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econômico Publicação do Curso de Ciências Econômicas/UFPI Ano 10 / Nº 19 Maio-junho/2009 A universidade só conseguirá dar sua contribuição a uma sociedade livre na medida em que supere a tentação a se conformar acriticamente à ideologia em vigor e aos padrões existentes de poder e privilégio.” nforme ISSN 1517-6258 2 Agricultura nas fazendas pastoris escravistas do Piauí: aspectos da produção de alimentos Solimar Oliveira Lima 4 O censo de capitais estrangeiros no Brasil Zilneide de Oliveira Ferreira 8 Duas megacrises e três culpados Samuel Costa Filho 12 A hegemonia política no Brasil atual Francisco Pereira de Farias NOAM CHOMSKY 13 15 O CadÚnico e o desenvolvimento das famílias no Piauí Sebastião Carlos da Rocha Filho 18 Arranjos produtivos locais no âmbito estadual-Piauí Márcio Martins Napoleão Braz e Silva Francisco de Assis Veloso Filho Obstáculos às inovações na cadeia produtiva da cera de carnaúba Karla Brito dos Santos, Jaíra Maria Alcobaça Gomes e Weldo da Luz Nascimento 27 29 Valoração econômica do Parque Nacional Serra da Capivara Raimundo Coelho de O. Filho Maria do Socorro Lira Monteiro Editorial A nova Lógica Gerson Albuquerque deAraújo Nesta edição, serão encontrados estudos sobre a atividade produtiva no Piauí dos tempos longínquos e contemporâneos. Pesquisadores/as atentos/as, cujos olhares veem possibilidades, mas também apontam a persistência de entraves que impossibilitam realidades econômicas que possamcontribuir, de maneira efetiva, para o desenvolvimento da sociedade piauiense. As estatísticas das desigualdades são constrangedoras. Exemplo disso é a corbetura do Programa Bolsa Família no Piauí que atendeu, em 2008, 49% da população (ver art. de Sebastião Rocha Filho). Fenômernos sociais como este e outros tornam evidente o quanto a nossa sociedade é refém de políticas públicas pontuais, conduzidas ao sabor dos interesses de grupos políticos. Mudanças no quadro social exigem novas reflexões e posturas, ainda mais quando arrefece no cenário político o devastador ideário neoliberal, sustentado ainda por uma mídia financeiramente comprometida e por intelectuais desatentos às leituras do mundo. Esperamos que os artigos aqui publicados provoquem reflexões e ações no (re)fazer cotidiano. Este tem sido o principal objtivo deste INFORME que comemora seu décimo ano. Esperamos, também, que com estas iniciativas estejamos fortalecendo a função da universidade pública no país, dentro e fora da sala de aula. Boa leitura! 30 Resenha: Racionalidade e determinismo mental Maria Cristina de Távora Sparano

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1 Ano 10 - NO 19 - MAIO/JUNHO DE 2009nforme econômico

econômicoPublicação do Curso de Ciências Econômicas/UFPI

Ano 10 / Nº 19Maio-junho/2009

“A universidade só conseguirá dar sua contribuição a uma sociedade livre na medida em que supere a tentaçãoa se conformar acriticamente à ideologia em vigor e aos padrões

existentes de poder e privilégio.”

nformeISSN 1517- 6258

2Agricultura nas fazendas pastorisescravistas do Piauí: aspectos daprodução de alimentosSolimar Oliveira Lima

4O censo de capitais estrangeirosno BrasilZilneide de Oliveira Ferreira

8Duas megacrises e três culpadosSamuel Costa Filho

12A hegemonia política no BrasilatualFrancisco Pereira de Farias

N OAM CHOMS KY

13

15

O CadÚnico e o desenvolvimentodas famílias no PiauíSebastião Carlos da Rocha Filho

18

Arranjos produtivos locais noâmbito estadual-PiauíMárcio Martins Napoleão Braz e SilvaFrancisco de Assis Veloso Filho

Obstáculos às inovações nacadeia produtiva da cera decarnaúbaKarla Brito dos Santos, Jaíra Maria AlcobaçaGomes e Weldo da Luz Nascimento

27

29

Valoração econômica doParque Nacional Serra daCapivaraRaimundo Coelho de O. FilhoMaria do Socorro Lira Monteiro

Edito rial

A nova LógicaGerson Albuquerque de Araújo

Nesta edição, serão encontrados estudos sobre a atividade produtiva no Piauí dos tempos longínquos econtemporâneos. Pesquisadores/as atentos/as, cujos olhares veem possibilidades, mas também apontam apersistência de entraves que impossibil itam realidades econômicas que possam contribuir, de maneiraefetiva, para o desenvolvimento da sociedade piauiense.

As estatísticas das desigualdades são constrangedoras. Exemplo disso é a corbetura do Programa BolsaFamília no Piauí que atendeu, em 2008, 49% da população (ver art. de Sebastião Rocha Filho). Fenômernossociais como este e outros tornam evidente o quanto a nossa sociedade é refém de políticas públicaspontuais, conduzidas ao sabor dos interesses de grupos políticos. Mudanças no quadro social exigem novasreflexões e posturas, ainda mais quando arrefece no cenário político o devastador ideário neoliberal,sustentado ainda por uma mídia financeiramente comprometida e por intelectuais desatentos às leituras domundo.

Esperamos que os artigos aqui publicados provoquem reflexões e ações no (re)fazer cotidiano. Este temsido o principal objtivo deste INFORME que comemora seu décimo ano. Esperamos, também, que comestas iniciativas estejamos fortalecendo a função da universidade pública no país, dentro e fora da sala deaula.

Boa leitura!

30Resenha: Racionalidade edeterminismo mentalMaria Cristina de Távora Sparano

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AGRICULTURA NAS FAZENDASPASTORIS ESCRAVISTAS DOPIAUÍ: aspectos da produção dealimentos*

por Solimar Oliveira Lima**

As leituras do passado colonial piauiensevoltam-se, quase que exclusivamente, para opastoreio. É certo que, por ser a atividade produtivapredominante, o criatório e as fazendas pastorisforam responsáveis por formas de produção e derelações específicas que marcaram a cartografiasocial do território em formação. Contudo, o vastoespaço progressivamente ocupado a partir do finaldos Setecentos redesenharia na sociedade novaspossibil idades produtivas e relações sociaisprontamente incentivadas e mantidas pelosfazendeiros sem, no entanto, perderem o domínioe o controle sobre as três formas típicas depropriedades que caracterizaram o período: terra,gado e escravo.

Nesta perspectiva, torna-se inicialmenteimperioso romper com a visão de fazendas pastoriscomo espaço exclusivo de criação de gado. Emrigor, poucas foram as unidades com estacaracterística. A existência de fazendaespecializada pode ser associada, pelaprecariedade de condições e bases materiais, aoinício do processo de ocupação, em que eraelevado o grau de mobilidade de animais. Anecessidade de delimitação de espaços privadosem razão das disputas por terras e a necessidadede diversificação produtiva frente ao crescimentopopulacional forjaram a ruptura da exclusividadedo criatório. Em pouco tempo, uma boa fazendapassou a ser aquela que dispunha de reses,trabalhadores e o necessário ao abastecimentode seus viventes.

A estrutura produtiva para garantir asnecessidades de consumo básico alimentarhumano, certamente, variava de acordo com asposses da propriedade. Nas maiores, a montagem

requeria, além de áreas para cultivo de grãos, adisponibilidade de braços cativos e l ivres para alabuta. Os espaços para as roças eramexclusivos, os trabalhadores não. Plantava-se parao alimento - predominantemente, mandioca, milhoe feijão. O trabalho nas roças era desenvolvidode acordo com o calendário de plantio. Asazonalidade permitia a l iberação temporária demão de obra do pastoreio, especialmente noperíodo de preparo da terra. Neste sentido, otrabalho nas roças era aleatório e acessório àprodução pastoril. A produção resultante,voltada à subsistência.

Pelo caráter do trabalho no cultivo, ostrabalhadores escravizados não eram identificadoscomo “roceiros”. É crível que, nesta fase, tenhampredominado, nos “serviços do plantio”,trabalhadores livres pobres, chamados de“moradores”. A denominação roceiro começou aser empregada a partir do momento em que aagricultura apareceu, dentro das propriedades,como atividade produtiva mercantil. Acomercialização da produção em maior escalae a renda auferida permitiram a separação detrabalhadores e o surgimento da tarefa comoserviço especializado.

Assim, a agricultura de subsistência passou aser praticada quase que exclusivamente porpequenos proprietários e posseiros moradores e acapacidade de produção de excedente ecomercialização passou a se configurar comorestrita. Para estes pequenos produtores isoladosnos vastos sertões, o contato com o mercado erafortuito, l imitando-se a pequenas feiras depovoados ou vilas durante a safra. Esta agricultura,de subsistência, tem preenchido as poucas linhas

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da produção historiográfica piauiense. As visõesesforçam-se para a leitura generalizada dofenômeno para o conjunto das propriedades;quando não, apresentam a ideia da existência daagricultura de subsistência como atividadeacessória nas fazendas pastoris.

Fontes disponíveis no Arquivo Público do Piauíapontam que, ainda no final do século XVIII, haviapreocupação, por parte dos produtores, com oestímulo da produção e com a comercialização nasfazendas particulares e públicas do Piauí.Nos Oitocentos, são recorrentes as informaçõessobre a redução do plantio de feijão e de milho,gradativamente relegado para estimular os cultivosde mandioca, da cana-de-açúcar, do algodãoe do fumo. Estes produtos passaram a receberatenção especial por parte dos fazendeiros eadministradores devido ao crescimento dademanda comercial. Ao que tudo indica, nasgrandes propriedades pastoris, a agricultura,assim como o pastoreio, era produção de mercado.As iniciativas para a diversificação parecemaumentar na medida em que cresciam asdificuldades de comercialização do gado.

No que respeita ao plantio para consumoalimentar, manteve-se, nas fazendas, umaestrutura voltada à garantia sistemática deprodutos, incorporando mais terras e trabalhadoresna proporção em que aumentava a prioridade àcomercialização. Forjava-se um processo emque a produção primeiramente visava o mercado;não se tratava, portanto, de comercialização deexcedente. A lógica, ao que parece, era suprir ademanda externa, negligenciando-se o consumointerno, especialmente o dos trabalhadores.Reduzida a possibil idade de consumo interno,houve uma tendência à concentração deste emtorno do gado, fazendo surgir preocupaçõescom a produção de cereais, visando àdiversificação da dieta alimentar nas fazendas,para diminuir matalotagens, o que significavareduzir o número de reses abatidas para consumo.Para os trabalhadores, a base alimentar erapraticamente composta por carne bovina “verde” ou“seca” e farinha. Em Valença, uma fazendaparticular, em setembro de 1811, foram abatidosoito bois para o consumo estimado de 15 dias. Nasfazendas públicas, entre 1803 e 1805, foiconstatado o abate de “quase seiscentas reses”,anualmente, por inspeção. As fazendas,

no total de 39, eram dividas em inspeções oudepartamentos – Nazaré, Piauí e Canindé.Considerando-se as três inspeções, abatia-se,portanto, cerca de 1.800 animais por ano. Aindaassim, a lavoura praticada destinou-se,prioritariamente, a cultivar produtos de maioraceitação no mercado.

Na agricultura das fazendas, a mandioca, salvoengano, foi o plantio de maior importância naquelasterras do sertão, por potencializar a existência deuma rede de integração socioeconômica emdecorrência do processo de fabricação da farinha.Embora seu cultivo também se desse de formaconsorciada com feijão e milho, o que predominoufoi um tipo de plantação específica chamada de“roçado de mandioca”. O plantio seguiu o métodoainda util izado por pequenos produtores doNordeste: no mês de dezembro e nas chamadas“capoeiras’ – terreno preparado para plantio porqueimadas, fincando-se uma parte do caule, queorigina, num período de um ano, uma nova plantaapta para a “arrancada” ou que serve para orecolhimento do tubérculo maduro. No período entreo plantio e o “arranque”, a mandioca não carece decuidados e desenvolve-se sem nenhumainterferência dos trabalhadores, ficandopraticamente esquecida nos roçados. O arranquede mandioca resume-se a desenraizar a planta,puxando o caule com as mãos, separando otubérculo – comumente chamado de mandioca –com um corte de facão. A mandioca era entãotransportada para a chamada “casa de forno” parao fabrico da farinha.

A lavoura nas fazendas da Província eraassentada na “força dos braços humanos” epraticada com “método antigo de cultura, semnenhum aperfeiçoamento, quer no tamanho daterra, quer em máquinas”. Na limpeza do solo,iniciava-se com a “broca” - o corte de pequenasárvores com foices; em seguida, fazia-se a“derriba” – o corte das árvores maiores commachados – e, por fim, ateava-se fogo. Após aqueimada, esperavam-se as primeiras chuvas parao início do plantio, quase sempre nos primeirosmeses do ano.

Nas fazendas públicas, predominava, entre ostrabalhadores, a presença de mulheres cativas nosroçados, tendência seguida, salvo engano, pelaspropriedades particulares. Dentre as indicações,podem-se encontrar as fazendas Malhada e Boa

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*Este texto resulta da p esquisa em andamento “Aprodução pastoril no Piauí, no Mato grosso do Sul e noRio Gran de do Sul, de 1780 a 1930: u m estudocomparado”, coordenada pelo Prof. Dr. Mário Maestri(UPF) e financiada pelo CNPq.

**Graduado em Economia (UFPI), Mestre e Doutor emHistória (PUCRS) e professor do Departamento deEconomia, Mestrado em Políticas Públicas e Mestradoem História (UFPI).

vista, no “termo” de Oeiras, em 1817 e 1824, ondehavia “mais mulher que homem” no plantio. Em1854, segundo um arrolamento da população porsexo e ocupação das fazendas públicas, o trabalhonas roças era quase que exclusivamente feminino.Na fazenda que servia de sede à inspeção Nazaré,por exemplo, a derrubada de árvores, a abertura decovas, a semeadura, a limpeza de matos entre asplantações e a colheita dependiam da força denegras cativas e do afiamento de 14 machados,11 facões, 14 foices, 17 enxadas e seis ferros decova. As ferramentas eram todas velhas e com“conse rtos”.

Apesar da existência de trabalhadoresdedicados exclusivamente à agricultura, o plantelnão era significativo. Nas fazendas particulares,pelas informações disponíveis, o mesmo variavaentre 20 e 25% para o total de oito a 50 cativos.Nas fazendas públicas, considerando a escassezde trabalhadores nas propriedades, a quantidadeera ainda mais reduzida. Em alguns casos,podiam-se encontrar apenas poucas trabalhadoras

velhas labutando ao lado de algumas crianças.Diante da disponibil idade efetiva de mão de obra,da pequena quantidade e da má qualidade dosinstrumentos de trabalho, pode-se inferir que aprodutividade era pequena. Considerando-se que opropósito da produção era prioritariamente acomercialização, pode-se facilmente constatar asconsequências sobre o consumo interno dasfazendas pastoris. Também é certo que ostrabalhadores escravizados viviam em profundo egrave estado de insegurança alimentar.

O CENSO DE CAPITAISESTRANGEIROS NO BRASILpor Zilneide O. Ferreira*

Até o início dos anos de 1960, ainternacionalização no Brasil foi incipiente, umavez que antes havia uma diferenciação notratamento dado ao capital externo. Em 1962, como advento da Lei 4.131/62, foi adotado no país oprincípio da igualdade de tratamento entre capitalnacional e estrangeiro. Entre 1964-1967, o sistemafinanceiro foi reestruturado e foram elaboradose implementados planos de estabil izaçãoeconômica (PAEG e PED) para debelar a inflação,que favoreceram um grande fluxo de capitaisexternos ao país.

Desde a década de 1970, as economiasnacionais vêm passando por uma profunda

reestruturação, nas mais diversas áreas, emgrande parte favorecida pelos avançostecnológicos, dando “novo ímpeto àinternacionalização do capital” (CRUZ, 2007,p.390). No final dos anos 80, as relaçõesinternacionais passaram por profundas mudanças egeneralizou-se uma crise econômica que marcouo início de uma nova “ordem” internacional e umacrise estrutural de grandes proporções mundiais(VIZENTINI, 1992). Desde então, os países ditosem desenvolvimento têm aberto suas economiascom o intuito de elevar a formação de capital fixoe melhorar seu saldo do Balanço de Pagamentos(KOBRIN, 2005), especialmente através da

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l iberalização do Investimento Direto Externo (IDE).No geral, os países mais desenvolvidos são osmaiores exportadores de capital, enquanto que osem desenvolvimento são os maiores receptores.

No Brasil, devido à abertura econômica e àliberalização dos movimentos de capitais, nos anosde 1990, mais especificamente após 1994, com aimplementação do Plano Real, ocorreu nova ondade investimentos estrangeiros no país eintensificaram-se os debates relacionados aoingresso de capitais de empresas estrangeiras naeconomia brasileira. No sentido de melhorconhecer o funcionamento das empresas de capitalestrangeiro no país, com ênfase nos investimentosdiretos, considerados de “boa qualidade” (BCB,1998), em 1996 foi realizado o primeiro Censo deCapitais Estrangeiros (CCE), no país, com data-base de 31 de dezembro de 1995.

Conforme a Lei 4.131/62, supracitada, capitaisestrangeiros são todos os bens, máquinas eequipamentos que entram no país para produzirbens e serviços, bem como os recursos monetáriose financeiros para aplicação em atividadeseconômicas, “desde que, em ambas as hipóteses,pertença a pessoas físicas ou jurídicasdomicil iadas ou com sede no exterior”. No seuartigo 3º, a referida Lei determina que sejamfeitos, na Superintendência da Moeda e doCrédito (SUMOC), os registros dos capitaisestrangeiros no país, qualquer que seja sua formade ingresso (direto ou empréstimo), bem comodas remessas, dos reinvestimentos e dasalterações do valor monetário do capital dasempresas. Também reza essa Lei que “A SUMOCrealizará, periodicamente, em colaboração com oInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), o censo dos capitais estrangeirosaplicados no País”. No entanto, o Censo só foiregulamentado pela Circular 2.692 do BCB, de 20de junho de 1996, quando, então, foi realizado oCenso 1995, sob a responsabilidade do BancoCentral do Brasil (BCB).

Conforme a Fifth Edition of the Balance ofPayments Manual (BPM5) do InternationalMonetary Fund (IMF, 1993) e a Organization forEconomic Co-Operation and Development(OECD, 1999), o investimento direto é a categoriade investimento internacional que reflete o objetivode uma entidade residente em uma economia

obter participação de longo prazo em uma empresaresidente em outra, bem como um significativo graude influência do investidor na administração daempresa receptora, cuja finalidade é ganhar voz nagerência da mesma. O investidor direto pode serum indivíduo, um grupo de indivíduos, umaempresa, um governo. Para um acionista serconsiderado um investidor direto é necessário quetenha uma participação acionária de no mínimo10% em ações ordinárias ou poder de voto(tradução livre). No Brasil, seguem-se estasorientações internacionais.

Esclarecidos os conceitos de capitaisestrangeiros e IDE, apresentaremos alguns dadosdos Censos 1995 e 2000, uma vez que o BCBainda não disponibilizou o Censo 2005 paraconsulta em seu site, por este ainda se encontrarem fase de análise de consistência dos dados - porisso, apesar de estudos já existentes sobre oreferido Censo, optamos por aguardar os resultadosoficiais sobre o mesmo.

O Censo 1995, que engloba os informantesque, em 31 de dezembro daquele ano, detinham10% ou mais do capital votante ou 20% ou mais docapital total, revela a existência de 6.322 empresasprivadas com participação de capital estrangeiro,as quais registravam um capital integralizado nomontante de R$ 84,7 bilhões - sendo R$ 41,4bilhões de não residentes -, como parte de umpatrimônio líquido de R$ 106 bilhões, eapresentavam um total de ativos na ordem deR$ 273,6 bilhões. Estas empresas tiveram lucrolíquido de R$ 5,6 bilhões; realizaram exportaçõesno valor de US$ 21,7 bilhões e importações de19,4 bilhões (um superávit de US$ 2,3 bilhões);diretamente, empregaram, em média, 1 milhão e447 mil trabalhadores; e geraram tributos deR$ 42,5 bilhões.

Considerando-se apenas as empresas em queo capital externo, em termos de voto, eramajoritário (superior a 50%), ou seja, as que eramcontroladas por não residentes, foram encontradas4.902 (cerca de 77,5% do total de empresas comcapital estrangeiro no país registrado pelo Censonaquele ano). Estas apresentavam ativos totais novalor de R$ 159,8 bilhões (mais da metade docômputo total); lucro líquido na ordem deR$ 3,7 bilhões (cerca de 66% do total geral); eimportaram (US$ 15,7 bilhões) mais do que

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exportaram (US$ 14,5 bilhões) - o que representouuma participação de 39% e 47%, nas importaçõese exportações, respectivamente, dos totaisregistrados no Balanço de Pagamentos de 1995.Também foram responsáveis por quase 63% (911mil) do total dos empregos diretos criados por elase geraram tributos de R$ 34,7 bilhões(correspondendo a mais de 80% do total gerado).

Estes capitais vieram dos mais diversos países,sendo os Estados Unidos (US$ 10,8 bilhões),Alemanha (US$ 5,8 bilhões) e Japão (US$ 2,6bilhões) os três maiores investidores. A indústria foia atividade econômica que apresentou o maiorestoque de IDE em 1995 – US$ 27,9 bilhões,contra US$ 12,8 bilhões do setor Serviços eUS$ 924,9 milhões da Agricultura, pecuária eextrativa mineral.

Estas mesmas variáveis, em relação ao Censo2000, apresentaram elevados números. Porexemplo, o número de empresas privadas comparticipação de capital estrangeiro totalizou11.404 (80,4% a mais que no Censo anterior);com um total de R$ 351,7 bilhões de capitalintegralizado, ativos totais de R$ 914,1 bilhões(destes, R$ 641,6 bilhões eram de empresas cujocapital majoritário era estrangeiro); e geraramR$ 85,7 bilhões de tributos – sendo R$ 67,1 bilhõesem impostos sobre mercadoria e serviços,

R$ 6,0 bilhões em imposto de renda econtribuições e R$ 12,6 bilhões em outrasdespesas tributárias.

As importações aumentaram, em relação aoCenso anterior (US$ 31,5 bilhões); as exportaçõestambém, mas relativamente menos que asimportações (US$ 33,2 bilhões) - aindaapresentando superavit (US$ 1,7 bilhão), emboramenor que o apresentado no Censo 1995. Quantoaos empregados, a média anual foi de 1.709.555pessoas, no período entre 1996-2000.

Vale ressaltar que houve uma mudança dedireção em relação aos setores da atividadeeconômica: o estoque de IDE na Indústria foi daordem de US$ 34,7 bilhões, enquanto que o dosServiços chegou a cerca de US$ 65,9 bilhões e aAgricultura, pecuária e extrativa mineral totalizouUS$ 2,4 bilhões.

Em tempo, a participação do capital estrangeironas privatizações, no período entre 1996 e 2000,foi de US$ 29,6 bilhões, do total de US$ 112,6bilhões (BCB, 2009).

Em relação aos valores do Censo 1995, o IDEna Indústria apresentou um aumento deaproximadamente 24%; os Serviços, mais de400%; e o setor primário, mais de 150%. Entre osmaiores investidores, os Estados Unidoscontinuaram à frente (US$ 24,5 bilhões), seguidos

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*Economista graduada pela Universidade Federal doPiauí (UFPI) e mestranda em Ciência Política namesma instituição.

Referências Bibliográficas BCB - BANCO CENTRAL DO BRASIL. Censo de CapitaisEstrangeiros – data-base: 1995. Brasília, maio de 1998.Disponív el em: <http://www.bcb.gov.br/?CENSO1995P>.Acesso em: 23 abr. 2009. _______. Censo de Capitais Estrangeiros – data-base:2000 - resultado. Disponív el em: <http://www.bcb.gov.br/?CENSO2000RES>. Acesso em: 23 abr. 2009. BRASI L. Lei n. 4.131, de 3 d e setembro d e 1962.Discip lina a aplicação do capital es trangeiro e asremes sas de v alores para o exter ior e dá outrasprov idências. Disponív el em: <http://www.planlato.gov.br/ccilv il_03/LEIS/L4131-Compilada.htm>. Acesso em: 07de Mar. 2007.

CR UZ, Sebas tião Carlos Velasco e. Tr ajetórias:cap italismo neoliberal e ref orm as ec onôm icas nospaíses da perif eria. São Paulo: U NESP, 2007. IBGE – Instituto Bras ileiro de Geograf ia e Estat ística.Banco d e Dados Agregados. Disponív el em: <http://w w w . s i d r a . i b g e . g o v . b r / b d a / a c e r v o /acerv o1. asp?e=p&t=10&z=t&o=3>. Acesso em: 26 abr.2009. IMF – International Monetary Fund. Balance of PaymentsManual. 1993. Disponív el em : <http ://www.imf .org/external /np/sta/bop/bopman.pdf >. Acesso em: 05 jan.2008. KOBRIN, Stephen. The determinants of liberalizationof FDI policy in developing countries: a cross-sectorialanaly sis, 1992-2001. Transnational Corporations, v. 14,n. 1 , apri l / 2005. D is poní v e l em : <ht tp : / /www.mangement.wharton.upenn.edu/ >. Acesso em: 12Ago. 2008. OECD – Organis ation f or Economic Co-Operat ion andDev elopment. Benchmark definition of foreign directinvestiment. Third edition, 1999. Disponív el em: <http://www.oecd.org/dataoecd/10/16/2090148.pdf >. Acessoem: 30 set. 2008. REGO, J . M.; MARQUES, R. M. (Orgs.). Econ omiabrasileira. 2. ed. São Paulo: Saraiv a, 2005. VIZENTINI, Paulo G. F. (Org.). A grande crise: a nov a(des )ordem int ernacional dos anos 80 aos 90.Petrópolis: Vozes, 1992.

pela Alemanha (US$ 5,8 bilhões) e, agora, pelaFrança (US$ 2 bilhões).

Esses números revelam o aumento do grau deinserção internacional do Brasil e o crescimentoeconômico (embora pífio) desencadeado pelosinvestimentos estrangeiros no país, com aumentosna formação bruta de capital, na geração detributos, das exportações realizadas pelasempresas nacionais com participação de capitaisestrangeiras, dentre outros, decorrentes, segundoo BCB (1998), da estabil idade macroeconômica,após o Plano Real, e das reformas estruturais.

No entanto, com toda essa melhora, pós-PlanoReal, inclusive em relação à inflação, verificou-seque a reestruturação produtiva pela qual passou aeconomia brasileira não impediu a manutenção daheterogeneidade no país, principalmente nadistribuição da renda e na situação das famílias.O mercado de trabalho brasileiro foi um dosdiretamente afetados pela reestruturação daeconomia - o nível de emprego caiu e odesemprego da mão de obra, mormente naindústria, foi crescente e apresentou umacaracterística diferente da apresentada nasoscilações do ciclo da produção, ou seja, aumentodo desemprego da força de trabalho, quando emfase de recessão, e recuperação do emprego emfase de crescimento. Em outras palavras, mesmocom aumento da produção, o nível de empregonão se recuperou.

Segundo dados do IBGE (2009), a populaçãoocupada de 15 anos e mais que, em dezembro de1994, era de 15.897.581, em dezembro de 1999contava com 16.828.277 de ocupados (um aumentode 5,85%), enquanto que o número dedesocupados da população de 15 anos e maismontava 562.711, em dezembro de 1994, e chegoua 1.119.344, em dezembro de 1999 (elevação dequase 100%). A taxa de desemprego aberto, queem 1990 foi de 4,3%, ultrapassou os 5% em 1994(com uma leve redução em 1995: 4,7%), mantendo-se abaixo de 6% até 1997, mas ultrapassando acasa dos 7% em 1998 e 1999 (7,6%, em ambos osanos) (REGO; MARQUES, 2005, p. 269).

Além disso, nestes anos de 1990, ocorrerammudanças na qualidade do emprego, com oaumento da terceirização e da informalidade(concomitantemente à redução do mercado formale suas implicações na arrecadação da Previdência

Social, por exemplo), insegurança no emprego,extensas jornadas de trabalho, etc., quecaracterizaram a precariedade do mercado detrabalho e do próprio trabalho.

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DUAS MEGACRISESE TRÊS CULPADOSpor Samuel Costa Filho*

Em grande parte dos anos 1970 e 1980, ocorreuuma convergência de interesses e foi idealizado umprojeto integrado, partindo de Wall Street e deWashington, baseados na ideologia delivre-mercado, de extrema-direita, legitimando oretorno das novas perspectivas do livre-mercado, dolaissez-faire, que foi chamado de “neoliberalismo”.Esse projeto propagava as virtudes do capitalismoamericano, do seu sistema financeiro, das práticase das inovações financeiras e do processo dedesenvolvimento da globalização financeira daeconomia.

A partir de então, baseada em versões do credofinanceiro da economia neoclássica, foi gestadauma total subordinação das funções do sistema decrédito à autoexpansão do capital dinheiro, dandoorigem a uma dinâmica denominada definanceirização da economia. Nesse processo, afinanceirização distorceu o sistema financeiro epassou a comandar uma lógica que era o resultadoda forma que os financistas e os economistas demercado inventaram para tornar os rendimentosdos rentistas muito elevados e acima da taxa delucro normal dos empreendedores capitalistas e,assim, justificar suas polpudas e astronômicascomissões.

Nesse projeto, todas as atividades da economiacapitalista submergiram sob o manto do capitaldinheiro, no sentido de que este último passou aabsorver parcelas crescentes dos lucros geradosem todos os outros setores da economia. Esse foio modelo que ascendeu à dominância, com o“Novo Sistema de Wall Street”, e que passou aser difundido mundo a fora, tendo sido um geradorde riqueza extraordinária para o sistema financeirohegemônico americano e para os profissionais demercado.

Um ultraliberalismo passou novamente acomandar o pensamento econômico e avançou nasesferas da vida política, social, econômica eintelectual das sociedades capitalistas ao redor detodo o mundo. O discurso predominante voltou a

assegurar que esta era a única e a melhor via paraa condução da economia e até para a solução dacrise econômica que assolava o capitalismo dianteda situação de estagflação dos anos 70.

Ante essa avalanche neoliberal, os anos 80assistiram o retorno da hegemonia da ortodoxia,baseada nas forças do mercado, como únicoelemento capaz de promover, por si só, a melhoralocação possível dos recursos e propiciar o maiselevado nível de bem-estar. A força e arrogânciadesse discurso liberal foram tão grandes, quechegou ao ponto de a primeira-ministra daInglaterra, Margareth Thatcher, afirmar, na época,que: “There is no alternative”.

Esse discurso aproveitou o crescimentointermitente e cada vez mais débil do capitalismopara produzir um ataque ideológico ao Estado, como retorno da ideologia da supremacia dosmercados, pregando a eficiência do setor privadosobre o ente público, e de um discurso apoiadosomente na ótica da eficiência econômica, eficáciae capacidade de resolver os problemas baseadosna linha do menor custo (via downsinzing,reengenharia, privatização, corte nos gastossociais, extinção dos direitos trabalhistas, etc.).Desse modo, quanto menos Estado, melhorpara o desempenho da economia.

Os neoliberais, apoiados em clichês imbecis,propaganda vulgar e ideologia barata, passaram auma pregação de versões distorcidas da chamada“Ciências Econômicas”, posicionando-se como sefossem as “Únicas Verdad es Absolutas”, as únicasque expressavam a verdadeira rota rumo aodesenvolvimento econômico para todo e qualquerpaís. Para que ocorresse o desenvolvimentoeconômico, pregavam que se tornava necessárioaderir incondicionalmente ao processo deglobalização em curso e uti l izar um modelito únicopara todos os países, realizando um necessário“dever de casa” - se é que se pretendia entrar narota do desenvolvimento e se beneficiar dos frutosdessa globalização.

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TRABALHO

Essa ideologia liberal passou a ser dominanteem todos os países latino-americanos. A mesmaideologia foi também, avassaladoramente, bancadapela mídia nativa brasileira - principalmente pelosideológicos comentaristas de economia da mídiaconservadora, apoiados nos discursos deFinancistas Profissionais, Analistas de Mercado,Economistas com PhD (formados nos EUA) e dePublicistas vulgares.

Foi uma época de predomínio do pessoal da“bufunfa”, principal divulgador da financeirização edos notáveis benefícios da globalização financeira,que, inicialmente, foi implementado em diferentespaíses da América Latina, nos anos 80, e quesomente penetrou no Brasil no início dos anos 90.

Na sociedade brasileira, foram o PSDB e oDEM, unidos, que defenderam ardentemente aideia do “Estado Mínimo” e vangloriavam o “Deus-Mercado”, classificando o Brasil como um paísarcaico, de caipiras, que precisava mudar - mudarrumo à lógica ultraliberal, de entregar o patrimôniopúblico ao setor privado.

Os defensores ferrenhos do neoliberalismo e amídia conservadora, capitaneados pelo grupo dosMarinho, pelas publicações dos Civita, pelo jornaldos Mesquita e o dos Frias, bombardearam asmentes dos brasileiros em favor desse projeto,procurando manter o Brasil refém da agendaconservadora. Os colunistas econômicos, tendo àfrente Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg,disseminaram a noção de que a economiabrasileira deveria seguir somente os ditames do“Deus-Mercado”.

Essa mídia, apoiada em sua relação umbilicalcom os economistas do mainstream, para sorte daeconomia brasileira, somente conseguiu convencera sociedade a aderir ao neoliberalismo após aimplementação do Plano Real, já no governo deFernando Henrique Cardoso. Desse modo, oneoliberalismo penetrou tardiamente no Brasil dosanos 90.

Apoiados em uma atitude de arrogânciaideológica, pregaram que os mercados sãoautorreguladores e autoequilibrantes, possuindouma dinâmica virtuosa de contínua expansão daatividade econômica. Criticaram toda e qualquerpolítica de planejamento e intervenção econômicado Estado, taxando-as de “populistas”, mesmo atéas que procuravam reduzir as flutuações cíclicasdos níveis de produto e emprego.

Os economistas ortodoxos consideravam-se osúnicos e verdadeiros profissionais na área dasCiências Econômicas, desprezando toda equalquer análise de política econômica alternativa.

Esses ultraliberais transformaram o liberalismoem neoliberalismo e divulgaram uma ideia deliberalismo individual mais radical e doutrinário queo pregado pela escola l iberal anterior. Suas atitudespropiciaram que as finanças fossem dirigidas rumoà financeirização.

Gustavo Franco, ex-presidente do BancoCentral do Brasil, no período de 1997 a 1999,economista que pensava ser portador da“verdadeira Ciência Econômica”, resumiu bem aarrogância e o clichê barato recorrente dosmercadistas nos anos 90, ao afirmar que “oobjetivo das políticas econômicas implementadasna economia brasileira dos anos 90, era desfazer40 anos de estupidez e que a única escolha eraser neoliberal ou ser neo-idiota” [grifo nosso].

Na sociedade brasileira, quem pensasse deforma diferente dos ideólogos do mainstream, nãotinha espaço na mídia falada, escrita e televisada.A heterodoxia, mesmo alertando sobre os sériosperigos da adoção das medidas liberalizantes,pregava no deserto; pois, o pensamentoconvencional, mesmo equivocado, dominava.

Porém, a atual crise econômica mundial e ocolapso da ordem financeira internacional puseramà mostra a deficiência da Ciência EconômicaOrtodoxa, o falso discurso e a propaganda barataem que estava apoiada. Os números dodesempenho econômico revelam também que foifalsa a ideia de prosperidade, de “idade de ouro”,como era comum na propaganda e no discurso dosmercadistas.

Além de deixar como herança a maior crise docapitalismo pós-1929, crise essa que pode desabarem uma recessão global severa, o resultado detodo esse processo ultraliberal foi marcado pelaexistência de um período de elevada instabilidademacroeconômica, em diversas economias de todosos continentes, pela elevação da taxa dedesemprego, concentração da renda e do capital eum consequente aumento da exclusão social,principalmente onde o modelito dos neoliberais foiimplementado.

Embora a atual crise econômica global nãorepresente o fim das economias de mercado, acrise global demonstra, novamente, como em 1929,

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que as economias de mercado capitalista, abertasàs transações comerciais e financeiras, nãopassam de um regime econômico repleto dedeficiências e que o discurso dos liberais é umafraude.

A crise mostra e evidencia não somente ofracasso do modelo de capitalismo liberaldesregulamentado, do tipo laissez-faire, mastambém, e acima de tudo, o fracasso do modelo edo sistema financeiro anglo-saxão sem supervisão,que era respaldado na teoria das expectativasracionais do mainstream.

Chega a ser surpreendente que esteseconomistas de mercado, até agora, não tenhamvindo a público pedir desculpas e dizer queestavam equivocados. Não apresentaram um meaculpa e nem, sequer, uma explicação adequada arespeito do imenso fracasso das políticas erecomendações liberais. Depois de duas décadase meia de hegemonia no campo do pensamentoeconômico, não tiveram a coragem de assumiremsua culpa e a da sua teoria econômica nagestação da crise.

Acontece que alguns economistas estão aquestionar o mainstream. Delfim Netto, no jornalValor Econômico, afirmou que o desastre global foiproduzido pelos economistas da ortodoxia e seuenganoso consenso; também critica oseconomistas que se julgavam portadores da“verdadeira” Ciência Econômica e o grandefracasso da economia ortodoxa acadêmica.

Um professor de Harvard, Dani Rodrik, por outrolado, afirma que “A falta não reside no campo daeconomia, mas no campo dos economistas. Oproblema é que os economistas (e os que lhes dãoouvidos) ficaram excessivamente confiantes nosseus modelos preferidos do momento: osmercados são eficientes, a inovação financeiratransfere risco aos melhor capacitados para arcá-lo, a auto-regulamentação funciona melhor e aintervenção do governo é ineficaz e prejudicial”.

Diante dessas duas opiniões, a l ição principala se tirar dos efeitos deletérios da derrocadaglobal é que não somente a teoria econômica domainstream, mas também os economistasortodoxos têm imensa responsabilidade peloocorrido. Porém, Delfin e Rodrik esqueceram oimportante papel que desempenhou a grande mídiana divulgação e glorificação dessasrecomendações de política. A mídia conservadora,

apoiada em seus conhecimentos técnicos, quelhes conferem uma posição privilegiada deformadores de opinião, viabil izou o domínio dofracassado Consenso. Assim, os economistasortodoxos (primeiro), o domínio das teorias daortodoxia (também) e a grande mídia têm totalresponsabilidade na produção da crise atual(principalmente).

Os economistas ortodoxos, competentesmembros do mainstream, doutores das maissofisticadas matemática e econometria, ignoraramelementos fundamentais que guiam ocomportamento do mundo real. Seus modelos e ode suas preferências são baseados na beleza dosseus axiomas sem levar em conta a realidade domundo capitalista e nem procurar entender comofunciona o sistema econômico. Ocorre que ofuncionamento da economia é influenciado edirigido por variáveis muito mais amplas, mais ricase sofisticadas que as políticas econômicasencontradas nos modelitos matemáticos domainstream.

A megacrise global confirma a velha afirmaçãode Marx: “A história repete-se duas vezes: aprimeira como tragédia, a segunda como farsa”[grifo nosso]. A história econômica da crise domodelo liberal de 1929 terminou com a tragédia dofascismo e a 2a Guerra Mundial. A crise atual,recém-iniciada, revela a farsa e o embuste que foi operíodo neoliberal.

Ambos os períodos apresentaram muitassemelhanças e a mesma natureza dofuncionamento do capitalismo liberal e suascaracterísticas foram, propositadamente,escamoteadas pelos analistas de mercado -entendidos como os gestores de fundos e oseconomistas ligados a instituições financeiras, ouseja, os principais divulgadores do neoliberalismo.

Resultado: as semelhanças e a natureza doliberalismo dos anos iniciais do século XX e a doultrarradical neoliberalismo produziram um“capitalismo liberal responsável pelo estouro dasduas maiores crises por que passou o sistemacapitalista, a de 1929 e a que se iniciou em 2008”.Duas megacrises - pois, a atual crise econômicaglobal será mais longa e profunda do que éentendido pela mídia.

O ajuste global será demorado e os resgatesdos governos serão, a cada dia, mais necessáriospara tentar estabil izar o capitalismo global. Convém

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lembrar que, na atualidade, a economia global nãoestá pior graças às despesas tri l ionárias e aospacotes emergenciais dos governos que, antes,eram criticados por aplicar políticas “neo-idiotas”.

O desenvolvimento econômico do capitalismoparece repetir uma daquelas reprises chatas daSessão da Tarde. É a mesma história da década deTrinta, do século passado: farra financeira, mercadosoberano e livre de quaisquer amarras e nãocontrole por parte do Estado, que acaba, emconsequência dessa política, em derrocada global,com graves desdobramentos sociais. Em meio àessa megacrise, para arrumar a economia, faz-senovamente necessário uti lizar a fórmula Keynesianana condução da política econômica, voltando-se àintervenção estatal para pôr nos tri lhos a economia,nesse nosso maravilhoso mundo liberal do séculoXXI.

Os impactos da crise econômica mundial estãopondo à mostra a fraude midiática e do consensoliberal-conservador em defesa do capitalismo delaissez-faire. Conforme demonstraram Keynes eMarx, o capitalismo é intrinsecamente instável edesigual e produz crises periódicas devastadoras,necessitando da salvação via socialização dosprejuízos pelo “ineficiente” Estado.

Na realidade brasileira, os que sempre apoiaramas teorias l iberais do Estado-Mínimo, querem, hoje,atribuir a culpa da crise que penetra a economiabrasileira ao governo Lula, pelos efeitos da crise.Todavia, a crise decorre das políticas e práticas queforam por eles recomendadas e alimentadas vianeoliberalismo.

Convém acrescentar, ainda, que, conformedemonstra José Paulo Kupfer, em seu Blog eapoiado em pesquisa de Leandro Modé, gentemuito boa à frente de alguns dos mais renomadose mais emplumados economistas do tucanatoembarcou na mesma onda da tese dodescolamento: Armínio Fraga, Gustavo Franco,Edmar Bacha, Ilan Goldfajn Márcio Garcia, EduardoLoyo, Maílson da Nóbrega, Cláudio Haddad, MárcioCypriano e Fabio Barbosa, são os nomespesquisados, mas esqueceram os Mendonça deBarros.

Assim, ao invés de assumir sua parcela deculpa nessa fracassada política neoliberal, espantaainda observar que este mesmo grupo, que ajudoua disseminar essa ideologia barata, estreita earrogante, responsável pelo atual desastre

*Professor Adjunto da UFPI, Chefe do Departamentode Ciências Econômicas e Mestre pelo CAEN/UFC.

econômico global, continua ainda ocupandoespaço privilegiado na mídia conservadora. Essegrupo continua opinando, como se tudocontinuasse como antes e nada tivesse acontecidono que diz respeito ao fracasso de suas teorias,de seu saber e rigor científico - continua arrotandoopiniões definitivas sobre a política econômica esobre como o governo brasileiro deve agir.

Devido à megacrise que se desenvolve, esseseconomistas e a teoria econômica ortodoxa têmmuito que responder quanto à legitimação epopularização das ideias em defesa dafinanceirização da economia, perante a sociedade,e contra os perigos da “regulação excessiva doEstado”.

Todavia, não são os únicos responsáveis. Agrande mídia conserva também parte importante noprocesso – é responsável pela disseminação epopularização das principais ideias. Comoacontece ainda hoje, mesmo diante de uma novarealidade, a grande mídia continua a reservarespaço cativo e preferencial para os economistasortodoxos e os profissionais de mercado. Aí, os“cabeças de planilha”, na feliz expressão de LuisNassif, continuam fazendo previsõesirresponsáveis, com base nos mesmos modelitos,como se o retumbante fracasso das suas receitasde política econômica e de seus modelos defuncionamento do capitalismo não tivessemprovocado essa megacrise.

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Alguns analistas de esquerda sustentam a teseda hegemonia do capital financeiro internacionale a continuidade da política neoliberal no governoLula. Não será a favor desta posição queargumentaremos aqui.

Podemos elencar várias medidas no atualgoverno que significam uma inflexão no padrãoneoliberal existente na década de 1990. Primeiro,houve o bloqueio na desregulamentação do“sistema financeiro” no país. Hoje a maiorlucratividade é dos bancos nacionais, ao contráriodo período anterior em que o maior rendimentoficava nas mãos das fi l iais dos bancosestrangeiros. A proposta de autonomia do BancoCentral, que interessa ao capital financeirointernacional, não foi implementada. Quanto aoperfi l da dívida pública, a interna passou a sersuperior à externa. Segundo, foi posto um freio àpolítica de abertura comercial, simbolizado nasrestrições ao projeto da ALCA (Área de LivreComércio das Américas), que é do interesse dosEstados Unidos. Terceiro, houve uma paralisaçãona agenda das privatizações: a Petrobrás e oBanco do Brasil foram preservados como empresasestatais. Quarto, impôs-se o bloqueio nadesregulamentação das relações de trabalho, como aumento do emprego de carteira assinada.Quinto, rompeu-se com o parâmetro de “Estadomínimo”, implicando uma retomadaneodesenvolvimentista através do PAC (Programade Aceleração do Crescimento).

Quais são os principais interesses beneficiadoscom essa nova política governamental? Antes deresponder a essa questão, temos de fazer umbreve esclarecimento conceitual. Para a análise darelação da burguesia de um país com o capitalestrangeiro, Nicos Poulantzas propôs a subdivisãoda classe dominante em três frações de classe: aburguesia “compradora” (associada), a burguesianacional e a burguesia interna. A burguesiaassociada, por se encontrar enfeudada no capitalestrangeiro, apoia as diretrizes desse capital.Inversamente, a burguesia nacional, dispondo deuma base autóctone de acumulação, entra em

A HEGEMONIA POLÍTICANO BRASIL ATUAL por Francisco Pereira de Farias*

confronto com a política imperialista do capitalinternacional. Já a burguesia interna, cuja base deacumulação nativa mantém laços de dependência(financeira ou tecnológica) com o capitalestrangeiro, possui uma postura intermediária: oraapoia a política do capital internacional, oracontrapõe-se a ela.1

Voltando ao caso brasileiro. Poder-se-iamostrar que os principais beneficiados com apolítica neodesenvolvimentista do governo atualsão os bancos e a indústria nacionais e oagronegócio – em suma, a burguesia interna. Sãosetores dominantes que têm conflitos com ocapital financeiro internacional, mas que não estãodispostos a ir para uma postura de alianças comas classes trabalhadoras em torno de uma políticaanti-imperialista. Já a burguesia associada (fi l iaisde bancos estrangeiros, comércio deimportação/exportação, montadoras industriais)encontra uma expressão política de seusinteresses na oposição à direita – PSDB e DEM –ao governo Lula.

O governo Lula se distingue de dois casosopostos na América Latina. De um lado, ele sesepara à esquerda do caso do México, onde tem ahegemonia de uma burguesia associada queprioriza a integração com os Estados Unidos. Deoutro lado, o governo Lula fica à direita do governoda Venezuela, onde predomina uma burguesianacional sustentando uma política anti-imperialista.O caso brasileiro se aproxima, por exemplo, daArgentina: em ambos os governos a hegemoniaestá nas mãos da burguesia interna; daí, o perfi l deuma política externa moderada, porém nãosubmi ssa.

1Cf.N.Poulantzas, As classes sociais no capitalismode hoje. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1978. Cap.:“A internacionalização das relações capitalistas e oEstado-nação”, p. 39-94.

*Professor no Departamento de Ciências Sociais daUFPI e doutorando em Ciências Política na UNICAMP.

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O CADÚNICO E ODESENVOLVIMENTO DASFAMÍLIAS NO PIAUÍpor Sebast ião Carlos da Rocha Filho*

O objetivo do Cadastro Único para ProgramasSociais (CadÚnico) é o cadastramento e amanutenção de informações atualizadas de todasas famílias brasileiras em condições de participardos programas sociais. Embora a uti lização doCadÚnico continue centrada na seleção dosbeneficiários do Programa Bolsa Família, existeum amplo leque de util izações que ou já vêmsendo incipientemente adotadas ou que poderiamvir a ser empregadas no futuro. Três característicasdo CadÚnico definem suas possibil idades deutil ização. Em primeiro lugar, sua abrangência équase censitária, cobrindo a quase totalidade dapopulação mais pobre do país. No Piauí, 538 milfamílias foram cadastradas até março de 2009, issorepresenta 60% do total e reflete uma boa amostrado universo. Em termos populacionais, issosignifica 1,9 milhões de pessoas ou 75% de todosos residentes do Piauí. Em segundo lugar, devido asua natureza cadastral, o CadÚnico inclui o nome eo endereço dessa população pobre.

Por fim, embora a seleção dos beneficiários doPrograma Bolsa Família uti l ize apenas asinformações de renda, o CadÚnico contém umaampla variedade de informações sobre ascondições de vida destas famílias que podem serutil izadas para a elaboração de diagnósticos edefinição da política social do país. A quantidade de

pessoas beneficiadas pelo Programa Bolsa Famíliano Estado é de 1,5 milhões de pessoas ou 75%dos cadastrados. Dentro da população total, que éde 3,02 milhões de habitantes, o montante debeneficiados representa 49%.

A variedade de informações disponíveis sobre asfamílias e a possibilidade de identificá-las levam aque este cadastro tenha inúmeras util idades.Essas informações podem ser uti l izadas naelaboração de diagnósticos sobre as condições devida das famílias, municípios, Estados e atémesmo do país como um todo. A título de exemplo,cita-se o Índice de Desenvolvimento da Família(IDF) desenvolvido pelo Instituto de PesquisasEconômicas e Sociais (IPEA).

O IDF é um indicador sintético que considera 41indicadores organizados em 22 componentes que,por sua vez, são agrupados em seis dimensões:vulnerabil idade das famílias; acesso aoconhecimento; acesso ao trabalho; disponibilidadede recursos; desenvolvimento infantil; e condiçõeshabitacionais. A seguir, apresentamos osresultados do IDF para o Brasil, Regiões eEstados. Tais informações podem ser extraídas dabase de microdados do Ministério doDesenvolvimento Social através de senhaespecífica.

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*Professor do Departamento de Ciências Econômicasda UFPI, Mestre pelo CAEN/UFC.

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ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAISNO AMBITO ESTADUAL - PIAUÍpor Márcio Mart ins Napoleão Braz e Silva**Francisco de Assis Veloso Filho***

*

INTRODUÇÃO

Este relatório tem por objetivo um levantamentopreliminar da identificação de Arranjos ProdutivosLocais (APLs) no Estado do Piauí e da atuação deórgãos do setor público e de organizações nãogovernamentais junto a essas estruturasprodutivas.

Integra um esforço de discussão sobre essasaglomerações produtivas e as políticas de apoio aelas direcionadas, nas diversas unidades dafederação do país. Esses debates são promovidospela Rede de Pesquisa em Sistemas e ArranjosProdutivos e Inovativos Locais (RedeSist), inclusivepara fins de planejamento das atividades da Rede.

INICIATIVAS PRECURSORAS

A identificação de aglomerações produtivas noEstado do Piauí teve início no final dos anos de1990, quando esse conceito passou a integrar aspolíticas e os programas de instituições federais(MDIC, MCT e BNB) e do terceiro setor (sistemasCNI e SEBRAE, por exemplo).

Referências recentes sobre aglomeraçõesprodutivas são encontradas a partir da elaboração eimplementação do Plano Plurianual deInvestimentos 1996-1999, pelo Governo Federal. Aestratégia dos eixos nacionais de integração edesenvolvimento e dos projetos estruturantes levouà definição de polos de desenvolvimento integrado ede polos agroindustriais nas grandes regiões dopaís, assim como nos sistemas econômicosestaduais, a partir da atuação de órgãos regionaise locais.

Em termos setoriais, a política industrialdaquele período discutia a competitividade decadeias produtivas, dentro das quais se formavampolos de empresas articuladas em torno de

atividades mais dinâmicas. O incentivo àsexportações a partir dessas cadeias produtivas,inclusive com a participação de pequenas e médiasempresas, também recebeu atenção nesseperíodo. A área de ciência e tecnologia destacava opapel das inovações na definição dacompetitividade e a importância da articulação deempresas para o esforço de exportações(plataformas tecnológicas).

Os sistemas CNI e SEBRAE atuavam demaneira articulada com essas políticas federais. OProjeto Competir, executado em cooperação com aAlemanha na região Nordeste, no período de 1996a 2000, mostra a transição entre as abordagenssetorial, cadeias produtivas e arranjos produtivos(construção civil, laticínios, couro e calçados). OSEBRAE estabelece primeiramente umametodologia de atuação para cadeias produtivas(ver SEBRAE, 2000) e só depois o termo dereferência para arranjos produtivos (ver SEBRAE,2003).

É exemplo dessa fase inicial, o estudo do BNBe PMT (1998) sobre setores econômicos e polosempresariais do município de Teresina, uti l izandoos conceitos de clusters e de redes de empresas.Foram identificados setores econômicos prioritáriose polos de empresas dentro desses setores, parafins de orientação da atuação dessas instituiçõesna economia municipal, a exemplo do setor deserviços médicos e do polo de saúde de Teresina(ver BNB, 2000).

Na mesma linha, estudos do SEBRAE tambémidentificam na cidade de Teresina um polo deconfecções e moda e, no setor de turismo, polosturísticos no litoral (Parnaíba e Delta do Parnaíba),em Teresina (turismo de negócios) e na região daSerra da Capivara (turismo cultural).

No ano de 2000, foi constituída a Plataforma deArticulação da Apicultura no Estado do Piauí

16nforme econômicoAno 10 - NO 19 - MAIO/JUNHO DE 2009

(PAPI), tendo em vista a orientação de plataformastecnológicas para exportação estabelecida peloMCT. Posteriormente, essa plataforma converteu--se em “Arranjo Produtivo da Apicultura no Piauí”.

ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS NO PIAUÍ

As primeiras iniciativas explícitas para APLsforam financiadas pela FINEP, nos segmentos deapicultura, carcinicultura e carnaúba, já no finalano de 2002. Abaixo, são indicados os projetosconsiderados em cada “arranjo” e as organizaçõesenvolvidas.

Apicultura:

- Atualização tecnológica do laboratório decontrole da qualidade dos produtos apícolas daEMBRAPA, FAPEPI e EMBRAPA Meio Norte;

- Desenvolvimento de tecnologias parainstalação e manejo de colmeias no Piauí; idem.

Carcinicultura:

- Estudo da variabil idade genética dos plantéisde reprodutores do camarão marinho cultivado noEstado do Piauí; FAPEPI, EMBRAPA Meio Norte,Dep. de Genética/UFPE, Aquicultura do NorteNordeste Ltda., Secom Aquicultura, Comércio eIndústria S/A e Camarões do Brasil Ltda.;

- Sustentabilidade ambiental da carciniculturano Estado do Piauí; FAPEPI, EMBRAPA MeioNorte, Dep. de Pesca/UFPE, IBAMA-PI, EurobrasilCrustáceos Ltda, Secom Aquicultura, Comércio eIndústria S/A e Camarões do Piauí Ltda.

Carnaúba:

- Cadeia Produtiva da Carnaúba no Estado doPiauí: Diagnóstico e Cenários; FUNDAPE e UFPI;

- Desenvolvimento de equipamentos: de corteda palha, secador solar e coletor de pó de cera decarnaúba; FAPEPI, UFPI e CEFET-PI.

Em 2004, atendendo solicitação do MDIC, aSecretaria do Trabalho e DesenvolvimentoEconômico, Tecnológico e Turismo do Piauí(SETDETUR-PI) identificou onze arranjos noEstado, a partir de sondagens junto a instituiçõesatuantes na região. Não tendo sido precedida por

estudos específicos, a indicação foi marcada peloconceito de cadeias produtivas e pelas expectativasde desempenho econômico setorial, a partir daavaliação do pessoal técnico das instituiçõesconsultadas.

Or dem Atividade Local

01 Confecções Teresina

02 Carci nicultura Parnaíba

03 Confecções Piripiri

04 Confecções/ Pedro II

05 Turismo Parnaíba

06 Mineração/Gemas Pedro II

07 Turi smo Piripiri/Piracuruca

08 Turismo São Rdo. Nonato

09 Agricultura/Grãos Bom Jesus/Uruçui

10 Extr ativismo Vegetal/

11 Oninocaprinocultura Campo M aior e

Após discussões, foram priorizados cincodesses arranjos: confecções, na região norte(Parnaíba); apicultura, na região de Picos;ovinocaprinocultura, na Grande Teresina; turismo, nolitoral (Parnaíba); e artesanato, no litoral (Parnaíba).

Em 2007, foi criado o Grupo Gestor Estadual deApoio aos Arranjos Produtivos Locais, sobcoordenação da própria SETDETUR-PI, que envolve18 instituições, dentre secretarias de Estado,organismos federais, entidades de classe e bancoscom atuação regional (ver SETDETUR-PI, 2007).

Atualmente, encontram-se em fase final deelaboração os planos de desenvolvimento dosseguintes arranjos, para o período 2008/2010:artesanato, da região norte; têxti l e confecção, daregião norte; opala, da região de Pedro II; apicultura,na região de Picos; turismo, no litoral; eovinocaprinocultura, em Teresina.

O SEBRAE-PI também desenvolve uma atuaçãoespecífica em arranjos, nas seguintes atividades emunicípios: confecções e artesanato - decoração,util i tário e vestuário (Pedro II); artesanato/cerâmica -decoração e util i tário (Teresina); apicultura - mel(Picos); caprinocultura – criação (Campo Maior);confecções – moda (Piripiri); e aquicultura (Parnaíbae Luís Correia).

Carnaúba Todo o Estado

Artesanato

Teresi na

Quadro - Identif icação de arranjos produtiv os noEstado do Piauí - 2004. Teresina

Fonte: SETDETUR-PI

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões recentes sobre aglomeraçõesforam retomadas pelo planejamento governamentalno âmbito das políticas setoriais de indústria,ciência, tecnologia & inovação e desenvolvimentoregional. A visão de setores econômicos, cadeiasprodutivas e polos de desenvolvimento antecede emarca a introdução do conceito de arranjosprodutivos nas políticas públicas, em análise daquestão do ponto de vista estadual.

Nas prioridades selecionadas pelo GovernoEstadual, a indicação dos “arranjos” de turismo(no litoral), artesanato e confecções, na regiãonorte do Estado, parece orientada pela visãosetorial e pelo conceito de cadeias produtivas. Aconsideração do conceito de arranjo poderiaproporcionar uma visão mais articulada dessassituações, onde a atividade preponderante seria oturismo na região norte (o “Roteiro das Pedras”,trabalhado atualmente pelo SEBRAE) e a sede daaglomeração, o município de Parnaíba.

Nos levantamentos realizados, não foiidentificada alguma ação exclusivamente voltadapara os APLs. Os parceiros envolvidos nas ações(organismos federais, estaduais, municipais,instituições de crédito, SEBRAE, Sistema FIEPI eassociações de classe) atuam oferecendoprodutos já existentes e que atendem tambémusuários externos aos arranjos.

Nos planos, em fase final de discussão,aparece, como novidade, o arranjo da Opala, naRegião de Pedro II. Na prática, esta atividade jávinha sendo objeto da atenção do Governo doEstado há algum tempo e já é bastante dinâmica.

Outros arranjos poderiam ainda serconsiderados, o principal deles, pelo dinamismoque já apresenta, é o de prestação de serviços desaúde em Teresina. O programa de pesquisasarqueológicas na Serra da Capivara agrega umconjunto de outras atividades (gestão ambiental,turismo, atividades produtivas, educação) e temgerado algumas controvérsias.

Também merecem atenção as agroindústrias dobabaçu e da carnaúba. Embora com menordinamismo, esta última tem peso bastantesignificativo na balança comercial do Estado e asduas se caracterizam por serem altamentedesenvolvidas no final da cadeia produtiva eextremamente arcaicas no início. O apoio,

* Versão modificada do paper apresentado noSeminário “Dez Anos de Arranjos e SistemasProdutivos e Inovativos Locais”, promovido pelaREDESIST e realizado no Rio de Janeiro, nos dias 26,27 e 28 de novembro de 2007.

** Economista, Especialista, Professor e Consultor.

*** Geógrafo e Economista, Doutor em Economia,Professor Associado da UFPI.

principalmente voltado para o desenvolvimentotecnológico na ponta inicial da cadeia, teria grandeimpacto social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BNB E PREFEITURA MUNICIPAL DE TERESINA.Estudo das vocações econômicas do município deTeresina para instalação de pólos de empresas.Fortaleza: BNB, 1998.

BNB. Relatório de pesquisa realizada em Teresina-PIsobre o seto r de saúde. Fortaleza: SuperintendênciaRegional Piauí – Maranhão/BNB, 2000.

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_______. Arranjo produtivo local da carnaúba doEstado do Piauí. Brasília: FINEP, 2002 (ArranjosProdutiv os Locais no Brasil).

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OBSTÁCULOS ÀS INOVAÇÕESNA CADEIA PRODUTIVADA CERA DE CARNAÚBApor Karla Brito dos Santos*Jaíra Maria Alcobaça Gomes**Weldo da Luz Nascimento***

RESUMO

O objetivo deste artigo é identificar as inovaçõesocorridas ao longo do tempo nos elos da produçãodo pó de carnaúba, da indústria de cera decarnaúba e dos fornecedores de máquinas eequipamentos da cadeia produtiva da cera decarnaúba, a fim de compreender os obstáculos queinterferem na competitividade dessa cadeia. Asinformações são baseadas em pesquisa de camponos três elos investigados. Nos carnaubais, aextração do pó continua sem grandes alteraçõesno seu padrão tecnológico. As indústrias de cerade carnaúba desenvolveram novos tipos de cera,controles de qualidade do pó e da cera eintroduziram novos canais de comercialização.A cera de carnaúba continua sendo destinadaprioritariamente ao mercado externo, comomatéria-prima, denotando o baixo investimentopela indústria na agregação de valor, caracterizandoa ausência de cultura empreendedora nestesegmento.

1 INTRODUÇÃO

A atividade produtiva da cera de carnaúbainterliga-se fortemente com a história econômica doPiauí, desde o século XIX, contribuindo para odesenvolvimento econômico de vários municípios eformando sociedades que viviam a partir deinfluências dos setores bem-sucedidos da extraçãodo pó e produção da cera de carnaúba.

Em decorrência do comércio globalizado, faz-senecessário que as empresas sejam competitivas; ea inovação ligada a processos, produtos ouserviços é a chave para obtenção e manutenção dacompetitividade. O processo de inovação, descrito

por Martin (1994), citado por Waack (2000),engloba uma sequência de atividades que, partindoda invenção (científica ou não), vai se transformarem um sucesso comercial que pode colocar oempreendimento num patamar competitivodiferenciado.

Segundo Stal et al. (2006), no atual quadroeconômico, o êxito empresarial depende cada vezmais da capacidade de a empresa inovartecnologicamente, colocando novos produtos nomercado, a um preço menor, com uma qualidademelhor e a uma velocidade maior do que seusconcorrentes.

As informações sobre o padrão tecnológico emtrês elos da cadeia produtiva de cera – produçãodo pó, indústria da cera e fornecedores demáquinas – foram obtidas através da aplicação dequestionários em 38 carnaubais de 28 municípiosdo estado do Piauí, de outubro a dezembro de2003.

Foram entrevistados 269 trabalhadores daatividade extrativa do pó de carnaúba - 48,34% daequipe de corte da palha; 9,29%, da de secagem;29%, da batição - e 68 proprietários, distribuídosem 42 propriedades com exploração de carnaúba.

A discussão do padrão tecnológico da cera decarnaúba teve por base a aplicação dequestionários em 6 indústrias, no período de janeiroa setembro de 2004, com informações referentesao ano de 2003. Foram abordadas questões sobrea mão de obra empregada, instrumentos, máquinase equipamentos util izados. Estas empresas estãolocalizadas nos municípios piauienses de Parnaíba,Esperantina, Piripiri, Picos, Campo Maior eTeresina.

Os dados das máquinas util izadas na batiçãoda palha de carnaúba para a retirada do pó e das

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máquinas e equipamentos para a indústria de ceraforam obtidos por meio de questionários aplicadoscom o fornecedor estabelecido na cidade deFortaleza (CE).

O objetivo desse artigo é identificar asinovações ocorridas ao longo do tempo nos elos daprodução do pó de carnaúba, indústria de cera decarnaúba e dos fornecedores de máquinas eequipamentos da cadeia produtiva da cera decarnaúba, a fim de compreender os obstáculos queinterferem na competitividade dessa cadeia.

2 INOVAÇÃO E COMPETITIVIDADE

Para Schumpeter (1998), as inovações nosistema não aparecem, via de regra, de tal maneiraque primeiramente as novas necessidades surjamespontaneamente nos consumidores e então oaparato se modifique sob sua pressão. Nãonegamos a presença desse nexo. Entretanto, é oprodutor que, via de regra, inicia a mudançaeconômica e os consumidores são educados porele, se necessário - são, por assim dizer,ensinados a querer coisas novas ou coisas quediferem em um aspecto ou outro daquelas quetinham o hábito de usar. Portanto, apesar de serpermissível e até necessário considerar asnecessidades dos consumidores como forçaindependente e, de fato, fundamental na teoria dofluxo circular, devemos tomar uma atitude diferentequando analisamos a mudança.

A invenção é entendida como uma ideiapotencialmente aberta para a exploração comercial,mas não necessariamente realizada. Na ideia deinovação está implícita uma ênfase na exploraçãocomercial e a difusão está relacionada como novosprodutos e processos que se propagam pelosmercados potenciais. Partindo de tais definições,Schumpeter (1998) menciona cinco tipos deinovação: a introdução de um novo bem, aintrodução de um novo método de produção, aabertura de um novo mercado, a conquista de umanova fonte de suprimento de matéria-prima e oaparecimento de uma nova estrutura deorganização em um setor.

A inovação não é invenção. O termo pertencemais à economia do que à tecnologia. Asinovações não tecnológicas – inovações sociais oueconômicas – são, no mínimo, tão importantesquanto as tecnológicas (DRUCKER, 2001, p. 37).

Por exemplo, a inovação pode ser a descobertade novos usos para velhos produtos; nesse caso,não ocorreu inovação tecnológica, mas econômica.

Uma das funções de uma empresa é a inovaçãodefinida, por Drucker (2001), como a tarefa quedota os recursos humanos e materiais de novas emaiores capacidades para produzir riquezas;também definida como a conversão dasnecessidades da sociedade em oportunidades paranegócios lucrativos.

As mudanças na sociedade, na economia e nomercado são fatores que devem ser consideradospela empresa para responder a questão “qualdeveria ser o nosso negócio”; por isso, a inovação éo meio pelo qual uma empresa mantém suacompetitividade.

Existem três tipos de inovações para todas asempresas: no produto ou no serviço (inovação noproduto); na localização do mercado e decomportamento e valores de clientes (inovaçãosocial); e nas várias habilidades e atividadesnecessárias para produzir os produtos e serviços epara trazê-los até o mercado (inovaçãoadministrativa) (DRUCKER, 2001, p. 46).Entretanto, apresenta-se certa dificuldade de mediro impacto e/ou importância das diversas inovações,exigindo do empresário uma cultura empreendedorana tomada de decisão.

O Manual de Oslo (OECD, 1992), citado pelaPesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC) doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE (2005), define a inovação tecnológica como aimplementação de produtos (bens e serviços) ouprocessos tecnologicamente novos ousubstancialmente aprimorados. A implementaçãoda inovação ocorre quando o produto é introduzidono mercado ou quando o processo passa a seroperado pela empresa. Produto tecnologicamentenovo, portanto, é aquele cujas característicasfundamentais (especificações técnicas, usospretendidos, software ou outro componenteimaterial incorporado) diferem significativamente detodos os produtos previamente produzidos pelasempresas. A inovação de produto também pode serprogressiva, através de significativoaperfeiçoamento tecnológico do produto jáexistente, mas cujo desempenho foisubstancialmente aumentado ou aprimorado. Já ainovação de processos, refere-se a processotecnologicamente novo ou substancialmente

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aprimorado que envolve a tecnologia de produçãonova.

Segundo Stal et al. (2006), o Manual de Oslo,delineado para servir de guia para a coleta dedados em inovação tecnológica, faz umadiferenciação entre inovação tecnológica e atividadeinovativa. O manual considera como inovaçãotecnológica apenas a introdução de um novo bemou de um novo método de produção. As atividadesinovativas foram classificadas em sete grupos,entre eles: pesquisa e desenvolvimento, engenhariaindustrial, marketing de novos produtos, aquisiçãode tecnologia intangível (aquisição de tecnologiana forma de patentes, licenças) e aquisição detecnologia tangível (aquisição de máquinas eequipamentos). Nesse artigo, os termos serãotratados indistintamente.

Conforme o IBGE (2005), comparando os dadosda primeira pesquisa, no período de 1998-2000,com os dados da segunda, de 2001-2003, onúmero de empresas que introduziu produto e/ouprocesso tecnologicamente novo ousubstancialmente aprimorado aumentou de 22,7 milpara 28 mil; no entanto, em termos percentuais,permaneceu em torno de um terço das empresaspesquisadas. Porém, das empresas que inovaram,apenas 2,7% lançaram produtos que podem serconsiderados realmente novos no mercado nacionale só 1,2% passou a usa r processos produtivosinéditos.

Ainda segundo a mesma publicação, o caminhopara o Brasil deixar a 51ª colocação no rankingde nações competitivas é árduo, em decorrênciadas dificuldades do empresário brasileiro emacompanhar as inovações tecnológicas mundiais,pela escassez de capital, da prevalecente culturanão inovadora, juros altos e burocracia.

Ao mesmo tempo em que a ausência de culturaprejudica as inovações, Waack (2000, p. 331) dizque se encontram empresários altamente criativose que se arriscam em aventuras tecnológicas, mas,deficientes em gestão profissional (ferramentasgerenciais, tais como, gestão de recursos,contratos e patentes, entre outros), que não obtêmsucesso. Deixam ou erram na análise dasnecessidades e demandas sociocomerciais e nãocontemplam adequadamente o ambienteinstitucional em que estão inseridos. A invençãodeixa, portanto, de se tornar uma inovação.

3 EVOLUÇÃO DO PADRÃO TECNOLÓGICO NAPRODUÇÃO DO PÓ DE CARNAÚBA

A carnaúba é uma planta nativa do nordestebrasileiro. O pó de carnaúba é extraído de suasfolhas, em quatro etapas. A primeira é o corte dasfolhas, realizado por grupos de pessoas,geralmente homens, que, dependendo da região,são denominados de equipe, parelha ou turma,recebendo denominações locais conforme afunção, a saber: vareiro, aparador, juntador,desenganchador, carregador, lastreiro e cozinheiro.Nesta etapa, é uti l izada uma varapredominantemente de bambu, cujo tamanho variade 5 a 14 metros e o peso de 1 a 40 quilos, comuma foice presa na ponta para cortar as folhas; ostalos são retirados com faca ou facão; depois, elesformam os feixes com 25 ou 50 folhas,classificando-as em olho (folha fechada) ou palha(folha aberta).

Essas características do corte da palha sãomantidas desde o século XIX, quando a carnaúbacomeçou a ser explorada economicamente,diminuindo apenas o número de cortes ao ano,que passou de dois para um. Entretanto, foiobservado, mais recentemente, o uso, pelostrabalhadores, de óculos escuros, camisas demangas longas e chapéus, com o intuito demelhorar as condições de trabalho, evitandomaiores acidentes no trabalho.

A Universidade Federal do Piauí (UFPI), atravésde financiamentos do Banco do Nordeste e daFinep, está desenvolvendo um equipamento para ocorte.

Depois de cortadas as palhas e formados osfeixes, os mesmos são transportados para o lastro(local onde ocorrerá o processo de secagem dasfolhas), uti l izando-se animais, carroças oucaminhonetes. Os veículos podem ser fretadose os animais podem ser emprestados ou do própriotrabalhador. A utilização de veículos introduz umnovo meio de transporte, embora o que predomineseja o de uso de animais (jumento).

O processo de secagem consiste em retirar oureduzir a umidade existente nas folhas para facil itara retirada do pó, através do sol - processo desecagem natural. Essa etapa ocorre em uma árealimpa, da qual é retirada a vegetação, denominadalastro. As folhas são colocadas para secar,podendo ser uma a uma, sobrepostas (variando de

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2 a 5 folhas) ou em feixes entreabertos. Aquantidade de dias necessários para que as folhasfiquem secas e possam ser uti l izadas na batiçãovaria de 1 a 15. Verificou-se que 45,5% dosinformantes deixam-nas secar por até cinco dias,sendo colocadas uma a uma ou sobrepostasde 1 a 5 folhas. Apenas nos municípiospesquisados de Joaquim Pires e de Luzilândia,a secagem leva mais de 15 dias, porque os feixessão colocados na posição entreaberta, com 25folhas, exigindo mais tempo para secar.

Nas Mesorregiões Centro-Norte e Norte doPiauí, verificou-se o armazenamento das palhaspara a batição em forma de cupim (feixes de palhasamontoados), para que as palhas da parte superiorsirvam de proteção para as outras que estãoabaixo, quando ocorrer chuva.

A primeira inovação para melhorar a secagemdas folhas foi feita por uma indústria de Parnaíba(PI) que, na década de 1950, fez um pedido depatente de invenção ao extinto DepartamentoNacional de Propriedade Industrial, relativo a umsecador de palhas de carnaúba, consistindo deuma estufa conjugada a um aparelho “riscador” depalhas verdes e de um batedor de palhas já secas(BAYMA, 1958, p. 47). Essa iniciativa contou coma cooperação do Ministério da Agricultura que,nesta mesma década, concedeu empréstimos àindústria, visando melhorar o processo de extraçãode pó, substituindo o existente por outro queutilizasse meios mecânicos.

Segundo Carvalho (1942), vários tipos desecadores horizontais, verticais, circulares ourotativos fabricados para as indústrias desubstâncias oleaginosas poderiam ser adaptadospara a carnaúba; ele sugere o do tipo a ar quentecomo sendo o de melhor possibilidade.

A máquina para batição desenvolvida no projetoconsiste de um motor interligado a um braço, ondena sua ponta existem várias hastes vibratórias,que, com a ajuda deste motor, vibram em meio àspalhas e fazem o pó se desprender da mesma,caindo em uma superfície onde se possa recolhê-losem muitas impurezas. Desta máquina, foidesenvolvido um protótipo cujo funcionamento foitestado com bons resultados. Este equipamentotem como vantagem a não trituração da palha,podendo a mesma ser aproveitada para outrasutil izações, como o artesanato e a construção civil.

De acordo com o relatório técnico final do

Projeto “Uso Alternativo da Energia Solar naElevação do Rendimento de Pó Cerífero daCarnaúba”, coordenado pelo professor RaimundoTomaz, da UFPI, verificou-se que, após os testesfeitos, a produtividade média do secadordesenvolvido no projeto foi maior, frente ao métodotradicional, diminuindo também a quantidade diáriade exposição ao sol. Este tipo de secador solarapresentou como desvantagem o fato de não serdesmontável, dificultando o processo produtivo, queexige deslocamento na área do carnaubal. Assim,indicou a necessidade de se fabricar um secadormóvel.

O modelo de secador móvel ou desmontávelestá sendo desenvolvido pelo projeto“Desenvolvimento de Equipamento de Corte,Secador Solar e Coletor de Cera de Carnaúba”,sob coordenação do professor José Ribeiro dosSantos Júnior, do Centro de Ciências daNatureza (CCN), da UFPI. Sua metodologia demontagem se assemelha a de uma “barraca decamelô”, por uti lizar um tempo muito pequeno,em torno de 15 minutos, para montagem edesmontagem da estrutura, de acordo com ostestes preliminares.

Este secador tem uma área de 45m2,capacidade para secar cinco mil palhas de umavez, em um tempo de 36 horas. Além disso, aspalhas ficam estendidas, podendo ser batidasdentro do próprio secador. Segundo o professorJosé Ribeiro, de acordo com os cálculos baseadosna capacidade do secador, o mesmo permite asecagem de 150.000 palhas no decorrer de trintadias.

Estas invenções não seguiram as diversasetapas necessárias para se tornarem inovações.Segundo Martin (1994), citado por Waack (2000),o processo de inovação engloba uma sequência deatividades. A invenção necessita dedesenvolvimento e engenharia para se tornar umprotótipo, que, por sua vez, precisa obter a atençãode um empreendedor, além da existência de umareal demanda sociocomercial e um ambientefavorável, política e socialmente.

3.1 Batição manual

Uma característica da batição manual é que asfolhas secas são armazenadas e durante toda aentressafra é extraído o pó. Retirado o pó, as

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palhas são aproveitadas na fabricação artesanal deutensílios domésticos e/ou de decoração,proporcionando trabalho e renda durante todo oano. O pó não chega a ser armazenado; écomercializado logo após ser extraído, devido àprecária condição financeira dos trabalhadores.A batição com cacete e a fabricação de produtosartesanais são realizadas, em geral, com trabalhofamiliar.

Na batição manual, as palhas são riscadas comfacas ou trincha (instrumento de lâminas afiadas) esecadas ao sol (lastro). Após essa etapa, sãolevadas para um quarto fechado, sendo suspensasem suporte de madeira e batidas com cacete(pedaço de madeira util izado para extrair o pó).O pó resultante da batição manual possui umamenor quantidade de impurezas, resultando emmaior qualidade, podendo ter até 100% derendimento de cera.

3.2 Batição mecânica

As palhas secas são levadas em feixes peloscarregadores para a bandeja da máquina de bater,as quais passarão pelos seguintes passos: sãobatidas contra uma fi leira de lâminas revolvedorasdentro do cil indro, cujos pedaços de folhas(bagana) saem pela extremidade oposta e aspartículas de pó cerífero são retiradas por sucção,passando por uma fina tela de arame e jogadaspara o minhocão (um balão de tecido comcapacidade para 300 kg de pó), sendo, emseguida, transferido o pó para sacos que variamde 25 a 30 kg, para facil itar o transporte earmazenamento.

A máquina é colocada sobre uma carroceria,que é puxada por carro ou trator e uti liza comocombustível o óleo diesel. Em alguns municípios,para funcionamento da máquina, é usado ocombustível do próprio veículo que está puxandoa carroceria com a máquina. Para a batição daspalhas, são necessários de três a deztrabalhadores. A capacidade de batição diária varia,podendo ser de 100, 200 e 300 milheiros de palhas.O produto final da batição mecanizada é o pócerífero e o subproduto é a bagana (uti l izada comocobertura de solos na agricultura).

Os maiores problemas dessa batição são agrande quantidade de impurezas, desperdício depó e das folhas.

Os trabalhadores da batição mecânica são osseguintes: “carregador”, responsável por conduziras palhas, em feixes, até o caminhão, onde estáacoplada a máquina de bater (MesorregiõesSudoeste e Sudeste); “encarregado por colocar aspalhas na bandeja da máquina” ou sevador (naMesorregião Sudeste), que coloca as palhas nabandeja da máquina de bater; “baganeiro”,responsável por recolher as palhas trituradas(bagana) que saem pela extremidade oposta àbandeja da máquina; e o “cozinheiro” responsávelpela alimentação dos trabalhadores. NasMesorregiões Sudeste e Sudoeste piauienses,Picos e Floriano, também consta na equipe o“motorista”, responsável pela condução docaminhão com a máquina de bater.

A primeira versão da máquina util izada nabatição surgiu em 1938, com o nome “GuaranyCiclone”. “É uma máquina pequena, portáti l, nãomaior do que uma mesa de escritório e pesandocerca de 280 quilos” (BANCO DO NORDESTE DOBRASIL, 1972, p. 60). A máquina de bater ouextratora de pó tem sido adquirida no Ceará. Asempresas comercializam-nas sob encomenda.

Nos municípios das mesorregiões de Picos eFloriano, a máquina de bater é adaptada a umcaminhão preparado com uma estrutura de madeirafechada, onde existem duas aberturas, uma naparte superior, para a saída do pó direto no balãofeito de tecido, com capacidade para 300 kg depó, e outra na lateral, por onde sai a bagana.

Essa forma reduz um pouco o desperdício depó, devido ao pequeno deslocamento dotrabalhador que leva os feixes de palhas para amáquina, pois, o caminhão percorre todo o lastroespalhando a bagana, de forma a deixar a áreapronta para a plantação de culturas, como, milho,feijão, etc., diferentemente da forma que util izacaminhonetes estacionadas no local da batição,observado nas demais Mesorregiões pesquisadas,que necessitam de uma pessoa específica paraespalhar a bagana, além de uma maiormovimentação do responsável por trazer os feixesde palha para a máquina.

Verificou-se que, ao longo do tempo, houveuma preocupação em introduzir métodos emáquinas que diminuíssem o desperdício eaumentassem o rendimento do pó. Essaintrodução, na década de 1930, mostrou-se umavanço na atividade extrativa da carnaúba, pois,

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somente a forma manual era util izada. Ela nãochegou a substituir totalmente a batição comcacete, já que esta ainda é empregada, sobretudo,por aqueles trabalhadores que usam a palha parao artesanato.

4 EVOLUÇÃO DO PADRÃO TECNOLÓGICO DACERA DE CARNAÚBA

A extração de cera de carnaúba oriunda do pódas palhas era uti l izada para fabricação de velas.Neste processo, uti l izavam-se grandes tachos coma mistura de pó e água para ser cozida etransformada em “pasta” que, posteriormente, seriamoldada até se transformar em velas.

Após a util ização da cera como matéria-primapara velas, em 1883 foram enviados, para aInglaterra, 397 kg de cera para análise na cidade deLiverpool e, a partir de 1889, começou a produçãode cera de carnaúba para exportação.

As primeiras tentativas de util izar algum tipo demáquina foram realizadas pelo proprietário de umapequena área de carnaubal no Piauí, EvaristoMiguel Reis, responsável pela primeira invenção.Um protótipo do seu aparelho foi testado, em 1935,e entrou em operação um ano ou pouco depois(BNB, 1972, p. 58). Esta máquina foi patenteada,sendo abandonada com a descoberta de um novométodo de extração de cera. Uma empresalocalizada na cidade de Parnaíba (PI) também fezexperiências desse tipo em fins da década de1940.

Na década de 1950, foi introduzida, nafabricação de cera, a máquina conhecida comoescamadeira, também inventada por esta mesmaempresa localizada em Parnaíba.

Outra empresa, também do município deParnaíba, buscou novas soluções para obeneficiamento mecanizado do pó de carnaúba.Estas firmas conseguiram desenvolver máquinaspor meio das quais se obtém a cera em pó, que éutil izada na indústria farmacêutica e decosméticos. Estes tipos de ceras são conhecidosno mercado como “atomizada” e “micronizada”. Amáquina que as produz é denominada de“atomizador” e vem sendo util izada desde 1975.

4.1 Produção tradicional da cera

A estrutura física das pequenas fábricasartesanais é muito precária, consistindo de casasde constru ções rústicas, nas quais ostrabalhadores desenvolvem suas atividades vestidoscom roupas comuns, sem a mínima proteção. Osinsumos util izados ficam restritos à lenha e à água,onde, o primeiro, através de sua queima, servecomo energia e o segundo faz parte do processona fase de fusão, juntamente com o pó.

No modo tradicional de produção, a fabricaçãode cera constitui-se das operações de fusão,filtração e resfriamento ou solidificação.

O pó é colocado em latas de flandres de 20litros - tachão de zinco ou ferro moldado -,juntamente com água, e essa mistura é levadadiretamente ao fogo. Segundo Lima (1974), amesma é composta de 15 kg de pó para 30 litrosde água, sendo aquecida até derreter, por isso éque é conhecida como a fase de fusão, nãohavendo controle de temperatura. A cera líquida éjogada em prensas para fi ltrar. “Essa fi ltração éfeita com as prensas de madeira em tudosemelhantes às usadas na fabricação rotineira defarinha de mandioca” (BAYMA, 1958, p. 33). Depois,a cera cai em formas para esfriar, solidificar e sofrera quebra. O resfriamento ou solidificação ocorre deforma natural e vagarosamente.

Após essas fases, há a separação da cerarestante, chamada “borra”, a qual é novamentecolocada em recipientes e levada de volta ao fogopara derreter, sem o acréscimo de água, em umtempo médio de trinta minutos. Finalmente, éfiltrada novamente na prensa e transformada emblocos retangulares de 5 cm de espessura parasofrerem novamente os processos de resfriamento,solidificação e quebra e, depois, ser vendida paraas indústrias refinadoras, podendo ser obtidos30% a mais de cera através de um processo queutil ize solvente. Este procedimento é feito parao pó de “palha”. No caso do pó de “olho”, élevada ao fogo uma única vez e prensada,separadamente, sem água.

Essa forma de extração foi praticamente extintano Estado do Piauí pela pressão exercida pelasindústrias beneficiadoras, que preferem comprar opó e não a cera bruta para transformação. É claroque isso repercutiu em perda para os produtoresque vendiam um produto semielaborado e

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passaram a vender somente a matéria-prima.

4.2 Etapas de produção da cera no processomoderno

De acordo com 83,3% dos entrevistados, sãorealizados testes laboratoriais quando da chegadado pó na indústria e apenas 16,7% não util izamnenhum método de controle de qualidade no pó querecebem. Esse processo se dá para identificarpossíveis adulterações por parte dos fornecedores.As indústrias que não possuem laboratóriosenviam amostras para laboratórios externos.

O processo de produção da cera tem início como pó sendo colocado em extratores acrescido depalha de arroz, solvente e água, ocorrendo oaquecimento até atingir o ponto de fusão (80º a90ºC). Nos extratores, são eliminados resíduos depalha de arroz e solvente – a “borra” -, os quais sãoseparados da cera líquida e podem seraproveitados como adubo.

A condensação é o processo no qual o solventesofre um resfriamento através de jatos de água paracondensar-se e voltar à forma líquida; depois, ébombeado para o “separador”, no qual ocorre aseparação do solvente da água, para que esteretorne ao processo inicial. Durante a produção,o solvente é reutil izado várias vezes, perdendocerca de 5% de seu rendimento a cadareutilização.

A mistura de cera e solvente é bombeada, emseguida, para o sistema de destilação, onde ocorrea separação da cera líquida do solvente na formade vapor; este ocupa a parte superior e a cera,a inferior do destilador.

Antes da filtração em si, a cera é depositadano tacho de derreter; neste recipiente, seráadicionado o toncil e a diatomita, insumosquímicos conhecidos também como auxil iaresfiltrantes util izados para melhorar a qualidade dacera. Esta é fi ltrada através de papel e/outecido-fi ltro, que formam paredes, facilitando aeliminação da clorofila com o toncil e de impurezasatravés da diatomita. Desta etapa, resultamresíduos chamados de “barro”, os quais sãonovamente submetidos ao processo produtivo,visto ainda conter uma média de 30% de cera.

Em seguida, a cera é bombeada para os tachosde clarear, recebendo o peróxido de hidrogênio paraque ocorra o processo de clarificação. Então, é

retirada uma pequena quantidade de cera paraanálise das características físico-químicas. Esseprocesso vai permitir a classificação da cera emtipos 1, 3 e 4, segundo as especificaçõesnecessárias para a comercialização da AMEWAX(American Wax Refiners Association).

A cera chega à escamadeira na forma líquida(aquecida) e, ao passar por um cilindro giratório,ocorre o resfriamento. O cilindro contém águacorrente e fria, para solidificar a cera, e lâminas,para, depois, dar a forma de escamas. Além destaforma, podem existir até doze diferenciações.

De acordo com informações levantadas emvisita técnica a indústrias beneficiadoras de cera decarnaúba, pertencentes a grupos cearenses,recentemente instaladas no Piauí, observaram-seos tipos de ceras centrifugadas. Ressaltamosanteriormente que as ceras “atomizada” e“micronizada” foram desenvolvidas por empresaslocalizadas na cidade de Parnaíba, sendo asmesmas detentoras das tecnologias de produção.Não se observou a produção de outros tipos decera, além do tipo refinado (em barra e escamada),nas indústrias piauienses, desconsiderando asduas empresas de Parnaíba.

A embalagem é feita em sacos plásticos, querecebem a cera logo após a escamação, devido àutil ização da ensacadeira que faz parte daescamadeira. Esta possui lâminas giratórias quetrituram a cera e a lançam no interior dos sacos,de capacidade para 25 kg, próprios paracomercialização, os quais serão armazenados nosgalpões. O funcionamento dessa máquinademanda dois ou três trabalhadores.

O armazenamento é feito separando a cera, porsua classificação, e empilhando os sacos. Otransporte da cera até o porto de Mucuripe, emFortaleza, é feito em caminhões próprios dasindústrias ou através da terceirização do serviço.

Nas indústrias modernas, são util izadoscaldeiras, extratores, trituradores, condensadores,fi ltros, destiladores, condensadores, separadoresde água e solvente, tanques para solvente,escamadeiras, tachos para derreter e torre derefrigeração. A energia para mover as máquinas éo vapor, adquirida de caldeiras abastecidas comlenha. A distribuição da energia para as diversasfases do processo ocorre através de canalizaçõesque interligam as máquinas. Todas essasmáquinas e equipamentos podem ser fabricados

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no Piauí por uma empresa localizada em Teresina.No entanto, segundo informações obtidas ementrevista, a referida empresa tem recebidopoucos pedidos.

A forma util izada pelas indústrias localizadas noEstado para obter informações sobre fornecedoresde máquinas apontou que as fábricas deequipamentos do Piauí não foram escolhidas. Acidade de Fortaleza aparece como sendo a sededas empresas fabricantes de máquinas eequipamentos, mostrando o seu papel dentro dacadeia produtiva da cera, e Teresina aparece citadapor apenas uma empresa, fato que ocorre porqueesta indústria adquire as peças no Ceará oumesmo em Teresina e montam-nas, não sendodetentora da tecnologia.

Observa-se que ocorreram, portanto, inovaçõesna forma de extração da cera, com a mecanizaçãode todas as etapas e preocupação com oreaproveitamento de resíduos e da água e tambémna forma de apresentação da cera – refinada(escamada e em barra), centrifugada (escamada eem barra) e micronizada e atomizada.

4.3 Treinamento e a util ização deequipamentos de proteção

Mais de 80% das indústrias pesquisadasrealizam treinamentos com seus funcionários, queocorrem nos seguintes setores: destilaria, refinaria,caldeira e maquinaria; além de noções de primeirossocorros.

A assistência técnica das máquinas eequipamentos nas indústrias ocorre de duasformas, segundo a pesquisa direta. Na grandemaioria das empresas pesquisadas (83%), aassistência é realizada pelos próprios funcionáriose 17% util izam empresas terceirizadas.

Todos os entrevistados responderam que nãoconstituíram parcerias com outras empresas ouinstituições para o desenvolvimento de máquinas eequipamentos ou utilização de tecnologia nasvárias secções da indústria.

Observou-se a uti l ização de botas, luvas, óculose máscaras pelos trabalhadores em suasatividades diárias. Verificou-se, também, queapenas em uma empresa, correspondendo a16,66% dos entrevistados, os funcionários usamtampão para ouvido. Dentre as firmas, apenas umaapresentou número muito reduzido de

equipamentos de proteção; notadamente, botas,luvas e capacetes.

Atualmente, o setor industrial vem buscandocada vez mais apresentar qualidade em seusprodutos e eficiência nos processos para aumentara confiança dos clientes. Por esta razão, o sistemade certificação é um fator de grande importância,pois, vem mostrar que o produto possuidor docertificado passou por vários procedimentos quelhe garantem a qualidade, desde a matéria-primaaté o final.

Neste sentido, os industriais foramquestionados sobre a existência de certificação nosegmento de cera de carnaúba. Das empresaspesquisadas, 33,3% responderam possuircertificado de qualidade ISO 9002, acrescentandoque o motivo dessa preocupação ocorreprincipalmente para melhorar a imagem daempresa no mercado externo. Por outro lado,66,7% não possuem este certificado, alegando nãonecessitar destas normas ou, ainda, pelo fato de olucro não cobrir os custos.

Atualmente, o comércio internacional da cera decarnaúba produzida no Piauí é realizado com oapoio dos corretores que residem na cidade deFortaleza. Entende-se que seria necessário ummaior conhecimento, por parte das indústriasprodutoras de cera de carnaúba, dos seuscompradores e de sua demanda, uma vez que setem a informação de que as empresas quecompram cera de carnaúba dos industriaispiauienses são grandes distribuidores do produto -localizados na Alemanha, no caso do continenteeuropeu; nos Estados Unidos, na América doNorte; e também no Japão, na Ásia. Essademanda seria a norteadora das indústrias. Assim,as inovações necessárias para atendê-la seriamevidenciadas e os industriais seriam motivados ainovar, pois, as indústrias de cera vêmapresentando apenas novas formas do mesmoproduto.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos carnaubais, a extração do pó de carnaúbacontinua sendo feita como há muitos anos. O corteda palha, da mesma forma. A introdução damáquina de bater, que ocorreu no final da décadade trinta, permanece até os dias atuais. Emboratenham ocorrido várias tentativas de utilização de

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secadores, a secagem das palhas tambémcontinua sendo realizada da mesma maneirade antes.

Com o avanço da produção moderna de cera,na década de 1940, abriu-se espaço para oaparecimento de novos tipos de cera, além daquelaproduzida nas fábricas tradicionais. Têm-se agoraas ceras extraídas a partir do uso de solventes,classificadas como 1, 3 e 4, de acordo com o tipode matéria-prima e características físico-químicasdiferentes. Na cidade de Parnaíba, duas indústriascomeçaram a buscar, através de pesquisas,novas estruturas, máquinas e equipamentos quemelhorassem o processo de extração do pó e daprodução de cera.

As indústrias de cera de carnaúba, como semostrou, apresentaram novas formas do produto –cera micronizada e atomizada -, na década desetenta. No entanto, os produtores informaram nosquestionários não manter nenhuma parceria comoutras empresas no desenvolvimento de máquinase equipamentos e na pesquisa de novos produtose aplicações, embora tenham citado máquinase equipamentos e matéria-prima como itensque precisam ser melhorados no atual processo deprodução.

Entende-se, portanto, que as indústrias de cera,em decorrência do não investimento em pesquisa einovação, não estão agregando valor ao produto,comprometendo, assim, sua competitividade. Acera de carnaúba continua sendo exportada comomatéria-prima, denotando o pouco aproveitamentodesse produto, que possui muitas uti l izações, porparte da indústria nacional. Entretanto, é precisoconsiderar que a indústria de cera de carnaúba fazparte dos setores tradicionais, que têm uma baixataxa de inovação, inclusive dita congênita, pois,são chamados de tradicionais justamente porquefazem pouca inovação. Os produtos do setortradicional têm um ciclo de vida muito lento. De umlado, o empresário não pode gastar com inovaçãomuito mais do que o mercado exige. Mas, poroutro, as inovações têm um ciclo muito longo nacadeia produtiva da cera de carnaúba.

O empresário da cadeia produtiva da cera decarnaúba precisa perceber a P&D (Pesquisa eDesenvolvimento) e a inovação como meios paraaumentar a produtividade e a competitividade e parareduzir custos, exigindo uma divulgação maisampla da necessidade de inovar. Embora o pouco

investimento em pesquisa não seja umacaracterística apenas da indústria da cera, mas daindústria nacional, porque falta uma postura ou umacultura de inovação nas empresas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Professora do Dep. de Planejamento e PolíticaAgrícola (CCA/UFPI) e Mestre em Economia Rural(UFPB); e-mail: [email protected].

** Professora do PRODEMA/TROPEN/UFPI e Dep. deEconomia/UFPI e Doutora em Economia Aplicada/ESALQ/USP; e-mail: [email protected].

*** Geógrafo (UFPI); e-mail: [email protected]

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VALORAÇÃO ECONÔMICA DO PARQUENACIONAL SERRA DA CAPIVARA

A preocupação com os impactos decorrentes daintervenção do homem sobre o meio ambiente fazparte da história recente da sociedade moderna.Por ser essencial à manutenção da vida humana,a conservação e a proteção da natureza devemacontecer independentemente das carênciaseconômicas. Com a finalidade de conciliar osinteresses dos indivíduos e de segmentos maisamplos da sociedade, criaram-se arranjosinstitucionais para a proteção do patrimônio naturalpor meio de diferentes categorias de Unidades deConservação. Neste contexto, o Parque NacionalSerra da Capivara (PNSC), situado no estado doPiauí, distingue-se com significativa importânciahistórico-cultural e ambiental para a humanidade econfigura-se como alternativa potencial dedesenvolvimento para os municípios de CoronelJosé Dias e São Raimundo Nonato, através doecoturismo, com vistas a melhorias econômicas esociais para as comunidades.

Dessa forma, realizou-se pesquisa em junho de2006, como parte da dissertação de mestradoapresentada no Programa de Pós-Graduação emDesenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFPI/TROPEN, em que se identificou a realidadedo fluxo turístico centrado na oferta e demandaturísticas e nas potencialidades e entraves quepossibil itam a dinamização da atividadeecoturística, considerando o valor econômico doPNSC.

Nesse sentido, expõe-se o valioso atrativonatural e cultural da região, ao explicitar a trajetóriado povoamento das Américas, catalogada em maisde 1.100 sítios arqueológicos. Assim, constatou-seque o PNSC possui infraestrutura receptivaconsiderada uma das melhores entre os parquesnacionais do Brasil, além de ser o único parquenacional com preservação integral do biomaCaatinga. Todavia, verificou-se que os municípiosapresentam limitações devido à estrutura produtivaembasar-se na histórica agricultura desubsistência, com baixa produtividade; ao

deficiente sistema educacional, com elevado índicede analfabetismo; e, consequentemente, à reduzidaposição do IDH-M no cenário nacional e àinfraestrutura urbana e turística serem insuficientes.Logo, presenciou-se uma assimetria entre osaspectos organizacionais e institucionais do PNSCe dos municípios de São Raimundo Nonato eCoronel José Dias.

Tendo em vista a demanda turística do PNSC,percebeu-se, através dos dados da referidapesquisa, a diversidade dos perfis dos visitantes,distribuídos dentre os distintos tipos de turismo,como científico, ecológico, de aventura, terceiraidade, educacional e ecoturismo; logo, infere-se apredominância desta última. Quanto à procedênciados visitantes, verificou-se que 94,68% dosmesmos são brasileiros e somente 5,32% sãoestrangeiros, configurando uma limitação do fluxointernacional. A atratividade ainda é pequenadecorrente da carência de infraestrutura receptivapara dinamização da atividade turística, como anão conclusão do aeroporto internacional de SãoRaimundo Nonato e a situação precária dasrodovias que dão acesso a Teresina (PI) e Petrolina(PE), cidades mais próximas que possuem voosdiários para grandes centros nacionais.

Ademais, a pesquisa revela que o fluxo nacionalé predominantemente regional, sendo que 79,39%são oriundos do Nordeste, com destaque para oestado do Piauí e cidades próximas ao PNSC,como Petrolina (PE), Juazeiro, Remanso e CasaNova (BA). Esse fluxo, quando somado aosexcursionistas (pessoas que visitam o Parque emum dia e retornam à cidade de origem), notou-seque o ecoturismo do PNSC é praticado porindivíduos que residem num raio de 500 km dedistância.

Verificou-se também que os visitantesqualificaram positivamente o PNSC, manifestando oreconhecimento como patrimônio natural e cultural,o que reforça a importância de sua preservação. Apesquisa também evidencia a importância da

por Raimundo Coelho de Oliveira Filho*Maria do Socorro Lira Monteiro**

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participação dos guias de turismo comocomponente da oferta turística, uma vez que osmesmos foram avaliados como fundamentais parao pleno conhecimento e entendimento do conjuntode atrativos do PNSC. Destacou-se também comopositiva a atividade artesanal, corroborando tanto ariqueza do material produzido no entorno doParque, como a produção de cerâmica nacomunidade Barreirinho, em Coronel José Dias,que é desenvolvida por artesãos treinados nasescolas da FUMDHAM, que, em sua maioria, sãofilhos de antigos moradores da área onde foiinstalada a Unidade de Conservação.

Destarte, ressalta-se que 90% dos visitantes doPNSC consideraram positiva a infraestruturareceptiva existente, expressada nos quesitosreferentes aos sítios arqueológicos, placasindicativas, trilhas, centro de visitantes e acesso àstri lhas.

Através da utilização do Método de ValoraçãoContingente (MVC), os resultados da pesquisaestimaram o valor de existência do PNSC, hajavista o reconhecimento dos visitantes comorelevante patrimônio histórico, natural e cultural,não obstante ter presenciado ainda pequeno fluxoanual de visitantes, em torno de 10 mil pessoas.Apesar desse panorama, de acordo com oMinistério do Turismo (2003) o Parque possuicapacidade para receber aproximadamente 2milhões de pessoas ao ano.

Nessa perspectiva, do universo pesquisado,49,89% manifestaram-se dispostos a pagar pelamanutenção e conservação do PNSC, cujaDisposição a Pagar (DAP) média dos ecoturistasfoi de R$ 7.107,00 ao mês. Salienta-se que tal valorpoderá servir de indicador para justificar asolicitação de recursos públicos e privados para amanutenção das funções do Parque, para oestabelecimento de cobrança de taxas de entradae definição de multas aplicadas aos causadores dedano ambiental. Por meio também do MVC,observou-se a importância da redução dos entravesao ecoturismo, como a construção do aeroportointernacional de São Raimundo Nonato, damelhoria da infraestrutura urbana e de apoioturístico.

A pesquisa enfatiza, outrossim, que osrepresentantes dos segmentos socioeconômicosdo municípios de Coronel José Dias e SãoRaimundo Nonato reconheceram o valor do PNSC

como mecanismo indutor da melhoria econômicae preservação ambiental. Contudo, admitiram que,para a efetividade dessas condições favoráveis,faz-se necessário estimular os empresários locaisa estabelecerem e ampliarem empreendimentosturísticos e contribuírem na formação deassociações e/ou cooperativas que possamofertar serviços de qualidade aos visitantes. Logo,sugerem como fundamental a qualificação da mãode obra e a divulgação da oferta turística, além danecessidade da integração da comunidade como Poder Público, com o objetivo de possibil itara efetividade sistemática do ecoturismo deforma sustentável.

Assim, esta investigação, assentada em que oecoturismo realizado no PNSC configura-se emmelhoria das condições econômicas e sociais dascomunidades do seu entorno associada àsustentabilidade ambiental, justificou-se pelo fatode que a criação de uma Unidade de Conservaçãona região, aberta para a visitação, contribuiu para odespertar da importância de preservar os recursosnaturais com vistas à satisfação das necessidadesdas gerações presentes e futuras. Portanto,ratifica-se que os valores natural e histórico/culturaldo PNSC são importantes atrativos de fluxosturísticos para os municípios; entretanto, não sãoplenamente internalizados pelas populações doseu entorno como ganhos econômicos e sociais.

Por conseguinte, a exuberância histórica,cultural e natural do PNSC expressa o potencialpara o desenvolvimento local. Todavia, o grandedesafio consiste na ampliação do fluxo turísticocom a finalidade de integrar a região no roteiroturístico internacional. Contudo, para tanto, faz-semister o envolvimento de todos os segmentos dasociedade, para que a atividade ecoturística abranjaas dimensões econômica, ambiental, social ecultural, no sentido de se tornar instrumento demelhoria da qualidade de vida das comunidades,fonte geradora de renda e mecanismo deconservação e/ou proteção das belezas naturais eriquezas históricas/culturais.

* Economista, Mestre em Desenvolvimento e MeioAmbiente – UFPI/TROPEN/PRODEMA; e-mail:[email protected]

** Prof.ª Dr.ª da Universidade Federal do Piauí,Departamento de Ciências Econômicas; Mestradoem Desenvolvimento e Meio Ambiente – UFPI/TROPEN/PRODEMA; Doutorado em EconomiaAplicada (UNICAMP); e-mail: [email protected].

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Embora a lógica seja estudada pelamatemática, também é uma das áreas da fi losofia.O primeiro pensador a se preocupar com a lógicafoi o fi lósofo grego Aristóteles. A sua contribuiçãoneste campo permaneceu quase intacta até osúltimos anos do século XIX. A segurança notrabalho de Aristóteles era tanta, que o pensadoralemão Immanuel Kant chegou a afirmar, noprefácio de sua obra “Crítica da Razão Pura”, que alógica nasceu e morreu com Aristóteles.

Contudo, no final do século passado, opensador alemão Gottlob Frege, observando que alinguagem cotidiana era imperfeita, iniciou umprojeto que tinha como objetivo a busca de umalinguagem perfeita. Como professor de matemática,ele facilmente identificou na aritmética estalinguagem.

No entanto, após uma reflexão maior sobre aaritmética, percebeu que também esta não eracompleta. Procurou, então, fundamentar aaritmética na lógica. No esforço de completar esteintento, verificou que a lógica aristotélica deveriaser melhorada. Entre as contribuições de Frege,podemos destacar a criação do CálculoProposicional, dos Quantificadores Universal eParticular e o Cálculo de Predicados. Devemoslembrar que os quantificadores foram tambémdesenvolvidos, de forma independente, pelopensador americano Charles Peirce.

Após os trabalhos de Frege, a lógica ganhouum impulso que gerou uma revolução neste campodo saber. Pode-se dizer que, no início do séculoXX, na lógica, foram desenvolvidas três correntes: ologicismo, o formalismo e o intuicionismo.

A primeira corrente, o logicismo, propunhatrabalhar tendo a aritmética como fundamento dalógica. Tinha como principais representantes: Fregee Bertrand Russel.

O formalismo defendia que todas as linguagensdeveriam ser formalizadas. Sucintamente,deveriam, em cada linguagem, ser organizadasalgumas proposições, que foram chamadas deaxiomas. Estas proposições, com auxílio dasregras de inferências, possibil itariam asdemonstrações dos teoremas. Entre os

representantes desta escola, podemos destacarDavid Hilbert.

O intuicionismo, que tem como grandeexpoente o lógico holandês Brouwer, colocou queuma proposição matemática só tem sentido seexpressar algo que possa ser construído. NestaLógica, não tem sentido uma demonstração porabsurdo.

Outro pensador que seguiu alguns dos passosde Frege foi o inglês Bertrand Russell. Este, juntocom o austríaco Ludwig Wittgesntein, defende oatomismo lógico, que está na base das tabelasverdades e da fi losofia analítica.

Outro movimento da lógica no século XX foi odesenvolvimento da lógica multivalente. Esta lógicafoi criada por Jan Lukasiewicz, nos anos 20 doséculo passado. Outro que contribuiu foi Emil Post.Nesta lógica, o Princípio do Terceiro Excluído, daLógica Clássica, foi derrogado, pois, esta trabalhacom os valores de Verdade, assumindo posiçãodiferente de verdadeiro ou falso. Portanto, para aLógica Multivalente, uma proposição pode serverdadeira, falsa ou assumir outro valor diferentedestes dois.

Outra grande contribuição da Lógica no SéculoXX foi a Lógica Modal. Esta Lógica trabalha com osconectivos do Cálculo Proposicional e acrescenta oNecessário e o Possível. A mesma já tinha sidoobjeto de estudo de pensadores antigos que, noentanto, não a levaram adiante. O teórico da lógicaque contribuiu com as ideias para o ressurgimentoda lógica Modal foi C. I. Lewis. Outro lógico quedeu uma contribuição muito grande nesta área foiSaul Kripke.

Nos anos de 1930, o lógico austríaco KurtGödel apresentou dois teoremas, queassombraram tanto a lógica como a matemática.Estes teoremas podem, muito aproximadamente,ser resumidos no seguinte: em um sistema daaritmética não trivial, haverá sempre proposiçõesque não podem ser demonstradas dentro do própriosistema. Isto valeria, também, para ademonstração de negação de proposição.

Nos anos 50, do Século XX, apareceu achamada Lógica Paraconsistente. Esta lógica

A NOVA LÓGICA por Gerson Albuquerque de Araújo*

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derrogou o Princípio da Não Contradição, da LógicaClássica, que diz que uma proposição não podeser verdadeira e falsa simultaneamente. Portanto,esta lógica trabalha com o verdadeiro e o falso aomesmo tempo. Um exemplo de falso e verdadeiroseria um robô, que se movimenta orientado por umcomputador, subordinado à leitura de sinais. Se eleler verde(verdadeiro), ele se movimenta. Se ele lervermelho(falso), ele para. No entanto, pode ocorreruma situação em que os sinais estejam verde evermelho ao mesmo tempo; portanto, cominformações contraditórias. Pela lógica clássica,não há saída, mas, pela aplicação da lógicaparaconsistente, o computador pode trabalhar comesta situação. Um dos criadores desta lógica foi obrasileiro Newton Carneiro da Costa. Outro quetrabalhou esta lógica, independentemente de

Newton da Costa, foi o polonês Jaskowski.Portanto, os dois foram considerados criadoresdesta lógica.

Podemos dizer que a lógica continua a sedesenvolver. Podemos citar ainda a Lógica deRelevância, a Lógica Deôntica e a Lógica Fuzzy,que estão sendo estudadas por vários pensadores.Portanto, muito ainda se pode esperar na lógicanos próximos anos.

* Professor do Mestrado em Ética e Epistemologia edo Departamento de Filosofia da UFPI. Doutor emComunicação e Semiótica/PUC-SP.

RESENHA: RACIONALIDADE EDETERMINISMO MENTALpor Maria Crist ina de Távora Sparano*

John Searle é professor da Universidade deBerkeley, na Califórnia (EUA). Sua área de atuaçãoé fi losofia da mente e fi losofia da linguagem. Entreseus outros livros traduzidos para o português,temos: “A redescoberta da mente”; “Expressão esignificado”; “O mistério da consciência”;“Intencionalidade e mente, linguagem e sociedade”.

O livro é composto de dois textos e sãotranscrições de conferências proferidas por Searle,em Paris (2001), no Seminário “Racionalidadescontemporâneas”, a convite da Universidade Paris-Sorbonne (Paris IV) e da Unité de Formation et deRecherche (UFR), por iniciativa do Prof. Dr. PascalEngel.

O primeiro texto, sobre livre-arbítrio eneurobiologia, trata, em suma, da discussão livre-arbítrio x determinismo; mente x corpo. A liberdade,para o autor, é atribuída à consciência volitiva,

expressa em um querer e fazer, escolher e decidir.A liberdade, nesses casos, é uma pressuposiçãoda ação. O determinismo não se dá apenas noplano natural, mas também no plano psicológico,sendo que a neurobiologia aí desempenha umpapel importante. No entanto, muitas açõesnaturais, sem uma causa aparente, com aparênciade ações livres, são, no fundo, devidas ao acaso; afísica quântica pode explicar esses casos deindeterminismo. No entanto, o livre-arbítrio é próprioda consciência humana. Historicamente, a herançacartesiana, que supõe o dualismo mente-corpo, dizque a consciência age sobre a nossa vontade.Searle faz uma analogia entre uma roda que seprecipita numa colina e a consciência que temosdas coisas; a solidez da roda é uma característicareal e tem efeitos reais no comportamento da roda,assim, também, a consciência é uma

SEARLE, John. Liberdade e neurobiologia. Tradução de Constância M. E. Morel. São Paulo: UNESP, 2007.

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característica do cérebro e pode agir sobre o corpo,isto é, as estruturas neuronais agem sobre o corpo.Assim sendo, a consciência seria umacaracterística do cérebro, da mesma forma que asolidez é uma característica da roda, a maneiracomo se age estaria l igada ao nosso estado deconsciência. Searle mostra como as hipótesesfuncionalistas e epifenomenistas podem seraceitas, nesse caso. Porém, admite que isso nãobasta, pois, o cérebro causa e sustenta aexistência de um eu consciente capaz de tomardecisões racionais e traduzi-las em açõesexplicadas racionalmente por razões quefundamentaram (ou não) as ações. O autor concluique a discussão está longe de ser encerrada e quenos deparamos com: (i) o problema da consciênciae (i i) as formulações da mecânica quântica e que,para resolver o problema do livre-arbítrio, semrecorrer a soluções metafísicas, teríamos que,inicialmente, resolver os dois primeiros pontos.

No segundo texto, Linguagem e poder, temos aexposição de um problema: como considerar, demaneira coerente, a totalidade do mundo,reconciliando o que pensamos de nós mesmoscom o que a física, a química e a biologia nosensinam? De forma didática, o autor explica adiferença entre objetividade e subjetividadeepistêmicas e subjetividade e objetividadeontológicas para passar à analise da realidadesocial e política. Expõe a noção deintencionalidade coletiva presente em qualquerforma de comportamento cooperativo, desejos ecrenças comparti lhadas. Mostra como passamosdos fatos sociais para os fatos institucionais, comoo dinheiro, o casamento, a propriedade ou ogoverno. Conclui com a atribuição de funções eregras constitutivas. A partir desses doiselementos, mostra como os homens sofisticaramessas atribuições e funções à base de aceitaçãocoletiva com atribuição de status, em que seadotam determinadas atitudes a respeito de coisasque não têm um valor intrínseco, mas que lhes sãoatribuídas, como, por exemplo, o dinheiro. Essesmateriais têm status e realizam sua função porquereconhecemos neles um valor. O valor atribuído tempotências positivas e negativas, como, direitos,deveres e regras. Uma das funções de status é alinguagem e é parte constitutiva da realidade social.Quanto ao poder político, este é diferente do podereconômico, sua essência é um poder deôntico; as

razões políticas baseadas em status dão, aoagente, razões para agir independentemente dodesejo, pelo simples fato de o agente reconhecernesses materiais um conjunto de fatosinstitucionais como válido ou obrigatório. Dissoresulta que razões podem motivar desejos,característica das sociedades humanas,diferentemente de sociedades animais. Asmudanças sociais e políticas, para o autor, sãodevidas a movimentos das funções atribuídas e detransformação na distribuição das funções destatus.

A fi losofia da mente e da linguagem visam, doponto de vista da análise, a objetividade doconhecimento, incluindo aí os desejos e crençasdo agente. Alguns temas tradicionais da fi losofia,principalmente da fi losofia social e política, como,por exemplo, o poder ou a ideologia, podem revelara influência dos sentimentos e levar o leitor aoarrebatamento pela emoção, quando tratados poroutros meios que não o da análise. A ideologiapode servir como óculos na leitura de problemas ouanteparo na solução dos mesmos, principalmentede problemas sociais. Autores, como Searle, mastambém Davidson, Sellars, só para citar alguns,têm na análise da linguagem o foco para a análiseda racionalidade em questão, o que é anterior àanálise do problema propriamente dito. Isso éinteressante a fim de desmistificar a razão e situá--la como um operador tanto em filosofia da mentecomo em filosofia da linguagem, assim como emfilosofia da ação. O resultado obtido é umaestrutura subjacente a toda particularidade parafacil itar o exame das questões.

Recomendamos este pequeno livro de Searle(102 páginas) para ambientar o leitor com otratamento de análise próprio à filosofia analítica dalinguagem e propiciar um caminho seguro àepistemologia.

* Professora do Mestrado em Ética e Epistemologiae do Departamento de Filosofia da UFPI. Doutoraem Filosofia/PUC-RS e em Filosofia da Linguagem/Université de Montréal.

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DICAS DE LIVROS*do prof. Solimar Oliveira Lima

O livro Carnaúba, pedra e barro na Capitania de SãoJosé do Piauhy, de Olvavo Pereira da Silva F., é anarrativa munuciosa, amorosa, mineral, seca, de umapaixão e de um susto. Paixão da terra, do Piauí que é oseu, que é seu. Susto pela iminência da ruína. Paixão,susto - e resistência. (...) Olavo escreve. Escreve edescreve. Escreve e compila. Escreve e esmiúça.Escreve e reza. É uma escrita silenciosa. O autor nãose impõe nela, não a sufoca com seus própriossentimentos. Apenas mostra. Há ocasiões em quemostrar é acusação suficiente aos descalabros dotempo e das gentes (Trecho da apresentação da obrapor Márcio Tavares d’Amaral).

Obra: Carnaúba, pedra e barro na Capitania de SãoJosé do Piauhy.Volume I - Estabelecimentos rurais; Volume II -Arquitetura Urbana; Volume III - Urbanismo.Autor: Olavo Pereira da Silva F.Editora: Rona

(...)Em 1867 o querosene era utilizado na iluminaçãopública. Minada a mão-de-obra escrava, em meadosdo oitocentos, seguida de forte queda nos anosseguintes, a produção artesanal da casa foi sendosubstituída por técnicas industriais. Perdurariam aindahábitos escravagistas que amparavam a vidaburguesa (Vol. II, p. 17).

Expedien te

INFORME ECONÔMICOAno 10 - NO 19 - Maio-junho/2009R eito r : Prof. Dr. Luiz de Sousa Santos JuniorDireto r CCHL: Prof. Dr. Pedro VilarinhoCh ef e DE CON : Prof. Ms. Samuel Costa FilhoCo ord . do Cu rso : Profa.Ms. Janaina VasconcelosCo ord .do Pro j e to Informe Econômico :Prof. Dr. Solimar Oliveira LimaCo nselh o E d ito r ia l: Professores Samuel Costa Filho,Solimar Oliveira Lima, Luis Carlos Rodrigues Cruz PuscasCoo rden aç ã o d a Pub lic a çã o e Dia gra ma ç ão :Economista Enoisa VerasR ev isã o : Zilneide O. FerreiraProj e to Grá f ic o: MHeNJo rn a lis ta Respo n sá v el :Prof. Paulo Vilhena - DRT-PI/653E nd ereç o p ara Co rresp on dênc ia :Universidade Federal do Piauí - CCHLCampus Ininga - Teresina-PI - CEP.:64.049-550Fon e: 86 215-5788/ 5789/5790 - Fax. : 86 215-5697Tira g em: 1.000 exemplaresImp ressã o : Gráfica UFPI

Faleceu, no dia 20 de março de 2009, o queridoJoaquim Dias, servidor lotado no Departamento deCiências Econômicas, desde 2 de junho de 1977.Saudosos/as, expressamos nossa gratidão ao Jô,que, nesses quase 32 anos, foi carinhosa presençanos vários momentos de nossas vidas acadêmicas.

Em face da entrada em vigor das novas regrasortográficas, os artigos foram revisados,respeitando-se o estilo individual da linguagemliterária dos autores (seja culto ou coloquial),conforme a 5ª. edição do Vocabulário Ortográfico daLíngua Portuguesa (VOLP, 2009), aprovado pelaAcademia Brasileira de Letras.

NOTAS

*A cada número do Informe Econômico,professores/as irão dar suas dicas de leitura.

Os professores do Departamento de CiênciasEconômicas, Fernanda Rocha Veras Araújo eFrancisco Prancacio Araújo de Carvalho, junto como professor Francisco de Assis Veloso Filho, doDepartamento de Geografia e História, estãodesenvolvendo um estudo de viabil idade econômicado Projeto “Desenvolvimento de um Modelo deProdução Integrada do Mel no Estado do Piauí”. OProjeto, coordenado pelo professor Darcet CostaSouza, do Departamento de Zootecnia/CCA, serádesenvolvido na comunidade Patos, no entorno domunicípio de Simplício Mendes.