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  • Investigao Filosfica, v. 5, n. 1, 2014. (ISSN: 2179-6742) Resenha/Review

    http://periodicoinvestigacaofilosofica.blogspot.com.br IF 37

    RESENHA: LENOBLE, ROBERT. HISTRIA DA IDEIA DE NATUREZA. 1969. RIO DE JANEIRO: EDIES 70, 1990.

    Matteo Nigro1

    Robert Lenoble, francs, 1900-1959, comeou a sua carreira ensinando filosofia em colgios secundrios; logo depois dedicou-se a investigaes pessoais para se doutorar em letras em 1943 com duas teses, uma consagrada a Mersenne, outra noo de experincia. Em 1947 entrou para o Centre National de la Recherche Scientifique, e passou a dedicar-se com mais destaque investigao da histria das cincias e reflexo filos fica. produo do livro hist ria da ideia de natureza foi interrompida pela morte do autor.

    O livro trata do tema da observao da natureza, de como o homem a observava no passado e de quando e como essa observao mudou, repercorrendo as etapas hist ricas da humanidade e mostrando como se chega de uma natureza mgica a uma natureza matemtica, atravessando os progressos da conscincia global na construo do pensamento ocidental.

    A tese que Lenoble usa ao longo do livro de que o homem teria observado a natureza sempre da mesma forma - alis, do seu ponto de vista - mas a natureza no foi sempre a mesma.

    Ao decorrer do livro vai se entender que numa ideia de natureza moldada pela cincia, existe a natureza do cientista, a natureza do moralista e a natureza do artista. Ele trata do aspecto cientfico e moral da natureza como duas coisas inseparveis, estando aqui a essncia de todo esse trabalho: o cientista puro no existe, existem pessoas que fazem cincia, mas ao lado do prprio laboratrio cientifico, encontraremos sempre o pr prio orat rio.2 E no existe nem o puro moralista; nasce aqui aquela brincadeira, ainda muito atual, de querer provar mediante o uso da cincia, a existncia da moral que se professa.

    A histria da ideia de natureza, que no presente texto segue uma linha do tempo bastante linear, parte dos exrdios da humanidade, analisando em todas as pocas at o sec. XVIII, as relaes hora de simbiose, hora de conflito, entre homem e natureza. 1 Doutorando em Geografia na UFBA.

    2 LENOBLE, Robert. Esquisse dune histoire de lide de Nature.1969. Vers. Italiana, traduo de Pia

    Guadagnino. Napoli: Guida editori, 1975, p. 12. 2 LENOBLE, 1975. p. 46

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    A primeira parte do livro comea essa histria com uma natureza representada como objeto de dominao, como mostram os primeiros desenhos encontrados, ilustrando homens caando animais. O segredo do poder dessa dominao era a magia, que segundo Lenoble uma necessidade humana psicolgica.2

    O autor chama o primeiro capitulo do livro a natureza mgica para ele, na evoluo do pensamento a questo da magia um fato pr-lgico e pr-cientfico. Mas de onde vem essa ideia de natureza como magia? O autor coloca que o antropocentrismo uma das respostas, fazendo uma comparao do olhar das primeiras populaes com o de uma criana, que concebe o mundo como conjunto de entidades vivas que giram entorno dela. Para os antigos a natureza era mgica e podia tudo, assim como os pais da criana que podem cura-la de todos os males, mas se recusam a cura-la por causa dos erros cometidos. Da mesma forma, para os antigos, a natureza manda tempestades, terremotos e furaces para punir a humanidade pelos erros cometidos.

    Neste sentido, a natureza nunca separada do destino dos homens e a criana representa o mundo como uma sociedade de seres que obedecem a leis sociais e morais. Assim como na criana tudo segue uma moral, as primeiras ideias que os homens tiveram da natureza eram ideias morais, ou legais (natureza que respeitava as leis da magia).

    Para mudar os tipos primitivos do pensamento como pr-moral, pr-cientfico, pr-lgico, preciso sempre uma maior fora da conscincia. Uma das pocas onde a conscincia tem progredido muito nesse sentido a do milagre grego, ttulo do segundo captulo do livro.

    Aqui o autor mostra como os gregos do Olimpo divinizaram, ou melhor, humanizaram a natureza, criando os deuses inspirados nos elementos que causavam temor: o relmpago de Zeus, o deus Vulcano, o olo deus do vento que agita os mares e gera tempestades; eram entidades maiores, representando uma natureza que assustava o homem e da qual ele precisava se defender.

    Nestas anlises evolutivas de ideias de natureza 1 mgica, 2 moral e 3 perigosa, Lenoble insere os pensadores da filosofia naturalista, abordando os animistas e a ideia de cosmo. com Scrates que a magia comea a ser contestada e tende a virar algo sublime, que no constituir mais um perigo. A natureza de Scrates desejosa de beleza, de coragem e de bem, o ol que ilumina todas as coisas, a substituio de uma alma mgica por uma alma pacfica.

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    ara o autor, crates que comea a mudar o rumo dos fatos, j que o milagre grego aconteceu no dia em que Scrates (...) conquistou pela conscincia o direito de se sentir em paz, no s diante das coisas, mas diante da natureza.3

    lato quis se aventurar mais longe para buscar uma ordem da natureza, na tentativa de estabelecer um contato entre o esprito e as coisas. O papel de Plato foi aproximar e harmonizar os dados mgicos herdados da mentalidade primitiva dos gregos de Homero, com as exigncias de um pensamento racional.

    Aristteles completa esse percurso. Com ele aparece a primeira percepo desinteressada da natureza, no sentido de conceb-la segundo as prprias leis e no segundo as leis dos homens. Com Aristteles as coisas comeam a existir diante do homem como seres que de fato existem concretamente, existem por natureza os animais, as plantas, o fogo, a terra, a agua e o ar. ode-se dizer que pela primeira vez o homem percebe que no existe somente ele e os seus problemas, mas que as coisas, tambm so.4 aqui que acontece a transferncia do interesse do sobrenatural dos primitivos para a existncia natural, tema aprofundado no terceiro captulo dedicado aos atomistas; Demcrito, Epcuro e Lucrcio, fundadores do atomismo, no foram eruditos mas moralistas.

    Demcrito prope uma fsica ordinria, que trata das qualidades sensveis que nascem de alguma forma da unio dos tomos e das pessoas que percebem os tomos, j que na natureza no existe o branco, o preto, o amargo e o doce. Neste sentido, para Demcrito a deduo das qualidades sensveis comeou da forma e da disposio dos tomos, exemplo: o doce corresponde aos tomos redondos e o amargo aos tomos com ponta.

    A natureza concebida por Epcuro uma natureza determinada, mas tambm desordenada, que tinha o intuito de afastar os medos das almas e deixar elas em paz. ara ele se a gente no fosse atormentada pelos fenmenos celestes ou pelo pensamento da morte, se no sentssemos os limites dos nossos sofrimentos e dos nossos desejos, no seria necessrio o estudo da natureza.5

    Lucrcio, no seu De Natura Rerum, tomou conscincia que a natureza assustadora se encontra somente dentro das pessoas e no fora, e escreve sobre os seus contempor neos: no mundo em que eles vivem, no tem nada de natural no somente o trovo, mas tambm os eclipses e todos os meteoros so os signos da clera e da

    3 LENOBLE, 1975. p.101

    4 LENOBLE, 1975. p.86

    5 FESTUGIRE, A. J. picure et ses dieux. Paris, 1946, p.52, apud LENOBLE, R. Esquisse dune histoire de lide de Nature.1969. Vers. Italiana, traduo de Pia Guadagnino. Napoli: Guida editori, 1975, p.113 6 LUCRECIO. De natura Rerum. Trad. Ernout, Guillaume Bud, 2 ed. Paris, 1924.

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    vontade dos Deuses.6 Na viso da natureza como me, ele no consegue decidir se uma me cruel ou uma me bondosa.

    O captulo IV chega poca do imprio romano, analisando a hist ria natural de linio para Lenoble, nenhum livro nunca influenciou as almas tanto quanto esse, onde se encontram mesclados todos os dados antigos em uma espcie de senso comum, nem muito ingnuo, nem muito cientfico, que a maior parte dos homens pode facilmente aceitar; por isso aquela imagem de natureza se cristalizou por muito tempo.

    Plinio descreve o mundo como a forma de um globo perfeito; o interno desta esfera tem os quatro elementos que compem todas as coisas: o fogo ocupa a zona superior, por isso as estrelas brilham no cu embaixo tem o ar, que o assopro vital que penetra em todas as coisas, com a fora do ar, a terra e a gua so suspendidas em equilbrio com o espao.7 A unio destes elementos forma o conjunto das coisas que existem, o Natura Rerum. O mundo novamente algo finito (no infinito).

    No capitulo I da segunda parte do livro, Lenoble analisa a definio de natureza como conjunto. concepo da natureza vinculada leis, se revela por duas fases na inteira hist ria da ideia da natureza: 1: em que bastar conhecer estas leis para nos situarmos no nosso lugar neste conjunto, para entrar na natureza e no deixar-nos mais dominar por ela. Essa ideia surge no sc. V a.c na Grcia ntiga e dura mais de 0 sculos. : e conhecermos as leis, podemos servir-nos das coisas e tornar-nos donos e senhores da natureza.8 Esta concepo influenciada pelo Cristianismo e durar at a poca moderna.

    Ainda neste captulo o autor mostra como na Idade Mdia o homem no pertence natureza, mas graa que sobrenatural; a natureza passa a ser inimiga do homem, j que ela resiste graa.

    O captulo seguinte aborda a ideia de natureza no sc. XVI, que fruto de duas fontes: 1- a herana da Idade Mdia; 2- a influncia do pensamento filosfico de Lucrcio e Epcuro; Lenoble afirma que os homens do Renascimento amaram com paixo a natureza, eles a sentiam como poetas, mas no a estudaram.

    Se o sec. XVI marcado pelo esttico, o sec. XVII pelo cientfico. No captulo dedicado revoluo mecanicista do sec. XVII, Lenoble descreve que Galileu pede a engenheiros (e no a fil sofos) que descubram o verdadeiro sistema do mundo. gora, o engenheiro conquista a dignidade de sbio 9 o que comporta uma nova definio do conhecimento e uma nova atitude 7 LENOBLE, Robert. Esquisse dune histoire de lide de Nature.1969. Vers. Italiana, traduo de Pia Guadagnino. Napoli: Guida editori, 1975, p. 172-173 8 LENOBLE, 1975. p. 264

    9 LENOBLE, 1975. p.350

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    do homem perante a natureza: ele deixa de olha-la como uma criana olha a me; agora quer conquist-la, tornar-se dono e senhor dela. natureza virou uma mquina, e a cincia a tcnica de explorao desta mquina. Com isso se chega ao mecanicismo, onde o engenheiro divino o homem subtenente de Deus na administrao do mundo. ara Lenoble, com a natureza mecanizada, o homem trocou o seu modelo, a sua senhora, por uma ferramenta. 10

    Enfim, chegamos ao captulo sobre a natureza matemtica. No sec. XVIII o homem se faz ainda mais forte, ele consegue to bem dominar a natureza que se pergunta por que deveria atribuir a um patro (Deus) o trabalho das prprias mos e da pr pria razo. a enciclopdia de D lembert e Diderot, no termo natureza se percebe que o significado da palavra a ao dos corpos, ou o mecanismo dos corpos; Newton conseguiu transformar essas leis em frmulas matemticas. Agora a natureza no quer mais

    Reis, nem nobres e nem padres, a cincia substituiu a escurido pela luz. No ltimo captulo, o autor conclui que o homem, que hoje se comporta como se fosse

    patro do seu destino, teve sempre algo em cima dele: Deus; agora que a natureza est sendo controlada pelo homem, o homem se tornou um Deus.

    Ele ressalta que na poca antiga a cincia era a fsica baseada na metafsica, agora todos recusam a metafsica, Deus e a alma so sempre objetos da metafsica, mas a ligao entre a fsica e a metafsica, alis entre a natureza e Deus, quebrou-se.11

    Nessa histria, a natureza sempre apareceu no pensamento dos homens como uma construo no arbitrria, mas muito influenciada por paixes, crenas, tendncias e instintos do homem. A mensagem que o autor manda ao leitor que deve-se considerar a natureza nos muitos significados que ela assumiu no tempo para os homens e lembrar com que facilidade ela se dobrou aos desejos do homem. Reduzir a natureza cincia significa ignorar essa histria, que provavelmente o autor teria continuado at os dias atuais.

    A obra contribui enormemente para a resposta dos questionamentos que distinguem as bases da filosofia, no sentido de entender o significado espiritual da natureza.

    10 LENOBLE, 1975. p. 373 11

    LENOBLE, 1975. p.418