-se a construção do mosteiro e a comunidade teve de se

dividir. Um grupo transferiu-se para o novo terreno, a fim de acompanhar as obras, e

o outro permaneceu em Vila Velha. Em agosto de 1985, com a inauguração das

primeiras dezesseis celas, os dois grupos se reuniram novamente.

Antes da mudança para a atual sede, em 18 de outubro de 1984, um Rescrito

da Sagrada Congregação para os Religiosos erigiu canonicamente o Mosteiro da

Ressurreição de maneira definitiva. O Mosteiro tornou-se um Priorado Simples133,

sob a jurisdição direta do Abade Presidente, Dom Basílio Penido, que esteve em

Ponta Grossa, no dia 25 de novembro, para receber a profissão solene dos três

primeiros monges fundadores. Para a solenidade de São Bento de 1987, o Mosteiro

da Ressurreição foi erigido em Priorado Conventual134, sendo Dom Lucas Torrell de

Almeida Costa nomeado Prior em 12 de agosto.135 Porém, o Prior e a maior parte da

comunidade tinham concepções de vida monástica diferentes e excludentes. Houve

novamente alguma tensão.

Alguns ramos beneditinos acentuam a austeridade da regra, outros são mais abertos ao espírito de humanismo e discrição que nela se encontram. Enquanto uns afirmam a natureza essencialmente contemplativa e solitária do ideal monástico, outros recordam o fato de que, na prática, o próprio S. Bento e os primeiros beneditinos reservavam ao apostolado lugar definido na vida do monge. Mas na realidade, essas duas tendências, uma solitária e austera, e a outra social e humanística, devem sempre, até certo ponto, se unir em toda vida monástica. O fim visado por cada observância determinará em que proporção uma tendência dominará a outra. Esse fim, aliás, será simplesmente a maneira especial de chegar ao único alvo proposto por São Bento a todos os seus filhos.136

                                                       133 Não autônomo. 134 Independente. 135 As Constituições da Congregação Beneditina do Brasil determinam que o primeiro superior maior (Prior Conventual ou Abade) deve ser nomeado pelo Abade da Abadia fundadora e não deve ser eleito pela comunidade. Como o Mosteiro de Ponta Grossa dependia do Abade-Presidente, este nomeou o primeiro Prior. 136 Thomas MERTON, A vida silenciosa, p. 66.

Page 100: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

99

 

Depois de nove anos de fundação, em 1990, a comunidade pediu uma visita

canônica. Realizada em novembro, os visitadores decidiram que o prior deveria

apresentar sua renúncia, o que de fato aconteceu em março de 1991:

Porque parte do grupo desejava uma fundação bastante secularizada em nada ligada à tradição beuronense e ao que ela representava. O que se entendia por uma fundação bastante secularizada? Alguns membros do grupo não aceitavam os “sinais sagrados” (sinais visíveis de realidades invisíveis), como o hábito monástico e muitos rituais internos. Do mesmo modo, rejeitavam características essências do monaquismo, como a clausura e a valorização da liturgia. Tudo isso, porém, fazia parte do ideal da nova fundação.137

É próprio do monaquismo ser extra civitatem, não por razões sociológicas,

mas razões espirituais e teológicas. Não se trata de oposição entre um ideal agrícola

e outro intelectual. No mosteiro, há monges que exercem algumas atividades

agrícolas e outros que são intelectuais, mas o mosteiro não é agrícola nem

intelectual. Aliás, os maiores intelectuais da Ordem estão em mosteiros bem

afastados da cidade. Os mosteiros budistas ou hinduístas também estão localizados

fora dos centros urbanos, a fim de proporcionar ao monge um ambiente de

tranquilidade e silêncio, fundamental para a busca da oração contínua. Um mosteiro

pode estar no topo de uma montanha gelada do Tibete e, nem por isso, ser um

mosteiro “agrícola”, embora esteja fora da área urbana.

Dom André Martins foi eleito o novo Prior Conventual aos 17 de abril de 1991

e a história do Mosteiro entrou em uma nova fase. Dom Joaquim Zamith promoveu o

Mosteiro da Ressurreição à condição de Abadia aos 21 de agosto de 1997, por

Decreto da Santa Sé. Aos 05 de setembro Dom André Martins foi eleito pela

comunidade o primeiro Abade do Mosteiro da Ressurreição, com quarenta e um

anos de idade e continua sendo o atual Abade. Recebeu a Bênção Abacial aos 30

de novembro de 1997, pelas mãos do bispo Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger.

                                                       137 Síntese histórica e projeto monástico de Dom Mateus Salles PENTEADO. Exposição apresentada como parte de um painel sobre a Congregação Beneditina do Brasil, realizado durante o curso de História do Monaquismo no Brasil promovido pelo CIMBRA, entre 21 e 29 de junho de 1997, no Mosteiro do Rio de Janeiro.

Page 101: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

100

 

3.4.2 - O rosto do Mosteiro da Ressurreição

Quem visita o Mosteiro de Ponta Grossa e o de São Paulo, certamente nota

muitas afinidades, mas constata que não se trata de uma reprodução. Há muitos

valores comuns assumidos, contudo de formas diversas. Cada comunidade

monástica tem seu próprio rosto e suas peculiaridades. O Mosteiro da Ressurreição

recebeu do Mosteiro de São Paulo quase toda a formação, já que os fundadores

vieram deste mosteiro. Porém o Mosteiro da Ressurreição vive de maneira diferente

o carisma Beneditino. Basta participar dos ofícios divinos para ver a diferença entre

eles. A vida comunitária, que envolve o silêncio, o trabalho, a fraternidade e a oração

pessoal, é distinta. Todos os mosteiros Beneditinos nasceram do Pai São Bento,

contudo cada um vive o espírito recebido de maneira singular:

O espírito monástico é uno e o mesmo nos vários ramos da Ordem monástica. As diferenças acidentais que distinguem o monge cistercience do de Solesmes ou do beneditino branco de Prinknas do eremita camaldulense são suficientemente profundas para constituir diversidade específica em sua espiritualidade. Todos procuram glorificar a Deus e salvar suas almas, abraçando a vida contemplativa em conformidade com a Regra de São Bento e guiados por seu espírito. As variantes na observância dependem, em larga medida, da importância que cada família monástica dá a este ou àquele aspecto particular da regra beneditina. 138

Neste trabalho será apresentado o diferencial que existe no Mosteiro da

Ressurreição, sobretudo a maneira como os monges celebram a Liturgia. O Mosteiro

da Ressurreição foi fundado em uma região longe da cidade, porque quis acentuar o

ambiente de silêncio e o recolhimento próprio para qualquer vida monástica. O

ambiente distante da cidade é um lócus teológico e espiritual e não sociológico.

Também não é uma negação do monaquismo urbano.

Sempre devemos ter em mente que o silêncio, a solidão, a oração e recolhimento são os elementos mais importantes da vida monástica, os auxílios mais diretos que conduzem àquela caridade que une o monge a Deus e aos irmãos. Se, em certo sentido, o silêncio e a contemplação podem ser considerados como existindo “por causa” do apostolado, nas Ordens mendicantes, para o monge não pode ter outra finalidade senão favorecer a sua própria união com Deus e, por causa disso, torná-lo membro viçoso da

                                                       138 Thomas MERTON, A Vida Silenciosa, p. 66.

Page 102: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

101

 

comunhão dos santos. Tudo no mosteiro, portanto, está ordenando a produzir uma atmosfera favorável a uma vida de oração. 139

A vida no mosteiro não é constituída apenas por um determinado tipo de

pessoa. Existem os mais variados temperamentos, provindo das diferentes classes

sociais e níveis intelectuais. No dizer de Merton, a verdadeira união não consiste em

apenas um contrato social:

União verdadeira, pois a caridade monástica não é apenas um “contrato social”, um acordo a que se chega pelo consentimento de vários egoísmos, é a pureza de coração, que se alcança somente quando todas as vontades separadas de cada irmão se transformam em uma só vontade, a vontade comum, a vontade de Cristo. A essa comunidade de vontade não se pode chegar por um contrato como para um negócio. É um amplexo das almas na pureza do Espírito de Deus.140

Atualmente, no Mosteiro da Ressurreição, há monges e candidatos de várias

regiões do Brasil. Desde o Amazonas, Rio Grande do Sul, Santa Catariana, Paraná,

São Paulo, Brasília, Belém do Pará, Ceará, Rio de Janeiro, Piauí e Portugal. “O que

torna essencial a uma comunidade é que todos os membros se achem ligados por

laços de amor fraterno e que cada um se considere responsável pela qualidade da

vida monástica de todos os irmãos”141. Quando há uma consciência de que Jesus

faz-se presente na comunidade, também pelo esforço de cada membro, as

dificuldades parecem superadas ou não pesam tanto, o jugo é suave.

As atividades realizadas dentro do mosteiro, sejam intelectuais ou manuais,

são voltadas para o bem da Igreja e do Reino e não para o bem pessoal:

Os monges trabalhando juntos, em espírito de sacrifício de si próprios e perfeita solidariedade, não estão provendo apenas às necessidades materiais desta vida. O trabalho que realizam contribui para um fim comum espiritual de importância muito maior: sua união com Cristo. Construindo e mantendo o mosteiro, estão construindo a nova Jerusalém, um pequeno Corpo Místico de Cristo, a Igreja de seu mosteiro.142

                                                       139 Thomas MERTON, A Vida Silenciosa, p. 45. 140 Ibid., p. 34. 141 Dom Armand VEILLEUX, Explorando o essencial, Revista Beneditina, p. 15. 142 Thomas MERTON, A Vida Silenciosa, p. 46.

Page 103: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

102

 

Mesmo acentuando mais a vida contemplativa no Mosteiro da Ressurreição é

necessária a realização de diversos trabalhos:

Nenhum trabalho útil que possa ser executado dentro da clausura é estranho ao estado monástico. A maioria dos monges pode esperar participar da tarefa de cavar a terra, recolher o feno, rachar a lenha, descascar batatas, lavar pratos e varrer o chão. Todas as tarefas ordinárias de uma comunidade vivendo no campo podem, razoavelmente, reclamar o tempo dos membros da comunidade.143

O dia a dia do monge no Mosteiro da Ressurreição é intenso, pautado pelo

lema original, ora et labora. O trabalho também ajuda no discernimento vocacional

do candidato. Segundo Dom Abade André Martins:

Em comunidade ninguém se basta. Ninguém é autor de uma obra sozinho. O artista, por exemplo, só executa a sua arte porque um outro faz o alimento que lhe dará possibilidades de trabalhar, outros limpam o mosteiro, outros ainda atendem à porta do mosteiro etc. Neste sentido, a obra não é apenas do artista, é de toda a comunidade.144

Uma constatação muito triste e lamentável é que a vida religiosa e presbiteral,

muitas vezes, tem se constituído em um refúgio para pessoas que querem viver em

confortável e segura ociosidade, além de almejarem a ascensão social. Os últimos

são conhecidos como carreiristas.

O trabalho é a forma beneditina básica de viver a pobreza e ser solidário com o pobre. O beneditino não vive isolado dos demais. O beneditino não vive à custa dos outros, não se esquiva e não engana. A espiritualidade beneditina nos ensina a fazer cada coisa no seu devido tempo. Jogar meu trabalho em cima dos outros para ficar mais tempo à-toa, assumir que os dias livres são automaticamente apenas dias de férias adicionais, levar meia hora para o cafezinho quando o tempo previsto é de quinze minutos, dar apenas uma mão de tinta quando podemos dar duas, não é a maneira beneditina de considerar o trabalho no Jardim. 145

                                                       143 Thomas MERTON, A Vida Silenciosa, p. 44. 144 Dom Abade André MARTINS, Servo bom e fiel entra na alegria do teu Senhor - Livro II dos diálogos do papa S. Gregório Magno, p. 173-174. 145 Joan D. CHITTISTER, Sabedoria que brota do cotidiano, p. 108.

Page 104: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

103

 

3.4.3 – Pluralismo monástico

Existe um pluralismo dentro da vocação monástica. A vida monástica pode

ser comparada com um imenso jardim que possui diversas flores. O que torna o

jardim belo é a riqueza das diversas flores. Dentro de uma grande comunidade de

Igreja, como também dentro de uma comunidade monacal, há uma diversidade de

qualidades, humanas e artísticas, aos quais chamamos de carismas ou de dons.

Após o discernimento e a submissão aquele que no mosteiro faz a presença de

Cristo, isto é, o Abade, os dons e as qualidades são colocados em favor do bem-

estar de todos. A vida cenobítica tem sentido em si mesma, não sendo apenas uma

preparação à vida solitária. A razão principal da unidade entre os irmãos e o serviço

por amor a Cristo é a koinonia146 pela própria koinonia, isto é, o serviço pelo serviço.

A razão fundamental de se viver em comunidade é o testemunho de amor ao

próximo e a Deus.

A comunhão, por sua própria natureza, precisa ser aberta aos outros. A comunhão que fecha um grupo de irmãos ou irmãs em uma comunidade monástica restrita não é cristã. Pois esse grupo, que através da koinonia se abre a outras comunidades, é que vai formar a Igreja. Comunhão com toda a Igreja é essencial. E como Igreja devemos compreender não apenas a hierarquia da Igreja Católica, ou mesmo a Igreja Católica como tal, mas a grande koinonia formada por todos aqueles que crêem em Cristo. Uma dimensão ecumênica para nossa vida monástica também faz parte do essencial.147

Pode ser que alguns monges sejam chamados a uma forma de vida mais

solitária e contemplativa:

aprenderam com o auxílio de muitos a lutar contra o demônio e treinados nas fileiras de seus irmãos para as batalhas singulares do deserto, bastante firmes para dispensarem a companhia de outro, tornam-se capazes, por meio

                                                       146 O salmo 132 pode exemplificar melhor o significado de koinonia: “Eis como é bom e alegre viverem juntos os irmãos. Vinde e vede como é bom, como é suave. Os irmãos viverem juntos bem unidos. É como um óleo perfumado na cabeça. Que escorre e vai descendo até à barba.Vai descendo até à barba de Aarão. E vai chegando até à orla do seu manto. É também como o orvalho do Hermon. Que cai suave sobre os montes de Sião. Pois a eles o Senhor dá sua bênção. E a vida pelos séculos sem fim”. Bíblia Sagrada Ave Maria, Livro dos Salmos, p. 766. 147 Dom Armand VEILLEUX, Explorando o Essencial, Revista Beneditina, p. 8.

Page 105: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

104

 

do socorro de Deus, a sustarem sós com a sua mão ou o seu braço, a luta contra os vícios da carne e do pensamento.148

No Catecismo da Igreja Católica, há uma definição sobre a vida escondida em

Cristo, a vida eremita:

Embora nem sempre professem publicamente os três votos evangélicos, os eremitas, “por uma separação mais rígida do mundo, pelo silêncio da solidão, pela assídua oração e penitência, consagram a vida ao louvor de Deus e à salvação do mundo”. Os eremitas mostram a cada um este aspecto interior do mistério da Igreja que é a intimidade pessoal com Cristo. Escondida aos olhos dos homens, a vida do eremita é pregação silenciosa daquele ao qual entregou a sua vida, pois é tudo para ele. É uma chamada peculiar a encontrar no deserto, precisamente no combate espiritual, a glória do Crucificado.149

Independentemente da real possibilidade de vocações solitárias permanentes,

no Mosteiro da Ressurreição, cada monge pode fazer experiências mais ou menos

prolongadas de solidão em um eremitério. Nas palavras do atual Abade Dom André,

a solidão é também um valor para a sociedade, especialmente para a Igreja:

Koinonia não é o único valor da vida monástica. A vida comunitária é uma fatia do bolo, não é o bolo inteiro. Aliás, hoje parece que vida se resume em relacionamentos. Não é assim. Também a solidão é um valor fundamental na vida humana, portanto na vida cristã. Solidão e comunhão são como a música: intervalos entre sons e silêncio.150

Com trinta anos de fundação, o Mosteiro da Ressurreição deseja continuar

militando sob a Regra de São Bento para entender o sentido mais antigo da

Tradição monástica. Vivendo em fraternidade, procura servir ao Reino de Deus e à

Igreja na pessoa que se aproxima do mosteiro. Há um esforço para que cada

membro encontre seu espaço e cresça em todos os sentidos. Segundo Irmão

Gabriel Jiménez, “aos olhos humanos e para algumas ciências, como é o caso da

                                                       148 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, p. 25. 149 VATICANO, Catecismo da Igreja Católica, Can. 920- 921, p. 224. 150 Dom Abade Dom André MARTINS, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita V- Ponta Grossa, 14/03/2010.

Page 106: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

105

 

Sociologia e Psicologia, é impossível que um grupo de indivíduos do mesmo sexo

vivam juntos. Porém, isto se torna possível para mostrar que é a graça de Deus que

age e inspira este ideal”151.

Os monges do Mosteiro da Ressurreição estão cientes de que Jesus Cristo

diz: “... não vim chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores”152. Os

monges também se consideram pecadores, que necessitam da misericórdia de

Deus para se converter dia a dia. Segundo Dom Timóteo Amoroso, não se pode

esquecer “... o aspecto essencial de partilha de vida: a dos limites e pobreza de cada

membro, das suas dificuldades e carências. Só a partir do acolhimento recíproco

oferecido à verdade de cada um, podemos falar de comunidade e de amor

cristão”153. Ou ainda, nas palavras de Merton:

Abraçar a vida contemplativa não resolve problema algum: antes os cria. Não nos livra do medo e do sofrimento. Aumenta cem vezes o sentimento de nossa pobreza. Intensifica a consciência de que somos pecadores. Põe-nos face a face com tudo quanto é mais odioso em nós. Não nos esconde a realidade do pecado, mas planta-a inexoravelmente, em face de nossa atenção: porque no centro de nosso ser, na passagem secreta por onde gostaríamos de passar para a serena noite de Deus, encontramos o caminho bloqueado pela presença do mal. Então, nas profundezas da alma, devemos começar uma terrível e solitária luta com o mal. Devemos combater um mal que não é nosso, mas se tornou perfeitamente identificado conosco, a ponto de ser como nós mesmos.154

O Mosteiro da Ressurreição deixa a Congregação Beneditina do Brasil,

porque os mosteiros masculinos estão todos nas cidades e não são flexíveis ao

pluralismo. Os monges da Congregação não vêem com bons olhos comunidades

com propostas diferentes de vida monástica. O Mosteiro da Ressurreição nunca foi

bem aceito pelos monges, diferentemente das monjas. A Congregação Beneditina

Sublacense155 ou de Subiaco é uma Congregação internacional e pluralista e a

                                                       151 Ir Gabriel JIMÉNEZ, A vida monástica e o terceiro milênio, p. 23. 152 Bíblia Sagrada Ave Maria Lucas: 5, 32, p.1353. 153 Dom Paulo ROCHA; Dom Amoroso TIMÓTEO; Valladares CLARIVAL; Waldeloir REGO, 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia, p.13. 154 Thomas MERTON, Espiritualidade, contemplação e paz, p. 53-54. 155 A Congregação Beneditina Sublacense (ou de Subiaco) é uma das vinte e uma Congregações que, juntas, formam a Confederação Beneditina (Ordem de São Bento). Ao contrário da maioria das Ordens e Congregações, a Ordem de São Bento é descentralizada (é uma Confederação), isto é, não tem um governo geral, valorizando-se a autonomia de cada comunidade monástica. Assim, a Ordem

Page 107: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

106

 

maioria de suas comunidades adota um gênero de vida semelhante ao Mosteiro da

Ressurreição. Há uma ligação espiritual maior com os mosteiros sublacenses do que

da Congregação Brasileira.

O Mosteiro da Ressurreição foi incorporado à Congregação Beneditina

Sublacense aos 14 de setembro de 2008, no XVIII capítulo geral extraordinário em

Subiaco. Aos 21 de outubro de 2008, o rescrito da Santa Sé incorporou a Abadia da

Ressurreição à Congregação Sublacense da província Hispânica. No dia 08 de

janeiro de 2010, o Mosteiro da Ressurreição recebeu a primeira visita canônica da

Congregação Sublacence. Perguntei o que significa uma visita canônica:

Muito importante, pois os abades visitantes falam com cada um de nós em particular. Querem saber como estamos aqui no mosteiro, sobre as alegrias e dificuldades. Sobre as relações entre nós, a formação, projetos, nossas famílias de sangue. A conversa dura de trinta a sessenta minutos. Enfim, eles vêem em nome da Igreja e para a Igreja levam o nosso histórico. Assim, a Santa Sé fica sabendo como estamos caminhando. A visita acontece de 3 a 4 anos. Está sendo um momento de graça e crescimento para toda a comunidade.156

3.4.4 – Construção material do Mosteiro da Ressurreição

Fazendo uma breve apresentação da construção material do mosteiro,

notamos que o complexo atual do Mosteiro da Ressurreição é simples, funcional e                                                                                                                                                                          não tem um Abade Geral, mas um Abade Primaz, o "primeiro entre os iguais". Ele é o Abade da Abadia de Santo Anselmo, em Roma (na realidade, uma casa de estudantes com sede no Pontifício Instituto Litúrgico), representa a Ordem junto à Santa Sé e dá certa unidade canônica aos beneditinos. Não tem, porém, nenhuma autoridade sobre as Congregações Beneditinas nem sobre os Mosteiros individuais. As Congregações Beneditinas têm origem diversa e também Constituições e tradições diferentes, mais ou menos contemplativas. Cada Congregação elege um Abade Presidente, cuja autoridade é exercida quando ocorre a visita canônica às comunidades. Fora deste momento, não há autoridade (a autoridade máxima em um Mosteiro é o Abade local). A Congregação Beneditina Sublacense nasceu de um movimento reformador no interior da Congregação Beneditina Cassinense (italiana), por obra de Dom Pietro Francesco Casaretto (+ 1828), reforma cujo centro estava no Mosteiro de Subiaco (o primeiro fundado por São Bento). A Congregação Sublacense, de orientação mais contemplativa, logo em seguida tornou-se internacional, com mosteiros na Inglaterra e na França, depois se espalhou por todos os continentes. A Congregação Sublacense é uma das maiores da Confederação Beneditina, com cerca de sessenta e cinco mosteiros masculinos autônomos (aproximadamente mil monges) e outros tantos mosteiros femininos. O Abade Presidente reside em Roma com alguns colaboradores que formam a sua Cúria. Pelo fato de a Congregação ser muito extensa, ela é dividida em Províncias (por regiões ou línguas) e a visita canônica nas comunidades é realizada por um Visitador de cada Província. A Abadia da Ressurreição está incorporada à Província Hispânica (mosteiros da Espanha e América Latina, excetuando-se o México). Dom Mateus Salles PENTEADO, [email protected], 05/05/11. 156 Dom Francisco dos Santos CARVALHO, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita VII, Ponta Grossa, 12/01/2010.

Page 108: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

107

 

bonito, todo feito em tijolos à vista. Quanto ao projeto do Mosteiro, que comporta a

parte mais antiga, foi executado pelo arquiteto Ubiratan157. O restante da construção

pelos próprios monges da Ressurreição:

O Mosteiro da Ressurreição guarda, em sua arquitetura, diversos elementos originários do mundo medieval. Incontáveis arcos se espalham desde a Igreja até o claustro. O átrio, rodeado por pilastras, se constitui o espaço central de toda construção. Nas paredes e no chão, mosaicos e pinturas se multiplicam, como se quisessem lembrar a todo instante que ali é um lugar sagrado. O claustro, com a sala capitular e as celas, se constitui no espaço mais íntimo do Mosteiro, fisicamente desligando-se por completo de mundo exterior. Crucifixos e estatuetas de santos, estrategicamente distribuídos por todas as áreas, reforçam a fé e a mística do local. As pilastras e seus capitéis de pedra cumprem um papel de ligação entre o mundo atual e o mundo medieval, marcado pela rusticidade e simplicidade. Os vitrais com motivações religiosas valorizam esteticamente os ambientes e os tornam mais claros e iluminados.158

Figura 1 - Visão do claustro do Mosteiro Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero

                                                       157 O arquiteto Ubiratan é conhecido pelo apelido de Bira. Mora na cidade de São Paulo e é amigo dos Monges do Mosteiro da Ressurreição. 158 Wilfried KOCH, Visões de Ponta Grossa – Mosteiro da Ressurreição, 25 anos, p. 24.

Page 109: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

108

 

Localiza-se na Rodovia do Café, que vai para o Norte do Paraná. Há uma

placa de identificação na Rodovia: Mosteiro da Ressurreição – 100 metros159.

Saindo da Rodovia, entra-se numa estrada sem asfalto, de terra vermelha. Quando

é verão, faz uma nuvem de poeira, quando chove, forma-se um barro que fica

impregnado no carro. São três quilômetros nesta estrada até o portão do Mosteiro.

Figura 2 - Portão do Mosteiro Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero

Chegando ao Mosteiro, há uma placa em madeira esculpida: Mosteiro da

Ressurreição. Há um bosque com um imenso gramado, muitas árvores, inclusive o

pinheiro do Paraná, conhecido como araucária. Muitos pássaros, borboletas e

mosquitos borrachudos envoltos em uma variedade de flores e de folhagens. Ouvi

muita gente dizer: “Aqui encontro a paz! Como é bom poder ficar aqui!”.

                                                       159 O endereço é: Rodovia do Café, km 5, Caixa Postal 16-84001-90, Ponta Grossa, Paraná, Brasil.

Page 110: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

109

 

Figura 3 - Loja Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero

Na entrada do Mosteiro, à esquerda, há uma casa onde funciona uma

pequena loja com produtos feitos pelos próprios monges e que são vendidos para

ajudar na manutenção. Nesta mesma casa, há uma sala maior, que chamam de

parlatório, que serve para acolher pessoas que passam algumas horas ou o dia no

Mosteiro. Neste mesmo complexo, há banheiros, bebedouro e mais duas salas

pequenas, para o atendimento das pessoas.

Figura 4 - Casa de hóspedes Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero

Page 111: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

110

 

Perto desta casa da loja, no lado direito, há a casa de hóspedes. Possui

quatro quartos com banheiros individuais, uma pequena cozinha e uma sala maior.

Tudo muito simples, mas bem aconchegante. O hóspede faz a reserva e pode ficar

até cinco dias. Não existe uma taxa de pagamento pela hospedagem, mas de

acordo com as possibilidades de cada pessoa, pode-se deixar alguma contribuição.

Figura 5 - Cemitério Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero

No bosque-jardim, há o cemitério. Atualmente, existem três monges

enterrados160. Todo cercado de flores, possui uma cruz de madeira ao centro e

apenas uma pequena placa com a identificação dos falecidos. Há uma estrela,

indicando o nome e a data do nascimento. Uma lâmpada derramando-se para

indicar a data dos votos monásticos. O terceiro símbolo é Jonas dentro de uma

baleia, para indicar o dia de sua partida para encontrar o Esposo Jesus, fazendo a

páscoa definitiva. Os túmulos são diretamente na terra e por cima apenas grama.

                                                       160 1) Dom Gregório. Nasceu aos 20 de fevereiro de 1960. Emitiu os votos monásticos aos 26 de maio de 1991 e partiu fazendo sua páscoa, recebendo o esposo aos 27 de agosto de 1997. 2) Irmão Bernardo. Nasceu aos 12 de agosto de 1972. Recebeu o hábito monástico aos 25 de novembro de 2000 e partiu para receber o esposo aos 04 de julho de 2002. 3) Dom Antão. Nasceu aos 18 de janeiro de 1929. Emitiu os votos monásticos aos 18 de agosto de 1996 e fez sua páscoa, recebendo o esposo aos 04 de dezembro de 2002.

Page 112: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

111

 

Figura 6 - Visão externa da capela Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero

A capela, o lugar mais importante do Mosteiro, funciona como o coração da

comunidade orante. Ela segue o mesmo estilo das demais construções: tijolos à

vista, tendo uma porta de tamanho normal e duas janelas. Do lado da assembléia

estão umas trinta cadeiras, colocadas todas em perfeita ordem e do lado do coro

dos monges também há outras trinta cadeiras. A nave da capela não é muito grande

e aos domingos torna-se pequena, mas muito aconchegante.

Figura 7- Pintura do Cristo Pantocrator Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero

Page 113: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

112

 

Na capela há a imensa pintura do Cristo Pantocrator161. Todos que chegam,

deparam-se com esta obra de arte. Há um cuidado com e em todos os detalhes:

vasos, flores, velas, cantos, leitores, gestos, incenso, especialmente no que se

refere aos objetos do altar e dos paramentos. O cerimonial sempre muito discreto e

atencioso observa cada mínimo detalhe, antes das celebrações. Participar da liturgia

com os monges do Mosteiro da Ressurreição é ter a possibilidade de fazer uma

verdadeira experiência mística.

Figura 8 - Celebração Eucarística Fonte: Arquivo Pessoal - Neuza de Fátima Brandellero

Ao concluir este capítulo, detectamos que o Mosteiro da Ressurreição não

nasceu por acaso e nem do nada. Ele é a concretização de que o espírito do Pai

São Bento, que transcorreu o tempo e as culturas, continua vivo e motivando

pessoas para o seguimento deste estilo de vida, mesmo numa sociedade hiper

consumista e individualista como a nossa. O Mosteiro da Ressurreição com apenas

trinta anos de existência está marcando a sociedade e a Igreja pelo seu modo de

ser. Parece paradoxal, mas eles são modernos e tradicionais, intelectuais e simples,

espirituais e acessíveis, enfim, monges que buscam aperfeiçoar sua humanidade                                                        161 É uma obra de arte pintada pelo monge Dom Ruberval. O Cristo sentado num trono, sendo o juiz e o rei do universo, tendo um olho maior que outro, para simbolizar que a misericórdia deve ser maior que a justiça. Possui um livro na mão esquerda e dos seus pés saem rios de água.

Page 114: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

113

 

através da conversão. “Uma conversão completa de vida: exterior, moral, afetiva e

intelectual. Para o monge cristão, o principio e o fim deste dinamismo é a pessoa de

Jesus Cristo”162.

Estar com os fundadores deste Mosteiro e escutar o relato desta fundação

foram oportunidades ímpares. Impossível descrevê-las inteiramente. Eles

acreditaram que o impossível pode tornar-se possível mediante a perseverança e

um grande amor ao ideal abraçado. Jamais se deixaram vencer pelos obstáculos e

continuam acreditando: “... se o seu projeto ou sua obra provém de homens, por si

mesma se destruirá; mas se provier de Deus não podereis desfazê-la. Vós vos

arriscaríeis a entrar em luta contra o próprio Deus” (At 5,38-39).

No próximo capítulo vamos apresentar o lema beneditino milenar, ora et

labora, dando ênfase ao ora, isto é, a liturgia. Umas das marcas registradas do

Mosteiro da Ressurreição é a boa qualidade de sua liturgia.

 

 

                                                       162 Agostinho ROBERTS, Vida Monástica- elementos básicos, p. 21.

Page 115: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

114

 

CAPÍTULO IV: ORA ET LABORA: A SANTIFICAÇÃO DAS HORAS

Ora et labora é marca registrada dos Beneditinos. Desde os tempos mais

remotos até os nossos dias, este é o perfil do monge Beneditino: orar e trabalhar.

Aliás, tal fato devia ser algo natural para cada cristão, isto é, “orai sem cessar” (I

Tess 5,17), uma vez que é uma norma recomendada pelo próprio Cristo. Para

aqueles cristãos que decidem viver dentro de um mosteiro, há uma maior

possibilidade de exercício desta ação. Assim, interrompem o trabalho manual ou

intelectual sete vezes ao dia e se dirigem à capela. Reza-se não apenas para si

mesmo, mas pelos outros, pedindo ou agradecendo as graças recebidas. Rezar os

salmos é também um grande e insubstituível serviço, que o monaquismo oferece

para a humanidade e, de modo especial, à Igreja.

Este capítulo quer ressaltar os sete momentos de oração comunitária, quando

os monges do Mosteiro da Ressurreição rezam sem interrupção desde a sua

fundação, há trinta anos. A maior parte da oração consiste na recitação dos Salmos

e na escuta da Palavra. A jornada diária nesse mosteiro começa ainda de

madrugada, nas chamadas Vigílias, que acontecem às 4h20. O segundo momento

de oração, no amanhecer, são as Laudes, às 6h15. De terça-feira a sábado, as

Laudes são rezadas junto com a Missa. Tércia é a terceira oração do dia que ocorre

às 9h00. Sexta é a oração das 12h00. A tarde começa com a oração de Noa às

14h30. No entardecer são rezadas as Vésperas às 17h30. Para completar a jornada

das sete orações, quando a noite cai sobre a terra, reza-se as Completas às 19h00.

Após esta última oração, cada monge retira-se em profundo silêncio para sua cela.

Sucessivamente, dia após dia, ano após ano, os Beneditinos vão

prolongando, através do tempo e das gerações, a tradição de rezar sem cessar. O

Mosteiro da Ressurreição, como herdeiro direto desta Tradição secular, sempre

realizou esta atividade sem jamais interrompê-la. Cada comunidade monástica

possui sua característica própria no que diz respeito à Liturgia. Nesta parte do

trabalho, será ressaltado o rosto litúrgico do Mosteiro da Ressurreição.

Page 116: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

115

 

4.1 - Vígilias - das 4h20 às 5h10 No Mosteiro da Ressurreição, o dia começa de madrugada, com o toque do

sino, às 04h00, despertando os monges para a primeira oração. Ainda está bem

escuro, mas a escuridão é apenas externa, pois há uma luz que brilha e as palavras

do salmista parecem tornar-se realidade. “As próprias trevas não são escuras para

vós. A noite vos é transparente como o dia e a escuridão, clara como a luz” (Sl 138,

12). O silêncio é quebrado apenas pelo badalar do sino. As palavras desta poesia

expressam melhor o significado deste momento:

MUITO CEDO TOCA O SINO... Muito cedo toca o sino,

Já despertos se levantam,

Pouco a pouco povoando,

Corredores solitários,

Mergulhados no silêncio,

Homens de tantos lugares,

De idades e culturas variadas,

Que se doam totalmente,

Desde a noite ao sol poente,

Repartindo um dom precioso,

O amor que existe neles...

Que beleza, que harmonia,

Todo dia sempre novo,

Nenhum dia há outro igual,

Tudo ali é diferente,

Tudo é fruto do amor,

Renovando a cada instante,

Vida nova é gerada,

Para ser sacrificada num amor de doação,

Nada em vão, nada fugaz,

Faz crescer quem é pequeno,

Faz pequeno até o grande,

Num caminho que se sobre,

Numa escada que se desce,

Quem quer vida encontra a morte,

Page 117: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

116

 

Quem quer morrer ganha vida,

Como a vela se consome,

Quando a todos ilumina... 1

Todo cristão é convidado, dia após dia, a despertar sua alma para escutar o

próprio Cristo que fala ao coração: ”A cada manhã Ele me desperta meus ouvidos

para que escute como discípulo” (Is 50, 4). O monge cristão é alguém que organizou

sua vida de tal maneira, que é possível a ele despertar para a oração em qualquer

horário da noite ou do dia. Acordar e se levantar da cama é relativamente fácil,

quando se acostuma, mesmo no inverno; o mais difícil é ser uma pessoa vigilante o

tempo todo e estar sempre desperto2. Rezar é um grande combate espiritual:

A oração é um dom da graça e uma resposta decidida da nossa parte. Supõe sempre um esforço. Os grandes orantes da Antiga Aliança antes de Cristo, como a Mãe de Deus e os santos com Ele, nos ensinam: a oração é um combate. Contra quem? Contra nós mesmos e contra os embustes do Tentador que tudo faz para desviar o homem da oração, da união com o seu Deus. Reza-se como se vive, porque se vive como se reza. Se não quisermos habitualmente agir segundo o Espírito de Cristo, também não poderemos habitualmente rezar em seu Nome. O “combate espiritual” da vida nova do cristão é inseparável do combate da oração. No combate da oração, devemos enfrentar, em nós mesmos e à nossa volta, concepções errôneas da oração. Algumas vêem nela uma simples operação psicológica, outras em esforço de concentração para se chegar ao vazio mental. Algumas a codificam em atitudes e palavras rituais.3

Os hóspedes são convidados, mas não obrigados a rezar com os monges,

sobretudo nesta hora da madrugada. A natureza parece despertar um sentimento de

alegria, por exemplo, quando é tempo de lua cheia ou quando se olha o firmamento

com as estrelas brilhando. Parece algo indescritível. As palavras do salmista tornam-

se as próprias palavras daquele que vive esta realidade:

                                                       1 Liturgia das Horas, vol. II, Leitura da 3ª semana da Quaresma – quinta-feira. 2 “El dia, para los monjes, empieza quando aún es de noche. Han dormido bastante: de siete a nueve horas em inverno y cinco horas em verano, com el comlemento de la siesta, es una cantidad de sueño bastante razonable. Estaban preparados para emprender la jornada. Las vigílias se celebran durante todo el año cuando todavía está oscuro”. Garcías M. COLOMBÁS, La Tradicion Benedictina. Ensayo histórico, p. 87-88. 3 VATICANO, Catecismo da Igreja Católica, Cânones, 2725- 2726, p. 610.

Page 118: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

117

 

Ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso vosso nome em toda a terra! quando contemplo o firmamento, obra de vossos dedos, a lua e as estrelas que lá fixastes: Que é o homem, digo-me então, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com eles? (Sl 8, 2-5).

Há um texto sobre o tratado da oração de Tertuliano, do século III, dizendo

que os anjos e as criaturas, juntamente com toda a natureza, como as feras e as

aves, louvam o Deus criador, rezando à sua maneira. Na capela do Mosteiro da

Ressurreição, algumas vezes, aparece um cachorro, um gato ou um pássaro, dando

a impressão que se fazem presentes para acompanhar a oração:

Oram todos os anjos, ora toda a criatura. Oram à sua maneira os animais domésticos e as feras, que dobram os joelhos. Saindo de seus estábulos ou de suas tocas, levantam os olhos para o céu e não abrem a boca em vão, fazendo vibrar o ar com seus gritos. Mesmo as aves quando levantam vôo, elevam-se para o céu e, em lugar de mãos, estendem as asas, em forma de cruz, dizendo algo semelhante a uma prece. 4

Nesta esta hora da madrugada, na capela, há pouca luz, tornando o ambiente

próprio para o recolhimento. Propositalmente, não se acendem todas as luzes. O

hóspede entra na capela e fica sentado em uma cadeira de madeira. Cada monge

que chega faz uma inclinação para o altar5 e segue para a sua cadeira do lado do

coro. Alguns estão com o capuz sobre a cabeça, outros colocam as mãos sobre os

                                                       4 Frei Alberto BECKHAUSER, Liturgia das Horas, vol. II, Leitura da 3ª semana da Quaresma – quinta-feira. 5 “No Novo Testamento menciona-se o altar ainda, mas somente em sentido figurado. Os que crêem em Cristo “tem um altar do qual não podem se alimentar os que servem à Tenda” (Hb 13, 10), ou seja, os cristãos só têm uma lei sobre comida, a da eucaristia, que exclui todos os outros de sua participação, de modo particular os que pemanecem a serviço da Tenda (= Judaísmo). O altar é a mesa santa da ceia de Cristo e constitui, em última análise, cópia do altar que o apocalíptico João viu no céu e sob o qual ficam as almas “dos que foram imolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que dela tinham prestado” (Ap 6, 9). A mesa, sobre a qual o Senhor celebrou com os discípulos a última ceia (Mt 26, 20-46, Lc 22,14-23), é o primeiro altar para o novo sacrifício, essencialmente diverso dos sacrifícios do Antigo Testamento. A parte mais importante da casa de Deus é o altar, cujo caráter de santidade expressa-se de maneira mais vigorosa nos ritos latinos da consagração de igrejas. Os significados simbólicos principais do altar são: ser representação da mesa da última ceia, ser símbolo da santa cruz sobre a qual foi oferecido o sacrifício redentor e ser símbolo do próprio Cristo. A mesa de pedra assinala para “a pedra que os construtores rejeitaram” e, não obstante, “tornou-se a pedra angular” (Sl 118,22). Uma interpretação místico-mortal dos Padres da Igreja viu no altar o coração de todo homem em que se queima o amor divino como eterna chama. Já Ambrósio considerou as virgens consagradas a Deus como altares do Altíssimo. E as virtudes são os degraus de acesso ao altar, considerando-se os degraus do altar de Salomão como o seu anúncio”. Manfred LURKER, Dicionário de figuras e símbolos bíblicos, p. 5, vocábulo: Altar.

Page 119: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

118

 

joelhos. A maioria dos monges está com os olhos fechados. Enfim, há um profundo

silêncio, também corporal, mas o corpo fala por si mesmo, em cada gesto que os

monges fazem6, há uma atmosfera de oração.7

A oração das Vigílias8 começa pontualmente às 4h20, ao toque de um

pequenino martelo de madeira. O Abade dá uma suave e discreta batida; o som é

quase imperceptível aos ouvidos do hóspede, que não está acostumado com um

toque tão discreto. Monges e hóspedes ficam em pé, voltados para o altar e com os

olhos fitos sob o ícone da Virgem Maria. As mãos postas uma sobre a outra, um

                                                       6 “O corpo é o inconsciente visível”, afirmava Wilhelm Reich. É o nosso texto mais concreto, nossa mensagem mais primordial, a escritura de argila que somos. É também o templo onde outros corpos mais sutis se abrigam. A pele é a ponte sensível do contato com o mundo e pode ser também um abismo. É o nosso órgão mais extenso, é o nosso código mais intenso, um lar de profundas memórias O corpo sente, toca, fala, comunga. Vida incorporada, corpo da Vida. Hoje sabemos o quanto nos desviou da saúde integral a concepção moderna que dissociou o corpo da alma e do espírito. Perdemos a coesão e a congruência: mais do que isto, perdemos a transparência. A fragmentação epistemológica também refletiu-se no indivíduo e na sociedade, separando o organismo do meio ambiente, enfatizando as fronteiras e os conflitos. Alienação diabólica, já que diablos é o que divide, o fator tanatológico básico. Divino é o que vincula, unifica e restaura a inteireza vital”. Jean- Yves LELOUP, O corpo e seus símbolos, p. 9. 7 “São Bento, no 6º capítulo, não fala de silentium, que significa mais a prática do silêncio, e sim de taciturnitas, taciturnidade. Com isto ele quer, por um lado, referir-se à atitude do silêncio, e por outro a uma atitude de recolhimento, que deve dominar em seu convento. Este espaço de recolhimento é o lugar em que o monge está aberto para Deus, em que ele pode escutar a palavra de Deus na Escritura e na Liturgia, e onde pode viver na presença de Deus. Aqui São Bento está descrevendo mais uma atmosfera do que uma técnica de silêncio. É uma atmosfera de abertura para o espírito de Deus. Ele coloca estas duas palavras uma ao lado da outra: “calar” e “ouvir”. O silêncio serve para ouvir, ao escutar a palavra de Deus. Ele aguça a percepção para a presença de Deus como espaço em que nos movimentamos, e para a palavra de Deus que nos aponta o caminho”. Anselm GRUN, As exigências do silêncio, p. 67-68. 8 “A noite é o tempo em que esperamos pelo Cristo como esposo da humanidade. O tempo noturno de oração chama-se “Vigília”, que significa o não querer dormir, o ficar acordado. Essa prática era adotada pelos filósofos gregos para libertar a alma do sono da existência terrestre, reconduzindo-a à sua essência original, mais pura. Gregos e romanos conheciam celebrações noturnas, das quais esperavam a iniciação em mistérios mais profundos. “Vigílias” significa também a vigilância para a segurança da cidade. É um conceito derivado da linguagem militar, pois, à noite, o soldado deve estar no seu posto, montando guarda. Os monges vigiam para, na oração, se encontrarem com Deus. E ainda para o bem da população. Com sua vigília noturna, eles prestam um serviço ao mundo. Vigiam orando, para que ninguém seja assaltado por inimigos internos. A vigília é o tempo mais demorado de oração; nesse momento, recitam-se salmos e medita-se sobre como penetrar no mistério da vida diante de Deus. Enquanto todos dormem, os monges cuidam para que o mundo não se afunde no inconsciente, mas seja despertado pelo Espírito de Deus e enfrente a realidade de olhos abertos. E vigiando, querem participar da oração de Jesus, de quem Lucas afirma: “passou a noite toda em oração a Deus” (Lc 6,12b). Os salmos nos dizem que é, sobretudo, durante a noite que se deve refletir sobre as instruções e o agir de Deus. “Recordo teu nome no decorrer da noite, Senhor, e observo tua lei” (Sl 118, 55). E como base para a Vigília dos monges, São Bento cita outro versículo de um salmo predileto: “No meio da noite me levanto para te louvar pelas tuas justas normas” (Sl 118, 62). A noite é um tempo propício para se refletir sobre as obras de Deus. Por isso São Bento prescreve leituras da Bíblia e dos esclarecimentos dos santos padres”. Anselm GRUN, No ritmo dos Monges, convivência com o tempo, um bem valioso, p. 25-27.

Page 120: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

119

 

pouco abaixo do queixo, fazem uma cruz sobre os lábios e cantam alternando entre

uma voz-solo e todos respondem:

Senhor, abri os meus lábios! E minha boca anunciará vosso louvor! Desperte conosco a Virgem Maria! Que ela nos faça guardar a Palavra no coração! Com Ela cantamos o Cântico Novo! Glória a Vós, Senhor, por vosso Filho no Espírito Santo.9

Ouvi muitas vezes a palavra coração durante as celebrações da liturgia. Qual

o significado de repeti-la tantas vezes?

O coração, para a grande tradição monástica, como para a Bíblia, é em primeiro lugar, o homem em suas raízes mais profundas; este lugar onde ele pode dizer sem mentira eu e sim, mas também tu. É o lugar onde o homem se revela, separado, pode enfim habitar consigo mesmo, reconhecer o Senhor e rezar em verdade. Entra em teu coração e vê o que experimentas lá e que tu és a imagem de Deus. O monge deve, em primeiro lugar, reconhecer que ele tem um coração petrificado; deve então reuni-lo na paz e, com a lembrança do Senhor, amolecê-lo e quebrá-lo no arrependimento até que ele se torne um coração de carne, trabalhado pela Palavra de Deus, irrigado e semeado pelo Espírito. Então, deste “âmago”, brota o louvor e assim a vida comum, que o monge vive com seus irmãos, se torna concórdia, unidade dos corações, a convivência com a Palavra não é mais somente leitura ou estudo, mas recordatio, meditação no coração, e a liturgia que ele celebra se desenrola também no altar de seu coração.10

Um dos monges leitor da semana dirige-se ao ambão11 com o passo tranquilo

e acende uma lâmpada para enxergar melhor. Com a voz clara e terna, canta12 o

                                                       9 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 3-4. 10 Jean Yves LELOUP, Palavras do Monte Atos, p. 8-9. 11 Estante de madeira onde fica o livro para as leituras. 12 “No Mosteiro da Ressurreição, canta-se em tom gregoriano e em português todos os salmos. Pois o canto Gregoriano é uma forma musical para uso nas celebrações litúrgicas da Igreja. Característica do Canto Gregoriano é ser essencialmente orante. Ele próprio se constitui em oração e suas melodias não são acessórios à ornamento exterior, mas sim a própria vida da oração, que reforçando a Palavra e dirigindo o pensamento, dispõe o fiel à ação do Espírito Santo, elevando-o a Deus. Como, a partir do século III, a língua latina foi adotada pela Igreja Romana, para celebração litúrgica, também as composições do gregoriano tradicional, até a Reforma do Concilio Vaticano II, foram feitas em Latim. Celebramos a Liturgia em vernáculo, segundo o espírito da reforma litúrgica do Vaticano II, sem deixar de lado a tradição do canto gregoriano. Esse foi um desafio assumido pelos monges do Mosteiro da Ressurreição: adaptar o espírito do Canto Gregoriano para o Português. Com base no principio fundamental de que a melodia no canto Gregoriano é “serva” da Palavra, iniciou-se então o trabalho de adaptação e composição das melodias de forma a que essas pudessem contemplar a

Page 121: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

120

 

salmo 94 e toda comunidade monástica repete sempre o refrão referente à temática

do dia. Ao terminar, volta para seu lugar:

Vinde, exultemos de alegria no Senhor, aclamemos o Rochedo que nos salva! Ao seu encontro caminhemos com louvores, e com cantos de alegria o celebremos!

Refrão: Adoremos a Deus, o nosso Criador.

Na verdade, o Senhor é o grande Deus, o grande Rei, muito maior que os deuses todos. Tem nas mãos as profundezas dos abismos, e as alturas das montanhas lhe pertencem; o mar é dele, pois foi ele quem o fez, e a terra firme suas mãos a modelaram!

Refrão: Adoremos a Deus, o nosso Criador.

Vinde adoremos o prestemo-nos por terra, e ajoelhemos ante o Deus que nos criou! Porque ele é o nosso Deus, nosso Pastor, e nós somos o seu povo e o seu rebanho, as ovelhas que conduz com sua mão.

Refrão: Adoremos a Deus, o nosso Criador.

Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: “Não fecheis os corações como em Meriba, como em Massa, no deserto, aquele dia, em que outrora vossos pais me provocaram, apesar de terem visto as minhas obras.

Refrão: Adoremos a Deus, o nosso Criador.

Quarenta anos desgostou-me aquela raça, e eu disse: “Eis um povo transviado, seu coração não conheceu os meu caminhos!”E por isso lhes jurei na minha ira: “Não entrarão no meu repouso prometido!”.

Refrão: Adoremos a Deus, o nosso Criador. (Sl 94).

E num ato sincrônico, com se fosse uma grande sinfonia, outro monge

começa a cantar o hino, dando a continuidade da temática do dia.

Todo hino termina com uma saudação à Santíssima Trindade e faz uma

inclinação, por exemplo: “A vós Trindade Santa, inefável: a majestade, a honra e

poder, nós tributemos junto aos vossos Anjos eternamente”13. Ou ainda: “Deus

Clemente e Pai Piedoso, a Vós louvor e a Jesus que está à vossa destra. Ao

Consolador que nos reúne em mistério o que é vindouro e glória eterna”14. Muitos

santos tinham uma devoção especial para com a Trindade, como, por exemplo:

                                                                                                                                                                         estrutura das frases do texto litúrgico em português, atendendo as tônicas das palavras e métricas das frases”. www.abadiadaressurreicao@org. Acesso em: 05 abril 2009. 13 Hino referente à festa dos Santos Anjos. MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 19. 14 Hino para a solenidade de São Bento. Ibid., p. 114.

Page 122: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

121

 

“Santa Madalena de Pazzi tinha tanta devoção ao recitar o Glória Patri, que via-se

nesse momento empalidecer, tão compenetrada estava da doação que fazia de si

mesma à Santíssima Trindade, ao pronunciar essas palavras”15.

Ao terminar este momento, outro monge reza em voz alta a oração do dia, ou

melhor, da madrugada. Palavras como escuridão, noite e trevas, são próprias deste

momento de oração, pois ainda é madrugada. Exemplificamos com apenas duas

orações, mesmo havendo uma variedade imensa:

Enquanto as trevas ainda não se dissipam, Senhor nosso Deus, nós vigiamos celebrando o vosso louvor. Derramai, vos pedimos, em nossos corações o amor, cuja chama não se extingue e fazei-nos entrar um dia em vossa glória. Por Nosso Senhor Jesus Cristo.16

Senhor Jesus, no silêncio da noite assumistes nossa carne nascido da Virgem Maria. Enquanto caminhamos, pela fé, até Vós, possamos nossas trevas vos acolher e assim nos tornarmos filhos da luz na glória de vosso Pai. Atendei-nos, Vós que sois nosso Salvador vivendo com o Pai na unidade do Espírito Santo.17

Após esta oração, todos se sentam e sobre suas mãos está o saltério18 e o

Abade, em pé, com a voz clara e suave, recita a antífona do primeiro salmo.

Inicialmente são dois salmos históricos e longos, que narram as maravilhas da

criação e da salvação que Deus realizou na história. Às vezes, é rezado por uma voz

somente, alternando com os dois lados do coro monástico. Após a recitação dos

salmos, um dos monges leitores dirige-se novamente ao ambão19 para a primeira

leitura bíblica. Acende uma lâmpada que fica bem acima da cabeça do leitor, com a

finalidade de ter um pouco mais de claridade. Na penumbra e no silêncio, a voz

ressoa por toda a capela. Ao terminar a leitura, as poucas luzes da capela são todas

apagadas e todos os presentes ficam na escuridão, literalmente. A finalidade é

                                                       15 Columba MARMION, Jesus Cristo ideal do monge, p. 498. 16 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Liturgia das horas, p. 55. 17 Ibid., p. 99. 18 O saltério é o livro em que a Palavra de Deus se torna oração do homem. Nos outros livros do Antigo Testamento “as palavras proclamam as obras” (de Deus em favor dos homens) “e elucidam o mistério nelas contido”. No Saltério, as palavras do salmista exprimem, cantando-as a Deus, suas obras de salvação. O mesmo Espírito inspira a obra de Deus e a resposta do homem. Cristo unirá uma e outra. Nele, os salmos nos ensinam continuamente a orar. VATICANO, Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 2587. 19 Uma estante de madeira onde se coloca o livro das leituras.

Page 123: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

122

 

deixar que as palavras que foram ouvidas fiquem ruminando no coração20 do

ouvinte. Este tempo dura cerca de cinco minutos. Como já dissemos, a palavra

coração é pronunciada muitas vezes. Por que a repetição contínua? Leloup afirma

que o coração é o centro do verdadeiro encontro com Deus na oração:

Seguir o Cristo é de início, abrir-lhe as portas de nosso coração: “Que é preciso fazer para ser salvo?”. Um ancião respondeu: Tem um coração e serás salvo. O coração, para a grande tradição monástica, como para a Bíblia, é, em primeiro lugar, o homem em suas raízes mais profundas, este lugar onde ele pode dizer sem mentira eu e sim, mas também tu. É lugar onde o homem se revela, separado; pode enfim habitar consigo mesmo, reconhecer o Senhor e rezar em verdade. Entra em teu coração e vê o que experimentas lá e que tu és a imagem de Deus.21

Os primeiros pais do monaquismo souberam encontrar Deus na prática do

silêncio. Isto parece ser um choque para nós que vivemos numa sociedade tão

barulhenta, que não gosta do silêncio. Porém, é necessário saber silenciar, pois ele

é salutar:

Nossos pais espirituais são grandes silenciosos. De outro modo, como poderíamos escutar, quando lhes contamos nossas misérias? O silêncio de nosso pai espiritual é o silêncio e o ouvido de Deus que nos escuta. Só o silêncio fala bem sobre Deus. O silêncio é uma condição para rezar bem, ele é também o fruto da oração. Quanto mais rezares, mais o silêncio se faz em ti.22

                                                       20 “Na fé dos povos, o coração destes tempos assumiu papel central. Designa o homem inteiro em contraste com a pessoa externa. O verdadeiro ser do homem está não no seu exterior, na beleza ou na força, mas no seu interior. “Deus vê não como o homem vê, porque o homem toma em consideração a aparência, mas Javé olha o coração” (1Sm 16, 7). Também no Novo Testamento, o coração designa o centro anímico-espiritual. Paulo escreve “em grande tribulação e com o coração angustiado” (2Cor 2,4). A fé não é coisa do pensamento e sentimento, mas só do coração (Rm 10, 10). Na Idade Média, o coração tornou-se cada vez mais símbolo do amor, tanto em sentido profano como religioso. Representações de Santo Agostinho mostram-no com coração flamejante, às vezes transpassado também com setes, como símbolo do seu fervoroso amor a Deus. O liturgista Durando (século XIII) chamou o coração de altar místico, onde os movimentos carnais são consumidos pelo fogo do Espírito Santo e as obras purificadas pelo amor são oferecidas como sacrifício”. Manfred LURKER, Dicionário de figuras e símbolos bíblicos, p.67, verbete: coração. 21 Jean Yves LELOUP, Palavra do Monte Atos, p. 8. 22 Ibid., p. 67.

Page 124: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

123

 

Terminado o tempo de silêncio, o Abade dá novamente um pequeno sinal e

as poucas luzes são acesas. Ao som do órgão, um dos cantores entoa o aleluia23

para dar início ao terceiro salmo. Um dos monges leitores vai pronunciar a segunda

leitura, que geralmente é um texto dos Padres da Igreja24. Ao terminar a leitura,

acontece o mesmo ritual: apagam-se as poucas luzes e o silêncio toma conta de

todos, para que as palavras ouvidas possam ser meditadas.25

Após este tempo, sobre o altar, somente a luz sobre dos ícones do Cristo e

da Virgem Maria ficam acesas. O ambiente permanece na penumbra silenciosa.

Finalizam a oração comunitária, rezando pelos irmãos ausentes. Há uma bênção e

todos saem para a lectio divina26. Os monges geralmente vão para suas celas;

alguns ficam na capelinha ao lado por alguns minutos; outros ainda ficam na grande

capela; os hóspedes geralmente voltam para a hospedaria, para dormir mais uma

hora ou mesmo para rezar. A oração das Vigílias é a mais longa do Ofício, com

duração de cinquenta minutos. Mas a impressão é que o tempo não passou e junto

com o salmista pode-se dizer: “Porque mil anos, diante de vós, são como o dia de

ontem que já passou, como uma só vigília da noite” (Sl 89,4).                                                        23 “Cântico de alegria ou de ação de graças, que no judaísmo passou para a liturgia cristã e ficou ligado especialmente ao tempo da Páscoa. Trecho da missa que se segue ao gradual e antecede o Evangelho. Exclamação de alegria, de júbilo. Etimologia hebraica, indeclinável hall´lu-yah “louvai com júbilo o Senhor”. (Deus, hebraico, Adonai = Senhor, subentendido Iave, o chamado tetragrama inefável, as quatro letras sagradas que, por isso, não podiam ser ditas”). Antônio HOUAISS, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p.147, verbete: Aleluia. 24 “Os Padres são os santos teólogos da Antiguidade. Eles constituem toda uma galeria de grandes homens de fé, cuja palavra e cujos escritos geraram um pensamento cristão. Historicamente, o título de Padres foi dado no início simplesmente aos bispos; às vezes também aos ascetas, que nos desertos ofereciam uma palavra espiritual, geradora de vida, aos que os procuravam. Os “Padres” são caracterizados por quatro itens: 1) Ortodoxia doutrinária, 2) santidade de vida, 3) reconhecimento ao menos indireto, por parte da Igreja, 4) antiguidade”. Folch C. GOMES, Antologia dos Santos Padres, p. 9-10. 25 Aos domingos e solenidades, nas Vigílias, é acrescentado mais este ritual: o Evangelho está sobre o altar juntamente com uma linda estola e após a segunda leitura o acólito leva-o ao Abade para proclamar; ao terminar ele canta: “Te Decet Laus, te decet hymnus, tibi glória Deo Patri et Filio, cum Sancto Spiritu, in saecula saeculorum”. Enquanto isso, o acólito leva novamente o Livro sobre o altar e deixa-o aberto. Ao terminar, toda a comunidade canta o Te Deum e, assim, terminam as Vigílias. 26 “Lectio é uma leitura, mas não como tantas outras. Ela tem como objeto a Palavra de Deus contida na Bíblia. Divina por várias razões, mas especialmente porque é feita com Deus, a dois, em estreita colaboração com Ele. O método: a lectio exige um método próprio. A leitura do texto bíblico deve ser integrada com estudos e pesquisas, e sempre acompanhada por meditação, atualização pessoal, oração. Com retorno final sobre o agir do cristão, sobre sua vida de cada dia. Uma vida, portanto, que se expande no interior do projeto de salvação de Deus. Os objetivos: a Lectio divina torna-se também em relação a eles. “Com efeito, com ela não nos aproximamos da Escritura por desejo de erudição, ou por uma exegese técnica..., mas com uma finalidade existencial ou vital, ou seja, para alimentar a fé, para favorecer o aprofundamento da adesão pessoal a Deus, e ao seu Filho. Portanto, a atitude interior não é caracterizada pelo interesse científico, pela curiosidade, mas pela sede do coração”. Enzo BIANCO, Lectio Divina. Encontrar Deus na sua Palavra, p. 31-32.

Page 125: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

124

 

A Lectio Divina é uma prática diária, que todo bom monge realiza. É a forma

de oração que os antigos monges já praticavam. O exercício diário da Lectio Divina

ajuda a todos os que queiram alimentar-se das palavras divinas e ter uma vida

espiritual de melhor qualidade:

Lectio Divina é o nome dado à leitura orante da Sagrada Escritura. Uma de suas características principais é a gratuidade com que é feita. Não se busca na Lectio adquirir informações práticas, mas simplesmente escutar o que Deus diz por meio do texto sagrado. Essa forma de oração cristã ligada à Sagrada Escritura, cujas raízes encontram-se no judaísmo, pertence ao patrimônio da espiritualidade cristã e das origens e foi assumida de modo especial na tradição monástica.

Fator fundamental na prática da Lectio é a invocação do Espírito Santo: a Lectio é “ler a Deus”, é estar diante da Palavra de Deus que é viva pelo Espírito Santo por meio do qual essa mesma Palavra foi escrita. O mesmo Espírito que moveu, inspirou e acompanhou o autor na consignação por escrito do texto, acompanha aquele que faz a Lectio Divina, dando lhe a luz necessária para penetrar o sentido do texto.

A Lectio é constituída de alguns elementos ou momentos que se entrelaçam formando uma unidade, como os fios que constituem uma corda. Esses elementos são: leitura, oração, meditação e contemplação. Desse contato íntimo, que envolve o homem todo, em seu afeto, intelecto e vontade, brota o compromisso de acolher e realizar a vontade que Deus manifesta nesse encontro.27

Desde às 4h20 da manhã, o monge está disposto e vigilante orando diante de

Deus. Só por isso estes monges já deveriam ser mais valorizados, amados e

respeitados. Eles prestam um relevante serviço para toda a humanidade e a maioria

das pessoas nem sabe que eles existem. Entre a primeira oração e a segunda, os

monges também tomam o café, algo muito rápido e frugal: café com ou sem leite e

pão. O próximo item apresentará a segunda oração, onde toda a comunidade

monástica reúne-se para rezar as Laudes.

4.2 - Laudes28 com e sem missa: das 6h15 às 7h20

Durante a semana, as Laudes são rezadas junto com a missa, pela manhã,

ao nascer dos primeiros raios do sol. A escolha das horas para se rezar não se dá                                                        27 www.abadiadaressurreicao@org. Acesso em: 05 abril 2009. 28 De terça-feira a sábado as Laudes são rezadas com a Missa.

Page 126: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

125

 

aleatoriamente, mas em todas elas há uma motivação espiritual significativa que

vem dos primórdios dos tempos:

As Laudes são o louvor que os judeus praticavam no momento do nascer do sol. Os cristãos se lembram, então, do nascer do sol da Ressurreição, que para eles resplandece das profundezas do sepulcro. Nas Laudes, eles louvam o mistério da Ressurreição de Jesus Cristo, pela qual sua vida ficou clara e curada. A beleza do sol nascente torna-se o símbolo da Ressurreição de Jesus, na qual toda a nossa escuridão foi vencida. Ao alvorecer, o coração humano se abre para louvar a Deus, pois não está preso nos sonhos noturnos ou nos sentimentos depressivos da noite. Sente antes aquilo que o salmista canta: “Se de tarde sobrevém o pranto, de manhã vem a alegria” (Sl 29,6). Com o Salmo (91) Rezamos: “É bom louvar o Senhor e cantar a teu nome, ó Altíssimo, anunciar de manhã o teu amor e tua fidelidade durante a noite”. 29

No Mosteiro da Ressurreição, às 6h00 da manhã, o sino ressoa novamente.

Este horário é significativo para os católicos praticantes da religião e com maior

intensidade para os monges30. Às 6h10, novamente, ouve-se o badalar do sino,

avisando a todos que a segunda oração está prestes a começar. Todas as lâmpadas

da capela estão acesas e as velas do lado do altar tornam o ambiente bem

iluminado. Tudo é preparado com esmero, atenção e sem correria, dando a

impressão que todos vivem dentro de um ritual permanente. Ao lado das janelas da

                                                       29 Anselm GRUN, No Ritmo dos Monges, p. 27-28. 30 “O Capítulo provincial de Pádua, em 1305, decretou para a província de Veneza “que se tocasse o sino, ao entardecer, em todos os conventos, por três vezes, lentamente, em honra da Virgem gloriosa e que então todos os Irmãos se ajoelhassem e dissessem três Aves Maria. Os cartuxos, os beneditinos e os cistercienses, antes deste costume, já tinham a prática das “três orações” recitadas três vezes por dia: antes do Ofício da noite, antes de Prima ou de Terça, depois do Ofício de Completas, tratava-se de salmos, responsos e orações propriamente ditas. Nessa hora, ao entardecer, era o Abade quem devia tocar o sino. O desenvolvimento da devoção mariana no século XIII trouxe para o primeiro plano o costume das três Aves Maria e os três toques de sino, três vezes ao dia, para assinalar a tripla saudação angélica. É possível que o repicar dos sinos, tal como é praticado no final dos tríplices toques, tenha sua origem no uso muito antigo do toque de recolher nas cidades. Entretanto, no século XIV, à recitação das Aves Maria une-se três versículos com os respectivos responsos, são ditos pela manhã, ao meio-dia e ao entardecer. Como dizem respeito à Encarnação, esta toma a dianteira em relação à Paixão e à Ressurreição, as quais só vão aparecer na oração final. O próprio apelativo Angelus suplanta o antigo nome de Aves Maria ao longo do século XIV. São Pedro Canisio, que está sepultado em Friburgo, Suíça, onde morreu, fez muito por esta extensão do Angelus tal como conhecemos, pela difusão de seu Manuale cathollicorum”. (Manual dos Católicos- Anvers, 1588). Robert Dom LE GALL, O Angelus: A anunciação três vezes por dia, Revista Beneditina, p. 21-23. Dom Robert LE GALL, OSB, arcebispo de Toulouse, França, foi anteriormente abade da abadia Beneditina de Sant`Ana de Kergonan, depois Bispo de Mende, França.

Page 127: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

126

 

capela, há algumas jabuticabeiras e os pássaros cantam o tempo todo, como se

fosse uma sinfonia musical, sobretudo quando é tempo da primavera.

Dez minutos antes de cada oração, os monges se encontram num lugar

chamado Statio, que consiste num corredor com pouca luz em suas paredes e piso

escuro. Todos os monges estão no mais profundo silêncio em seus corpos,

parecendo imóveis. Este local é a extensão da sacristia e da sala capitular, dando

direto na capela. Podem-se observar alguns pequenos detalhes neste lugar como os

quadros pintados pelos próprios monges artistas. Lembro-me de três quadros na

parede central, das santas monjas Escolástica, Hildegarden e Gertrudes e, na frente,

um balcão com um vaso de flores. Na outra parede, um pequenino mural com o

nome e as funções litúrgicas que cada monge vai exercer durante a celebração.

Ainda, na outra parede, um ícone do batismo de Cristo. Perto da porta da capela, há

uma frase esculpida na madeira: si cor non orat invanum língua laborat. Nesta frase

parece estar contida uma verdade essencial a respeito da oração:

A verdadeira oração não sai apenas dos lábios, mas do “coração”, isto é, de todo o ser. É o grito de profundis, “das profundezas”. Pois existe uma correspondência entre as profundezas do coração e as alturas do céu, que não deve ser entendida em sentido físico, mas no sentido de ir além pelo centro. Foi assim que Pascal recorreu a Deus escondido quando as descobertas de Copérnico e Galileu mostraram o vazio dos “espaços infinitos”. Por oração, não entendo a que está apenas nos lábios, mas a que brota do fundo do coração. De fato, assim como as árvores de raízes profundas não são quebradas nem arrancadas pelas tempestades, as orações que vêm do fundo do coração, assim enraizadas, sobem ao céu com toda confiança e não são desviadas pelo assédio de nenhum pensamento. Por isso, o salmo diz: “Das profundezas clamei a ti, Senhor” (Sl 129, 1). 31

Estar na Statio minutos antes das celebrações é um ato litúrgico. Os monges

ficam no mais profundo silêncio e vão formando duas filas. Um deles disse-me que é

o momento do esvaziamento do coração e de grande intensidade espiritual, quando

é possível fazer memória de acontecimentos e de pessoas. É um momento de

preparação imediata à oração comunitária:

                                                       31 Olivier CLÉMENT, Fontes - os místicos cristãos dos primeiros séculos, p. 168.

Page 128: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

127

 

Portanto, a primeira disposição que nos é exigida é a preparação da nossa alma por uma oração fervorosa: instantíssima oratione. É para esse fim que nos reunimos na “estação”, no claustro, antes de entrar na Igreja. O silêncio da estação deve ser inviolável. É preciso que cada um respeite o recolhimento dos irmãos, não perturbando, mesmo com palavras necessárias, mas que poderão ser ditas noutro momento, o trabalho de uma alma que se prepara para se unir a Deus. Os minutos passados na estação são minutos de ouro. A experiência prova que o fervor durante o ofício divino se mede exactamente pela preparação imediata. Pode-se dizer mesmo que, se não nos prepararmos bem, sairemos da “obra de Deus como entramos”, e, além disso, com a culpa da nossa negligência.32

Após todo este ritual de preparação, a porta central da capela é aberta aos

poucos, como se fosse a coisa mais importante daquele momento. Abrir uma porta!

Como é que um místico abre uma porta! Para nós que corremos o tempo todo, este

pequenino gesto impressiona. Geralmente, é aberta por um postulante ou um

noviço, que abre um pouquinho e a deixa assim por alguns minutos. Somente no

momento em que o Abade faz um sinal, bate palmas, a porta é aberta totalmente.

Todos os sinos tocam alegre e solenemente, e assim que param, o organista

começa a tocar alguma música. Pontualmente às 6h15, os monges começam a

procissão de entrada, fazendo o sinal da cruz com água benta, que está ao lado

direito da porta. Aquele monge que se encontra a direita molha os dedos na água e

estende a mão ao companheiro. Neste gesto, eles simbolizam a Tradição que vem

passando de geração em geração.

Atravessando a porta central, os monges entram de dois em dois, a partir dos

mais novos do mosteiro. Seus rostos estão serenos e suas bocas cantando. Entram

com os olhos fitos na partitura ou abaixados, salvos quando um ou outro dá uma

olhadinha muito rapidamente para as pessoas e, às vezes, um sorriso muito

discreto. Com devoção e com piedade fazem uma inclinação diante do altar, que

está no centro da capela e outra inclinação para seu irmão que entrou junto na fila.

Assim, cada um segue para seu lugar no coro. No final da fila estão os monges-

padres do mosteiro; todos estão paramentados, fazem a inclinação, beijam o altar e

seguem para seus lugares.

A celebração tem início com o sinal da cruz, algumas palavras de acolhimento

e uma breve explicação das leituras bíblicas do dia. O pedido de perdão é cantado                                                        32 Columba MARMION, Jesus Cristo ideal do monge, p. 469.

Page 129: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

128

 

através do Kyrie eleison e o presidente da celebração reza a oração da coleta.

Todos sentam e começa a recitação dos salmos e dos hinos próprios para esta hora.

Cada monge está com o saltério em suas mãos. Ao final de cada salmo ou hino,

existem alguns minutos de silêncio para que se refleta sobre o que foi rezado.

Terminada a recitação dos dois salmos e do hino, faz-se um silêncio mais

prolongado, com a finalidade de preparar o coração para escutar a Leitura da missa.

Um dos monges levanta-se do seu lugar e segue caminhando quase sempre

compenetrado, de maneira solene, para o local, onde se encontra o Ambão e o livro

com as leituras. Pausadamente, sem pressa, com voz clara, é proclamada a leitura.

Todos estão muito atentos, alguns estão até com os olhos fechados e inclinados,

outros olham bem para o leitor. Nas palavras de Merton, as leituras são importantes,

pois:

A contemplação ativa é alimentada pela leitura e pela meditação e, como veremos, pela vida litúrgica e sacramental da Igreja. Mas antes que a leitura, a meditação e o culto se tornem contemplação, devem convergir numa visão unificada e intuitiva da realidade. Na leitura, por exemplo, passamos de um pensamento a outro, seguimos o desenvolvimento das idéias do autor e, se lemos bem, contribuímos com idéias nossas. A leitura se torna contemplativa quando, em vez de raciocinarmos, abandonamos a sequência dos pensamentos (meditação), mas simplesmente para nos elevarmos acima do pensamento e penetrar no mistério da verdade experimentada intuitivamente como presente e atual. Meditamos com a nossa mente que parte de nosso ser. Mas contemplamos com todo o nosso ser e não apenas com uma de suas partes.33

Terminada a leitura, o leitor e o salmista fazem juntos a inclinação para o

altar. O salmista canta ou recita o salmo e toda a assembléia repete o refrão. Em

seguida, todos ficam de pé e cantam o aleluia, aclamando o Evangelho, e um dos

padres segue caminhando, juntamente com o cerimonial, até o Ambão. Todos os

presentes na capela se voltam para aquele que vai ler o Evangelho. Em questão de

segundos, é possível olhar para o rosto dos monges e perceber quanto os olhos

falam: uns estão brilhantes, outros mais introvertidos, outros ainda muito

expressivos. Ao terminar a leitura do Evangelho, todos se voltam para a posição

inicial.

                                                       33 Thomas MERTON, Espiritualidade, contemplação e paz, p. 70-71.

Page 130: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

129

 

O celebrante tem um livro em suas mãos, no qual estão algumas preces. Ele

reza em voz alta e, após um momento de silêncio, espontaneamente vai surgindo

mais orações. Algumas são pedidos locais, outras universais, com os mais variados

pedidos e agradecimentos. Ouvi uma prece que dizia: “Pelas irmãs que trabalham

na China, ajudando as crianças e as pessoas, para que não se cansem”34. Outra

ainda: “Por todos os participantes desta Eucaristia, por aqueles que nos fazem o

bem, rezemos ao Senhor”35. O celebrante termina com uma oração específica.

Todos os presentes sentam e apenas um dos padres e dois acólitos vão

preparar as oferendas de pão e vinho. É chegado o momento do ofertório. Ao lado

existe uma mesinha, chamada credencia, onde se encontram os cálices, as alfaias,

a água, o pão e o vinho. Eles colocam tudo sobre o altar numa ordem impecável. Dá

gosto de ficar olhando cada gesto realizado. O padre “acólito” apresenta ao

presidente da celebração o pão e o vinho, enquanto a comunidade monástica canta

algo apropriado para o momento. Tudo é feito num clima de solenidade e dentro de

um rito e de um ritmo, que expressam uma beleza ímpar. Um dia perguntei para um

hóspede o que ele viu na celebração. Não conseguia falar, apenas chorava, pois

estava feliz e em paz.

Segue-se a missa, conforme o missal romano, na obediência fiel às rubricas e

às normas. Os padres presentes na celebração ficam em volta do altar formando um

grande abraço. Algumas partes da missa são cantadas em latim, como Glória,

Credo, Santo e Cordeiro de Deus. Geralmente, há o abraço da paz, seguido pela

oração do Pai Nosso.

Durante a Comunhão, a comunidade dos monges forma duas filas do lado do

coro e recebe a comunhão sob as duas espécies. Hóspedes e visitantes também

recebem a comunhão sob as duas espécies, sobretudo durante a semana, quando

há menos gente que no domingo. Tudo acontece em clima de silêncio e de oração.

Algumas vezes cantam algum salmo ou alguma antífona ou apenas se ouve uma

música instrumental, seja do órgão, do violão, da flauta ou da cítara.

Ao terminar a comunhão, cada um volta-se para seu lugar inicial e os acólitos

vão limpar e tirar os objetos sagrados do altar e colocá-los de volta na credência.

                                                       34 Anotação em caderno de pesquisa da autora, Missa do dia 26/12/2009, Ponta Grossa. 35 Anotação em caderno de pesquisa da autora, Missa do dia 26/12/2009, Ponta Grossa.

Page 131: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

130

 

Eles fazem com muita devoção este mínimo gesto, deixando apenas a toalha sobre

o altar. Terminado todo o cerimonial, as pessoas ficam em pé e entoa-se o cântico

evangélico, chamado o Benedictus. Em seguida, todos se inclinam para receber a

bênção final.

O mesmo monge que abriu a porta no início da celebração sai um pouquinho

antes, para abri-la novamente. A procissão de saída é formada solenemente e, na

mesma ordem inicial, faz-se a inclinação, agora somente para o altar. O celebrante

presidente da missa beija o altar e todos atravessam a porta central que dá acesso à Stacio, sempre em silêncio.

Alguns dos monges, sobretudo os candidatos, entram por uma porta

secundária, levam os objetos para a sacristia, apagam as luzes e as velas. Alguns

voltam para pegar seus livros de orações. Muito rapidamente, alguns poucos

monges aparecem para cumprimentar as pessoas presentes, mas logo se recolhem

para a clausura. Essa função litúrgica termina mais ou menos às 7h25 e cada um

dos monges e dos hóspedes seguem seus trabalhos e seus estudos até a próxima

oração.

As Laudes sem a missa acontecem aos domingos ou nas solenidades,

porque, nestes dias festivos, a missa é celebrada solenemente às 10h00. Existem

algumas pequenas diferenças, ora acrescentadas, ora tiradas desta oração. As

Laudes têm início às 6h15 da manhã e duram mais ou menos até às 7h00. A

introdução inicial é feita com estas palavras:

Ó Deus, eu vos busco desde a aurora! A minh’alma tem sede de vós. Minha carne também vos deseja como terra sedenta e sem água. Demos glória a Deus Pai Onipotente, e a seu Filho, Jesus, Nosso Senhor, e ao Espírito que habita em nosso peito, pelos séculos dos séculos. Amém.36

As preces são feitas do ambão, onde um monge as pronuncia sob um suave

fundo musical, vindo do órgão. Um acréscimo nesta oração é a bênção especial

dada pelo Abade aos monges que, durante a semana, servirão à comunidade no

refeitório e na liturgia. São chamados de semanários. São mais ou menos sete

                                                       36 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 1.

Page 132: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

131

 

monges, que se apresentam na frente do altar diante de toda a comunidade e dizem

a seguinte oração: “Bendito sejais, ó Deus, que me ajudastes e me consolastes”37. E

o Abade reza:

Oremos: Ó Deus, Senhor e guarda da vinha e da colheita, que reparti as tarefas e dais a justa recompensa, recompensai estes nossos irmãos que nos serviram, conforme o preceito do amor fraterno deixado por vosso Filho aos homens de boa vontade. Ele que convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo.38

Em seguida, os monges voltam para os seus lugares e se apresentam aos

outros que vão servir durante a semana. Todos juntos dizem: “Vinde, ó Deus, em

meu auxilio, sem demora. Apressai-vos, ó Senhor, em socorrer-me!”39. Somente um

monge reza em voz alta: “Abri meus lábios, ó Senhor, e minha boca anunciará vosso

louvor!”40. Depois, o Abade pronuncia a oração:

Oremos. Deus de bondade e de clemência, que em todos os lugares protegeis e auxiliais os vossos servos, vos pedimos: cumulai de bens a dedicação destes nossos irmãos e aumentai-lhes o zelo para que sirvam com o coração puro seus irmãos. Por Cristo Nosso Senhor. 41

Aos domingos, após as Laudes, os hóspedes e os visitantes são convidados

a entrarem na Stacio, juntamente com toda a comunidade monástica para o rito da

bênção da água do batismo. O Abade faz uma oração sobre a água e depois, com

um raminho verde, asperge cada pessoa.

Enfim, aos domingos e nas solenidades, algumas partes da missa são

cantadas em latim, como, por exemplo: Kyrie, Glória, Credo, Santo, Cordeiro,

sempre acompanhadas pelo órgão, e outras vezes por flautas, por violão ou por

cítara. A missa segue seu curso normal como nos dias da semana, conforme já

descrevemos neste trabalho. Durante a celebração da missa sempre há muito

                                                       37 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, folha de rosto. 38 Ibid., folha de rosto. 39 Ibid., folha de rosto. 40 Ibid., folha de rosto. 41 Ibid., folha de rosto.

Page 133: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

132

 

incenso42, de vez enquanto convidam algum leigo para proclamar as leituras da

missa. As homilias são bem preparadas e não ultrapassam vinte minutos. Muitas

pessoas vêm de longe somente para escutar uma boa homilia. Em tempos de

carência homilética, é um prazer escutar palavras precisas sobre o Evangelho.

Na oração do Pai-Nosso, os monges levantam os braços bem para o alto,

numa atitude de abandono. No momento do abraço da paz, é possível sentir uma

alegria contagiante entre todos. Alguns dos monges-sacerdotes cumprimentam as

pessoas que participam da missa, dando o abraço da paz. Tudo é feito com muita

tranqüilidade e quando acontece algum imprevisto, procura-se manter a calma. Uma

vez, durante a missa, vi que a naveta de incenso caiu com todo o incenso no chão.

Todos continuaram como se nada estivesse acontecido.

Ao terminar a missa dominical, todos os monges saem da mesma forma que

entraram: em procissão solene em silêncio e ao som do órgão. As pessoas também

saem da capela e vão para o bosque do mosteiro e ficam esperando alguns dos

monges, que vêm para cumprimentá-los. Esta conversa pode durar até trinta

minutos. Ao bater do próximo sino, todos os monges vão para a capela rezar a

oração de sexta e a maioria das pessoas que estava na missa, vão embora. A

manhã de domingo, no Mosteiro da Ressurreição, segue sempre este ritmo.

4.3 - Tércia: das 9h00 às 9h15 É o terceiro momento de oração do dia e todos os monges já estão em seus

trabalhos cotidianos. Ao soar do sino, às 8h50, os monges deixam seus trabalhos43

para rezar os salmos na capela. O sol ilumina quase todo o bosque e alguns de seus

raios entram pela janela da capela, exceto quando chove ou faz frio. Em todos os

momentos da oração, há uma motivação espiritual e não é por acaso que foi

escolhida esta hora. Nesta oração, querem lembrar a descida do Espírito Santo

sobre os Apóstolos, “chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no

mesmo lugar. De repente veio do céu um ruído, como que soprasse um vento

impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados”( At 2,1-2).                                                        42 Incenso que eles mesmos produzem e quando o altar é incensado, seu cheiro suave, parece que penetra todos os cantos, fazendo uma cortina de fumaça. 43 Manuais ou intelectuais. Está dispensado àquele monge que sai para o estudo fora do mosteiro ou aquele que necessitou fazer alguma outra coisa muito urgente.

Page 134: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

133

 

Os monges vão chegando espontaneamente, entrando pela porta secundária.

Estão vestidos com suas roupas de trabalho, que consiste em calça jeans e uma

jaqueta preta. Alguns estão com tênis, sapatos, chinelos ou mesmo com suas botas

de trabalho. Pontualmente, às 9h00, o Abade, ou, na sua ausência, o Prior, faz o

sinal para iniciar a oração, sinal que é dado por um toque muito discreto com o

martelinho de madeira. Todos se voltam para o altar e com as mãos postas uma

sobre a outra, um pouco abaixo do queixo, fazem o sinal da cruz, cantando: “Ò

Deus, vinde em meu auxílio! Senhor, socorrei-me sem demora. Glória ao Pai e ao

Filho e ao Espírito Santo. Como era no princípio, agora e sempre. Amém”44.

Em seguida, um dos monges cantores, em pé, entoa um hino referente à hora

e ao dia. Os salmos sempre são cantados em gregoriano e em português,

acompanhado por algum instrumento. Um dos salmos que eles rezam é o longo 118,

que dividem em pequenos trechos, como, por exemplo: “de coração quero apegar-

me à vossa lei, ó Senhor, não me deixeis desiludido! De vossos mandamentos corro

a estrada, porque vós me dilatais o coração” (Sl 118, 31-32). Após o salmo, há um

pequeno silêncio e todos estão atentos à leitura que é proclamada do ambão.

Novamente, ao toque do martelinho do Abade, todos se levantam e cantam o Kyrie

eleison. Rezam o Pai-Nosso sempre com a cabeça bem inclinada, gesto que faz

memória aos mártires dos primeiros séculos.

Após o Pai Nosso, há uma significativa oração pelos monges ausentes, que é

rezada em todas as celebrações das horas: “O auxílio divino esteja sempre conosco

e com nossos irmãos ausentes”45. Terminada a oração, todos se retiram da capela

pela mesma porta que entraram, começando pelo Abade, que é seguido pelos mais

velhos de vida monástica, sempre em silêncio. Nas palavras do Abade Dom

Bernardo Bonowitz, as chamadas horas menores, Tércia, Sexta e Noa, são

importantes, mesmo que o tempo seja muito curto em relação às demais horas:

As Horas Menores do Ofício Divino - Tércia, Sexta e Noa, celebradas mais ou menos às 9 horas da manhã, ao meio dia e as 3 horas da tarde, interrompem

                                                       44 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Introdução ao Oficio Divino desta hora, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 5. 45 Esta oração é mencionada como Auxílio Divino em várias páginas do livro das Completas do Mosteiro da Ressurreição. Este livro é de uso privado e a oração não se encontra escrita, apenas é dita oralmente.

Page 135: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

134

 

um pouquinho nossa atividade, mas não a ponto de comprometê-la ou de declará-la sem importância. Ao contrário, esses momentos mais breves do Oficio Divino asseguram-nos que é o Espírito de Deus quem nos dá a vontade, a capacidade e a energia para empreender nossos trabalhos (Tércia). Os salmos das horas menores são, na maioria das vezes, porções do mais longo dos salmos de todo o saltério, o 118. Este fala em muitas diferentes maneiras poéticas do desejo do cristão de encarnar a santa vontade de Deus no seu dia a dia. Eu imagino que esse fosse um dos salmos prediletos de Jesus, que desejava em tudo “fazer a vontade d’Aquele que o enviou”. E, então, trata-se de um salmo perfeito para essa parte do dia quando, além de se ter a oportunidade de “deixar nossa marca”, também nos é dada a possibilidade de agir e interagir de tal modo que o nome de Deus é santificado.46

Finalizando, assim, o terceiro momento de oração comunitária da jornada

monacal. Parece ser importante ressaltar que nem todas as comunidades

monásticas costumam rezar esta oração neste horário. Algumas comunidades

chegam até a suprimi-la ou a rezá-la noutro horário. Após esta oração, todos voltam

para seus afazeres. Enfim, cada um no seu trabalho e sempre em silêncio. A

próxima oração será rezada ao meio dia, chamada Sexta, que veremos a seguir.

4.4 - Sexta: das 12h00 às 12h20 Como de costume, dez minutos antes da oração, isto é, 11h50, o sino bate

novamente para lembrar aos monges e aos hóspedes que a hora da oração está

próxima. A razão deste momento de oração é fazer memória à paixão e à morte de

Jesus Cristo: “Desde a hora sexta até à nona, cobriu-se toda a terra de trevas” (Mt

27,45). Os monges vão chegando espontaneamente à capela, com suas roupas de

trabalho, algumas já gastas pelo tempo. Será que eles não se cansam desta vida

pautada pelo trabalho e pela oração? Para quem olha de fora parece ser repetitivo,

dia após dia, as mesmas ações, as mesmas palavras e os mesmos gestos. Eles

afirmam que, a cada instante, algo novo acontece, embora o ato formal seja sempre

o mesmo. Passam a vida inteira rezando os Salmos e sempre encontram uma

novidade em suas palavras, pois há uma dinâmica espiritual:

                                                       46 Bernardo BONOWITZ, O Ofício Divino, O mensageiro de Santo Antonio, p. 3-5.

Page 136: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

135

 

É Deus quem, no momento de maior intensidade da luz – meio-dia – e também de maior intensidade do nosso trabalho, nos chama para um momento de repouso espiritual e de calma interior e nos convida a renovar nossas forças corporais com a comida e a bebida da qual necessitamos.47

Às doze horas, ao toque discreto do martelinho, o Abade dá o sinal para

iniciar a oração. Todos se voltam para o altar e com mãos postas uma sobre a outra

iniciam a oração sempre fazendo o sinal da cruz. Segue a oração com os hinos e

com os salmos próprios para este momento do dia. Para exemplificar, um dos

salmos que se rezam nesta hora é:

A voz de Iahweh retorce os carvalhos, descansando as florestas. E no seu Templo tudo grita: Glória! Iahweh está sentado sobre o dilúvio, Iahweh sentou-se como rei para sempre. Iahweh dá força ao seu povo, e abençoa seu povo com paz”(Sl 28, 9-11).

Um dos monges leitores proclama a leitura da Escritura, fazem-se uns

minutos de silêncio e, novamente ao sinal do Abade, todos se levantam e cantam o

Kyrie eleison. Rezam o Pai-Nosso com as cabeças inclinadas e a oração pelos

irmãos ausentes. O esquema para as horas de oração sempre é o mesmo, podendo

sofrer alguma pequena variação. O diferencial neste momento da oração é que,

ao final da oração, todos se voltam para o ícone da Virgem Maria, um pequeno

quadro que se encontra nos fundos da capela. O Abade faz uma saudação mariana,

de acordo com o tempo litúrgico. Por exemplo: “O anjo do Senhor anunciou a Maria.

E ele concebeu do Espírito Santo. Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim

segundo a tua vontade. Ave Maria...”(Lc 1,26-38). Depois, os monges retiram-se

pela porta secundária e vão para o refeitório almoçar sempre em silêncio. Os

visitantes dirigem-se à casa de hóspedes. O tempo desta oração é de vinte minutos.

4.5 - Noa: das 14h30 às 14h45 É a quinta vez que a comunidade reúne-se para cantar os salmos. O sino toca

às 14h20 e os monges vão chegando um após o outro, ainda trajando suas roupas

                                                       47 Bernardo BONOWITZ, O Oficio Divino, O mensageiro de Santo Antonio, p. 5.

Page 137: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

136

 

de trabalho. Do almoço até este momento, eles tiveram um tempo para o descanso,

cerca de uma hora, pois acordam muito cedo. “É Deus quem retorna conosco ao

trabalho à tarde, mas em um passo menos frenético, à medida que nós e o mundo

começamos a desacelerar e almejar pelo descanso”48. O significado desta hora é

fazer memória à morte de Jesus Cristo, pois “próximo da hora nona, Jesus exclamou

em voz forte: Eli, Eli, lamma sabactrani?”(Mt 27,46). Exatamente às 14h30, o Abade

dá o sinal para começar a oração. Todos se levantam, olham para o altar com as

mãos postas uma sobre a outra, fazem o sinal da cruz e começam a oração. Rezam

os salmos, sempre cantando e acompanhados por algum instrumento musical. A

oração consiste em um hino próprio do dia e da hora, como, por exemplo:

Senhor Ressuscitado, que a morte aniquilaste, na Cruz, Pascal Cordeiro, por nós foste imolado. Ao declinar da tarde nós, membros de teu corpo, louvando esperamos, na glória, o teu retorno. À hora Nona demos, a Ti, Trindade Santa, louvor eternamente, que em Cristo nos salvaste. 49

Como foi mencionado acima, rezar nesta hora do dia é fazer memória à morte

de Jesus Cristo, portanto os salmos são quase todos parecidos com este: “palpita-

me no peito o coração, invade-me um pavor de morte. Apoderam-se de mim o terror

e o medo, e o medo já me assalta” (Sl 54,5-6). Há a leitura da Bíblia, seguida por

alguns minutos de silêncio para assimilar a palavra ouvida. E, ao sinal do Abade,

todos se levantam para cantar o Kyrie eleison, o Pai-Nosso e a oração, auxÍlio divino

pelos irmãos ausentes. Terminada a oração, vão saindo da capela pela porta

secundária e, ao passarem em frente do altar, fazem uma inclinação. A duração

desta oração é de aproximadamente uns quinze minutos.

Segundo Nowell, rezar os salmos é ter a possibilidade de fazer uma

experiência litúrgica pessoal, na qual se pode encontrar Deus, que torna a pessoa

plenamente realizada e feliz.

                                                       48 Bernardo BONOWITZ, O Oficio Divino, O mensageiro de Santo Antonio, p. 5. 49 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hino para o oficio de Noa dos domingos, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 4.

Page 138: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

137

 

Mas a consequência final de rezar os salmos diariamente é a primeira promessa do Saltério: ‘Felizes serão vocês!’. A primeira palavra do saltério é “ashrê” – “Feliz”. O Saltério começa com a promessa de que se rezarmos os salmos dia e noite seremos felizes. Todas as outras qualidades que discutimos serão secundárias e é a esta primeira promessa do Saltério: Rezando, os salmos diariamente farão de nós pessoas felizes! 50

4.6 - Vésperas: Das 17h30 às 18h00 Vésperas é a sexta oração do dia que a comunidade do Mosteiro da

Ressurreição reúne-se para rezar. Momento de louvar e de agradecer ao Senhor da

Vida por tantas realidades vividas durante o dia. Momento de fazer memória às

pessoas e às situações, apresentando-as a Deus por meio de Jesus Cristo.

Segundo Grün:

A denominação “hora da tardinha” vem de vésper, “estrela da tarde”, que é o planeta Vênus, é a estrela dos namorados, que anuncia descanso e paz aos cansados. Vésperas e laudes são as horas de oração mais antigas. Em todos os povos, existe o costume de louvar a Deus de manhã cedinho e à noite. Quando o sol se põe, a Igreja comemora a morte de Jesus, que desceu em nossa escuridão para transformá-la. Por isso, à noite, pedimos que Cristo continue a brilhar como o sol em nosso coração, enquanto o sol terrestre se põe.51

Dia após dia, no Mosteiro da Ressurreição, o sino bate às 17h00 horas, meia

hora antes da oração, para o encerramento dos trabalhos. Assim, os monges podem

tomar banho, trocar a roupa de trabalho e colocar o hábito preto ou a cogula. A vida

monástica é marcada pelo ritmo e pela tradição. Fazer as mesmas coisas todos os

dias, aparentemente, pode parecer uma rotina, mas, na verdade, sempre há uma

novidade. No Mosteiro não há espaço e nem tempo para a rotina. Segundo o monge

Dom Bento:

Não há tempo para monotonia no mosteiro. O belo de tudo isto é que a oração e Deus na oração é super dinâmico. Essa dinamicidade não deixa ficar monótono nada, porque a cada dia, mesmo repetindo a cada duas semanas os mesmos salmos, hinos e orações, o diferencial é que Deus

                                                       50 Ir. Irene NOWEL, Terceiro Simpósio Internacional Beneditino Feminino – Conferências, 5 a 12 de setembro de 1998, p. 6. (Mimeo) 51 Anselm GRUN, No ritmo dos monges, p. 34-35.

Page 139: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

138

 

continua agindo dentro de nós. Então, o salmo rezado há quinze dias era diferente, devido ao momento histórico vivido na vida e no mosteiro. Tudo era diferente e naquele momento Deus falou de uma maneira. E, no hoje, Deus fala de maneira diferente. Por isso, não é monótono. 52

Às 17h20 novamente toca o sino. Esse tempo funciona como uma preparação

imediata e espontaneamente os monges vão caminhando em direção a Statio.

Formam duas filas para a entrada solene na capela e o silêncio é total. Todos estão

muito concentrados. Um dos monges acende as velas que estão perto do altar e

todas as luzes da capela. O organista, os monges cantores e todos os que exercem

alguma função litúrgica, nesta hora, vão até seus lugares, pegam os livros e

verificam se tudo está em ordem. Um dos monges escreve sobre um pequeno

quadro os números dos salmos e o hino que vão cantar, assim os hóspedes e os

visitantes podem acompanhar juntamente as orações com a comunidade orante.

Às 17h30, dois sinos batem juntos e alegremente. O órgão começa a tocar e

a porta principal, que dá acesso à capela, é aberta solenemente. Começa a

procissão pelo Abade, que está sozinho na fila. Ele caminha à frente de sua

comunidade como o pastor, que conduz suas ovelhas. Os monges entram sempre

de dois em dois. Estão compenetrados, como se estivessem na presença de algo

grandioso. Geralmente entram na capela cantando, cada um faz a inclinação na

frente do altar e outra para o irmão ao lado. Perguntei ao Abade Dom André, qual o

significado deste gesto tão freqüente? Respondeu-me que com este sinal eles fazem

uma reverência à presença de Cristo no meio deles e também à presença de Cristo

no irmão.

Iniciam a oração com a mão posta uma sobre a outra, um pouco abaixo do

queixo, todos voltados para o altar, cantando: “Senhor, eu clamo por vós, socorrei-

me; quando eu grito, escutai minha voz. Minha oração suba até vós como incenso e

minhas mãos como oferta da tarde”53. Aos sábados, dias de festa e de solenidade,

colocam sobre o altar um recipiente de bronze, onde se coloca o incenso. O perfume

do incenso espalha-se por toda a capela. Nas palavras de Chittister, podemos

compreender melhor o significado do uso do incenso nas celebrações:

                                                       52 Dom BENTO de Souza, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 3, Ponta Grossa, 25/11/2009. 53 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 3.

Page 140: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

139

 

Nas primeiras Vésperas dos domingos e das grandes festas, a capela de nosso mosteiro se enche com incenso enquanto a comunidade reza. O incenso envolve a acolita que o leva cerimoniosamente pela nave quando começam as Vésperas. Eleva-se do turíbulo que fica aos pés do altar durante a recitação dos salmos. Flutua ao redor das velas durante a leitura das Escrituras. No final da oração, desaparece tranquilamente pelo teto da capela e quando a comunidade começa a cantar o Magnificat, ele se desvanece totalmente. Fica apenas o aroma. Parece ter realizado tudo o que se pretendia dele. Acabou. Foi-se. E qual era o objetivo de todo esse incenso? Certamente não era criar um ambiente místico: a capela continua sendo a capela, com ou sem incenso. Não há calor: o carvão que queima o incenso só faz queimar o incenso. Não há antiguidade: criamos um ambiente por demais moderno para deixarmo-nos enganar, imaginando termos o mesmo estilo e ambiente dos monges de há quinze séculos. Evidentemente não. O incenso dos dias festivos e dos domingos deve significar algo mais. O incenso que mergulha a comunidade numa cortina densa de fumaça, uma vez por semana, é um modo diferente de nos lembrar o outro significado da oração. A oração, diz o incenso, não é exercício de recitação. A oração é o filtro através do qual contemplamos nosso mundo. A oração nos incita a vermos a vida ao nosso redor de um modo novo. A oração é o que fica quando o incenso desaparece. 54

Outro pequeno detalhe nas celebrações são os vasos com as flores. Um dos

monges cria arranjos com as flores de acordo com a liturgia do dia. Fica muito

bonito, mesmo! E a criatividade parece ser contínua, nunca vi algum arranjo de

flores repetido. Por exemplo, no Advento, as flores eram brancas e roxas com

alguns galhos secos. Nas festas de Nossa Senhora, sempre há lírios ou rosas. Nos

santos mártires, alguma flor vermelha. Até os elementos secundários ajudam a

formar um ambiente harmonioso dentro da capela.

Um dos monges cantores, com a voz sempre afinada, inicia vibrante o hino

referente à celebração do dia. Como ilustração, um dos muitos hinos:

A Vós, Jesus Cristo, Rei dos reis, todo o orbe se prostra em adoração. Vós que governais servindo e não servido, vinde com soberania nossa alma reger. Em todos os homens, Redentor, infundi vossa graça para transformar este nosso ser manchado pela culpa, quando Adão no paraíso não Vos quis escutar. Sois Vós, o Caminho, Salvador, cuja meta nos leva para o além Jordão. Dilatai, guiai o coração e a mente, dos que trilham vacilantes na verdadeira fé. Ouvi, suplicamos, Bom Pastor, Vós que estais à direita do Altíssimo: sede o nosso Sol, que não conhece ocaso, que ilumina as nossas trevas, nós, vossa criação. A Vós, tributamos, Rei da Paz, majestade, poder,

                                                       54 Joan CHITTISTER d, Sabedoria que brota do cotidiano, p. 43.

Page 141: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

140

 

sem jamais cessar. Ao Consolador e a Vós, Pai de Bondade, que em Cristo nos salvastes, igualmente o louvor.55

Feita a oração referente ao dia, todos se sentam para rezar os salmos,

cantados em tom gregoriano. Nesta hora de oração, são rezados dois salmos e mais

um hino. Este é um dos muitos salmos rezado nesta hora: “Palavra do Senhor ao

meu Senhor: Assenta-te ao meu lado direito até eu pôr teus inimigos, todos eles,

como escabelo por debaixo de teus pés!” (Sl 109, 1).

Após os salmos e o hino, um dos monges leitores caminha em direção ao

ambão, para fazer a leitura da Sagrada Escritura. Todos os presentes e, de modo

especial, os monges estão sempre muito atentos e compenetrados. Ouvir é muito

significativo para eles. Seguem alguns minutos de silêncio para meditar na leitura.

Ao sinal discreto do Abade, um monge canta o responsório. Logo em seguida,

canta-se a antífona para o hino do Magnificat. Quando é tempo de festa ou de

solenidade especial, o presidente da celebração incensa o ícone da Virgem Maria, a

qual eles possuem especial devoção.

Minha alma engrandece o Senhor, em Deus, meu Salvador, exulto e canto. Todas as gerações vão bendizer-me, pois sobre a humilde serva se inclinou. Imensas maravilhas fez em mim, Deus de todo poder, santo é o seu nome! Sua misericórdia há de estender-se por toda geração, sobre os que o temem. Manifestou a força de seu braço, os corações soberbos dispersou. Depôs os poderosos dos seus tronos, aos humildes, porém, quis exaltar. Cumulou com seus bens quem tinha fome, aos ricos despediu de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servidor, sua misericórdia recordando. Conforme prometera aos nossos pais, a Abraão e toda descendência. (Lc 1,46-55).

Terminado o ritual do cântico da Virgem Maria, um dos monges levanta-se e

vai até o ambão, onde está um livro com as preces. Reza em voz alta e clara e todos

respondem o refrão. Ao acabar a oração das preces, volta-se para seu lugar. Todos

esperam alguns segundos e se inicia a oração do Pai-Nosso. Às vezes, é cantado,

outras vezes, é rezado, sempre com a cabeça inclinada, gesto memorável dos

tempos das perseguições no início do Cristianismo. Logo em seguida, vem a oração

                                                       55 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Hino para a solenidade de Cristo Rei, Hinário do Mosteiro da Ressurreição, p. 168-169.

Page 142: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

141

 

do Auxílio Divino, pelos irmãos ausentes, finalizando o momento de oração

comunitária.

Os monges sempre estão em silêncio, sobretudo quando estão na capela. A

saída da capela é semelhante à procissão de entrada. O Abade sai primeiro, sendo

seguido pelos monges mais antigos de vida monástica, vão em direção ao refeitório

para o jantar, sempre em silêncio. O silêncio é parte integrante deste estilo de vida.

A oração das Vésperas dura mais ou menos de trinta a quarenta minutos.

Nas grandes solenidades, as vésperas são chamadas de pontificais, com a

exposição e com a bênção do Santíssimo Sacramento. Tudo é feito no mesmo ritmo

de seriedade e de beleza. Aos domingos, após as Vésperas, há uma oração

especial à Virgem Maria, feita na Statio. Neste dia não rezam as Completas em

comunidade, pois, a partir deste momento, eles entram em seu dia “livre” de

“descanso”, que vai até a segunda-feira nas Vésperas, com a missa celebrada às

17h30, quando novamente a comunidade monástica se reúne.

Segundo Marmion, somente pela fé e com generosidade é possível ser

perseverante na oração dos salmos e encontrar sempre elementos novos, capazes

de inspirar a vida:

Para a alma animada de fé viva, o Opus Dei aparece sempre com sua grandeza incomparável e sua fecundidade inesgotável, ela considera-o, e ao Santo Sacrifício a que rodeia, como a mais perfeita homenagem que possamos oferecer ao Senhor, como um meio extremamente eficaz de união com Deus. No religioso assim disposto não há lugar para a rotina, o louvor divino apresenta-se-lhe diariamente com novos atractivos, é cada dia um “cântico novo” canticum novum que todo o seu ser, corpo e alma, faz subir a Deus para glorificá-Lo. 56

4.7 - Completas: das 19h às 19h20 É a sétima oração do dia, ou seja, a última em que a comunidade se reúne

para rezar, completando, assim, o ciclo da Liturgia das Horas de um dia. No

Mosteiro da Ressurreição é celebrada entre às 19h00 à 19h30. A capela está com

                                                       56 Columba MARMION, Jesus Cristo ideal do monge, p. 498.

Page 143: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

142

 

pouquíssima luz, apenas uma lâmpada sobre o ícone de Cristo e da Virgem Maria.

Ao lado do ícone mariano, há três velas acesas.

A oração das Completas tem início na sala capitular com a leitura de um

trecho da Regra de São Bento. Quando toca o sino, todos os hóspedes dirigem-se à

capela. A porta central está aberta e ao término das badaladas dos sinos,

solenemente, surgem os monges, com suas vestimentas monásticas. Formam duas

filas, os mais velhos de mosteiro puxam fila, o Abade sempre à frente. Aparecem

silenciosamente e caminhando dois a dois, cada um faz aquela inclinação diante do

altar e para o irmão que está ao seu lado. Dirigem-se para seus lugares de sempre e

fazem novamente um profundo silêncio, como se ninguém estivesse presente na

capela. Os hóspedes também procuram ficar em silêncio para não atrapalhar.

Nesta profunda atmosfera de oração e de silêncio, o Abade dá um toque com

um pequenino martelo. Todos os presentes voltam-se para o altar e cantam: Ao

repousarmos, Senhor, vigia o nosso coração! Após a introdução, todos estão em pé

e fazem uma profunda inclinação para o ato penitencial, chamado exame de

consciência, que dura alguns minutos. Em seguida, todos sentam para cantar o

salmo da noite. Dependendo da semana, os salmos são alternados entre os

números 4,133 e 90, são significativos e bem apropriados para esta hora de oração.

Olhando para os monges, percebe-se que os mais velhos cantam os salmos de cor,

retendo tudo na memória. Os mais jovens possuem o livro em suas mãos. As

palavras dos salmos quase sempre inspiram a vida em seu cotidiano. Por exemplo,

no salmo 4, eles rezam que somente em Deus é possível encontrar a felicidade:

Quando eu chamo, respondei-me, ó Deus, minha justiça! Vós que soubestes aliviar-me nos momentos de aflição. Atendei-me por piedade e escutai minha oração! Filhos dos homens, até quando fechareis o coração? Por que amais a ilusão e procurais a falsidade? Compreendei que nosso Deus faz maravilhas por seu servo. E que o Senhor me ouvirá quando lhe faço a minha prece! Se ficardes revoltados, não pequeis por vossa ira. Meditai nos vossos leitos e calai o coração! Sacrificai o que é justo, e ao Senhor oferecei-o. Confiai sempre no Senhor, ele é a única esperança! Muitos há que se perguntam: “Quem nos dá felicidade?”. Sobre nós fazei brilhai o esplendor de vossa face! Vós me destes, ó Senhor, mais alegria ao coração. Do que a outros na fartura do seu trigo e vinho novo. Eu tranqüilo vou deitar-me e na paz logo adormeço. Pois só vós, ó Senhor Deus, dais segurança à minha vida! (Sl 4).

Page 144: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

143

 

Outro salmo convida a todos a bendizer ao Senhor, especialmente aqueles

que celebram a liturgia no templo:

Vinde, agora, bendizei ao Senhor Deus. Vós todos, servidores do Senhor. Que celebrais a liturgia no seu templo. Nos átrios da casa do Senhor. Levantai as vossas mãos ao santuário. Bendizei ao Senhor Deus a noite inteira! Que o Senhor te abençoe de Sião. O Senhor que fez o céu e fez a terra (Sl 133).

Nas palavras deste salmo, os monges pedem proteção não só para si, mas

também para toda a humanidade. Deus mesmo vem em auxílio e não permite que

algum mal possa acontecer aos seus filhos:

Quem habita ao abrigo do Altíssimo. E vive à sombra do Senhor onipotente. Diz ao Senhor: “Sois meu refúgio e proteção. Sois o meu Deus, no qual confio inteiramente”. Do caçador e do seu laço ele te livra. Ele te salva da palavra que destrói. Com suas asas haverá de proteger-te. Com seu escudo e suas armas, defender-te. Não temerás terror algum durante a noite. Nem a flecha disparada em pleno dia. Nem a peste que caminha pelo escuro. Nem a desgraça que devasta ao meio-dia. Podem cair muitos milhares a teu lado. Podem cai até dez mil à tua direita: Nenhum mal há de chegar perto de ti. Os teus olhos haverão de contemplar. O castigo infligido aos pecadores. Pois fizeste do Senhor o teu refúgio. E no Altíssimo encontraste o teu abrigo. Nenhum mal há de chegar perto de ti. Nem a desgraça baterá à tua porta. Pois o Senhor deu uma ordem a seus anjos. Para em todos os caminhos te guardarem. Haverão de te levar em suas mãos. Para o teu pé não se ferir nalguma pedra. Passarás por sobre cobras e serpentes. Pisarás sobre leões e outras feras. Porque a mim se confiou, hei de livrá-lo. E protegê-lo, pois meu nome ele conhece. Ao invocar-me hei de ouvi-lo e atendê-lo. E a seu lado eu estarei em suas dores. Hei de livrá-lo e de glória coroá-lo. Vou conceder-lhe vida longa e dias plenos. E vou mostrar-lhe minha graça e salvação (Sl 90).57

Após o canto destes salmos, um dos monges leitores sai do seu lugar e

caminha tranquilamente, dirigindo-se ao ambão. Acende uma luz e pronuncia uma

curta leitura bíblica. Todos estão sempre muito atentos, ouvindo a leitura, mesmo

quando há qualquer movimento estranho à rotina. O monge leitor volta-se para seu

lugar e, neste momento, o silêncio parece ser sepulcral, contagiando todos os

                                                       57 Os três salmos são rezados alternadamente. MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Completas, p. 2-3.

Page 145: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

144

 

presentes. O abade discretamente dá o sinal para continuar a oração. Os monges

cantores iniciam o responsório.

Após o silêncio canta-se: “Senhor, deixai agora o vosso servo partir em paz

segundo prometestes. Meus olhos viram vossa salvação, preparada por Vós perante

os povos: luz para iluminar as nações todas e glória de Israel, o vosso povo”58.

Segue o Kyrie eleison e a oração do Pai-Nosso, quando todos fazem uma profunda

inclinação para rezar. Algumas vezes, é cantado pelo Abade. Segue-se a oração e a

bênção final.

Em seguida, todos se dirigem para o belo ícone da Virgem Maria. Como numa

longa caminhada e sem a menor pressa, o primeiro monge da fila traz em suas

mãos um recipiente com água benta, que é usado para aspergir os presentes. Os

olhos dos monges e dos visitantes ficam parados por algum momento sobre o ícone

da Virgem Maria. Na vida monástica, sempre houve um grande carinho e devoção

pela Virgem Maria e não poderia ser diferente. Maria, a mãe de Jesus, é também

mãe de todos nós.

Maria pode dizer “faça-se em mim segundo a tua palavra”, não porque conheça o que irá acontecer, mas porque muito ama. Sua resposta é possível porque, ante o apelo do Amor, não olha para si mesma, nem mede suas forças, mas porque n’Ele confia. E neste diálogo amoroso vai se formando uma harmonia de vontades, a qual permite que o abandono, a confiança no Outro e o desejo de colaborar com o seu Plano, encarna-se no cotidiano. É a aceitação de um caminho não determinado, onde a entrega mútua se renova a cada instante e se une a um discernimento não isento de dúvidas e dificuldades. Com Maria compreendemos que todo o nosso caminho é também uma história de amor. Uma história na qual a iniciativa foi do outro, que se nos revela e nos convida à confiança.59

Quando todos os monges já estão perto do ícone da Virgem, um deles

começa o hino mariano seguido por todos. Terminam o dia rezando pelos irmãos

ausentes. Pareceu-me um gesto significativo rezar pelos ausentes.

Solenemente e com simplicidade, o Abade faz uma profunda inclinação para

o quadro, pega um asperge de metal, traça uma cruz sobre sua própria cabeça e

                                                       58 MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO, Completas do Mosteiro da Ressurreição. 59 Ir. Dolores Maria PÉREZI, FMA, Maria, uma história viva de amor, Revista Beneditina, p. 14-15.

Page 146: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

145

 

depois asperge cada pessoa. Ao soar do sino, todos os monges fazem uma

inclinação à Virgem Maria e, no mais profundo silêncio, vão se retirando aos poucos.

Alguns ficam olhando para o ícone, enquanto outros vão até a capela ao lado e se

ajoelham. Enfim, quando todos se retiraram, o responsável pela capela apaga as

velas, fecha as duas janelas e a porta. Com esta oração tem início o grande silêncio

noturno. A duração desta oração é de mais ou menos vinte minutos.

Assim termina a jornada comunitária do dia do monge no Mosteiro da

Ressurreição. Após está última oração, todos vão para suas celas, onde estudam ou

rezam, até mais ou menos às 21hs, quando vão dormir, para na manhã seguinte às

04:20hs recomeçar tudo de novo.

Ao fechar este capítulo, é importante ressaltar que as sete orações que os

monges do Mosteiro da Ressurreição rezam não é apenas um cumprimento

“obrigatório” do ofício, mas traz em si toda a beleza e o encanto de uma Tradição,

que desperta na pessoa o desejo de rezar. Deixar o trabalho para estar na capela,

não significa interromper, mas, de certa forma, é a continuação do trabalho. O

próprio São Bento chama a celebração litúrgica de Opus, isto é, trabalho. Portanto,

celebrar a fé é uma atividade que todo cristão devia realizar. A palavra liturgia vem

do grego e significa um serviço em favor do povo, seja ela eucarística ou laudativa

do Ofício Divino.

Por outro lado, o trabalho para a Tradição monástica não se resume apenas a

uma tarefa a ser executada para a sustentação econômica de uma comunidade. O

trabalho é um meio e um tempo de adoração ao Criador. Um prolongamento no

tempo da Obra da Criação traz em si um relacionamento com coisas, com situações

e com pessoas, como o próprio Deus se relaciona na dinâmica do amor. O Concílio

Vaticano II apresentou a vida monástica como o humilde e o nobre serviço prestado

à Igreja e à toda a sociedade.60

Conserve-se fielmente e brilhe cada vez mais no seu genuíno espírito, tanto no Oriente como no Ocidente, a venerável instituição da vida monástica, que tantos méritos alcançou no decorrer dos séculos diante da Igreja e da sociedade humana. O principal dever dos monges é servir, de modo ao

                                                       60 Cf. Lourenço COSTA (org.) Perfectae Caritatis, n. 9, Documentos do Concílio Vaticano II (1962-1965), p. 284.

Page 147: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

146

 

mesmo tempo humilde e nobre, a divina Majestade dentro das paredes do mosteiro, que se entreguem totalmente ao culto divino na vida contemplativa, que tenham assumido legitimamente algumas obras de apostolado ou caridade cristã. Mantida, pois, a índole própria da instituição, renovem as suas antigas e beneméritas tradições, acompanha-as, porém às necessidades hodiernas das almas, de tal forma que os mosteiros sejam como que os viveiros da edificação do povo de Cristo. 61

Quando São Bento, herdeiro da Tradição Monástica, fala sobre oração, não

se restringe apenas à Liturgia, obra por excelência da Igreja, quando Deus santifica

a criatura e esta glorifica a Deus. São Bento também tem em mente a oração

silenciosa, feita no pulsar do coração, que põe o monge em contínua presença com

Deus Altíssimo:

O silêncio toma posse da pessoa, às vezes a consome, esvazia, provoca dor, e às vezes e um silêncio denso que o próprio Deus provoca, um silêncio perpassado da presença de Deus. Mas então já não é fácil falarmos a respeito disto, não se pode tagarelar a toa diante dos homens sobre sua experiência de Deus, mas carrega-se consigo a antevisão deste silencio pleno como se fosse uma flor delicada, que não pode ser exposta aos rigores do vento. O fato de São Bento nem sequer mencionar a oração silêncio demonstra que para os monges ela era uma exceção. Aquele que dia por dia se empenha pela honesta oração coral, por uma boa meditação, leitura e oração pessoal, este de tempos em tempos, como um presente de Deus, experimenta momentos cheios de silêncio.62

As horas do dia são santificadas pela oração e a interrupção do trabalho é

uma pausa restauradora. A própria Palavra de Deus diz que “sete vezes ao dia

publico vossos louvores”(Sl 118,164). No Mosteiro da Ressurreição, a comunidade

reúne-se sete vezes para a oração salmística. A oração dos salmos não é

propriedade exclusiva dos monges ou dos presbíteros, mas de todo o povo cristão

que participa ativamente do ser Igreja. Este patrimônio litúrgico pertence a todo povo

cristão e todos podem rezar. O Catecismo da Igreja Católica apresenta uma síntese

sobre os Salmos, desde o Antigo Testamento até os dias de hoje.63

                                                       61 Lourenço COSTA (org.) Perfectae Caritatis, n. 9, Documentos do Concílio Vaticano II (1962-1965), p. 284. 62 Anselm GRUN, As exigências do silêncio, p.80-81. 63 Cf. VATICANO, Catecismo da Igreja Católica, p.582.

Page 148: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

147

 

Os Salmos alimentam e exprimem a oração do povo de Deus como assembléia, por ocasião das grandes festas em Jerusalém e cada sábado nas sinagogas. Esta oração é inseparavelmente pessoal e comunitária, refere-se aos que oram e a todos os homens, sobe da Terra Santa e das comunidades da Diáspora, mas abrange toda a criação, lembra os acontecimentos salvíficos do passado e se estende até a consumação da história, recorda as promessas de Deus já realizadas e aguarda o Messias que as realizará definitivamente. Rezados e realizados em Cristo, os Salmos são sempre essenciais à oração de Sua Igreja.

As expressões multiformes da oração dos Salmos tomam forma tanto na liturgia do Templo quanto no coração do homem. Quer se trate de um hino, de uma oração de aflição ou de ação de graças, de uma súplica individual ou comunitária, de canto de aclamação real ou de um cântico de peregrinação, ou ainda de uma meditação sapiencial, os Salmos são o espelho das maravilhas de Deus na história de seu povo e das situações humanas vividas pelo salmista. Um Salmo pode refletir um acontecimento do passado, mas é de uma sobriedade tão grande que pode ser rezado na verdade pelos homens de qualquer condição e em qualquer tempo.

Os Salmos são marcados por características constantes: a simplicidade e a espontaneidade da oração, o desejo do próprio Deus através de e com tudo o que é bom em sua criação, a situação desconfortável do crente que, em seu amor preferencial ao Senhor, está exposto a uma multidão de inimigos e tentações e, na expectativa do que fará o Deus fiel a certeza de seu amor e a entrega à sua vontade. A oração dos Salmos é sempre motivada pelo louvor e por isso o título desta coletânea convém perfeitamente ao que ela nos oferece: “Os Louvores”. Feita para o culto da Assembléia, ela anuncia o convite à oração e canta-lhe a resposta: “Hallelu-Ya”! (Aleluia), “Louvai o Senhor”! 64

Ora et Labora, a santificação das horas, procurou apresentar de modo sucinto

a maneira ímpar como o Mosteiro da Ressurreição celebra a Liturgia das Horas e a

Celebração Eucarística. A importância dos salmos, da Tradição, do silêncio, dos

gestos, dos objetos e das horas, quer expressar a vida espiritual que o ser humano

possui dentro de si e que se apresenta como graça divina através da liturgia.

Vivemos numa sociedade líquida, plural, consumista, hedonista, materialista,

individualista, veloz e descartável, onde nem sempre há lugar para a mística. A

comunidade monástica do Mosteiro da Ressurreição, herdeira da grande Tradição

Beneditina, há trinta anos, procura viver um estilo de vida diferente, tendo por base a

pessoa de Jesus Cristo, querendo apenas continuar testemunhando este ideal, de

que Jesus Cristo não é uma lenda ou fábula, Ele ressuscitou e está vivo no meio de

todo aquele que o busca com sinceridade.

                                                       64 VATICANO, Catecismo da Igreja Católica, p. 583.

Page 149: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

148

 

Como sabemos, os Beneditino possuem um lema dado pelo próprio São

Bento, ora et labora. Neste capítulo ressaltamos o Ora sobre o labora, no próximo

capítulo queremos salientar também a importância do labora, pois ambos fazem

parte de uma unidade espiritual e material, ou seja, um não existe sem o outro.

 

Page 150: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

149

 

CAPÍTULO V: LABORA ET ORA: A SANTIFICAÇÃO DO TRABALHO

Ao abordar o dia a dia do Mosteiro da Ressurreição, pretende-se apresentar a

sua dimensão mais humana, já que um Mosteiro é uma comunidade feita de seres

humanos e não de anjos. Os monges são pessoas como nós, mas com uma vida

voltada para o ideal ao qual escolheram livremente. Algumas vezes, pensamos e

ouvimos: Como deve ser uma vida monástica? Será que o monge estuda? Monge

come? Como eles vivem a dimensão econômica? Monge precisa pagar luz, água e

telefone? Eles têm os mesmo direitos e os mesmos deveres como todo cidadão?

Como a sociedade os vê? Egocêntricos, alienados ou idealistas? Alguém deseja ser

monge? Quais as etapas de formação para se tornar monge? Enfim, Labora et Ora,

a santificação do trabalho, quer enfatizar a dimensão concreta das ações, que

ocorrem dentro do Mosteiro da Ressurreição. Na vida monacal o ora et labora não

existe sem o outro, formando, assim, uma unidade perfeita. O trabalho é uma das

formas de manifestar a fé celebrada na liturgia. Portanto, o estudo, o autosustento, a

ação e a repercussão extra-muros, bem como os vocacionados em todas as etapas

de formação, formam o grande corpo místico na Opus Dei. Neste capítulo

trabalharemos as dimensões apresentadas acima.

5.1 - O estudo Recomenda-se aos candidatos que chegam ao Mosteiro da Ressurreição,

que tenham completado ao menos o ensino médio, para melhor absorver a

formação monástica. Embora alguns, entre eles, tenham curso superior, a prioridade

não é ter gente com diploma universitário, mas indivíduos que sejam

verdadeiramente cristãos e apaixonados pelo ideal abraçado:

Em Ponta Grossa há espaço material e espiritual tanto para o intelectual refinado e erudito como para o bóia-fria analfabeto, para os cassiodoros e os godos. Não se trata de um Mosteiro “especializado”, assim como a Igreja, devedora “a gregos e bárbaros, a sábios e a ignorantes” (Rm 1,14) não é constituída apenas por um determinado tipo de pessoa. Qualquer atividade no

Page 151: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

150

 

Mosteiro é voltada para o bem da Igreja e do Reino, e o seu valor, maior ou menos, é apenas aquele que Deus lhe atribui e que só d’Ele é conhecido.1

O fundamental dos estudos é a formação monástica, que pode durar de sete

a dez anos. Somente após esta longa formação, alguns monges são convidados a

iniciar os estudos filosóficos e teológicos. Atualmente, eles saem todas as manhãs

para estudar na faculdade da diocese, isto é, de segunda à sexta-feira, das 8h00 às

11h45. A mensalidade e demais despesas são custeadas pelo próprio Mosteiro, que,

por vezes, pesam no orçamento mensal, mas se faz um esforço comunitário para

que seus membros completem seus estudos. A prioridade na vida monástica do

Mosteiro da Ressurreição não é a ordenação sacerdotal. Alguns deles já concluíram

a filosofia e a teologia, mas não foram ordenados presbíteros, isto ocorrerá somente

se houver real necessidade na comunidade monástica. O mais importante é ser

monge, depois presbítero.

No início das pesquisas, participei da missa no Mosteiro da Ressurreição.

Era um dia de semana, comum. Após a celebração, dentro de uns trinta minutos, o

padre, que presidiu a missa, estava com a roupa de trabalho, puxando uma vaca

pela corda para levá-la ao pasto. Um serviço tão humilde e trivial, sendo realizado

por um padre? Isto é um serviço que os escravos, os empregados ou algum

candidato pode realizar, mas não um padre, como pensam algumas pessoas. Fiquei

admirada com tal ação. Na prática, a ordenação presbiteral não é a função mais

importante de todas, ao menos no Mosteiro da Ressurreição.

O sacerdócio devia ser um serviço prestado às pessoas e não um status de

grandeza e de prestígio social, lamentavelmente, presente em alguns membros da

Igreja Católica. Lembro-me quando estudava teologia com os seminaristas, muitos

deles provinham de famílias muito humildes, mas ao receberem a ordenação

sacerdotal ficaram com atitudes principescas. Ainda bem que atitudes semelhantes

não atingem a todos, também há sábios e santos presbíteros entre nós.

No Mosteiro da Ressurreição, todos estudam. Aqueles que possuem os votos

solenes vão à faculdade pela manhã. Os candidatos que chegam ao Mosteiro têm

aulas de terça a sexta das 15h00 às 17h00 e, aos sábados, eles fazem a formação                                                        1 Dom Mateus de Salles PENTEADO, OSB Mosteiro da Ressurreição: Síntese histórica e projeto monástico, p.4.

Page 152: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

151

 

com o próprio Abade. Estudam: Liturgia, Sacramentos, História da Igreja e do

Monaquismo, a Regra de São Bento, Espiritualidade, Canto e Idiomas. Enfim, os

candidatos que estão iniciando a vida monacal estudam o tempo todo, seja na sala

de aula, cujos professores são os próprios monges, seja nos diversos trabalhos que

realizam. Assim, a Tradição Beneditina é transmitida de geração em geração, para

aqueles que desejam trilhar os caminhos da vida monacal no Mosteiro da

Ressurreição.

5.2 - O auto-sustento A Regra de São Bento diz: “São verdadeiros monges se vivem do trabalho de

suas mãos, como também os nossos Pais e os Apóstolos”2. Quando a Regra de São

Bento foi escrita, a Itália estava depauperada pela interminável guerra entre godos e

bizantinos nos anos 535 a 553 d.C. Não havia mão de obra nem dinheiro para pagá-

la. O que fazer? Os duros e os cansativos trabalhos agrícolas talvez não fossem os

mais apropriados para os monges, pois os monges praticavam a lei do jejum, a

pontualidade, a celebração do Ofício Divino e a Lectio Divina. Se os monges

executassem as tarefas longas e pesadas da colheita, poderiam ficar prejudicados.

Mas a circunstância se impunha e a realidade foi vista como manifestação da

vontade divina. Bento aceitou o trabalho agrícola para os cenobitas e ao mesmo

tempo descobriu um princípio fundamental da vida cristã: viver do próprio trabalho,

segundo o preceito paulino: “Fatigamo-nos, trabalhando com as nossas próprias

mãos”(1 Cor 4,12). Pela primeira vez aparece na Regra a expressão já citada:

“porque serão verdadeiramente monges, quando vivem do trabalho de suas mãos” 3.

Este preceito milenar é colocado em prática também no Mosteiro da Ressurreição.

A fundação do Mosteiro da Ressurreição foi pautada pela tradição secular,

mas adaptada à modernidade através das necessidades impostas pelo nosso

tempo. O cotidiano é divido entre as sete orações, como vimos no capítulo quarto, e

os diversos trabalhos necessários para a economia do Mosteiro. Perguntei ao

monge como eles conseguem encaixar o lema Ora et Labora sem que um pese mais

                                                       2 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, Capítulo XLVIII, p. 8 3 Ibid., Capítulo XLVIII, p. 8.

Page 153: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

152

 

sobre o outro? Com tanto tempo para a oração, como é possível encontrar tempo

para os diversos trabalhos no Mosteiro?

A vida do monge é justamente este ora et labora, rezar e trabalhar. Rezar porque é uma necessidade, para preencher o espaço do qual viemos procurar e buscar, preencher com Deus é a parte da oração. O trabalho que é uma necessidade vital de todo homem. Temos que trabalhar para podermos manter-nos. Então, rezar e trabalhar, um complementa o outro, o Ofício Divino é um trabalho, Opus Dei. Ir ao coro, não significa somente rezar, mas é também um trabalho. Por isso, vamos em silêncio ao trabalho, para continuar rezando. O ora et labora é uma continuidade na presença de Deus. Enquanto estou diante de Deus, estou trabalhando e quando estou trabalhando, Deus está diante de mim. Está na minha presença, pois a oração continua. Aquilo que rezei e cantei lá no coro, com a comunidade, deve continuar ressoando durante todo o dia, nos trabalhos e no horário de silêncio. Em toda a nossa vida desde a hora que acorda até a hora que vai dormir.4

É a partir dos horários das orações, que o Mosteiro da Ressurreição organiza

os diversos trabalhos, num total de seis horas diárias em comum, isto é, juntos na

capela. O trabalho serve como meio de conversão para o monge. Portanto, cabe

perguntar: quais os trabalhos que os monges deste mosteiro realizam? Eles não

possuem empregados e todos os trabalhos são executados por eles mesmos. Na

sala capitular, há vinte e sete vitrais, representando os vários trabalhos que a

comunidade executa.

Os monges da Ressurreição cultivam uma horta, também criam galinhas,

porcos e vacas, tudo para o consumo interno. A fábrica de velas deles é quase toda

artesanal, e de lá saem os conhecidos círios pascais, vendidos para todo o Brasil.. O

que será que eles comem? Da cozinha saem os pratos mais variados, por exemplo,

arroz, feijão e repolho podem ser os ingredientes de um almoço. Macarrão com

carne moída, outro. Sopa no jantar ou apenas um lanche, pão e frios. Aos domingos

e nos dias de festas, as comidas são preparadas com antecipação, podendo ser

carne assada, arroz com lentilha e salada, sobremesa como gelatina, sorvete ou

bolo. O café geralmente é pão e queijo feito por eles mesmos, às vezes, tem

margarina, leite e alguma fruta. Em geral, a alimentação é muito simples e bem

criativa, comem pouca carne e não são vegetarianos.                                                        4 Dom Bento de SOUZA, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 3, Ponta Grossa, 25/11/2009.

Page 154: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

153

 

A Biblioteca é um lugar muito especial. Está localizada dentro do claustro,

local onde não é permitido o acesso de pessoas de fora do mosteiro. Mas, com uma

licença, tive a oportunidade de estar algumas vezes dentro dela. Possui mais de

dezenove mil acervos com uma variedade incrível de assuntos.

A hospedaria, que consiste em uma casa com quatro quartos com banheiros,

pode receber até seis pessoas, tendo uma pequena cozinha e uma sala. Os

hóspedes podem ficar até cinco dias, de terça-feira a domingo, não existindo um

preço fixo, cada um paga de acordo com suas possibilidades. As pessoas procuram

um lugar para rezar e para serem ouvidas. No tempo em que fiquei hospedada para

realizar a pesquisa, encontrei uma variedade de hóspedes, inclusive pessoas de

outras religiões. Lembro-me de um pastor, que há dez anos frequenta o Mosteiro da

Ressurreição, fazendo seu retiro anual. Portanto, o Mosteiro da Ressurreição

também é um local aberto ao diálogo ecumênico.

Há uma pequena loja no Mosteiro, onde eles vendem os seus produtos, tais

como velas, pães, biscoitos e os CD-room com os salmos gregorianos em

português, além dos quadros de ícones, pintados pelos próprios artistas do mosteiro.

A manutenção do prédio está sob a função chamada de mordomia, que é

responsável pelos reparos, pela pintura, pela troca do telhado, pelo corte das

árvores, pelo conserto da porta. Enfim, trabalho não falta! Falta tempo e gente para

realizar tanta atividade. Eles também possuem um atelier de costura,

confeccionando hábitos e paramentos para a própria comunidade e também para

vender. Todo sábado, das 14h45 às 17h00, é dia da faxina geral no mosteiro, cada

monge, além de limpar sua cela, tem outros ambientes para fazer a limpeza.

As pessoas que procuram o Mosteiro sempre são atendidas. Este trabalho é

um grande contributo para a sociedade e, sobretudo, à Igreja. Quantas situações de

risco foram solucionadas, somente porque a pessoa encontrou alguém para escutá-

lo e, em função da gratuidade, os monges não cobram por este serviço. Sempre há

algum monge-sacerdote para atendimento:

O Mosteiro da Ressurreição não exerce atividades “externas”, tais como colégios ou paróquias, por compreender que no seio da Igreja a sua vocação é essencialmente contemplativa. No entanto realizamos uma pastoral

Page 155: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

154

 

intramonasterial, através do acolhimento das pessoas que procuram nossa comunidade em busca de auxilio espiritual, do sacramento da confissão ou de um ambiente onde se recolher em oração.5

O Mosteiro da Ressurreição trabalha em prol da pastoral da acolhida, da

escuta e da orientação. Quando o grupo de jovens monges, os fundadores, saíram

do Mosteiro de São Bento de São Paulo, fizeram uma experiência longe da cidade e

voltada para a contemplação, sem atividades externas. Isto ocorreu não porque

desejavam ser “diferentes”, mas porque compreenderam que este estilo de vida

também é vida Monástica Beneditina.

Os Pais do monaquismo são os mesmos para todos os monges e monjas, que têm, portanto a mesma Tradição, expressa em tradições particulares. O ecumenismo monástico não visa eliminar essas diferentes tradições. Ao contrário: o que pretende é evidenciar o que têm em comum, permitir a livre circulação entre elas segundo os desígnios do Espírito e reintegrá-las na grande Tradição, viabilizando a recuperação do pluralismo existente nos primeiros séculos.6

Dentro da Ordem Beneditina é possível a existência de ramificações. Um dos

exemplos recentes é o próprio Mosteiro da Ressurreição:

A árvore não dá frutos apenas devido a seus galhos e flores. Antes disto, possui um tronco, cujas raízes estão alicerçadas em diferentes direções, para lhes dar sustentação e firmeza. Desse conjunto de elementos depende a própria possibilidade de vida, enquanto árvore, e de formação de seus frutos e, assim, a sua perpetuação pelos frutos-sementes que germinarem a seu modo e lugar.7

Desde as origens mais antigas, os pais do deserto sempre valorizaram e

trabalharam para se manter e ajudar os outros. Driot, em seu livro os Padres do Deserto, apresenta vários exemplos sobre este trabalho:

                                                       5 www.abadiadaressurreicao@org. Acesso em: 05 abril 2009. 6 Dom Mateus PENTEADO, OSB, Por um ecumenismo monástico, p. 8. (Mimeo) 7 Idalgo SANGALLI, O fim último do homem- da eudaimonia aristotélica à beatitude agostiniana, p. 143.

Page 156: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

155

 

As viagens até à cidade, para venderem o produto do seu trabalho, podia também ser uma ocasião propícia para praticarem a caridade. Foi assim que o aba Agatão encontrou um estranho doente, deitado na praça pública, sem ninguém que se ocupasse dele. O ancião alugou um apartamento e foi para lá viver com ele, trabalhando com as próprias mãos para pagar a renda, e gastando o resto do dinheiro que tinha nas suas necessidades pessoais e nas do doente. Ficou quatro meses, até conseguir curar o enfermo. E regressou em paz à sua solidão. O mesmo aba dizia: “Se pudesse encontrar um leproso, dar-lhe o meu corpo e tomar o dele, ficaria muito feliz.” Que melhor testemunho poderíamos encontrar? 8

Os filhos de São Bento sempre foram bons trabalhadores e colaboradores

incansáveis para com o progresso do Ocidente:

Sendo pioneiros no desenvolvimento de técnicas em diversos setores como a agricultora (técnica da irrigação e drenagem do solo, bem como métodos para a aclimatação de plantas), a construção civil (pontes, igrejas, estradas), artesanato (fabricação de utensílios artísticos, cerveja), além, é claro, de um imenso esforço dispensado à educação humana e religiosa dos povos.9

O Mosteiro da Ressurreição, como protagonista da história Beneditina no

Estado do Paraná, continua trabalhando e com todos os esforços para conseguir a

sua própria autosustentação e também para repartir, com os mais necessitados, os

bens materiais e espirituais.

5.3 - Ação e repercussão extra-muros O Mosteiro da Ressurreição com seu lema milenar, ora et labora, procura

viver intensamente, cada dia, não obstante desafios e dificuldades. Alguns trabalhos

são mais visíveis que outros, tendo repercussão além das paredes do mosteiro. Os

meios de comunicação ajudam para a divulgação, em massa, dos trabalhos

monacais, como também a propaganda boca-a-boca, isto é, as próprias pessoas

vão transmitindo aquilo que ocorre para os demais.

Ao pesquisar os arquivos da biblioteca, foram encontradas algumas

reportagens noticiando a vida cotidiana e os acontecimentos especiais da vida dos

                                                       8 Marcel DRIOT, Os padres do deserto, p. 94-95. 9 www.abadidadaressurreição@org. Acesso em: 05 abril 2009.

Page 157: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

156

 

monges do Mosteiro da Ressurreição. Nesta publicação é apresentada uma visão

panorâmica dos trabalhos realizados pelos monges:

O Mosteiro da Ressurreição tornou-se conhecido no Brasil e no exterior a partir de 1994, quando a “febre” do canto gregoriano tomou conta do mundo. Os monges do Paraná cometeram o que, para alguns, é heresia, compondo melodias gregorianas para hinos, cânticos e salmos com letras em português. A ousadia deu bons resultados, e os cinco CDS anteriores já venderam, juntos, mais de 300 mil cópias. Especiais de TV e matérias nos principais jornais e revistas do país também contribuíram para a divulgação não só da musica, como também da própria vida monástica, que poucas pessoas conhecem de perto, mas que exerce grande atração por suas tradições milenares.[...]. Os monges cantam nas celebrações religiosas sete vezes por dia. Acordam às 04:20h e atravessam o dia numa rotina que se divide entre oração, estudo e trabalho. Além das tarefas domésticas tais como cozinhar, cortar a grama do jardim, lavar a roupa etc. Os monges também trabalham nos vários ateliês do mosteiro, produzindo ícones, velas artesanais, peças em cerâmica, pinturas em diversos materiais e paramentos litúrgicos. Da padaria do mosteiro saem pães, biscoitos e bolos, para o consumo próprio e para os frequeses da lojinha: e na licoraria, que mais parece um laboratório de alquimista, são produzidos licores a partir de fórmulas desenvolvidas pelos próprios monges e guardadas a sete chaves. Alguns monges trabalham, ainda, num projeto de tradução das obras clássicas da espiritualidade monástica, desde textos em latim dos primeiros séculos da Igreja até obras de autores contemporâneos. 10

De modo geral as pessoas desconhecem a vida monástica e sua estrutura

de trabalho. Esta reportagem apresenta o cotidiano do Mosteiro como intenso e

cheio de atividades, seja na oração, no estudo ou no trabalho. Se alguém imagina

que o Mosteiro já é o céu, onde só se reza o tempo todo, engana-se, pois há muito

trabalho para executar. Os próprios monges, quando precisam de um lugar para

melhor mergulhar no silêncio e na oração, vão para o eremitério durante uma

semana toda. Uma vez por ano, a comunidade toda faz o retiro anual, convidando

algum pregador de fora.

Entre os mais variados trabalhos que um mosteiro presta à sociedade e

mesmo ao claustro monástico, a vida de oração ocupa um lugar todo especial. As

atividades são organizadas a partir dos momentos de oração. Ora et Labora é uma

dimensão exigente especialmente para o monges, mas todo cristão é chamado a

realizar estas duas dimensões em sua vida cotidiana.                                                        10 Lizza EICHENBERGER, Vida monástica: monges gravam no cd de canto gregoriano, Revista Páginas Abertas, p. 12.

Page 158: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

157

 

A reportagem deste jornal também apresenta o perfil do Mosteiro da

Ressurreição com seu espaço natural que muito contribui para o bem-estar das

pessoas. Apresenta também alguns trabalhos realizados pelos Monges:

É possível se isolar do mundo, numa época em que a televisão e a internet parecem estar por toda a parte? Talvez a questão não seja mais essa, quando o assunto é a vida em um mosteiro. [...] O Mosteiro da Ressurreição como é mais conhecido, é um espaço aprazível. Ali algumas pessoas vão buscar, por curtos períodos de tempo, lugar para refletir, orar, e fugir um pouco do barulho, fumaça e agitação do centro urbano. Diariamente, todos os membros da comunidade se reúnem em sete momentos de oração. Mas, no restante do tempo, eles trabalham. Enquanto desempenham diversas atividades que tornam o mosteiro autossuficiente, continuam orando, e parando apenas uma vez ou outra para admirar a beleza natural do lugar onde vivem. No entorno do prédio principal, outras construções menores incluem marcenaria, lavanderia, fábrica de velas e horta comunitária. Na entrada do Mosteiro, o visitante encontra um espaço para a venda de alguns produtos alimentícios de fabricação artesanal dos monges, além de obras de arte sacras, utilizadas em rituais religiosos, como ícones. 11

As homilias, numa linguagem simples, clara e direta, representam outra

grande atração dos domingos e dos dias santos. As pessoas vêm de todas as

cidades, Curitiba, Castro, Campo Largo, Norte do Paraná, para escutar a homilia e

participar da liturgia “quase perfeita”. Quase todas as pessoas que frequentam a

missa dizem que vale a pena participar dela no Mosteiro. Há alguma coisa diferente!

Hoje, os monges também colocam no site do mosteiro as homilias do domingo,

dando a possibilidade de que mais pessoas possam tomar conhecimento e lê-las.

Dentro do mosteiro, há alguns monges pintores de ícones, com projeção

nacional e internacional, o mais conhecido dentre eles é Dom Ruberval.

Observando, notei que alguns quadros não são assinados com o nome do artista,

então, perguntei o motivo pelo qual não havia o nome do autor no quadro que pintou

ou no texto que escreveu. A resposta foi que a obra ou o mesmo algum texto escrito

não é somente de um monge, mas de todo o Mosteiro.

A grande sensação da época foi o surgimento do canto gregoriano em

português. Eles foram os primeiros no Brasil a traduzir os salmos gregorianos do

                                                       11 A vida no Mosteiro. URBE – O JM EM REVISTA, 09.11.2011, Caderno Comportamento, p. 4-5.

Page 159: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

158

 

latim para o português. Foram feitas várias reportagens sobre o fato inédito no

Brasil. A Revista Veja, de circulação nacional, noticiou o acontecimento:

Os monges do Mosteiro da Ressurreição, de Ponta Grossa, que lançaram o CD independente Ressuscitou Aleluia, que inclui além de cantos seculares, melodias de sua própria lavra entoadas em português. “Nosso objetivo é dar ao povo acesso à Palavra de Deus”, diz irmão Jose, da Ordem de São Bento, no Paraná. A novidade ecoou pelo país. O fax do mosteiro já recebeu inúmeros pedidos de religiosos interessados em ter as letras e partituras dos salmos vertidos. “Cantar em português está de acordo com o que ficou decidido no Concílio Vaticano II”, defendem-se os monges de Ponta Grossa. Esse concílio, iniciado pelo papa João XXIII nos anos 60 e completado por seu sucessor, o papa Paulo VI, decidiu-se que as missas deveriam Sr celebradas na língua dos fiéis.12

Temos também uma reportagem mais atual, mostrando que os monges do

Mosteiro da Ressurreição sempre estão aprimorando seus talentos musicais, o que

gera notícias constantes:

Os CDs com músicas gregorianas, provenientes dos próprios monges. O mosteiro se orgulha de já ter lançado três álbuns e para facilitar o entendimento das canções, as letras foram traduzidas para o português. O último deles se chama Mais que os Querubins.13

A originalidade em cantar os salmos na língua vernácula tem atraído pessoas

de diversos lugares para a capela do Mosteiro da Ressurreição, com a finalidade de

escutar e de gravar o canto gregoriano em português:

Com apenas cinco Cds, os monges do Mosteiro da Ressurreição sacudiram Ponta Grossa, Paraná, devido ao interesse nacional pelo canto gregoriano: muitos hóspedes reproduziram em pequenos gravadores os cantos executados na capela do mosteiro.14

                                                       12 Mauro TRINDADE, O hábito faz o sucesso - Monges do Mosteiro da Ressurreição, em Ponta Grossa: pioneiros no canto gregoriano em português, Revista Veja, p. 103. 13 Fabrício BICUDO, Uma janela para a espiritualidade - Mosteiro da Ressurreição é o ponto de referência para visitantes que buscam paz e reflexão: alguns chegam e ficam para servir os propósitos da Igreja. Jornal o Portal, 31/01/2010, Caderno Portal Embarque, p. 26-27. 14 Washington OLIVEIRA-ARAÚJO, Toda música é uma prece, Revista Manchete, p. 63.

Page 160: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

159

 

Outros trabalhos relevantes que os monges prestam à comunidade são os

casamentos e os batizados realizados dentro da capela do Mosteiro. Conheci

Mariana e Juliano, que casaram em setembro de 2009, ambos felizes e realizados

pelo sonho concretizado. Também participei de um batizado de uma menina

chamada Mariana no ano de em novembro de 2010. Fiquei impressionada, pois foi

uma cerimônia bem feita, onde cada detalhe fazia a diferença, mesmo os objetos e

os utensílios utilizados na celebração pareciam novos, por estarem bem

conservados. O celebrante realizava o rito com toda calma, as palavras bem

pronunciadas, tudo dentro das normas litúrgicas. Dá gosto de participar, pois a

simplicidade revela uma beleza ímpar.

O intuito da existência de um Mosteiro é apresentar a presença de Deus entre

nós e por maiores que sejam as necessidades de uma ação pastoral, é

indispensável a vida contemplativa, a qual não se mede com parâmetros humanos:

Temos uma primeira prova da atualidade eclesial do monaquismo no fato de continuar o Espírito Santo suscitando vocações à solidão da vida monástica. São muitos os que ouvem o chamado ao encontro com Deus no “deserto” e os que descobrem que podem servir também o irmão, até com mais eficácia e pureza, na oração e no amor universal, sem fronteiras. A Igreja tem ainda hoje necessidade dessa forma de vida religiosa (a monástica), o mundo ainda tem necessidade dela. Os institutos puramente contemplativos, por mais urgente que seja a necessidade do apostolado ativo, conservem sempre um lugar preeminente no Corpo Místico de Cristo. Conserve-se fielmente e brilhe, cada vez mais em seu autêntico espírito, tanto no Oriente como no Ocidente, a venerável Instituição da vida monástica.15

O Mosteiro da Ressurreição nasceu com o carisma de ser mais contemplativo

que ativo, muito embora se mesclem as duas realidades, ora et labora, é a melhor

síntese de vida de oração e de trabalho.

O que não falta são candidatos para este Mosteiro! Este será o assunto do

próximo item desta pesquisa: os vocacionados.

                                                       15 Augusto PASCUAL, O compromisso cristão do Monge, p.48-50.

Page 161: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

160

 

5.4 - Vocacionados No Mosteiro da Ressurreição, as vocações nunca deixaram de afluir e quase

todas identificadas com o projeto de vida contemplativa. Mas, afinal, qual o perfil das

pessoas que procuram ingressar no mosteiro? A pessoa que deseja tornar-se

monge em nossos dias traz seus limites e suas deficiências pessoais e sociais.

Porém, também há um idealismo verdadeiro e generoso nas pessoas, segundo as

palavras de Pascual:

Os jovens que vêm buscando a vida monástica hoje em dia são pessoas admiráveis. Além de: a) um grande idealismo que eles quase sempre trazem para o mosteiro. b) chegam com uma generosidade transbordante, c) um desejo de experimentar Deus d) e uma esperança de viver numa comunhão de amor fraterno. Mas também chegam carregando um jugo pesado de sofrimento e de potencialidades ainda adormecidas ou despertadas apenas para torna-se frustradas novamente. Vêm de lares com grande freqüência de situações familiares marcadas por todo tipo de abuso, negligência e fracasso. Vêm de lares pobres que não permitem o desenvolvimento normal de suas capacidades intelectuais, sociais, ou artísticas. Vêm de famílias onde não há livros ou instrumentos musicais. 16

É indispensável um longo trabalho de formação integral, isto é, um trabalho

que envolva o humano e o espiritual, o que, muitas vezes, é doloroso. Os candidatos

à vida monástica são resultados da vivência das famílias e da sociedade. Segundo

Bonowitz, abade trapista do Mosteiro do Novo Mundo, é necessário que o candidato

assuma sua história pessoal:

Os jovens que vêm ao mosteiro levando nas costas o peso de seu passado sofrido não tem muito interesse em viver o primeiro passo desta subida-descida para a descoberta da sua identidade radical de filho de Deus. Qual é este primeiro passo “impulável”? Apropriação da própria história de dor, fracasso e insegurança, uma apropriação que se faz sentir à flor da pele. Sem falar em fuga, o qual seria um termo injusto, o jovem pobre, ou subdesenvolvido de uma ou outra maneira, ou negligenciando, olha com desejo para o mosteiro como um lugar de felicidade. Se ele quisesse ficar mergulhado em seus problemas, poderia ter permanecido no mundo. Ele busca Deus, isto sim, mas ainda não busca a cruz de Cristo. Aquele que já carrega a cruz da sua vida não precisa da cruz de outrem.17

                                                       16 Bernardo BONOWITZ, Apto a ganhar as almas, p. 112-113. 17 Ibid., p. 117

Page 162: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

161

 

É preciso paciência dos formadores e verdadeiro interesse dos candidatos em

se deixar formar. O caminho é estreito, mas dá para sobreviver. Mais uma vez, as

palavras de esperança de Bonowitz acerca da formação monacal auxiliam-nos no

entendimento:

Num encontro de um pequeno grupo dos superiores reunidos para estabelecer a agenda para nosso Capítulo Geral, uma abadessa me perguntou: “E então? Como vai a batalha?”- “Madre”, respondi, “às vezes, quando olho pra os meus monges, não os vejo onde esperava encontrá-los, mas num ponto mais baixo, mais necessitado.” “E o que faz?”- “Eu vou lá onde eles estão, e começo lá de novo. Agora, eu sei que isto vai acontecer muitas vezes. Mas não importa. O que importa é ir aonde eles estão e começar de novo. Um dia, vamos todos chegar juntos no fundo do poço, e depois vamos subindo.”- “Pois é, disse ela. Se eu não pensasse assim, não haveria monjas”.18

No Mosteiro da Ressurreição, há rostos de todo o Brasil e até do exterior. Às

vezes é possível perceber pelo sotaque diferente. Nestes tempos onde os bens

materiais falam mais alto, é uma graça sempre ter vocações que batem à porta do

Mosteiro. Contudo, não quer dizer que todos serão perseverantes até a morte, pois

alguns candidatos e mesmo monges de votos temporários ou solenes, desistem da

vida monástica. Isto ocorre, pois desejam ir para outro mosteiro ou voltar para a

sociedade e se casar, seguir a carreira acadêmica. Enfim, as razões e as situações

são diversas e resolvidas entre os responsáveis e o interessado. No entanto, outros

monges permanecem até a morte e as palavras do salmista tornam-se realidade em

suas vidas. “Felizes os que habitam vossa casa, para sempre haverão de vos louvar!

Felizes os que em vós têm sua força, e se decidem a partir quais peregrinos!

Caminharão com um ardor sempre crescente” (Sl 83, 5-6).

Dom Geraldo, o monge mais velho do Mosteiro da Ressurreição, com 83 anos

de idade e 67 vividos dentro do Mosteiro conta que ele deixou a casa paterna aos 16

anos de idade, morava com a família e trabalhava no sítio com o pai e com os

irmãos. Porém, Deus o chamava, depois de alguma resistência, entregou-se

totalmente ao Senhor. Ele mesmo nos conta:

                                                       18 Bernardo BONOWITZ, Apto a ganhar as almas, p. 132.

Page 163: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

162

 

(...) é um chamado forte que senti, como que me pegasse pelos cabelos, de tão forte, eu não pude resistir, uma sacudida, deixa tudo e siga-me. E não estou arrependido, pois, nesse encontro com Ele eu fiz uma troca do mundo inteiro, pois não há nenhum valor maior que Jesus.19

Nossos argumentos caem por terra ao constatar que é possível ser monge

numa sociedade pós-moderna e ser feliz.

As etapas de formação são sucessivas. Primeiramente o futuro candidato

escreve algumas cartas ao responsável e depois vai conhecer o mosteiro, passando

algum tempo junto à comunidade. “O Mosteiro da Ressurreição acolhe pessoas que

têm disposição para a conversão. Todos os dias re-começar, perdoar e amar,

vivendo de acordo com o Evangelho e dentro do espaço da Igreja e nestas

condições”20.

O primeiro tempo é chamado de aspirantado e o candidato participa de

quase tudo da vida comunitária. É o tempo de conhecimento mútuo, que é variável.

Não possui nenhum distintivo, vestindo roupas comuns como a de qualquer pessoa,

além de se sentar na assembléia junto com o povo.

O passo seguinte é o postulantado, quando o candidato já possui formação

interna sobre a vida religiosa, com aulas e com trabalhos específicos. Por exemplo:

participa do coro e assume um trabalho. Nestes dois primeiros períodos, os

postulantes vestem apenas um hábito preto e recebem o cinto.21 A duração é de

nove a doze meses, podendo ser prolongada.

                                                       19 Dom Geraldo CESTAROLI, entrevista realizada com a autora, gravação em áudio, fita 4, Ponta Grossa, 28/11/2009. 20 Dom Adalberto SAVICKI, entrevista realizada com a autora, gravação em áudio, fita 4, Ponta Grossa, 28/11/2009. 21 “Por que o cinto? Segundo CASSIANO, o cinto simboliza e nos amarra a quatro realidades de nossa vocação: a pureza, a vigilância, a paixão e ressurreição e a perseverança. O cinto descreve um círculo ao nosso redor, constitui um campo fechado. O que se encontra dentro da área do cinto, isto é, o monge, já separado, já tem dono. Se a monja usa anel no dedo para proclamar seu casamento místico com Cristo, o monge, por sua parte, se envolve de corpo inteiro no anel do cinto. Meu corpo e todas as suas forças pertencem a Cristo. O monge se torna assim um recinto sagrado, um lugar corporal consagrado a Cristo. O cinto concentra as energias a serviço da castidade e, ano após ano, estas energias crescem. O cinto, diz Cassiano, é carne morta. Numa existência anterior era pele de um animal, de uma vaca, boi ou carneiro. Passou por vários processos e agora chegou a ter outra identidade, uma identidade misteriosa. Era macio, agora é duro, era quente, agora é frio, era fresco, agora é seco. No cinto, o monge contempla sua nova identidade misteriosa. Ela não é mais cidadã do mundo, mas do deserto, o mundo não o alimenta mais com sua gordura, carne e sangue”. Bernardo BONOWITZ, Senhor, abri os meus lábios, p. 84-85.

Page 164: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

163

 

Após o término deste período de formação, o postulante pede sua admissão

na comunidade e, sendo aprovado, começa o noviciado. Os noviços22 recebem o

hábito monástico com o escapulário curto, que deve ser usado todos os dias de sua

vida. Os monges de votos simples vestem o hábito preto e o escapulário longo. Os

monges de votos solenes usam a Cogula, uma espécie de túnica preta com capuz23,

que vestem por cima do hábito, muito grande e com as mangas exageradamente

largas, usam mais ou menos seis metros de tecidos para confeccioná-la. No

monaquismo, quase tudo possui um sentido espiritual. Também as vestes adquirem

significado novo. 24

O noviciado corresponde a dois anos de formação intensa e básica. Estuda-

se espiritualidade, humanismo e monaquismo, especialmente o livro dos II Diálogos

de São Gregório Magno, a vida de São Bento e sua Regra. Troca-se o nome civil por

outro nome, como sinal de uma mudança de vida. Por exemplo: Snardi por Tomé,

Rubens por João da Cruz, Dair por Bento, Roberto por André.

Após o período de noviciado, o candidato faz o pedido para emitir os

primeiros votos religiosos por três anos. O Abade aceita o pedido para a admissão

dos votos temporários e responde através de uma carta. Entre os muitos

                                                       22 Homem que está preparando-se para professar num convento ou num mosteiro. Aprendiz, principiante. 23 “O capuz é um símbolo da humildade. Porque as criancinhas, que são inocentes, vestem capuzes, mas o homem adulto não. Se, portanto, nós o trazemos, é para sermos como criancinhas quanto à malícia, conforme a palavra do Apóstolo: Não sejais como crianças quanto ao modo de julgar, mas mostrai-vos como crianças quanto à malícia? (1 Cor 14, 20). O capuz é ainda um símbolo da graça de Deus. Assim como o capuz protege e mantém aquecida a cabeça da criança, assim a graça divina protege nosso espírito”.Doroteu de GAZA, Ensinamentos espirituais, p. 54-55. 24 “A veste completa a figura do homem, não casual, mas reflete algo da realidade interior do homem. A veste é uma espécie de outro eu, a troca da veste pode significar a mudança do eu interno. A mudança de veste opera a renovação do homem e é com frequência condição prévia para a participação no culto. Antes de entrar num templo, os gregos tinham de banhar-se em água corrente e vestir vestes novas ou recentemente lavadas. A veste especial dos sacerdotes orientais antigos frisava a distinção entre o mundo sacral e o profano. Na Igreja católica, o noviço depõe com o seu nome as vestes profanas que são postas em mortalhas e enterradas, simbolizando a morte que precede a vida. Segundo o Pontifical Romano, concede-se o perdão a todo aquele que traz vestes de saco e pede a misericórdia de divina. Pelas vestes litúrgicas indica-se o sentido simbólico do manípulo (originalmente um lenço), ao ser entregue ao subdiácono; ele é indicado como símbolo dos “frutos das boas obras”, que deve remontar à semelhança de nome com manipulum (feixe, feixe de frutos). A túnica de paixão de Jesus, sobre a qual lançaram sorte os saldados (Jo 19, 23s), tornou-se relíquia preciosa. Segundo o doutor da Igreja Síria Efraim, a veste era o envoltório da humanidade de Jesus Cristo, ao passo que o seu corpo escondia a divindade”. Manfred LURKER, Dicionário de figuras e símbolos bíblicos, p. 258, verbete: Veste, vestimenta.

Page 165: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

164

 

ensinamentos, o Abade vai explicando o que significa pedir admissão aos primeiros

votos.25

Transcorridos os três anos, após os votos temporários, acontece o rito da

profissão perpétua e a consagração monacal. O monge faz o pedido, escreve uma

carta renunciando todos os bens e o Abade responde através de uma carta o que

significa a renúncia dos bens para um monge.26

Quando um de nossos irmãos vai fazer sua profissão solene fazemos questão de realizar esse pequeno rito de renúncia dos bens. Esse rito doméstico, muito próprio de nosso mosteiro, após já ter feita em cartório, não significa que automaticamente o irmão saberá renunciar a tudo o que for necessário para o seguimento do Cristo. O próprio Senhor diz: “Quem não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo”. Essa afirmação de Jesus não e um conselho, e um mandamento. E cada cristão fará a renúncia exigida pelo Cristo no espaço onde se encontra na Igreja. Com certeza temos pontos em comum com todos os demais cristãos, mas há aspectos de renuncia própria do monge, inclusive para não “mentir pela tonsura” com diz São Bento na Santa Regra. 27

Transcorridos os três anos, após os votos temporários, acontece o rito da

profissão perpétua e a consagração monacal, no qual há a entrega da Cogula, como

símbolo da pertença à comunidade monástica, mas com a continuidade da

formação:

Depois da formação solene é que o monge começa a caminhada. Precisa procurar ver tudo o que foi estudado, pois não há mais o mestre que fica indicando livros e nem ministrando aulas. Cada um precisa dar continuidade ao que recebeu, como um eterno discípulo.28

Após apresentar este item e dando mais ênfase no labora beneditino,

percebemos que apesar de todas as atividades realizadas dentro do mosteiro e da

sua repercussão externa, os monges adaptam todo o trabalho de acordo com os

                                                       25 Vide anexo 1. 26 Vide anexo 2. 27 Carta do Abade Dom André Martins, OSB. Renúncia dos bens de Dom Vicente em 2007. Vide anexo 2. 28 Dom Adalberto SAVICKI, entrevista realizada com a autora, gravação em áudio, fita 4, Ponta Grossa, 28/11/2009.

Page 166: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

165

 

horários da oração. Mesmo envolvidos com os mais diversos trabalhos, eles

procuram estar o tempo todo em espírito de oração, fazendo do trabalho uma oração

e da oração um trabalho.

No próximo capítulo, apresentaremos a situação da sociedade hodierna, no

que diz respeito à felicidade. Afinal, todos desejam a felicidade. Mesmo os monges

trancados em seus mosteiros aspiram, de certa forma, uma vida feliz. A sociedade

apresenta a felicidade com suas luzes sedutoras sob a forma do hiperconsumo. O

mosteiro, ao apresentar em que consiste uma vida feliz, chega até espantar algumas

pessoas, por ser tão diferente daquela que o mundo mostra. Perguntei ao monge

mais velho do Mosteiro da Ressurreição, que tem sessenta e cinco anos de

mosteiro: o que um monge procura no mosteiro?

No fundo, o monge procura sua própria conversão. Procura deixar seus vícios, antes de entregar-se a Deus de corpo e alma. Participando da Paixão do Senhor no seu dia a dia, sendo paciente e perseverante. Jesus, disse: Meu fardo é leve. Ele vai à nossa frente.29

O que a sociedade, pode dizer diante de uma convicção profunda de fé como

deste monge e de muitos outros?

 

                                                       29 Dom Geraldo CESTAROLI, entrevista realizada com a autora, gravação em áudio, fita 3 , Ponta Grossa, 28/11/2009

Page 167: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

166

 

PARTE III: O MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO E A MENSAGEM DE FELICIDADE PARA A “ERA DO VAZIO”

Quero morrer acreditando no que moveu sempre minha vida: Jesus Cristo.1

Esta terceira parte do trabalho é composta por dois capítulos. No primeiro

deles, situaremos a discussão do tema da felicidade no contexto do hiperconsumo.

Afinal, quem não deseja dias felizes? A felicidade é um assunto comentado desde a

antiguidade. Muitos filósofos2 escreveram sobre o tema e em nossos dias muitos

continuam escrevendo sobre a vida feliz. Deparamo-nos cotidianamente com isto ao

entrar em uma livraria e observar a quantidade de livros sobre a felicidade. Hoje, em

uma sociedade pós-moderna, cheia de novas novidades tecnológicas, é possível

encontrar pessoas felizes? O consumismo desenfreado é capaz de comprar uma

felicidade duradoura? É possível viver um estilo de vida diferente dos ditames que a

sociedade coloca? Há espaço para alguém que faz uma opção em viver uma vida

pobre, casta e obediente? Parece haver um grande paradoxo entre estilos de vida

tão diferentes.

A partir daí, encaminhamo-nos para o capítulo final. O monaquismo é um

estilo de vida milenar voltada para valores espirituais e as pessoas aceitam

livremente viver sob uma regra e um abade em uma comunidade. O Mosteiro da

Ressurreição quer ser um espaço dentro da sociedade pós-moderna, que apresenta

o ideal monástico como sinal de uma nova concepção de sociedade. Nascido de

uma grande tradição milenar, nos seus trinta anos de história, tem deixado marcas

profundas na vida de muitas pessoas. O último capítulo quer, portanto, ressaltar a

                                                       1 Dom Abade André MARTINS OSB, e-mail, 03/10/2009. 2 “A maior parte dos filósofos gregos, e justamente a partir de Sócrates, apresentou ao mundo sua mensagem como mensagem de felicidade. Em grego, “felicidade” se diz “eudaimonía”, que, originalmente, significava ter tido a sorte de possuir um demônio-guardião bom e favorável, que garantia boa sorte e vida próspera e agradável”. Giovanni REALE; Dario ANTISERI, História da filosofia: filosofia pagã e antiga, p. 97. No livro Felicidade dos filósofos pré-socráticos aos contemporâneos, de Franklin Leopoldo e SILVA, o autor apresenta os seguintes filósofos que pensaram o tema felicidade: Homero, Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro,Zenão de Cítio, Marco Aurélio, Sêneca, Santo Agostinho, Descartes, Kant, Kierkagard, Hegel, Nietzsche, Marx, Freud, Sartre, Hans Jonas, Lévinas e Habermas.

Page 168: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

167

 

felicidade como ideal monástico e defender que ela pode ser vivida a partir da

existência do Mosteiro da Ressurreição.

Page 169: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

168

 

CAPÍTULO VI: A FELICIDADE NO CONTEXTO DO HIPERCONSUMO

A discussão sobre a felicidade esteve presente sob a ótica de muitas

correntes filosóficas3, como, por exemplo: a socrática, a aristotélica, a epicurista e a

estóica. Chegou com toda força aos nossos dias, causando certos impactos sobre a

vida cotidiana. Nas várias vicissitudes da vida, como a dor, a perda e a doença, é

possível encontrar a felicidade? “Quem já meditou sobre os grandes mestres não

está melhor equipado que ninguém para viver feliz, pois nenhum filósofo nos protege

contra a experiência da tristeza, do desespero, da dor ou do medo”4. Os pensadores

são luzes que podem ajudar-nos a ter uma vida feliz, mas não trazem as receitas

prontas, pois a vida de cada um é uma descoberta e uma escolha pessoal: “Numa

época de self-service individualista, Sêneca e Montaigne surgem no campo do

consumo ao lado do Prozac, com todo um público procurando na filosofia das

consolações as receitas empíricas, imediatas, para a felicidade”5. Ainda segundo

Lipovetsky:

A pílula da felicidade. Com essa bela jogada de marketing foi lançado, há duas décadas, o Prozac. Com menos efeitos colaterais em relação aos antidepressivos da geração anterior, o novo medicamento prometia a cura para a depressão, apontada pela Organização Mundial da Saúde como o “mal do século 20”. Foi sucesso imediato. Até a chegada do Viagra, era o remédio mais vendido no mundo. É consumido hoje por 40 milhões de pessoas e ministrado até para crianças e cachorros. Descobre-se agora que há exagero nos benefícios do Prozac e seus congêneres. Um extenso estudo organizado por médicos da Universidade de Hull, na Inglaterra, apontou que, em casos de depressão leve e moderada, os antidepressivos funcionam quase tanto quanto um placebo - ou seja, nada. (...) No Brasil, entre 2004 e 2005, foram consumidos US$ 175 milhões de antidepressivos. No mundo o mercado é de US$ 19 bilhões. Nos Estados Unidos uma em cada dez mulheres acima de 18 anos toma antidepressivo entre os homens a taxa é de um consumidor para

                                                       3 “A Renascença inteira se nutriu das sabedorias antigas; e, mesmo em pleno século XVII, o estoicismo, o epicurismo, o pirronismo exerciam grande influência sobre as mentes. Não tenho a sensação de que o que estamos criando em matéria de filosofia possa conhecer destino semelhante. A filosofia pode até estar na moda, mas não se voltará ao statu quo ante, e nada deterá o processo de redução da influência dela sobre a vida cultural”. Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p.125. 4 Ibid., p. 124. 5 Ibid., p. 124.

Page 170: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

169

 

cada 25 pessoas. No Brasil, entre 2000 e 2002, o número de receitas médicas de antidepressivos para crianças registrou um aumento de 48%.6

Parece que felicidade não se adquire através de antidepressivos, parece ser

antes um cultivo de virtudes. Sócrates7 identifica a felicidade como virtude e

sabedoria, para tanto, costumava andar pelos mercados de Atenas e dizer para si

mesmo que não precisava de coisa alguma para ser feliz. Muitos outros filósofos

apresentam-nos possibilidades diferentes de como ter uma vida feliz:

O desejo de felicidade, que, cremos em Platão e Sócrates já proclamava ser um fato bruto da vida, parece ser um eterno companheiro da existência humana. Mas igualmente eterna parece ser a aparente impossibilidade de sua realização e satisfação totais, inquestionáveis, je ne regrettte rien. E igualmente eterna, não obstante todas as frustrações que isso causa, é a impossibilidade de os seres humanos algum dia deixarem de desejar a felicidade e, com efeito, fazer o possível para procurá-la, consegui-la e mantê-la.8

Aristóteles9 afirmou que a felicidade identifica-se com muitos bens: virtude,

sabedoria prática, sabedoria filosófica, certas atividades de caráter, com todas elas

acompanhadas ou não de prazer ou de prosperidade. Para ele, a felicidade não tem

sentido sem os bens que nos tornam felizes. Distingue duas possibilidades para a

felicidade: há uma felicidade que não é felicidade, a não ser na aparência; há a

felicidade “eterna”, que é a vida contemplativa, a felicidade final, chamada beatitude:

Aristóteles relacionou em sua Retórica as qualidades e realizações pessoais que - uma vez possuídos ou ganhos - se condensariam numa vida feliz. Ele concordava que a felicidade pode ser definida de uma série de maneiras: como “prosperidade combinada com virtude”, “independência da vida”, “gozo seguro do máximo prazer”, “boa condição da propriedade e de seu corpo e de fazer uso deles”. Mas então ele ofereceu uma lista dos bens “internos” e “externos” que são indispensáveis para a felicidade, qualquer que seja a fórmula que se escolha para uma vida feliz. A lista, em sua opinião, tinha

                                                       6 Fábio ALTMAN, Comportamento - Depressão: felicidade não se toma, Revista da Semana – Como ser feliz, p. 21.www.revistadasemana.com.br. Acesso em: 03 mar 2008. 7 Cf. SÓCRATES apud Neuza de Fátima BRANDELLERO, De beata vita de Santo Agostinho: uma reflexão sobre a felicidade 8 Zygmunt BAUMAN, A Arte da vida, p.40-41. 9 Cf. ARISTÓTELES apud Neuza de Fátima BRANDELLERO, De beata vita de Santo Agostinho: uma reflexão sobre a felicidade

Page 171: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

170

 

fundamento empírico e era composta de desejos que provavelmente seriam relatados por todos os cidadãos de Atenas, como: bom berço, muitos amigos, bons amigos, riqueza, bons filhos, muitos filhos, saúde, beleza, força, grande estatura, capacidade atlética, fama, honra, boa sorte, virtude. Não há nessa lista uma hierarquia de valores, todos os ingredientes estão colocados no mesmo nível de importância, indicando que nenhum deles pode ser sacrificado em proveito de outro sem diminuir a felicidade, e que a presença ou abundância de qualquer um deles não poderia realmente compensar a ausência ou escassez de um outro. Essa sugestão fazia coro com o restante da filosofia de vida de Aristóteles, famoso por suspeitar de qualquer escolha radical, unilateral, aconselhando em vez disso a moderação, a avaliação equilibrada e a escolha do “meio-terno” como a única estratégia correta e eficaz a ser perseguida dentre as realidades notoriamente variegadas e inconsistentes. 10

Já os epicuristas afirmavam que a felicidade é a falta de dor e de perturbação

e, para atingir essa felicidade, a pessoa só precisa de si mesmo, não lhe servindo a

cidade, as instituições, a nobreza, as riquezas e os deuses:

Para Epicuro, portanto, o verdadeiro prazer consiste na “ausência de dor no corpo” (aponía) e na “ausência de perturbação da alma” (ataraxía). Eis as afirmações do filósofo: “Assim, quando dizemos que o prazer é um bem, não aludimos, de modo algum, aos prazeres dos dissipados, que consistem em torpezas, como crêem alguns que ignoram nosso ensinamento ou o interpretam mal; aludimos, ao contrário, à ausência de dor no corpo e a ausência de perturbação na alma. Portanto, nem libações e festas ininterruptas, nem gozar com crianças e mulheres, nem comer peixes e tudo o mais que uma mesa rica pode oferecer são fonte de vida feliz, mas sim o sóbrio raciocinar, que perscruta a fundo as causas de todo ato de escolha e de recusa, e que expulsa as falsas opiniões por via das quais grande perturbação se apossa da alma.11

Por sua vez os estóicos colocavam no sofrimento e na dor o sinal libertador

do ser humano à busca da impassibilidade. A finalidade do viver é atingir a

felicidade, segundo a natureza e a impassibilidade (apatia), mas sem sofrer com as

dores, nem com a busca dos prazeres. Hoje, a “cultura do sacrifício está morta”12.

Alguém vai aceitar que é possível ser feliz mesmo no sofrimento e na dor? A

tecnologia transforma todo esforço em apenas um toque na tecla ou na tela, tudo é

digital. Filosofia? Pensamento?

                                                       10 Zygmunt BAUMAN, A arte da vida, p. 41 11 Giovanni REALE; Dario ANTISERI, História da Filosofia – Filosofia pagã e antiga, p. 269. 12 Zygmunt BAUMAN, A Arte da Vida, p. 57.

Page 172: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

171

 

Sinal dos tempos: não há mais “ismos”, não há mais grandes escolas filosóficas. É forçoso reconhecer que o papel histórico-“prometido” da filosofia já ficou para trás. Daqui para frente, são as ciências e a tecnociência que abrem mais perspectivas, que inventam o futuro, que mudam o presente e a vida, que inspiram os criadores.13

Felicidade! Felicidade! Será que há algo errado com a felicidade? Em nosso

tempo, há muita discussão e literatura sobre a temática. Deparamo-nos,

frequentemente, com muitas publicações sobre o tema da felicidade:

Eis a moral erigida em ciência da felicidade, a única a ser realmente útil aos homens. Moral da felicidade, mas também sonhos de felicidade: os discursos utópicos que imaginam uma sociedade diferente, reconciliada com a felicidade, multiplicam-se; romances e poemas, canções e peças de teatro a põem em cena, mesmo o ambiente de vida (residências, interiores, jardins, mobiliário, modas, bibelôs, decoração) concretiza o novo primado reconhecido aos prazeres e à vida radiante. A secularização do mundo caminhou junto com a sacralizada da felicidade terrena.14

Há um super-consumo e um faturamento econômico que gira em torno do

tema felicidade: “A suposta chave para a felicidade de todos, e assim o propósito

declarado da política, é o crescimento do produto nacional bruto (PNB). E o PNB é

medido pela quantidade de dinheiro gasto por todo mundo em conjunto”15. Observa-

se uma verdadeira avalanche literária sobre a vida feliz com diversas abordagens16.

                                                       13 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 125. 14 IDEM, A felicidade paradoxal, p. 334. 15 Zygmunt BAUMAN, Amor líquido, p. 86. 16 A título de curiosidade, alguns títulos de livros sobre a felicidade: Daniel GILBERT, O que nos faz felizes - o futuro nem sempre é o que imaginamos; Pedro DEMO, Dialética da Felicidade: olhar sociológico pós-moderno, vol. I; Pedro DEMO, Dialética da Felicidade: insolúvel busca de solução, vol. II; Pedro DEMO, Dialética da felicidade: felicidade possível, vol III; Santo AGOSTINHO, A Vida Feliz - diálogo Filosófico; Marco Túlio CÍCERO, A Virtude e a Felicidade; André Comte SPONVILLE, A Felicidade, desesperadamente; André Comte-SPONVILLE, A mais bela história da felicidade: a recuperação da existência humana diante da desordem do mundo; EPICURO, Carta sobre a Felicidade (a Meneceu); Anselm GRÜN, O pequeno livro da verdadeira Felicidade; Idalgo José SANGALLI, O fim último do homem da eudaimonia aristotélica à beatitude agostiniana; Franklin Leopoldo e SILVA, Felicidade - Dos filósofos pré-socráticos aos contemporâneos; Jean ONIMUS, O segredo da felicidade; Antônio MOSER, Casado ou Solteiro você pode ser feliz; Antonio Carlos TEIXEIRA, Como criar felicidade; JULIÁN MARÍAS, A felicidade humana; Eric WEINER, A Geografia da felicidade; DALAI-LAMA; Howard G. CUTLER, A arte da felicidade: um manual para a vida; João Carlos MOTTI; Eduardo BETTEGA, Insatisfação e felicidade ciclo motivacional; Gilles LIPOVETSKY, A felicidade paradoxal - ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo; Flávio FRANKLIN, Dá trabalho ser feliz, mas vale a pena; David NIVEN, Os 100 segredos das pessoas felizes; Eduardo GIANNETTI, Felicidade: diálogos

Page 173: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

172

 

A discussão sobre a felicidade continua percorrendo os lugares e perpassando o

tempo e nos deixando sempre inquietos. Em compensação, o que tem chances de

se difundir é o consumo maciço de certas obras, quer de introdução às filosofias,

quer de meditações do tipo eudemonístico. Em meio a esta sociedade consumista,

globalizada e líquida, falar sobre a vida monástica parece desconcertante e fora de

lugar, mas é o que se propõe este trabalho. Afinal, existe alguma ligação entre o

estilo de vida monacal e a atual sociedade?

Hoje, fala-se muito dos sistemas sócio-politicos e econômicos que afetam a sociedade contemporânea: o capitalismo, o neo-liberalismo, as políticas socialistas, a globalização, a união de países asiáticos, etc... Penso, porém, que todas estas estruturas não devem contribuir para que o monaquismo se individualize. Mas devem ser um ponto de referência no qual nos localizamos no tempo e na atualidade. A Comunidade deve entrar nestes modelos para que, como um núcleo de oração, seja a força que contribua em sua missão salvífica, e não o contrário. Isto seria um inicio da divisão e do individualismo dentro do cenóbio. Não quero dizer que o cenóbio deva estar fora da realidade que acompanha a época, penso, porém, que o ideal monástico não possa se encaixar dentro das correntes mundanas e dos modelos sócio-estruturais que não valorizam o “ser” como imagem de Deus. Estar unidos na Comunidade mediante o nosso voto de Conversatio Morum17. Este voto nos exige sermos fiéis às diferentes atualidades, que permitem que a ética não seja um obstáculo para a moral, pois, caso contrário, esta se reduziria a um simples moralismo. Converter-nos, juntos, na mesma Comunidade implica formar um cenóbio solidificado no Espírito Santo. Por isso, o voto de conversatio não pode ser um voto individual, mas coletivo.18

                                                                                                                                                                         sobre o bem-estar na civilização; Antônio Lima dos SANTOS, Filosofando com o Mestre rumo à verdade e à felicidade; Hugo PRATHER, Como ser feliz apesar de tudo; Sonia Maria MACIEL, Ética e felicidade: um estudo do Filebo de Platão; Robert ELLSBERG, Instruções dos santos para a felicidade: lições práticas para as grandes questões da vida; Pascal BRUCKNER, A Euforia perpétua: ensaios sobre o dever de felicidade; Clarice LISPECTOR, Felicidade clandestina - contos; Felipe AQUINO, Para ser feliz; Bertrand RUSSELL, A conquista da felicidade; Rubens ALVES, Ostra feliz não faz pérola; Mark KINGWELL, Aprendendo felicidade: todas as tentativas de Platão ao prozac. 17 “Graças a nosso voto de conversão de vida, o propósito primordial, poderíamos dizer o propósito único de nosso estado de vida, se torna explícito: entrar em cheio no Reino de Cristo e deixar crescer seu reinado em nós. Ou outros votos aparecem assim em sua luz verdadeira. Encontram seu sentido como realizações do voto de conversão de vida. Despimo-nos do espírito do mundo ao renunciar à maneira mundana de viver. Revestimo-nos de Cristo ao interiorizar uma nova maneira de viver. A castidade consagrada, a pobreza, a obediência e a estabilidade são diferentes maneiras de expressar esse único movimento espiritual de renúncia e de aquisição”. ROBERTS Agostinho, Vida monástica - Elementos básicos, p. 48. 18 Ir. Gabriel JIMÉNEZ, Osb, O impacto da juventude, suas características e a nova antropologia, seu perfil e o desafio à vida monástica, A vida monástica e o terceiro milênio, p. 21.

Page 174: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

173

 

A vida monacal deve continuar a ser uma fonte de inspiração para toda

sociedade, mesmo que não compreendida em sua totalidade. A contribuição que ela

oferece é através do aspecto espiritual, como uma comunidade que almeja ser cada

vez mais através de sua conversatio morum, para melhor servir às pessoas do

nosso tempo. Como definir a sociedade hodierna? Segundo o filósofo Lipovetsky, o

hiperconsumo é uma das características da sociedade hipermoderna:

Hiperconsumo: um consumo que absorve e integra parcelas cada vez maiores da vida social; que funciona cada vez menos segundo o modelo de confrontações simbólicas caro a Bourdieu; e que, pelo contrário, se dispõe em função de fins e de critérios individuais e segundo uma lógica emotiva e hedonista que faz que cada um consuma antes de tudo para sentir prazer, mais que para rivalizar com outrem. O próprio luxo, elemento da distinção social por excelência, entra na esfera do hiperconsumo porque é cada vez mais consumido pela satisfação que proporciona (um sentimento de eternidade num mundo entregue à fugacidade das coisas), e não porque permite exibir status. A busca dos gozos privados suplantou a exigência de ostentação e de reconhecimento social: a época contemporânea vê afirmar-se um luxo de tipo inédito, um luxo emocional, experimental, psicologizado, substituindo a primazia da teatralidade social pela das sensações íntimas. 19

Pelos critérios sociais vigentes, consumo e felicidade são sinônimos:

É em nome da felicidade que se desenvolve a sociedade de hiperconsumo. A produção dos bens, os serviços, as mídias, os lazeres, a educação, a ordenação urbana, tudo é pensado, tudo é organizado, em princípio, com vista à nossa maior felicidade20.

Então, o que falta para que as pessoas sejam felizes? O que mudou na

sociedade, para que as pessoas tenham comportamentos tão diversificados?

Tudo evoluiu e mudou, porém há algo que permanece. Em todo lugar deseja-se e procura-se ser feliz. Os meios de comunicação e os melhores pregadores no-lo repetem: é preciso ser feliz. É um dever. Na cultura atual há um imperativo instante de ser feliz e algumas boas propostas de felicidade. Todavia, a alta exigência de êxito e de eficácia sem comprometimento conduziu e esta conduzindo a uma sociedade depressiva. Por isso é tão

                                                       19 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 25-26. 20 IDEM, A felicidade Paradoxal, p. 336.

Page 175: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

174

 

urgente repetir que necessitamos de uma reeducação para a felicidade. A verdadeira felicidade perdeu o encanto do difícil, do exigente, do simples e do religioso.21

Numa sociedade consumista, onde cada vez mais o dinheiro parece ser a

finalidade de labor humano, há lugar para a gratuidade e a solidariedade? “A

solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado

consumidor”22. A simplicidade, o difícil e o aspecto religioso foram substituídos pelo

valor monetário. As relações humanas, baseadas apenas na economia, não podem

trazer um bem-estar à nossa sociedade:

A invocação de “amar o próximo como a si mesmo”, diz Freud (em O mal-estar na civilização), é um dos preceitos fundamentais da vida civilizada. É também o que mais contraria o tipo de razão que a civilização promove: a razão do interesse próprio e da busca da felicidade.23

Será possível construir uma sociedade tendo como suporte a solidariedade

humana? “A sociedade individualizada caracteriza-se pelo afrouxamento dos laços

sociais, esse alicerce da ação solidária. Também é notável por sua resistência a

uma solidariedade que poderia tornar esses laços duráveis e seguros”24.

Estamos num tempo cheio de indefinições, cujas incertezas são maiores que

as certezas. Um mundo cheio de coisas supérfulas, onde quase tudo é descartável,

inclusive o ser humano:

Condições econômicas e sociais precárias treinam homens e mulheres (ou fazem aprender pelo caminho mais difícil) a perceber o mundo como um contêiner cheio de objetos descartáveis, objetos para uma só utilização, o mundo inteiro, inclusive outros seres humanos. Além disso, o mundo parece ser constituído de “caixas pretas”, hermeticamente fechadas, e que jamais deverão ser abertas pelos usuários, nem consertadas quando quebram.25

                                                       21 José Maria ARNAIZ, Três empenhos para um projeto de vida, Revista Beneditina, p. 16. 22 Zygmunt BAUMAN, Amor líquido, p. 98. 23 Ibid., p. 97. 24 IDEM, Medo líquido, p. 32. 25 Gilles LIPOVESTKY, Modernidade líquida, p. 186.

Page 176: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

175

 

Descartável, finito, prazo vencido e fluidez, eis alguns adjetivos entre nós. O

“para sempre”, “até que a morte os separe”, não faz mais sentido. As relações

ocorrem de maneira rapidíssima apenas para cada um sentir prazer:

... se o prazer obtido não corresponder ao padrão prometido e esperado, ou se a novidade se acabar junto com o gozo, pode-se entrar com a ação de divórcio, com base nos direitos do consumidor. Não há qualquer razão para ficar com um produto inferior ou envelhecido em vez de procurar outro “novo e aperfeiçoado” nas lojas.26

Porém, pequenos problemas cotidianos também afetam as relações:

“desacordos triviais se tornam conflitos amargos, pequenos atritos são tomados

como sinais de incompatibilidade essencial e irreparável”27.

6.1 – Pós-modernidade, consumo e felicidade

Chegamos à pós-modernidade ou estamos na modernidade? O que pensam

os estudiosos sobre este assunto? Quais as características de ambas? Queiroz

apresenta-nos numa visão panorâmica, construindo um perfil interessante destes

dois momentos. Em seu artigo Deus e Crenças Religiosas no Discurso Filosófico

Pós-Moderno - Linguagem e Religião28, ele aponta que alguns pensadores, como

Habermas, Látour, Eagleton e Giddens, dizem que a Modernidade ainda não

terminou e que os prefixos pós e hiper nem existem, pois nunca “... fomos

modernos, e assim coloca em crise o conceito de Modernidade e, por conseqüência,

rejeita as pretensões pós-modernismo”29. Continuando no mesmo artigo, ele afirma

que outros estudiosos da sociedade, como Lyotard, Vattimo, Jameson, Maffesoli e

Connor, afirmam, com toda a convicção, de que já vivemos num Estado Pós-

Moderno ou HiperModerno, sendo que suas características são a desconstrução dos

discursos narrativos e dos pilares da ciência moderna, além do paradoxo e do

                                                       26 Gilles LIPOVESTKY, Modernidade líquida, p. 188. 27 Ibid., p. 188. 28 Cf. José J. QUEIROZ, Deus e Crenças Religiosas no Discurso Filosófico Pós-Moderno - Linguagem e Religião, Rever, www.pucsp.br/rever. Acesso em 06/10/2010 29 Ibid., p. 2.

Page 177: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

176

 

dissenso prevalecerem sobre as certezas, constituindo uma nova forma de

tribalismo.

Enfim, modernidade, pós-modernidade e hipermodernidade, são termos

usados ao longo desta exposição. Optamos pelo termo pós-modernidade:

Hipermodernidade: uma sociedade liberal, caracterizada pelo movimento, pela fluidez, pela flexibilidade, indiferente como nunca se foi aos grandes princípios estruturantes da modernidade, que precisaram adaptar-se ao ritmo hipermoderno para não desaparecer.30

Em algumas situações, as três faces estão co-ligadas, pois não há uma total

ruptura. “É sempre o velho paradigma com novas caras: globalização, flexibilização,

descentralização, comunidades mercadológicas”31. Nada há de novo debaixo do sol,

sempre há uma cópia da cópia; troca-se de máscaras, mas o rosto é sempre o

mesmo:

O indivíduo pós-moderno está desestabilizado e é, de certa maneira, “ubiqüista”. O pós-modernismo não passa de um grande encaixe suplementar na escalada da personalização do indivíduo devotado ao self-service narcisístico e às combinações indiferentes, como as do caleidoscópio.32

A modernidade deseja alcançar o outro estágio da vida, tornar-se gente

grande e independente. Enquanto a hipermodernidade é o eterno retorno à

juventude: tudo muito rápido, volátil, sendo que aquilo que interessa é a aparência

bela e jovial. Falar sobre o monaquismo, com seus valores perenes, estáveis e

tradicionais, parece estar fora da atual realidade, servindo mais para museu, já que:

(...) o modernismo quer romper a continuidade que nos liga ao passado, instituir obras absolutamente novas. O modernismo proíbe a estagnação, obriga a invenção ininterrupta, a fuga sempre para adiante, tal é a

                                                       30 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 26 31 José J. QUEIROZ, Deus e Crenças Religiosas no Discurso Filosófico Pós-Moderno - Linguagem e Religião, Rever, p. 2, www.pucsp.br/rever. Acesso em: 06 out 2010. 32 Gilles LIPOVETSKY, A Era do vazio, p. 24.

Page 178: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

177

 

“contradição” imanente ao modernismo: “a modernidade é uma espécie de autodestruição criadora”.33

Segundo o artigo abaixo, na sociedade pós-moderna não existe um valor

como a estabilidade e outros que são tão caros ao monaquismo, dando a impressão

de que há um distanciamento entre ambos:

O título de um artigo apresentado em dezembro de 1997 por um dos analistas mais incisivos do nosso tempo, Pierre BOURDIEU, é “Le précarité est aujourd’hui partout”. O título diz tudo: precariedade, instabilidade, vulnerabilidade, que são as características mais difundidas das condições de vida contemporânea e também a que se sente mais dolorosamente. Os teóricos franceses falam de précarité, os alemães, de Unsicherheit e Risikogesellschaft, os italianos, de incertezza e os ingleses, de insecurity- mas todos têm em mente o mesmo aspecto da condição humana, experimentada de varias formas sob nomes diferentes por todo o globo, mas sentida como especialmente enervante e deprimente na parte altamente desenvolvida e próspera do planeta- por ser um fato novo e sem precedentes. O fenômeno que todos esses conceitos tentam captar e articular é a experiência combinada da falta de garantias (de posição, títulos e sobrevivência), da incerteza (em relação à sua continuação e estabilidade futura) e de insegurança (do corpo, do eu e de suas extensões: poses, vizinhança, comunidade).34

Numa autêntica vivência do monaquismo, o supérfluo, a novidade e o

consumismo não têm espaço dentro do claustro. Vejamos as palavras do próprio

Lipovestky sobre este assunto:

Tudo o que é novo apraz se impõe como rei, e neofilia se afirma como paixão cotidiana e geral. Instalaram-se sociedades restruturadas pela lógica e pela própria temporalidade da moda: em outras palavras, um presente que substitui a ação coletiva pelas felicidades privadas, a tradição pelo movimento, as esperanças do futuro pelo êxtase do presente sempre novo. Nasce toda uma cultura hedonista e psicologista que incita à satisfação imediata das necessidades, estimula a urgência dos prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o paraíso do bem-estar, do conforto e do lazer. Consumir sem esperar; viajar, divertir-se, não renunciar a nada: a políticas do futuro radiante foram sucedidas pelo consumo como promessa de um futuro eufórico.35

                                                       33 Gilles LIPOVETSKY, A Era do vazio, p. 61. 34 Ibid., p. 184. 35 IDEM, Os tempos Hipermodernos, p. 60-61.

Page 179: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

178

 

Em meio a tantas situações sociais e pessoais, aparece um personagem

chamado Narciso. Personagem da mitologia grega, que reaparece um pouco

diferente com o rosto pós-moderno: “Hoje em dia é Narciso que, aos olhos de

considerável número de pesquisadores, principalmente americanos, simboliza os

tempos atuais”36. Em relação ao narcisismo e à pós-modernidade, afirma o autor:

O narcisismo não encontra seu verdadeiro sentido a não ser em uma escala histórica; no essencial, ele coincide com o processo tendencial que leva os indivíduos a reduzir a carga emocional investida no espaço público ou nas esferas transcendentes e, correlativamente, a aumentar as prioridades da esfera privada. O narcisismo é indissociável dessa tendência histórica de transferência emocional; igualação por baixo das hierarquias supremas, hipertrofia do ego, tudo isso com certeza pode ser mais ou menos pronunciado de acordo com as circunstâncias, mas a longo prazo o movimento parece ser irreversível porque coroa o sonho secular das sociedades democráticas. Poderes cada vez mais penetrantes, benevolentes, invisíveis e indivíduos cada vez mais atentos a si mesmos, “fracos”, senão instáveis ou sem convicção, a profecia de Tocqueville se realiza no narcisismo pós-moderno. 37

Com o narcisismo cada vez mais em voga entre nós, podemos perguntar

como são os membros de um mosteiro? Serão pessoas com um alto grau de

desenvolvimento humano, espiritual e cultural ou também são pessoas fragilizadas

com suas histórias comuns a todos os demais? De alguma maneira, a sociedade

atual também chega dentro dos claustros. A pós-modernidade faz-se presente, seja

pela tecnologia (computador, notebook, máquina fotográfica) ou pela marca do tênis

ou da caneta que o monge usa. Os próprios monges são frutos da vivência social e

levam para dentro dos mosteiros toda sua história: “Ninguém pode se vangloriar de

escapar, da deserção social que ocasionou uma democratização sem precedente da

depressão, o tédio de viver, flagelo hoje em dia difundido e endêmico”38. Todos nós

sentimos os efeitos da pós-modernidade na esfera privada ou pública:

Em especial, testemunha-se uma preocupante fragilizacão e desestabilização emocional dos indivíduos. O hiperconsumo desmantelou todas as formas de socialização que antes forneciam referenciais a eles. Durkheim já salientava:

                                                       36 Gilles LIPOVETSKY, Os tempos Hipermodernos, p. 31. 37 IDEM, A era do vazio, Prefácio, p. XXII. 38 Ibid., p. 28.

Page 180: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

179

 

se ocorre uma epidemia de suicídios, não é porque a sociedade se torna mais severa, e sim porque os indivíduos ficam entregues a si mesmos e, por isso, menos equipados para suportar as desventuras da existência. Hoje, se os indivíduos estão cada vez mais frágeis, é menos porque o culto ao desempenho os destrói do que porque as grandes instituições sociais não mais lhes fornecem uma sólida armadura estruturante. Donde a aspiral de distúrbios psicossomáticos, depressões e outras ansiedades, que são a outra face da sociedade da felicidade. Se tal constatação é correta, isso quer dizer que a busca da felicidade que os modernos fizeram avançar está muito longe de ter-se consumado. O bem-estar material aumenta, o consumo dispara, mas a alegria de viver não segue o mesmo ritmo, pois o indivíduo hipermodermo perde em descontração o que ganha em rapidez operacional, em conforto, em extensão do tempo da vida.39

Desestabilização emocional das pessoas, depressão e ansiedade são

algumas doenças do nosso tempo. Aumenta o consumo de medicamentos, cada vez

mais caros, ou mesmo cresce o uso de drogas. Tudo isso parece um imenso

paradoxo:

Procurar exemplos, conselho e orientação é um vício: quanto mais se procura, mais se precisa e mais se sofre quando privado de novas doses da droga procurada. Como meio de aplacar a sede, todos os vícios são autodestrutivos; destroem a possibilidade de se chegar à satisfação.40

Afinal, o que pode satisfazer o ser humano? Os bens materiais serão capazes

de proporcionar esta satisfação?

Não há nenhum motivo para que desapareçam os homens com ambição de elevar-se acima dos preconceitos e lançar-se aos difíceis caminhos da fruição do mundo pelo entendimento. Mas tampouco há motivos para crer que tal atitude possa democratizar-se e conquistar as multidões.41

A vida monástica, com toda sua ascese, pode ser um dos caminhos capaz de

elevar um pequeno número de pessoas para uma vivência da felicidade, a partir de

valores diferentes dos da sociedade. Por exemplo, o valor da verdade. A pessoa que

é sempre sincera em nossa sociedade acaba dando-se mal, enquanto na vida                                                        39 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 123. 40 Zugmunt BAUMAN, Modernidade líquida, p. 85. 41 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 122-123.

Page 181: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

180

 

monacal, ser sincero o tempo todo é uma virtude. Ajudar o próximo sem esperar

nada em troca. Quando isto acontece em nossa sociedade? Muito raro encontrar

pessoas que gratuitamente prestam sua ajuda ao semelhante. Um monge promete

publicamente que viverá o amor ao próximo. A lista poderia ser longa e a discussão

infinita.

Com tanta liberdade e a busca pelo bem-estar, o ser humano sente-se

sozinho e abandonado em meio à grande multidão: “A solidão se tornou um fato,

uma banalidade com a mesma importância dos gestos cotidianos”42. Ao dar um giro

pelo shopping, podemos assistir o que significa consumo: compra-se pelo impulso

de adquirir algo novo e moderno, como se isto fosse preencher o vazio do coração

humano. “As sociedades de consumo assemelham-se a um sistema de

estimulações sem fim das necessidades que tanto mais aprofunda a decepção e a

frustração quanto mais ressoam os convites à felicidade ao alcance da mão”43. Logo

que se adquire o produto tal, a pessoa sente-se deprimida e infeliz. Certa vez,

encontrei uma senhora que havia comprado dez pares de sapatos. A princípio

parecia feliz, mas quando voltou para sua casa, sentiu-se triste, frustrada e

endividada. Ela dizia que não era isso que desejava, mas, no impulso, comprava por

comprar, pois sabia muito bem que não iria usar todos os sapatos novos, pois ela já

possuía cerca de oitenta pares. Este é apenas um exemplo comum e banal entre

nós, mas o problema é grande, levando muitas pessoas ao endividamento:

Em 2003, estimava-se em 500 mil o número das famílias muito endividadas que eram objeto de um processo e 1,5 milhão de famílias estava em situação de endividamento excessivo. Ao mesmo tempo, um consumidor em dois reconhecia ceder regularmente ao prazer da compra por “entusiasmo repentino”; 30% a 60% dos artigos comprados nos supermercados e nos centros comerciais são compras impulsivas. Escalada das falências pessoais, “febre compradora” shopping “bulímico”, compras impulsivas, “patologias”que não deixam de ter ligações com as solicitações da publicidade e os sentimentos de urgência que ela prodigaliza. Essa seria a “tirania” da ordem publicitária que, propagando uma cultura da satisfação imediata dos desejos, conseguiria desestruturar a organização psíquica dos consumidores, desarmar o homem em face da expectativa e da frustração, privá-lo de distância entre seu ser e as seduções mercantis.44

                                                       42 Gilles LIPOVETSKY, A Era do Vazio, p. 29. 43 IDEM, A felicidade paradoxal - ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo, p. 154. 44 Ibid., p. 178.

Page 182: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

181

 

Poderíamos fazer uma lista imensa de coisas supérfluas que se compram ao

longo da vida. Não por necessidade, mas pelo desejo de adquirir algo novo e

moderno: “... a vida organizada em torno do consumo, por outro lado, deve se bastar

sem normas: ela é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e

quereres voláteis - não mais por desejos normativos”45. A invensão do cartão de

crédito facilitou a vida de muitas pessoas. Tudo é automático, rápido, digitalizado,

sem burocracia. Talvez, estes consumidores são os novos pobres da nossa

sociedade:

Ao superendividamento “ativo”, que sanciona um uso imoderado do crédito, sucede cada vez mais um superendividamento “passivo” desencadeado por acontecimentos externos funestos. “Orgias” de consumo, febres de compra, sentimento de “não viver sem comprar”, desejos incontroláveis que provocam catástrofes financeiras, todos esses fenômenos são bem reais: é forçoso observar, contudo, que estão longe de se apresentar como um sismo geral que submerge as terras do hiperconsumo. 46

Um dos imperativos da sociedade de consumo é convencer a pessoa de que

ela precisa trabalhar cada vez mais para poder comprar, mesmo que não tenha

necessidade do produto, mas, sim, pelo desejo de possuí-lo:

Os anátemas lançados contra a sociedade afluente florescem, alimentando-se da idéia segundo a qual a “mecânica infernal” das necessidades condena o consumidor a viver num estado de carência perpétua, a ver recuar a quietude e o gozo verdadeiro em favor de uma insatisfação crônica.47

Será que as coisas materiais são capazes de preencher a vida humana de um

sentido mais profundo, trazendo a plena felicidade? Será que existe alguma relação

entre trabalho e felicidade?

Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, os seres humanos tendem a ser treinados, preparados, exortados, persuadidos e tentados a

                                                       45 Zygmunt BAUMAN, Modernidade líquida, p. 90. 46 Gilles LIPOVETSKY, A felicidade paradoxal, ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo, p. 179. 47 Ibid., p. 184

Page 183: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

182

 

abandonar as maneiras que consideravam corretas e adequadas, dar as costas àquilo que prezavam e que imaginavam que os fazia felizes, e tornar-se diferentes do que são. Vêem-se pressionados a se transformar em trabalhadores prontos a sacrificar o resto de suas vidas pela empresa competitiva ou pela competição empresarial; em consumidores movidos pelos desejos e vontades infinitamente expansíveis; em cidadãos que abraçam total e irrestritamente a versão “não há alternativa” da “correção política” do momento, que os incita, entre outras coisas, a serem fechados e cegos à generosidade de desinteressada e indiferentes ao bem comum se este não puder ser utilizado para reforçar seus egos...48

Muitas pessoas passam a vida inteira lutando para adquirir algumas coisas

matérias para seu bem-estar; ter, ao menos, o necessário. Outra minoria trabalha

para amontoar fortunas, que geram grande preocupação. “A civilização atual

comporta uma variável de complexidade, particularmente terrível” 49. Trabalha-se

muito para aquisição de bens materiais e, com o passar do tempo, descobre-se que

somente este tipo de valores não é suficiente para trazer a felicidade ao coração

humano:

A massa dos homens do nosso tempo vive ao sabor das circunstâncias; desligada da essência a existência não passa de um vagar sem fim num deserto de valores. O imperativo maior, para o habitante do século XX que termina, é assegurar, na dificuldade dos tempos, sua vida material; ele perde sua vida a ganhá-la e freqüentemente não percebe que o destino do homem possa ser outro que o ganhar dinheiro a fim de se garantir o maior conforto material possível, e o maior número desses prazeres de toda espécie, que nos são propostos em nossa vida cotidiana sob forma de tentações obsessivas.50

Nos versos abaixo, podemos ver algumas das muitas atitudes pós-modernas

em relação ao consumo, ao tempo, à liberdade e à felicidade, bem como

comentários de teóricos sobre a sociedade atual: “Deixemos aos leitores decidir se a

coerção para buscar a felicidade, na forma praticada em nossa sociedade líquido-

moderna de consumidores, torna o coagido feliz”51. Como ser feliz numa sociedade

de hiper-consumo?

                                                       48 Zygmunt BAUMAN, A arte de Viver, p. 68. 49 Georges GUSDORF, A Agonia da nossa civilização, p. 165. 50 Ibid., p.18. 51 Zygmunt BAUMAM, A Arte da Vida, p. 69.

Page 184: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

183

 

Gente que vem, gente que vai.

Ruidosa, que a festa faz.

Crê que a vida leva;

Mas para onde?

Sem mapa, sem direção, projeto audaz. 52

Existe um movimento, o tempo todo, quando as pessoas andam, correm e a

maioria nem sabe para onde e nem o porquê... “Quanto mais de depressa se vai,

menos tempo se tem. A modernidade se construiu em torno da crítica à exploração

do tempo de trabalho; já a época hipermoderna é contemporânea da sensação de

que o tempo se rarefaz”53. Tempo comprimido, apertado, veloz, fugaz, tudo parece

se tornar líquido, conforme afirma o sociólogo Bauman.

Gente que sabe gastar

Tempo, dinheiro e sua paz.

Gente que empurra a vida;

Alguma orientação?

O devaneio do amor ousa buscar.54

Trabalha-se para gastar dinheiro em coisas supérfluas, prazer por prazer.

Elemento efêmero e líquido. Esvai-se. Acabou.

O hiperconsumidor não está mais apenas ávido de bem-estar material, ele aparece como um solicitante exponencial de conforto psíquico, de harmonia interior e de desabrochamento subjetivo, demonstrados pelo florescimento das técnicas derivadas do desenvolvimento pessoal bem como pelo sucesso das sabedorias orientais das novas espiritualidades, dos guias da felicidade e da sabedoria.55

                                                       52 Poesia de Dom Abade André MARTINS, e-mail, 30/01/2011. 53 Gilles LIPOVESTKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 78. 54 Poesia de Dom Abade André MARTINS, e-mail, 30/01/2011. 55 Gilles LIPOVESTKY, A felicidade paradoxal, p. 15.

Page 185: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

184

 

Time is money é o que todos falam e vivem neste tipo de sociedade, onde os

valores giram em torno do ter. Será que o dinheiro consegue comprar paz, amor,

saúde e prolongar a eterna juventude do ser?

Gente feia, gente bonita.

Pronta está, será capaz?

Para dar da vida o que tem

Pensa, qual delas? São tantas.

Ilusão benéfica, remédio eficaz.56

Vaidade das vaidades, vazio total, cirurgias plásticas, investimento de

primeira necessidade, para quem tem dinheiro para pagar:

O homem indiferente não se apega a nada, não tem certeza absoluta, adapta-se a tudo, suas opiniões são suscetíveis de modificações rápidas: para atingir esse grau de socialização, os burocratas do saber e do poder têm a oferecer verdadeiros tesouros de imaginação e toneladas de informações.57

Quase tudo gira em torno de ter deixando de lado o ser humano, o que

acarreta frustração:

Gente de face velada

E vista de longe podemos notar

Qual o vero semblante?

Tanta máscara, um gesto falaz,

Um para cada propício lugar.58

Máscaras... São tantas... O que é natural e verdadeiro? Tudo parece ser uma

grande mentira sem fim:

                                                       56 Poesia de Dom Abade André MARTINS, e-mail, 30/01/2011. 57 Gilles LIPOVESTKY, A Era do Vazio, p. 26. 58 Poesia de Dom Abade André MARTINS, e-mail, 30/01/2011.

Page 186: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

185

 

Quando circulamos no meio da multidão, nas ruas da cidade, quando nos misturamos numa assembléia, os rostos numerosos dos homens e mulheres que encontramos, de ordinários, não retêm nossa atenção. Nosso olhar percorre de um a outro sem ir mais além da superfície dessas existências que cruzam a nossa.59

Um exemplo, de como as pessoas possuem medo de olhar nos olhos das

outras pessoas, é o metrô de São Paulo. Ninguém olha para ninguém, as pessoas

sentem-se sozinhas na imensa multidão:

Gente que de Deus tomou o lugar.

Mas por que? O que isso faz?

Tudo o que necessário for:

O paraíso já está habitado

Uma mentira que não se propõe revidar.60

Parece que o ser humano não só roubou o lugar de Deus, mas o matou e

nem por isso parece mais feliz:

A perda do ser, a deficiência ontológica, a morte de Deus, e a morte do homem são sinais nefastos de um desparecimento geral do querer viver no Ocidente, se se admite que a vida espiritual importa tanto, senão mais, quanto a vida material. O único remédio para esta situação de desorientação fundamental parecer ser o de lembrar aos homens o sentido dos valores perdidos.61

Deus continua sendo Deus sem o ser humano, mas o ser humano parece se

tornar desumano, quando tira Deus de sua vida. A sociedade de hoje é vazia e

líquida, pessoas sem rumo e direção, mas há justificação para tudo, até mesmo para

o vazio. “Os espaços vazios são antes de mais nada vazios de significado. Não que

sejam sem significado porque são vazios: é porque não tem significado, nem se

acredita que possam tê-lo, que são vistos como vazios (melhor seria dizer não-

                                                       59 Georges GUSDORF, A Agonia da Nossa Civilização, p. 105. 60 Poesia de Dom Abade André MARTINS, e-mail, 30/01/2011. 61 Georges GUSDORF, A Agonia da Nossa Civilização, p. 243.

Page 187: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

186

 

vistos)”62. Luta-se pelos bens materiais e, depois, tudo parece ser uma grande

ilusão, um nada. São muitas as situações que trazem ao ser humano um sentimento

de impotência e de decepção: “O mal entendido da vida moderna é que ela faz

passar acessório diante do essencial. Multiplica as dependências em lugar de aliviá-

las e força o indivíduo a aceitar como ritmos vitais os mecanismos de ordem técnico-

burocrática”63.

A felicidade, no contexto do hiper-consumo, foi uma tentativa de apresentar

algumas situações vividas por muitas pessoas da sociedade pós-moderna. Num

esforço de querer entender qual o espaço que a felicidade ocupa dentro de um

consumismo cada vez maior. Na verdade surgiram mais perguntas que respostas:

O que há de errado com a felicidade? A pergunta do título pode deixar muitos leitores desconcertados. E foi feita mesmo para desconcertar - estimular que se faça uma pausa para pensar. Uma pausa em quê? Em nossa busca pela felicidade, que, como muitos leitores provavelmente concordarão, temos em mente na maior parte do tempo, preenche a maior parte de nossa vida, não pode nem vai abrandar a marcha, muito menos parar... Pelo menos não por mais que um instante (fugaz, sempre fugaz).64

Não há uma receita exata para uma vida feliz. São amplas as possibilidades,

cada pessoa busca, ao seu modo, desesperadamente ser feliz:

Todos querem viver felizes, mas não tem a capacidade de ver perfeitamente o que torna a vida feliz. Realmente não é fácil atingir a felicidade, porque, se alguém desviado do reto caminho se precipita para alcançá-la, fica sempre mais afastado da felicidade. Correndo em sentido contrário, a nossa própria pressa torna-se a causa de um contínuo distanciamento.65

Encaminhando-se para o último capítulo deste trabalho, queremos destacar a

felicidade no ideal monástico e na vida do Mosteiro da Ressurreição, como sinal de

contradição na sociedade hiper-consumista. O mosteiro é um micro espaço, dentro

do macro espaço da sociedade, onde algumas poucas pessoas se dispõem a viver

                                                       62 Zygmunt BAUMAN, Modernidade líquida, p. 120. 63 Georges GUSDORF, A Agonia da nossa civilização, p. 165. 64 Zygmunt BAUMAN, A Arte da Vida, p. 7. 65 SÊNECA, A vida feliz, p. 1.

Page 188: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

187

 

um estilo de vida, que se prolonga no tempo e no espaço, isto é, a vida monástica.

Será possível uma vivência fraterna dentro dos muros do mosteiro? Um grupo de

pessoas completamente diferente em vários níveis deve ter também seus problemas

de convivência! Mas, parece que apesar de todos os obstáculos, o grupo é formado

por pessoas que têm fé e desejam aprofundá-la cada vez mais. Parece ser este o

segredo da convivência fraterna: dar e receber o perdão. Caso contrário, seria

apenas um aglomerado de indivíduos egocêntricos e alienados. Optar por este estilo

de vida é estar disposto a morrer a cada dia e não necessariamente sentir-se feliz.

Ser feliz no ideal monástico é muito mais do que um sentimento, é uma força da

vontade, que, cotidianamente, está começando, como se fosse um eterno discípulo

na escola monástica.

 

Page 189: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

188

 

CAPÍTULO VII: SER FELIZ NO IDEAL MONÁSTICO – A VIDA NO MOSTEIRO DA RESSUREIÇÃO COMO SINAL DE CONTRADIÇÃO NA SOCIEDADE HIPERCONSUMISTA

No último capítulo da tese, a proposta é apresentar o conceito de felicidade

no contexto monacal, sobretudo no Mosteiro da Ressurreição. Um estilo de vida,

como o monástico, por mais afastado que esteja do urbanismo, está inserido numa

determinada cultura e em certo tempo, sofrendo também as consequências dos

mesmos. Muitas indagações e muitas curiosidades sobre o monaquismo surgem e

as respostas nem sempre aparecem. Após uma consideração inicial a respeito do

caráter inusitado da felicidade monacal; num segundo momento apreciaremos

alguns depoimentos de monges e de monjas sobre a vida monástica, testemunhos

válidos sob a ótica da fé. A vida deles é o maior argumento e pode ser a resposta

para aqueles que, curiosos e ansiosos pretendam entender um pouco melhor esta

forma de viver.

7.1 – Monaquismo e consumismo

Os monges do Mosteiro da Ressurreição, desde os tempos de sua fundação,

acreditaram que Jesus Cristo caminha com todos “aqueles que crêem sem ter visto”

(Jo 20, 29), uma vez que a Ressurreição é o que motiva os cristãos a praticar as

boas ações e a manter sempre acesa a esperança de dias melhores. A

Ressurreição é um fato, aceito sob o prisma da fé, mesmo havendo tantas

controvérsias em nossa sociedade. Em todos os tempos e em vários lugares, muitas

pessoas derramaram seu sangue, por professarem a Ressurreição de Cristo.

Mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia, e permitiu que aparecesse, não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia predestinado, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois que ressuscitou. Ele nos mandou pregar ao povo e testemunhar que é Ele quem foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. Dele todos os profetas dão testemunho, anunciando que todos os que nele crêem recebem o perdão dos pecados por meio de seu nome (At 10, 40-43).

Page 190: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

189

 

O mosteiro, objeto desta pesquisa, traz o nome de Ressurreição não apenas

exteriormente. A impressão de muitos que o visitam é que seus monges trazem

gravados interiormente em seus corações a Ressurreição de Cristo: “... eis que

estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20). O que a sociedade

pode dizer diante de uma vivência de fé neste nível? É a crença nestes valores,

quase inenarráveis, que inspira algumas pessoas a se tornarem livres e

espontaneamente encarcerados dentro de um mosteiro, vivendo um estilo de vida

nada comum aos olhos da sociedade laica:

Na atual sociedade humana, que tão facilmente repele a Deus e o nega, a vida de homens e mulheres, dados à contemplação das coisas divina, proclama abertamente a existência de Deus e a sua presença, uma vez que essa vida traz consigo uma característica de amizade com Deus, que dá testemunho a nosso espírito de que somos filhos de Deus. Por isso, os que assim vivem podem confirmar aos que são tentados na fé e que, por erro, chegam a negar a faculdade dada a todo homem de entrar em colóquio com o Deus inefável.1

Muito já foi discutido sobre a relação da sociedade pós-moderna e a vida

monástica, já que na atualidade este tipo de vivência não é tão relevante ou

interessante e, portanto, desejável. Aparentemente, a vida monástica é uma

inutilidade, que não gera lucros materiais, algo quase descartável:

O ideal ascético já não é a figura dominante do capitalismo moderno (...). O que resta no momento em que o afrouxamento pós-moderno liquida o torpor e o enquadramento ou o transbordamento niilista; a descontração elimina a fixação ascética.2

É um paradoxo que neste transbordamento niilista e de vazio existencial,

pessoas, sobretudo, jovens, batam à porta de algum mosteiro para viver uma vida

baseada no ideal ascético. A sociedade propõe e impõe o consumismo como uma

suposta felicidade. A propaganda diz: compre e consuma o máximo, cuide-se, tenha

muito dinheiro, seja o melhor, viva o hedonismo, nada é eterno, tudo pode ser

                                                       1 Agostinho ROBERTS, Vida monástica - elementos básicos, p. 186. 2 Gilles LIPOVETSKY, A era do vazio, p. 20.

Page 191: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

190

 

descartável e relativizado. Enfim, a lista é enorme. No entanto, os valores do

monaquismo são: ter despojamento, possuir apenas o necessário, viver com

simplicidade e com poucas coisas, amar a Deus de todo coração e ao próximo como

a si mesmo:

Se o amor é uma capacidade do caráter maduro e produtivo, segue-se que a capacidade de amar de um indivíduo que viva em qualquer cultura depende da influência que essa cultura tem no caráter da pessoa mediana. Falar do amor na cultura contemporânea é indagar se a estrutura social da civilização ocidental é o espírito que dela resulta propiciam o desenvolvimento do amor. Levantar tal questão é respondê-la negativamente. Nenhum observador objetivo da nossa vida ocidental pode duvidar que o amor [...] seja um fenômeno relativamente raro e que seu lugar seja tomado por um grande número de formas de pseudo-amor, que na realidade são formas de desintegração do amor. 3

Parece um contrassenso apresentar a vida monástica como uma fonte perene

de amor, capaz de preencher a existência humana de significado. No mais profundo

de todos os seres humanos, há um único desejo de amar e ser amado, conforme

afirma Comblin:

A raiz e a força de todas as paixões e atos humanos é o amor inato do ser. (...) Mas o espírito humano não se contenta com o que satisfaz os sentidos, e o amor inato de ser nunca se detém. O desejo se desenvolve sempre mais, o esforço para alcançar a plenitude aumenta, cumula a imaginação e impulsiona o sentimento para outro fim.4

O amor é a solução para muitas doenças do nosso tempo, inclusive o vazio.

“‘Se pelo menos eu pudesse sentir alguma coisa!’ Esta frase traduz o “novo”

desespero que aflige um número cada vez maior de pessoas”5. Scheler dizia num

sentido análogo: “o espaço de Newton é o vazio do coração. O homem não encontra

no universo neutro e estéril do discurso científico o como satisfazer suas exigências

íntimas. O espaço de fora não corresponde mais ao espaço interior”6. Ainda segundo

as palavras de Dom Bento: “... precisamos não de muito espaço, mas do que                                                        3 Erich FROMM, A arte de amar, p. 103. 4 José COMBLIN (dir.), O peregrino Russo - três relatos inéditos, p. 114-115. 5 Gilles LIPOVETSKY, A era do vazio, p. 55. 6 Georges GUSDORF, A Agonia da Nossa Civilização, p. 34.

Page 192: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

191

 

realmente nos ajuda a crescer humana e espiritualmente para atingirmos a estatura

e a medida de Cristo”7. O espaço monástico é preenchido pelo desejo de atingir o

próprio Cristo, já na sociedade, pretende-se preencher com coisas, que nem sempre

saciam a fome de amar e ser amado.

Na sociedade pós-moderna, onde quase tudo requer a comprovação cientifica

dos dados, a vida monacal nem sempre é compreendida e estimada por ser uma

vivência voltada para o sagrado. Torna-se difícil descrevê-la, já que o discurso é

limitado e a experiência é pessoal:

O sagrado não é uma categoria do entendimento que nosso espírito poderia manipular ao seu bel prazer; não é uma idéia nem uma doutrina; é uma presença, a revelação feita a alguns homens que se acham “diante de Deus”, fórmula, sem dúvida, intraduzível extremamente numa linguagem humana qualquer que ela seja. Estar “diante de Deus” é aceitar em não ser dono do sentido, é descobrir sua própria inexistência perante uma Existência transcendente, que anula o homem e ao mesmo tempo o reabilita graças a uma espécie de nova criação. Esta experiência assombrosa não pode ser transcrita na linguagem humana; os livros santos, as grandes figuras da vida religiosa dão-lhe descrições aproximativas, sob forma de alegorias, recorrendo a transposições imaginarias e poéticas. Pode-se indicar o sentido, não se pode analisá-lo, explicar-lhe o motivo. “É uma coisa terrível cair nas mãos do Deus vivo”. Está dito nas Escrituras.8

O sagrado torna-se uma realidade cotidiana na vida dos monges e, portanto,

eles supõem que encontraram a felicidade. “Na vivência do sagrado a pessoa

pressente o Ser e o sente como presença que coloca o seu próprio modo ser em

devir e em realização. Após a experiência, sente-se transformada”9. Ser monge é

enfrentar uma grande batalha pessoal, “... numa vida de luta contínua contra os

costumes do mundo, contra os vícios, as paixões e tudo o que pode afastar-nos de

Deus, e em uma vida de esforço constante para adquirir as virtudes”10. Com uma

busca contínua de configuração ao próprio Cristo crucificado, o monge aceita o

sofrimento com alegria, não porque é masoquista, mas por ser um homem de fé.

                                                       7 Dom Bento de SOUZA, Claustro: o útero que gera vida nova, p.1. (Mimeo, e-mail: 21/05/2011). 8 Georges GUSDORF Georges, A Agonia da Nossa Civilização, p. 196. 9 Gilberto SAFRA, Desvelando a memória do humano: o brincar, o narrar, o corpo, o sagrado, o silêncio, p. 53. 10 Agostinho ROBERTS, Vida monástica - elementos básicos, p. 20.

Page 193: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

192

 

No próprio instante em que iniciava sua paixão, Jesus nos legava sua alegria, que consistia em cumprir em todas as coisas a vontade do Pai. Aí está também a fonte de alegria do monge. Mais cedo ou mais tarde vamos nos achar pregados à cruz por meio dos votos. Não se trata meramente de uma frase piedosa, mas de uma necessidade íntima da vida verdadeira. Será justamente a cruz que preferiríamos não carregar, Jesus declara, no entanto: “Felizes os pobres de espírito, porque a eles pertence aqui e agora, o reino dos céus”. A vida dos santos não faz mais que interrogar o paradoxo: “Ao ser interrogado pelos irmãos acerca das razões de suas renúncias, um dos santos Padres do deserto dizia: “Meus filhos, fazemos bem em odiar todo repouso na vida presente e também os prazeres do corpo e as alegrias do comer e beber. Não busquemos as honras dos homens. Porque então nosso Senhor Jesus Cristo nos dará as honras celestiais, o repouso na vida eterna e a alegria gloriosa de seus anjos”. Uma vida de aniquilamento por amor a Jesus Cristo não pode ser triste, confusa ou amargurada. Se renunciamos a tudo, inclusive às coisas boas, é para amar melhor e mostrar melhor a todos os homens o amor do Pai, que Jesus nos deu. Temos que aprender a deixar-nos invadir mais plenamente por esse amor, a fim de estarmos mais unidos ao Amado.11

Que espécie de gente são estes monges e estas monjas, que ao longo de

tantos séculos marcam presença na história do Cristianismo? “Somos homens e

mulheres do nosso século com o que há de melhor e pior, e foi esse o momento que

Deus escolheu para existirmos e fazermos parte de seu desígnio de salvação, para

no mundo estarmos plenamente, porém sem sermos dele”12. Ou, ainda, nas

palavras do próprio Cristo, que se tornou vivo na vida destas pessoas:

Dirigi-te esta oração enquanto estou no mundo, para que eles tenham a plenitude da minha alegria. Dei-lhes a tua palavra, mas o mundo os odeia, porque eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo. Não os peço que os tires do mundo, mas sim que os preserves do mundo mal. Eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo (Jo 17, 13-16).

Tudo indica que são pessoas comuns, como qualquer pessoa, mas que

decidiram viver a vida sob o prisma da fé, comprometendo-se sem reservas com a

pessoa de Jesus Cristo: “No claustro nossa vida se desenvolve num ritmo diverso

daquele que o mundo oferece. Corremos muito, mas o objetivo é o mesmo.

Corremos para servir e servimos para amar”13.

                                                       11 Agostinho ROBERTS, Vida monástica - elementos básicos, p. 182. 12 Homília de Dom Abade André MARTINS, IX Domingo do tempo Comum - Ano A, p. 2. 13 Dom Bento de SOUZA, Claustro: O útero que gera vida nova, p. 1. (Mimeo, e-mail: 21/05/2011).

Page 194: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

193

 

Os paradoxos parecem que se encontram: vida de fé e vida sem fé.

Podemos ver despontar novas situações pessoais e históricas, onde só o próprio

tempo poderá fazer a avaliação positiva ou negativa, também em relação à pequena

sociedade monacal, já que segundo Lipovetsky, estamos “... na hipermodernidade,

um tempo em que excesso e vazio enfrentam-se num combate que gera autonomia,

novas liberdades e produz também, como não poderia deixar de ser, novos

problemas, novas angústias e novas expectativas”14. Quando o Mosteiro da

Ressurreição foi fundado, no coração daqueles jovens monges havia muitas

expectativas em relação ao futuro, deixando o mosteiro de São Paulo, que estava no

centro da cidade, para iniciar algo novo afastado da cidade. Certamente, não foi uma

situação fácil, mas prosseguiram com o propósito:

Por meio do humilde processo de sua vida, através da perseverança na fé, da docilidade, dos louvores divinos e do amor fraterno, está fazendo um apelo a Deus para atuar com intensidade no mundo de hoje. O monge descobre que sua experiência de Cristo o faz pai do mundo vindouro, príncipe da paz, primícias de uma nova humanidade.15

Muitas vezes, olhamos para a vida monástica como um ideal perfeito e

distante, mas esta idéia não procede e nem corresponde à verdade. Podemos

comparar a vida comunitária com as colunas que formam o claustro do Mosteiro da

Ressurreição, ou seja, são diferentes uma das outras. Algumas são tortas, outras

largas e ásperas, outras quase perfeitas. Enfim, um detalhe importante que pode

ficar despercebido, mas com profundo significado. Cada uma delas pode representar

cada monge do mosteiro, com seus limites, mas, quando juntas, formam um bonito

conjunto, onde os defeitos não aparecem com tanta saliência.

Num mosteiro, para além de sua disciplina como pedagogia de vida, tudo nos é permitido, porque somos livres, mas nem tudo nos convém, pois muitas coisas nos escravizam, nos tiram do alvo, mudam nosso roteiro, nos esvaziam e nos causam enfermidades físicas e psíquicas em nós e nos outros.16

                                                       14 Gilles LIPOVETSKY, A Era do Vazio, p. XI. 15 Agostinho ROBERTS, Vida Monástica - elementos básicos, p. 186. 16 Homília de Dom Abade André MARTINS, Abertura da Quaresma, 2011, p. 2.

Page 195: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

194

 

Ter bom senso e saber usar da liberdade é a chave para uma boa

convivência consigo mesmo e com as demais pessoas. Dom Bento compara o

claustro e a vida comunitária com um útero:

O claustro de um mosteiro é como um grande útero, que enquanto gera, está ainda sendo gerado, porque não existe nem subsiste fora do útero maior que é aquele da Igreja de Cristo que nos acolhe e jamais rejeita. No claustro, através de orações, silêncio, trabalho, disciplina e convívio fraterno, muitas almas vão aos poucos sendo modeladas e formadas para também elas começarem um dia a gerar e serem responsáveis pela continuidade desta dinâmica de geração e criação de homens novos renovados em Cristo.17

Será possível que o mosteiro seja um lugar que proporciona aos seus

membros a felicidade? Como é concebida a felicidade dentro da vida monacal? Um

mosteiro formado por gente de diversos níveis culturais, sociais e cronológicos, pode

contribuir para uma vivência pacífica? “A vida feliz não se vê com os olhos, porque

não é corporal”18, parece que a vida feliz dentro do claustro é vivida noutro

parâmetro:

Não existiríamos nem resistiríamos sozinhos, mas somos aquecidos e alimentos pela seiva da graça do Espírito Santo, que gera e regenera homens e mulheres que batem à porta de nossas casas e experimentam a alegria, mesmo nas dores, de serem consagrados para a vida no claustro.19

São Bento apresenta sua proposta de felicidade, dizendo que é o próprio

Deus quem nos convida à vida feliz:

Desde o início do Prólogo da Regra, São Bento anuncia seu programa: propõe um caminho de felicidade: “Onde está o homem, pergunta a seu leitor, que quer a vida e deseja ver dias felizes? [...] Bento acrescenta: é quando você tiver feito isso, meus olhos estarão sobre você e meus ouvidos atentos às suas preces, e antes que você me invoque, eu direi: “Aqui estou!” Resposta encorajadora que arranca da pena de Bento um dos mais raros e breves impulsos líricos de sua Regra: “Que há de mais doce para nós, irmãos muito queridos, do que esta voz do Senhor que nos convida? É por sua

                                                       17 Dom Bento de SOUZA, Claustro: O útero que gera vida nova, p. 2. (Mimeo, e-mail: 21/05/2011). 18 SANTO AGOSTINHO, Confissões, 10, 21, p. 293. 19 Dom Bento de SOUZA, Claustro: O útero que gera vida nova, p. 2. (Mimeo, e-mail: 21/05/2011).

Page 196: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

195

 

pietas, por sua ternura, que Deus nos mostra o caminho da vida”- quer dizer, da felicidade. 20

O monaquismo, como uma pequena sociedade inserida na grande sociedade,

tem seus desafios próprios:

... a história não é feita apenas de êxito daqueles que construíram intelectual e praticamente um mundo novo; é feito também da queda das sociedades que não compreenderam, permitiram e organizaram as novas formas que assume a vida econômica, política e cultural. 21

Outros perigos, como o isolamento e o fechamento em si mesmo, numa

atitude de auto-proteção ou egoísta, podem levar às pequenas comunidades a se

dilui na macro-sociedade, que segundo Touraine:

Em vez de as nossas pequenas sociedades se fundirem pouco a pouco numa vasta sociedade mundial, vemos desfazerem-se diante dos nossos olhos os conjuntos simultaneamente políticos e territoriais, sociais e culturais, que nós denominávamos sociedades, civilizações ou simplesmente países. Vemos separar-se, por um lado, o universo objetivado dos signos da globalização e, por outro, conjuntos de valores, expressões culturais, lugares de memória, que já não constituem sociedades na medida em que estão privados da sua atividade instrumental já globalizada e, por isso, se fecham sobre sim mesmas dando cada vez mais prioridade aos valores e não às técnicas, às tradições e não às inovações.22

Segundo Lipovestky, “a Era do Vazio está cheia de novos significados”23.

Descobrir estes novos significados deve ser a grande sabedoria deste tempo:

Tudo é descartável. Mas como encarar o fato? Será que, conforme sugerem alguns, o sistema temporal prevalecente equivale a um “presente absoluto”, fechado, encerrado em si mesmo, separado do passado e do futuro? Será que o indivíduo contemporâneo vive realmente num estado de imponderabilidade temporal”, confinado numa imediatez esvaizada de qualquer projeto e herança? Será que ele se confunde com o “homem

                                                       20 D. André LOUF, OCSO, A procura da felicidade na Regra de São Bento, Revista Beneditina, p. 1-2. 21 Alain TOURAINE, Iguais e Diferentes - Poderemos viver juntos?, p. 31. 22 Ibid., p. 14. 23 Gilles LIPOVETSKY, A Era do Vazio, p. XIV.

Page 197: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

196

 

presente”, transformando em estrangeiro no tempo, mergulhado apenas no tempo da urgência e da instantaneidade? Será que a aceleração generalizada, o frenesi do consumo, o retraimento das tradições e utopias teriam conseguido criar a civilização do “presente perpétuo”, sem passado e sem futuro?24

A vida monástica parece estar noutro parâmetro de comparação com a atual

sociedade, embora tenha e faça uso de alguns elementos da pós-modernidade:

Se um ventilador quebra, antes de tudo nós tentamos consertar. Costumamos dizer que lidamos com as coisas como se fossem vasos sagrados do altar, como se cada item fosse uma peça única, e não algo descartável!, comenta Dom Elredo. Por essa razão existe um esforço, por parte do mosteiro, de ter tudo aquilo necessário às manutenções. O isolamento do mosteiro deve ser alicerçado no fato de ser sustentável. Mas a proximidade com a agitação urbana ocorre, de uma forma ou outra, seja no chinelo crocs que um dos monges usa, seja pela internet, através da qual o mosteiro emite suas notas fiscais, mantém um site e loja virtual, e por meio da qual os monges podem entrar em contato com a família. “Os mosteiros do mundo todo estão adotando a internet, porque é algo necessário até para escrever uma carta”. Justifica Elredo. 25

O ser humano é relacional e, mesmo na vida monástica, é indispensável a

comunhão entre todos “... reconheceu-se logo que a vida do anacoreta não era

possível para todos, surgindo então a tradição “cenobita”, na qual os monges já

viviam sozinhos, passando a compartilhar a vida de dedicação a Deus e a

comunidades”26. Ou ainda:

Elemento essencial na vida monástica é o respeito profundo pelo próximo. Dado que somos criação de Deus e por sermos chamados ao batismo, somos todos filhos do Senhor. Como filhos de Deus, temos de nos respeitar mutuamente. Isso é um eco da reverência que temos por Deus. Como o Senhor nos disse: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Com isso, o respeito e a reverência que temos uns pelos outros estendem-se para tudo o que há no mosteiro, São Bento diz que as ferramentas do mosteiro devem ser tratadas como se fossem vasos sagrados do altar.27

                                                       24 Gilles LIPOVETSKY, Os Tempos Hipermodernos, p. 65. 25 A vida no mosteiro. Jornal Urbe – O JM EM REVISTA, 09/01/2011, Caderno Comportamento, p. 4-5. 26 Anthony STORR, Solidão, p. 120. 27 Mark W. McGINNIS, A sabedoria dos beneditinos - trinta monges e freiras compartilham as maiores lições de suas vidas, p. 340.

Page 198: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

197

 

O monge aceita livremente viver o amor cristão na medida do próprio Cristo.

Abraça este estado de vida na alegria e na tristeza, na saúde e na doença,

acreditando que, assim, pode dar sua parcela de paz à nossa civilização:

O chamado a viver os votos monásticos é um chamado a orientar a família humana para seu verdadeiro destino, o qual é divino: a passagem pascal da humanidade ao Pai. O monge leva a termo essa missão pelo testemunho de toda a sua vida, tanto em comunidade como em contemplação. E o faz também ao proporcionar um lugar de encontro para os que buscam a Deus hoje. No entanto, realiza sua vocação, sobretudo ao tocar os corações dos homens através do Coração de Cristo. Essa é a conseqüência de se abrir ele a Deus em corpo, alma e espírito. Como dizia São Serafim de Sarov, monge russo do século XIX: “Tem paz em teu coração e milhares em torno de ti se salvarão”. 28

Paz parece ser tudo o que um monge pode oferecer ao mundo de hoje!

7.2 – Análise de alguns depoimentos sobre a vida monástica

Esta tese tem pretensão de registrar parte do significado do Mosteiro da

Ressurreição e de responder algumas indagações acerca da vida monástica. Ser

monge na era do vazio: um estudo no Mosteiro da Ressurreição e sua mensagem

de felicidade na sociedade pós-moderna é um trabalho que traz em seu bojo um

conteúdo complexo e profundo, tornando-se, muitas vezes, difícil atingir seu objetivo.

Fazemos tentativas de aproximação e de comparação e, sobretudo, confiando nas

experiências pessoais de homens e de mulheres que vivem o próprio mistério divino

em suas vidas e que nos possibilitam a percepção da felicidade em aspectos não

tão comuns nos nossos dias.

O monaquismo, apesar de tudo e de todos, é um sina de contradição na

sociedade pós-moderna, mas que continua apontando para realidades, que estão

além da matéria, visto e vividos como expressão de fé em valores imutáveis. “Pela

nossa vocação, somos chamados a ser bons samaritanos, sinal de esperança ao

                                                       28 Agostinho ROBERTS, Vida Monástica - elementos básicos, p. 186.

Page 199: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

198

 

povo oprimido. Mostramos o caminho através da educação, do trabalho monástico e

da liturgia”29.

Parte deste trabalho é apresentar uma vida feliz monástica. Este desafio

tornou-se um grande, pois a felicidade é relativa e depende muito da concepção

pessoal de cada um. A vida monástica é pouca conhecida, sobretudo nos meios

acadêmicos. Na sociedade, é algo quase em extinção. Em nosso meio, encontramos

pessoas que vivem esta forma de vida e dizem que são felizes. Entre elas, temos a

monja Maria Rosa, trapestina, que fala da vida feliz no Mosteiro Trapista Nossa

Senhora da Boa Vista, não obstante tantas situações concretas e finitas próprias da

condição humana:

Sou feliz no caminho monástico. Não tenho todas as respostas que pedi a Deus e à vida. Conheço um pouco mais meus limites, minha finitude e meu destino eterno. Minhas exigências e impertinências e a dos demais, a dor pela dor que aflige os que amo, a minha mesma e a de qualquer pessoa. A resistência em deixar a morte passar e ceifar e a lista poderia continuar. Ironia? Fazer um elenco assim e depois reconhecer-me feliz? Não! O caminho monástico para a tradição beneditina, vivida no caminho do Cister, me situa na verdade. A Verdade nos faz livres realmente e felizes. Esperar que tudo se harmonize, que a fraternidade universal cure toda violência para ser feliz é ilusão e irrealidade. Creio que não deve ser esquecida a valiosa encíclica Deus Caritas est, de Bento XVI. Toda pessoa, imagem e semelhança de Deus é Eros e Ágape. Nenhum monge ou monja normal pode negar que em seu coração está o Eros e o Ágape. Reconhecer e aceitar a disciplina como caminho para amar com a força do Eros redimido pelo Ágape, e meu modo de ver é o segredo, a razão da felicidade. 30

Não podemos escapar do tempo em que vivemos e nem da sociedade na

qual estamos inseridos, sendo atingidos, de alguma maneira, pelo consumismo e

pelo espírito capitalista. Padre Stanislaus Maudlin, monge Beneditino, fala que

mesmo dentro dos mosteiros, pode haver certo espírito que não condiz com o

Cristianismo e muito menos com vida monacal:

                                                       29 Irmã Maria das Graças MORAES, OSB, Conversão de vida X Desafios, p. 68. Ver também: Dom Gregório PAIXÃO, A Vida monástica e o terceiro milênio. Desafios e Promessas. 30 Irmã Maria Rosa, entrevista realizada pela autora, e-mail: [email protected] 19/04/2011.

Page 200: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

199

 

Percebo que os beneditinos e beneditinas de hoje ainda não conseguiram reivindicar, integral e profundamente, a sabedoria de São Bento. Em vez de serem autênticos, são o produto desta sociedade consumista e competitiva. Mesmo em sua vida espiritual, falam em ganhar mérito, ganhar o céu, conquistar recompensas, planejar o futuro, saber o que “eles” querem. Essa é uma realidade que não deve ser propagada nas comunidades. A comunidade pode se estabelecer com base no mais baixo denominador comum. São Bento nos advertiu a esse respeito. Quase todas as páginas da Regra de São Bento são, de certa forma, um insight psicológico sobre as relações entre os seres humanos. Acredito que não houve alguém tão sábio que tenha escrito uma Regra. A Regra de São Bento não é apenas um manual; é uma declaração de vida. Meu direcionamento quanto à tradição tem sido servir, dizer sim. Trata-se de uma tradição de ajuda mútua. O Criador fez o homem e a mulher para que, ao se servirem mutuamente, criem vida nova. Quando duas pessoas formam uma aliança, o resultado é sempre uma nova criação.31

Ser feliz não significa ter uma vida sem problemas, o monge beneditino Vicent

Martin fala-nos da sua própria experiência de felicidade como algo que não se

busca, mas que se constrói:

A vida tem me dado alegrias e tristezas. Sempre fui um conquistador, tentando alcançar coisas que, na maioria das vezes, não deram certo. Fui bem-sucedido algumas vezes, o que me trouxe momentos de felicidade. Fiz muitas amizades nesses anos. Relacionei-me com pessoas que eram minhas amigas de verdade, sem nenhum interesse ou objetivo secundário, razão pela qual esses relacionamentos foram muito satisfatórios. Vivi muitos momentos de veneração que me deixaram muito feliz. A felicidade não é algo derivado, não é algo que se busca. A busca pela felicidade não faz sentido. Quem vive procurando a felicidade provavelmente nunca a encontrará. Acredito naquilo que se constrói. Meu humanismo e espiritualidade devem voltar-se à construção do reino de Deus. Você não constrói o reino dos céus no céu; você constrói na Terra. A felicidade não é ausência de desafio, mas o fato de tudo estar movendo-se em alguma direção, mesmo quando o caminho é árduo, doloroso e difícil, como uma mulher dando à luz.32

Irmã Margarete de Jesus Crucificado é uma jovem monja carmelita e nos

conta da sua felicidade em poder contribuir para que o mundo seja melhor:

Sou feliz porque acredito que minha vida faz a diferença para este mundo ser melhor. Sou feliz porque creio que não vivo só para mim, mas pelo amor de

                                                       31 Mark W. McGINNIS, A sabedoria dos Beneditinos- trinta monges e freiras compartilham as maiores lições de suas vidas, p. 36. 32 Ibid., p. 88.

Page 201: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

200

 

Deus. Sou uma semente que enterrada no chão, faz crescer frutos de bem e paz no coração de muitas pessoas. Sou feliz porque aos 18 anos senti o chamado de Deus no meu coração, segui, e hoje só posso ser feliz partilhando o seu plano de amor e salvação para todos. E creio que a felicidade é ser feliz se doando, para que todos sejam felizes, descobrindo e se deixando amar pelo amor de Jesus Cristo.33

Apresentamos mais um depoimento, colhido no Mosteiro da Ressurreição, em

conversa com Dom Geraldo Cestaroli, sobre a felicidade na vida monástica. Ele tem

oitenta e seis anos de idade e setenta de Mosteiro:

Pesquisadora: O senhor é feliz? O que é a felicidade para o senhor? As pessoas desejam tanto a felicidade e não encontram.

Dom Geraldo: A maior felicidade é encontrar o Senhor. A maior felicidade que podemos ter neste mundo é saber valorizar o que encontrei. O segredo é este: saber valorizar em estar com o Senhor. Ele convidou seus discípulos, preparou-os, vinde descansar. A grande arte é descansar com o Senhor. Estar com Ele. Que Ele nos baste. O Senhor é meu pastor, nada me falta. Uma sabedoria estar com Ele e confiar Nele. Nada me falta. Aparentemente pode faltar mil coisas, mas há uma garantia de que nada me falta. É uma entrega para Ele, isto basta. Não ficar procurando as coisas de fora que já deixei e renunciei. Eu fiz uma entrega a Ele. Então, Ele providencia o que eu preciso. É uma entrega total, nesta entrega posso não ter tudo hoje, mas nesta confiança. Ele é meu tudo.

[Neste momento há uma forte emoção, os olhos deste monge ficam cheios de lágrimas e os meus também...]

Pesquisadora: Por que somente algumas pessoas percebem estas realidades espirituais e a grande maioria não consegue perceber?

Dom Geraldo: É a graça que pode fazer, eu valorizar este encontro com Ele, sem nenhum merecimento pessoal. É uma entrega a Ele. Só Ele sabe o quanto é imperfeita esta entrega. Sua misericórdia acolheu-me e sustentou durante todos estes anos. Só a Misericórdia. Não por ser melhor que os outros, mas o contrário. Porque eu precisava neste estado de vida diferente, não comum. Em seu infinito amor que nos segue e acompanha, pois Ele quer o bem de cada um, não só o meu, mas a todos.

Pesquisadora: Como se valoriza aquilo que se encontra?

Dom Geraldo: Não é tão fácil explicar. E houve um silêncio. Valoriza-se na fé. Basta entregar-se, inclusive os erros.

Pesquisadora: Entregar-se nem sempre é fácil. Entregar-se a Jesus é como se entregar a uma pessoa?

Dom Geraldo: Jesus é muito mais que uma pessoa. Muito, muito mais.

                                                       33 Irmã Margarete de Jesus Crucificado, entrevista realizada pela autora, e-mail: [email protected], 13/05/2011.

Page 202: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

201

 

Pesquisadora: Quem é Jesus para o senhor?

Dom Geraldo: É o bem sem medida. Eu posso confiar Nele sem medida, porque eu sei que Ele é fiel. Posso entregar-me sem medo.

Pesquisadora: Quem é Jesus Cristo? Como se segue Jesus Cristo?

Dom Geraldo: É muito simples. Simplesmente o contrário daquilo que o mundo oferece. Ele é o contrário do mundo. Isto chama-se conversão e conversão é voltar à direção. Retornar daquilo que o mundo ensina.

Pesquisadora: A pessoa será feliz fazendo isto?

Dom Geraldo: Sim. É preciso manter estável uma altura. Há altos e baixos. Não há uma estabilidade na altura. São Paulo vai dizer que é na fraqueza, que se é forte. Não se assustar de si mesmo, mediante a fraqueza, jogar-se em seus braços. Ele é a nossa força! Ele é o forte! Não assustar-se da própria fraqueza.

Pesquisadora: Como é o céu?

Dom Geraldo: Tudo é na base da fé! Eu creio que o céu é aquele lugar que não haverá mais grito e nem dor. Só no céu a felicidade estará completa e de algum modo já antecipamos alguma coisa de céu. Procurando estar com Jesus em tudo aquilo que é contrário ao mundo. O Espírito Santo completa, Ele vem nos ensinar a estar com Jesus e a falar com Jesus. Para mim, basta entregar-se a Jesus. Não é uma entrega que deixa tudo nas mãos Dele. Ele quer meu esforço, não dispensa aquilo que eu tenho que fazer. Ele quer meu pouco e esse pouco é Ele quem constrói, mas sem minha colaboração, não fará o céu vir.34

O que dizer diante do testemunho destas vidas? Muitas controvérsias e juízos

podem aparecer, mas o melhor é silenciar e guardar como um exemplo de que a

vida monástica ainda tem sentido em nossa sociedade. Na verdade, todo cristão

deveria viver sua vocação com radicalidade, pois os monges e as monjas, antes de

tudo, são cristãos que assumiram este compromisso com seriedade.

Qual o diferencial que o Mosteiro da Ressurreição apresenta à sociedade? O

que os visitantes e os peregrinos vão buscam no Mosteiro? Como elas vêem o

Mosteiro? Enfim, são muitas as perguntas em relação à vida monástica e

direcionada especificamente ao Mosteiro da Ressurreição, porém nem sempre é

possível uma resposta imediata e profunda. Não basta ter um olhar superficial, é

preciso ir um pouco mais além, nem sempre aquilo que vemos é verdadeiro, os

sentidos podem nos enganar. A sociedade atual apresenta a felicidade como a

frenética quase insaciável de busca pelo consumo, mas o consumismo não tem

                                                       34 Dom Geraldo Cestaroli, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita 3, Ponta Grossa, 28/11/2009.

Page 203: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

202

 

correspondido à uma vida feliz, torna-se até um peso, quando “... os indivíduos não

são mais apenas infelizes, sentem a culpabilidade de não se sentir bem”35.

É em nome da felicidade que se desenvolve a sociedade de hiperconsumo. A produção dos bens, os serviços, as mídias, os lazeres, a educação, a ordenação urbana, tudo é pensado, tudo é organizado, em princípio, com vista à nossa maior felicidade. Nesse contexto, guias e métodos para viver melhor fervilham, a televisão e os jornais destilam conselhos de saúde e de forma, os psicólogos ajudam os casais e os pais em dificuldades, os gurus que prometem a plenitude multiplicam-se. Alimentar-se, dormir, seduzir, relaxar, fazer amor, comunicar-se com os filhos, conservar o dinamismo: qual esfera ainda escapa às receitas da felicidade? Passamos do mundo fechado ao universo infinito das chaves da felicidade: eis o tempo do treinamento generalizado e da felicidade ”modo de usar” para todos.36

O mundo apresenta uma diversidade de felicidades e de facilidades para se

conquistar a almejada vida feliz, no entanto vemos vidas infelizes. Qual a concepção

de felicidade que a sociedade apresenta, distinta daquela que a vida monástica

ensina e vive. Será o caso de romper uma com a outra? É possível um diálogo e

uma ajuda entre ambas? “Dentro do mosteiro o monge permanece aberto às

necessidades dos homens e ao acolhimento. É livre para encontrar e amar a todos.

E quer ser, segundo a vontade de Deus, um instrumento de seu Reino”37. Os valores

monásticos são meios diferenciados de que é possível a construção do Reino de

Deus neste mundo. Na sociedade atual, os valores visam à busca do material como

um grande e indispensável valor.

Muitas pessoas desenvolvem valores falsos que tentam impor aos outros: o valor das coisas matérias, o valor do dinheiro, o valor do prestigio, o valor da classe social, o valor de um alto padrão de vida. Falta, às pessoas, o básico e importante, até mesmo o valor do que é permanente. As pessoas não param, mudam de emprego, trocam de cônjuge. Parece que o permanente assusta. A religião e a oração podem ajudar a passar algum entendimento sobre o permanente. Acho que há também sinais positivos. Algumas pessoas estão começando a perceber que não adianta buscar a felicidade em conquistas

                                                       35 Gilles LIPOVETSKY, A felicidade paradoxal, p. 357. 36 Ibid., p. 336. 37 www.abadiadaressurreicao.org. Acesso em: 08 maio 2011.

Page 204: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

203

 

materiais. Essa é uma tendência positiva. Espero que os valores beneditinos sejam cada vez mais difundidos entre o público em geral.38

Os monges, gente como a gente, esforçam-se para que suas vidas sejam

coerentes e de acordo com aquilo que prometeram na profissão pública: “A vida do

monge é toda alicerçada na fé, experimentado constantemente a morte e

Ressurreição em Cristo, com tudo o que isso implica: despojamento, humildade,

paz, serviço, alegria, liberdade”39.

O Mosteiro da Ressurreição, atualmente, é composto por dezessete

professos de votos solenes e oito de votos simples, três noviços e dois postulantes.

Durante o ano sempre há novos jovens que batem à porta para fazer uma

experiência vocacional, ver se realmente é isto que desejam. No momento são cinco

candidatos. Perguntei para um dos candidatos40 o que ele veio fazer no mosteiro?

Respondeu-me: “Jesus me trouxe aqui!” Era um jovem universitário, que deixou tudo

para se apresentar no mosteiro. Como encarar semelhante resposta? No mínimo, é

uma resposta desconcertante, chocante e muito esquisita aos nossos olhos,

sobretudo saindo da boca de um jovem. Qual pode ser a motivação mais profunda

para tomar tal decisão existencial?

A comunidade monástica se forma impelida pela fé e pela esperança. E só na fé e na esperança encontra razões para existir. Os únicos móveis capazes de suscitar vocações à vida monástica são móveis de fé, e a fonte única onde o vocacionado vai haurir forças para perseverar na dura vida do claustro é a esperança nos bens futuros. No mosteiro se vem buscar Deus (RB58,7) busca que, devido à nossa condição de pecadores, adotará a forma de uma volta a Deus (Pról 2) de um longo e não fácil processo de renúncias para tornar possível a milícia sob o verdadeiro rei, Cristo o Senhor (Domino Christo vero regi militaturus (Pról.3). A fé ilumina e dá sentido a tudo o que a comunidade monástica é e faz.41

Frente ao que foi colocado até agora, ainda continuamos com a indagação

pertinente durante toda a exposição: Qual o sentido da opção por uma vida

                                                       38 Mark W. McGINNIS, A sabedoria dos beneditinos- trinta monges e freiras compartilham as maiores lições de suas vidas, p. 102-103. 39 www.abadiadaressurreicao.org. Acesso em: 08 maio 2011. 40 Prefere não se identificar. 41 Augusto PASCUAL, O compromisso cristão do monge, p. 69.

Page 205: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

204

 

monástica hodierna no Mosteiro da Ressurreição dentro da pós-modernidade?

Neste sentido, a opção pela vida monástica é uma busca de realização, uma

contribuição à sociedade ou apenas uma fuga existencial do ser humano?

A identidade do monge se define pela escolha de um modo de vida que é ao mesmo tempo marginal e implicitamente crítico, em relação à sociedade em geral e nos nossos tempos, especialmente em relação à sociedade de consumo. Um monge não foge do mundo, nem o odeia, mas dele se afasta. Renuncia a si mesmo e aos bens que poderia obter para si no mundo, para seguir ao Cristo no deserto, lugar de sofrimento e tentações, mas também de autenticidade e encontro. Assim, colocando-se à certa distância da sociedade, livre de suas convencões e imperativos, o monge entrega-se totalmente ao Cristo e assume uma disciplina cunhada pela sabedoria de uma tradição espiritual que lhe é transmitida por um mestre e uma comunidade. Sendo alguém que busca a Deus, o monge se dispõe a um contínuo e entusiasmado processo de conversão no dia-a-dia de sua vida comunitária. A comunidade torna-se a “escola do serviço do Senhor,” reunida em torno de um pai (Abade), sinal de Deus que é Pai.42

A vida monástica pode ser considerada como uma atividade que é realizada

no escondimento, nos bastidores, à semelhança dos alicerces de um edifício ou

ainda como a raiz de uma árvore. Jesus Cristo permaneceu trinta anos no

escondimento, vivendo uma vida aparentemente pacata, e sua pregação durou

apenas durante três. Outro exemplo é a mãe que espera seu bebê, quanta

preparação e quantos cuidados anteriores ao nascimento! É no interior da terra que

a semente desabrocha e se torna fruto. De potência chega ao ato, como se fala em

filosofia. A eficácia de uma atividade não se mede apenas pelo seu aspecto visível,

mas também por sua interioridade. Assim é também em relação à vida monacal, que

por natureza é escondida aos olhos de muitos, mas não menos eficaz que as

demais atividades realizadas dentro da Igreja. Aliás, vale a pena lembrar-se de que

a vida religiosa nasce justamente desta vida escondida:

Os mosteiros são os filhos primogênitos da Igreja em relação aos demais modos de vida religiosa conhecidos hoje de toda a gente. Toda a vida religiosa foi fundada e fundamentada a partir de experiências de silêncio e oração vivida dentro ou ao menos ao lado de grandes claustros. A vida religiosa espalhada por todo o mundo, sendo ela missionária ou não,

                                                       42 www.abadiadaressurreicao.org. Acesso em: 08 maio 2011.

Page 206: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

205

 

compartilha dos mesmos ideais encontrados nos claustros, pois o serviço que prestamos aos nossos irmãos acaba por se tornarem oferendas agradáveis levadas pelas nossas orações diante do Trono de Deus.43

Imaginemos uma flor dentro de um vaso, com água. A maioria olha apenas a

flor ou o vaso, poucos valorizam a água dentro vaso. A vida monástica é justamente

a água que sustenta a flor dentro do vaso. Neste estilo de vida, há muitos valores

distintos, que não são valorizados socialmente porque os olhos não conseguem ver

além do aspecto material e do lucro. Qual o lucro econômico que uma vida

monástica pode gerar para a sociedade consumista como a nossa?

Estive presente numa cerimônia de votos de uma monja, onde o padre-

monge, ao proferir sua homilia, apresentou o que significa a vida monástica:

Algumas pessoas, alheias às coisas de Deus, poderiam perguntar: que sentido tem uma jovem deixar o mundo e entrar para o mosteiro? Não poderia ser mais útil para a humanidade se colocasse seus dons para o bem da sociedade estando no mundo, fora dos claustros? Esta é a maneira de valorizar as pessoas a nível de eficácia; é o tecnicismo civil que é transferido para a vida religiosa, é a maneira de valorizar o outro pelo que ele produz, pelo que ele faz e não pelo que ele é. Esquece-se que a consagração religiosa não pode ser definida primeiramente por um agir, mas por um ser. O apostolado de todos os religiosos consiste primeiramente no testemunho de sua vida consagrada, na fidelidade ao carisma vivido no dia a dia, assim vai acontecendo uma secreta e misteriosa fecundidade em toda a Igreja em toda parte onde se faz presente. Aí de todos nós se não houvesse estas pessoas escondidas sustentando o mundo com suas orações, seu sacrifício, sua penitência. O que a monja faz não está confinado aos claustros do mosteiro, todos os seus atos são litúrgicos, sua vida é um ofertório contínuo em que no encontro com Deus ela oferece, amor, adoração e louvor em nome de toda a humanidade.44

Alguns elementos essenciais da vida religiosa e, sobretudo da vida

monástica, são o escondimento, o silêncio, o sacrifício, a oração contínua pessoal e

comunitária, principalmente da Palavra de Deus. É preciso ter muita coragem para

viver uma vida sob estes aspectos. Numa sociedade consumista, é possível

compreender e aceitar tal vivência?

                                                       43 Dom Bento de SOUZA, Claustro: O útero que gera vida nova, p. 2 (Mimeo, e-mail: 21/05/2011). 44 Homilia de Pe. Lázaro TRAPISTA, nos votos da Irmã Maria Aparecia Bezerra, 19/06/2011, p. 4-5.

Page 207: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

206

 

Nossa vida monástica, irmãos, por mais escondida que seja, tem valor de um testemunho. [...] Não fomos reunidos primariamente para dar esse testemunho, mas não podemos nos desinteressar dele, pois, foi também a nós que o Senhor disse: Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens; para que, vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus. (Mt 5,16) Nem sempre temos de testemunhar com o nosso sangue. Nossa maneira de viver constitui nosso testemunho habitual. Uma vida totalmente consagrada à adoração, testemunha, acima de tudo, a existência e a transcendência de Deus.45

A vida monástica fala por si mesma e em sua essência silenciosa e discreta

acredita que dá sua contribuição à sociedade, mesmo que a sociedade fique

chocada com maneira tão diversa de vivência:

Dos claustros nascem os mais diversos talentos escondidos e quase condenados a nunca existirem, porque escondidos ou camuflados em algum lugar sem a menor possibilidade de serem vistos e reconhecidos como dons gratuitos de Deus. O grande útero forma, artistas, escultores, cozinheiros, cantores, escritores, poetas, economistas, agricultores, alfaiates, professores, formadores e dirigentes capacitados para conduzirem a comunidade ou servires à Igreja de Cristo, lá onde o Espírito Santo os conduzir.46

A liturgia realizada no Mosteiro da Ressurreição é um dos grandes contributos

e diferenciais, atraindo sempre muitas pessoas que vêem de longe e de perto para

participar. Tal fato mostrou-se atraente desde o início, uma vez que a participação

na liturgia dentro da capela do Mosteiro, junto com à comunidade parecia sempre

ser a primeira vez que estivesse rezando com os monges. Mesmo que os salmos

fossem repetitivos e conhecidos era como se fosse sempre novo e dinâmico, caindo

na alma como a palavra certa. Outras vezes, a oração podia ser comparada a uma

terra seca, pedindo água, ou como um bálsamo, que curava ou aliviava as dores.

Outras ainda com um dia sem ocaso e resplandecente, exprimindo toda a alegria e a

luz dentro de um coração feliz. Naquela capela do Mosteiro da Ressurreição é

possível experienciar Deus que se torna presente, através da liturgia. Talvez, sejam

os pequenos detalhes, como os gestos, as palavras e os objetos que fazem a

diferença na celebração, que é capaz de resplandecer beleza e simplicidade.

                                                       45 Padre Nicolas Roger VISSEAUX, Livro da vida monástica- caminho do Evangelho, p. 98-99. 46 Dom Bento de SOUZA, Claustro: O útero que gera vida nova, p. 2 (Mimeo, e-mail: 21/05/2011).

Page 208: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

207

 

Os monges esforçam-se para acolher cada pessoa como se fosse o próprio

Cristo. Tornou-se comum ver aos domingos, após a missa, alguns monges

cumprimentando as pessoas e muitas vezes escutam suas histórias com suas

alegrias e tristezas. Falam muito pelo olhar, são discretos, falam com voz baixa e

quase sempre com um discreto sorriso. Uma visitante que, esteve no Mosteiro em

2007, após o encontro, escreveu uma carta de agradecimento ao acolhimento que

parece ser apropriada apresentarmos:

Sou eternamente grata ao Senhor da História e da nossa história, pela ocasião do nosso primeiro encontro. Senti-me tão plena e feliz, que até hoje continuo a pensar e meditar sobre tantas coisas faladas, sonhadas, intuídas e realizadas. Um certo medo, quer aparecer em meu coração, quando começo a pensar no futuro, mas eu sei que Deus está comigo e nunca, jamais me abandonou e não é agora que vai me deixar, portanto vou continuar vivendo nesta escola de amor cristão, sobretudo agora. Não, me sinto tão sozinha neste exílio, Deus me deu um grande presente, vocês. Também posso dizer em meu coração e para as pessoas, os Monges do Mosteiro da Ressurreição são meus novos e velhos amigos. São meus amados amigos. Só tenho que agradecer pelo carinho e acolhida. Realmente me sinto amada por Deus e também por vocês. De fato, o que vale está vida sem o amor? Todas as pessoas desejam a felicidade, mas poucas realmente conseguem, pois a felicidade passa pelo caminho muito estrito, doloroso, assim como vocês e outros. Realmente não é fácil, mas na certeza de que Deus caminha conosco e que contamos mais com a graça divina do que o esforço humano. Continuamos o caminho e por incrível que pareça até com alegria. Isto parece desconcertar o mundo, eles nos chamam de malucos, mas nós sabemos que não somos. Fiquei impressionada com a serenidade, sensibilidade e percepção das coisas que vocês possuem. Falei demais, comecei muitos assuntos ao mesmo tempo, mas neste encontro era como se algo novo estivesse acontecendo e se revelando em meu coração. Preciso de tempo para mastigar e digerir e me conscientizar de tantas realidades. Peço humildemente que continue rezando por mim e eu também estou em sintonia de oração com você.47

Os monges da Ressurreição são o que são, mas com o ardente desejo de

conversão diária, esforçando-se para colocar o preceito evangélico do perdão em

prática, “perdoai-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos àqueles que

nos ofenderam” (Lc 11, 4). Como comunidade contribuem para que a unidade do

amor se torne uma realidade nas relações humanas, “para que todos sejam um,

                                                       47 Victória Gogola, entrevista realizada pela autora, anotação em caderno de campo, São José dos Pinhais, 18/02/2007.

Page 209: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

208

 

assim como tu, Pai estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós

e o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17, 21).

A vida monástica, portanto, é um lugar eclesial onde estaremos juntos retornando ao paraíso, o lugar do nosso repouso. Nós nos estimulamos e nos incentivamos mutuamente nessa trajetória. Não só podemos, mas devemos carregar os nossos e os fardos de nossos irmãos, mas a opção de continuar no Grande Retorno é pessoal. Ninguém caminha por ninguém. Ninguém mantém a enfermidade do amor por osmose, por estar lado-a-lado do outro.48

O mosteiro é um ambiente projetado para que os monges possam galgar os

mais elevados níveis de perfeição espiritual e humana, sendo que a decisão é

sempre pessoal. O grupo que forma a comunidade pode estimular seus membros

para que tal decisão esteja de acordo com o espírito da regra, na qual um ajuda o

outro a carregar o fardo:

Será sempre uma decisão pessoal deixar-se queimar pelo Sol que não conhece ocaso, a luz que ilumina nossos passos: Jesus Cristo. Esse é o nosso programa de vida, que pela bondade e misericórdia de nosso Deus, nós o vivemos num espaço da Igreja, o nosso Mosteiro, que nos oferece o que precisamos muito mais do que sonhamos e desejamos. Muito provavelmente Deus nos trouxe para esse lugar, a vida monástica, porque em outros da Igreja teríamos uma maior dificuldade para sermos discípulos da Palavra, não por deficiência do espaço eclesial, mas por nossa própria debilidade.49

Sinal dos tempos! Não é fácil ler os sinais espirituais em nossa sociedade

hodierna. Parece que os bens materiais sempre estão em primeiro lugar. Mesmo

dentro do Catolicismo, alguns membros da hierarquia como alguns leigos precisam

urgentemente de uma nova conversão e uma reciclagem em algumas áreas de

conhecimento. Após este trabalho, podemos afirmar que o Mosteiro da Ressurreição

é uma possibilidade de renovação também eclesial plasmada às margens da

hegemonia católica. Encontram-se alguns índices de uma nova esperança para a

Igreja e para a sociedade.

                                                       48 Abade Dom André MARTINS, OSB. Prológo e Epílogo da Regra de São Bento. p.11 (Mimeo). 49 Ibid p.11-12.

Page 210: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

209

 

Uma comunidade com perfil jovem, onde três monges estão acima de

sessenta anos de idade, quatro na faixa etária dos cinquenta anos e os demais na

média dos trinta anos de idade. Desde o início da fundação, o espírito jovial, esteve

presente no Mosteiro da Ressurreição. Segundo o relato de Dom Beda:

O grupo de jovens monges, que fundaram o nosso Mosteiro da Ressurreição, partiu de um sonho e um desejo de realizar um ideal. Um sonho de viver uma vida com determinados valores e uma forma diferente daquilo que estavam vivendo. Decidiram deixar a zona urbana e vier na zona rural, levando uma vida que seria e autêntica como os valores do trabalho manual e orante. A nossa comunidade tem esta característica de ser idealista, cultivando os valores e ter a capacidade de inovar e ser espontânea. A espontaneidade tem haver com alegria e acolhimento. Este movimento com estas características, ainda é relativamente forte, porque os nossos superiores hoje, são aqueles jovens fundadores e nós que entramos, bebemos deste espírito. Por isso os irmãos possuem a característica de simplicidade, jovialidade e espontaneidade. Uma coisa que chama a atenção, a minha atenção é justamente o acolhimento e a alegria que a gente percebe na vivência da comunidade. A alegria é uma coisa que todos nós desejamos. Alguém que chega e vê uma comunidade alegre, espontânea e fraterna, se questiona. Há alguma coisa que acontece neste grupo que não acontece com freqüência nos demais grupos. 50

Concluo este capítulo com um dos gigantes pensadores, Santo Agostinho,

com uma das suas muitas páginas, quando ele escreveu sobre a felicidade. Ele

também foi monge e escreveu uma regra para seu mosteiro e procurou durante

muito tempo a tão almejada vida feliz:

Como devo procurar-te, Senhor? Quanto te procuro, ó meu Deus, procuro a felicidade da vida. Procurar-te-ei para que minha alma viva. O meu corpo, em efeito, vive da minha alma, e a alma vive de ti. Como então devo procurar a felicidade? [...] A felicidade não é justamente aquilo que todos querem, não havendo ninguém que não a queira? Onde a conheceram para assim a desejarem? Onde a viram para amá-la tanto? Que a possuímos, é certo, mas não sei de que maneira. Há um modo de possuí-la que nos torna felizes, e há os que são felizes pela esperança de possuí-la. [...] De fato, a felicidade em si não é grega nem latina, mas os gregos, os latinos e os homens de todas as línguas querem alcançá-la. Ela é conhecida por todos, e se todos pudessem ser interrogados a uma só voz - quereis ser felizes? - sem dúvida alguma responderiam que sim. 51

                                                       50 Dom Beda Carneiro, entrevista realizada pela autora, gravação em áudio, fita IV, Ponta Grossa, 8/11/2009. 51 Santo AGOSTINHO, Confissões, 10, 20, p. 292.

Page 211: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

210

 

Todo ser humano aspira a felicidade e procura quase que desesperadamente

por muitos caminhos. Oxalá, que os monges do Mosteiro da Ressurreição, possam

continuar contribuindo para que o nosso mundo seja mais humano e divino.

“Ubi Benedictus ibi pax et gaudium”!52.  

                                                       52 “Onde há São Bento, há paz e alegria!

Page 212: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

211

 

CONCLUSÃO

Num mosteiro os horários reservados ao silêncio são vários. O vazio causado pela contínua agitação é preenchido beneficamente pelo tempo de silêncio externo, mas também interno que o ambiente monástico oferece. O silêncio no mosteiro é a nota musical que proporciona ao monge a elevação da sua alma a Deus. Quando entramos num mosteiro nossa motivação não pode ser o hábito, nem o canto, nem o ambiente de paz que a construção proporciona. O candidato à vida monástica deveria primeiramente se encantar com o silêncio que naturalmente deveria brotar do interior de nossas casas. Isso seria o natural, pois nossa vida é cada dia pautada pelos intervalos de trabalho, oração, leitura e tudo isso intercalado de verdadeiro e fecundo silêncio.1

Depois de termos acompanhado a história do monaquismo, sobretudo a

trajetória Beneditina e a fundação do Mosteiro da Ressurreição, realizada há trinta

anos, chegamos ao final, pelo menos desta pesquisa. Como o próprio São Bento

não “fecha” a sua Regra, este trabalho também não será fechado em si mesmo.

Algumas dúvidas e curiosidades foram supridas, porém uma série de novas

indagações nasceu a partir desta tese, já que estudamos apenas uma das

ramificações da longa tradição monástica. A pesquisa deverá continuar, pois há

muito o quê abordar.

Inicialmente, gostaríamos de relembrar a trajetória realizada para chegarmos

até onde chegamos. Iniciamos falando a respeito da grande tradição monástica pré-

cristã, quando foi ressaltada a presença do monaquismo em duas religiões

milenares: o Hinduísmo e o Budismo. Pegamos um atalho, o monaquismo cristão e

a via Beneditina, com a pessoa de São Bento e sua Regra, escrita no século VI,

moldando o perfil do monge beneditino. Os beneditinos estão presentes em nosso

país desde o tempo colonial, enfrentando muitas situações, desde as primeiras

fundações dos mosteiros, as invasões e a postura de Pombal frente aos religiosos.

Há trinta anos a fundação do Mosteiro da Ressurreição tornou-se relevante, devido                                                        1 Dom Bento de SOUZA, e-mail, 03 jun 2011.

Page 213: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

212

 

ao desenvolvimento dos fatos históricos e a contribuição litúrgica que o mosteiro doa

às pessoas que o procuram. A riqueza de sua liturgia com as sete orações diárias, a

celebração da missa, o trabalho que realizam em prol da sociedade e sua

repercussão através do estudo e das etapas de formação fazem jus ao seu lema

milenar: Ora et Labora. Vale a pena lembrar que na “Era do Vazio”, do consumismo,

o Mosteiro da Ressurreição apresenta uma mensagem de felicidade, baseada em

valores, como o amor, a honestidade, a bondade e a doação, onde no nada é

possível encontrar o tudo. Ser feliz no ideal monástico faz com que a vida no

Mosteiro da Ressurreição torne-se um sinal de contradição na sociedade hiper-

consumista. Com este trabalho apresentamos um estilo de vida diferente daquela

que a sociedade pós-moderna propõe, mas não necessariamente para um

enfrentamento entre ambos. Vimos que optar pela vida monástica é apenas um

modo de vivência não muito comum entre nós e que desde os tempos imemoráveis

sempre existiu.

Assim, podemos afirmar que optar pela vida monástica hodierna é uma

escolha desafiadora, mas que pode trazer felicidade para muitas pessoas.

Contemplamos que o monaquismo não é um privilégio somente do Cristianismo,

mas que é um fenômeno pré-cristão. No Hunduísmo e no Budismo, podemos

encontrar a fundamentação da longa tradição monacal presente nestas grandes

religiões milenares. Há elementos externos semelhantes e diferentes do

monaquismo Cristão. Por exemplo, no Hinduísmo, encontram-se alguns monges que

buscam uma elevação espiritual através de rigorosa disciplina; no Budismo, o

processo de formação do monge dá-se em duas etapas: uma aos dezesseis anos,

quando o jovem deixa o mundo e entra no mosteiro para o início da sua formação; e

a segunda parte da formação que é um verdadeiro exame, quando o monge deve

dar provas de sua saúde e de sua liberdade. Em geral são pessoas abnegadas, que

esqueceram de si para se doar ao bem da humanidade através de uma vida de

ascese, mediante a oração, o silêncio, o jejum, a pobreza e a castidade, elementos

semelhantes ao monaquismo cristão. Muito embora a motivação interior seja bem

diferente, sempre é possível o diálogo interreligioso, pois cada religião pode

enriquecer a outra, desde que haja uma abertura para o acolhimento. Este item

tornou-se muito importante para que se quebrassem velhos paradigmas

preconceituosos entre as religiões. Fica o desafio de continuar crescendo e

Page 214: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

213

 

aprendendo com outras denominações, no sentido de perceber que há vida

espiritual e que as pessoas merecem todo o respeito e a admiração e que Deus

jamais vai deixar-se enquadrar nos moldes de pensamento, muitas vezes, pequenos

e mesquinhos.

O monaquismo é um longo caminho, devido à sua antigüidade. Ao apresentar

o monaquismo Cristão na via Beneditina pretendeu-se tornar mais conhecido o

próprio São Bento, o pai dos monges do Ocidente. São Bento, ao escrever sua

Regra, concebeu a ideia do monge Cristão Beneditino, sendo que o conhecimento

da mesma torna-se indispensável para todo aquele que deseja iniciar o processo

beneditino. Quando São Bento deixou os estudos clássicos em Roma, rompeu com

os parâmetros daquela sociedade corrupta, que haviam penetrado também no

interior da Igreja. Decidiu morar na gruta em Subíaco e durante três anos em

silêncio, jejum e oração, purificou seu espírito e ouviu a voz divina que disse:

“Escuta, ó filho, os preceitos do mestre e inclina o ouvido de teu coração”2.

Observamos que toda família Beneditina traz o legado deste Patriarca Ocidental,

que nunca para de se multiplicar, seja nas novas fundações de mosteiros, seja na

vida particular de pessoas anônimas.

Vimos que a Regra de São Bento é composta de setenta e três capítulos,

fundamentada na Sagrada Escritura e dividida entre um texto legislativo e o outro

espiritual. No dizer do próprio São Bento é uma “Regra mínima escrita para

principiantes”3. É necessário saber ler a Regra no contexto em que foi escrita e não,

simplesmente, aplicá-la aos nossos dias. Não basta apenas observar suas palavras,

é preciso ir além de uma prática externa, apreendendo o espírito da lei no próprio

espírito, para que as normas não sejam um peso imposto, mas um jugo leve e

suave. A vida de um mosteiro é pautada pela vivência de sua Regra, que, em última

instância, é a explicação prática do próprio Evangelho de Jesus Cristo. O monge

Beneditino, conhecido pelo lema, Ora et Labora, desempenha um serviço essencial

para o bem-estar da humanidade. O grande desafio é sempre a dicotomia entre

teoria e prática. O monaquismo, desde remota data, esforça-se para unificar estes

dois mundos, para que a tradição seja transmitida de geração em geração.

                                                       2 MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA, Regra de São Bento, Prólogo, p. 13. 3 Ibid., Cap. LXIII, 8, p. 249.

Page 215: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

214

 

Os antecedentes históricos dos Beneditinos no Brasil tornaram-se relevantes

devido à presença marcante deste grupo desde os tempos da colonização. Mesmo

mantendo a espiritualidade do Ora et Labora, voltados mais para a contemplação, os

Beneditinos ajudaram na evangelização na época do Brasil colonial. Mesmo com a

escassez de material bibliográfico, foi possível a abordagem deste item tão

importante para o enriquecimento histórico dos próprios mosteiros, que militam sob a

Regra de São Bento. Na época do descobrimento do Brasil, em toda Europa,

fervilhavam os rumores da Reforma Protestante, da Contra-Reforma e da

convocação do Concílio de Trento. Portugal, com todo fervor e ardor, empreendeu

sua conquista para o Ocidente, o novo mundo, com a finalidade de se expandir

territorialmente e converter o maior número de nativos para a fé católica. A questão

da escravidão no Brasil é uma página triste da nossa história, sendo que desessete

anos antes da abolição da escravidão, os Beneditinos já haviam libertados todos os

seus escravos. A invasão holandesa trouxe grandes aborrecimentos e prejuízos

para os mosteiros, sobretudo aos Beneditinos, além da política de Pombal que

quase extinguiu a presença total dos religiosos no país. Somente após muitas lutas

e negociações foi possível restabelecer os noviciados no Brasil. Chegamos, então, a

apreciação de que a fundação do Mosteiro da Ressurreição teve como intuito dar

continuidade ao estilo de vida nascido no coração do Pai São Bento. Exatamente há

trinta anos, o Mosteiro da Ressurreição nasceu da vontade e da determinação de

um grupo de jovens monges. Dom André Martins, primeiro e atual abade,

juntamente com Dom Mateus Salles Penteado, continuam formando os jovens que

se apresentam desde a fundação.

O Mosteiro da Ressurreição, como sinal de vivência nesta sociedade pós-

moderna, é o foco desta pesquisa, tarefa nada fácil, pois mesclamos o tradicional

com o pós-moderno. Foram realizadas entrevistas com alguns membros do próprio

mosteiro e passados muitos dias de vivência com a comunidade monástica. A vida

monástica, desde sua origem, foi vista pela sociedade como uma ruptura ou um

distanciamento. Os pais do Monaquismo, como Santo Antão, Santo Agostinho, São

Bento e outros tantos, apresentaram seus escritos, que continuam sendo válidos e

nós os encaramos como um desafio para nossa vivência em pleno século XXI. Por

outro lado, se a vida monástica hodierna não tivesse sentido, não haveria pessoas

dispostas a se entregar a este estilo de vida, sobretudo nos países periféricos e

Page 216: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

215

 

emergentes, como o Brasil. Na Europa sabemos o grande contributo que os

mosteiros trouxeram para o desenvolvimento cultural e social. Hoje as vocações são

poucas. O Mosteiro da Ressurreição é visto por muitos visitantes como peculiar em

sua maneira de ser, onde a celebração da liturgia faz-se realidade sete vezes ao dia.

Desde antes da aurora, com a primeira oração chamada Vigílias, rezada às 04h20,

percorrendo o dia todo com as demais orações, até chegar à última, chamada de

Completas, rezada às 19hs. Uma celebração simples, mas vibrante, que contagia os

visitantes. Nossa maior dificuldade foi encontrar e ter acesso ao material

bibliográfico, abrindo-se um horizonte muito amplo para futuras pesquisas

particulares ou institucionais. Ao apresentar os sete momentos de oração, o

Mosteiro da Ressurreição presta um serviço para a humanidade, sobretudo à

santificação da própria Igreja. De fato, a comunidade monástica reza sem cessar e

se reuni na capela nos horários determinados. A dimensão Ora et Labora só é

possível com esforço humano e com ajuda da graça divina.

No capítulo a respeito da santificação das horas, apresentamos o lema

milenar Beneditino vivido na ótica do Mosteiro da Ressurreição, ressaltando a vida

litúrgica, durante as sete vezes ao dia em que a comunidade reúne-se na capela

para rezar. Comprovação de que eles rezam sem cessar o tempo todo é que aquilo

que rezam na capela deve prolongar-se ao longo do dia nas diversas atividades que

realizam. Na verdade, não há uma interrupção do trabalho para rezar, mas uma

oração contínua, pois rezar também é um trabalho. O Mosteiro da Ressurreição

celebra a Liturgia das Horas e a Celebração Eucarística, como se fosse um trabalho,

realizado com todo prazer. Ressaltando a importância dos salmos, do silêncio, dos

gestos, dos objetos e do próprio tempo cronológico, que se estende no tempo kairós.

Desta maneira, expressa-se a vida divina que se derrama sobre a humana sob a

forma da liturgia. Nesta sociedade materialista, líquida, veloz e descartável, onde

não há lugar para a mística, o Mosteiro da Ressurreição, herdeiro da grande

Tradição, esforça-se e professa que Jesus Cristo não é uma fábula, mas que está

vivo entre nós e que seu reino já começou. Participar junto à comunidade e rezar

com os monges, é uma experiência muito pessoal e se torna quase inenarrável. É

um conforto saber que existem pessoas que rezam por nós e pelo mundo. O

Mosteiro da Ressurreição organiza os trabalhos de acordo com as sete horas de

oração e a celebração da missa, sendo que tudo gira em torno da vida litúrgica.

Page 217: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

216

 

Já quando falamos a respeito do trabalho e da oração, destacamos a

santificação do trabalho como um prolongamento da própria oração cantada e

celebrada na capela. Os monges do Mosteiro da Ressurreição trabalham muito,

executando o trabalho interno do mosteiro, como a limpeza, a horta, a cozinha, o

refeitório, a administração e a formação, como também o trabalho externo:

atendimento às pessoas, orientação, confissão, escuta, vendas e gravação dos

cantos gregorianos. Dentro do mosteiro, há um horário para tudo, inclusive ao

estudo, à formação e ao contínuo aperfeiçoamento. Vimos também que o Mosteiro

da Ressurreição mantém-se economicamente através da venda dos produtos

artesanais, como o Círio Pascal e os cd-roms de cantos gregorianos. Além disso,

conta também com a venda das pinturas de ícones e com a ajuda das pessoas

amigas.

Diante de um consumismo desenfreado, é possível viver uma vida

desapegada dos bens materiais? Que sentido tem a vida monástica dentro deste

contexto em que vivemos? Com as mudanças ocorridas tão rapidamente na

sociedade e no mundo, viver uma vida voltada ao espiritual é um desafio. As

pessoas do nosso tempo experimentam a descrença que o mundo prega, a

desvalorização do que é sagrado e vivendo, como vimos, uma desconexão total com

as realidades do céu. Existe quase uma negação do divino e de Deus, que passa a

ser visto como algo fora de moda, surgindo novos deuses sob diversas formas, a fim

de preencher o vazio do coração humano. O Mosteiro da Ressurreição e a

mensagem de felicidade para a “era do vazio” quer apontar para uma nova

perspectiva de vivência baseada em valores espirituais, vistos sob a ótica da fé. A

felicidade no contexto do hiperconsumo não é felicidade, pois o acúmulo de matéria

não sana o desejo da vida feliz. O consumo jamais foi sinônimo de felicidade! Na

verdade, não há uma receita para a felicidade, mas cada pessoa busca, a sua

maneira, um jeito de ser feliz. A questão não é ter acesso aos bens materiais, que a

sociedade nos oferece, mas como se administra estes bens. Se a felicidade fosse

apenas adquirir matéria, os milionários seriam as pessoas mais felizes do mundo. A

sociedade cada vez mais materialista estimula a aquisição de novos bens de

consumo, como se isto fosse preencher o coração humano, cada vez mais vazio de

sentido. Em meio a esta realidade social, os monges do Mosteiro da Ressurreição

optaram por uma vida pobre, obediente e na conversão dos costumes. Estes

Page 218: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

217

 

homens dizem que são felizes, vivendo um estilo de vida diferente daquele proposto

pela sociedade pós-modernidade.

Frente a isto, é possível afirmar que nossa hipótese foi corroborada, pois é

possível viver desapegado dos bens materiais e ser feliz. “Ser feliz no ideal

monástico, a vida no Mosteiro da Ressurreição como sinal de contradição na

sociedade hiper-consumista” é o que apresenta o último capítulo deste trabalho. Os

valores monacais não se coadunam com a maior parte dos valores apresentados na

atual conjuntura social, dando a impressão de que este estilo de vida é ultrapassado

e não diz muita coisa para a maioria das pessoas. Hoje, mais do que nunca, as

pessoas têm necessidade de lugares de silêncio e de pessoas que as escutem na

gratuidade. O Mosteiro da Ressurreição esforça-se para atender todas as pessoas

que batem à sua porta. Os monges são pessoas como nós, chegando ao mosteiro

com as marcas da pós-modernidade: desejo de adquirir bens materiais. Todos nós

somos expostos aos ventos do egoísmo, da indiferença, do relativismo e da vã

glória. Os claustros dos mosteiros também correm o perigo de cair na armadilha do

consumismo desenfreado. Ser feliz no ideal monástico é muito mais do que um

sentimento, é uma força de vontade que, cotidianamente, inicia-se, como se fosse

um eterno discípulo.

Como já foi dito, não é pretensão deste trabalho dar uma resposta final ou

apresentar o Mosteiro da Ressurreição como único exemplo possível de vivência

monacal nos nossos dias. Mas, antes de tudo, afirmar positivamente a hipótese de

que a vida monástica ainda tem sentido, nesta sociedade. O monaquismo sempre foi

uma resposta vital ao mundo da época e quase sempre há um choque entre ambas.

O Mosteiro da Ressurreição, na sua simplicidade, busca conciliar o tradicional com o

presente da pós-modernidade. Seus membros são pessoas que deixaram as muitas

possibilidades de estarem inseridos na sociedade, para viver uma vida reclusa.

Mesmo mais contemplativos, jamais deixaram de trabalhar pelo sustento de sua

comunidade. A sociedade apresenta o desenvolvimento como algo volátil e rápido,

as pessoas circulam de um país para outro, seja a trabalho ou a passeio; em

oposição a isto, o Monaquismo vivido no Mosteiro da Ressurreição apresenta aos

seus membros o voto de estabilidade, isto é, viver e morrer no mesmo mosteiro.

Fala-se de consumismo desenfreado, compra-se de tudo, os objetos são cada vez

Page 219: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

218

 

mais frágeis e descartáveis, avesso a isto, o Monaquismo apresenta-se como uma

possibilidade de se ter apenas o necessário e, muitas vezes, nem mesmo o

necessário possuem. Fazer voto de castidade? Parece ser outro absurdo à

sociedade hodierna-hedonista, que valoriza o culto ao amor livre. Obedecer uma

Regra e um Abade parece ser algo de um passado remoto e distante. A vida

monástica somente tem sentido, se for vivida na fé, somente ela justifica este estilo

de vida diferente em nossa sociedade. A vida de oração é uma constante no

Mosteiro da Ressurreição, sete vezes ao dia a comunidade reúne-se para rezar.

Uma explicação possível para tal vivência está na fé, encontrada na carta de

São Paulo aos Hebreus: “A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a

respeito do que não se vê” (Hb 11,1). Parece ser fácil tecer um julgamento crítico, a

partir daquilo que se vê de fora sobre a vida monástica. No entanto, a vida

monástica existe apenas para apontar as realidades do mundo que há de vir, sendo

o exercício constante da prova da fé. Nesta “era do vazio”, o Mosteiro da

Ressurreição oferece para a pós-modernidade aquilo que é próprio da vida

monástica, a fé incondicional em um Deus que se fez carne e habita entre nós, cujo

nome é Jesus Cristo. As pessoas têm sede deste Absoluto e o mosteiro oferece o

próprio ambiente de silêncio, além da natureza, das obras de arte e do acolhimento,

como também o trabalho de escuta e de orientação.

A vida monástica parece ser um tema marginal para o grande público,

sobretudo para o estudo stricto sensu. Existem muitas curiosidades e muitas lendas

em torno do assunto, dificultando o aprofundamento pela falta de material

bibliográfico e pelas dificuldades em entrar nas bibliotecas monásticas. A questão

histórica ficou um tanto limitada, justamente pela escassez de material. Deparamo-

nos com várias fontes de primeira mão, verdadeiros tesouros não publicados por

várias situações, mas guardados dentro da biblioteca do Mosteiro da Ressurreição.

As entrevistas e as observações realizaram-se de forma interativa. Este trabalho é

uma possibilidade de abrir novos horizontes no sentido de fazer memória a algo

esquecido: a Tradição monástica em sua milenar história, no sentido de valorizar o

trabalho que os Beneditinos prestaram e prestam ao Brasil desde o tempo colonial;

de apresentar a heróica fundação do Mosteiro da Ressurreição e toda sua riqueza

Page 220: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

219

 

litúrgica, humana e artística; e de trazer à luz a validade em se optar pela vida

monástica hodierna.

Te Deum Laudamus.

Page 221: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

220  

BIBLIOGRAFIA

Vida Monástica

A VIDA NO MOSTEIRO. Urbe, o JM em revista, 09.01.2011, p. 4-5, Caderno

Comportamento.

ABBAYE DE BELLEFONTAINE. Regras Monásticas do Ocidente. Trad. Monjas do

Mosteiro de Nossa Senhora da Paz. Itapecerica da Serra: s.e., 1984.

AGOSTINHO, Irmão OSB. (org). Uma sabedoria para os dias de hoje - os

ensinamentos dos monges do deserto. Ponta Grossa: Mosteiro da Ressurreição,

Edições, 2000.

ALONSO, P. Los Papas hablan e los monjes. Zamora: Monte Casino, 1980.

ARLES de Cesário. Escritos Monásticos. Trad. feita do francês e latim pelos

Mosteiros de Nossa Senhora da Paz Nossa Senhora das Graças e Santa Cruz.

Salvador: s.e. 1985.

ARNAIZ, José Maria, Três empenhos para um projeto de vida. Revista Beneditina,

Juiz de Fora, n. 28, p. 3-21, jul-ago 2008.

ARTURO, Luigi; POMINI, Pia M. Santa Ildegarda uma monaca Erborista. Abbrazia

Benedettina Mater Ecclesiae: Piemme, 1989.

ATANÁSIO, Santo. A Virgindade. Trad. das Monjas Beneditinas Abadia de Santa

Maria de São Paulo. Petrópolis: Vozes, 1955.

BARBAN, Alessandro; WONG, Joseph H. (orgs.). Como água da fonte. A

espiritualidade monástica camaldolense entre memória e profecia. Trad. Gabriel

Frade. São Paulo: Loyola, 2009.

BARDI, Pietro Maria; PENIDO, Dom Basílio; FONSECA, Edson Nery da; MELLO,

Jose Antonio Gonçalves de; MENEZES, Jose Luis Mota. Beneditinos em Olinda – 400 anos. s.l.: Edição Sanbra, s.d.

BEHR-SIGEL, Elizabeth. Oração e santidade na Igreja Russa. Trad. Benôni

Lemos. Revisao: H. Dalbosco. São Paulo: Paulinas, 1993.

Page 222: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

221  

BERNARDO, Adolfo Gutiérrez, OSB. Vida de Santo Domingo de Silos. Abadía de

Silos: Scriptorium Silense, 2000.

BICUDO, Fabrício. Uma janela para a espiritualidade - Mosteiro da Ressurreição é o

ponto de referência para visitantes que buscam paz e reflexão: alguns chegam e

ficam para servir os propósitos da Igreja. Jornal - O portal, 31.01.2010, p. 26-27,

Caderno Portal Embarque.

BIELAWSKI, Maciej. II cielo nel cuore. Invito Al mondo esicasta di Neceforo Il

Solitario. Roma: Lipa Srl, 2002.

BONOWITZ, D.Bernardo, OCSO. Na presença de seu povo reunido. Juiz de fora: Edições Subiaco, 2006.

__________________________. O ofício Divino. Revista O mensageiro de Santo Antonio. Santo André, ano LIII, n. 6, p. 3-5, jul-ago 2006.

__________________________. Os Místicos cistercienses do século XII. Trad.

do original latino por Leonardo Fróes, revisão de Aída B. do Val. Juiz de Fora: Ed.

Subíaco, 2005.

__________________________. A Alegria que vem da trapa. Rio de Janeiro:

Edições Lumen Christi, 2001.

__________________________. Apto a ganhar as almas- direção espiritual no contexto monástico. São Paulo: Edições Subiaco, 2004.

__________________________. Senhor, abri os meus lábios. Rio de Janeiro:

Edições Lumen Christi, 2004.

BOUYER, Louis. Le Sens de La Vie Monastique. Paris: Les Éditions Du Cerf, 2008.

BRASÓ, Gabriel D. osb. O Humilde e nobre serviço do monge. Trad. Alceu

Amoroso de Lima e suas filhas. Rio de Janeiro: Edições Lumen Christi, 1980.

BIANCO, Enzo. Lectio Divina - Encontrar Deus na sua Palavra. São Paulo: Editora

Salesiana, 2009.

BOGAZ, Antonio S.; COUTO, Márcio A.; BANSEN, João H. Patrística caminhos da tradição Cristã. São Paulo: Paulus, 2008

BRUNELLI, Gianfranco (org). Monaquismo, Laicidade e Vida Religiosa. Trad.

Comercindo Dalla Costa. São Paulo: Paulinas, 1999.

Page 223: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

222  

BURGARD Georgette Épiney; BRUNN, Émile Zum. Mujeres trovadoras de Dios. Uma tradición silenciada de la Europa medieval. Barcelona: Ediciones Paidós

Iberica, 1989.

CADERNOS PATRÍSTICOS - TEXTOS E ESTUDOS, vol. 2. Florianópolis:

Editoração Eletrônica Atta, 2007.

CALATI, Benedetto. O.S.B.Camp. Sapienza Monastica - Saggi di storia, spiritualitá e problemi monastici. A cura di CISLACHI, Alessandra e REMONDI,

Giordano. Introduzione di GARGANO, Innocenzo. Roma: s.e., 1994.

CASTAGNO, Adele Monaci, Origine Dizionario la cultura, Il pensiero, Le opere. Roma: Città Nuova, 2000.

CASSIANO, João. Conferências 8-15, vol. 2. Trad. Aida Batista do Val. Juiz de

Fora: Edições Subiaco, 2006.

_______________. Conferências 1-7, vol. 1. Trad. Aída Batista do Val. Mosteiro da

Santa Cruz. Juiz de Fora: Edições Subiaco, 2003.

_______________. As Instituições Cenobíticas e os remédios aos oito Vícios capitais. Trad. da versão francesa de D. Pichery, osb, monge do Mosteiro de St.

Paul de Wisques. Cimbra: s.e., 1984.

CENCINI, Amedeo. Virgindade e Celibato hoje - para uma sexualidade pascal. Lisboa: Paulus, 2008.

CHITTISTER, Joan D. OSB. Sabedoria que brota do cotidiano: viver a Regra de

São Bento hoje. Trad. F. de A. Camargo. Juiz de Fora: Ed. Subiaco, 2004.

CISTERCIUM - Revista Monástica, n. 220, Ediciones Monte Casino, Zamora, Julio-

septiembre, 2000.

CLÉMENT, Olivier. Fontes - os místicos cristãos dos primeiros séculos- textos e

comentários. Trad. Monjas Beneditinas do Mosteiro N. Sra. das Graças. Juiz de

Fora: Ed. Subiaco, 2003.

_______________. La Chiesa Ortodossa. Brascia: Queriniana, 1989.

_______________. Il volto interiore già e non ancora. Milano: Cooperativa

Edizioni Jaca Book, 1978.

Page 224: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

223  

COLLART, Cristiano Dom, OSB. A Sabedoria de São Bento para o nosso tempo. São Paulo: Palavra & Prece Editora Ltda, 2007.

COLOMBÁS, Garcia M. La tradición Benedictina, ensayo histórico, IX, el siglo XX. Zamora: Ediciones Monte Casino, 2002.

__________________. La tradición Benedictina, ensayo histórico, VIII, El siglo XIX. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1999.

__________________. La tradición Benedictina, ensayo histórico, VII, 2. Siglo XVII y XVIII. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1998.

__________________. La tradición Benedictina, ensayo histórico, VII, 1 Siglo XVII y XVIII. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1997.

__________________. La tradición Benedictina, ensayo histórico, VI, siglo XV y XVI. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1996.

__________________. La tradición Benedictina, ensayo histórico, V, siglo XIII Y XIV. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1995.

__________________. La Tradición Benedictina, ensayo histórico, IV, 2. El siglo XII. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1994.

__________________. La Tradición Benedictina, ensayo histórico, IV, 1. El siglo XII. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1993.

___________________. La tradición Benedictina, ensayo histórico, III. Los siglos VIII-XI. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1991.

__________________. La tradición Benedictina, ensayo histórico, tomo segundo: Los Siglos VI e VII. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1990.

___________________. La tradición Benedictina, ensayo histórico, I. Las Raíces. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1989.

__________________. Colaciones, 2- El Monje y el Misterio Pascual. Zamora:

Monte Cassino, 1984.

__________________. Colaciones, 1- El espíritu de S. Bento. Zamora: Monte

Cassino, 1982.

Page 225: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

224  

__________________. La Regla de San Benito. Introducción y comentário. Trad.

y notas por Iñaki Aranguren. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos de Edica,

1979.

COMBLIN, José; MESTERS, Carlos; FERREIRA, Maria EMILIA. Pequena Filocalia-

o livro clássico da Igreja Oriental. 2ª ed. Trad. Nadyr de Salles Penteado. São Paulo:

Paulinas, 1986.

______________. O Peregrino Russo - três relatos inéditos. Trad. M. Cecilia de M.

Duprat. São Paulo: Paulinas, 1985.

______________. Oração Mística - Simeão, o novo teólogo. Trad. Ir. Aparecida

Ferreira. São Paulo: Paulinas, 1985.

______________. Palavras dos Antigos - Sentenças dos padres do deserto. Trad.

M.C.R.T. São Paulo: Paulinas, 1985.

CONTRERAS, Enrique, osb- PEÑA, Roberto, ocso. Introduccion al estúdio de los Padres Latinos de Nicea a Calcedonia siglos IV y V. Argentina: Editorial

Monasterio Trapense de Azul, 1993.

COLLEGIO SANT’ANSELMO. Terceiro simpósio internacional Beneditino feminino –

Conferências. Roma, 5 a 12 de setembro de 1998, Roma.

COSTA, Agustín OSB; SAENZ, Pablo OSB. San Maximo El Confesor Centurias sobre la Caridad. Argentina: Ecuan, 1990.

D’ANTIGA, Renato. Storia e spiritualitá del monte Athos. Padova: CasadeiLibri

Editore, 2007.

DALMAU, Bernadé. Léxico de Espiritualidade Benedictina. Prólogo: Josep M.

Soler i Canals. Zamora: Monte Casino, 1995.

DANIEL, Bueno Ruiz, Orígenes contra Celso. Madrid: B.A.C. Biblioteca de Autores

Cristianos, MCMLXVII.

DANIÉLOU, Jean. Origène. Paris: Èditions de la Table Ronde, 1948.

DELATTE, Paul Dom. Vivre à Dieu. Solesmes: Librairie de L’Abbaye Saint- Pierre

de Solesmes, 1973.

DESEILLE, Placide. L’Évangile au Désert. Pari: YMCA- PRESS, 1985.

Page 226: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

225  

________________. L’Échelle de Jacob Et La Vision de Dieu Spiritualité monastique. Aubazine: Monastère de la transfiguration, 1974.

DONNINI, Mauro. Cassidoro Le Istituzioni. Roma: Città Nuova, 2001.

DOROTEU de Gaza, santo do séc. IV. Ensinamentos espirituais de Doroteu de Gaza. Trad. Monjas benedititnas do Mosteiro de Santa Cruz. Juiz de Fora: Mosteiro

da Santa Cruz, 2003.

DRAGHI, Piero; CAMPO, Cristina. Detti e Fatti Dei Padri Del Deserto. Milano:

Rusconi Libri, 1994.

DRIOT, Marcel. Os padres do deserto. Trad. Ana Rita Pereira. Lisboa: Paulus,

2006.

DROBNER, Hubertus R. Manual de Patrologia. Trad. Orlando dos Reis e Carlos

Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes, 2003.

DUTRA, Antonio de Paula, Ora et Labora. Revista Mensal Religiosa. Rio de

Janeiro, n. 41, p. 2, 1957.

EICHENBERGER, Lizza. Vida monástica: monges gravam no cd de canto

gregoriano. Revista Páginas Abertas, São Paulo, ano 22, n. 11, p. 12, 1996.

ELIZONDO, Mauro OSB. La vida Benedictina en el contexto de la vida Cristiana. Zamora: Ediciones Monte Casino, 1990.

ENDRES, Dom José Lohr. A Ordem de São Bento no Brasil - Quando Província 1587-1827. s.l.: s.e., 1980.

ERICH, Fromm. A arte de amar. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins

Fontes, 2000.

FONSECA, Edson Nery da. Sub specie aeternitatis - Vida monástica no Brasil e no

mundo. s.n.t.

GREGÓRIO, Magno, São. São Bento: vida e milagres segundo livro dos diálogos.

5ª Ed. Trad. D. Leão Dias Pereira, osbj. Juiz de Fora – Rio de Janeiro: Ed. Subíaco -

Lumen Christi, 2005.

GOMES, Folch Cirilo. Antologia dos santos padres: páginas seletas dos antigos

escritores eclesiásticos. São Paulo: Edições Paulinas, 1979.

Page 227: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

226  

GRÛN, Anselm. As exigências do silêncio. 5ª ed. Trad. Carlos Almeida. Petrópolis:

Vozes, 2008.

_____________. O livro das Respostas. Trad. Edgar Orth. Petrópolis: Vozes, 2008.

_____________; SARTORIUS Christiane. Amadurecimento espiritual e humano na vida religiosa. 2ª ed. Trad. Monika Ottermann. São Paulo: Paulinas, 2008.

_____________. Seja Fiel aos seus sonhos. Trad. Edgar Orth. Petrópolis: Vozes,

2007.

_____________. Imagens de transformação - Impulsos bíblicos para mudar sua

vida. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2007.

_____________. No ritmo dos monges: convivência com o tempo bem valioso.

Trad. Frederico Stein. São Paulo: Paulinas, 2006.

_____________. Jesus e suas dimensões. Trad. Carlos Almeida Pereira.

Campinas: Verus, 2006.

____________. A Sabedoria dos monges na arte de liderar pessoas. Trad.

Marcia Neumann. Petropolis: Vozes, 2006.

____________. Morar na casa do Amor. Trad. Milton Camargo Moto. São Paulo:

Loyola, 2006.

_____________. Até nos revermos no céu. 2ª ed. Trad. Edgar Orth. Petrópolis:

Vozes, 2006.

_____________. Bento de Núrsia: sua mensagem hoje. Trad. Ines Antonio

Lohbauer. Aparecida: Idéias & Letras, 2006.

_____________. 50 Santos. Trad. Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2005.

_____________; DUFNER Meinrad. Espiritualidade a partir de si mesmo. Trad.

Pe. Herbert de Gier; Carlos Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes, 2004.

____________. Tranquilidade do coração em harmonia consigo mesmo. Trad.

Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004.

_____________. Oração e autoconhecimento. 2ª ed.Trad. Carlos Almeida Pereira.

Petrópolis: Vozes, 2004.

_____________. O ser fragmentado da cisão à integração. Trad. Inês Antonia

Lahbauer. Aparecida: Idéias & Letras, 2004.

____________. Eu lhe desejo um amigo. Trad. Edgar Orth. Petrópolis: Vozes,

2003.

_____________. A proteção do sagrado. Trad. Carlos Almeida Pereira. Petrópolis:

Vozes, 2003.

Page 228: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

227  

____________. Descobrir a riqueza da Vida - Imagens bíblicas do minstério

pastoral. Trad. Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2003.

____________; RIEDL Gerhard. Mística e Eros. Trad. Sonia R. Lyra. Curitiba: Lyra

Editorial, 2002.

____________. Os Sonhos no caminho espiritual. Trad. Sonia R. Lyra. Curitiba:

Lyra Editorial, 2002.

_____________. A Oração como Encontro. Trad. Renato Kirchner; Jairo

Ferrandin. Petrópolis: Vozes, 2001.

_____________. Se quiser experimentar Deus com textos meditativos de Maria-Magdalena Robben. Trad. Carlos Almeida Pereira. Petropolis: Vozes, 2001.

_____________. O céu começa em você. A sabedoria dos padres do deserto para

hoje. 6ª ed. Trad. Renato Kirchner. Petrópolis: Vozes, 2000.

___________. Os padres da Igreja. Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1995.

HAMMAN, A. Guia practica de los Padres de la Iglesia. Bilbao: Disclée de

Brouwer, 1969.

JOHNSON, Dom Martinho. Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de são Paulo. Prefácio de Sérgio Buarque de Holanda. Transcrição e anotada do

manuscrito original de 1766, que integra a colação de códices do arquivo do

Mosteiro. São Paulo: s.e., 1977.

LACARRIÈRE, Jacques. Padres do Deserto - Homens embriagados de Deus. Trad.

Marcos Bagno. São Paulo: Loyola, 1996.

LAPIERRE, Jean-Pie. Règles dês moines- Pacôme- Augustin- Benoît- François D’Assise- Carmel. Florence: Éditions Du Seuil, 1982.

_________________. Regras dos Monges. Trad. Maria Cecília de M. Duprat. São

Paulo: Paulinas, 1982.

LAVAUD, Benoit. Vie et Conduite de Notre pare Saint Antoine. Texte em français

fondamental par lês Moniales de Kergonan. s.l.: s.e., 1984.

LECLERCO, Henri Dom. L’Ordre Bénédictin. Paris: Les éditions Rieder, 1930.

LELOUP, Jean-Yves. O corpo e seus símbolos - Uma antropologia essencial. Petropolis: Vozes, 2010.

Page 229: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

228  

__________________. Palavras do Monte Athos. Trad. Monjas Beneditinas de

Santa Maria. Paris: Edições DU CERF, 1980.

LORENZO, Lorenzi de. San Benedetto agli uomini d`oggi. Sezione monastica 3,

serie monografica di Benedictina. Roma: abbazia di S. Paolo fuori Le mura, 1882.

MARTI, Lorenz. Como um místico amarra os seus sapatos: o segredo das coisas

simples. Trad. Inês Lohbauer. Petrópolis: Vozes, 2008.

MARMION, Columba. Jesus Cristo ideal do monge. Trad. pelos monges de

Singeverga. Portugal: Tipografia Porto Médico,1922.

MASOLIVER, Alejandro. Historia del Monacato Cristiano- III. Siglos XIX y XX. El

monaato oriental e monacato femenino. Madrid: Encuentro Ediciones, 1981.

___________________. Historia del Monacato Cristiano- II. De san Gregorio

Magno Al siglo XVIII. Madrid: Encuentro Ediciones, 1980.

___________________. Historia del Monacato Cristiano- I. Desde los Orígenes

basta san Benito. Madrid: Encuentro Ediciones, 1978.

MATUS, Thomas. Nazarena - Uma Monaca Reclusa nella comunità camaldolese.

Pazzini: Edizioni Camaldoli, 1998.

MCGINNIS, Mark W. A Sabedoria dos beneditinos. Trinta monges e freiras

compartilham as melhores lições de suas vidas. Trad. Claudia Pinho. Rio de Janeiro:

Nova Era, 2007.

MERTON, Thomas. A Montanha dos sete patamares. Trad. Edgar Orth. Petrópolis:

Vozes, 2005.

________________. Homem algum é uma ilha. Trad. Dom Timóteo Amoros

Anastácio. Campinas: Verus, 2003.

_______________. A vida Silenciosa. 3ª ed. Trad. Companhia da Virgem.

Petrópolis: Vozes, 2002.

________________. Merton na intimidade: sua vida em seus diários. Trad.

Leonardo Fróes. Rio de Janeiro: Fisus, 2001.

________________. Na liberdade da Solidão. 2ª ed. Trad. Companhia da Virgem.

Petrópolis: Vozes, 2001.

________________. Novas Sementes de Contemplação. Trad. Ir. Maria

Emmanuel de Souza Silva, OSB. Rio de Janeiro: Fisus, 1999.

Page 230: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

229  

________________. Espiritualidade, contemplação e paz. Trad. Abadia de Nossa

Senhora das Graças. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962.

________________. Diário secular de Thomar Merton. Trad. Alceu Amoroso Lima.

Petrópolis: Vozes, 1961.

MONJAS DA ABADIA DE SANTA MARIA. Regra de São Bento. São Paulo: Grafa,

2004.

MORIN, Germain D. OSB. O Ideal Monastico e a Vida Cristã dos Primeiros Dias. 2ª ed. Trad. D. Estevão Bettencourt OBS. Juiz de Fora: Mosteiro da Santa Cruz,

2002.

MORINO, Enrico, Os Ortodoxos: o oriente do ocidente. Trad. Antonio Efro Feltrin. São Paulo: Paulinas, 2005.

MOSTEIRO DA RESSURREIÇÃO. Saltério monástico para a celebração da liturgia das horas. Ponta Grossa, 2000.

____________________________. Costumeiro - Regra interna do Mosteiro da Ressurreição. Mosteiro da Ressurreição. Ponta Grossa, 1996.

____________________________. Ritual Monástico para o Mosteiro da Ressurreição. Ponta Grossa, 1994.

____________________________. Vida Monástica, documento enviado pelo Mosteiro da Ressurreição aos jovens que pretendem entrar para a vida Monástica. Ponta Grossa, 1994.

____________________________. Prólogo e Epílogo da regra de são Bento. Ponta Grossa, s.d.

____________________________. Servo Bom e fiel entra na alegria do teu Senhor - livro II dos Diálogos do Papa S. Gregório Magno. Ponta Grossa, s.d.

____________________________. Liturgia das horas do Mosteiro da Ressurreição do tempo comum. Ponta Grossa, s.d.

____________________________. Completas. Ponta Grossa, s.d.

____________________________. Hinário do Mosteiro da Ressurreição. Ponta

Grossa, s.d.

MOSTEIRO DA SANTA CRUZ. Escritos Pacomianos. Datilografia: Mosteiro da Virgem. Ponta Grossa, s.d.

Page 231: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

230  

MOSTEIRO DE SÃO BENTO. Boletim Internacional a serviço das comunidades monásticas de tradição beneditina. Rio de Janeiro: Mosteiro de São Bento, 2009.

MURRAY, Bruno. As ordens monásticas e religiosas. Portugal: Publicações

Europa- America, Lda, s.d.

NERI, Umberto. Fondatori del Monachesimo. Monferrato: Piemme, 1998.

NESMY, Claude Jean. São Bento e a vida Monástica, mestres espirituais. Rio de

Janeiro: Agir, 1962.

NETO, Múcio Aguiar. O tesouro dos Abades: a arte devota do mosteiro de são

Bento de Olinda. s.l.: s.e., 2004

NEVES, Celso; ZAMITH, Dom Abade Joaquim de Arruda; MARINO, João; NIGRA,

Dom Clemente da Silva, JOHNSON Dom Martinho. Mosteiro de São Bento São Paulo. Documentos de 1766. São Paulo: s.e., 1988.

NEWMAN, J.H. Les Bénédictins - La Mission de Saint Benoit - Les Ecoles Bénédictines. Preface de Jean Guitton, Traduction, presentation, notes d’Andrée

Billioque. Paris: Editions SOS, 1980.

NIGRA-SILVA, Dom Clemente da. O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro: 1590-1990. s.l.: Studio HMF, s.d.

NORRIS, Kathleen. O caminho do Claustro - experiência de uma mulher em um

mosteiro beneditino. Trad. Regina Lyra. Rio de Janeiro: Record - Nova Era, 1998.

OLIVEIRA-ARAÚJO, Washington. Toda música é uma prece. Revista Manchete,

Rio de Janeiro, n. 2261, p. 63, ago 1995.

PACOMIO et. Alli. Uma sorella della comunità. Comnità Di Bose: Edizioni

QIQAJON, 1988.

PAIXÃO, Dom Gregório. A Vida monástica e o terceiro milênio. Desafios e

Promessas. Intr. Ernesto Linka. Trad. Geraldo Gonzales. Ver. Iracema Naibergl.

Bahia: Edições da CIMBRA, 1998.

PALÁDIO. História Lausíaca - Os monges do Deserto. Trad. Monjas Beneditinas do

Mosteiro Nossa Senhora da Paz. Itapecerica da Serra: CIMBRA, 1986.

PAPAROZZI, Maurizio. Inchiesta sui Monaci d’Egitto. Milano: Edizioni O.R. ,1981.

Page 232: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

231  

PASCUAL, Augusto. O compromisso Cristão do monge. Trad. Mosteiro da

Virgem. Petrópolis: CIMBRA, 1994.

PAULO IV- Discorsi ai Monaci - (L’uomo recuperato e se stesso). Padova:

Edizioni Messaggero di S. Antonio, 1982.

PENCO, Gregorio OSB. Il Monachesimo. Milano: Arnoldo Mondadori Editore, 2000.

______________. Il Monaco e Il Mondo contemporâneo. Seregno: Abbazia San

Benedetto, 1996.

__________________. Monachesimo e Cultura. Seregno: Abbazia San Benedetto,

1993.

PERINI, Ronaldo. Uma Jornada de oração na vida de Abraão. São Paulo: Editora

Reflexão, 2009.

PENNINGTON, M. Basil. Monastic Journey to India. New York: The Seabury

Press, 1982.

PENTEADO, Dom Mateus Salles, OSB. Mosteiro da Ressurreição: síntese

histórica e projeto monástico. Exposição apresentada como parte de um painel

sobre a Congregação Beneditina do Brasil realizado durante o curso de História do

Monaquismo no Brasil promovido pela CIMBRA entre 21 e 29 de julho de 1997 no

Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro.

___________________________________. Por um ecumenismo monástico. Ponta Grossa: Abadia da Ressurreição, s.d.

PRICE, R.M. A History of the Monks of Syria by Theodoret of Cyrrchus. Michigan: Cistercian Publications,1985.

RAMSEY, Boniface. John Cassian: the conference. Nova York: Paulist Press, 1997.

REGNAULT, Lucien Dom. Vita Quotidiana dei Padri del Deserto. Trad. a cura dei

Monaci dell’Abbazia San Bernardo alle Terme. Roma: Piemme, 1994.

_________________. Barsanuphe et Jean de Gaza- Correpondance. Solesmes:

Éditions, Abbaye Saint-Pierre de Solesmes, 1972.

_________________. Les sentences dês Peres Du désert nouveau recueil. 2ª

ed. Trad. Monges de Solesmes. Solesmes: Solesmes, 1970.

Page 233: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

232  

____________________. Maitres Spirituels au Désert de Gaza. Solesmes:

Editions de l’Abbaye Saint Pierre de Solesmes, 1966.

REGRA DOS MOSTEIROS ESCRITA POR SÃO BENTO. Edições modernas em

Português, trad. de Dom João Evangelista Enout, OSB, Edição bilíngüe latim-

português, Rio de Janeiro: Edições Lumen Christi, 1992. Trad. Dom Basilio Penido,

OSB. Petrópolis: Editora Vozes, 1993.

RELATOS DE UM PEREGRINO. Tradução da equipe da ECE Editoral. São Paulo:

ECE, 1978.

RIBAS, Javier Melloni, sj. Los caminos del corazón – El conocimento espiritual em

la Filocalia. Miliaño: Editorial Sal Terrae, 1995.

ROBERTS, Agostinho. Vida Monástica - elementos básicos. Trad. Monjas

Beneditinas do Mosteiro da Virgem, Petrópolis: Edições Linem Christi, 1980.

ROCHA, Dom Paulo; AMOROSO, Dom Timóteo; VALLADARES, Clarival; REGO,

Waldeloir. 400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia. Salvador: Mosteiro de

São Bento da Bahia, 1982.

ROCQUET, Claude- Henri. Martinho de Tours - Soldado e monge. Trad. Mariana

Nunes Ribeiro Echalarj. São Paulo: Paulinas, 2000.

RUPNIK, Marko Ivan. Dall’esperienza Allá Sapienza - profezia della vita religiosa.

Roma: Lipa Sri, 1996.

SÃO SAFRÊNIO. A vida de Nossa Santa Mãe Maria do Egito. Relatada por São

Safrênio. Trad. do inglês por Jandira Soares Pimentel. s.l.: Biblioteca do Mosteiro da

Ressurreição, s.d.

SCHUSTER, Alfredo Ildefonso, OSB. Sapientia Cordis - Il Racconto della Vita

Monastica. Seregno: Abbazia San Benedetto, 1996.

SCITOPOLI, Cirillo Di. Storie Monastiche del Deserto di Gerusalemme. Trad. di

Romano Baldelli e Luciana Mortali. Nota a cura de Luciana Mortali e Introduzione di

Lorenzo Perrone. Abbazia di Praglia: Edizione Scritti Monastici, 1990.

SEVERO, Sulpício. Vida de São Martinho e três Epístolas. s.l.: CIMBRA: 1986.

SILVA, Ir. Maria Emmanuel de Souza, OSB. Thomas Merton, o homem que aprendeu a ser feliz. Petrópolis: Vozes, 1997.

Page 234: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

233  

SOPHORONY, Archimandrita. San Silouan el Athonita - Monje del Monte Athos

1866-1938- Vida- Doctrina- Escritos. Madrid: Ediciones Encuentro, 1996.

STORR, Anthony. Solidão. Trad. Claúdia Gerpe Duarte- São Paulo: Paulus, 1996.

SPADLÍK, Thomas. La spiritualitá dell’Oriente Cristiano - Manuale Sistematico.

Torino: Edizioni San Paolo, 1995.

SPINK, Kathryn. Frère Roger de Taizé. Traduit de L’Anglais par Elizabeth Marchant.

Paris: Éditions Du Seuil, 1986.

STEAD, Julian OSB. São Bento - Uma regra para principiantes. Trad. Lubélia de

Mattos Vieira Guerra. Brasilia: Quick Printer, 2003.

STUDIUM BIBLICUM FRANCISCANUM. Les Cénobites Syriens. Milano:

Franciscan Printing Press, s.d.

_______________. IL Cuore e lo Spirito - La dottrina spirituale di Teofane Il

Recluso. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2004.

SZUHANSZKY, Emilio. Textos Asceticos del Abad Isaias. Buenos Aires: Lumen,

1980.

__________________. Apotegmas de los Padres del Desierto. Buenos Aires:

Lumen, 1979.

TERTULIANO; S. CIPRIANO, ORÍGENS. Tratado sobre a oração. 2ª ed. Trad. D.

Abade Timotéo A.Anastácio. Revisão: Mosteiro de Maria Mãe do Cristo- Caxambu.

Juiz de Fora: Mosteiro da Santa Cruz, 2001.

TRINDADE, Mauro, O hábito faz o sucesso - Monges do Mosteiro da Ressurreição,

em Ponta Grossa: pioneiros no canto gregoriano em português. Revista Veja, São

Paulo, ed. 1336, ano 27, n. 16, p. 103, abril 1994.

TURBESSI, Giuseppe. Ascetismo e Monachesimo in S. Benedetto. Roma:

Editrice Studium, 1965.

___________________. Ascetismo e Monachesimo Prebenedettino. Roma:

Editrice Studium, 1961.

VELICKOVSKIJ, Paisij. Autobiografia di uno Starets. Abbazia di Praglia: Edizione

Scritti Monastici, 1988..

Page 235: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

234  

VIDIGAL, Celso. Mensagem do Amor de Deus - Revelações de Santa Gertrudes. São Paulo: Artpress, 2003.

VISSEAUX, Nicolas Roger Padre. Livro de vida monástica - caminho do

Evangelho. Trad. Gemma Scardini. Juiz de Fora: Mosteiro da Santa Cruz, 2000.

VOGUÉ, Adalbert de; GRUN Anselm. Duas leituras da vida de São Bento. Juiz de

Fora: Mosteiro da Santa Cruz, 2001.

__________________. Il Monachesimo Prima di San Benedetto. Trad. Monache

Benedettine dell’Abbazia Mater Ecclesiae Isola S. Giuli. Seregno: Abbazia San

Benedetto, 1998.

__________________. O que diz São Bento - Uma leitura da Regra. Belo

Horizonte: Mazza Edições, 1995.

__________________. Gregorio Palamas e L’Esicasmo. Um capitolo di Storia della spiritualità orientale. Torino: Edizioni Paoline, 1992.

__________________. La Regla de San Benito- comentário doctrinal y espiritual. Trad. Hna. Maria Isabel Guiroy, OSB. Zamora: Ediciones Monte Casino,

1985.

__________________. La Regola di San Benedetto- Commento dottrinale e spirituale. Padova: Editrice Messaggero di S. Antonio, 1977.

WAAL, Esther de. A procura de Deus: segundo a regra de São Bento. Trad. do

original inglês pelas monjas do mosteiro do Encontro. Juiz de Fora: Mosteiro da

Santa Cruz, 2002.

WARD, Benedicta. Harlots of the Desert - A study of repentance in early monastic

sources. Michigan: Cistercian Publications, 1987.

WILPERT, José. As Virgens Consagradas nos primeiros séculos da Igreja, segundo as fontes patrísticas e os monumentos fúnebres. Bahia: Tipografia

Beneditina, 1950.

ZANDER, Hans Conrad. Quando la Religione non era ancora Noiosa. s.l.:

Garzanti Libri, 2003.

ZAMITH, Dom Joaquim de Arruda, OSB. Ensinamentos de um Abade. Juiz de

Fora: Ed. Subiaco, 2005.

Page 236: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

235  

ZIILES, Urbano, Introdução, Tradução do original Grego e Comentário. Didaqué- Catesismo dos Primeiros cristãos. Petrópolis: Vozes, 1970.

Felicidade

AGOSTINHO Santo. A vida feliz - diálogo filosófico. Trad. Ir. Nair de Assis

Oliveira, CSA. São Paulo, Paulinas, 1993.

________________. Confissões. Trad. Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo:

Paulus, 1997.

ALTMAN, Fábio. Comportamento - Depressão: felicidade não se toma. Revista da Semana – Como ser feliz, www.revistadasemana.com.br, São Paulo, ed. 26, ano

2, n. 8, p. 21, mar 2008.

ALVES, Rubem, Ostra feliz não faz pérola. São Paulo: Planeta do Brasil, 2008.

AQUINO, Felipe Reinaldo Queiroz de. Para ser feliz. São Paulo: Cleofas, 2006.

AZEVEDO, Flávio Luis Franklin de. Dá trabalho ser feliz, mas vale a pena. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. BERTRAND, Russel. A conquista da felicidade. Trad. Luiz Guerra. Rio de Janeiro:

Ediouro, 2003.

BRANDELLERO, Neuza de Fátima. De Beata vita de Santo Agostinho: Uma reflexão sobre a felicidade, 2006. 92 p. Dissertação (Mestrado em Filosofia).

Curitiba. Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

BRUCKNER, Pascal. A Euforia perpétua: ensaios sobre o dever de felicidade. Trad. Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.

CÍCERO, Túlio Marco. A Virtude e a Felicidade. Trad. Carlos Ancêde Nouguê. São

Paulo: Martins Fontes, 2005.

DELUMEAU, Jean; FARGE, Arlette. A mais bela historia da felicidade: a recuperação da existência humana diante da desordem do mundo. Trad.

Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Rio de Janeiro: DIFEL, 2006.

DEMO, Pedro. Dialética da Felicidade: olhar sociológico pós- Moderno, vol. I. Petrópolis: Vozes, 2001.

Page 237: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

236  

____________. Dialética da Felicidade: Insolúvel busca de solução, vol. II.

Petroplis: Vozes, 2001.

____________. Dialética da felicidade: Felicidade possível, vol III. Petrópolis:

Vozes, 2001

EPICURO. Carta sobre a Felicidade (a Meneceu). Trad. e apres. Álvaro Lorencini

e Enzo Del CARROTORE. São Paulo: Editora UNESP, 2002.

GIANNETTI, Eduardo. Felicidade: diálogos sobre o bem-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

GILBERT Daniel. O que nos faz felizes - o futuro nem sempre é o que imaginamos. Trad. Liane Marinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

GRÜN Anselm. O pequeno livro da verdadeira Felicidade. Trad. Milton Camargo

Mota. São Paulo: Loyola, 2003.

KINGWELL, Mark. Aprendendo felicidade: todas as tentativas de Platao ao prozac. Trad. Emundo Barreiros- Rio de Janeiro: Relume Dumara, 2006.

LAMA, Dalai; CUTLER, Howard C. A arte da felicidade: um manual para a vida. Trad. Waldea Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal - ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras,

2007.

LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina-contos. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

LOUF, D. André, OCSO, A procura da felicidade na Regra de São Bento. Revista Beneditina, Juiz de Fora, n. 28, p. 1-3, jul-ago 2008.

MARIAS, Julian. A felicidade humana. Trad. Diva Ribeiro de Toledo Piza. São

Paulo: Duas Cidades, 1989.

MACIEL, Sonia Maria. Ética e felicidade: um estudo do Filebo de Platao. Porto

Alegre: Edipucrs, 2002.

MOSER, Antonio. Casado ou Solteiro você pode ser feliz. 2ª ed. Petrópolis:

Vozes, 2007.

MOTTI, João Carlos; BETTEGA, Eduardo. Insatisfação e felicidade ciclo motivacional. Curitiba: Wunderlich, 2004.

Page 238: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

237  

NIVEN, David. Os 100 segredos das pessoas felizes. Trad. Maria Claudia Coelho.

Rio de Janeiro: Sextante, 2001.

ONIMUS, Jean. O segredo da felicidade. Trad. Nadyr de Salles Penteado. São

Paulo: Paulinas, 1989.

PRATHER, Hugh. Como ser feliz apesar de tudo. Trad.Iva Sofia Goncalves Lima.

Rio de Janeiro: Sextante, 2005.

ROBERT, Ellsberg. Instruções dos santos para a felicidade: lições práticas para as grandes questões da vida. Trad. Clara Fernandes. Rio de Janeiro: Nova Era,

2006.

SANGALLI, Idalgo Jose. O fim ultimo do homem da eudaimonia aristotélica a beatitude agostiniana. Porto Alegre: Edipucrs, 1998.

SANTOS, Antonio Lima dos. Filosofando com o Mestre rumo à verdade e à felicidade. Petropolis: Vozes, 2000.

SENECA, Lucio Aneu. Da Vida Feliz. Trad. João Carlos Cabral Mendoça. São

Paulo: Martins Fontes, 2001.

SPONVILLE, André Comte. A Felicidade, desesperadamente. Trad. Eduardo

Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

SILVA, Franklin Leopoldo. Felicidade - Dos filósofos pré-socráticos aos contemporâneos. São Paulo: Coleção Saber de tudo, 2007.

TEIXEIRA, Antonio Carlos. Como criar felicidade. São Paulo: Saraiva, 2006.

WEINER, Eric. A Geografia da felicidade. Trad. Andrea Rocha. Rio de Janeiro:

Agir, 2009.

História

ARMSTRONG, Karen. Buda - breves biografias. Trad. Marcos Santarrita. Rio de

Janeiro: Objetiva, 2001.

ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI, Nelson. Toda a História - História Geral e

História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 2006.

Page 239: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

238  

BENEDITO, M. Gill; SIEPIRSKI, Paulo D. (orgs.). Religiões no Brasil - enfoques,

dinâmicas e abordagens. São Paulo: Paulinas, 2003.

BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina: América latina Colonial, vol. I. Trad. Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

BOSSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

CHAVES, Niltonci Batista. Visões de Ponta Grossa: Mosteiro da Ressurreição, 25 anos. Curitiba: Pós Escrito, 2006.

CAMPIGLIA, G. Oscar Oswaldo. Igrejas do Brasil - Fontes para a História da Igreja

no Brasil. São Paulo: Edições melhoramentos, s.d.

CARVALHO, José Geraldo Vidigal de. A Igreja e a escravidão: uma análise

documental. Rio de Janeiro: Presença Edições, 1985.

COMBY, Jean, Para ler a história da Igreja - do século XV ao século XX. Trad.

Maria Stela Gonçalves e Adail V. Sobral. São Paulo: Loyola, 1994.

COOMARASWAMY, Ananda K. O pensamento vivo de Buda. Trad. Ary

Vasconcelos. São Paulo: Livraria Martins S.A., s.d.

DOWLEY, Tim. Os Cristãos - uma história ilustrada. Trad. Marcelo Brandão Cipolla.

São Paulo: Martins Fontes, 2009.

DUSSEL, Enrique (org.). História Liberationis - 500 anos de História da Igreja na

América Latina. Trad. Rezende Costa. São Paulo: Edições Paulinas, 1992.

FREITAS, Nainora M.B. e MANOEL Ivan Ap. (orgs.). História das Religiões -

Desafios, problemas e avanços teóricos. Metodológicos e Historiográficos. São

Paulo: Paulinas, 2006.

FROHLICH, Roland. Curso Básico de História da Igreja. Trad. e adap. Alberto

Antoniazzi. São Paulo: Paulus, 1987.

GARCIA, Ruben Dario. Historiografia general de la iglesia em Latinoamarica - panorama actual. Buenos Aires: Estudios Proyectos, 1992.

GIRA, Dennis. Budismo História e Doutrina. Trad. Epharain Ferreira Alves.

Petrópolis: Vozes, 1992.

GUERREIRO, Silas (org.). Estudo das Religiões - Desafios contemporâneos. São

Paulo: Paulinas, 2003.

Page 240: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

239  

HOORNAERT, Eduardo. O Cristianismo moreno do Brasil. Petropólis: Vozes,

1990.

____________________; PREZIA Benedito. Esta terra tinha dono. São Paulo:

FTD, 1989.

___________________. O negro e a bíblia: um clamor de justiça. Petrópolis:

Vozes, 1988.

____________________; AZZI, Riolando; GRIJP, Klaus Van Der; BROD, Benno.

História da Igreja no Brasil. Primeira época, tomo II/1. 3ª ed. Petrópolis: Vozes,

1983.

HUAI-CHIN, Nan. Breve História do Budismo: Conceitos básicos do budismo e do

zen. Trad. Marilene Tombini- Rio de Janeiro: Gryphus, 1999.

KÜNG, Hans. Religiões do mundo - em busca dos pontos comuns. Trad. Carlos

Almeida Pereira. Campinas: Verus Editora, 2004.

KYABGON, Traleg. A essência do Budismo - uma introdução à filosofia budista e

sua prática. Trad. Ivo Korytowski. São Paulo: Mandarim, 2002.

LATINA. Escravidão Negra e História da Igreja na América Latina e no Caribe. Trad. Luiz Carlos Nishiura. Petropólis: Vozes, 1987.

LIMA, Maurilio Cesar de. Breve História da Igreja no Brasil. Rio de Janeiro: Editora

Restauro, 2001

LUNA, Dom Joaquim G. de. Os Monges Beneditinos no Brasil - Esboço histórico.

Rio de Janeiro: Edições “Lumen Christi”, 1947.

MCGRATH, Alister E. Fundamentos do diálogo entre Ciência e Religião. Trad.

Jaci Maraschin. São Paulo: Loyola, 2005

MARTINA, Giacomo. História da Igreja - de Lutero a nossos dias. Era do

absolutismo. Trad. Orlando Soares Moreira. São Paulo: Loyola, 1996.

MATOS, Henrique Cristiano J. História mínima da Igreja no Brasil. Belo Horizonte:

O lutador, 2002.

________________________. Nossa História - 500 anos de presença da Igreja

católica no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2001.

Page 241: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

240  

NARAYANAN, Vasudha. Conhecendo o Hinduísmo: origens, crenças, práticas,

textos sagrados, lugares sagrados. Trad. Gentil Avelino Titton. Petropólis: Vozes,

2009.

NOVAIS, Fernando A. (coord.). História da vida privada no Brasil-império: a corte

e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. Religião e dominação de classe - gênese, estrutura e

função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985.

OTTO, Rudolf. O Sagrado. Trad. João Gama. Lisboa: Edições 70, 2005.

PALLIS, Marco. Espectro Luminoso del Budismo. Barcelona: Editorial Herder,

1986.

PIAZZA, Valdomiro Otávio. Religiões da Humanidade. São Paulo: Ed. Loyola,

1977.

PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. As razões da escravidão, sexualidade e

vida cotidiana, as formas de resistência. São Paulo: Contexto, 2009.

PIRATININGA JUNIOR, Luiz Gonzaga. Dietário dos Escravos de São Bento Originários de São Caetano e São Bernardo. São Caetano do Sul: Editora

Hucitec, 1991.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia - Filosofia pagã e antiga,

vol 1. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003.

RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil - origem e desenvolvimento (século XVI), vol.I.

Santa Maria: Editora Palotti, 1981.

SAFRA, Gilberto. Desvelando a memória do humano: o brincar, o narrar, o corpo,

o sagrado, o silêncio. São Paulo: Ed. Sobornost, 2006.

SAMUEL, Albert. As religiões hoje. Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1997.

SANTOS, Maria de Lourdes (coord.). Fundamentos do Budismo. São Paulo:

Editora Brasil Seikyo, 2004.

SCHERER, Burkahard (org.). As grandes religiões: temas centrais comparados.

Trad. Carlos Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes, 2005.

Page 242: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

241  

SILVA, Euclides Carneiro da. Por falar em tolerância - discussão desapaixonada

sobre alguns períodos mais controversos da História da Igreja. 1ª ed. São Paulo:

Paulinas, 1960.

SKILTON, Andrew (Dharmacari Sthiramati). Breve História do Budismo. Trad. Vítor

Pomar. Ver. Conceição Gomes e Emília Marques Rosa. Lisboa: Editorial Presença,

2000.

SOARES, José Carlos de Macedo. Fontes da História da Igreja Católica no Brasil. Rio de Janeiro: Separata da Verista do Instituto e Geografico Brasileiro,

1954.

USARSKI, Frank (org.). O Budismo e as Outras - encontro e desencontro entre as

grandes religiões mundiais. Aparecida: Idéias e Letras, 2009.

__________________. O Budismo no Brasil. São Paulo: Editora Lorosae, 2002.

Outros

AMARAL, Maria José Caldeira do. Imagens de plenitude na simbologia do Cântico dos Cânticos. São Paulo: EDUC, 2009.

BÍBLIA DE JERUSALEM. Trad. das introduções e notas de La Sainte Bible,

publicada sobre a direção da “Ecole Biblique de Jerusaem”. São Paulo: Paulinas,

1973.

BÍBLIA SAGRADA. Tradução dos originais mediante a versão dos monges de

Maredsous pelo Centro Bíblico Católico. 28ª ed. São Paulo: Editora Ave Maria, 1980.

COSTA, Lourenço (org.). Documentos do Concilio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). Trad. Tipografia Poliglota Vaticana. São Paulo: Paulus, 1997.

DI BERNARDINO, Ângelo. Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. Trad.

Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002.

EICLER, Peter, Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. Trad. João

Rezende Costal. São Paulo: Paulus, 1993.

ELIADE, Mircea; COULIANO, Loan P. Dicionário das Religiões. São Paulo: Martins

Fontes, 2003.

Page 243: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

242  

FERNÁNDES, P. Rafael. O homem novo um homem comunitário. Trad. Irmã

Maria Aparícia Barbosa. Atibaia: Assistência Dinâmica. Província Schoenstatt-Tabor,

1986

GONÇALVES, Hortência de Abreu. Manual de Monografia, Dissertação e Tese. 2ª

ed. São Paulo: Evercamp, 2008.

HOUAISS, Antônio, Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,

2001.

KENTENICH Pe. José. Viver com alegria, vol. II. Trad. Gilberto Cavani. São Paulo:

Editora Pallotti, 1998

LITURGIA DAS HORAS, vol. II. Petrópolis – São Paulo: Vozes – Paulinas – Paulus –

Ave Maria, 1995.

LURKER, Manfred. Dicionário de Figuras e Símbolos Bíblicos. Trad. João

Rezende da Costa. São Paulo: Paulus, 1993.

STRADA, Angel. Proposta pedagógica. Trad. José Pontes. São Paulo: Editora

C.L., 1998

VATICANO. Catecismo da Igreja Católica. Petrópolis - São Paulo: Vozes – Paulus –

Paulinas- Loyola - Ave Maria, 1992.

Sociedade

BAUMAN, Zygmunt. Bauman sobre Bauman: diálogos com Keith Tester. Trad.

Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.

________________. Vida a Crédito: Conversas com Citlali Rovirosa- Madrazo.

Trad. Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

________________. A arte da vida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2009.

________________. Medo Líquido. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2008.

________________. O amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad.

Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

Page 244: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

243  

________________. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2001.

________________. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama,

Claúdia Martinelli Gama, rev. téc. Luís Carlos Faridman. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 1998.

BECHER, Ernet. A negação da morte. Trad. Otávio Alves Filho. São Paulo: Ciclio

do Livro, s.d..

BINGEMER, Maria Clara (org.). O impacto da modernidade sobre a religião. São

Paulo: Loyola, 1992.

CONRAD, Joseph. O coração das trevas, o livro que inspirou Apocalypse Now. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

DAMATTA, Roberto. Relativizando, uma introdução à antropologia social. Rio de

Janeiro: Rocco, 1987.

DAWKINS, Richard. Deus um delírio. Trad. Fernando Ravahnani. São Paulo:

Companhia das Letras, 2007.

FLEW, Antony. Deus existe as provas incontestáveis de um filósofo que não acreditava em nada. Trad. Vera Maria Marques Martins. São Paulo: Ediouro, 2008.

GUSDORF, Georges. A agonia da nossa civilização. 2ª ed. Trad. Homero Silveira.

São Paulo: Convívio, 1982.

LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero. A moda e seu destino nas sociedades

modernas. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

_________________. FERRY, Luc. O que é uma vida bem-sucedida? 2ª ed. Trad.

Karina Jannini. Rio de Janeiro: DIFEL, 2008.

_________________. A Era do vazio - ensaios sobre o individualismo

contemporâneo. Trad. Therezinha Monteiro Deutsch. Barueri - São Paulo: Manole,

2005.

_________________. A sociedade pós-moralista - Crepúsculo do dever e a ética

indolor dos novos tempos democráticos. Trad. Armando Braio Ara. Barueri - São

Paulo: Manole, 2005.

Page 245: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

244  

_________________. Os tempos Hipermodernos. Trad. Mário Vilela. São Paulo:

Barcarolla, 2004.

_________________. A terceira mulher. Permanência e revolução do feminino. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. Religião e dominação de classe - Gênese estrutura e

função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985.

QUEIROZ, José J. Deus e crenças religiosas no discurso filosófico pós-moderno.

Linguagem e Religião. Revista REVER, www.pucsp.br/rever, n. 2, p. 1-23, 2006.

Acesso em: 06 out 2010

RATZINGER, Joseph. Deus existe? Trad. Sandra Martha Dolinsky. São Paulo:

Editora Planeta do Brasil, 2009.

SMITH, Barbara Herrnstein. Crença e resistência - dinâmica da controvérsia

intelectual contemporânea. Trad. Maria Elisa Marchini Sayeg. São Paulo: Unesp,

1997.

SPONVILLE, André Comte. O espírito do ateísmo introdução a uma espiritualidade sem Deus. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: WMF Martins

Fontes, 2007.

TOURAINE, Alain. Iguais e Diferentes - Podemos viver juntos? Lisboa: Instituto

Piaget, 1997.

ZOHAR, Danah. O ser quântico. Uma visão revolucionária da natureza humana e

da consciência, baseada na nova física. Trad. Maria Antonia Van Acker. São Paulo:

Editora Best Seller, 1990.

Page 246: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

245

ANEXOS

Anexo 1 - Carta do Abade Dom André Martins- OSB ao pedido de admissão aos primeiros votos de Ir. João da Cruz, aos 12 de março de 2010.

Caríssimos irmãos.

Estamos celebrando o IV Domingo da Quaresma. E neste Domingo da Alegria

vamos escutar S. Paulo na Segunda Epístola aos Coríntios dizer: “Todo aquele que

está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho, eis que tudo se fez

novo!” Estas palavras de S. Paulo bastaria para exortar e animar nosso Ir. João da

Cruz, que hoje faz seu pedido de admitido à Profissão Monástica de votos

temporários, a continuar com seriedade o discipulado em nosso Mosteiro. Todo nós,

caros irmãos, somos novas criaturas, porque pelo batismo estamos em Cristo,

somos os ramos enxertados na videira. Porém, vivemos como novas criaturas? Uma

pergunta que devemos fazer frequentemente. Que significa viver como novas

criaturas? Sem dúvida alguma, significa viver como o Cristo viveu, ter seus

sentimentos, agir como agiu, optar pelo o que Ele optou, contemplar tudo e todos

como Ele contemplou. Jesus viveu em íntima união com o Pai, ou seja, em tudo o

que fazia tinha o que mais tarde os Pais do Monaquismo chamarão de “Memória

Dei”. O Pai estava presente efetivamente em sua vida. E porque o estava Jesus

tinha em seus lábios a Ação de Graças constante: “Eu te louvo, ó Pai, porque

escondestes aos grandes e revelastes aos pequenos os mistérios do Reino”. Cristo

tinha os sentimentos de alegria, compaixão, justiça e misericórdia enquanto Ele se

relacionava com os pobres, os pecadores, as crianças, os enfermos, os doutores da

Lei e os fariseus. Jesus agiu como é da natureza de Deus. Por isso casto, para amar

a todos e ser de todos sem predileção nem reservas, buscando assim o bem das

pessoas. Quem está em Cristo sabe que amar é fazer o bem, é dar a vida pelo

outro, é buscar primeiro o que é necessário para o outro, depois para si mesmo.

Quem não está em Cristo não sabe rir com os que riem e chorar com os que

choram. Por fim, pelo batismo, quais homens iluminados, nós somos capazes de

Page 247: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

246

contemplar toda a criação com o mesmo olhar de Cristo. Disso decorre o respeito

por tudo o que é criado e por tudo o que constantemente recriado e sustentado

pelas mãos poderosas do Criador. Para quem não está em Cristo o que é velho

ainda não passou. E velho aqui significa tudo o que é carnal, ou seja, gula, luxúria,

avareza, ira, tristeza, acedia, vanglória e orgulho. É continuar insistindo na pertença

do Velho Adão. São Bento propõe o Mosteiro como uma Escola onde aprendemos a

permanecer em Cristo, isto é, viver as graças recebidas no Sacramento do Batismo,

portanto como homens novos. Mas não basta estarmos matriculados temporária ou

definitivamente nessa Escola. Faz-se mister nossa opção de vivermos como

verdadeiros discípulos do único Senhor, a que desejamos servir. Ir. João da Cruz

fará seu pedido para ser admitido à Profissão de Votos Temporários. Que ele e cada

um de nós, jamais se esqueça: O Reino de Deus hoje mais se contrai do que se

dilata. Com certeza, temos grande responsabilidade nesse fato, infelizmente. Nós

monges, religiosos e ministros dificilmente usamos “máscaras”. Elas não nos

convêm. Até perdemos o emprego, como se diz por aí. Mantemos o rosto de Cristo

em nosso rosto, mas maquiado, com botox ou repuxos de cirurgia plástica. Orígenes

comentando o Livro do Gênesis sobre a criação do homem no capítulo 1,27 “Deus

criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou...” diz: “Pois não se diz

que Deus fez o homem à sua imagem ou à sua semelhança, mas que Ele o fez à

imagem de Deus. Qual é, pois, esta outra imagem de Deus à semelhança da qual o

homem foi feito? Não pode ser outra senão a de Nosso Salvador, Ele é o

primogênito de toda a criatura” SC 270,61. Portanto, queridos irmãos, não

corrompamos a imagem do Cristo impressa em nos. Sejamos verdadeiros discípulos

da Escola de seu serviço, o Mosteiro, que, com sua pedagogia, no ensina e nos

estimula a viver a novidade do mistério pascal, pois, o velho tempo já passou. E

tempo de sermos ícones de Cristo e, pela sua graça, readquirirmos a sua

semelhança. Assim seja.

Page 248: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

247

Anexo 2 - Carta do Abade Dom André Martins, OSB. Renúncia dos bens de Dom Vicente em 2007

Caros irmãos, nestas minhas férias levei um livro de uma psicóloga

americana chamada Judith Viorst, que, aliás, foi o próprio Ir. Vicente que mo indicou.

Ela defende uma tese interessante, que nossos pais o monaquismo há tantos

séculos, apoiados no Evangelho, já a articulavam e ensinavam no deserto e nos

cenóbios. Ela trata da realidade da perda. Conforme a autora, a perda é uma

realidade na vida humana difícil de assumir, mas necessária para o crescimento,

para o progresso, para o desenvolvimento. Ela, a autora, vai tratando da perda sob

vários aspectos da vida humana, como por exemplo: a perda do aconchego do útero

materno, que levará a criança a descobrir seu eu distinto da mãe. A perda da

exclusividade da mãe, quando a criança descobre que ela não é apenas as a sua

propriedade, pois existe também para seus demais irmãos, para outras pessoas,

para seu trabalho, etc. O capitulo VI tendo por titulo “quando você vai levar o novo

bebe de volta para o hospital” é por demais interessante. Inclusive procura explicar a

raiz da rivalidade e competitividade entre irmãos. Nesse capítulo Judith Viorst narra

várias histórias familiares. Uma delas apresento à vocês: “Um maravilhoso exemplo

de negação é a história da garotinha informada de que ia ganhar um irmão ou uma

irmã. Ouviu aquilo num silêncio pensativo, depois ergueu os olhos da barriga da mãe

para os olhos dela e disse: “Sim, mas quem vai ser a mamãe do novo bebê? (pg. 91)

Já sabemos por intuição antecipada aonde a autora quer chegar, não é mesmo?

Integrar a perda da exclusividade da mãe, depois do pai, dos brinquedos, do espaço,

de tudo o rodeia a criança é a garantia para uma vida sadia a nível pessoal e social.

Nós acrescentaríamos também a nível comunitário. Quando um de nossos irmãos

vai fazer sua profissão solene fazemos questão de realizar esse pequeno rito de

renúncia dos bens. Esse rito doméstico, muito próprio de nosso mosteiro, após já ter

feita em cartório, não significa que automaticamente o irmão saberá renunciar a tudo

o que for necessário para o seguimento do Cristo. O próprio Senhor diz: “Quem não

renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo”. Essa afirmação de

Jesus não e um conselho, e um mandamento. E cada cristão fará a renuncia exigida

pelo Cristo no espaço onde se encontra na Igreja. Com certeza temos pontos em

comum com todos os demais cristãos, mas há aspectos de renuncia própria do

Page 249: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

248

monge, inclusive para não “mentir pela tonsura” com diz São Bento na Santa Regra.

Como nosso tempo não possibilita enumerarmos quais são os aspectos específicos

da renuncia para o monge, deixo tal reflexão para vocês a exercitarem

pessoalmente. Ressalto apenas um aspecto que a historia da garotinha me inspirou.

“Quem vai ser a mamãe do novo bebe? Podemos traduzir essa afirmação para:

“quem vai ser Deus para os meus irmãos que vivem comigo neste mosteiro?” Somos

chamados a renunciar à concepção de um Deus que trazemos, cuja existência e

assistência seja apenas para mim. Posso ter muitos irmãos, mas não quero dividir

Deus com ninguém. Se isso vem a acontecer, vivo realmente a fraternidade? Como

isso pode transformar-se em realidade na vida de um monge, cujo desejo é de não

aceitar a dividir Deus com seus irmãos? São inúmeros os exemplos que

encontramos disseminados aqui no Mosteiro da Ressurreição. Deus se faz presente

de muitas e variadas formas em nossa vida, portanto a aplicação de renunciar à

exclusividade de Deus, como se Ele existisse se para mim passa pela experiência

que o monge tem com o abade, com cada irmão, com espaços do mosteiro, com

trabalhos executados, com amizades adquiridas, com ferramentas de trabalho, com

talentos recebidos, etc. Aquele que ainda não se deu conta de que o abade não é

exclusividade sua, que determinado irmão ou alguns irmãos não são só para eles,

que espaços do mosteiro são para todos, mas adequados à necessidade e ao

serviço de alguns, que os trabalhos executados supõe capacidade,

responsabilidade, disponibilidade, flexibilidade não por parte de todos e por fim que

os talentos são muitos e que ninguém os tem todos, mas espalhados para a

edificação da comunidade cristã, então, tal monge passara sua vida toda

reclamando que Deus foi e tem sido “injusto” para com ele. Em outras palavras, para

tal monge, Deus não poderia exercer sua paternidade, sua maternidade, seu infinito

amor para com ninguém. Apenas para com ele. Podemos até aceitar outros

“irmãozinhos” que Deus nos envia, mas no secreto do coração vamos nos perguntar:

quem será seu abade? Quem será seus amigos? Quais serão seus espaços físicos

e morais no mosteiro? Que cargos assumirão na comunidade e que talentos trazem

e que serão desenvolvidos no mosteiro para possivelmente competir com os meus e

ate mesmo fazer sombras sobre os possuo? Caros irmãos, a renuncia dos bens,

importantíssima, sem dúvida alguma, é apenas um passo na via estreita do

Evangelho. Pouco adiantaria ao monge renunciar a bens materiais se não fosse

capaz de renunciar à exclusividade de Deus atuante e operante em sua graça. Não

Page 250: Neuza de Fátima Brandellero - TEDE: Página inicial de Fatima... · detemo-nos no Mosteiro da Ressurreição, que há trinta anos procura viver dia a dia a Regra que São Bento escreveu

249

seria renunciar a tudo o que possui, como deseja Jesus. Renunciar a tudo o que

possui, como quer Jesus, é também renunciar ao desejo de exclusividade de Deus.

Ele não é meu. Ele é nosso. Por isso todos os dias dizemos: “Pai Nosso”. Durante

muitos anos dizíamos uns aos outros: “a festa já inicia com seus preparativos”.

Considerei sempre essa forma de ver a vida e de vice-la com um bem. Nenhum de

nos já renunciou a tudo o que possui, lamentavelmente! O homem vive processos

desencadeados. E como se vivesse num constante gerúndio do verbo: esta sendo,

esta fazendo, esta desfrutando, esta pecando, esta renunciando. Mas a festa a se

inicia com os preparativos, por isso alegremo-nos, pois estar no processo, e na

linguagem de São Bento é “com o progresso da vida monástica e da fé”, de certa

forma já estamos vivendo a renúncia exigida pelo Senhor. O importante e não

desanimar, pois a festa real num presente que não conhece fim será realizada não

aqui, mas na vida eterna. Apenas quem é capaz de, com a graça de Deus, perder

esse sentimento e essa atitude egoísta do “isso é meu, isso existe só para mim, ele

não divido com ninguém”, fará progressos como um dos filhos de Deus descobrira

que a felicidade já começa com os preparativos da festa. E o que viemos fazer aqui!

Que Deus nos sustente em nossos bons propósitos. Amém.