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Displasia renal multiquistica. (Experiencia da Consulta de Nefrologia do Hospital de Dona Estefania - Lisboa) J. Batista Unidade de Nefrologia Hospital de Dona Estefania, Lisboa Ate ao advento da aplica<;:aoda ultrassonografia no diagn6stico pre-natal (DPN) da patologia mal- formativa, a displasia renal multiquistica era con- siderada uma situa<;:aopouco frequente. Na maio- ria dos casos, 0 diagn6stico era feito durante a investiga<;:ao de queixas urinarias, massa abdomi- nal palpavel ou hipertensao. Actualmente, com a ecografia fetal, calcula-se que a incidencia seja de 1:4.300 nado-vivos'. Analisaram-se retrospectivamente os casos de displasia renal multiqufstica, com diagn6stico pre- natal, enviados a Consulta de Nefrologia do Hos- pital de Dona Estefania entre 1de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2005. No periodo referido foram observadas 522crian<;:as com um diagn6stico pre-natal de uropatia, 0 que representa 28% do total das primeiras consultas realizadas na Consulta de Nefrologia (Fig. 1). A avalia<;:ao p6s-natal permitiu a formula<;:ao do diagn6stico definitive de displasia renal multi- quistica unilateral (DMQ) em 50 crian<;:as, 0 que corresponde a 9,5% dos DPN; 18 eram do sexo feminino e 32 do masculino, e em 58% dos casos o rim displasico localizava-se a direita. 0 tempo medio de vigilancia na Consulta foi de 33,7 meses (minimo um dia, maximo 78 meses). Em8% (4/50), houve involu<;:aototal do rim displasico, com um tempo medio de involu<;:ao de 4,25 meses; e nou- tro caso, redu<;:aodas dimens6es do rim displasi- co ao fim de 36 meses. As 50 unidades renais com displasia multiquistica tinham patologia associada em 36% dos casos (18/50), com envolvimento do rim ipsilateral em 44,4% (8/18) (Quadro 1). Dototal das 50crian<;:ascom DMQ, 11 (22%) foram submetidas aterapeutica cirurgica, ea idade media em que ocorreu a interven<;:ao foi de 19,3 meses (Quadro 2). A abordagem da DMQ e ainda alvo de controver- sia. 0 diagn6stico e tratamento da DMQ mudou nos ultimos vinte anos. Com a generaliza<;:ao da ecografia fetal, 77-88% dos casos tem agora um diagn6stico pre-nataI 2 . Em regra, a DMQ e assintomatica. No grupo es- tudado, todas as crian<;:astinham diagn6stico pre- natal, havia um predominio do sexo masculino, tal como e referido na literatura, e em 36% dos casos havia ainda outras anomalias urol6gicas associadas. Com excep<;:aodo predomfnio da la- teralidade a direita da DMQ, os resultados encon- trados sac sobreponfveis aos referidos por outros autores 3 - 5 . DPN GP DPN: diagn6stico pre-natal; IU: infec<;:ao urinaria; E:enurese; RVU: refluxovesico-ureteral; GP: glomerulopatias Figura 1. Primeiras consultas 2000/2005 - princi- pais diagn6sticos.

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Displasia renalmultiquistica. (Experienciada Consulta de Nefrologiado Hospital de DonaEstefania - Lisboa)

J. BatistaUnidade de Nefrologia

Hospital de Dona Estefania, Lisboa

Ate ao advento da aplica<;:ao da ultrassonografiano diagn6stico pre-natal (DPN) da patologia mal-formativa, a displasia renal multiquistica era con-siderada uma situa<;:aopouco frequente. Na maio-ria dos casos, 0 diagn6stico era feito durante ainvestiga<;:ao de queixas urinarias, massa abdomi-nal pal pavel ou hipertensao. Actualmente, com aecografia fetal, calcula-se que a incidencia seja de1:4.300 nado-vivos'.

Analisaram-se retrospectivamente os casos dedisplasia renal multiqufstica, com diagn6stico pre-natal, enviados a Consulta de Nefrologia do Hos-pital de Dona Estefania entre 1 de Janeiro de 2000e 31 de Dezembro de 2005.

No periodo referido foram observadas 522 crian<;:ascom um diagn6stico pre-natal de uropatia, 0 querepresenta 28% do total das primeiras consultasrealizadas na Consulta de Nefrologia (Fig. 1).

A avalia<;:ao p6s-natal permitiu a formula<;:ao dodiagn6stico definitive de displasia renal multi-quistica unilateral (DMQ) em 50 crian<;:as, 0 quecorresponde a 9,5% dos DPN; 18 eram do sexofeminino e 32 do masculino, e em 58% dos casoso rim displasico localizava-se a direita. 0 tempomedio de vigilancia na Consulta foi de 33,7 meses(minimo um dia, maximo 78 meses). Em 8% (4/50),houve involu<;:ao total do rim displasico, com umtempo medio de involu<;:ao de 4,25 meses; e nou-tro caso, redu<;:aodas dimens6es do rim displasi-co ao fim de 36 meses.

As 50 unidades renais com displasia multiquisticatinham patologia associada em 36% dos casos(18/50), com envolvimento do rim ipsilateral em44,4% (8/18) (Quadro 1).

Do total das 50 crian<;:ascom DMQ, 11 (22%) foramsubmetidas a terapeutica cirurgica, e a idade mediaem que ocorreu a interven<;:ao foi de 19,3 meses(Quadro 2).

A abordagem da DMQ e ainda alvo de controver-sia. 0 diagn6stico e tratamento da DMQ mudounos ultimos vinte anos. Com a generaliza<;:ao daecografia fetal, 77-88% dos casos tem agora umdiagn6stico pre-nataI2.

Em regra, a DMQ e assintomatica. No grupo es-tudado, todas as crian<;:astinham diagn6stico pre-natal, havia um predominio do sexo masculino,tal como e referido na literatura, e em 36% doscasos havia ainda outras anomalias urol6gicasassociadas. Com excep<;:ao do predomfnio da la-teralidade a direita da DMQ, os resultados encon-trados sac sobreponfveis aos referidos por outrosautores3-5.

• DPN

GP

DPN: diagn6stico pre-natal; IU: infec<;:ao urinaria; E: enurese;RVU: refluxo vesico-ureteral; GP: glomerulopatias

Figura 1. Primeiras consultas 2000/2005 - princi-pais diagn6sticos.

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Patologia associadarim ipsilateral

3Duplicidade 1

Refl uxo vesico-u retera I(RVU) 1

Rim pelvico 1

5Duplicidade 1

RVU 2Rim pelvico 2

Quadro 1. DMQ e patologia associada

DMQ isolada

De acordo com a literatura, estima-se que 17 a43% dos individuos com DMQ tenham outras ano-malias urol6gicas associadas, com predomfnio doRVU. Duplicidade pielo-ureteral, sfndrome de obs-tru<;ao pielo-ureteral, megaureter e ectopia renalno rim contralateral sac outras das anomaliasdescritas5-7.

Na serie em analise, a incidencia do RVU foi de16%, Kuwertz-Broeking, et al. apontam uma fre-quencia de 5-25% para a associa<;ao entre DMQ eRVU7.

A associa<;ao de DMQ unilateral com patologiamalformativa extra-renal e pouco frequente (11%),ao inves do que acontece quando a DMQ e bila-teral e em que a estimativa sobe para 80%: asso-cia<;aoVATER, cardiopatias congenitas, anomalias

Patologia associadarim contralateral

6Hipoplasia 1

Estenose infundibular 2RVU 2

Duplicidade + RVU 1

4Cicatriz 1

Estenose infundibular 1RVU 2

do tuba digestive ou neurol6gicas sac algumasdas anomalias descritas3,5. Na popula<;ao estuda-da, encontrou-se um caso de DMQ associada acriptorquidia ipsilateral e outro a foramen oval.

A hist6ria natural da doen<;a e imprevisivel, maso controlo ecografico seriado mostra que 0 rim comDMQ involui com 0 tempo. 0 facto de 0 rim dis-plasico poder aumentar, diminuir ou involuir natotalidade confere um cunho dinamico a esta pa-tologia. Estudos recentes sugerem que 20-52%dos rins displasicos involuem na totalidade em3-144 meses e apenas 0 diametro do rim displa-sico, quando < 62 mm, e considerado factor pre-ditivo de involu<;a02,3,8",. Na nossa serie, houveinvolu<;ao total do rim displasico em quatro ca-sos, e num quinto caso a involu<;ao foi parcial, 0que podera ser atribuido ao tempo de evolu<;ao

Rim esquerdo

DMQ

DMQ

DMQ

DMQ

DMQ

DMQ + duplicidade

Duplicidade + RVU

DMQ + RVU

DMQ + RVUDMQ

RVU

Tipo de cirurgia

Nefrectomia

Nefrectomia

Nefrectomia

Nefrectomia

Nefrectomia

Heminefrectomia

Reimplanta<;aoureteral

Nefrectomia

Nefrectomia

Nefrectomia

Correc<;aoendosc6pica

Idade da cirurgia (meses)

10

17

483

4811

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Quadro 3. DMQ - malformac;:ao associada no rim contralateral

Referimcia N.D de casos Prevalencia RVU

Atyeh, et al. 49 39%(19) 9 (18%)

Sukthankar, et al. 63 16 (25%)

Karmazyn, et al. 59 32%(19) 15 (25%)

Kaneko, et al. 7 57%(4) 3 (42%)

Molini, et al. 20 20%(4) 1 (5%)

Gough, et al. 62 42% - - (19%)

Selzman, et al. 65 - (15%)

ainda curto (media 33,7 rneses). No entanto, estesdados, sac sobreponiveis aos encontrados porVinocur, et al., em cuja serie 16/19 (84%) dos rinsdisplasicos a mantinham as dimensoes ao fim deum tempo medio de 33,5 meses de seguimento13.

Rabelo, et al. seguiram prospectivamente, entre1989 e 2002, 43 crianc;:as com diagnostico pre-natal de DMQ e verificaram que houve involuc;:aototal em 19% das DMQ, com um tempo medio de42 meses14.

o prognostico da DMQ unilateral e determinadopela integridade do rim contralateral na aus€mciade anomalias associadas no rim contralateral;com efeito, tem-se verificado que os casos queevoluiram para insuficiencia renal, tin ham algumtipo de malformac;:ao associada15. A hipertrofiacompensadora do rim contralateral contribui paraatingir valores plasmaticos de creatinina norma ise, por este motivo, deve ser considerada um fac-tor de bom prognostico quanto a func;:ao renal(Quadro 3)3,6,7,17.

A generalidade dos estudos demonstra que a in-cidencia de complicac;:oes e baixa. Assim, no mo-mento actual, a tendencia para a involuc;:ao do rimdisplasico e a quase ausencia de complicac;:oesconduzem a uma atitude mais conservadora, comcontrolos ecogrMicos e c1inicos seriados.

A realizac;:ao de nefrectomia electiva para preven-c;:aode potenciais complicac;:oes ja nao tem indica-c;:ao,pela raridade das mesmas3,16. A nefrectomiaesta reservada para as situac;:oescom aumento dovolume dos quistos, efeito de massa, hipertensaoarterial ou suspeita de malignidade12• Porem, osestudos nao reunem 0 consenso quanta as indica-c;:oes«classicas» e a atitude parece ser, cada vezmais, uma atitude conservadora quanta a nefrecto-mia18. 0 tratamento da DMQ deve ser individuali-zado e ser sempre ponderada a relac;:ao entre 0

custo de uma cirurgia eo do controlo imagiologico

seriado. So por si, as caracterfsticas socioeconomi-cas da populac;:ao podem constituir uma indicac;:aopara nefrectomia, quando as mesmas comprome-tem 0 plano de vigilancia5. Na nossa serie, a inci-dencia de nefrectomia foi de 18%, 0 que se aproxi-ma do referido por Rottenberg, et al. (25%)11.

A detecc;:ao pre-natal da DMQ permite apurar 0diagnostico e 0 tratamento. A estrategia e a dura-c;:aodo seguimento das crianc;:as com DMQ sacdificeis de definir.

Da revisao da literatura, conclui-se que as crian-c;:ascom DMQ tem um risco elevado de malfor-mac;:ao urogenital associada, pelo que 0 rimcontralateral devera ser sempre avaliado comecog rafia, cintig rafia rena I e cisto-u retrog rafiamiccional. Do mesmo modo, deve ser feito 0 con-trolo seriado do seu crescimento e ser avaliada atensao arteriaI3,5.

Os resultados do National Multicystic Kidney Re-gistry mostram que ha uma baixa incidencia decomplicac;:oes e recomendam: a realizac;:ao de umcontrolo ecogrMico antes de 0 recem-nascido teralta para 0 domicilio, a instituic;:ao de profilaxiada infecc;:ao urinaria ate que seja excluido 0 RVU;controlo ecogrMico seriado de tres em tres me-ses durante 0 primeiro ana de vida, passando asemestral ou anual ate aos cinco anos3,4,5,10. Fel-den berg e Siegel subclassificam os casos deDMQ em DMQ simples e complexas. DMQ sim-ples se: displasia unilateral com rim contralateralnormal com hipertrofia compensadora e naoexistem anomalias genito-urinarias associadas15.Com base nesta classificac;:ao, estes autores su-gerem que os casos de DMQ simples podem teralta da consulta de subespecialidade (nefrologiaou urologia) para 0 medico de clinica geral, coma recomendac;:ao de este monitorizar a tensaoarterial e manter a vigilancia de uma eventualdegenerescencia maligna13,15,18.

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