Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro

69
Introduciio Crltica ao Direito l ei t or a s c ha ve s nec cssa ri as para . urn direito penal corn enfase . fom ec endo a Nilo Batista ,..", INTRODU(;AO ~ CRITICAAO DIREITO PENAL BRASILEIRO .. . ., 341.5 833312007 . . ... ntrodll1l8ocrltlc8.8odlraltci p en81 br8slle!li . . NUo .. .......... ..... •... 1111111111111111111Ililii

Transcript of Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 1/69

 

Introduciio Crltica ao Direito

leitor as chaves neccssarias para. urn direito penal corn enfase .

fomecendo a

Nilo Batista

,..",

INTRODU(;AO~

CRITICAAO

DIREITO

PENAL

BRASILEIRO

.. . ., 341.5 833312007 . .. . . n t r o d l l 1 l8 o c r l t lc 8 . 8 o d l r a lt c ip e n 8 1 b r 8 s l l e ! l i

. . N U o . . . . . . . . . . . . • . . . . . • . . .

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 11 1 1 1 I li li i

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 2/69

 

~~.

lo/rA~1--v.... ~. t

-.I l~ -.~ -t

c o ( ~ ~ ~ .' . ' o . ? , . " :

Nil B· ~.~/ r-;

o atista , b U c ~ ~ /Livre-docente (VERJ) e Mestre (VFRJ) em

direito penal, professor da Faculdade deDirei to Candido Mendes e da PVC-RJ.

fI'III

IN1RODUy\O

CRiTICAAO

DffiEITOPENALBRASll :EIRO

E REditora Revan

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 3/69

 

Copyright © 1990 by Nilo Batista

Todos as direitos reservados no Brasil pela Editora Revun Ltda, Nenhuma

parte desta publicacao podeni ser reproduzida, seja par rneios mecfmicos,

e le tr6nicos au via copla xerognifica , sem a autor izaciio previa da Editora ,

Caordenacdn editorial

Lilian M. G. Lopes

RevisiiaMiguel Villela

CapaDanilo Basto Silva

Arte e produciio graficaRicardo Gosi

ComposiciioWl Fotccomposiciio

Impressiio e acabamento

( Em p a pe l O f f- se t 7 5 g rs , apes png i na ; ; il o e l et r cn i c a , e m t ip os T i m e N ew Roman , c. 11 /13 )

Divisilo Gnifica da Editora Revan

CIP-BrasiL Catalogacao-na-tonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Este trabalho foi escrito quandoCarlos Bruce, Maria Clara e Joiio

Paulo estavam aprendendo a ler. A

eles, com 0carinho afeto de sell pai,

I! dedicado 0 livro.8337i

Batista, Nilo

Intrnduciio critica ao di re ito penal brasileiroINiio Batista.Ri o de Janeiro: Revan, llA edic;:lio,mar'i=0 de 2007

90-0484

136p.

ISBN 85-7106-023-1.

1.Dire i to penal- F i lo s o fi a . 2 . D i rei t o penal- Brasil. 1. Titulo.

CDU - 343.2.01

343(81)

2007

Editora Revan Ltda,

Avenida Paulo de Frontin, 163

20260-010 - Rio de Janeiro, RJ

Tel.: 21-2502-7495 - Fax.: 21-2273-6873

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 4/69

 

Sumario

Do autor:

Teoria dq lei penal, S. Pau lo, 1974 , ed. RT (em colaboracao com Anfba l

Bruno).

o elemento subjetivo do crime de denunciaciu» caluniosa, Rio; 1975, ed.

Liber Juris.

Decisoes criminals comentadas, l~edh;uo, Rio, 1976, ed. Liber Juris; 2~

edi"uo , Rio, 1984, ed. Liber Juris.

Anibal Bruno, penalista, Rio, 1978, ed. Liber Juris

Advocacia criminal, Rio, 1978, ed. Liber Juris (em colaboracao COm

Joao Mestieri).

Concurso de agentes, Rio, 1979, ed. Liber Juris.

Casas de dire ito penal - par te especial . Rio, 1980, cd. Libe r Juri s (em

colaboracao com Heitor Costa Jr.).

Temas de direito penal, Rio, 1984, d. Liber Juris.

Punidos e mal pagas (violencia, justica , seguranca publica e direitos

humanos no Brasil de hoje),Rio, 1990, e d. Revan,

Nota Previa 9

Apresenta~ao 11

CAPiTULO I

Direito penal e sociedade. Sistema penal, Criminologia.

Polftica criminal.

§ 1? - Direito penal e sociedade 17§ 2? - Direito penal e sistema penal 24

§ 3? - Criminologia 27

§ 4? - Politic a criminal 34

CAPiTULO II

Biblioteca CentralIntroducao critica ao direito penal brasileiro.

Ac. 224621 - R. 688084 Ex. 2

Compra - Cia dos Livros

Nf.: 141985 R$ 14,75 - 05110/2007

Direito (Diumo) - Reg. Sem. Ctba

A designacao "direito penal" e suas acepcoes, Principios

basicos do direito penal. Missao do direito penal. A ciencia

do direito penal.§ 5? - Direito penal ou dire ito criminal? 43

§ 6? - As tres acepcoes da expressao "direito penal"

§ 7? - 0 direito penal como direito publico 52

§ 8? - Principios basicos do direito penal 61

§ 9? - 0 princfpio da legalidade 65

§ 10 - 0 principio da intervencao minima 84

§ 11 - 0 princfpio da lesividade 91

§ 12 - 0 principio da humanidade -.98

§ 13 - 0 principio da culpabilidade 102

§ 14 - Urn direito penal subjetivo? 106

§ 15 - A missao (fins) do direito penal 111§ 16 - A ciencia do direito penal 117

Bibliografia 123

50

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 5/69

 

Nilo Batista

No ta P re v ia

" ' - ~

Com intimeros acrescimos e alguma atualizacao bibliogra-

fica, e este 0 t rabalho que, em 1988, apresentei ao concurso

para a l ivre-docencia de Direi to Penal da Faculdade de Direito

da Universidadedo Estado do Rio de Janeiro. Sou muito grato

aos profess ores Jair Leonardo Lopes, Joao Marcello AraujoJr., Luiz Luisi, Rene Ariel Dotti e Sergio do Rego Macedo

pelas observacoes entao formuladas.

Nossa literatura jurfdico-penal se ressenteda inconstancia

de contribuicoes propedeuticas, que permitam aos professores

de 'direito penal revisitar as fundamentos de sen magisterio e

facili tem a iniciacao dos estudantes. 0 reflexo dessa incons-

tancia esta no tratamento repetitivo e linear que os sedimentos

basicos do estudo do direito penal merecem da maior parte de

nossos Iivros.

Este trabalho se destina a ser a primeira Ieitura do estu-

dante de direito penal. Assumidamente simplificador, pro-

eurou nao so reorganizar a materia introdutoria, como questio-

nar-Ihe as respostas usuais. Urn saber cri tico e fundamental-mente urn esforco para "fazer aparecer a invisfvel" (Miaille)

au as "funcoes encobertas" (Warat) do visfvel.

Nessa direcao , interessei-rne particularmente em registrar

condicionamentos hist6ricos e objet ivos ocultos com as quais

a sistema penal de uma sociedade dividida em classes nega

cotidianamente as princfpios idealisticamente transcritos nos

livros de direito penal. As perplexidades e contradicoes perrni-

tern entender a teoria crftica como poderoso instrumento meto-

dologico para a conhecimento do direito penal e para a corre-

S;aode deforrnacoes ideo16gicas que a reflexao jurfdico-penalcomumente apresenta.

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 6/69

 

De como considerar seriamente asdireitos e garantias do cidadao

o direito penal, particularmente na America Latina, nfio consti-

tui excecao em relacao ao dominio de uma hegemonia do pensa-

mento conservador no campo do direito em geral. Hegemonia que

pode ser entendida como a ausencia de traducao dos conflitos do

plano politico para a area especffica dojurfdico. Em outras palavras,

urn exemplo concreto desta hegemonia se manifesta na cultura

juridica progressista do juris ta , que desaparece quando se t rata das"tecnicas da dogmatica"

Nilo Batista representa uma clara ruptura com essa tradicfio.

Poucos sao os trabalhos que, no contexto do direito penal lati-

no-americano, justificam seu caniter explicitamente crftico como a

excelente t rabalho que aqui se tern orgulho de apresentar .

Sempre achei que 0direito penal tradicional tinha muito pouco

de liberal na acepcao original do termo, isto e, vinculado a producaode garantias para a cidadao. Fai precisamente este direito penal

liberal, em nossa recente historia latino-americana, que' 'se adaptou

as ci rcunstancias" dos diversos autoritarismos, oferecendo legi ti-

midade aojustificar a carater excepcional das runturas estruturais daordem jurfdico-democrMica.

o enfoque "crftico" do direito penal nao constitui urn corpo

hornogeneo. Ex iste tambern , paradoxalmente, urn enfoque

"crftico", que se movimenta dentro dos parametres hegernonicos

do pensamento conservador e que permite delinear 0problema das

garantias, em termos de modelo normative nao realizado na pratica.

Isto possib ili tou aos juris tas desenvolver urn direito das garantias

que permanecia no plano do "espfrito da lei", sem se interessar

pelas tecnicas garant idoras. 0 contrario teria exigido 0 questiona-mento da dogrnatica penal.

Os mecanisrnos que asseguram a efetivacao dos princfpios esta-

belecidos na inst ituicao do cheque como forma de pagamento nfio

encontram equivalente no campo das liberdades publicus ou indivi-duais, para dar urn exemplo.

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 7/69

o enfoque historico, ao qual Ni lo Bat is ta recorre frequente-

mente, permite colocar em julgamento as hip6teses do modelonao

realizado. j

Em resumo, parece-me que a expressao direito penal "conser-

vador-l iberal " nao configura urn caso de contradicao previstc i pela

dogrnatica.

o direito penal i luminista, resul tado das lutas da burguesia que

culminaram na Revolucao Francesa, se legitima como instrumento

de defesa da sociedade civil; frente a urn estado (absolutista) que

atuava factual e normat ivamente com tota l arbit rariedade e discri-

cionariedade. Em contrapartida, 0direito penal deve constituir-se

de urn sis tema de tecnicas que assegure as liberdades individuals

frente ao poder politico. Os c6digos penais modernos deveriam,portanto, constituir a culminacao tecnico-polftica deste processo.

Sem diivida urn elemento chama a atencao dos c6digos penais do

corneco do seculo XIX (caracterist ica que, por out ro lado , perma-

nece inalterada ate hoje) . 0 conjunto de garantias da sociedade civil

frente ao estado nao esta registrado nos artigos dos c6digos. Pelo

contrario, os del itos contra a estado (lesa-majestade) consti tuem a

prioridade polftico-legislativa. Metaforicamente, se poderia afirmar

que os delitos contra a estado ocupam, na construcao da norma

penal. 0lugar dos mecanismos de acumulacao originaria no proces-

50 de formacao do capital.A questao nao e de pouca importflncia na determinacao futura da

di recao concreta que assume a garantia das l iberdades piiblicas e de

algumas liberdades individuais.

Concebido para ser usado como materia l didat ico, a lntroduciio

critica ao direito penal brasileiro entrega ao leitor as chaves neces-

sarias para desarticular criticamente urn direito penal com primazia

do enfoque "Iesa-majestade", outorgando a possibilidade de re-

construir urn verdadeiro direito penal das garantias.

Dos mui tos meritos deste t rabalho , alguns ja postos em eviden-

cia , eIejo "arbit rariamente" urn. 0 enfoque de Nilo Bat is ta permi te

superar 0debate esteril entre uma visao pan-penalista da vida social

e urn abol ic ionismo tota l e imediato do sistema penal .

o segredo da receita e simples: considerar seriarnente as direitose garantias, aprimorar as tecnicas de defesa jurfdica da sociedade

civil e decifrar os enigmas da dogmatica jurfdica, para toma-les

acessfveis aos movimentos sociais.

o homem niioexiste para a lei, mas sim alei existe para 0 homem.

Karl Marx

Emilio Garcia Mendez

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 8/69

Capitulo I

D IR EITO PENAL E SO CIEDADE .SISTEMA PENAL .

CRIMINOLOGIA. POLiTIC ACRIMINAL.

I "

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 9/69

§ 1~

Direito penal e sociedade

Os trabalhos brasileiros de iniciacao ao direito penal costu-

mam ser abertos com observacoes sobre as relacoes entre

sociedade e direito .Tais observacoes, quase sempre, se limi-

tam a assinalar que a vida em sociedade nao prescinde de

normasjurfdicas; assim, par exemplo, Mirabete' , Damasio",

Mayrink da Costa'.

Certamente nao ha incorrecao em Iembrar - valham-nos

as palavras de Losano - que" das sociedades pre-letradas atea s pos-industriais. os homens movem-se dentro de sistemas de

regras":'. Convern, entretanto, questionar imediatamente as

formas de aparicao hist6rica do direito, para contornar riscos

idealistas aos quais podem expor-se os iniciarites. 0 mais

grave desses riscos e aquele que Miaille chama de "universa-

lismo a-hist6rico"5; na medida em que as ideias constitufssem

Manual de direi to penal , P.O., S. Paulo, 1980; ed. Atlas, P- 13: "a vida em

socicdade cxige um cornplcxo de normas discipl inadoras que estabelcca as regras

indispcnsuveis ao convlvlo ent re os indivfduos que a compocm".2 Direlto penal, P.O., I? V., S. Paulo, 1985, ed, Saraivu, p. 3:"0 direito surge das

necessidades fundamentals das sociedudes hurnunus".

3 Direito penal, P.O ., Ri o, 1982, ed. For ense, p . 4: " a v ida em sociedade i rnpli ca

r ela~6es soci al s e t odo grupament o humane ab re espa~o par a um modus vivendi

at rave s de um con junto de regra s d ir eti va s" .

4 Os grandes s is temas juridicos, tr ud , A.F. Bustos e L. Lei tao, L isbon, 1979, ed,

Presenca, p. 17.

5 Uma int roduci io cri ti ca aodire ito, t rud. A. Prat a, Br aga , 1979 , cd. Morae s, p . 48.

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 10/69

a matriz da realidade, a historia do direito seria autonoma e

destacada com respeito ao contexto hister ico em que tal direito

fora produzido, passando a compor urn conjunto de nocoes

universal mente validas,

Sem pretender resgatar a surrada imagem da "base e

superestrutura", desacreditada pela voz autorizada de

Poulantzas", e decisivo advertir-se para a "essencia

economica" que subjaz as definicoes jurfdicas abstratas",

coinpreendendo 0 verdadeiro processo social de criacao do

direito.

Urna passagem de Tobias Barreto, escrita ha mais de urn

seculo , auxiliara nessa cornpreensao: "nao existe urn direi to

natural, mas ha uma lei natural do direito " g. Acrescentava

Tobias Barreto que, da mesma forma, nao existem linguagem,

industria ou arte naturais, embora exista aquilo que chama de

lei natural da linguagem, da industria e da arte: 0 homem nao

fala "lingua alguma, nao exerce industria nem cultiva arte de

qualquer especie que a natureza Ihe houvesse ensinado; tudo e

produto dele mesmo, do seu trabalho, da sua atividade"9. Aoconceber 0 direito como algo nao revelado ao homem (a

exemplo de uma nocao religiosa) nem descoberto por sua

razao (a exemplo de uma regra de logica formal), mas sim

produzido pelo grupamento humano e pelas condicoes concre-

tas em que esse grupamento se estrutura e se reproduz; ao

ridicularizar a concepcao do direito como "uma lei suprema,

preexistente a humanidade e ao planeta que ela habita", To-

tJ Poulantzas, Nicos, 0 estado, opoder e osacial ismo; t ra d. R . Lima , R io , 1 980 , cd,

Graal , p. 19.

7 Losano, op. ci t., p. 17. As r el acoes econcmicas, por seu tumo, nao se constituern

estru tu ra lmente apenas como relacoes soc ia ls , mas tarnbern como relacoes rna rca-

damen te pol ft ic as e ju ridi c as : d. Boa ventura d e Souza Santos , P ara uma so ciolo-

g ia da d is tincao estado/sociedade c iv il , inDesordem eprocesso , P. A leg re , 1 986,

p.73.

8 Int roducao ao e studo do di re it o, i n Estudos de direito; Rio , 1892, ed. Laernrnert,

p.36.

9 Ibidem.

18

bias Barreto se antecipava extraordinariamente as concepcoes

juridicas correntes no Brasil de sua ~pocaIO,

o direito penal vern ao mundo (ou seja , e legislado) para

cumprir funcdes concretas dentro de e para uma sociedade que

concretamente se organizou de determinada maneira.

o estudo aprofundado das funcoes que 0 direito cumpre

dentro de uma sociedade pertence a sociologia juridica, mas 0

jurista iniciante deve ser advertido da importancia de tal es-

tudo para a cornpreensao do proprio direito,

Quem quiser compreender, por exemplo, 0direito assirio ,

o direito romano, ou 0 direito brasileiro do seculo XIX, pro-

cure saber como assirios, rornanos e brasileiros do seculo XIX

viviam, como se dividiam e se organizavam para a producao e

distribuicao de bens e mercadorias; no marco da protecao e da

continuidade dessa engrenagem economica, dessa "Ordem

Politica e Social" (nao por acaso, designacao dos departamen-

tos de policia polftica entre nos - DOPS) estara a contribui-

c;:aodo respectivo direi to. Mesmo os penalis tas chamados de

"classicos " , Hio proximos de urn processo historico no qualfoi oportuno extrair da raziio contei idos juridicos "natu-

rais ' II, percebiam as vezes esse carater "pratico". Carrara,

desenvolvendo os elementos de sua famosa definicao de cri-

ao deter-se no "dano polftico", assinalava que 0direito

(em sentido subjetivo) e atr ibuido ao estado "como meio

mera defesa da ordem externa, nao para 0 fim de aperfei-

cit., p. 39. Hermes Lima percebeu que a posicno de Tobias Barreto

"signlflcava repelir a crenca numa essencia i de al d e justica, que moveria as

mA"jU1lun;u., e substitut-la pela concepcao defurores social s e culturais que,

esfera da hurnana a tividade , apareclam e se renovavarn" (Obros completas deTobias Barreto, Introducao Geral, S. Paulo, 1963, ed. INL, v. I, p. 160),

JUSna~ural:is[Jlofoi 11 teoria jurid ic a da burgues ia revoluc lonaria, que procurava

:c :c :c c "_c .~_ ' os privilegios e distincoes do mundo (e . portanto, do direito) medieval,

como inserir 0monarca den tro da esfera de novas relacoes jurid icus , a traves

princ [p ios "rmtura ls " da igualdade formal e da universal ldade dodire ito, Cf.

c c : i : : c c : c c c c . : : . · . . ' . : - : - : .- - . c ~ , La re if ic az io ne n el la sc ie nza g iu ridi ca , t ra d, R . Gua st in i, i nMarxismo e

del diritta, Bolonha, 1980, ed, II Mulino, p. 90. Cf. tambem Paulo

Bonavides, Do estado l iberal 00 estado social, Ri o, 1980, ed, Forense, p, 4.

19

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 11/69

coamento interno' '12. E a esse vies que se reporta a observa-

c ; a o , recorrente em trabalhos introdut6rios, da caracterfstica

finalistica do direito penal. a direito penal existe para cumprir

finalidades, para que alga se realizec-tiiss para a simples

celebracao de valores eternos ou glorificacao de paradigmas .

morais.

Resulta claro que conhecer essas finalidades e impartantepara conhecer 0direito penal. Quaisquer que sejam tais finali-

dades - inclusive a de evitar que "prorrompa a guerra de

todos contra todos", como dizia von Liszt" -, constituem

elas obviamente materia que nao pode ser estranha as preocu-

pacoes do jurista. Atribuindo-se 11figura de von Liszt conota-

C;6esque certamente nao possuia, 0jurista nao pode deixar de

farmular algumas indagacoes, a saber: existira de fato uma

guerra de todos contra todos, ou, pelo contrario, uma guerra

de alguns contra outros'l Que guerra e essa? Por que alguns

desejam guerrear contra outros? Se 0 direito nao cai do ceu,

mas e elaborado por homens, qual a posicao dos homens que 0

editam nessa guerra? S6 0direito penal evita que se prorrompatal guerra? Nao prorrornpera ela apesar do direito penal?

Evitada a guerra, quem ganha e quem perde com essa "paz"

que 0 direito penal assegurou? Essas e outras perguntas po-

derao aproximar-nos, ate sem que 0 percebamos, de certas

chaves centrais no afazer juridico: jusnaturalisrno e positi-

vismo jurfdico, interpretacao da lei, fins da pena, politic a

criminal, etc.

Afirmamos, portanto, que 0 direito penal e disposto pelo

estado para a concreta realizacao de fins; toca-Ihe, portanto,

12 Programma, § 13.

13 Tratado de dire i to penal allemiio , tr aducao 1 .Hyg ino, Rio , 1899 , ed, B ri gu iet , v .

I,p. 95. A expr ess ao "guer ra de todos con tr a todos" r emont a a Hobbes; Mont es -

qui eu f al ar ia de "e st ado de gue rra ", eRousseau do' ' dir ci todo mnis fo rte ". Como

registrudo por Marx, no seculo XVIII a fic!;ao segundo a qual 0 "estado de

natureza e 0 verdadei ro e stado du nat ureza hurnana" al cancou 0 apogeu ( II

manifesto filasofico della scuola storica del diritto, in Marx/Engels, Opere: Roma,

1980 , ed. Riunit i, v . I, p . 206) .

20

uma missao politica, que os autores costumam identificar, de

modo arnplo , na garantia das "condic;6es de vida da

soc. iedade", como Mestieri'", ou na "finalidade de combater 0

crime" , como Damasio", ou na "preservacao dos interesses do

indivfduo ou do cOfPo social", como Heleno Fragoso". Tais

formulas nao devem ser aceitas com resignacao pelo iniciante,

o direito penal nazista garantia as "condicoes de vida da

sociedade" alerna subjugada pelo estado nazista, ou era apedra de toque do terrorismo desse mesmo estado, garantindo

emverdade as condicces de morte da sociedade? Sem adentrar

a fascinante questao de que 0 estado primeiro inventa para

depois combater 0 crime, esse combate nao sera algo misera-

velmente reduzido ao crime acontecido e registrado?", au

seja: 0 comb ate que 0 direito penal pode oferecer ao crime

praticamente se reduz - desde que a pesquisa empirica de-

monstrou 0 precario desempenho do chamado "efeito

intimidador" da pena, sob cuja egide sistemas inteiros foram

construfdos - ao crime acontecido (sendo minima sua atua-

gao preventivai e registrado (a chamada criminalidadeaparente, que, como tambern a pesquisa empiric a revelou, emuito inferior- em alguns casos, escandalosamente inferior:

pense-se par exemplo no abortamento - a criminalidade real

sendo a diferenca denominada cifra oculta). Por ultimo, que

significarao "interesses do corpo social" numa sociedade

dividida em classes, na qual os interesses de uma classe sao

estrutural e logicamente antagonicos aos da outra?

A funcao do dire ito de estruturar e garantir determinada

ordem econ6mica e social, a qual estamos nos referindo, e

habitualmente chamada de funcao "conservadora" ou de

"controle social". a controle social, como assinala Lola

14 Teoria elementar do direi to criminal, Rio , 1971 , p . 3.

150p. cit., p. 3.

16 Licii es de direi to penal , P.G., Rio, 1985, ed. Forense, p. 2.

17 Welzel hnvia percebido que, quando 0direi to penal "entra cfetivamente em a~ao,

jJi e, em geral, multo tarde" (Derecho penal aleman, trad. Bustos Ramirez e Y.Perez,

Santiago, 1970, p. 13) .

21

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 12/69

Aniyar de Castro, "nao passa da predisposicao de taticas,

estrategias e forcas para a construcao da hegemonia, ou seja,

para a busca da legitirnacao ou para assegurar 0consenso; em

sua falta, para a submissao forcada daqueles que nao se inte-

gram a ideologia dominante" 18. 3 . facil perceber 0 importante

papel que a direito penal desempenha no controle social. Sob

certas condicoes, pode 0 direito desempenhar outras funcoes

(como, por exempJo, a "educativa" e mesmo a "transforma-dora" - esta, oposta a "conservadora"). A preponderancia

da funcao de controle social e, contudo, inquestionavel,

Determinadas, assim, pela necessidade do poder que con-

fere garantia e continuidade as relacoes materiais de producao

prevalecentes numa dada sociedade, estariam as normas juri-

dieo-penais alijadas de qualquer influencia ativa sobre essa

mesma sociedade? A resposta de Anfbal Bruno merece

transcricao: "sabemos como as sociedades humanas se encon-

tram ligadas ao Direito, fazendo-o nascer de suas necessidades

fundamentais e, em seguida, deixando-se disciplinar par ele,

dele recebendo a estabilidade e a propria possibilidade de

sobrevivencia"19. Ou seja, embora 0 direito penal seja mo-

delado pela soeiedade - e, em ultima instancia, hao de pre-

valecer sempre as variaveis economicas que determinam suas

linhas fundamentais - ele tambem interage com essa mesma

sociedade. Como ensina Miranda Rosa, "se 0direito e condi-

cionado pelas realidades do meio em que se manifesta, entre-

tanto, age tambern como elemento condicionante' '20

Ha marc ante congruencia entre os fins do estado e os fins

do direito penal, de tal sorte que 0 conhecimento dos primei-

18 Criminologla de la iiberacion, Maracaibo, 1987, ed. Un: del ZUIi.a"p, 119.Informucao sobre0desenvolvimento da ideia decontrole social e~ ZahideMacha-

do Neto Direito penal e e.rtruturasocial, S. Paulo, 1977,ed. Saraiva, p. 4 58. PIU'a

Juarez Tavares , a finalidadenormative-material da cria~iiojurfdica de delitos estd OIl

"pro~iio aos interesses dominantes na estrutura social esttatificoda" (Teorias do

delito, S. Paulo, 1980, ed. RT, p. 4).

19 Direito penal, P.G .• Rio, 1959. ed. Forense, v. I.t. I?, p. 11.

20 Soclologia do direita, Rio, 1970, ed, Zahar , p. 57.

22

ros, nao atraves de formulas vagas e ilusorias, como soi f~-

gurar nos livros j~ridi~o~~I: mas atra~es .do exame. d~ s~as rears

e concretas funcoes historicas, econormcas e SOCIalS,e funda-

mental para a compreensao dos iil timos.

Conhecer as finalidades do direito penal, que e conhecer os

objetivos da criminalizacao de determinadas condutas pratica-

das por determinadas pessoas, e os objetivos das penas e

outras medidas juridicas de reacao ao crime, nfio e tarefa queultrapasse a area do jurista, como as vezes se insinua. Com

toda razfio, assinala Cirino dos Santos que "a definicao dos

objetivos do Direito Penal permite clarificar 0 seu significado

polit ico, como tecnica de controle so~iaI"lZ. Alias, a in?aga-

~ao sobre fins, que comparece em van os momentos particula-

res (na interpretacao da lei, na teoria do bern juridico , no

debate sobre a pena, etc), nao poderia deixar de dirigir-se ao

direito penal como urn todo.

j.: ,

iIri

21 "Los fines del Estado son dif tc ilcs de deterrninar , de modo absoluto y omni-

comprensivo" - Sunguineui, Curso de derecho polit ico. B. Aires, 1986. p. 297.

22 Diretto penal, Rio, 1985, p. 23.

23

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 13/69

§ 2?

Dir ei to p en al e s is tema p en al

Devemos distinguir entre dire ito penal e sistema penal.

Provisoriamente, diremos que 0 direito penal e 0 conjunto de

normas jurfdicas que preveern os crimes e lhes cominam san-

~6es, bern como disciplinam a incidencia e validade de tai~

normas, a estrutura geral do crime, e a aplicacao e execucaodas sancoes cominadas.

Ha outros conjuntos de normas que estao funcionalmente

ligados ao direito penal: assim, 0 direito processual penal I, aorganizacao judiciaria, a lei de execucao penal, regulamentos

penitenciarios, etc. Criadas por esses conjuntos, ou a eles

subardinadas, existem instituicoes que desenvolvem suas ati-

vidades em torno da realizacao do direito penal.

A polfcia judiciaria investiga urn crime sujeitando-se (ou,

pelo menos, devendo sujeitar-se l) as regras que 0Codigo de

Processo Penal (CPP) consagra ao inquerito policial e as pro-

vas. 0 inquerito conclufdo e encaminhado a uma "vara

criminal" , ou que outra designacao Ihe tenha assinado a lei de

organizacao judiciaria local. Tratando-se de urn crime perse-

qiifvel por acao penal publica, 0Promotor de Justica oferecera

" demincia, e urn procedimento previsto no CPP se seguira.

I Frederico Marques assim0define: "conjunto de princfpios e normas queregulam

IIapl icacao jur isdicional do direi to penal , bern como asat ividades persecu!6rias da

policia judicidria, e a estruturaefio dos drgiios de fum;fiojurisdicional e respect! vas

auxillares" (Elementos de direito processual penal, Rio, 1961. v . I, p. 20).

24

Condenado 0 reu a pena privativa de liberdade que deva cum-

prir-se sO.b regime fechado, sera ele recolhido a uma

"penitenciaria", especie do genera "estabelecimento

penal" , submetido ao que dispoe a Lei de Execucao Penal -

LEP~. Virnos a sucessiva intervencao, em tres nitidos estagios,

de tres instituicoes: a instituicao policial, a instituicao judicia-

ria e a instituicao penitenciaria. A esse grupo de instituicoes

que, segundo regras juridicas pertinentes, se incumbe de reali-zar 0 direito penal, charnamos sistema penal.

Zaffaroni entende par sistema penal 0 "controle social

punitivo institucionalizado"J, atribuindo a vox "Institucio-

nalizado" a acepcao de concernente a procedimentos esta-

belecidos, ainda que nao legais. Isso Ihe permite inc1uir no

conceito de sistema penal casos de ilegalidades estabelecidas

como praticas rotineiras , mais ou menos conhecidas ou tolera-

das C"esquadroes da morte " - por ele referidos como

"ejecuciones sin proceso"", tortura para obtencao de confis-

sees na policia, espancamentos "disciplinares" em estabele-

cimentos penais, ou usa ilegal de celas "surdas", etc). 0sistema penal a ser conhecido e estudado e uma realidade, e

nao aquela abstracao dedutivel das normas juridicas que 0

delineiam,

Com propriedade, Cirino dos Santos observa que 0sistema

penal, segundo ele "constitufdo pelos aparelhos judicial , pol i-

cial e prisionaI, e operacionalizado nos limites das matrizes

legais"5, pretende afirmar-se como "sistema garantidor de

uma ordem social justa", mas seu desempenho real contradiz

essa aparencia.

Assim, 0 sistema penal e apresentado como igualiuirio ,

atingindo igualmente as pessoas em funcao de suas condutas,quando na verdade seu funcionamento e seletivo, atingindo

2 Cf. lei n? 7.210, de I l. jul.B4, art , 82 ss.

3 Sistemas penates y derechos humanos enAmerica Latina, B. Aires, 1984, p. 7.

4 Manual de derecho penal, B. Aires, 1986, p. 32.

5 Op. cit., p . 26 .

25

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 14/69

apenas determinadas pessoas, integrantes de detenninados gru-

pos sociais, ,a pretexto de suas condutas", (As excecoes, alern

de confirmarem a regra, sao aparatosamente usadas para a

reafirmacao do carater igualitar io.) 0 sistema penal e tambernapresentado comojusto, na medida em que buscaria prevenir 0

delito, restringindo sua intervencao aos limites da necessidade

- na expressao de von Liszt, "s6 a pena necessaria e justa"7-, quando de fato seu desempenho e repressivo , seja pela

frustracao de suas l inhas preventivas, seja pela incapacidade

de regular a intensidade das respostas penais, legais ou ilegais,

Por fim, 0 sistema penal se apresenta comprometido com a

protecao da dignidade humana - a pena deveria, disse certa

ocasiao Roxin, ser vista como 0 service militar ou 0 paga-

mento de impostos" -, quando na verdade e estigmatizante ,

promovendo uma degradacao na figura social de sua clientela.

o Instituto Interamericano de Direitos Humanos realizou uma

pesquisa sabre sistemas penais e direi tos humanos na America

Latina, cujo informe final, redigido pelo diretor da pesquisa,

Zaffaroni, constitui 0mais atual e completo documento crfticosobre a realidade de nossos sistemas penais", Seletividade,

repressividade e estigrnatizacao sao algumas caracterfsticas

centrais de sistemas penais como 0 brasileiro. Nao pode 0

jurista encerrar-se no estudo - necessario, importante e espe-

cffico, sem diivida - de urn mundo normativo, ignorando a

contradicao entre as l inhas prograrnaticas legais e 0 real fun-

cionamento das inst ituicoes que as executam.

§ 3?

Criminologia

Criminologia, segundo Lola Aniyar de Castro, "e a ativi-

dade intelectual que estuda os processos de criacao das norrnas

penais e das normais sociais que estao relacionadas com 0

comportamento desviante; os processos de infracao e de des-

via destas nonnas; e a reacao social, formalizada ou nao, que

aquelas infracoes ou desvios tenham provocado: 0seu proces-

so de criacao, a sua forma e conteudo e os seus efeitos"l.

Nossos textos de iniciacao ao dire ito penal of ere cern

geralmente conceito bern diferente da criminologia, neles

apresentada como urn conjunto de conhecirnentos, ao qual seatribui ou nao carater cientff ico", cujo objet ivo seria 0exame

causal-explicativo do crime e dos criminosos', de utilidade

questionada', Anfbal Bruno menciona a •.prevencao de alguns

1 CriminologilJ do reofao social, tr ad. E. Kosowski , Ri o, 1983, p. 52.

2 "Seu carater de verdade ira c ienc ia e por mui to s contes ta do ( . .. ) " - Mest ier i, o p.

cit., p. 20.

3 "E el a (a cnmino logia) c ie nci a c aus al -e xpl ic at iv u. E studn a s l ei s e fu rores da

crimlnal idade e abr ange as ar eas da antr opologi a e da soci ol ogia criminal" -

Magnlhiies Noronha, Diretto penal, S. Paul o, 1985, v. I , p. 14. Mir abete adota a

seguime defini~iio: "e a ci en ci a que c uida d as l ei s e f atores d a cr im in al idnde,

consagrando-se noes tudo do crime e do delinquen te , do ponto de v is ta causa l-ex-

plir.nlivo" - op. cit., p. 20. Para Mestieri, e "a c ienc ia que estuda 0 fennrneno

criminul sob 0prisma causa l-explicat ive. em todos as seus aspec tos. endcgenos e

exogenos" - op. cit., p. 20.

4 E represenwlv il a seguinte passagem de Mngalhiie s Noronha : "ac reditamos que

s ince ramente nno sepode negar 0vnl or da criminologi n" - op. cit. , p, 15. Como

ass inala com precisao Rene Ariel Doni. noBras il , sob 0 inf luxo do pensamento de

Nelson Hungria , a c rimino logia "ca iu em desgraca na orb ita jurfd ica" tReforma

penal brasileira, Rio, 1988, p. 162).

6 "En la re al id ad, p es e a ld i sc ur so jur fd ic o, el s is l ema pen al s e di rige c asi si ernp re

contra c ie rtas personas mas que contra c ie rtas acetones' - Zaffaroni, Manual,

cit., p. 32.

7 La t eo ria de ll o s r: opo nel d ir it to penal e • trad. A. Calvi, M iHio. 1962, p. 46.

8 Apud Ord cig, T ie ne un f uturo l a dogmdt ica jur fd ic o-pe nal ? in Estudios de derecho

penal, Madri , 1976, p. 72.

9 Si st emas pena te s y der echos I rumll fw s ell Ameri ca Latina - i nf orme fi na l. B.

Aires . 1986,

2627

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 15/69

juristas para com os trabalhos da criminologia"5.

Tal prevencao, infelizmente, nao derivava da percepcao

Jo impasse metodol6gico e dosequfvocos positivistas, pre-

sentes na consideracao da criminologia como simples exame

causal-explicative do crime e do criminoso, nem das funcoes

de legitimacao de ordens sociais. injustas desempenhadas par

tal criminologia", Tal prevencao estava ligada a pratica esqui-zofrenica, haurida de uma vertente neokantista que influen-

ciou extraordinariarnente a pensamento juridico , nao de dis-

tinguir entre a ser e 0dever-ser, mas sim de literalmente criar

dais mundos epistemologicamente incomunicaveis. Tal in-

fluencia, surgida, como lembra Zaffaroni, "numa epoca em

que se evidenciou a necessidade de isolar cuidadosamente 0

ser eo dever-ser, pois 0segundo nao guardava harmonia com

a primeiro e 0 positivismo organicista burgues nao Iograva

compatib iliza-los"?", atingiu profundamente 0 direito penal

brasileiro", Ievando-o a urn desprezo olimpico pela realidade,

a urn intencionaI isolarnento". Na verdade, ser e dever-ser

relacionarn-se como fato e valor, nurna relacao de totalidade

.~

5 Op. clt., p. 43.

6 Nao por aca so, BasiI eu Gar cia caracte ri za a s d is ci pl inas cr iminol 6gi ca s como

aque la s "que se p reocupam com a deli nquenc la comoJato natural. procurando

apontnr-lhe as causus, com 0 emprego do metoda posith'o, de observacao e

cxpertmcntacao" -irwilllit;oes dedireito penal, S. Paulo, s/d, v. 1, t. I, p. 25.

Bergulli menciona 0 " se rv ice que 0 positivisrno criminologico; cspeciulmentc

aquele de cunho lornbrosiano, preston a aflrmacfio do sistema social implantado

pela burguesia t riunfante no processo de uni flcaci lo da l ta lfa" , ucrescentando que

ta l s erv ice teve " el ti to so e r upi do t ru st udo pa ra a Ameri ca do Sul " (cf, Pavarini,

Massimo, Control y dominacion, trad. I.Mufiagorri, Mexico, 1983, epi logo, p,

200).7 Las necesi dades del s aber pena l In tinoameric ano, i n r ev . IUSIO, Bogota, 1987,

n? 9, p. 135.B Veja-sc, por exernplo, 0 Hel eno Fragoso de Conduta punivel (S. Paulo, 1961).

9 Rel ernbre -s e Nel son Hungri a concl ar nando pro fes so res e es tudant es de d ir e i to ,

ndvognd05 e mugi st rados , pa ra uma "dou tri na de Monroe": "0di re it o penal e

para cs juristas, exclusivarnente para os juristas, A qualquer lndehita lntromlssao

em nosso Lebensraum, f acamos re ssnar , em toque de r ebate , nos sos tambore s e

clarins!' (Novas questiies jurtdico-penais, Rio, 1945, p. 15) .

28

dialetica, como registra Poulantzas III, e par essa perspectiva 0

saber crimino16gico e 0 saber juridico-penal se comunicam

permanentemente, . .

Releia-se 0 conceito de criminologia de Lola Aniyar de

Castro, com 0qual foi aberto este paragrafo, cornparando-o ao

conceito absolutamente predominante nos autores

brasileirosl1• Devemos fugir a tentacao de supor que a di-

ferenca esteja apenas na amplitude. Para a professora vene-

zuelana, a criminologia englobaria os seguintes aspectos: 1. a

sociologia do direito penal e do comportamento desviante; 2. a

etiologia do comportamento delitivo e do comportamento

desviante; 3. a reacao social, compreendendo a psicologia

social correspondente, as penas e outras medidas, bern como a

analise das instituicoes que as executarn". Para a criminologia

positivista,o alcance se limitaria a metade do segundo aspecto

(etiologia do cornportamento delitivo). Nao e essa, contudo, adiferenca importante.

Quando a criminologia positivista nao questiona a constru-

c;:aopolitica do direito penal (como, por que e para que seameacam penalmente determinadas condutas, e nao outras,

que atingem determinados interesses, e nao outros , com a

resultado pratico , estatisticarnente dernonstravel , de se alcan-

c;:arsempre pessoas de determinada c1asse, e nfio de outra),

10 "A relaceo dos sistemas normativos da superestrutura, que pertencern ao de-

ver-ser social, com a base, comprcendendo a relu9iio de significante a significado,

ou de l inguagcm a reali dade , e determinante e s igni fi cati va enquanto relm; iio de

dever-ser e ser , de valor efato , cnncebidus esscs terrnos niioja em sua jrredutibili-

dade idealista essencial, mas sim em sua relacao de rotulidude dluletica" (EI

examen marxism del estudo y del derecho uctuales y l acuest ion de lualrernntlva, in

Marx - el derecho y el estado; t rad. J .R . Capel la . Barcelona, 1979, p. 81).

II 0Helene Fragoso du mutur idade , que ja huvia percebido "0completo frncasso"

dn criminologia pcsitivista (c)(pressfio empregada no prefdcio a traduciio braslleiruda Criminologic do reacao Jacial, de Lola Aniyur deCast ro. c it ., p .Xlll), adotou,

nas t il ti rnas cdicoes de suas Licoes, a scguinte def inicao: "a cienciu que estuda 0

crime como futo social, 0 deli nqi iente e a del inqucnc ia , be rn como , em gerul , 0

surgimento das normas de comportamcnto social e a condutu que as viola ou delas

se desvia e 0 prucesso de rencao social" (op. clt., p. 18).

12Op. c it ., p .52.

29

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 16/69

nem ~ aparicao social de comportamentos desviantes (seja

pelo sllenci? e~trategico do legislador, que nao converte aqui-

10 que a matorta desaprova - desviante - em delituoso, seja

pel~ desc?mpasso entre vetustas bases morais, a partir das

quars se instalaram instrumentos de controle social e sua

inc~ssante transforrnacan historica, seja ate pela propria etio-

l~gla enquanto processo social individualizavei), nem a rea-

'tao social (desde as representacoes do delito, do desvio, dapena e do sistema penal, dispersas no movimento social ou

si~alizadas na opiniao publica enos meios de comunica~ao,

ate 0 exarne das funcoes, aparentes e ocultas, que a pena

desempenha, nomeadamente a pena privati va da liberdade, tal

co~o.existe e e executada pelas diversas instituicoes que dela

partlcl~am); quando a criminologia positivista nao questiona

nada_dlSSO,ela cumpre urn importante papel polftico, de legiti-

ma~ao da ordem estabelecida. Como anota com precisao

QU1.n?~y, "a realidade oficial e a realidade com a qual 0

pos~t~v~staopera - e a realidade que ele aceita e suporta. 0

pOSIt~Vlstatoma por dada a ideologia dominante, que enfatizaa racionalidade burocratica, a tecnologia modema, a autori-

dade centralizada e 0 controle cienttflco"!'. Tal criminologia

necessariamente tende a tratar 0epis6dio criminal como episo-

dio individual e a respaldar a ordern legal como ordem natural:

nao por acaso, seus precursores procuraram tematizar urn

"homem delinqiiente", que, ao lado dos "Ioucos morais"!'

viola a ordem legal, ou urn "delito natural", que atinge

13 ? controle do crime nasociedade capital is tn: urna f ilosof ia crf tiea da ordem legal ,

inTaylor , Wal ton e 'Young (org. ), Criminologia critica, t rad. Cir ino dos Santos e

S. Tancr edo , Rio , 1980 , p. 224.

14 Ao l ongode t odo 0 livro de Lornbroso (L' uomo delinquente, Turim , 18B4 , ed . F.

Bocca, 3: ed. ), a " tr is tc classe do hornem del inqi lente" (p. 304) e sempre refer idu

e cotejada it charnada "Ioucura moral". Na pagina cuada, Lombroso exarninava a

"e st ranha tenuc idade e d if usf io " com as quai s r eus ost en tavarn ta tuagens. Bern

disse Lichtenberg, citado por Jaspers , que "0 estudo da f ls iognornonln e, descon-

t uda a profe ti zacao , a rnais enganosa de todas a s u rt es hu rnanas que uma ment e

excentricajarnais inventou " iPsicopatologta geral, t rud. A. Re is , Ri o, 1973, v . I ,

p.326).

30

"sentimentos" encontraveis nas "racas superiores", indis-

pensaveis para a "adaptacao do indivlduo it sociedade"l\ is to

e, para a manutencao da ordem legal. Se alguma abertura

social se acrescenta a essa perspectiva, como se deu com

Ferri", 0 resultado e, como precisou, espirituosarnente, Lyra

Filho, "uma especie de progressismo idflico " 17, A racionali-

dade ou a justica da ordem legal e das instituicoes que inte-

gram 0sistema penal, bern como as funcoes por elas desernpe-nhadas numa sociedade dividida em classes, nao sao absoluta-

mente inquiridas pelo criminologo positivista.

A essa "falha polftica"IB do positivismo (a qual, por in-

serir-se num trabalho de introducao ao direito penal, conce-

deu-se primazia) sornam-se outras, que colocam em cheque 0

valor de suas premissas, seus metodos e conc1us6es. Simplifi-

cadamente, resumiremos essas falhas em: a) supor que na

transcricao da objetividade cognoscivel nao se imprime a

experiencia do sujeito cognoscente; b) reduzir a objetividade

cognoscfvel ao que nela for empfrica e sensivelmente

dernonstravel; c) ter, portanto, na metodologia 0 centro e 0

l imite inexoravel de sua atividade cientffica; d) eonceber de

forma mecanicista os fatos sociais, produzindo explicacoes

com base em relacoes causais". Frise-se que daquele suposto

"distanciamento" entre 0objeto cognoscivel e 0 sujeito cog-

noscente, com a interveniencia da mitificacao metodologica,

o positivismo extrai outra consequencia polftiea: a aparente

15 0 "deli to natural", na def inicno de Garofalo, "e urna lesdo daquela par te dosenso

moral que consiste nos sentimentos altrufsticos fundamentals (piedade e

p rob idade) segundo a proporci io media em que se encon tr am nas raca s humanas

superiores, proporcao essa necessarlu para [Iadaptacao do individuo a sociedade "

(Criminotogia, Turim, 1885, p. 30).

16 Principios de direita criminal, trad. L. d 'Ol iveir a, S . Paulo , 1931.

17 Criminologia dialetica, Rio, 1972, p. 16.

18 Quinney , l oc, c it .

19 Para urn exame arnplo dessas falhas, d.Juarez Cirino d05 Santos, A cr tm ino log ia

do repressiio, Rio, 1979, p. 47 5S.; Quinney, op. cit., p, 223 ss; Lola Aniyar de

Castro, op, cit., p. 255 .

31

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 17/69

I I

"rieutralidade " do cientistasocial, que seria urn simples pro-

dutor de saberes, indiferente as tens6es da realidade social.

A crirninologia conheceu, nos tiltirnos vinte anos, uma

verdadeira revolucao, que the permitiu superar 0 impasse

positivista. Chamemos, de modo generico, Criminologia Cri-

tica ao conjunto das tendencias - "especie de frente ampla",

como registra Araujo lr. 20 - que realizaram tal superacao e

tornaram acessfvel ao estudioso do direito penal conhecimen-tos ate entao camuflados ou distorcidos, inclusive sobre seu

proprio offcio". Ao contrario da Criminologia Tradicional, a

Criminologia Critica nao aceita, qual a priori inquestionavel ,

o c6digopenal, mas investiga como, por que e para quem (em

ambas as direcoes: contra quem e em favor de quem) se ela-

borou este codigo e nao outro. A Criminologia Critica, por-

tanto, nao se autodelimita pelas definicoes Jegais de crime

(comportamentos delituosos), interessando-se igualmente por

comportamentos que implicam forte desaprovacao social

(desviantes), A Criminologia Critica procura verificar 0 de-

sempenho pratico do sistema penal, a missao que efetivamentelhe corresponde, em cotejo funcional e estrutural com outros

instrumentos formais de controle social (hospicios, escolas,

institutos de menores, etc), A Criminologia Crftica insere 0

sistema penal - e sua base normativa, 0 direito penal - na

disciplina de uma sociedade de classes historicamente deter-

minada e trata de investigar, no diseurso penal, as funcoes

ideo16gicas de proc1amar uma igualdade e neutralidade des-

mentidas pela pratica", Como toda teoria critica, cabe-lhe a

tarefa de "fazer aparecer 0 invisfvel"!J

20 Os grandes movimentos da politico criminal de nosso tempo, Rio, 1986, p. 4.

21 Nao cabe, em mere topico de introducao no direlto penal, uma exposicao das

diversas criminologies de car iz posit ivism, nem daquelas que, cer tamente a par ti r

dos estudos precursores da criminologia interaclonlsta, esramos reunindo sob 0

r6 tu lo gera l de Cr im inologia Crf ti cn , Por nao haver er n i nf luenci ado qua lque r

penalista brasileiro, nao nos referimos a s direcoes ccnstrucionista social e fenorne-

no log ica . Alem das obrns c itada s, r emet emos 0 l ei ter interessado a: Taylor,

Wal ton e Young, The new criminology: for a social theory ofdeviance, N. York,

1974; Traverso e Verde, Criminologia critica, Padua , 1981; Ba ra tt a, A. , Crimi-

nologia critica y critica del derecho penal, t rad. A. Bunster , Mexico, 1986; Cir ino

dos San tos , A criminologia radical. Rio, t 981; Lola Aniyur de Cnstro, Criminoln-

gla de 10 liberacion, Maracai bo, 1987; Bergal li , R. , Crttica a 10 crlminologta,

Bogota, 1982; Rosa del Olmo, America Latina y su criminologia, Mexico, 1981.

22 "Comprcender que 0sistema legal nfioserve ii sociedade como urn todo, mas serve

05 interesses da classe dorninante, e 0 corneco de uma compreens iio cr lt ic a do

di re ito c rim inal, na sociedadecap it nll st a" - Qu inney , op. cit., p. 240.

23 Miaille, op. cit., p. 17.

32 33

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 18/69

~

ifI

j~I~t

J i '

I I I

I:1IIII

§4?

Po lf ti c a c rim ina l

Do incessante processo de mudanca social, dos resultados

que apresentem novas ou antigas propostas do direito penal, das

revelacoes ernpfricas propiciadas pelo desempenho das institui-

coes que integram 0 sistema penal, dos avances e descobertas da

criminologia, surgern princfpios e recomendacoes para a reforma

ou transformacao da Iegislacao criminal e dos orgaos encarrega-

dos de sua aplicacao. A esse conjunto de princfpios e recomenda-

coes denomina-se politica criminal. Segundo a atencao se con-

centre em cada etapa do sistema penal, poderemos falar em

poiftica de seguranca publica (enfase na instituicao policial) ,

polftica judiciaria (enfase na instituicao judicial) e politica

penitenciaria (enfase na instituicao prisional), todas integran-

tes da polftica criminal. Como anota com precisao Pulitano, ha

entre a criminologia e a politica criminal a distincao - e ao

mesmo tempo 0relacionamento - intercorrente entre a capa-

cidade de interpretar e aquela de transformar certa realidade' .

Con vern igualmente advertir que a acepcao que se confere aqui

I Politico criminale; in Mar inuci c Dolcini (org. ), Diritto penale in trasformazione,

Mildo, 1985, p. 17 .. Essa dualidade entre conhecer e iltllar es ta p re sen te nu

definicuo de Zipf, para.quem a polftica criminal implicaria . 'obtencao e realizacuo

de cri terios diret ivos no i imbi to da jus tica criminal" Untroduccio« a /a polit ica

criminal. trad, Macias-Plcavea, Madri, 1979, ed, Rev. Pen. Privado, p. 4).

Zaffaroni questiona a distint;iio entre criminolcgia e politica criminal, porquanto

"todo saber criminolugico esta previamente dclimitado por urna intencionaJidade

politica " (En busca de las penas perdidas , B. Aires, 1989, p. 177).

34

a politic a criminal nada tern a ver com compromissos teoricos

de urn certo movimento, Iiderado por von Liszt no final do

seculo XIX, que chegou a ser chamado de "escola da polftica

criminal' '2.

Ocampo da politica criminal tern hoje uma amplitude

enorme. Nao cabe mais reduzi-Ia ao papel de "conselheira da

sancao penal", que selimitaria a indicar ao legislador onde equando criminalizar condutas'. Nern se pode aceitar a primitiva

formula lisztiana de sua relacao com a polftica social: esta se

ocuparia de suprimir au limitar as condicoes sociais do crime,

enquanto a polf t ica criminal so teria por objeto 0 delinqiiente

individual mente considerado', Em ambos os casos, estao sendo

pagas elevadas taxas a criminologia positivista: taxa polftica no

primeiro caso (a aceitacao legitimante da ordem legal nao per-

mite que a politica criminal visite 0outro lado, circunscrevendo-

a as funcoes de "conselheira da sancao penal"), taxa te6rica no

segundo caso (a segregacao arbitraria do individuo delinquente

das condicoes sociais do crime sugere 0 reconhecimento de

processos causais distintos - ainda que ao genero "fatorialista"

- de ordem social e individual, tendo como sequela que a

politica criminal tambern deve distinguir-se da polftica social). A

politica criminal sera, como diz Szabo, a prima pobre da politica

2 Sobr e as ca racte ri st lc as de sse s compromis sos teor icos: Bergal li, op . ci t., p . 90;

Fragoso, Lieoes, p. 48; A. Bruno, op. cit., p. II I.

3 Para A. Bruno , a pclltica criminal e "um conjunto de princfpios de orientaci io do

Estado na luta contra a criminalldude , atraves de rnedidas aplicavcis aos

criminosos" (op. cit ., p . 33) . Para Basileu Garcia, "u pnl it ica criminal exam ina 0

direl to em vigor . upreciando II sua idoneidade na protecfio social, contra os

criminosos e, em resul tado dessa cri ti ca , sugere as reformas necessnrias . Ver if l-cado se a legis la~i io vigente alcanca sua f inal idade, t ra ta de aperfeiconr a defesa

ju rid ico-pennl con tra a delinqii encia " ( op. ci t. , p . 37). Pa ra Mar c Ancel, "todo

mundo purece concordat com que u pol lt ic a cr iminal t er n de i nfc io por obje to ,

indlscutivelmente , a repressao do crime. pelos meios e procedimcntos do direi to

penal (au, rnais arnplarnente, do sistema penal) em vigor" (Pour une etude

systemat ique des probl ernes de pol it ique cr ir rii nel le , in Archives de politique

criminelle, n~ 1, Paris, 1975, p. 16).

4 von Lis zt, Tratado, p. 112.

35

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 19/69

social', mas esta indissoluvelmente ligada a ela. Por isso mesmo,

muito mais do que a hist6rica tensao entre a politica criminal

(concebida como aquela "conselheira".que procura aprimorar a

funcianalidade repressiva do sistema penal) e 0 direito penal

(concebido pela perspectiva garantfstico-liberal), tao lapid~-

mente expressa par von Liszt ("0 direito penal e a barreira

infranqueavel da polit ica criminal"), os grandes debates se tra-yam entre finalidades politic as divers as que pretend ammodelar 0

instrumento jurfdico", au seja, entre polfticas criminais diversas.

E ilustrativo perceber a influencia do fracasso da pena priva-

tiva de liberdade ern concretas propostas de polftica criminal. Ha

urn seculo, von Liszt preconizava a suspensao condicional, subs-

titutivos de carater pedag6gico para criminosos jovens, e se

insurgia contra as pen as curtas, que "nao corrigem, nao

intimidam" e, "muitas vezes, encaminham definitivamente para

o crime 0 delinqiiente novel"7. A constatacao, pela pesquisa

empfrica nos ultimos cinqiienta anos, do fracasso da pena priva-

tiva da liberdade com respeito a seus objetivos proclamados,

levou a uma autentica inversiio de sinal: uma polftica criminal

que postula a permanente reducao do ambito de incidencia do

sistema penal. Assirn se entende Fragoso: "uma politica criminal

maderna orienta-se no sentido da descriminalizacao e da desjudi-

cializacao, ou seja, no sentido de contrair ao maximo 0 sistema

punitivo do Estado, dele retirando todas as condutas anti-sociais

que podem ser reprimidas e controladas sem 0 emprego de

sancces criminais"8, isto e, no sentido de uma "conselheira da

sancao nao-penal" .Baratta prop6e quatro indicacoes "estrategicas" para uma

polftica criminal das classes dorninadas", das quais apresentare-

, i

, ,

~, .i' ,II I

,I

,

I :,

II

:1 I .IIit ~

I :I:II

I I III II. ,

I'

5 "par ient e pobre " - C riminologiay poltt ic a enma ter ia cr imi nal , trud. F. Blanco,

Mexico, 1980, p. 169.

6 Pulitano, op. cit., p. 9: "In tensione pastil in evidenza non e t an to fr a d ir it tn e

politica criminale, quanto fra finalita pelitiche diverse, tutte confiuenti a modellu-

re 10 s trumento giuridico" .

7 Tratado , p. 113 e 114.

8 Li'7oes, p. 17.

9 Op. cit., p. 213 55.

36

mas a seguir urn resumo. Ern primeirodugar, numa sociedade de

classes a polftica criminal nao pode reduzir-se a uma "polftica

penal" , l imitada ao ambito da funcao punitiva do estado, nem a

uma "polftica de substitutivos penais ' , vagamente reformista e

humanitaria, mas deve estruturar-se como polftica de transformacao

social e institucional, para a construcao da igualdade, da democracia

e de modos de vida comunitaria e civil mais humanos. Emse-

gundo lugar, a partir da consideracao do direito penal como direitodesigual, deve-se empreender dois movimentos: 1~)instituir a

tutela penal em campos que afetem interesses essenciais para a

vida, a saiide e 0 bem-estar da comunidade (0 cliamado "uso

altemativo do direito"): criminalidade economica e financeira,

crimes contra a saude publica, 0meio ambiente, aseguran!ra do

trabalho, etc; 2~) contrair ao maximo a sistema punitivo, obser-

vando-se que muitos dos c6digos penais vigentes foram elabora-

dos sob 0 signa de uma concepcao autoritaria e etica do estado

(para 0 Brasil, basta ler a Exposicao de Motives do vigente

C6digo Penal), descriminalizando pura e simplesmente ou subs-

tituindo por formas de controle legal nao estigmatizantes

(sancoes administrativas au civis)". A esses objetivos correspon-

deria uma profunda transformacao no processo e na organizacao

judiciaria, bern como na instituicao policial". Em terceiro lugar,

10 Sobre descr iminal izaedo, cf. The decriminalization. Mil iio, 1975 (que contern as

atas do colcquio de Bellagio de 1973 sobre 0 tema; 0 relator lo Hulsman Ioi

t ruduzido e publicado na Revis ta de Direi to Penal (RDP) n~9-10, p. 7 55); Report

on decriminalization, Council of Europe, Estrasburgo, J 980; Per is Riera , J .M. , El

proceso despenaltzador, Valencia. 1983; Migue IReale Jr. , Descr iminal lzncao, in

Rev. do lns tl tu to dos Advogados Brasi le iros (lAB), ana VI I, n~ 29, p. 189 ss:

Ivette Senise Ferreira, Politlca criminal e descriminalizacfio. inRev. lAB , ano VII,

R~29, p. 19655; Nilo Batista, Algumas palavras sobre descriminalizacac, inRDP

n? 13, p . 28 55. Como acentuou Figueir edo Di as, " uma Pol ft ic a Crl rn inul que se

queira valida para a presente e 0 f utu ro proximo e pa ra u rn Es tudo de D ire it omaterial, de cariz social e dcruocratico, deve exigir do direito penal que s ointervenha com os seus ins trumentos propr ios de atuacao ali onde se ver if iquern

lesoes insuportave is dRS condicoes comunitdr ias essenciai s de l ivre renlizacao e

desenvolvimento da personalidade de cada homem" (Os novos rumos da pol it ico

criminal e 0 direito penal porlUglles do futuro, Li sbon , 1983, p , 11).

11 A esse proposi to, merecern lei tura e ref lexao asrecomenducoes concretas formula-

das por Zaffaroni, em seu estudo sobre 0 que denominou , udequadnmente , de

37

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 20/69

, '

e tendo como prernissa 0 fracasso hist6rico da prisao, em suas

funcoes de controlar a criminalidade e promover a reinsercao

social do condenado, bern como os verdadeiros fins que tern

exercido, pugnar pela aboli~o da pena privativa de l iberdade";

para aproximar-se desse objetivo, sugerem-se as seguintes

taticas: a) irnplantacao de "substitutivos penais"; b) ampliacao

de formas de suspensao condicional de execucao e livramento

condicional; c) introducao de formas de execucao em regime de

semiliberdade; d) reavaliacao do trabalho carcerario; e) abertura

da prisao para a sociedade, mediante a colaboracao de orgaos

locais. Por essa linha, a altemativa oferecida ao mito da reeduca-

~ao consistiria na criacao de condicoes que levassem 0 conde-

nado a compreender as contradicoes sociais que 0 conduziram a

uma reacao individual e egofstica (0 cometimento do crime),

que, desenvolvida nele a consciencia de c1asse, se transformaria

em participacao no movimento coletivo. Em quarto e ultimo

lugar, preocupado com os processos ideologicos e psicologicos

que se desenvolvem em tomo da opiniao publica, ao escopo de

legitirnacao do direito penal desigual (com referencia especialaos processos de inducao de alarma social, que seapresentam em

"campanhas de lei e ordem" manipuladas par forcas polit ic as,

produzindo a falsa representacao de uma solidariedade social

geral contra um comum "inimigo interno' '), prop6e Baratta uma

"batalha cultural e ideol6gica em favor do desenvolvimento de

uma consciencia altemativa no campo das condutas desviantes e

da crirninalidade" , tentando-se inverter as "relacoes da hegemo-

nia cultural com urn trabalho de decidida cri tica ideologica, de

producao cientffica e de informacao" 13.

Urn pequeno, mas decisivo, capftulo dessa batalha pode ser

travado nos livros dedicados ao ensino do direito penal .

: '

, '

,

I'1 1; ,

"nova defesa individual" (Politico criminal latinoamericana, B. A ires, 1982 ,

pp. 28 II 30).

12 0 abolicion is rno penal , carac te rizado por Scheere r como uma • 'teoria sensibi liza -

dom", na acepcao que Scheff atr ibui u ao interacioni smo, ou sej a, como uma

" te or ia " que . di spondo da ca pa cida de de s up erar de a lg uma f orma as cl as si fi cu-

~6es, p ressupos tos e modelos tradicionais, n fio consegue , entre tanto, p roporc io -

nar, com seus pr6prios ins trumentos metodoldg icos e conce itua ls , Ll adequadu

ver if ica cao d as nov as ide ius produz id as (Sche erer , S eb as ti an, La a bo li cion d el

s is tema penal: una perspec tive en la c rlmino logln contemporanea , inRev. DerechoPenal y Crlminologia, v. VIII. n? 26. Bogota, 1985. p. 205), tern seu mais

mil itan te profe ta em Louk Hulsman , para quem 0 sistema de ren~iio social formal

penal e algo complet amen te iml ti l e p roblemat ic o em s i rnesmo, podendo , il

mlngua de qualquer funcao, ser deixndo de l ado (Sistema penal y seguridad

ciudadana: hacia una altemativa, tr ad , S . Pol it off , Barce lo na , 1 984) . Pa ra

outros, como Nils Chris tie. so apes aueracoes estru tu ru is nas soc iedudes pos -in-

dus tr ia is , corn a reorgan lzacao dos processes de controle soc ia l. sera possive l II

aboli;;:ao (Umils to pain, 0510. 1983).

13 Op. cit. , p. 219. Far to material sobre pol iti ca crimi nal pude ser encont rado na

Revue lnternationale de Droit Penal, n?1 ,1978. c on te ndo a s a la s do co loquio de

Madri sobre PoHtica Crimina l e Direi to Penal.

3839

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 21/69

II III I

Capitulo II

A DESIGNAc::Ao "DIREITO

PENAL" E SUAS ACEPc::OES.PRINCIPIOS BAsICOS DO

DIREITO PENAL. MISsAo DODIREITO PENAL. A CIENCIA

DO DIREITO PENAL.

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 22/69

§ 5?

Direito "penal" ou direito "criminal"?

Uma conduta humana passa a ser chamada "ilicita"

quando se op6e a uma norma jurfdica ou indevidarnente pro-

duz efeitos que a ela se op6em. A oposicao 16gica entre a

conduta e a norma (cuja consideracao analitica da origem a urn

objeto de estudo chamado ilfcito) estipula uma relacao, de

carater deontico - denominada relacao de imputacao' -, que

traz como segundo termo a sanciio correspondente. Quando

esta sancao e uma pena, especie particularmente grave de

sancao", 0 ilicito e chamado crime.

1 Cf. Ra ff o, 1.• Introduciio 00 conhecimento juridico, Rio, 1983, p. 16.

2 As sancoes jur fdicas tern geralmente caniter reintegrative (vi sando, real ou sirn-

bol icamente , a res tabelecer a s ituacao jur fdica anter ior ao i llci to) ou compensa·

Iorio (v is ando, na imposs ibi li dade da re int eg racao do s ta to quo ante , a urna

repnracao). A penn tern carater retributive: ela irnplica infligir ao responsnvel pelo

crime, sob a forma de perdu ou res tr ic iio de bens jur fdicos ou direi tos subjetivos.

u rn ma l que excede a s impl es pos sivel r ein tegracao ou a compensacao devi da s.

Sobre 0 lema, cf. Soler, Conceito e objeto do direito penal, in RD P 4130 S5;

Fragoso, Licoes, p. 292. Para Hart, 0 prime ir o e le rnent o da def in ic ao de pena

res ide na implicacao de "dor ou out ras consequencias normalmente consideradas

desagradaveis" (Punishment and responsabil it y ; Londre s, 1973, p. 4 ). Cf . ai nda

Ross, On guilt, responsability; and punishment, Londres, 1975, p. 36. DizJescheck que' 'negar 0carater de mal 11pena equivaleria a negaro proprio conceito

de penn" (Tratado de derecho penal, t rad. Puig-Conde , Barcelona, 1981, v . I. p.

91) . Diz nosso Anfbal Bruno: "e de sua essencia 0 carater aflitivo e retributivo"

(op. cit ., t. 3~, p. 23) . E impor tante ter presente que 0caniter retributive, ernbora

of ereca u rn cr it er io r cla ti vamente s eguro para d is tingu ir a pena dus demal s s an -

~oes, nem, par urn lado, esgora ou l imita a discussao sobre objet ivos e Juncoes da

pena, nem, por outr o, ci rcunsc reve- a com exc lus iv idade ao campo do di re ito

43

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 23/69

Vernos, portanto, que 0elernentoque transforma 0ilicito

em crime e , a decisao politic a - 0 ato legislativo - que 0

vincula a umapena. Esse eo substrato das definicoes formais

de crime", e ele nos revela que a pena nao e simples

"consequencia juridica" do crime, mas sirn, antes disso, sua

propria condiciio de existencia juridica', Se nos dermos conta

de que, no momento da aplicacao da norma penal, atraves de

penal , Sancoes de natureza retribu tive existern no direi to privado , como aindign i-

dade par a a sucessiio do art. 1. 595 CC ("a indignidade consti tui pena civi l" -

Burros Monteiro, Curso d e d irei to ci vi l, S. Paulo, 1962, p. 63), no direito

p roc es sua l, como a mul tu pa ra quem indevidumente rec eb e c us tas do a r t. 30 CPC

(chamada de "penalidade" por Pontes de Miranda , Comenuirlos 00 cod igo de

processo c iv il , Rio , 1974,1. I, p. 434) au algumas dus sancoes do si stema de

responsab il idade das partes por dana processua l (das qua tro cspec ies de sancoes

"de vari a nat ureza" apr eendidas por Barbosa Moreira, as tres primeiras tern

caniter retri butive, sendo a terceira ver dadei ra e propria penn - cf. Temas d e

direito processual, S. Paulo, 1977, p . 1 8 e 19 ), e no di rei to admini st rat ive . como

as suncocs disciplinares que atingem 0 funcicndr]o publico fnltoso, ou as corninu-

~6es do Cdd igo Nac ion al de Trdns ito c on tr a 0motoris ta inf ra to r (hipo tcses que

pndem ser adequadamente chamadas, respectivumente , de penas disciplinares epenas govemativasi. Fal a-se hoje num "direito admini str ati ve penal", que se

aproxima do di rei to penal exa tamente pelo usa de san~f ies retribu tivas, e ao qua l,

par isso mesmo, devem aplicar-se as princ ip ios bds icos dodire ito penal (cf ' , Revue

Interna tionale de Dro it Penal , Toulouse, 1988, v . 59, n ?s 1 -2, p. 520) . Comple-

menta -se a d is tincao observando que a pcna, a le rn do curater retribu tive , e comi-nadu pela lei como pena criminal, ou seja, den tro doquadro constituc iona l ou lega l

da s p enns admi tidas , subordinad a su a apl ica ca o as cond ico es c on st it uc ic nn is e

legais correspondentes , a primetra das quais e a jurisdicao penal. Ao

"proce dimento jur isd lcionnl " como di st in ti vo c omplemen ta r t ambem reco rre

Boscarelli (Compendia di diriuo penale, P.G. , Milii o, 1980. p. 2) . Veja-se 0

quinto e lemento da def in i!(i io de penn ofe recida por Hart (op . cit., p, 5). Fragoso

menciona 11 "conotacao processual" que asexpressoes crimen e delictum tiverarn

duran te certa fuse do direi to romano (Lir; :oes, ci t. , p . 25 ).

3 "Cr ime e todo nquele comportamento humano que 0ordenamento jurldico castiga

com uma penn' t' (J eschcck, op. c it ., p . 70); "crime e toda condutu que o legisludorsanciona com urna pena" (MunoZ Conde , Introduccion al derecho penal, Barcelo-

n a, 1 975, p. 28 ); " cr ime e toda a!(iioou omissao pro ib ida pela lei , sob ameaca de

penn" (Fragoso, Lir;oes, p. 1 47 ); e tc.

4 Iii 0 intuira Tobias Barreto: "0conce ito de penn nfio e um conce ito jurid ico, mas

urn conceito politico. 0 de fei to da s t eor ias co rrent es em tal mater ia cons ist e

[ustament e no er rc de considerar a pena como uma consequencia de dir eit o,

log icamente fundada" (o()_ .ci t. , p . 177).

44

uma decisao judiciaria - que e tambem urn ato poli tico -, 0

crime se poe como condicao de existencia juridica da pena",

compreenderemos a relacao dialet ica que continuamente as-

socia edistingue esses conceitos opostos, que se fundamentam

e se negam reciprocamente.

Assim vistas as coisas, 0debate sobre a designacao direito

"penal" ou direito "criminal" poderia sugerir 0debate sobreo ovo ou a galinha, ndo fosse 0concurso de tres variaveis, que

exarninaremos a seguir.

A expressao "direito criminal" e mais antiga, e historica-mente se observa uma gradual prevalencia da expressao

"direito penal", que teria sido empregada pela prime ira vez,

segundo Mezger", por Regnerus Engelhard, em 1756, popula-

rizando-se, segundo Bustos, apes a promulgacao do codigo

penal frances de 18101•

A primeira variavel que se deve considerar e a influenciada opcao do legislador. Entre nos, no Imperio, a Constituicao

recornendou que se elaborasse urn c6digo criminal': no que foiobedecida com 0 Codigo Criminal de 1830. Ja 0 primeiro

c6digo da republica, de 1890, se chamou C6digo PenaL, ainda

que a Constituicao republicana de 1891 viesse a referir-se a

"direi to criminal"~. As demais const ituicoes adotaram a de-

signacao direi to penal"; e ocodigo de 1940 se chamou Codigo

5 Navarrete fala em "cnusa": "0 crime e a cau sa jur fd ic a d a p ena , e mai s ex at a-

mente 0 seu fundamento " (Dereclro penal, P .G ., Barce lon a. 1 984, p. 28).

6 Tratado d e de re cho p enal , t rud . R . Munoz , Madr i, v . I, p. 27.

7 lntroducc ion a l derecho penal . Bogota, 1986, p. 3.

8 Consti tui !(i io de 1824, art. 169, inc. XVII I: "or ganizer- se-d quanto antes ur n

c6digo civil, e cr iminal , fundado nus solidus bases da Jusdea e Eqiiidnde".

9 No inciso 23 do arti go 34, que previa a comperencia do Congresso Nacional:

"legislar sobre 0dire i toc ivi l, comercial e criminal da Republica e 0processual da

justica federal".

10 1934-art. 5~, inc. XIX, al, a; 1937-ar t. 16 , i nc. XVI ; 1946' :_ nr t. 5 ?, i nc . XV,

Ill. a; 1967 - art. 8~ , inc . XVII, al , b (muntido na Ernenda n~I de 1969); 1988-

art. 22, inc . 1. Entre nos , foi - Roberto Lyra quem chamou a aten~ao para a

importllncia do tex to const ituc lonn l, num Iivro que , por inf luencia do pos it iv ismo

, ferriano, se chamava lntroduci io ao estudo do d irei to crimina l, Rio , 1 946, p. 47 .

45

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 24/69

,ti r

Ii.,

" "IIIIi "

"."I~HI

I :"

",Ii,

",. i ~1 ~

~!~

!~ : ~L;; F

~ I

t,~ I

}I II~.

I: ~; :I

I I 1 / q,l

ii i II II~~,

IIt ] ~ ~

Ir~'11I

" i i i ", ~j I

I . , . 'W 1 >j t

i " , r

II"I' I.li't ' r d I

Penal. Tal influencia e perceptive Iern Damasio", Mayrink da

Costa", Basileu Garcia", Mirabete" e Magalhaes Noronha".

A segunda variavel diz respeito a paradigmas doutrinarios

que impliquem nomear 0direito penal des sa ou daquela ma-

neira. No processo historico de prevalencia da expressao direi-

to penal, Bustos vi! certa intencao de "acentuar 0 carater

sancionador deste direito como seu trace mais distintivo e

definit6rio"16. Partilha dessa linha, entre nos, Brito Alves,

que privilegia a locucao direito penal por ver na punibilidade a

"nota especifica do crime, a sua consequencia juridica mais

natural ou Iogica, como a circunstancia predominante, como a

caracteristica maior" 11. E sempre lembrada a designacao C6-

digo de Defesa Social, introduzida (1936) em Cuba 18. 0 uso da

expressao direito criminal, ern 1946, por Roberto Lyra, expri-

me a influencia que sobre ele exercia 0pensamento de Ferri 19 •

I I "N6s possufrnos urn c6digo penal , razao pela qual preferimos a expressao Direi to

Penal , aceimndo a predil ecao do legis lador " ( op . ci t. , p. 4 ).12 ... ' 'IIpartir de 1890 nossa legislat;iio pas sou a denominar-se C6digo Penal. Seguinios

II tmdi lf ao" ( op . c it. , p . 5 ).

13 "Pos su fr nos u rn C6digo Pena l, nao u rn C6d igo Crim inal . Deve ser ace it o, pcis ,

para t itulo da mater ia , 0 sugerido pela lei positiva" (op, cit., p. 8).

14 .. . " em consonft nc ia com a legis la t; iio pa tria " ( op. c it. , p. 14 ).

IS "Optamos, ent re tanto , pela de direi to penal , em consonancia com 0Ccdigu" (op,

cit., p. 3).

16 lntroduccion, cit., p . 4 . A mudanca ir nport an te , r egi st ra Bustos, e st ava no aban -

dono da ideia de expiacf io, subst itufda pela depena, associadn historicamente v' a

concepcao de es tado de d ire it o e ao pr incfp io nul lum cr imen nul la poena s ine

lege".

17 Direito penal. P.G. , Reci fe , 1977 , p . I II . A enfa se na pena n ji o s ign if ic a que e st e

autor atr ibua ao direi to penal f llnt ;oes est ri tamente sancionadoras (cf . p. 115).

18 Fortement e in fl uenci ado pel o pos it iv ismo e , " segundo os pr6pr io s auto re s, in s-

pirado nil ideia ferriana de defesa social" (Martinez Rincones, Sociedad yderechopena l en Cuba , Bogota, 1986, p. 62), tal c6digo, ao contnirio do que possa

pensar-se , nao conferiuvigencia aoa postulados da primeira defesa social; dlsso se

queixava Gramatica tPr tnctpios de defensa social, t rad. P rado e Apa ri cio , Ma-

00 , 1974 , p. 209).

19 Int roduri lo ao estudo do direi to criminal, cit. Em 1953, Lyra publica sua Expres-

s ilo mais s imples do direi to penal (Rio, ed. 1. Konf ino). Sua peculia r fo rma de

organ ize r a s dl sc ip linas c ri rn inais con templa ri a, doravnnt e, u rn d ire it o penal

normativo e urn direitopenal cientffico (cf. Novo dire ito penal, Rio, 1980, p . I ).

46

Outras designacoes de regencia doutrinaria costumam ser

evocadas2U.

A variavel mais importante, contudo, diz respeito ao al-

cance descrit ivo da designacao proposta, isto e, a sua capaci-dade de compreender determinados conteiidos. Mestieri, por

exemplo, opta por Direito Criminal porque deseja abranger

tambem 0 direito processual penal e respectiva organizacao

judiciaria". Aqui, a principal objecao a designacao direito

penal foi oposta pelo advento, no final do seculo XIX, das

medidas de seguranca". Como diz Mir Puig, "0direito penal

20 Tais designacces nernsempre signi ficam nomeaf', seniio orientar 0 direi to, ao

cont rd rio do que pode supor 0 iniciante. Derecho protector de los criminates,

sempre lembrado em textos brasi le iros de iniciacao, nao e 0nome de urn antepro-j et o de c6d igo c labo rado por Dor ado Monte ro, e s im 0 nome da segunda edicf io

revis ta e aumentada, em dois volumes (1915), de s eus Estudios de derecho penal

preventivo, Atras dessa designa"i io estava a mais humunis tica e generosa ver tente

que 0posit ivismo consent iu - por i sso rnesmo, rumpida com ele na vulgaridade

determinlst ica do homem del lnquente - , capaz de pretender da adminis tracdo da

just ic a uma func iio de medi cine soc ia l, f ra te rna lmen te comprome ti da com 0

crimincso-paciente. com quem deve repar ti r, enquunto agente social, a responsa-

bilidade - solidnria e coletiva - pelo crime-doenca (Bases para um nuevo

derecho penal, B. Aires , 1973, pp. 65 ss) , Do mesmo modo, "di reito repress lvo"

e apenas titulo de urn livro publicudo, em 1883, em Turim, pelo positivists

Ferdinando Puglia iProlegomeni alia studio del dirit to repressivo),

21 Op. ci t. , p . 4 . F rosuli r eunlu numa s6 obra 0estudo do direi to e do processo penal

sern renunciar a esta designacdo, porem atr ibuiu a obra 0 t itulo geral de Sistema

penal italiano , e designou os tres primeiros volumes, de "direito penal

subst anc ia l" eo u ltimo de "di re it o pr oce ssual penal" (Frosa li , R.A. , Sistema

penale italiano, Turim, 1958) .

22 Da veri fi cagfi o do f raca sso pn itico da pena ( expre sso n il mul ti -r einci dencia e na

ascensi io da criminalidade) e do determinismo posit ivism, que lhe quest lonava os

fundnmentos , surgi ram as medidas de seguranca como segunda ordern de reuci io

jur fdica ao crime, apl lcaveis no prcssuposto da per igosldade e nao, como a pena,da culpabi lidade do individuo. Ao lade das penas , autonomamente apl icaveis, as

medidas de seguranca comporiam urn regime binario (pena e medida). Recebidas

no di re it o b ra si le ir o pelo C6di go Penal de 1940 , po r di re ta in fl uenci a do C6digo

Rocco, com desernpenho inteiramente ineflcaz, foram consideravelmente reduzi-

das em 1984 , suprimindo- se seu aspec to ma is pole rn icn ( rnedi da de segu ranca

detentiva para imputaveis) . Hoje, subsistern somente a internacuo em hospi ta l de

custodia e t ratamento psiquiatr icc e 0 tratamento ambulatorial para inimputdveis

ou, sob regimevicariante (pena ou medida), pam semi-imputaveis,

47

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 25/69

ja njio e hoje apenas 0direito da pena"; diante das medidas de

seguranoa, "direito penal parece expressao demasiado estreita

para abranger tudo 0que pretende significar hoje"?'. E essa arazao que levava Costa e Silva a dizer que" a denominacao de

c6digo penal nao se adapta com exatidao a materia contida

nesse diploma";", ou Magalhaes Noronha a reconhecer que a

expressao c6digo criminal "e mais compreensiva"2\ ou Ba-

sileu Garcia a referir-se ao "plausivel fundamento " da Iocu-

C;ao"direito crimjnal">.

Deve prevalecer a expressao direito penal. Em primeiro

lugar, porque, como vimos, a pena e condicao de existencia

jurfdica do crime - ainda que ao crime, posteriormente, 0

direito reaja tambem ou apenas com uma medida de se-

guranca. Pode-se, portanto, afirmar com Mir Puig que a pen a

"nao apenas e 0 conceito central de nossa disciplina, mas

tambern que sua presenc;a e sempre 0 limite daquilo que a ela .

pertence"27. Em segundo lugar, porque as medidas de se-

guranca consti tuem juridicarnente sancoes com carater retr i-

butivo, e portanto com indiscutivel matiz penal. Na Expcsicaode Motivosda lei que reformou a Parte Geral do C6dig02B,

representando a opiniao comum no Brasil , esta registrado que

a medida detentiva para imputaveis e "na prat ica uma fracao

de pena eufernisticamente denominada medida de seguran-

ca". Afirma Zaffaroni que, "salvo 0 caso dos inimputaveis,

23 lntroduccion a las bases del derecho penal, Barce lo na , 1 976, p . 18 .

24 Comentarios ao cadigo penal brasileira, S . Paulo, 1 967, p. 16.

25 Op, cit., p. 4. Roberto Lyra dizia que IIdenominacao direito criminal e :'maissubstanciosa, mals compreensiva, rnais duradoura, abrangendo 05 irresponsaveis

que n iio sao apenados e as medidas de segura!lf ;n que nuo sao penas" (/ntrodllflio,

cit., p . 4 7) .

26 Op. cit., p, 7.

27 Op, cit., p, 26. Mir Puigdesenvolveu urn argumento de Rodriguez Devesu,

v er sa ndo a s medida s de s eguranc a p re-de li tu ai s, p ara c onc lu ir q ue rne smo a i 0

d irei to p ena l atua n a 5upo si !; ao d e urn f uto apenado pela Iei .

28 Lei n? 7. 209, de 11.j u1.84. Cf. Exposi cao de Motivos, .n? 87, da Mensagem n?

241/83, do Poder Executive.

48

sempre que se tira a liberdade do homem por urn fato porele

praticado, 0 que existe e urna pena "29.Contudo, nao hesitamos em afirmar que mesmo as medi-

das concernentes a inimputaveis, ainda que se orientem para

fins de protecao e melhoramento, -operam pela via retributiva

da perda ou restricao de bens jurfdicos ou direi tos subjet ivos, e

ostentam igualmente matizpenal. Neste sentido, peremptoria-

mente, Fragoso: "Nao existe diferenca ontol6gica entre pena e

medida de seguranca " 30.

Em todo caso, quem nao quisesse ir tao longe poderia

contentar-se na verificacao de que mesrno a imposicao dessas

medidas pressup6e 0cometimento de urn crime - algo que s6

·se constitui juridicarnente a partir da pena. Por tudo isso, e

tambern porque, historica e antropologicamente, sao as penas,

tais como efetivamente executadas, que definem objetivos e

perfil da categorizacao jurfdica de condutas human as como

crimes e de seu correspondente tratamento poli tico, a melhor

nome para nossa discipl ina e direito penal.

29 Da tentativa, S. Paulo, 1988, p. 27.

30 Lip'ies, c it ,', p . 2 93 .

49

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 26/69

§6

As tres acepcoes da expressao" direito penal"

A cssa altura, ja sc percebeu que a expressao "direito

penal" e utilizada, freqiientemcnte no mesmo contexto, cm

tres acepc;:oes distintas.Por direito penal se designa, inicialmente, a cOl1jrmto das

110rmasjurfdicas que, mediante a comil1ariio de pen as. estatuem

os crimes, bern como dispoem sabre sell proprio ambito de

validade. sabre a estrutllra e elementos dos crimes e sabre a

aplicariio e execuciio das penQs e outras medidas lie/as previstas.

Chama-se a esta acepciio direito penal em sentido objctivo ou

simples mente direito penal objetivo.A seu lado, introduz-se uma acepciio segundo a qual direito

penal exprime a faculdade de que seria titular 0 estado para co-

miuar, apl icur e executar as pen as, apreendida como dire ito

subjeti vo (daf, direito penal em sentido subjetivo ou simplesmente

dircito penal subjetivo). Se com respeito ao direito penal objetivo

Uus poenale), dentro evidentemente de quadrantes doutriruirios

bern distintos, preva!ecc certo consenso, 0direito penal subjetivo

Uusplllliendi) desperta acirrada controvcrsia. havendo quem ncguesua existcncia enquanto direito subjetivo ou 0valor teorico da

classificac;:ao.Outras vezes, contudo, ao cmpregarmos a expressao direito

penal estarnos nos rcferindo ao estudo do direito penal, a apro-priac;:ao intclectual de conhccimentos sobre aquele conjunto

de normas [undicas ou aquela taculdade do cstado; usa-se a ex-

50

pressao, ai, numa acepcao deciencia dodireito penal, oudireito

penal-cH!ncia. J a foi muito observado que, especialmente para

o iniciante, 0 fato de a ciencia e de seu objeto terem 0mesmo

nome ("direito penal e a ciencia que estuda 0dire ito penal")

pode gerar alguma perplexidade e confusao.

Nos proximos paragrafos, procuraremos desenvolver al-

guns aspectos :ssenciais dessas tres chaves deab6badaque, nosplanas normatrvo, politico e cientffico, serelacionam e se dis-

tinguem, embora usem 0mesmo nome.

51

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 27/69

§ 7?

o direito penal como direito publico

o posicionamento do direito penal objetivo dentro do direi-

to publico intemo costuma ser extraido, por uma perspectiva

conteudfstica, de supostos objetivos sociais gerais de suas nor-

mas, ou, por uma perspectiva formalista, da exclusividade e

imperatividade com as quais 0 estado as imp6e. A primeira

perspectiva se integra Magalhaes Noronha: "Pertence 0direito

penal ao direito publico. Viol ada a norma penal, efetiva-se ojus

puniendi do Estado, pois este , responsavel pela harmonia e es-tabilidade sociais, eo coordenador dos indivfduos que com-

poem a sociedade""; a segunda, Basileu Garcia: "Se s6 pode

ser exercido pelo estado, se a funcao de impor penas C . . ) e

essencialmente publica, 0 direito penal constitui necessaria-

mente urn ramo do direito publico intemo"2. Em seu texto de

iniciacao, Miguel Reale, caracterizando uma relacao de direito

publico pelo • 'fato de atender, de maneira imediata e prevale-

cente, a urn interesse de carater geral" , afirma que a criminali-

zacao da apropriacao indebita nao atende apenas ao interesse da

vft ima, e sim ao interesse social, e "por essemotivo, 0 direito

penal e urn direito publico, uma vez que visa a assegurar bensessenciais a sociedade toda"J. Filiando-se a ambas as perspec-

1 Op, cit., p. 4.

2 Op, cit., p. 12.

3 Lif ii es preliminares de direi to , S. Paul o, 1973, p. 385: " quando um n norma

p ro fbe que algu em se upropr ie d e u rn b ern a lh eio, n ii o es ta cu id undo upenus do

int eres se d a v it ima, mas, lmcd ia ta e prev al ece nternen te , d o int eres se s oc ia l" .

52

tivas, Fragoso fundamenta a incIusiio do.direito penal no direito

publico nao soporque sua protecao "refere-se sempre a interes-

ses da colet ividade" como tambern porque "0 estado detem 0

monop6lio do magisterio punitivo, mesmo quando a acusacao epromovida pelo ofendido ' '4

Uma revisao dessas perspectivas fundamentadoras supoe a

intervenc;:ao de tres l inhas crf ticas: 1~crft ica da dist incao a-

hist6rica entre dire ito publico e direito privado; 2~ crftica do

estado como abstracao a-hist6riea; 3~cri tica do posit ivismo

jurfdieo-penaL

Em primeiro lugar, portanto, cumpre verificar que a distin-

c;:aodirei to privado-direi to publico era completamente des-

conhecida das praticas penais primitivas, nem faria sentido

perante elas", aparecendo pela primeira vez no direito romano,

na famosa passagem de Ulpiano", Sabemos como se deu, em

Roma, a superacao do regime gentf lico pelo ineoercfvel movi-

mento da plebe afluente, que conduziu a "destruicao da antiga

ordem social fundamentada nos vinculos de sangue ' '1, substi-

4 Lifiies, c it ., p . 2 . S ab re 0aspec tc , Anfba l Bruno: "se em certos cases a a (uas -i io do

di re it o pun it iv o fi ca d ep end ente d e que ix a do o fe ndido e 56 es te pod e p rovo car 0

rnovirnen to da just ica, isso e rne ra condicao do processo, que nao a ltern 0 caniter

publi co du definicao e cornlnacao penal c da aplicacdo e execucan da sancuo

punitiva" (op. cit., v. I, I. I~' , p . 25).

5 Max Webe r, Economia y sociedad, trad. 1. Echavarria et 01., Bogota, 1 977 , v . 1.

p. 5 03; Machado Neto, Compendia de introductio £i ciencla do direito, S. Paulo,

1975, p. 241; Losano, op. cit., p. 140.

6 Digesto; liv. I : ', ti l. I , I, § 2 :': "E direi to publico aquele que se re fe re ao estado da

coisa Romuna (ad s tatum rei Romanae spectan; privado , aquele (que se refere) ii

utilidade de cada individuo (quod ad singulorum utili tatemv; pois umus coisus sao

i it ei s p ub li ca e ou tr as pr iv ad amen te . G d irei to pub li co c ons is te na s co is as sa gra-

da s, a s dos sa ce rdotes e as do s mag ist rados (in sacerdotibus, in magistratlbus

consistiti, a direito privado e tripartido, pais esta cornposto dos preceitos naturals,

ou des das gentes, ou dos civis ( ex natu ra li bu s p raecep ti s, aut gentium, our

civilibusv', Como observa Bonfante, a expressao res publica romano corresponde

ao termo "es ta dc '" , em sent id o po li ti co , enquanto stows corrcsponde ao mesmo

termo em sentido ontol6g ico au natural Unstituciones de derecho romano, trad. L.

Brad e t al . • Madri , 1965, p. 13) .

7 Engel s, F. , A origem dafamfiia. da propriedade privada e do estado, trad, L. Kender,

in Obras escolhidas, Rio, 1963, v. 3, p. 104. a termo "destruido" tdistruttoi etambern empregndo porGuarino (La rivoluzione della plebe, Napoles, 1975, p. 256).

53

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 28/69

tuida por uma ordem de estado , baseada na representacao de

classes sociais diferenciadas pela riqueza e na divisao terri-

torial. A distincao direito privado---direito publico, no processo

historico que estatui e conduz a republica ramana, nao conse-

gue disfarcar que interesses privados do patriciado se conver-

terao, pela mediacao do estado, em interesses publicos: a ado-

tar-se essa f6rmula da utilidade (Ulpiano), nada foi mais uti!para a sobrevivencia do patriciado do que 0surgimento histori-

codo estado, e, neste sentido, nada nasceu mais privado do que

a publico". De qualquer sorte, estabelece-se uma tendencia a

que 0poder (imperium) seja 0eixo do direito publica, enquanto

a propriedade (dominium) sejao eixo dodireito privado, e efeti-

vamente 0estado tende a monopolizar a t itularidade e0exercl-

cio de direi tos publicos, discernindo-se entre as atr ibuicoes

politicas do monarca e seus direi tos privados". A Idade Media

assistiria a superposicao daqueles dois eixos - imperium e do-

minium - napessoa dosenhor feudal , cuj0poder politico deri-

vava da propriedade da terra e da forma peculiar de sua

exploracao '" . Com a dissolucao do mundo feudal, dando par-

tida a ascensao social da burguesia e ao processo politico de

formacao dos estados nacionais, reanima-se a distincao, Rad-

8 Obviamente muito d is tante dessa Iinha , Del Vecch io reg is trava que"o cri te rio dessa

utilidade e a ssa z ince rto. Nao pode rn s ep arar -s e, de urn modo se gu ro e n ft id o, os

interesses gerais dos interesses particulares" (Liroes de fi lo so fla do d ire i to . t rad. A.

Brandao , Coimbrn , 1979, p . 390). Pode dernons tra-lo u longa convivenc ia romana

entre 0 di rei to p en al pr iv ado e 0 di rei to pe na l p ub li co, b ern como a grada tiva

trnnsmigra~ao de materia c rimina l do primeiro para 0 segundo , desde que nao nos

conformernos com 0distingo processual, e tentemos capturar sua filogenia substan-

c ia l a partir respectivamente dn discipl ina penal domes tica e do direi to de guerra.

Veja-se, amplamente informativo, Mornmsen, Le droit penal remain, t rad. Du-

guesne, Paris, 1907, t . I , p. 16 a 73.

9 Hermes Lima, lmrodueiio a ciencia do direito, Rio, 1955, p. 64.

10 Sobre 0aspecto, Leo Huberman, His to r ia da r ique za do homem, t rad. W. Dutra , Rio ,

1979, cap. 1. Regis tru Pasukanis que "os d irei tos p iibl lcos dosenhor feuda l sobre os

se rvo s erarn ao mesmo tempo s eu s di rei tos como p ropr iet ano pr iva do ; de modo

rec lproco , seus d irei tos e interesses privados podern ser interpretados , se sequ iser ,

como direitcs politicos, isto e, publicos" (Teor[a general del derecho y mamsmo,

t ra d. V . Zap atero, Barcelon a, 1976 , p. 1 16 ).

54

bruch dira que "a superacao do feudalismo coincidiu com 0

aparecimento da consciencia dessa distincao entre direito pu-

blico e privado" II.A burguesia revolucionaria destruira 0ab-

solutismo, conferindo positividade juridica aos direitos de seu

imediato interesse econ6mico epolitico, ate entao deduzidos da

razao como" direitos naturais", e logo os instalara nos textos

constitucionais como direitos subjetivos piiblicos". A distin-~ao direito privado-direito publico novamente sera charnada a

proclamar como de utilidade geral aquilo que navespera dapro-

clamacao legal era do interesse particular de uma classe social.

Com 0advento de revolucoes social is tas , e com alteracoes

operadas no capitalismo (do capitalismo competitivo, corres-

pendente ao estado gendarme, ao capitalismo monopolis ta, ao

crescenteintervencionismo, aoWelfare State) , surgem em nos-

so seculo novas propostas para equacionar a relacao direito pii-

bl ico-direi to privado. De qualquermodo, assiste toda razao a

Machado Neto quando ass inal a "0carater histcrico-

condicionado dos dois conceitos e da distincao' u.

Em segundo lugar, e como entrevisto anteriormente, im-

porta questionar esse estado promotor da "harmonia e esta-

bi lidade sociais , que visa a" assegurar bens essenciais a cole-tividade toda", permanente defensor dos "interesses da

coletividade"; importa , em suma, "desmitif icar 0 papel do

estado"14. Para isso, e precise ter presente que 0estado, como

historiograficamente demonstrou Engels , foi urn produto de

sociedades que, em certo grau de desenvolvimento, se enre-

daram em contradicoes, advindas de antagonismos inconcilia-

veis, e para que asclasses com interesses econ6micos coliden-

11 Filosofia do direito, t rad. L. Moncada, Coirnbr a, 1961, v. II, p. 13.

12 "Yito riosa, aburguesia teve necessidade polft ica de estabelecer que seu reg ime, sua

ordem social, seu modo devida cram cternos e imodificdveis e que, ao mesmo tempe,

s empre e xi st ir am" - Pau lo Bes sa, Uma nO:la introduciio ao direito, Rio , 1986, p .

149.

13 Op. cit., p. 243.

14 Capeller, W., 0 discurso jurfdico e 0 homem, in D. Araujo Lyra, Desordem e

processo, cit., p. 172.

55

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 29/69

tes nao se entredevorassem, estabeleceu-se, dentro do espec-

tro politico rio qual concretamente podiam resolver-se tais

contradicoes, urn poder aparentemente acima da sociedade-

mas dela originado -, que e 0 estado", 0 qual adquiriu logo

uma "configura<;lio aut6noma de interesse geral", embora, na

sociedade de classes, isso nao passe de uma "ilus6ria comuni-

dade de interesses" 16. Por isso, atraves da deformacao ideolo-

gica, como lembra Guastini, 0 estado pode aparecer "comoencarnacao do interesse universal-abstrato, distinto e superior

aos interesses particulares-concretos antagonicos, que se agi-

tam na sociedade civil" 17. 0 direito e 0 estado - ens ina

Munoz Conde - "nao sao expressoes de urn consenso geral

de vontades, e sim reflex6es de urn modo de producao, formas

de protecao de interesses de classe, da cIasse dominante no

grupo social ao qual esse direito e esse estado pertencem". Ou,

nas palavras de Lyra Filho, "na sociedade de classes, 0 estado,

como sistema de 6rgaosque regem a sociedade politica-

mente organizada, fica sob 0controle daqueles que cornandam

o processo econ6mico, na qualidade de proprietaries dosmeios de producao' 19. Em consequencia, 0 poder polit ico do

estado tern limites e orientacao no poder da propriedade

privada dos meios de producao; Leandro Konder transcreve

urn excerto de Marx, segundo 0 qual apenas sobra para 0

estado "a ilusao de que determina, quando na verdade e

determinado "20 Diante disso, convern nao so reavaliar a fun-

s:aoideologica muita vez desempenhada pela distincao direito

privado--direito publico, como tambem receber com reservas

15 Op.vcit., p, 136. '16 MlII'X,apud Guastini, R., Marx- dallafilosofia del dirit to alia scienza della societa,

Bolonha , 1974, p , 295 . No mesmo sen ti do, Mari lena Chaul: "0estado e uma

comunidade ilusoria" (0 que e ideologia, S, Pau lo, 1984, p . 70).

17 Loc, cit.18 Derecho penal y control social. J er ez, 1985, p. 44.

19 0 que e o direito, S. Paulo, 1982, p. 8.

20 Acritic a dojovem MlII'X11oacepcao hegeliana doestado e do direito, inAraujo Lyra,

D. (org.), De so r dem e p r oc e ss o , cit., p : 140.

56

proposis:6es que tenham como premissa urn estado abstrato,

a-hist6rico, neutro e igualitario guardiao dos interesses de

todos. Diante da colocacao citada de Miguel Reale (a crimi-

. nalizacao da apropriacao indebita nao atende apenas ao in-

teresse da vitima, e sim ao interesse social), devemos pergun-

tar-nos - sem que isso implique incondicional oposicao a

alguma tutela penal da propriedade - se a criminalizacao da

apropriacao indebita atende igualmente ao interesse de proprie-tarios e de nao-proprietarios.

Por ultimo - e agora implicando tambern 0 direito pe-

nal-ciencia -, cabe a critica do positivismo juridico-penal,

assim entendido como a postura que reduz 0objeto de estudo

do penalista exclusivarnente ao direito estatal, a partir da

afirmacao de que "nao existe outro dire ito alem do direito

positive"?'. Partimos da premissa de que 0 trabalho do cien-

tista e, em certa medida, a fronteira de seus resultados, princi-

piam pela eleicao e construcao do objeto do afazer cientffico.

Nao se pretende aqui aviventar a polaridade jusnaturalis-

mo-positivismo juridico. Hoi textos de iniciacao que fazemprofissao de fe jusnaturaJista, como 0de Baumann: "a essen-

cia do auteritico direito penal concord a com os dez

mandamentos"22. A ferocidade irracional da legislacao penal

nazista suscitou importante polemica sobre 0 terna", que ora

nao abordaremos. Como tecnica juridica de garantia (afamosa

21 Emprego aqui 1 1 . . dlstincao asslmetrica" de Bobbio, que caracteriza 0 jusnaturalismo

pela distinciio entre direito natural e 0 pos it ivo, com supre rnacia do pr imei ro , e

caracteriza 0positivlsmo por nao admitir aqueln distim;iio (Giusiuuurallsmo e positi-

v;smo giuridico, Millin , 1977, p. 127). '

22 Derechopenal-conceptosfundamentalesysistema, t rad. C. Finzi , B . Aires , 1973.

p.3. .

, 23 cr . Radbruch, Leyes que no son derecho y derecho par encima de las leyes , trad, R.

Paniagua, no volume Derecho injusto y derecho nulo, Madri, 1971; Baratta, Positi-

vi smo g iu ri dico e sc ienza del d iri uo penale , Mil iio, 1966; Nilo Bat is ta , Jus tica

criminal e justi~ criminosa, inRDP n~ 32. De forma lapidar, Radbruch assinalou que

o positivismo jurfdico absoluto revelou-se "0instrurnento jurfdlco ideal detodos os

regimes que quiseram dar expressao legal 11injus tic;n e ( . . . J exiglr acatarnento aarbitrariedade inatitucionalizada (La naturaleza de la cosa como forma jur idica del

pensamiento, Cordobu, 1963. p. 13) .'

57

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 30/69

"barreira mtranqueavel da politica criminal"), 0direito penal

tern que j~ngii:'-se a lei penal: nao se pode infligir pena sem

corninacao legal anterior ao fato (princfpio da reserva legal, ou

da legalidade). A "necessidade de limitar 0 risco da

arbitrariedade"24 deve manter distante do direito penal esse

"fantasma proteiforme" que Fasso divisa no direito natural":

isso nem deve significar que 0offcio do penalista se converta

num culto votivo as normas estatais, nem exclui de nosso

interesse 0 que ha de penal para alem dessas normas. "A

percepcao da lei como objeto iinico dofenomeno juridico ~a~a

mais e do que urn reducionismo vinculado a uma tradicao

ideol6gica idenuticavel com a consotidacao do estado

liberal", ensina Jose Eduardo Faria". Como frisava, com seu

peculiar vigor, Lyra Filho, "se 0 direito e reduzido a puralegalidade, ja representa a dominacao ilegitima, por forca

desta mesma suposta identidade; e este 'direito' passa, entao,

das normas estatais, castrado, morto e embalsamado, para 0

necroterio de urna pseudociencia, que os juristas conserva-

dores, nao a toa, chamam de dogmatica"27. Sem diivida, 0

objeto privilegiado do direito penal sao as norrnas jurfdicas

estatais, tal como von Liszt apontou em sua influente defini-

'Sao (staatlichen Rechtsregeln). Entretanto, ~ode 0 estu?io.so

do direito penal brasileiro do seculo XIX ignorar 0 direito

penal domestico. 0 grande socio oculto - e majori~o - ~o

direito penal comum no controle terrorffico da escravana? QUaiS

as verdadeiras normas processuais da ditadura rnili tar, duran-

te nossos "anos de chumbo": aquelas que constavam do C6digo

de Processo Penal Militar e de dispositivos da Lei de Se-

guranca Nacional, ou outras, que nunca puderam ser lidas em

nenhuma biblioteca, mas perrnitiam a tortura, a morte e a

24 Figueiredo Dias, Direito penal (sumdrio das UrGes), Coimbr a, 1975 , p. 3 .

25 Societe, legge e ragione, Ml lao, 1974 , p . 202 .

26 Pamdigma [urfdico e senso comurn: pam uma crltica dadogmatic ajurfdica, in Araujo

Lyra, Desordem e processa, cit., p. 63.

27 Op. cit., p. 12.

58

ocultacao do cadaver de indiciados? A face ilegal do sistema

penal", com suas detencoes arbitrarias, espancamentos e exe-

cucoes capitais, em nada nos interessa? Somente as formas

penal mente tipicas (seqiiestro qualificado, cust6dia indevida,

maus-tratos, violencia arbitraria, par exemplo) do exercicio

abusivo dos controles psiquiatricos e disciplinares nos dizem

respeito, e nao a urdidura normativa subterranea que articula

sua aplicacao intensiva contra grupos minoritarios ou

dissidentes? 0 estudo do direito penal que inclua este contra-

ponto, atraves do qual as normas e praticas penais de determi-

nada sociedade podem ser entrevistas em sua globalidade, sem

circunscrever-se ao discurso legal do estado, nao deve sacrifi-

car a qualidade tecnica da reconstrucao do direito positivo,

perdendo-se no labirinto ilus6rio da polaridade jusnaturalis-

mo-positivismo. Com rara precisao, sentenciou Marilena

Chaui: "Abstracoes gerneas, 0 positivismo juridico torna 0

direito como urn fato, enquanto 0 jusnaturalismo 0 apreende

como ideia. Ancorado na positividade imediata da Ordem, 0

positivista dissimula a significacao social de seu conceito-cha-ve, isto e, que em sociedades divididas em classes a 'ordern' eapenas 0 que a c1asse dominante ordena. Apoiado na ideali-

dade imediata da Justica, 0jusnaturalista mantern a genese do

justo fora do movimento social que 0 constitui ou que 0

dissimula. A crenca na positividade do 'dado' e a confianca na

irnobilidade da 'ideia' fazem com que 0 positivista e 0jusna-

turalista percam 0movimento hist6rico pelo qual os dados se

cristalizam em conceitos e as ideias se petrificam em institui-

9oes, perda que deixa a ambos na impossibilidade de compre-

ender como a ordem 'dada' se converte em ordem necessaria e

como a justica 'pensada' se converte em legalidadeinstitufda "29. Aquela "lei natural do direito" a que se referia

Tobias Barreto (cf. § I? ) res tara melhor esclarecida se nos

28 Cf. Zaffaroni, Manual, c it. , p . 32.

29 Marilena Chaul , Rober to Lyra Filho ou du dignidade pol lt lca do direi to, in Araujo

Lyra (org.) Desordem e processo, cit., p. 18.

59

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 31/69

derrnos conta, como Fasso, de que ."a natureza d.ohom~m.e ~

historia, que se realiza na multiplicidade d~ d.evlf ~os indivi-

duos e dos povos' '30; urn direito antropomorll~o ~ao p~ocura

radicar-se nem na coercitividade cega de sua propria vahdad~,

nem na miragem de uma justica algebrica e tntemporal, senao

no concreto processo historico ern que se msere.. .

Ressalvado, portanto, 0 carater hist6rico-condlclOnado.dadistincao entre dir~ito privado e direit~ ~u?lico; e~p~eendlda

a crit ica do estado como abstracao a-historica; e venfl~adas as

limitacoes do positivismo juridico-penal, e corre.to afirmar-seque 0 direito penal pertence ao direito publico interne.

30 Op. cit., p. 229.

60

§ 8?

Princfpios basicos do direito penal

Como afirmou Kaufmann, "toda legislacao positiva pres-

sup6e sempre certos princfpios gerais do direito " I.A procura

de princfpios basicos do direito penal exprime 0esforco para,

a urn so tempo, caracteriza-lo e delimita-lo. Existem efetiva-

mente alguns princfpios basic os que, por sua ampla recepcao

na maioria dos ordenamentos juridico-penais positivos da

familia romano-germanica'. pel a significacao polftica de seu

aparecimento historico ou de sua funcao social, e pela reco-

nhecida importancia de sua situacaojuridica - condiciona-

dora de derivacoes e efeitos relevantes - eonstituem urnpatamar indeclinavel, corn ilimitada valencia na compreensao

de todas as normas positivas. Tais princfpios basicos, embora

reeonhecidos ou assimilados pelo direito penal. seja atraves de

norma expressa (como, POf exemplo, 0principio da legalidade

- art. I? CP), seja pelo conteudo de muitas normas a eles

adequadas (como, por exemplo, a inexistencia de pena de

morte ou mutilacoes - art. 32 CP- eo objetivo de integracao

social na execucao Ciapena - art. 1~ LEP - com relacao ao

princfpio da humanidade), nao deixam de ter urn sentido pro-

gramatico, e aspiram ser a plataforma minima sobre a qual

I Analogia y naturaleza de /a cosa, Santiago, 1976, p. 48.

2 "As colonia s e spanhol as , port uguesa s, f rance sus e hol andesa s da America ( ... )

aceitnram de modo cornpletarnente natural asconcepcoes juridicas proprias da familia

romano-germanica" --' Rene David, Los grandes sistemas juridicos contemporti-

neos, trad. P. Gala, Madri, 1969, p. 57.

61

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 32/69

possa elaborar-se 0 direito penal de urn estado de direito

democratico.E comum que os autores procurem deduzir tais principics,

seja de seus conceitos de direito penal, seja das conex6es deste

com outros ramos do direito, seja de "caracteristicas" do

proprio direito penal, ou ainda situa-los como principios inter-

pretativos. Assim, para Navarrete 0 principio da interven9aominima seria uma nova dimensao do fundamento da afirmacao

do carater fragmentario do direito penal'. Para Mir Puig, 0

principio da legalidade configura urn limite de tntervencao

derivado do fundamento politico do direito penal subjetivo"; etambern da perspectiva de limites ao jus punieruli que Bustos

extrai, entre outros, os principios da interven9ao minima e da

legalidade". A subsidiariedade do direito penal, caracterfstica

que sem duvida se relaciona com 0 principio da intervencac

minima, e examinada por Maurach a partir das conexoes entre

o direito penal e os demais ramos do direito". Para Zaffaroni, 0

principio da hurnanidade integra urn conjunto de canones aserem observados na interpretacao da lei penal, ainda que 0

houvesse anteriormente deduzido, sob a expressao da propor-

cionalidade da pena, de seu refinado conceito de "seguranca

juridica"1.o que, inicialmente, reuniu esses principios basicos, de

origem, estrutura e objeto tao diversificados, foi sua natureza

axiornatica e a amplitude de sua expansao logica. Quanto ao

primeiro aspecto, e comum serem referidos como

"postulados"H ou "dogmas fundamentais"9. Com efeito, nao

3 Op. cit., p. 100.

4 Op. cit., p . 141 .

5 Op. cit., pp. 25 e 32.6 Trauulo de derecho penal , tr ad. Cordoba Rodu, Ba rcel ona , 1962, v . I , pp . 30 e 31 .

7 Manual, cit., p. 134 e p . 50.8 Muurach, op. cit., p. 31: "do ponto de vista de politica jurfdica, a selecao e a

acumutucao dessas medidas se encontram submctidus ac postulado de que nao se

justifica aplicar urn recurso mnis grave quando e cabfvel esperar-se 0rnesmo resultado

de urn rnais suave".9 Ever ardo da Cunha Luna . Cap(tu!os de direi/o penal. S. Paulo, 1985, p, 31.

62

sao eles dedutfveis logicamente de quaisquer outros e tampou-

co demonstraveis. Sua larga aceitacao, que a progressiva con-

quista historica sedimentou, e as negacoes frontais episodicas

(como no direito penal da seguranca nacional) ou dissimuladas

permanentes (como no desempenho do sistema penal nas so-

ciedades de classes) so fazem aviventar, confere-lhes, a des-

peito de seu cunho prescrit ivo, urn cariz de opini6es acredita-

das e verossfrneis (endoxa), no senti do aristotelico retomado

par Viehweg", que os habilita a funcionar como premissas

arbitrariamente tomadas, a partir das quais, contudo, no escla-

recimento e reconstrucao das normas juridicas, sepodem esta-

belecer articulacoes logicas. De fato, "nao ha crime sem lei

anterior" e uma proposicao cuja conveniencia polit ica e cuja

densidade moral sao amplamente aceitas tanto pelo homem

comum quanto pelo especialista, embora seja possfvel cons-

truir urn direito penal sobre urn principio oposto - como fez 0

nazismo" _Quanto it amplitude referida, os princfpios basicos

comprometem 0 legislador, transitando assim pela politica

criminal, e os aplicadores da lei - do juiz da Corte Supremaao mais humilde guarda de presidio -, devendo ser obriga-

toriamente considerados] pelos que se prop6em a estuda-Ia.

Mais tarde, alguns dos princfpios basicos lograram obter

r~conhecimento em nfvel internacional (interessam-nos , espe-

cialmente, a Declaracao Universal dos Direitos do Homem, da

~NU, e a Convencao Americana sobre Direitos Humanos) ou

em nivel interno (vendo-se consagrados 00 texto da Constitui-

9ao, como, com respeito a alguns deles, ocorre entre nos).

Como as principios basicos implicam tambern caracteri-

zar 0direito penal, devemos, ao procura-los, descartar desde

10 T6~ica e j~risprudencia, t rnd. Tercio Sarnpnio Ferraz Jr. , Brasi li a, 1979, p. 25.

II Le i de _28.jun.35 alterou 0§ 2?do ent iio vigcnte codigo penal aleman, que proibia a

analogia, afi rmando ser "punido quem comete um fato que a lei declara punlvel au

que e merec:dor de.pnnicao segundo 0conceito que da fundamento a uma lei penal e

segundo 0 sao senumento do povo ; s e no fnt o nao se pude r aplic ar nenhuma norma

penal dete rm inada , devc ra el c s er punido de aco rdo com a norma cujo concei to

fundamental melhor lhe seja aplicavel".

63

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 33/69

logo duas linhas. A prime ira esta nos atributos de todo 0

ordename'nto juridico, como, por exemplo, seu carater

"finalista"12. Como diz Zaffaroni, "0direito penal, por ser

direito, participa de todos os caracteres do direito em geral: ecultural, e normativo, e valorativo, etc"13; por isso mesmo,

tais atributos nao nos interessam aqui, A segunda linha a

descartar-se e aquela que se detern diante da propria sancaocom a qual opera 0 direito penal- a pena -, para toma-la

como sua caracte'ffstica essencial", nao porque nao 0seja, mas

porque ficaremos perigosamente imobilizados numa redun-

dancia.Em nossa opiniao , sao cinco os princfpios basicos do

direito penal: 1. principio da legalidade (ou da reserva legal,

ou da intervencao legalizada); 2. principio da intervencao

minima; 3. principio da lesividade; 4. principio da

hurnanidade; 5. princfpio da culpabilidade. Nos proximos

paragrafos, fomeceremos algumas indicacoes sobre cada urn

deles, em nivel generico que corresponde a seu tratamento no

ambito de urna introducao ao direito penal.

12 Mirnbete, op. cit., p. 15; Magalhfies Noronha, op. cit., p. 5; Asiia, 'Trarado de

derecho penal. B. Aires , 1964, v. I ,p. 35. Advir ta-seque 0 t ermo "finali sta" e aqui

empregado no senti do de que a di re it o penal s e o rienta te lcologicarnent e - como,

entre outras, a teoria dos bens jurfdicos dcmonstruria - e persegue, atruves da

cominacao, apl ica~iio e execucao da pena, f ins; von Liszt , que rnais consequente-

mente t rouxe, inspi rando-se em Ihering, a iddia de f im para 0 direito penal, fulava

numa "pena de f im", ern oposicao a uma pena que se esgotasse nn rel ributividade.

Tal empr ego do te rmo fi nal is ta nuda t er n a ver com as tr uns for rnacoes na t eo ria doc rime , el nbo radas na me tade dest e s ecu lo, p rincipalmen te par Hans Wel zel , que

receberam 0nome de " teor ia da a~i io f inal" , au " teor iu f inal is ta" , ouainda simples-

mente "finalismo".13 Manual. c it ., p . 55. Ta rnbem a "cout lv idude" e um a tr ibuto ger al do di re i to

(Navarrete, op. cit ., p . 106):14 Registra Zaffaroni que a enracteristica que distingue 0 direito penal de outros ramos

nso estd senao "no meio mediante a qual prove a segurnnca jur idica: a pena"

(Manual, cit., p. 55).

64

B ib lio te c a C e n t r a l - P U C ~ R

§ 9?

o principio da legalidade

o principio da legalidade, tambern conhecido por

"principio da reserva legal" 1 e divulgado pela formula

"nullum crimen nulla poena sine lege" , surge historicamente

com a revolucao burguesa e exprime, em nosso campo, 0mais

importante estagio do movimento entao ocorrido na direcao da

positividade jurfdica e da publicizacao da reacao penal. Por

urn lado resposta pendular aos abusos do absolutismo e, por

outro, afirmacao da nova ordem, 0 principio da legaJidade a

urn s6 tempo garantia 0 individuo perante 0 poder estatal e

demarcava este mesmo poder como 0 espac;o exc1usivo da

coercao penal. Sua significacao e alcance polit icos transcen-

dem 0condicionamento historico que 0produziu, eo principio

da legalidade constitui a chave mestra de qualquer sistema

penal que se pretenda racional e justo.

Devemos abandonar a tarefa, mais propria de antiquario

que de historiador, como diria Marc Bloch', de respigar em

textos romanos alguma afinidade - ainda que sonora - com

o principio, ou de cismar sobre a passagem do artigo 39 da

Magna Charta - que continha, segundo opiniao dominante,

I Ess a [Ipreferencia de Fragoso, Lipjes, c it ., p . 84. Munoz Conde usa a des ignncao

"pr inclpio da intervencao legal izada" , 0que lhe perrnite ernparelhd-lo no principia

da intervencao minima num quadro geral de I imitac;i io do poder punit ivoeslatal

(lnrrodllccicin, cit., p. 58).2 Introduciio dHisuiria, t rod. M. Manuel eR. Gracia, ed. Europa-America, 4~ed., sId,

p.43.

65

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 34/69

rnera garantia processual restri ta aos poucos "homens livres"

- , a procura de urn antecedente".

o artigo 9? da Declaracao de Direitos da Virginia

(12.jun.1776) afirmava que as leis com efeito retroativo, fei-

tas para punir delitos anteriores a sua existencia, sao opressi-

vas e nao devem ser prornulgadas. A secao 9~do artigo Ida

Constituicao americana (17. set. 1787) profbe a promulgacao

de decreto de proscricao (Bill of Attainder) ou de lei retroativa(exp'ostfacto LawJ.O artigo VIII da Declaracao dos Direitos

do Homem e do Cidadao (26.ago.1789) prescrevia que nin-

guem fosse punido senao em virtude de uma lei estabelecida e

prornulgada anteriormente ao crime (loi etablie et promulguee

anterieurement au delit}, Parece que 0primeiro corpo de leis

penais a incluir 0 principio foi a ccdificacao de D. Jose II da

Austria, de 1787 (Josephina).

A formula latina foi cunhada e introduzida na linguagem

jurfdica pelo professor alernao Paulo Joao Anselmo Feuerbach

(1775-1833), especial mente em seu Tratado que veio a lume

ern 18014• Ao contrario do que se difunde freqiientemente, das

obras de Feuerbach nao consta a formula ampla "nullum

crimen nulla poena sine lege"; nelas se encantra,sim, urna

articulacao das formulas "nulla poena sine lege", "nullum

crimen sine poena legali" e "nulla poena (legalis) sine

crimine"s. Urn dos pilares sobre os quais se assentava a cons-

trucao feuerbachiana estava em sua concepcao preventivo-ge-

ral da pena, entendida como "coacao psicologica". Se a

intimidacao era a mais relevante funcao da pena, e sua inflicao

3 0 principio da legal idade era desconhecido do direi to romano, ensinu Mestier i (op,

cit., p. 81). Os antecedentes anteriores 11lustracfio, como aMagna Charta de 1215 e a

Constitutio crimina lis carolingia de 1536, niio possuem0

sentido moderno desteprincfpio, ensina Mir Puig (op. cit., p. 142). A referencia 11ei da terra ("vel per legem

terrae") ao final do artigo 39 da Magna Charta, segundo opinioes respeitdveis,

i nv oc a o s costumes (Luis C. Cabral: Ubicacion hlsuirica delprincipia nullum crimen

nul la poena sine lege, B. Aires, 1958, p. 51).

4 Paulo Joao Anselmo Feuerbach foi pai do famoso f ikisofo Ludwig Feuerbach.

5 Cattaneo, Mario, Anselm Feuerbach - f ilosa/o e giuri sta liberate, Millio, 1970, p.

451.

66

deveria reforcar esse efeito intimidatorio , s6 poderia ser infli-

gida a pena corn a qual a propria lei ameacara". Outro pilar

estava ern seu arraigado liberalismo, que atraves do codigo

penal nao s6 pretendia a defesa do estado diant_edo crimina so

mas tambem do criminoso diante do estado". E inegavel, por

fim, 0 influxo da concepcao contratualistica e da questao -

predominante no debate polftico da epoca - da divisao de

paderes, tao presentes no classicismo penal, como se podeconstatar, por exemplo, ern Beccaria".

o princfpio da legalidade , base estrutural do proprio es-

tado de direito , e tambern a pedra angular de todo dire ito penal

que aspire a seguran9a juridica , campreendida nao apenas na

acepcao da "previsibilidade da intervencao do poder punitivo

do estado", que lhe confere Roxin , mas tarnbern na perspec-

tiva subjetiva do "sentimento de seguranca juridica" que

postula Zaffaroni". Alem de assegurar a possibilidade do pre-

via conhecimento dos crimes e das penas, a principia garante

que 0 cidadao nao sera submetido a coercao penal distinta

daquela predisposta na lei. Esta0

princfpio da JegaJidadeinscrito na Declaracao Universal dos Direitos da Homern'" e na

Convencao Americana sabre Direitos Humanos",

6 Cat taneo, op. cit., p. 452; Fragoso. Lif!1eS, cit ., p . 93; Munoz Conde,lntroduccion,

cit., p. 87.

7 Ernst Bloch, Derecho natural y dignidad Jrllmana, t rad. F. Virceu, Madri , 1980, p.

265.

8 "Apenas as leis podem fixar as penns com relaciio aos del itos pruticudos; e estu

auto ri dade n fio pode r esi di r senao na pessoa do legis lador , que repre senta tndu a

sociedade agrupada por urn contrato social. Nenhum magls trado (que tambem faz

par te dasociedade) pode, com [ustica , inf ligi r penas contra out re membra da mesrna

sociedade" ( D os d el it os e d as p en as , trad, A. Carlos Campana, S. Paulo, 197B, p.

109).9 Roxin, lniciacit in al derecho penal de hoy, t rad. M. Conde e Luzon Pefin, Sevilha,

19B1, p. 98; Zaffaroni, Manual, cit., p . 49 .

10 An. XI, 2: "Ninguem podera ser culpado por qualquer a9iio ou ornissao que, no

memento, nao constitufam delito perante 0dlreito nacional ou internacional. Tarnbern

n ii o se ra impost a pena ma is f ort e do que aquel a que , no momenta da pn iti ca , em

aplicavel 110 ato delituoso ".

11 Art . 9?: "Ninguem pode ser condenado por Il"fies ou omissoes cue, no memento em

67

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 35/69

Entre n6s, 0 principio figura na Constituicao, entre os

direitos e garantias fundamentals" e no artigo I? do C6digo

Penal, com a seguinte redacao: "Nao h~ crime sem lei anterior

que 0 defina. Nao ha pena sem previa cominacao legal". A

abrangencia do principio inc1ui a pena cominada pelo legisla-

dor, a pen a aplicada pelo juiz e apena executada pela adminis-

tracao , vedando-se que criterios de aplicacao ou regimes de

execucao mais severos possam retroagir. No que tange a exe-

cucao da pena, ate mesmo a materia disciplinar esta agora

comprometida com 0 princfpio da legalidade, como se ve do

artigo 45 da Lei de Execucao Penal",

Sem dtivida, a principal funcao do principio da legalidade

e a funcao constitutiva, atraves da qual se estabelece a posit i-

vidade jundico-penal, corn a criacao do crime (pela associa-

~ao de uma pen a qualquer a urn il ici to qualquer). Nem sempre

se percebe que 0 principio da legalidade nao apenas exclui as

penas ilegais (funcao de garantia) , porem ao mesmotempo

constitui a pena legal (funcao constitutiva).

Pode 0princfpio da legalidade, visto pelo prism a de garan-t ia individual, ser decomposto em quatro funcoes, que exami-

narernos a seguir.

Primeira: proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen

nulla poena sine lege praevia].

que fo rem comet id us. ni io s ej am del it uo sa s, d e a co rdo com 0 direito aplicdvel,

Tampouco s e p od e impor p cn u m a is g ra ve que a ap l i cave l no memen to d a p e rp e tr u ca o

do delito."

12 Art . y, i nc. XXXIX: "nao h6 cr ime scm lei an te rior q ue 0 def ina, nern pena sern

previa cor ni nacao legal ". Todas as Constituicoes brnsilelras proclamaram 0

princ lp io : C. 1824, a rt . 149 , n?11; C. 1891, a rt . 72, § 15; C. 1934 , ar t. 1 13 ,n ? 26; C . .

1937, art. 122. n~ 13; C. 1946, ar t. 141, § 27; C . 1967/E. 69, art. 153, § 16 (cuja

rednc ao , n us p al av ra s d e Pontes d e Mirand a, c on st it uiu "do eumen to h is tor ic o d a

insuperadu mediocridade govemunte de 1964-1967" iComenuirios IiConsriwir;iio de

1967. S. Paulo, 1971, t. V, p. 242).

13 Lei n?7. 210, de 1l.juL84-Lei de Execucao Penal (LEP) , art. 45:"Niio haverdfnlta

nem SWllJiio disciplinar scm expressa e an te r io r previsao legal ou regulnmentar",

68

Ternes aqui a funcao "hist6rica" do principio da legali-

dade, que surgiu exatamente para reagir contra leis ex post

facto, Tudo que se refira ao crime (por exemplo , supressao de

um elemento integrante de uma justificativa, qual a vox

"iminente" na legitima defesa) e tudo que se refira a pena (par

exemplo, ret if icacao gravosa na discipl ina da prescricao) nao

pode retroagir em detrimento do acusado. E hoje opiniao

doutr inaria dominante que a irretroat ividade deva aplicar-se

tambern as medidas de seguranca". Note-se que a lei penal

retroagira sempre que beneficiar 0 acusado, seja pela revoga-

~ao.da norma incriminadora (abolitio criminis), seja par qual-

quer outro modo (art. 2? CP)IS, excetuando-se as chamadas leis

excepcionais (promulgadas ern face de situacoes especial-

mente calamitosas ou conflitivas) e leis ternporarias

(promulgadas com termo de vigencia) - (art. 3~'CPl. 0

aprofundamento dessas questoes, bern como a caracterizacao

do que seja, na hip6tese de concurso, a lei mais favoravel,

pertencem a teoria da lei penal.

Sustentou-se que 0 chamado Tribunal de Nuremberg vio-lou 0 princfpio da legalidade, sob 0 aspecto da irretroatividade

da lei penal. No Brasil , 0 caso mais escandaloso foi a imposi-

'tao, por decreta, da pena de banimento a pres os cuja l iberdade

era reclamada como resgate de diplornatas sequestrados por

organizacoes polit icas clandest inas, durante a ditadura mili-

tar. Sern reserva legal e sem processo, os presos - que nada

haviam feito - eram atingidos par autentico bill oj attainder,

impondo-se-lhes urna pena nao conternplada previamente emlei.

14 Nao entre nos ; anterio rmente , u traves do argumento pos it iv ls ta de que usmedidas de

seguranca dcviam ser usadas como urn remedio: agora, porquanto rcduzidas a internu-

~iioou tratamento de inimputaveis ou sernl-imputdvels. Cf. Fragoso, LiI"Jes. c it ., p .

94.

15 Por forlJndo inc . XL doart. 5 !'CR, a rc troa tividade da le i rna is benef ica tern caniter de

garantia individual. impondo-se ao legislador penal.

69

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 36/69

Segundo: proibir a criacao de crimes e penas pelc costume

(nullum crimen nulla poena sine lege scripta). .,

S6 a lei escrita, isto e, promulgada de acordo com as

previsoes constitucionais, pode criar crimes e penas: nao 0

costume. "Destacar a exclusao do costume como fonte de

crimes e penas", frisa Mir Puig, e exigencia do principio da

legalidade". Isso nao signif ica, por certo, que os costumes ndoparticipem da experiencia jurfdico-penal: Assis Toledo assi-

nala tratar-se de "equfvoco a suposicao de que 0direito costu-

meiro esteja totalmente abolido do ambito penal"17. De fato, e

indiscutfvel que os costumes desempenham uma funcao inte-

grativa, que provem principal mente de sua influencia no direi-

to privado". Tal funcao integrat iva se apresenta na elucidacao

de elementos de alguns tipos penais (par exemplo, "mulher

honesta" no tipo do rap to - art. 219 CP -, ou "ato, objeto

au recitacao obscenos ", nos tipos de ultraje publico ao pudor

- arts. 233 e 234 CP)l9. Apresenta-se ela igualmente no

conceito central (dever objet ivo de cuidado) dos t ipos culpo-

SOS,sempre que a atividade dentro da qual ocorreu 0 fato nao

16 Introduccion, cit., p. 145.

17 Principles basicos de direito pella I , S . P aulo, 1 986, p. 24.

18 CosHI e Silva, Comelltariosao codigo penai brasileiro, S. Paulo , 1967, p . 17; Anfba l

Bruno, op. ci t. , p. 189.

19 Hung ri a a f lrma que, no ultraje publico ao pudor, "a lei penal s e r eport a a urn costume

social, isto e , a moral id ade c olet iv a e rn . t omo do s f atos d a v id a s oc ia l, fi ca ndo

subordinada, pard 0 seu entendirnento e aplicaciio, a vuriabilidade , no tempo e no

espaco, desse costume" (Comelltarios ao codigo penal, Rio, 1958, v. I, t , I , p. 94).

Advirta -se para os riscos de uce itar-se, acrit icamente , 0 conceito de "morulidude

colet ivu' numa soc iedade dec lasses. Ens ina Adolfo Sandez Vasquez ser ' ' evidente anatureza particu la r da moral nus soc icdades c lass is ta s, em face da pre tensao de uma

moral universulmente vdlida" (Erica, trud. J. Dell'Anna, Rio, 1970, p. 199).

"Dificilmente as classes dominantes conseguern impor IImoral por elas elaboruda atotal idade dasociedade" (Cesa re Luporin i, As ra fzes da v ida moral , inDella Volpe e t

1 1 1 . , Moral e sociedade, t rad . N . R is sone, R io , 1 969, p . 65 ); e nt ret an to , a tr av es de

conce itos como' 'mora lidade colet iva' , 0direito pode transformer acoercao penal no

mais terrfve l ins trurnento de SUIl imposicdo,

70

. • 20

esteja positivamente regulamentada de modo ~x~UStIVO,

como tambem em justificativas (pense-se no exercicro regular

do direito - art. 23, inc. III CP - enquanto aplicacao de

castigos ffsicos na correcao educacional de menores). Nega-

se, geralmente, uma funcao derrogatoria aos cos~u~es

idesuetudo penal) ; Oscar Stevenson a reconheceu ern hipote-

ses que tratariamos hoje como "adequacao social da acao"

(perfuracao de orelhas para usa de brincos, circun~isao): dele

dissentindo Hungria". A verdade e que a adequacao SOCIalda

acao, seja enquanta justificativa de carater c?nsuetud~mirio

(assim a concebeu Welzel durante Iongo penod~), seja e~-

quanto princfpio de interpretacao que reinsere as tipos penais

numa sociedade historicamente determinada (como a conce-

beu a ultimo Welzel) , esta indissoluvelmente ligada aos

costumes". Podemos, assim, concluir que a principio da Ie-

galidade proibe a intervencao dos costumes apenas -::-P?re_m

incondicional e total izanternente - no que concerne a cnacao

(definicao au agravamento) de crimes e penas.

Inscreve-se aqui a questao das fontes. Fonte de producao(ou material) do direito penal e a Congresso Nacional, ao qual ,

com exclusividade, a Constituicao da Republica defere 0po-

der de legislar em materia penal (art. 22, inc. Ie 48). Segundo

Anfbal Bruno, em passagem de matiz historicista, muito aco-

lhida, pOI tras dos orgaos estatais que ditam 0 direito estaria

20 Muii oz Conde ve 1l intcrvencao integra tlva dos cos tumes noconceito de "diligen-

cia devida" nil conducao de automovels (lntroduccion, cit . p. 89). Entre nos, a

existencia de ur n C6digo Nacional de Transit e (lei n~ 5.108, de 21.set . 1966)

e xten sumen te regulamen ta do (de creto n. "62 .1 27 , de 16. ja n.1968, e imime ro s

outros- cf. Legislaciio de trtinsito, Brasf lia, 1984, ed. Min is te rio da Jus tica , p.

50 5S ). t orna es tr it amente suplernen ta r a int erven ci io dos c os tume s il hipotese.

Jua rez Tavares reconhece no desatendimentoaccuidado objet ivo exigfve l aoautor

do crime culposo uma "caracterfstica normativa uberta" (Teoria do delito, S.

Paulo, 1980, p. 68). Assi nala Heitor Costa Jr . II impossibilidnde de descricdo

exaus tiva da conduta puntvel nos c rimes culposos tTeoria dos crimes culposos,

Ri o, 1988, p. 55) .

21 Hungri a, op. cit. , p. 95.

22 Wclze1, op. cit., p. 83 55.

71

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 37/69

"a consciencia do povo em dado momento do seu desenvolvi-

mento historico, consciencia onde se fazem sentir as necessi-

dades sociais e as aspiracoes da cultura, da qual urna das

express6es e 0 fenorneno jurfdico ' '23. Essa linha de especula-

~ao, que substitui a modesta verificacao da producao objetiva

do direito pela mfstica inconsistente de urn "espfrito nacio-

nal", ou cumpre, se desenvolvida, uma funcao ideol6gica

de fazer passar por vontade do conjunto do corpo social avontade de uma. classe, ou estimula, se contraditada, uma

simplificacao mecanicista que - com muito maiores razoes

- pode situar no modo de producao as verdadeiras fontes do

direito". Fonte direta de conhecimento (ou formal) de normas

que definem crimes e cominam ou agravam penas e apenas e

tao-somente a lei; muito adequadamente frisa Mestieri ser a lei

penal ' 'a fonte ou forma de expressao unica do direito criminal

quando se trata de definir infracoes penais e cominar penas' '25.

Alem desse campo - porem rnuitas vezes, indireta ou suple-

mentarmente, neste mesmo campo, como virnos acima -

temos os costumes e os princfpios gerais do direito penal, urn

dos quais estamos exatamente estudando neste momento. Es-

pecial importancia tern os princfpios constantes de documen-

tos intemacionais de direitos humanos, como a Declaracao

Universal dos Direitos Humanos, resolucao da Organizacao das

Nacoes Unidas, de 10 de dezernbro de 1948, e a Declaracao

Americana dos Direitos e Deveres do Homem, recomendacao

da IX Conferencia Interamericana. de 2 de maio de 1948. Em

novembro de 1969 foi firmada, em San Jose, Costa Rica, a

Convencao Americana sobre Direitos Humanos, conhecida

como' 'Pacta de San Jose da Costa Rica" , que eo documento

23 Op. cit ., p . 187; endossam-lhe as palavras Darnasio (op. cit ., p . 8) e Mirabetc (op.

cit ., p . 29) , ent re out ros.

24 Cir ino dos Santos, Direito penal, cit., p. 24. Cf. ainda Konstantin Stoyanovitch, La

pensee marxi sta et l e droit , Vendome, 1974, p . 45, pam quem a von tade da c la ss e

dorninante is fonteJormal do direito.

25 Op. cit., p. 81. Afi rrna Bustos que ulei e a unica fonte ' 'pam 0pnder punitivo estatal"

(lntrodllcci6n, cit., p. 35).

72

fundamental da protecao internacional dos direitos humanos

no ambito americana"; 0Brasil a subscreveu em 1986, ja lhe

havendo concedido 0 Congresso Nacional a aprovacao

constitucional",

Fala-se em "reserva absoluta" e "reserva relativa" de lei

para aprofundar 0 entendimento de dispositivos constitucio-

nais concernentes it reserva legal. A concepcao de "reserva

absoluta" postula que a lei penal resulte sempre do debatedernocratico parlamentar, cujos procedimentos Iegislativos, e

so.eles, teriam idoneidade para ponderar e garantir os interes-

ses da Iiberdade individual e da seguranca publica, cumprindo

a lei proceder a uma "integral forrnulacao do tipo n2H; dessa

forma, s6 a lei em sentido formal poderia criar crimes e

cominar penas, com "a obrigacao de disciplinar de modo

direto a materia reservada"?", A concepcao de reserva relativa

nega 0monop6lio do poder legislativo em assuntos penais'" e

admite que a materia de proibicao possa ser parcialmente

definida por outras fontes de producao normativa, cabivel que

o legislador estabeleca estruturas gerais e diretrizes, a serem

complementadas, as primeiras com observancia das segundas,

pelo regulamento". A constitucionalidade das normas penais

em branco de cornplernentacao heterologa" seria discutivel a

26 Cf. Fragoso, Direito penal e direitos humanos, cit., p. 119 ss: Zaffaronl, Manual,

cit., p. 94 ss; Lyra Filho, op. cit., p. 11 e 109.

27 Decre to Leg is lu tlvo n: ' 5/89, D.C.N. de 2.jun.89.

28 Br icola , F ranco , L'a rt. 25 , cor nmi 2~ ' e 3 :' del la Cost it uz ione r ev isi ta to a lia fine

degli anni '70, in La questione criminate, n:' 2/3, Bolonha, 1980, p. 210; do

mesrno autor, La discrezionalita nel diriuo penale, Mil ao , 1965 , p . 233 ,

29 Siniscalco, Marco, I rret roat iv ita del le /eggi in mater ia penale, Mi li io , 1969 , p .

85.

30 Para uma concepcfio absoluta da reserva legal , nao pode 0Prcsidente da Republicaedi tu r medida p rov isori a ( ar t. 59, i nc . VCR) sob re ma te ri a penal.

31 Nilo Bat is ta , Bases const itucionnis do princ!pio da reserva legal , in RD P n~ 35, p.

57.

32 Chamarn-se normas penais em branco aquclas nas quais aconduta incriminada nao

es td i nt eg ralment e desc ri ta , neces si tando de uma compl emcn tacdo que se apre -

senta em out ro disposi tive de lei (cornplemcmacao hom6Ioga) , seja du propr ia lei

penal (cornplernentacao homologa homovite linn) , seju de lei diversu

73

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 38/69

luz da reserva absoluta da lei. Em todo caso, como ensina

Petrocelli, 0qomplemento administrative que passa a integrar

uma norma penal esta sujeito a todas as exigencies que deri-

yam do principio da legalidade: 0contrario significa violacao

do proprio princfpio "

Terceira: proibir 0 emprego de analogia para criar crimes,

fundamentar au agravar penas (nul/urn crimen nulla poenasine lege stricta).

Chama-se analogia 0 procedimento Iogico pelo qual a

espirito passa de uma enunciacao singular a outra enunciacao

singular (tendo, pais, carater de uma inducao imperfeita au

parcial), inferindo a segunda em virtude de sua sernelhanca

com a primeira"; no direito , terfamos analogi a quando 0

jurista atribuisse a urn caso que nao dispoe de expressa regula-

mentacao legal a(s) regra(s) prevista(s) para urn caso seme-

lhante. A formula basica da analogia, extrafda de Atienza

Rodriguez", vai a seguir grafada; nela, para nossos fms, "M"

(complernentacf io homdloga heterovitel inu) , ou em fnntes legis la tivas de hierar-

quia const itucional infer ior, como 0 a to ndmini st ra tl vo. vou a l ei e stadua l ou

municipal (complernentncao hetcrologa) . Foi 0 penal is ta alemao Kar l Binding

quem, dentro de seu projeto teorico de rerneter a lei penal a urn conjunto denormas

dis tintas do propr io ordenamento jur fdico-penal, crnpreendeu a primeira teoriza-

"ao import an te a r espei to de t ais nonnas, cunhando- lhes a de signacao que, leve-

mente ulteradu, ainda perdura tBlankeitstrafgesetz), e ainda formulando a seu

re spe ito uma f amosa expr es sao : d izi a el e que, s cm a pro ib icao do complet ive da

norma , a l ei penal par eceri a ur n co rpo e rr nn te que buscu sua a lma tein irrender

K iir per se ine See le suchts, cr. Binding, Die Normen und i hr e Uberlr elUng,

Utrecht , 1965, v. 1,p. 162; Thompson, Augusto, Lei penal em branco e ret roat ivi-

dade benefica, in Rv, Dir . Procuradoria Geral E. Guanabara, Rio, 1968, v. 19, p.223; Nil o Ba ti st a, Obse rvacoes sabre a norma penal e sua interpreta!i=iio, RD P n?

I7 ! 18, p. 87. 0 e st udo das nonnas pena is embranco per tence a teoriu da lei penal.33 Norma penal e e r ego lamento , i n Saggi di diriuo penale, 2~se ri e, Padua , 1965, p .

161.

34 Maritain, Logica menor, trad. I.Neves, Rio, i972, p. 30B; Puigarnau fala de

induciio reconstrutiva (L6gica para juristas, Bar cel ona, 1969, p . 127 ).

35 Sobre fa ana!og{aen el derecho, Madri, 1986 , p . 48.

74

e "S" representarao condutas humanas e "P" representara

nao apenas proibido, mas proibido sob cominaciio de pena:

(1) M e P

(2) S e semelhante a M

(3) S e P

Salta aos olhos a total inaplicabiJidade da analogia, peranteo princlpio da legalidade, a toda e qualquer norma que defina

crimes e comine ou agrave penas, cuja expansao Iogica, por

qualquer processo, e term inante mente vedada, havendo neste

ponto unanimidade na doutrina brasileira.

Como vimos, 0 direito penal nazista util izava-se larga-

mente da analogia. 0 artigo I? do c6digo penal dinamarques

de 1930 estipula que "ninguern pode ser punido com pena

senao par atos cujo carater criminoso esteja consignado em

lei, au que sejam inteiramente assimilaveis a tais atos"; mas

parece que a clausula anal6gica e reconstruida peJa doutrina

sem lesao ao princfpio da legalidade". Na Uniao Sovietica,

desde 0codigo de 1960, que se seguiu as "bases" de 1958, a

analogi a e uma "Institulcao abolida ":". Na China, mesmo

ap6s 0 codigo de 1979, a predorninancia de urn conceito

material de crime, definido como urn ato que ofenda a sobera-

nia do estado, a integridade do territorio, 0 regime da ditadura

do proletariado, a revolucao e a edificacao socialistas, a ordem

36 Zaffaroni, Manual, c it ., p . 136 .

37 Zdravomfslnv el al, Derecho penal sovie ti co, trad. N. Mora e J. Guerrero,

Bogota, 1970, p. 52. Em 25 de dczernbro de 1958,0 Soviete Supremo da Uniao

p romulgou pri nc ipl es f undamcn tai s que dever iam const lt ui r as bas es dos novos

codigos das republicus federadus ("Bases"). Em 27 de outubro de 1960, aRepublica Sociali sm Federut iva Sovietica da Russia, cer tarnente a mais i rnpor-

tante e inf luente das 15republ icas fcderadas , prornulgou seu novo codigo penal (e

tambern urn novo codigo de processo penal e uma lei de organizacao judiciaria) .

Quer em seu art igo 3~(fundumcntos da responsabil ldadc penal ), quer em seu art igo

7~ (conceito de crime), 0 cornponente mater ia l da "a~iio socialmente per igosa"

esta condicionado a "previsuo legal", podendo, no contrario, a defeccao da

p rime ir a supr imi r a ef ic aci a da s cgunda ( ar t. 7 :', segunda parte ).

75

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 39/69

publica, os bens publicos, os bens coletivos das massas traba-

Ibadoras e os bens pessoais dos cidadaos, as direitos indivi-

duais e democraticos dos cidadaos e ainda todo ato social-

mente nocivo, deixa as portas abertas ao indiscriminado em-

prego da analogia".

No Brasil, muitas vezes admitiu-se e praticou-se a analo-

gia vedada. Rememora Fragoso urn decreto-lei do Estado

Novo (n:' 4.166, de II.mar.42) que "expressamente autori-

zava 0 recurso a . analogia'?", A punicao do apoderarnento

ilfcito de aeronaves (entao fato atipico entre n6s) a titulo de

seqiiestro , pelos tribunais, durante a ditadura militar, impli-

cou analogia, Em seu importante trabalbo, Rosa Cardoso de-

monstra como a admissao de pessoas juridicas na posicao de

sujeito passivo do crime de difamacao previsto no C6digo

Penal (art. 139, entre os "crimes contra a pessoa'", e usando a

vox "alguem", caracterizadora de pessoa humana) represen-

tou emprego de analogia'".

Vedado 0 acesso da analogia naquilo que Anfbal Bruno

chamava de "direito penal estrito ", ou seja, 0 direito penal

criador de crimes e cominador de penas, tern ela as portas

abertas para cumprir suas funcoes integrativas em todo 0

restante ordenamento jurfdico-penal; e como este se estrutura

numa dualidade tensiva (opondo as normas que definem cri-

mes e cominam ou agravam penas outras que, sob as mais

divers as circunstancias, excluem ou reduzem a punibilidade,

na mais ampla acepcao deste termo), segue-se que e possivelformular urn criterio pratico e constatavel para essa analogia

38 Tsien Tche-Hao , Le droit cltin~is, Vendome , 1982, p. 112; cf, tarnbem

Dell'Aquila, f/ diritto cinese , Padua, 1981, p. 193. Na Inglaterra, com seu

peculiar sistema jurldico,0

poder judicial' de declarar ou ampliur analoglcarnenteum crime "parece niio haver desaparccido intei ramente " (Curzon, Criminal law,

Londres , 1973, p. 9), ernbora nos t il ti rnos tempos fosse exercido rara e l irni tada-

men te, e , is clare, "with the greatest reluctance" (op, cit., p. 7). Zaffaroni,

ent retanto, menciona urn ato de 1972 que ter iu posto termo aquele poder (Manual,

cit ., p . 135), tomando indispensiivel a base estututar ia .

39 Lit;oes, cit., p. 95.

40 0car ti ter reuir ico do princlpio da legal idade, P. Alegre, 1979, p. 104.

76

admitida: e aquela que favorece 0 acusado, e a analogia in

bonam partem. Ha quase unanirnidade nos autores brasileiros

quanta ao acolhimento da analogi a in hallam partem"; com

excecao , que resulta de irnperativo logico , de normas

excepcionais". Ninguern estabeleceu a regra da analogia in

bonam partem de maneira mais formosa e exata do que

Carrara: "Per analogia non si puo estendere la pena da caso a

caso: per analogia si deve estendere da caso a caso la scusa' '4].o artigo 4?da Lei de Introducao ao C6digo Civil recomenda

que, na ornissao da lei, 0 juiz decida "de acordo com a

analogia, os costumes e os principios gerais de direito ".

Temos, no direito penal, limites a tal recomendacao, deriva-

dos do principio da reserva legal, limites esses que incidem

sobre as normas que definem crimes e cominam ou agravarn

penas, Alern desses limites, 0 desenvolvimento do direito pe-

nal, pela colmatagem de suas lacunas, s6 encontra a fronteira

polftico-criminal da intervencao minima, tambem expressa em

seu carater fragrnentario - que sera mais tarde examinado.

Observe-se, por firn, que alguns autores questionam a real

vigencia logica e Iingiiistica da proibicao da analogia, mesmo

dentro dos limites assinalados. Kaufmann cbegou a dizer que

• 'nao M urn s6 fato criminoso cujos contornos estejam fixados

em lei: par todos os lados os lindes estao abertos"44.

Quarta: proibir incriminacoes vagas e indeterminadas (nullum

crimen nulla poena sine lege certa).

41 Cf. Toledo, op. cit., p . 25; A. B runo, op. cit., p. 209; Fragoso, Li,oes, cit., p, 83;

Mlrnbe te, op . c it ., p. 30; Damas io , op, c it ., p . 48 . Di ss ent ia do entendi rnen to ,

is oladamcnte , Ne lson Hungri a ( op , c it . ,p . 91).

42 A norma exccpcionu l i nst au ra u rn r egime d is ti nt o e e speci al par a det erminad~hip6tese: regula a excecao, subtrai 0 cas e ao qual se dest ina da d is ci plina geru l. E

obv io que adrnit ir , aqu i, a ana lcgia , e destruir 0 propr io conce ito de norma

excepcional . Convem regis trar que as causas gerai s de exclusao da ant ijur idici-

dade e da culpabi lidade niio sao norm asexcepclonals , como supunhu Hungr in, a te

por serem gerais: adrnitern, portanto, 0 exercicio analogico.

43 Op. cit., p. 368 (§ 890, nota I.infine).

44 Op. cit., p. 42.

77

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 40/69

A funcao de garantia individual exercida pelo principio da

legalidade estaria seriamente comprometida se as normas que

definem os crimes nao dispusessem de elareza denotativa na

significacao de seus elementos, inteligivel por todos as cida-

daos. Formular tipos penais "genericos au vazios ", valen-

do-se de "clausulas gerais" ou "conceitos indeterminados"

au "ambigucs":", equivale teoricamente a nada formular, mas

e pratica e politicamente muito mais nefasto e perigoso. Naopor acaso, em epocas e pafses diversos, legislacoes penais

votadas a repressao e controle de dissidentes politicos escolhe-

ram precisamente esse caminho para a perseguicao judicial de

opositores do governo. Soler registrou que se recorre com

frequencia a esse expediente em caso de delitos criados deli-

beradamente com intencao polftica". No Brasil , as famigera-

das leis de seguranca nacional compunham autentico florile-

gio de tipos penais violadores, pela construcao de crimes

vagos, do principio da legaJidade, e coube especialmente a

Fragoso, em imimeros trabalhos, profligar-Ihes tal vicio". A

vigente lei de seguranca nacional (lei n:'7.170, de 14.dez.83),

45 Toledo, op. cit., p. 28; Mir Puig, op. cit., p. [46; Munoz Conde, lntroducclon,

cit., p. 96; Roque de Brito Alves, op. cit., p. 226. Em sua origem historica, U

clureza do texto legal estava associada ao principio l iberal da autodeterminacf io du

conduta a par ti r do conhecimento da lei ( lntimidaeao) ; Marat preconiznva "qu'i l

n 'y ai t r ien d 'obscu r, d incertn in, d' arb it ra ir e" em t cma dec rimes epenas, por s er

necessario "que chacun entende parfaitemcnt Ies loix, e t sache ii. quol il s'expose

en les violant" (Plan de legislation criminelle, Par is , 1974, p . 68 ).

46 La formulacidn actual del princlpio nul lum crimen, in Fe en el derecho, B. Aires,

1956, p. 284.

47 Em diversos artlgos, relatorios da DAB e defesas de presos politicos, Heleno

Fragoso se deteve na deminciu da violacuo do princfpio da legal idade pcla criacuo

de t ipos penais vagos e i nde te rminados; c f. Lei de seguranr;a nacional - lim aexperiencia antidemocratica, P. Alegre, 1980; Terrorismo e criminalidade polio

tica, Rio , 1981; Direito penal e direitos humanos, Rio, 1977; Advocacia da

liberdade, Rio, 1984 . Sobre a legis lucf lo de segu ran~a naci onal, no Bra sil , c r.ai nda Eva ri st o de Morais F il ho , A., Lei de seguranr;a nacional -11m atentado aliberdade, Rio, 1982; Roberto Martins, Seguranca nacional, S. Paulo, 1986; Nilo

Bat is ta , Lei de seguranca nacional: 0 direito da tortura e da morte, in Temas de

direito penal, Rio, 1984, p. 11 55.

78

considerada por muitas como palatavel forma evolutiva das

anteriores, incrimina, em seu artigo 15, "praticar sabotagem

contra instalacoes militares, meios de cornunicacao, meios e

vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fabricas,

usinas, barragens, depositos e outras instalacoes con gene-

res" ,estabelecendo seu §.2? a punicao dos ' atos preparatorios

de sabotagem" . Se "praticar sabotagem" configura, ja por si,

urn micleo bastante indeterminado para 0 tipo, seus atos pre-

paratorios sao infinitamente multiformes; por outro lado,

quem, em estado de sanidade mental, sera capaz de definir

"instala~6es congeneres"; a urn so tempo, de uma estrada,

uma fabrica, uma usina e urn deposito?"

Alguns autores deslocam a enfase para a subjetivizacao da

imprecisao do preceito, isto e, para 0aspecto de que 0preceito

deve ser ' 'determinado e especificado de modo tal a fazer ver

claramente ao cidadao a conduta a seguir, e os limites do

proprio livre comportamento "49Tal aspecto, importante sem

diivida, era predominante nas teorias preventivo-gerais, mais

ou menc.- remontaveis a Feuerbach, que se construam a partir

da ideia de' intim ida riio penal; sua crftica devera considerar os

problemas da ineficacia motivadora da norma penal (que per-

tence a criminologia) e da ficcao da presuncao do conheci-

48 Essas e out ras observacoes constarn de urn art igo publicado quando 0anteprojeto

governamental foi rernetido ao Congresso Nucional, Escrevia-se , a li : "0illcito

deve estar per feitarnente dernarcado, ate para adver tencia do cidndao, mas princi-

pnlmente para evi tar sua manipulacno insidiosa quando dnuplicacf io da lei . Dizer

'punem-se os atos preparatorios da sabotagern' e nao dizer nada, porque cientifi-

c ll r~se do pre. .o de componentes de urn explosivo e urn ato preparat6rio, tanto

quanta cornprar uma f ila udesiva. Quando atos preparutorios de dererminado delito

apresentam suficiente nocividade, 0 Iegislador do estado de direito democnitico

constitui novas delitos (geralmente, de perigo), perfeita e claramente

demarcados' (Ni lo Bat is ta , Para que serve essa boca tao grande? - observacoes

sobre 0anteprojeto guvernarnental da lei de segurant;1I do estndo, in Temas de

direito penal. cit., p. 34 55).

49 Petrocelli, Appunti Sill principia di legal it« nel dir it to penale, in Saggi 2~serie,

cit., p. 193. A urna "fun~iio pedngogicu de mot lvar 0 comportamento" se refere

Toledo (op. cit., p. 28).

79

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 41/69

mento da lei (que e estudado na teoria do crime, ao tratar-se do

erro). De qualquer modo, 15correto extrair-se, do texto consti-

tucional bnisileiro ("lei anterior que 0 defina"), urn direito

subjetivo publico de conhecer 0 crime, correlacionando-o a

urn dever do Congresso Nacional de legislar em materia crimi-

nal sem contornos sernanticos difusos. Com toda a proceden-

cia se observa, diante das graves medidas restritivas que se

abatem sobre0

acusado num processo criminal, que a criacaode incriminacoes vagas e indeterminadas transcende a viola-

cao do princfpio da legalidade para ofender divers os direitos

humanos fundamentais".

Nao 15permitido, igualmente, tratando-se de penas gradua-

veis, que 0 legislador nao estabeleca uma escala de mereci-

mento penal, com p610s minima e maximo, ou a estabeleca

corn extensao tao ampla que instaure na pratica a inseguranca

jurldica, diante de solucoes radicalmente diferentes para fatos

pelo menos tipicamente assimilaveis, favorecendo urn peri-

goso arbitrio judicial. A individualizacao legal da pena, atra-

ves da criteriosa cominacao - 0 que sup6e uma distribuicao

ponderada de penas (mantendo correspondencia com a maior

ou menor gravidade dos crimes), Iimites (minimo e maximo)

claramente fixados para cada crime, e urn nftido sistema de

atenuacao/agravacao -, abre perspectivas para a fertil mo-

bilidade da individualizacao judicial, com a consideracao da-

que/a conduta humana na aplicaco da pena, e garante em tese

os limites e 0 sentido da individualizacao administrativa,

quando deveri a ocorrer, na execucao da pena, a mais pr6xima

e frutuosa consideracao daquele homem. A individualizacao

da pena tern, no Brasil , 0status de garantia individual expres-

samente contemplada (art. 5?, inc. XLVI CR). A clareza na

.cominacao da pena, desse modo, expande os efeitos do princi-pio da legalidade, impedindo sua violacao no nlvel da aplica-

50 Zaffaroni, Si st emas penale s y derechos humanos en Ameri ca Lat ina - in fo rme

final, B. Aires, 1986, p. 16.

80

r,;ao e da execucao, sem negar - antes, reafirmando, pela

positividade juridica - a ideia de individualizacao. .

'E possivel distinguir, como fez Zaffaroni", algumas mo-

dalidades mais freqiientes de violacao do principio da Jegali-

dade pela criacao de incriminacoes vagas e indeterminadas, tal

como se segue.

a) Ocultaciio do nticleo do tipo, 0 verbo que exprime a

acao, nos crimes comissivos dolosos, pode ser chamado demicleo do tipo penal correspondente. Esse verba pode estar

oculto par completo, como no art. 110 do decreto-Iei n?73, de

21.nov .6652, ou pode ocultar-se arras de outro verbo que de-

note tao-somente urn agir vago e indeterminado, como no

artigo 240 CpS3 . Quase sempre, tais vfeios sao devidos ao

equivoco observado por Soler: ter sido a tipo "construfdo

sobre a consequencia"'" e nao sobre a acao. Veja-se, par

exemplo, 0 artigo 149 CpS\ inteiramente construfdo sobre 0

resuItado lesivo da Iiberdade individual que pretende tutelar.

b) Emprego de elementos do tipo sem precisiio semiintica.

o que sera exatamente 0 estado de "perigo mora!" do artigo

245 CP, a u a "casa mal-afamada" a qual nao se deve permitiro acesso do menor de 18 anos, que nela podera conviver com

"pessoa viciosa ou de rna vida", e talvez assistir a urn

"espetacul0 capaz de perverte-lo " (art. 247, inc. 1e lI CP)?

51 S is temas . .. - i nf orme f inal, cit., p. 17.

52 "Const it ui cr ime contr a a economi a popu la r, pun ivel de acordo com a legi slucao

rcspectivu, a l ll ,' aO OU ornissilo, pessoal ou coletiva, de que decorra a insuficiencia

das reservas e de sua cober turu, vinculadas it guruntia das obrigucoes das sociedu-

des s cgu rudorus. " Ess a norma v io la 0 princlpio da lcgul idude tarnbem quanto it

pena, j;l que a Iegls lacao de econornia popular (lei n~'1.521, de 26.dez.51) preve

e scal as penais d ife rente s para d ife rcnte s cr imes. nao se podendo prccis ar a qua ldelas quis referir-se 0 rcdator do texto aci rna t ranscr ito (que consegue , em auten-

t ico recordc, violar tarnbern 0 principlo da culpubilidude).

53 "Cometer adu l terio " .

54 Op. cit., p. 285. Ensina Bustos que "as normas s o pudern proibir (ou ordenar ou

permi ti r) acocs e mio resul tados" (Bas es crhicas de 11111IlIIEIO derecho penal,

Bogo ta, 1982, p . 75) .

55 "Reduz ir al guem a cond icao aruilogu ii de escruvo " ,

81

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 42/69

Tais elementos normativos nao disp6em de urn sistema de

referencia que perrnita urn nivel aceitavel de' 'certeza tipica" ,

o que ja nao ocorrera com elementos normativos jurfdicos que

remetam a conceitos anteriormente delineados". Costuma ser

freqiiente a irnprecisao, mesmo em elementos descritivos, nas

legislacoes de carater. polftico: pense-se nos "services piibli-

cos reputados essenciais para a defesa, a seguranca ou a eco-

nomia do pafs", ou na incitacao "a subversao da ordem

politica ou social'? dos artigos 15,§ 1:', al. b e 23, inc. I da lei

n? 7.170, de 14.dez.83.

c) Tipificaciies abertas e exemplificativas. Adverte com

propriedade Everardo da Cunha Luna que "0maior perigo

atual para 0princlpio da legalidade, em virtude da forma com

que se apresenta, sao os chamados tipos penais abertos ou

amplos"; que, se alcancaram nos crimes culposos urn nivel de

caracterizacao organica bastante seguro, tern, como lembra

Zaffaroni, "Iimites muito perigosos nos crimes dolosos de

perigo "57 Riscos existem tambern nos crimes comissivos por

omissao, a despeito da previsao legal das fontes do dever

jurfdico de agir (art. 13, § 2:', al. a, bee CP). Formul~~6~S

tipicas ou majorantes de pena que se valem da enunciacao

descritiva de alguns elementos, seguida de uma clausula de

carater analogico , sao igualmente perigosas; para 0primeiro

caso, veja-se 0 artigo 147 CP; para 0 segundo, 0artigo 226,

inc. IIcr=.

56 Zaffaroni, Sistemas . .. - in forme f il ial , cit., p. lB. Fragoso admite que as

elementos normativos "enfraqueccm a fun~ao de guruntiu da lei penal", ernbora

niio violern 0principia da legalidade (Lip'ies. c it ., p. 97).

57 Cunha Luna, Capltulos, cit., p. 33; Zaffaroni, Sistemas ... - informefinal, cit., p.

is.

58 Art. 147: "Ameacar alguern, par palavra, escrito au gesto, au qualquer outro

meio simbolico de causur-lhe mal injusto e grave." Art. 226: "A peon e uurnen-tada de quar ta pa rte : ( .. . ) Il- se 0 agente e ascendente, pai adotivo, padrasto,

i rmiio, tutor au curudor , preceptor ou empregador da vit ima au por qualquer outro

titulo t ern autor idade sabre ela ." Dnrnasio reuniu todos as casas que seaprescntam

no codigo pena l br asi le ir o ( op, c it ., p . 39 ).

82

Partindo de elementos da Iinguistica, particularmente de

Saussure, Rosa Cardoso questiona ~alinguagem juridica a

pretensao de estabelecer sentidos originarios e unfvocos para

as expressoes legais, com 0 que a proibicao de incriminacoes

vagas e indeterrninadas tornar-se-ia inviavel, "pela dependen-

cia que a significacao juridica possui de termos que integrarn

campos associativos ausentes em seu discurso "59. 0 exame

dessa atraente contribuicao deve situar-se no campo da inter-pretacao da lei, que integra a teoria da lei penal.

59 Op. cit., pp, 105, B6, 97 55. Cf. Kaufman , op. c it ., p . 40

83

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 43/69

§ 10

o p rin cfp io d a in te rv en ca o m in im a

o principio da intervencao minima foi tambern produzido

por ocasiao do grande movimento social de ascens~o da bur-

guesia, reagindo contra 0 sistema penal do absolutIsmo,.que

manti vera 0 espirito minuciosamente abrangente das legis la-

c:;6esmedievais. Montesquieu tornava urn episodic da hist6ri~

do direito romano para assentar que "quando urn povo e

virtuoso, bast am poucas penas"; Beccaria advertia que

"proibir uma enorme quantidade de acoes indiferentes nao eprevenir os crimes que del as possam resultar, mas criar outros

novas' 'I; e a Declaracao dos Direitos do Homem e do Cidadao

prescrevia que a lei nao estabelecesse senao penas "estrita e

evidentemente necessarias ' (art . VIII).Tobias Barreto percebera que' 'a pena e urn meio extrema,

como tal e tambern a guerra"2. E, de fato, par constituir ela,

como diz Roxin, a "interven~ao mais radical na liberdade do

indivfduo que a ordenamento juridico permite ao estado"\

entende-se que 0estado nao deva "recorrer ao direito penal e

sua gravfssima sancao se existir a possibilidade de garantir

uma protecao suficiente com outros instrumentos jurfdicos

I Montesquieu, Do espl ri to das le is , trad. F.H. Cardoso e L.M. Rodriguez. S.

Paulo, 1962, p. 109; Beccaria, op. cit., p. 307.

2 Op. cit., p. 56.

3 Iniciacioll, cit., p. 23.

84

nao-penais'", como leciona Quintero Olivares". 0 conheci-

mento de. que a pena e , nas palavras deste ultimo autor, uma

"soluc:, :3.oimperfeita" - conhecimento que, de Howard' ate a

mais recente pesquisa empfrica, a instituicao penitenciaria s ologrou fortalecer - firmou a concepcao da pena como ultima

ratio: 0 "direito penal s6 deve intervir nos casos de ataques

muito graves aos bens jurfdicos mais importantes, e as pertur-

bacoes mais leves da ordem juridica sao objeto de outros

rarnos do direito"6. 0 principio da intervencao minima naoesta expressamente? inscrito no texto constitucional (de onde

permitiria 0 contrale judicial das iniciativas legislati vas

penais) nem no c6digo penal, integrando a politica criminal;

nao obstante, impoe-se ele ao legislador e ao interprete da lei,

como urn daqueles principios imanerites a que se referia Cunha

Luna", por sua compatibilidade e conexoes Iogicas com outros

principios juridico-penais, dotados de positividade, e com

pressupostos polit icos do estado de direito dernocratico",

Ao principio da intervencao minima se relacionam duas

caracteristicas do direito penal: ufragmentaricdade e a subsi-

diariedade ..Esta ultima, por seu turno, introduz 0debate sobrea autonomia do direito penal, sobre sua natureza constitutiva

ou sancionadora.

4 ln troducc ion al der echo penal, Barcelona, 1981, p. 49.

S John Howard (1726·1790) , sensibi llzado pela SiIU3~ j j_O das pri soes inglcsas, em-

precndeu uma viagem por i nu m er os p ar se s ( H ul un d u, B e lg ic a, F ra nc a, A l c rn an ha ,

Itallu, Portugal, E sp an hu e Russia), p u bl ic u n do , e rn 1776, urn livro- Tile state of

prisons - que provccou, na Ingla ter ra , a uprovacao de l ei s humanizado ras

(chamadas Howard's act s) , e in spir an do ern iruirneros outros p a rs e s r n cd i da s

semelhantes; alguns autores 0 consideram 0 pa l do "penitenciarisrno".

6 Munoz Conde. lntroduccion, cit., p, 59.

7 Uma republica que tenha como fundamento "a dignidude da pessoa hurnana"

(ar t. I?, inc. ur CR) e como objct ivos a const rucao de "uma sociedade l ivre , jus tae solidaria" e a prornocfio do "bern de todos" (an. 2:', incs, I e IV CR) dcve

cant er, pe lo menos, a i nfl ucuo penal.

8 Op. cit., p . 30.

9"0 principio da intervencao minima Sf! converte, assnn, nu m principia politl-

co -cr iminal limit ador do pode r pun iti vo do es tndo : - Munoz Condc.lmroduc-

c i o ? , cit., p. 71.

85

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 44/69

Quem registrou pela primeira vez 0 carater fragrnentario

do direito penal foi Binding, em seu Tratado de Direito Penal

Aleman Comum - Parte Especial (1896), e desde entao esse

tema sempre se faz presente na introducao ao estudo da parte

especial do codigo penal (que costuma ser chamada de "parte

geral da parte especial "). Mas enquanto Binding se preocu-

pava com a superacao do carater fragrnentario das leis penais,

das lacunas dai decorrentes e seus efeitos na protecao dos bens

juridicos, implicando a questao da analogia'", modernamentese reconhecerrr as virtudes politicas da fragmentariedade, ca-

bendo a exata observacao de Mir Puig, sobre a influencia,

nessa mudanca, da passagem de concepcoes penais absolutas,

como a de Binding, para concepcoes penais relativas". De

fato, se 0fim da pena e fazer justica, toda e qualquer ofensa aobern juridico deve ser castigada; se 0 fim da pena e evitar 0

crime, cabe indagar da necessidade, da eficiencia e da oportu-

nidade de comina-la para tal ou qual ofensa. Constitui-se

assim 0direito penal como urn sistema descontinuo de ilicitu-

des, bastando folhear a parte especial do Codigo Penal para

percebe-lo. Supor que a legislacao e a interpretacao tenhamcomo objetivo preencher suas lacunas e garantir-lhe uma to-

talidade e, como frisa Navarrete, "falso em seus fundamentos

e incorreto enquanto rnetodo interpretativo, seja do angulo

polit ico-criminal, seja do angulo cientifico"ll . Como ensina

Bricola, efragmentariedade se op6e a "uma visao onicornpre-

ensiva da tutela penal, e impoe uma selecao seja dos bens

jurfdicos of en didos a proteger-se, seja das formas de

ofens a' '13.

A subsidiariedade do direito penal, que pressup6e sua

fragrnentariedade!", deriva de sua consideracao como

"rem6dio sancionador extremo" IS, que deve portanto ser mi-

nistrado apenas quando qualquer outro se revele ineficiente;

sua intervencao se da "unicamente quando fracassam as de-

mais barreiras protetoras do bern juridico predispostas pOI

outros ramos do direito"16. Como ensina Maurach, nao se

justifica "aplicar urn recurso mais grave quando se obtem 0

mesmo resultado atraves de urn mais suave: seria tao absurdo e

reprovavel criminalizar infracoes contratuais civis quanto co-

minar ao homicfdio tao-so 0pagamento das despesas funera-

rias"l1. Foi observado por Roxin que a utilizacao do direito

penal "onde bastem outros procedimentos mais suaves para

preservar ou reinstaurar a ordem juridica" nao disp6e da

"Jegitimacao da necessidade social" e perturba "a paz

juridica' IH, produzindo efeitos que afinal contrariam os obje-

tivos do direito.

Entre nos, existe uma curiosa aplicacao contra legem do

principio da subsidiariedade no crime de desobediencia (art.

330 CP). Embora a lei nao faca qualquer ressalva, a doutrina

(Hungria, Fragoso, Noronha) e os tribunais (sucessivas e rei-

teradas decisoes) entendem que, se concorrer uma sancaoadrninistrativa ou civil para a desobediencia, nao cabe aplicar

a pena. Essa opiniao dominante, ainda que jamais fundamen-

tada, deu ensejo a urn emprego bern temperado da autoritaria

disposicao penal.

A subsidiariedade coloca a questao da autonomia do direi-

to penal, que se resolve em saber se e ele canstitutivo ou

sancionador. Predomina no Brasil 0 entendimento de ser ele

constitutivo, afirmando Fragoso que, "mesmo quando 0direi-

~ ,• I

I .

15 Roxin, Iniciacion, cit., p. 31.

16 Munoz Conde, Introduccitm, cit., p. 60.

17 Op. c it. , p. 31.

18 Problemas basicos del derecho penal , t rad. Luzon-Pef ia , Mudr i, 1976, p . 22.

Roxi n exproba espec ial rnent e a p rt it icu, mu it o usada no Brasi l, de ado tar -s e em

qualquer lei urn "cintur iio protetor [ur fdico-penal " ', estabelecendo, apos a disci -

plina du respectiva materia, que a violas-ao "as disposlcoes anteriores" constltuini

tal crime, ou su jeitard as penas do crime tal.

10 Lehrbuch des gemeinen deutschen Strafrecht, B.T., Le ipzi g, 1902 , p . 20.

11 Op . cit., p. 127 .

12 Op. cit., p. 99.

13 Tecniche di tutela penale e tecniche alternative di tutela, in De Aceti s et a l, (org. ),

Funzioni e limitidel diritto penale, Miliio, 1984, p. 4. Cf. Toledo, op. cit., p. 14.

14 Navarrete, op. cit., p. 103.

86 87

. I . . . .

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 45/69

~.,

ex6ticas, como a crueldade contra anirnais", ou, recorrenternente,

ao crime de omissiio de socorro {art. 13 5 CP). As primeiras sao

associaveis a urn legislador que ignorou 0pr inciple da interven-

~ao minima ao deferir apenas e principalmente ao direito penal a

tutela pretendida: e raz6veJ contar com que, progredindo-se na

transferencia para 0direito udrninistrativo dos ilfcitos de polfcia e

- pensando agora tarnbern na omissiio de socorro - dentro de

urn quadro legislativo que estabeleca deveres gerais de solidarie-

dade social e proteju eficientemente os bens piiblicos, 0argumen-to simpJesmente desapareca.

Se a essas consideracoes se acrescenta 0caniter uninirio do

ilfcito perante todo 0ordenamento jurfdico, que e hoje coucepciiopredominante", a conclusiio no sentido de ser 0 direito penal

sancionador se impoe". Consigna Luis Carlos Perez que na Cons-

tituiciio estiio as rafzes do ordenarnento jurfdico como urn todo e,

porranto, tarnbern do iJfcito como unidade: integra aqueJe

ordenarnento, como seu braco annada, 0direito penal", Mais do

que como resultado do exurne objetivo das relucoes entre 0direito

penal e a totulidade do ordenamento jurfdico, 0caniter sancionador

deve constituir lima recomendaclio politico-criminalaqual esteju

permunentemente atento 0 legislador, Especial cuidudo deve ter0 le-

gislador da intervenciioeconomica do estado, evitando a tentacao de

SOCOITer-seermunenternente do direito penal; essa tendencia penalfs-

to penal tutela bens e interesses juridicos ja tutelados pelo

direito privado, 0 faz de forma peculiar e autnnoma"!". Tam-

bern Anibal Bruno, sob 0fundamento de que "mesmo quando

o preceito penal se encontra expresso em outro ramo do

direito" nao sepode daf extrair • 'uma posterioridade temporal

ou logica", e acrescentando que tal preceito sera submetido

pelo direito penal " a sua propria elaboracao ", tern-no por

constitutive". Noronha" e Damasio" consideram-no sancio-

nador.

Os principais argumentos da corrente constitutivista estao:

1?)no carater original do tratamento penal; 2~) na convivencia

de conceitos juridicos com distintos conteiidos; e 3~) na exis-

tencia de materia so versada pelo dire ito penal. 0 primeiro

argumento" a nada conduz: ninguem questiona seja a pena

algo exclusivo do direito penal, e sim se eia opera sobre

preceitos primaries tam bern exclusivos. 0 segundo argumento

se baseia na existencia de conceitos juridicos com distintos

conteudos no direito penal e em outros rarnos: assim, 0concei-

to amplo de bern imovel do direito privado (ver especialmente

o art. 46 CC) e 0 conceito restritivo que se lisa na teoria doscrimes contra 0 patrimonio, au 0 conceito juridico-penal de

funcionario publico (art. 327 CP) e 0 mesmo conceito no

direito administrativo. Nao cremos que essas adaptacoes fun-

cionais, que incidem muita vez sobre conceitos chaves para

certos grupos de casos, demonstrem uma desvinculacao: pelo

contrario, e atraves delas que se estabelecem linhas de relacao

que nunca - e eis 0 que importa - fazem confrontar-se em

termos de contradiciio 0 direito penal e qualquer outro ramo.

o terceiro argumento se reporta quase sempre a hipoteses

2·$Para 0 dircito hrusilciro. nao cabe 0 exernplo da crueldadc contru anirnais, prevista

no artigo 64 ( . 1 8 Lei de Comravencoes Pcnais (LCP). porque o decreta n" 24.645,

de In. jul. 34, cstabclcccu mcdidas de protecao aos animals. Foi esse a tex to

invocado por Sobra l Pinto, num dos ma is gloriosos mementos da advccacia

h ru sil ci ra . e m In vo r d o l fd cr cornunista H ar ry B er ge r, p rc so c t or tu ra do d ur an te

o Estado Nnvu, Existcm normus pcnais na lcgislacao que protege a fauna (le i n"

5.197, de 3.jan. 67) . discipline a pesca (dccrcto- lc i n"221, de28.rev.67) c regu-

l ar nc nt n a v iv is sc cc ii o d e a ni ma is (lei n" 6.638. de Itmai. 7'. l).

l' Muuruch, op, cit., p, 34 ss; Zaff uroni, Manual, ci t., p . 57 .

, ,, R et or mu lu mo s a qu i, cornpletamente, opiniao anterior tUhservaoies sobre a

I1rJfIIW penal e slIa intctpretaciio, cit.),

21 Derecha penal, Bogoui. 1987. L 1.p. 53.

19 Lifiies, cit., p. 10.

20 Op. cit., v. I, 1. I , p . 184.

21 Op. cit., p. 5; "e 0 direito penal sancionador'".

22 Op. cit., p. 6; "e puis 0direi to penal urn conjunto suplcmentar e sancionador de

nonnas [u rfd ic as' .

23 Afirma Camargo Hernandez que "11 sancao punitiva d!i originalidade uo direito

penal" ( Introduccion at estudio del derecho penal , Barcelona. 1964 , p . 21) .

88 89

,,!

II :

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 46/69

rica "inflacionaria", como a denominou Bricola, pede questio-

nar 0princfpio cia intervencao mfnima".

As relacoes que 0 direito penal mantem com outros ramos

do direito sao na verdade relacoes das normas jurfdico-penaiscom

outras normas, da perspectiva de sua validade (par exemplo, a

inc. XLV do artigo 51CR em confronto com tipificacoes que pro-

poem uma responsabilidade penal coletiva, como par exemplo 0§

2!!do artigo 73 da lei 4.728, de 14. jul. 65)29 ou da perspectiva de

sua interpretacao (por exemplo, a conceito privatistico de posseindireta - art. 486 CC - e 0 t ipo da apropriacao indebita - art .

16 8 CP - au do peculate - art. 312 CP). Devem par isso, em

nossa opiniiio, ser estudadas na teoria da lei penal. Conviria ape-

nas remarcar que, alem de suas fungoes de fundamento e contra-

le, 0 texto constitucional seleciona situacoes a serern necessaria-

mente tratudus pelo legislador penal, naqueles cases de bens es-

senciais a vida, a saude e ao bern-estar do povo: chama-se a isso

"imposicao constitucional de tutela penal". Entre nos, a Consti-

tuicao de 1946 empregara em vao 0 termo "repressao" para 0

abuso do poder economico: jamais a legislador ordinario atendeu

it"imposicao constitucional da tutela penal"?". a carater classistada legislacao penal se manifesta tambern na ornissao ou pachorra

da elaboracao legislativa de crimes que podem ser praticados pe-

los membros da classe dominante.

§11

o principia da lesividade

Este principio transporta para o. terreno penal a questao

geral da exterioridade e alteridade (ou bilateralidadei do

direito: ao contrario da moral- e sem embargo da relevancia

juridica que possam ter atitudes interiores, associadas, como

motivo ou fim de agir, a urn sucesso externo -, a direito

"coloca face-a-face, pelo menos, dois sujeitos" I.No direito

penal, a conduta do sujeito autor do crime deve relacionar-se,

como signa do outro sujeito, 0bemjurfdico (que era objeto da

protecao penal e foi of endido pelo crime - por isso chamado

de objeto juridico do crime). Como ensina Roxin, "so pode

ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de

outras pessoas e que nao e simples mente urn comportamentopecaminoso ou imoral; ( .. . ) 0direito penal sopode assegurar a

ordem pacifica extema da sociedade, e alern desse limite nem

esta legitimado nem e adequado para a educacao moral dos

cidadaos' '2. A conduta puramente interna, ou puramente indi-

vidual- seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente

- falta a lesividade que pode legitimar a intervencao penal.

No campo dos crimes polfticos, qualquer lei inspirada na

doutrina de seguran~a nacional contern dispositivos viola-dores do princfpio da lesividade, porque perante aquela doutri-

!~e c ni c ll e d i n i ve la pe nale , cit., p. 3; cf. Baratta , Integracion - prevencidn: una

"nueva" furulnmentacion de lapenadcntro de lateoria sistcml ca, inDoc t t i na pena l ,

1 3. Ri rc s, 1 9 85 , n " 2 9 , p, n .lJ A l t. 5 ", inc . XLV CR: "Ncnhurna pena passara da pessoa do condenado", Alt.

73, § 2", lei 4 .728 , de 14. jut 65: "A violacao de qua lque r dos d isposi tivosconstituini crime de a~ao p ub li ca , p un id o c om penn de I a 3 anos de dc tenc iio,

r cc ai ud o a r es po ns ah il id ad e, q ua nd o s e t ra ta r d e p e ss oa j ur id ic a, e m t od os a s

seus dire/ores."

. 1 1 1 Nita Batista , Repressao no abuse do poder econorni co" , in Ten ia s d e direito

penal, cir., p. 243 SS.Para os "obblighi costituzionali di tutela pcnalc", cf. Bricola,

Tecniche di rille/a penale, cit., p. 9.

J Del Vecchio, op. cit., p. 371; Radbruch, Filosofia do direitn, cit., v. I, p. 115;

Machado Netto, op. ci t., p. 91.

2 Iniciacion, clt., p. 25 e 28.

9 0 91

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 47/69

na a dissidencia politica toma as cores de i 'inimigo interne" e

provoca "urn processo de criminalizacao " 3 •

Podemos admitir quatro principais funcoes do princfpio da

lesividade.

Primeira: proibir a incriminaciio de lima atitude interna.

As ideias e conviccoes, os desejos, aspiracoes e sentimentos

dos homens nao podem constituir 0 fundamento de urn tipo

penal, nem mesmo quando se orientem para a pratica de urn

crime: 0 projeto mental do cometimento de urn crime

(cogitacao) nao e punfvel (cogitationis poenam nemopatitur}.

Isso nao significa absolutamente que 0 direito penal se desin-

teresse da atitude interna do homem, como ja se vera ao

tratarmos do princfpio da culpabilidade, Antes da perspectiva

da culpabilidade, encontraremos esse interesse no dolo (isto e ,na consciencia e vontade do autor acerca da conduta objetiva

proibida), bern como em intencoes, motivos e certos estados

especiais de animo. Em qualquer hipotese, todavia, e impres-cindfvel que a atitude interna esteja nitidamente associada a

uma conduta externa.

Segunda: proibir a incriminaciio de lima conduta que ndo

exceda 0ambito do proprio autor, Os atos preparat6rios para 0

cometimento de urn crime cuja execucao, entretanto, nao einiciada (art. 14, inc. II CP) nao sao punidos. Da mesma

forma, 0 simples conluio entre duas ou mais pessoas para a

pratica de urn crime nao sera punido, se sua execucao nao far

iniciada (art. 31 CP). Temos ai aplicacoes legislativas dessa

funcao do princfpio da lesividade, que tambern comparece

como fundamento parcial da impunibilidade do chamado cri-

me impossfvel (art. 17 CP). 0 mesmo fundamento veda a

punibilidade da autolesiio ; ou seja, a conduta extema que,

" embara vulnerando farmalmente urn bern juridico, nao ultra-passa 0ambito' do proprio autor, como por exemplo 0suicfdio,

a automutilacao e 0uso de drogas. No Brasil, 0artigo 16da lei

n?6.368, de 21.out.76, incrimina 0usa de drogas, em franca

oposicao ao principio da lesividade e as mais atuais recomen-

dacoes polftico-criminais",

Terceira: proibir a incriminaciio de simples estados all

condicoes existen cia is. Como diz Zaffaroni, "urn direito que

reconheca e ao mesmo tempo .respeite a autonomia moral da

pessoa jamais pode apenar 0 set,' senao 0[azer dessa pessoa,

ja que 0proprio direito e uma ardem reguladora de conduta"5.o direito penal so pode ser urn direito penal da aciio, e nao urn

dire ito penal do autor, como eventualmente se pretendeu. "0

homem responde pelo que faz e nao pelo que e " , frisa CunhaLuna", Com exatidao lembra Mayrink da Costa que "0direito

penal do autar e incompatfvel com as exigencias de certeza e

seguranca juridicas proprias do estado de direito' '1 Isso nfio

significa que 0 sujeito determinado nao interesse de nenhuma

forma. Ao contrario , 0homem e sua existencia social concreta

devern estar no centro da experiencia jurfdico-penal, parti-

cularmente nas areas da culpabilidade e da aplicacao e execu-

c;:aoda pena. 0 que e vedado pelo princfpio da lesividade e airnposicao de pena (isto e, a constituicao de urn crime) a urn

simples estado ou condicao desse homern, refutando-se, pois,

as propostas de urn direito penal de autar e suas derivacoes

mais ou menos dissimuladas (tipos penais de autor, culpabili-

dade pela conduta ao longo da vida, etc). Levada as ultimas

conseqiiencias, essa funcao do principio da lesividade implica

excluir do campo do direito penal as medidas de seguranca,

4 Sobr e e ste u lt imo aspec tc , a inda pol emico ent re nos, d. Hobbing, Peter. Straf-

wiirdigkelt der Selbstverletzung: Der Drogenkonsum ill deutschen und brasilianis-chen Recht, Frankfu rt am Main, 1982; Nil o Ba ti sta , 0prazcr e a lei penal. in

Temas, cit ., p . 304 5S. Cf. ainda Garcfa-Pablos , Antonio. Bases para una pol ft ica

c riminal de la dmga, in La problemdt ica de la droga en Espai ia , Madri , 1986, p.

377 S5.

5 Manual, cit.. p. 73.

6 Op. cit., p . 34.

7 Op. cit., p. 158.Ga rc ia Mendez , E. , Autoritarismo y control social, B. Aires, 1987, p. 106.

92 93

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 48/69

uma vez que, como acentua Zaffaroni, urn direito penal funda-

mentado na perigosidade e urn direito penal de autor.

Quarta: proibir a incriminaciio de condutas desviadas que

niio afetem qualquer bem juridico, A expressao desviada foi

aqui empregada na acepcao de Clinard, como conduta orien-

tada em direcao fortemente desaprovada pela coletividade.

Estamos aqui falando do "direito a diferen~a"8, de praticas e

habitos ~e grupos minoritarios que nao podem ser criminaliza-dos. Como diz Zaffaroni, "nao se pode castigar ninguem

porque use barba ou deixe de usa-la, porque corte ou nao 0

cabelo, pois com isso nao se ofende qualquer bem juridico, e a

direito nao pode pretender legitimamente formar cidadaos

com ou sem barba, cabeludos au tonsurados, mais ou menos

vestidos, mas tao-so cidadaos que nao ofendam bens jurfdicos

alheios"9. Estamos falando tambern de condutas que so podem

ser objeto de apreciacao moral (como praticas sexuais, quais-

quer que sejam, entre adultos consencientes, ou como a sim-

ples mentira).

Certamente percebeu-se, das linhas anteriores, a impor-

tancia do conceito de bern jurfdico. 0 espaco teorico para 0

conceito de bern juridico surgiu quando, na prime ira metade

do seculo XIX, contestou-se a concepcao classica corrente do

crime como ofensa de urn direito subjetivo, em favor de uma

concepcao do crime como ofens a a bens (Birnbaum). A partir

dai, imimeras teorias foram elaboradas para a compreensao do

bern jurfdico ofendido pelo crime": ora se retornava aos direi-

tos subjetivos, ora se propunha urn direito publico subjetivo do

estado, aqui 0 pr6prio direito objetivo, ali uma obrigacao

8 Lyra Filho, op. cit., p. 11.

9 Manual, c it ., p . 53. Sobre 0 t ra tamento jur idico a rninorias ("grupos exclutdos ou

grupos dominados ") no Brasi l, cf . Ni lo Ba ti st a, Minorias e democratizaciioRecife, 1984. '

10 Larga exposicao dessas teorias em Rocco, L'oggetto del reato, Roma , 1932, p . 27

- 220. Entre nos, Fragoso, Objeto do crime, in Direito penal e direitos humanos,

cit., pp. 33 S5.

94

jurfdica, logo os interesses, adiante os valores. Para uns, 0

bern jurfdico e criado pelo direito, atraves de selecao exercida

pelo legislador (Binding); para outros, 0 bern jurfdico e urn"interesse da vida", que 0 legislador toma de uma realidade

social que lho imp6e (von Liszt). Houve quem deslocasse 0

bern jurfdico estritamente para a tarefa de criterio de interpre-

tacao teleologica da norma, no movimento que ficou conhe-

cido como "direcao metodol6gica" (Honig). 0 direito penal

nazista procurou fundamentar 0crime na violacao do dever de

obediencia ao estado (0 chamado "direito penal da vontade")

e, para isso, desfez-se , em sua fase inicial, do conceito de bern

jurfdico (Schaffstein). Posteriormente, retoma-se a perspec-

tiva lisztiana do "interesse da vida", seja atraves de urn

conceito idealista de "situa~ao social desejavel " (Welzel),

seja venda no bemjuridico uma "formula normativa sistema-

tica concreta de uma relacao social dinarnica determinada'

(Bustos), Recenternente, intenta-se "positivizar" os bens

jurfdicos, deduzindo-os do texto constitucional (Angioni).

As dificuldades das quais 0 i tinerario acima esbocado

presta testemunho estao ligadas a diversidade categorial dosbens jurfdicos, que podern ser uma pessoa, uma conduta, uma

coisa, urn atributo jurfdico ou social da pessoa, da conduta ou

da coisa, uma relacao vital, uma reial:j!iojuridica, urn estado de

fato, urn valor, urn sentimento, etc", Isso enseja divers as

classificacoes dos bens juridicos (fisicos e morais, individuais

e coletivos, etc).

o bern jurfd ic o pce-se como sinal da lesividade

(exterioridade e alteridade) do crime que 0nega, "revelando"

e demarcando a ofensa. Essa materializacao da ofens a, de urn

lado, contribui para a limitacao legal da intervencao penal, e

de outro a legitima. Por isso mesmo , como parece ter perce-bido von Liszt, 0 bern juridico se situa na fronteira entre a

polftica criminal e 0direito penal. Nao ha urn catalogo de bens

11 Wetzel, op. cit., p. 15; Fragoso, op. cit., p. 39; Rocco, Dp. cit., p. 261.

95

 

r

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 49/69

I

juridicos imutaveis a espera do legislador, mas ha relacoes

sociais cornplexas que 0legislador se interessa em preservar e

reproduzir. Sao multiples e irredutiveis os aspectos dessas

relacoes sociais, aos quais pode 0 legislador outorgar protecao

penal, convertendo-os em bens juridicos. 0 bern juridico,

portanto, resulta da criacao politica do crime (mediante a

imposicao de pena a determinada conduta), e sua substancia

guarda a mais estrita dependencia daquilo que0

t ipo ou tipospenais criados possam informar sobre os objetivos do legisla-

dor. Em qualquer caso, 0bern jurfdico nao pode formalmente

opor-se a disciplina que a texto constitucional, explfcita ou

implicitamente, defere ao aspecto da relacao social questio-

nada, funcionando a Constituicao particularmente como urn

controle negativo (urn aspecto valorado negativamente pela

Constituicao nao pode ser erigido bern juridico pelo

legislador). Numa sociedade de classes, os bens juridicos hao

de expressar, de modo mais ou menos explicito , porern inevi-

tavelmente, os interesses da c1asse dominante, e 0 senti do

geral de sua selecao sera 0de garantir a reproducao das rela-

~6es de dominacao vigentes, muito especialmente das relacoes

econ6micas estruturais.

o bern juridico cumpre, no direito penal, cinco funcoes: 1~

axiologica (indicadora das valoracoes que presidirarn a sele-

cao do legislador); 2~ sistematico-classificatoria (como im-

portante princfpio fundamentador da construcao de urn sis-

tema para a ciencia do direito penal e como 0mais prestigiado

criterio para 0 agrupamento de crimes, adotado par nosso

c6digo penal); 3~exegetica (ainda que nao circunscrito a eta, einegavel que 0bern juridico , como disse Anfbal Bruno, e "0e1emento central do preceito" , constituindo-se em importante

instrurnento metodologico na interpretacao das normas jurfdi-co-penais); 4~ dogmatica (em imirneros momentos, 0 bern

jurfdico se oferece como uma cunha episternologica para a

teoria do crime: pense-se nos conceitos de resultado, tenta-

tiva, dano/perigo, etc); 5~critica (a indicacao dos bens juridi-

cos permite , para alem das generalizacoes legais, verificar as

I concretas opcoes e finalidades do legislador, criando, nas

palavras de Bustos, oportunidade para" a participacao crftica

~os cidadaos em sua fixacao e revisao")".

12 Anibal Bruno, op. cit ., v. I, t. I, p. 16; Bustos,/nrroduccion, cit., p. 31;Angioni,

Francesco, Contenuto efunzioni del concerto di bene giuridico, Miliio, 1983, pp.

6, 11,14, 195; Gregori, Giorgio, Saggio sul l' oggeuo giuridico del recto , Padua,

1978, p. 41; Navarrete , M. Pcluino, El bienjuridico en elderecho penal , Sevilha,

1974, pp. 270, 286 55.

96 97

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 50/69

Ii

§ 12

o principia da humanidade

que se originaram as principios da legalidade, da intervencao

minima e ate mesmo - sob a prisma da "danosidade social"

- a principia da lesividade. Montesquieu se referia a "justaproporcao das penas com as crimes' '2, e Beccaria dizia que

atr ibuir a pen a de morte para quem mata urn faisao au falsif ica

urn documento conduz a uma destruicao de sentimentos

marais}. Marat observava que s' il est de l' equite que les peines

soient toujoursproportionnees

auxdelits,

it est de l'humanitequ' elles ne soient jamais atroces'?" . Quando, em 1793, a

Declaracao dos Direitos do Homem e do Cidadao, de 1789, foi

retomada e proclamada pela Convencao Nacional, a art igo XV

mencionava que" as penas devem ser proporcionais ao delito e

titeis a sociedade ' . A Emenda VIII a Constituicao Americana,

ratificada, como todas as dez primeiras, em 1791, proibia a

infl icao de penas crueis e incomuns. E este hoje urn princfpio

Iargamente aceito, que consta da Declaracao Universal dos

Direitos do Homern' e da Convencao Americana sabre Direi-

tos Humanos".

A pena nem "visa fazer sofrer 0condenado ' , como obser-

vou Fragoso, nem pode desconhecer a reu enquanto pessoa

humana, como assinala Zaffaroni", e esse e a fundamento do

principia da humanidade. Nao por acaso , as documentos inter-

nacionais consideram desumanas as penas como aquela execu-

tada em Damiens. 0 princfpio pertence it polftica criminals,

porern e proclamado par varies ordenamentos jurfdicos positi-

vas. Entre nos, esta 0 principio da humanidade reconhecido

Quem ve , em Mommsen, as execucoes da pena de morte

no direito romano, tao impregnadas de ritos e conteudos sim-

bolicos e religiosos, tao cruelmente indiferentes ao sofrimento

e ao desespero humano, e ve a descricao da execucao de

Damiens, em 1757, com a qual Foucault abre seu importante

livro sobre 0 nascimento da prisao', talvez se espante com a

semelhanca de "estilo penal" ao longo de tantos seculos, Ese

procurar cert if icar-se, no direi to penal germanico ouem outras

legislacoes medievais, ten! a confirrnacao dessa similitudeespantosa. Entre n6s, urn breve exame no Iivro V das Ordena-

roes Filipinas, que regeram no Brasil ate 1830, quando pro-

mulgado 0c6digo imperial, revelara a indiscriminada comina-

9aOda pena de morte, a objetificacao do condenado e a discri-

minacao juridica da pena cabivel segundo a cIasse social do

autor ou da vitima. Para as trabalhadores escravos, esses

princfpios permaneceram com plena eficacia mesmo ap6s

1830, atraves das penas de morte e acoites , largamente ernpre-

gadas, ou dos crueis castigos do "direito penal privado"

vigente nos engenhos, na cafeicultura ou nas charqueadas.

o principio da humanidade, que postula da pena umaracionalidade e uma proporcionalidade que anteriormente

nao se viam, esta vinculado ao.mesmo processo hist6rico de

2 Op. cit., p. 115.

3 Op, cit., p. 226.

4 Op, cit., p. 70.

5 Art igo V : "Ninguern se ra submet id o a tor tu ra , n ern a t ru tumento ou c as tigo cruel ,

desumano ou deg ra dan te' .

6 Art igo 5, I ncise 2: "Ninguern deve ser subr neti do a tor turus. ner n a penns ou

tra tamentos c rueis, des urnanos ou degradan tes . Toda pessoa privada duIibe rdade

deve s er t ra ta da c om res pe ito dc vido a d ign id ad e ine re nt e a o s er humane . "

7 Lir;iies, cit., p . 291; Manual, cit., p. 139.

8 Jescheck, op. cit., p. 35.

t Mommsen, op. cit .. t. 3?, p. 252 55; Foucault, Surveil/a etpunir, 1975. ed.

Galllrnurd.

98 99

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 51/69

explicitamente pela Constituicao, nos incisos III (proibicao de

tortura e de tratamento cruel ou degradante) , XLVI"

(individualizacao - ou seja, "proporcionalizacao" - da

pena) e XLVII (proibicao de penas de morte, crueis ou

perpetuas) do artigo 5? CR. Como lembra Munoz Conde, a ideia

de "proporcionalidade integra a ideia de justica, imanente ao

direito"; a hipertrofia do direito penal caracteriza 0 "estado

totalitario que procura afiancar-se atraves de brutais ameacas

penais"9. Disso tivemos no Brasil expressivos exemplos

durante a ditadura militar.

o principio da humanidade intervem na cominacao, na

aplicacao e na execucao da pena, e neste ultimo terreno tern

hoje, face a posicao dominante da pena privativa da liberdade, .

urn campo de intervencao especialmente irnportante'".

A racionalidade da pena implica tenha ela urn sentido

compatfvel com 0 humane e suas cambiantes aspiracoes, A

pen a nao pode, pois, exaurir-se num rito de expiacao e opr6-

brio, nao pode ser uma coercao puramente negative", 1sso nao

significa, de modo algum, questionar 0 carater retributivo,

timbre real e inegavel da pena. Contudo, a pena que se detemna simples retributividade, e portanto converte seu modo em

seufim, em nada se distingue da vinganca. A pena de morte,

estri tamente retributiva e negativa (alem de ineficaz, do ponto

de vista da prevencao geral), violenta essa racionalidade. Sao

tambem inaceitaveis, porque desconsideram a auto-regulacao

como atributo da pessoa humana, penas que pretendam inter-

ferirfisicamente numa "metamorfose" do reu: castracao ou

esterilizacao, lobotomia, etc. U r n sistema igualitario na distri-

buicao da pena (0 que significa que, sob os mesmos pressupos-

tos, duas pessoas deveriam receber _eenas semelhantes, cor-

rendo as diferencas tao-so a conta da individualizacao), ne-

gado pelo direito Mduzentos anos, e negado - apesar do

direito - pelo sistema penal ainda hoje, e outro imperativo da

racionalidade. Seria perfeitamente possivel derivar a p ro p o r-

cionalidade da racionalidade, mas convem destaca-la por sua

importancia no surgimento historico do principio da humani-

dade e por sua importancia pratica. Zaffaroni lembra que aspenas desproporcionais produzem mais alarma social

(afetando 0que ele considera 0aspecto subjetivo da seguranca

jurfdica) do que 0proprio crime e formula a hipotese do que se

passaria nesse terre no se uma le~ impusesse a pena de m~tila-

~ao aos punguistas", Da proporcionalidade pode extrair-se,

igualmente, a proibicao de penas perpetuas. Como registrou

com exatidao Cattaneo, a prisao perpetua, com" seu carater de

definitividade, ou seja, de eliminacao da esperanca, contraria

o senso da humanidade" 13. Nossa Constituicao, como ja visto,

proibe a imposicao de penas de carater perpetuo (art. 5?, inc

XLVII, al. b CR).

9 Introduccion, cit., p. 77 e 78.

10 Jescheck, op. cit., p, 35.

11 Ern seuultimo trabalho, Zaffaroni carncteriza a pena como "sofrimento 6rfiiode

racionalidnde" e busca conceltua-la, deforma residual, prccisamente pela faltade

adequacuo racional aos demais modelos de solucfiode conflitos(cf. En busca .. . ,

cit., p. 210).

12 Manual. c it. , p . 50 .

nFondamentl f ilosofici della sanzione penale, no volume Problemi della sanzione

- socleta e diritto in Marx, Rornu, 1978, 1.p. 98.

10 0 101

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 52/69

consciente, seja de uma relevante negligencia (como os arti-

gos 18 e 19 CP), devemos compreender que urn longo proces-

so, certamente inconcluso, transformou radicalmente as bases

da responsabilidade penal. ° ponto mais importante desse

processo e a producao historica do princfpio da culpabilidade .

.0 principio da culpabilidade deve ser entendido, em pri-

metro lugar, como repiidio a qualquer especie de responsabili-

dade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva. Mas deve

igualmente ser entendido como exigencia de que a pena nao

seja infligida senao quando a conduta do sujeito, mesmo asso-

ciada causalmente a urn resultado, the seja reprovavel, Vol-

tando ao exemplo do pedreiro, isso representaria que 0desaba-

men to so funcionaria como urn limite exterior preliminar e que

seria indispensavel verificar se 0 pedreiro reprovavelmente

quis a morte do morador e seu filho, predispondo nesse sentido

sua construcao, ou quis 0 desabamento - tambern predis-

pondo nesse sentido a sua construcao - ainda que nao quises-

se diretamente a morte provavel do morador e seu filho ou

construiu a casa com imperfcia inescusavel. Para alern de

simples laces subjetivos entre a autor e a resultado objetivo desua conduta, assinala-se a reprovabilidade da conduta como

micleo da ideia de culpabilidade, que passa a funcionar como

fundamento e limite da pena. As relacoes entre culpabilidade e

pena constituem materia polernica, que integra a teoria do

crime, onde a estrutura e as funcoes dogrnaticas da culpabili-

dade, seja na economia do crime, seja na fundamentacao da

pena, sao minuciosamente examinadas'.

§ 13

o principio da culpabilidade

Numa antiga legislacao da Babi16nia, editada pelo rei

Hammurabi (1728-1686 a.C,), encontramos que, se urn pe-

dreiro construfsse uma cas a sern fortifica-la e a mesma desa-

banda, matasse 0 morador, 0 pedreiro seria morto; mas se

tambern morresse 0 filho do morador tambern 0 filho do

pedreiro seria morto. Imaginemos umjulg~ento "rnodernizado"

desse pedreiro: de nada lhe adiantaria ter observado as regras usuais

nas consr rucoes de uma casa, ou pretender associar 0desabamento a

urn fen6meno sfsrnico natural (uma acomodacao do terreno, par

exemplo) fortuito e imprevisivel, A casa desabou e matou 0

morador: segue-se sua responsabilidade penal. .Nao deixemos de

imaginar, igualmente, 0julgamento do filho do pedreiro. A casa

construfda por seu pai desabou e matou 0morador e seu mho:

segue-se sua responsabilidade penal. A responsabilidade penal,

pois, estava associada tao-so aurn fato objetivo enao seconcentrava

sequer em quem houvesse determinado ta l fato objetivo. Era, pois,

uma responsabilidade objetiva e difusa.

Quando lemos hoje, na Convencao Americana sobre Direi-

tos Humanos (artigo 5, 1, 3) ou em nossa Constituicao (artigo5?, inciso XLV), proibicoes de que a pen a ultrapasse a pessoa

do delinqilente, au quando encontramos no C6digo Penal

regras que nao so, relacionando-se aquelas proibicoes, cir-

cunscrevem a imputacao objetiva de resultados (como 0art. 13

CP), mas tambern exigem a intervencao seja de uma vontade

I Urna quesuic , ent retanto, rnerece ser refer ida desde logo, por vincular-se 11pol it ica

criminal. Que tuda pena correspondu a uma previa culpabi lidade, niio hii duvida:

que, reconhecida a culpabi lidadc, devu inexoruvelmente scgui r-se a pena, e hojcquest ionado. Fala-se , a respeito, em concepcocs bilateral e uni la teral deculpabil i-

dade . Roxin , que se incl inu pela concepcao unila ter al , a cr cdi ta que 0 caminho

consistiria em remeter IIculpabilidade (responsubilidade) a urn conceito superior

de "r esponsabi li dade", que se ria in tegrudo pelos " pr cssuposto s p reven tives de

necessidade da pena" (Culpabil idad y prevencion en derecho penal , tmd. Munoz

Conde, Madri , 1981, p. 193). Corn rescrvas acercn de urna pena infer ior u medida

102 10 3

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 53/69

E m p ri me iro lu ga r, p ois , a p rin cfp io d a c ulp ab ili dad e impoe a·

subjetividade da resp on sab ilid ade p en al. N ao c abe, em direito pe-

n al , u rn a r es po n sa bi li da de o bj et iv a, d er iv ad a t ao -s o d e um a a ss oc ia -

~ ao c au sal e ntr ~ a c on du ta e u rn re su lta do d e les ao o u p er ig o p ara u rn

b em ju rf di co . E in di sp en sa ve l a c ulp ab ili da de. N o n iv el d o p ro ce ss o

penal, a exigenc ia de provas quan to a esse aspec to conduz ao

afo rism a "a culpabilidade n ao se presum e", q ue, n o terren o dos

c ri me s c ulp os os ( ne glig en tes ), n os q ua is a s r is co s d e u ma c on si de ra -~ ao puram ente causal en tre a con duta e a resultado sao m aio res,

fi gu ra c om o c on sta nte e stri bilh o e m d ec is 6e s j u d ic ia is ;.' 'a c ulp a n ao

se p resum e" . A res po nsab ilidad e pen al e sempre subjetiva.

Em segundo lugar, tem os a personalidade da responsabilidade

penal, da qual derivam duas conseqiienc ias: a intranscenden-

cia e a individualizactio da pena. A intranscendencia im pede q ue a

p en a u ltra pa ss e a p es so a d o au ta r d o c ri me ( au , m ais a na li ti ca me nte ,

do s autares e partic ipes do crime) . A responsabilidade penal e

sempre pessoal. Na o ha , n o d ir ei to p en al , r es po n sa bi li da de c o le ti va ,

subsidiaria, solidaria ou sucessiva', Nada pode, ho je, evocar a

i nf am ia d o re u q ue s e t ran sm iti a a s eu s s uc es so re s. A i ntr an sc en de n-

c ia d a pen a c olo ca a q uestao d a fam ilia d o c on den ad o p ob re (art. 5~ ,

in c. X LV C R) , e fu nd am en ta a existen cia, n o s is tem a d e s eg uridad e

s oc ial, d e urn " aux flio -rec lu sao ", P ar individuolizadio s e e n te n de

a qu i e sp ec ia lm en te a i nd iv id ua li za ca o j ud ic ia l, o u s ej a, a e xi ge nc ia

da eulpabi lidade, ernbora udmit indo que 0 cariiter bil~teral irnpositivo da relaciio

tern 0 s abo r de i ndemonst ravel p rof is sao de f e, J escheck, op . cit., p. 32.

2 0 art, 73, § 2~da le l 4 .728 , de 14.j u1. 65 , t ransc rit o na no ta 29do § 12, e urn bornexernplo de norma penal que viola 0princfpio da culpabi lidade e e inconstitucio-nal, A re sponsab ili dade "sucess lvn" da I ei de imprensa (a rt . 37s s da le i 5 .250 , de

9 .fev.67) , t radic iona l em nosso d ire it o, f oi h is to ri camen te c riada e rn favor da

l iberdade de imprensa, subtraindo- lhe a mater ia da discipl lna extensiva doconcur- .so de agentes do direito penal cornum. Ao inves de respondercm todos os

"causantes", ainda que "culpaveis" ~ autor, instigador, tipografo, do·no da

t ipografla, edi tor, diretor dojornal , t ransportador , vendedor, e tc . - s6 urn deles

responderia (em princlpio, 0autor), e, ern sua defeccao, s6 out ro, e ass lm, dentro

das regras legais, sucessivamente. Mas e claro que 0principle da culpabilidade

nao prescinde de que 0 •responsiivel" pela ordern de sucessao legal seja tnmbern

subjetivamente responsiivel.

10 4

d e q ue a p en a ap lic ad a c on sid ere aq uela pes so a c on creta a q ual s e

destin a, N este cam po, a tem a m ais atual e a cham ada co-culpabili-

dade. Trata-se de con siderar, no jufzo de reprovabilidade q ue e a

e ss en ci a d a c ulp ab ili da de , a c on cre ta e xp er ien ci a s oc ia l d os re us , a s

opo rtun idades q ue se lhes deparararn e a assisten cia q ue lhes fo i

m in istrad a, c orrelacio nan do su a p r6p ria resp on sab ilid ad e a u ma

re sp on sa bi lid ad e g era l d o e sta do q ue v ai i mp or -lh es a p en a; e m c erta

m ed id a, a c o-c ulp ab ili dad e f az s en ta r n o b an co d os re us , a o la do d os

mesm os reus, a soc iedade que os produziu, com o queria Ern st

B lo c h] . C omo diz Z affaro ni, " rep ro var c om a m esm a in ten sidad e a

pess oas q ue o cup am s itu ac oes d e p rivileg io e a o utras q ue se ac ham

em s it ua ca o d e e xtr em a p em ir ia e u ma c la ra v io la ca o a o p ri nc ip ia d a

igu aldad e c orretam en te en ten did o:" . " 0 direito reaIm en te ig ual"

- anota Cirino ' - "e a que considera desigualm ente individuos

c on cretam en te d esig uais" . 0 artig o 5 ?, in ciso 1 d o c odig o p en al d a

R ep ub lic a D er no cra ti ca d a A le ma nh a, d e 1 96 8, a bre a s p o rta s a e ss a

o rien tac ao : " um a a! ;aO e c om etida de fo rm a rep ro vavel q uan do seu

a uto r, n ao o bs ta nte a s p os si bi lid ad es d e u ma c on du ta s oc ia lm en te

a da pta da q ue lh e te nh am s id o o fe re cid as , r eali za , p ar a to s ir re sp on -

s av ei s.o s e lem en to s le ga lm en te c on sti tu tiv os d e u rn d eli to a u d e u rncr ime".

3 Op. cit., p, 261.

4 Sistemas penales ... - informe final. ci t. , p. 58 ; c f. ta rnbem Politica criminal

latinoamericana, cit., p. 161 SS.

5 Dlrei to penal , c it ., p . 219 .

10 5

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 54/69

I,

I,

I

, ,

~

' jurfdico, s6 e pensavel por duas vias: a do contrato social' e a

, 'do direito natural", Como a teoria do contrato social e hoje umavinheta historiografica, e como, valha-nos a licao de Novoa,

se 0 jus puniendi poderia fundamentar-se nos • 'princfpios e

caracterlsticas atribufdos tradicionalmente ao direito

natural", nao logra faze-In nos • 'principios do estado seculari-

zado que hoje se admite"6, mesmo os autores que perfilham 0

direito penal subjetivo passaram a nega-lo antes do momento

legislativo. Assim, Bettiol dizia ser "tecnicamente improprio

falar de urn direito de punir que caiba ao estado nas vestes de

legislador"7, e Fragoso anotavaque "anteriormente aosurgi-

mento da norma penal, nao hri falar em direito subjetivo do

estado. Somente seria possfvel falar aqui de direitos recorren-

do-se ao direito natural"8.

A consideracao do jus puniendi em seu momento judicial,

isto e, ap6s a violacao da lei penal, implica deduzir 0 direito

penal subjetivo do direito penal objetivo, como Rocco: • 'nao eo direito subjetivo que preexiste e da causa ao direito objetivo, e sim

este que gera, no mesmo parto, a obrigacao jurfdica e 0 direito

subjetivo'". As dificuldades passam a ser duas: caracterizar e con-ferir contetido a "faculdade" do estado e a "obrigacao" do siidito.

Ferri ridicularizava a elaboracao te6rica dessa facultas

agendi, dando por absurdo que ela pudesse consistir "na

faculdade do estado de agir em conformidade com as normas

§ 14

Urn direito penal subjetivo?

as autores brasileiros, de modo geral, admitem a existen-

cia de urn direito penal subjetivo', caracterizando-o como' 'a

facultas agendi do estado de criar as infracoes penais e as

respectivas sancoes, de natureza criminal, e de aplicar essas

mesmas sancoes, na forma do preceituado em lei, executan-

do-as">. Percebe-se que 0jus puniendi e portanto tornado em

consideracao no momenta legislativo (supondo-se, assim,

uma anterioridade sobre 0 jus poenale - 0 direito penal

objetivo) e tambern no momento judicial, ap6s a violacao dalei penal. Examinar separadamente esses momentos pode ser

esc1arecedor para responder a pergunta: existira urn dire i to

penal subjetivo?'

A construcao de urn direito penal subjetivo antes do mo-

mento legislativo, configurando urn' 'direito de punir" meta-

4.Pul itano lembra que, em suas origens i lurnints ticas, 0 d ir eit o de punir es tava

"coligado ii. ideiu cont ra tua li st lc a" ( op. ci t., p . !O).

5 Camargo Hernandez li te ra lmen te ad rni te que 0 "f undament o da f aculdade do

estado para ditar norm asjur tdico-penais se encontra no direi to natural" (op. cit .,

p. 47) . Como le rnbra Tar so Genre, h ls tc ri camente a lmp lantucao da o rdem bur-

guesa s e f ez f undament ando-a " em dir ei to s subj et ivos que n ii o se ampar avam

nurna normatividade preexistente" (lmrodudio critlca aa direito, P. Alegre,

1988, p. 43) .

6 Novoa Monreal , Al gunas r efl ex iones sobr e el der echo de ca stigar del e st udo , in

Hamenage a Hilde Kaufmann, B. Aires , 1985, p. 202.

7 Direito penal, trad, Costa Jr, e Silva Franco, S. Paul o, 1966, v . I, p . 193.

8 Lir;iies, cit., p. 275.

9 Op. cit., p, 134.

Assim, Basileu Garcia, op. cit., p. 8; Mirabele, op. cit., p. 16; Mugalhiics

Noronha, op. cit., p . 7 ;Dannis lo , op. c it. , p . 7 ;Mayr ink, op. ci t. , p . 6 ;Mes tie ri,

op. cit., p. 3; Fragoso, Lir;iies. e it. , p . 276 . Con tes tou SUII existencia Anfbal

Bruno, op. cit. , v. I, t. I, p. 1955.

2 Mesti er i, op, ci t., p. 3. Tarnbem Mayrink se refere ii. faculdade de "estabelecer e

executar as penns e as medidas de scguranca" (op. c it ., p . 6).

3 Grispigni promoveu minuciosa disseccao do fenomeno em cinco mementos: antes

da positi vlis:iiodas normas penais; apds a positi Vll9iiodas normas penais e antes que

o crime seja comet ido; posterior ao comet imento do crime; ver if icucao jur isdicio-

mil -penal ; e execucao da pena (Diritto penale italiano, Mil iio, 1950, v. I, p. 277).

Em nossa op in iao , como ver emos, para a le rn do come timen to do c rime 0 fene-

meno estd "p ruces suuli zado '" ; e ii. teoria do processo toea equaciona-lo,

106 107

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 55/69

'j ,

de dire i to objetivo postas ( ... ) pelo mesmo estado, e por ele

s6" 10 De fato, atribuir a auto-obrigacao jurfdica, que carac-

teriza 0 estado 'de direito, os matizes de faculdade e inquietan-temente metaf6rico. Por outro lado, 0 dever (indisponivel e

inalienavel por urn lado, e limitado e vinculado por outro) da

persecucao penal que cabe ao estado, enquanto agente histori-

co do que Weber chamaria de monop6lio do poder punitivo

legftimo, e algo extremamente distinto de umafaculdade de

agir, ainda que se a designasse por dever de agir,

Nao e menos problematic a a elaboracao te6rica da

"obrigacao jurfdica". Descarte-se, desde logo, a ideia bin-

dinguiana de urn vago dever generico, sem conteudo fixado,

de obediencia a lei penal, hoje inaceitavel, como lembra

Bettiol". Nao obstante, 0mesmo Bettiol admite uma obriga-

c;;aodo indivfduo de abster-se da pratica do crime", 0que vern

a ser rigorosamente a mesma coisa. Essas contradicoes Ie-

varam a que se tentasse elaborar a "obrigacao jurfdica' como

"obrigacao de sofrer a pena", 0que em verdade levou a uma

agravacao das dificuldades. Como disse Antolisei, "0 reu nao

tern 0dever de submeter-se a pena, e sim e a ela submetido' '13.

A nenhuma intervencao da vontade do reu (au seja, 0 carater

juridicarnente necessaria da pena) e a inexistencia de sancao

para a "inadimplencia" question am igualmente uma

"obrigaC;;ao de sofrer a pena"14. Apropriadamente dizia Ani-

bal Bruno que" se 0poder do estado de assegurar as condicoes

de vida social nao pode ser equiparado a urn direito subjetivo,

menos ainda a submissao do reu a pena pode ser tomada comocumprimento de uma obrigacao jurfdica' '15.

Lembra Vernengo que "a nocao de direito subjetivo e iitilquando podemos identificar urn credor frente a urn devedor de

uma obrigacac' 16,0que, de resto, e perfeitamente compatfvel

com sua aparicao historica enquanto "rnanifestacao da tecnica

juridica do sistema capitalista moderno que tern por fim permi-

tir urn certo tipo de troca" 17. De fato, confundido no dire ito

objetivo (se base ado nas teorias da vontade ou da garantia), e

simples mente absurdo, como Kelsen IH ressaltou (se baseado na

teoria do interesse), 0 direito penal subjetivo acaba par resul-

tar tecnicamente imitil" e politicamente perigoso".

15 Op. cit., v. I, I. I, p. 21.

16 Curso de teo ria gene ra l de l der echo, B. Aires, 1976, p. 230.

17 Miaill e, op. c it., p. 144.

18 "No casu de urna san~[io penal, nuo pode ser um interesse nem, portanto, um

direi to dougente aquilo que e protegido pelo dever de 0punir que impende sobre 0

orgiio apl icadordo direi to" - escreve Kelsen, levando as i il ti rnas conscqi iencius

o canit er r ef lexo do d ire it o subj etivo como in te res se ju rid ic ament e p ro tegido

tTeor ia pll ra do direito, t rud. 1 .B. Machado, Co imbr a, 1962 , p. 258} .

19 A ele serefere Tercio Sumpaio Ferraz Jr, como "Imprecisa meuiforu" ilntroduciio

ao estudo do dlrei to , S. Paulo, 1988, cd. At la s, p . 143) .

20 A ide ia dejus puniendi, particulurmcnte quando referida ao momenta legislative

(e sobrevive assirn em inumeros trabalhos brasileiros, como vimos), trunsforma-se

no eixo de uma concepcao nutor itar ia do estado, 0 estado realiza uma "prodigiosa

acumulacflo de meios de coa~iio corporal" (Poulantzus, a estado . .. , cit ., p . 90) ,expressa na "centralizacllo excludente de seu aparato politico de poder c

violenciu" (Bustos, Introduccion, cit ., p . 25) . Ncgar urn direi to penal subjetivo,

a inda que pela s f ormu las do imperium ou "poder de dominaeao do estado" {A.

Bruno, op. cit., v. I, t. I, p. 22}, ou do "utributo da soberania" (Manzini,

Trattato, ci t. , v . I , p . 81), ou deu rn "poder j ur fd ico" (An tol is ei , op. c it., p . 38) , echamar a ulen.yiio para a lndeclinabilidade da regulacao juridico-ohjetivn do poder

penal estntal , bern como abr ir asperspectivas para 0cxame das relacoes socials em

cuja preservaclio e reproducdo estd comprometido 0 estudo, Bern ao contrar io de

urn direito penal subjetivo (direito publico subjetivo do estado), os direitos subjeti-

vos publicos dos indivfduos, que vieram a inscrever-se nos documentos internu-

cionais como direi tos hurnanos fundamental s e nas const ituicoes como garantias

lOOp . ci t. , p. 115.

11 "A doutr ina e agora concorde em considerar que nao existe uma obrigucao de

observur as normas penais, de obedece-las, obrigu.yiio iIqual deveria corresponder

u rn d ire ito do es tado iI obediencia" - Bettiol, op. cit., p. 194. "Urn direito

gener ico de obed ienc ia, s cm conteudo , n fio ex ist e" - Fragoso, Ob je to do c rime ,

in Direi to penal e direi tos humanos , cit., p. 54. Em Licoez, cit ., p . 276, Fragoso

nao obs tan te ad ini te e ss e "deve r de obser vii nc i a do comando" .

12 Op, cit., p. 201.

13Manuele di diriuo penale, P.G., Milao, 1969, p. 37.

14 Est e u lt imo a rgumento , u sado por An tol is ei ( op. ci t. , p . 38) , deve se r r ecebi do

entre nos com reservas, porque embora a simples fuga iI execucao da pena

p ri va tivu de li be rdade nao cons ti tua c rime , a v io lncao da penn de in te rd lcao de

d ir ei to s const it ui u rn c rime cont ra a udmin ist ra ciio da justi ca (a rt . 359 CPl.

108 109

. ! , _ . I

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 56/69

Observando que a tecnica do direito publico subjetivo nao

era praticamente usada pelo modemo direito penal, Kelsen

assinalava quea vftima do crime foi substitufda por "urn orgao

estatal que, como parte autora ou acusadora por dever de

offcio, poe em movimento 0processo que leva a execucao da

sancao' '21. Em nossa opiniao, corresponde a teoria do proces-so compreender, seja enquanto urn interesse de agir, aut6-

nomo ou Insito na propria acusacao, como quer Grinover",

seja enquanto conteudo necessario da acao penal, diante do

principio da jurisdicao, seja enquanto condictio da a~iio do

lingulo da legitimacao, a natureza e funcoes dos deveres do

estado com relacao aos crimes cometidos, e sua articulacao

instrumentaL

§ 15

A m issao (fin s) do dire ito pen al

1 a se observou que "uma teoria da pena e sempre uma

teoria do direito penal" e que "0debate cientffico-politico

sobre a pena se transforma no debate sobre todo 0 direito

penal" I;a sabedoria chinesa chama 0 codigo penal de "lei da

pena" txing fa). Discutir os fins do direito penal deveria ser,

portanto, discutir os fins da pena - e, no entanto, nao e.Quando se fala nos fins (ou "rnissao") do direito penal,

pensa-se principalmente na interface pena/sociedade e subsi-

diariamente num criminoso antes do crime; quando se fala nosfins (ou objetivos, ou funcoes) da pena, pensa-se nas inter-

ferencias criminoso depois do crime/penaJsociedade: Par isso,

a missao do direito penal defende (a sociedade), protegendo

(bens, ou valores, ou interesses), garantindo (a seguranca

jurfdica, ou a confiabilidade nela) ou confirmando (a validadedas normas); ser-lhe-a percebido urn cunho propulsor, ei

mais modesta de suas virtualidadesestara em resolver casas.

Observe-se que os fins assinalados se projetam predominante-

mente na relacao pena-sociedade e se apresentam com urn

,.sinal social positivo" ,que abrange sua funcionalidade, utili-

dade e dignidade. 1 a quanta a pena, au bern apenas retribuira(mediante a privaciio de bens juridicos imposta ao criminoso)

o mal do crime com seu proprio mal, restaurando assim andlvlduais, ainda que sujeitos a objecoes teenieo-jurIdicas, representum urn

posit ivo lns trumento democrdtico, e , como diz Bessa Antunes, "Importunte futor

de relvlndicacao por reformas e nvancos socials" (op, cit., p, 150).

21 Op. cit., p. 263.

22 As condifoes daafiio penal, S. Paulo, 1977, p 109. t Respectivarnente Zaffaroni, Manual, cit., p. 68 e Quintero Olivares, op, cit., p. 5.

110 111

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 57/69

, ," j, I

,

just ica, ou bern intimidara a todos (pela ameaca de sua comi-

nacao e pela execuciio exemplar) para que nfio se cometam

(mais) crimes, ou tratara de conter e tratar 0 criminoso. Os

objetivos referidos vinculam interat ivamente urn criminoso

predominantemente "acontecido", a pena e a sociedade, e

disp6em de urn "sinal social negativo" que efetivamente

timbra a pena; a mais nobre observacao possivel sera HHa

como" uma amarga necessidade". Urn iniciante estaria ten-tado a considerar ate que os fins do direito penal e os fins da

pena habitam a mesma casa, porern os primeiros na sala de

visitas e os segundos na cozinha.

Essa descricao comparat iva, algo caricata, das mais usuais

respostas oferecidas as perguntas sobre a missao do direito

penal e os objetivos da pena, poe de manifesto que, se os

penalistas nao sucumbem a tentacao de substituir a missao do

direito penal que devem descrever pelo direito penal de seus

sonhos, ou existem diferencas entre aquilo que pretende 0

direi to penal e aquilo que pretende seu instrumento essencial e

caracterfstico - a p ena -, ou este e 0 ponto mais densamenteturvo, do ponto de vista ideologico, do discurso jurfdico-pe-

nal. Mais do que em qualquer outra passagem, a ideologia

transforma aqui f ins particulares em fins universais , encobre

as tarefas que 0dire i to penal desempenha para a classe domi-

nante, travestindo-as de urn interesse social geral, e empre-

ende a mais essencial inversao, ao colocar 0homem na linha

de fins da lei: 0 homem existindo para a lei; e nao a lei

existindo para 0 homem.

Se os fins da pena, expostos nas tradicionais teorias ab-

solutas e relat ivas (essas, divididas entre a prevencao geral e a

prevencao especial) e nas teorias mistas (que visam a concil iar

" ou superar a contradicao das anteriores) aproximam os fins do

direito penal de sua realidade penal, e i lus6rio imaginar que

tais teorias escapem a urn idealismo impeditivo do conheci-

mento das funcoes que concretamente a pena desempenha

numa sociedade determinada. Como lapidarmente disseram

Rusche e Kirchheimer, ••a pena como tal nao existe; existem

apenas concretas formas pumtrvas e especificas praxes

penais"~. Uma teoria da pena generalizante e esquematica,

que tenha a pretensao de apreender , com os mesmos instru-

mentos, par exemplo as praticas penais do escravismo colonial

brasileiro, cujos pontos cardiais estavam na utilidade imediata

do criminoso (= acoites) e no terror (= morte e pen as

domesticas), e de nosso capitalisrno ao inicio do seculo, cujo

principio era, como diria Ernst Bloch, a "conserva~ao util"do criminoso, esta pagando a abstracao urn preco altissimo,

cuja moeda e conhecimento. Por isso mesmo, ao lado das

funcoes aparentes da pena, que se extraem de uma verif icacao

da compatibi lidade, sernelhanca ou oposicao entre normas do

direito positivo e 0 eterno esquema das teorias absolutas,

relativas e mistas, fala-se hoje nas funcoes ocultas au niio

declaradas da pena. Diante do art. 1~LEpJ, podemos afirmar

que desde 1985 a legislacao brasileira adotou a prevencao

especial: isso nao esgotara 0 conhecimento possivel sobre as

funcoes da execucao da pena privativa de liberdade, no Brasil ,

nem sobre 0 que possa significar haje a •'tarefa ressocializado-

ra t, da prisao". Sandoval Huertas organizou as funcoes nao

declaradas da pena privativa de liberdade em tres nfveis: a) 0

nivel psicossocial Jfunc;6es vindicativa e de cobertura

ideologica); b) 0nfvel economico-socialrfuncoes de reprodu-

~ao da criminalidade, controle coadjuvante do mercado de

trabalho, e reforco protetivo a propriedade privada); c) 0nfvel

poli tico (funcoes de manutencao do stata quo, controle sobre

2 Pena e struttura sociale, t rud. Mclossi e Pavarin i, Bolonha , 1978, p_ 45 . De bas e

mnrxista, tal u flrmacao c e xt remamen te a dcquuda ao que 0 f ilosofo Clement

Rosse t chamou de "principio da rea lidade suf lc ientc " (0principia da crueldade,

trad. J.T. Brum, Rio, 1989, p. 12).3 Lei n~7.210, d e I I. ju I. 84 , a rt . 1 :' : . ,A exe cuc ao p en al t em POtob je ti vo e fe ti va r a s

disposicocs da sentcnca ou decisuo cr imi nal e proporcionar condi coes para a

harmonica integraci io soc ia l do condenado e do internado".

4 Sobre este aspecto, cf. Anabela Mi randa Rodrigues, Rei nsercao social - par a

uma defini"iio do conceito, in RD P n? 34, p. 24 55; Losano, o p. c it ., p . 8 9; Mui io z

Conde, Derecho penal y control social, c it ., p . 93; Bus tos, Introduccion, ci t. , p .

96; Zaffaroni, Manual, cit., p. 62.

112 113

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 58/69

"'I

as classes SOCIalS dominadas e controle de opositores

politicos)". Esta maneira de conceber os fins da pen a e cha-mada por Baratta de concepcao "materialistica ou politi-

co-econ6mica", em oposicao a concepcao "ideologica ou

idealista" das teorias absoluta e relativa". 0 estudo aprofun-

dado da pena, charnado "teoria da pena", tern sua sede na

ocasiao em que 0 conjunto das penas previstas pelo codigo

penal e objeto de exposicao e analise.Pens amos que numa sociedade verdadeiramente justa e

democratizada os fins do direito penal e da pena constituiri io,

transparentemente expostos e debatidos, urn so e indivisivel

projeto. Entrementes, cabe urn esforco, a exemplo do que

ocorreu na area das funcoes da pena, no sentido de desmitifi-

car os fins do direito penal, questionando as respostas usuais.

Esse esforco vern sendo empreendido par irnimeros penalistas

de perspectiva crftica; entre nos, situa-se nesse endereco Ciri-

no dos Santos'.

Entre os autares brasileiros, prevalece 0entendimento de

que 0 fim do direito penal e a defesa de hens juridicos: assim

Anibal Bruno, Fragoso, Damasio, Toledo, Mirabete. Alguns

colocam a defesa de bens juridicos como 0meio empregado

para a defesa da sociedade (Bruno, Fragoso), concebida even-

tualmente como combate ao crime (Mirabete); outros pro-

curam enfatizar a defesa dos valores socia is que subjazem nos

bens juridicos (Brito Alves) au a "robustecimento na cons-

ciencia social" desses valares (Damasio), Muito adequada-

mente, Toledo promove uma depuracao no conceito de bern

juridico, expurgando-o de vohiveis subordinacoes eticizantes,

com 0 que pode afirmar que a "rarefa imediata" do direito

penal e sua protecao. A protecao de valores da vida comuni-

taria e autonomamente referida, bern como uma funcao , certa-

mente mais proxima do direito privado, de regular a conviven-

cia humana (Mayrink).

o inter-relacionamento dos conceitos de bem juridico,

interesse e valor, sobre 0 qual Welzel concebe a missao do

direito penal como defesa de valores etico-sociais elementaresda consciencia jurfdica e s o par inclusiio defesa dos bens

juridicos, entendidos como estados sociais de preservacao

juridicamente desejaveis (por esta porta - "desejavel" - 0

argumento do interesse se reapresenta)", e que levou Bau-

mann, num momenta de justamente extenuada sirnplificacao,

a escrever que 0direito penal tern par funcao a "proteciio de

bens juridicos especialmente importantes =valores juridicos

= interesses':", ensejou a Anfbal Bruno perceber que a esco-

lha dos bens juridicos tern urn agente historico; tratando dos

fins do direito penal, referiu-se aos bens jurfdicos como

• 'interesses fundamentais do individuo ou da sociedade que,

pelo seu valor social, a consciencia comum do grupo au das

camadas sociais nele dominantes eleva a categoria de bens

jurfdicos"](). Embora percebendo a existencia de urn agente

hist6rico (as "camadas sociais dominantes" no grupo humano

- sociedade civil - que, organizando-se como estado, edi-

tara 0direito penal), Anfbal Bruno supoe uma sociedade uni-

taria, vivenciada e apreendida por uma consciencia social

tambern unitaria. A nocao de classe social nao e chamada a

participar. Veja-se a seguinte passagem de Fragoso: "0fim do

direito e a tutela e a preservacao dos interesses do individuo e

do corpo social. E evidente que as interesses que 0 dire ito

tutela correspondem sempre as exigencias da cultura de deter-5 Sandoval "Huertas, Emiro, Las funciones no declaradas de la privacion de la

libertud, in ReI '. del Colegio de Abogados Penal is tas del Val le , Ca li , 1981, p . 41

S5. Cf. tambern Baratta, Observaciones sobre las funciones de la carcel en la

p roducc i6n de la s re la ciones soc ia les de dcsi gua ldad , in Nuevo [oro penal, Bo-

gota, 1982, n~ 15, p. 73755; Cirino dos Santos, Direito penal, cit., p. 30.

6 Criminologic cri ti ca, ci t. , p_ 200_

7 Diretto penal, cit., p. 22.

8 Op. cit., pp_ 13-17_ Nii o nos e squecumos de que Welzel a tr ibui ao d ir eito penal

umu "funcao de formacfio etlca" (p. 16).

9 Op. cit., p_9_

lOOp. cit., v. I, t. r. p. 15.

114 115

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 59/69

minada epoca e de determinado povo" II.A crirninalizacao da

arte negra da capoeira, dois anos ap6s a abolicao da escrava-

tura, pelo artigo 402 do c6digo penal de 1890, correspondia as

"exigencies de cultura" de "determinado pOVO"?12

Para Cirino dos Santos, os objetivos aparentes do'direito

penal, expressos na "prote<;:ao dos interesses e necessidades

(conhecidos como valores) essenciais para a existencia do

individuo e da sociedade", tern certos pressupostos, como

"as nocoes de unidade (e nao de divisao) social, de identidade (e

nao de contradicao) de classes, de igualdade (e nao de desi-

guaIdade real) entre os componentes das classes sociais, e de

liberdade (e nao de opressao) individual" IJ. Definitivamente

e inegavel que numa sociedade dividida, 0bern juridico, que

opera nos Iindes entre a politica criminal e 0direito penal, tern

carater de classe". Tal constatacao permite 0 aproveitamento

crftico do conceito de bern juridico , no amplo espectro de

funcoes que, como virnos, lhe corresponde,

Podemos, assirn , dizer que a missao do direito penal e aprotecao de bens juridicos, atraves da cominacao, aplicacao e

execucao da pena, Numa sociedade dividida em classes, 0

direito penal estara protegendo rel acoes sociais (ou

"interesses", ou "estados sociais", ou "valores") escolhi-

dos pela classe dominante, ainda que aparentem certa univer-

salidade, e contribuindo para a reproducao dessas relacoes.

Efeitos sociais nao declarados da pena tambern configuram,

nessas sociedades, uma especie de "rnissao secreta" do direi-

to penal.

§ 16

A ciencia do direito penal

'j

A terceira acepcao em que a expressao direito penal pode

ser empregada tern a ver com 0estudo do ordenamento juridico

positivo; fala-se entao em ciencia do direito penal, au jurispru-

dencia, ou dogrnatica juridico-penal. E preferfvel a denornina-<;:aociencia do direito penal. A vo x "jurisprudencia'", em

nossa familia jurfdica, "e comumente usada para definir 0

conjunto de decisoes judiciarias que, par forca de sua repeti-

<;:ao, incorporam-se a tradicao j urfdica" I. Optar por

"dogm<ltica" representaria urn atrelamento metodol6gicomuito questionavel: a dogmatic a e 0mais prestigiado e eficaz

metoda em uso na ciencia do direito, porern nao a guardia

solitaria das chaves epistemol6gicas do reino.

A ciencia do direito penal tern por objeto 0 ordenamento

jurfdico-penal positivo e por finalidade permitir uma aplica-

<;:aoeqiiitativa (no sentido de casos semeihantes encontrarem

solucoes semelhantes) e justa da lei penal. Torriando, como

diz Novoa, "segura e calculavel a aplicacao da lei" , estabele-

cendo limites e definindo conceitos, a dogrnatica subtrai da-

quela aplicacao "a irracionalidade, a. arbitrariedade e a

improvisa<;:ao"z. Trata-se, portanto, de conhecer0

direitoaplicavel, cujas normas nao sao submetidas a qualquer con-• 11 Lifoes, cit., p.2.12 Codigo penal de, 1890 (dec. n? 847, de Il.out.890), art. 402: "Fazer nus runs e

prac;as publicas exercfcios de agl lidade e destreza corporal conhecidos pela deno-

minac;i io de capoeiragern; andar em correrias ( . .. ) :pena - de pri sao celular por 2 a

6 meses".

13 Direi to penal , cit.. p. 23.

14 Cf . Penn Cabre ra , Bi en j ur fdi co y relaciones sociales de produccion, in Debate

penal, n :' 2 , Lima , 1987 . p. 139.

I Coelho, Luiz Fernando. Teoria do ciencia do direito, S. Paulo, 1974. p. 52.

2 Crhica y desmitificacion del derecho, B. Aires, 1985, p. 226.

;-

11 711 6

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 60/69

ironto valorativo que transcenda sua descricao , explicacao e

organizacao. fm outras palavras, 0 afazer dogmatico nfio

interpela a norma: acata-a (dogma) como objeto do conheci-

mento. Uma lei basica da dogmatica esta no principia da

proibiciio da negaciio; ao jurista e vedado, como diz Tercio

Sampaio Ferraz Jr., negar os "pontos de partida das series

argumentativas"J. Podemos pretender que 0 auto-abortamen-

to seja indiferente perante a lei, ou que seja punido com branda

multa: 0direito penal brasileiro cornina-Ihe detencao de urn a

tres anos (art. 124 CP), e isso, no que concerne a pena, eunicamente 0 que deve ser considerado nas hip6teses em que

concorra urn caso de auto-abortamento.

A dogmatic a nao e, por certo, uma leitura pontilhada da

lei; sua tecnica procura reconstruir os variados elementos que

integram a lei, organizando-os como sistema. Essa e uma

palavra chave no surgimento hist6rico da dogrnatica, bern

como na angt1stia de seu futuro. A ideia de sistema, como

assinala Luhmann, chegou a ciencia do direito no inicio do

seculo XVII, vinda da astronomia e da teoria musical', De

fato, as legislacoes anteriores a esse periodo consistiam na

justaposicao sequencial de textos, "compilacoes " cujo co-

nhecimento era haurido pelo exame individual-circular de

cada texto (glosa). De modo analogo, "ate meados do seculo

XVII" - como lembra Foucault - "0historiador tinha por

tarefa estabelecer a grande compilacao dos documentos e dos

signos"S; a partir de entao, sob a regencia da "classificacao"

como instrumento metodologico central, estavam franqueadas

as rotas gnosiol6gicas que conduziriam a "hist6ria natural" e

sua aparente aptidao para apreender num so "quadro" as rnais

distintas e contraditorias "classes". Nao por acaso, Ihering,

" 'reputado fundador do metoda dogrnatico, caracterizava aconstrucao jurfdica como "a aplicacao do metoda da historia

natural a materia juridica"6. Para Ihering, a sisternatizacao

configura 0 nivel superior da jurisprudencia, enquanto a his-

t6ria e a interpretacao configuram seu nfvel inferior. 0 tributo

ao positivismo se exprime em suas reiteradas comparacoes do

direito corn a quimica, ou no esforco de categorizacao de

"corpos jurfdicos' '7. A influencia dessas ideias e ainda hoje

absolutamente visivel:. dir-se-a que' 'frente a urn conjunto de

disposicoes legais, 0 jurista se comporta como urn fisico"8.

Entre nos, Nelson Hungria proclamara que' '0sistema e a mais

perfeita forma do conhecimento cientifico' '9.

As etapas do metodo dogmatico sao: 1~demarcaciio do

universo juridico (catalogacao completa dos textos legais vi-

gentes na area objeto de interesse); 2~analise e ordenaciio (as

leis validas sao de inicio apreciadas individual mente, e logo, a

partir de semelhancas e disparidades, submetidas a exercicios

de agrupamento que permitirao estabelecer uma ainda que

provis6ria ordem 16gica); 3~simplificaciio e categorizaciio (0

material resultante das etapas anteriores e simplificado, quan-

titativa e qualitativamente, dando origem aos princfpios clas-

sificatorios, que funcionarao como eixos categoriais); 4~ re-construciio dogmdtica (a dogrnatica, pela classificacao e reor-

ganizacao da "materia" legal, assim reconstruida, produz urn

sistema que revelara e demarcara contet1do e inter-relaciona-

mento logico dos textos legais, "devolvidos" sob a condicao

de serem conhecidos atraves da mediacao desse sistema).

Tais etapas devem ser vencidas corn a obediencia de duas

leis ou princfpios: a) lei de proibictio da negaciio (ja referida,

exprime 0carater de dogma que 0texto legal deve ter, para que

o trabalho de desenvolvirnento logico nfio induza a erros sobre

o contetido do direito); b) lei de proibiciio da contradiciio

,-.- ~

I

I

6 La dogmdtica juridica (trechos sclccionudos do Espfrito do Direito Romano). trud,

E.P. Satorres, B. Aires, 1946, p. 142.

7 Op, cit., pp. 109, 125, 135 55.

B Zaffaroni, Manual. cit., p. 127.

9 Int rodu~i io 11ciencia penni, in Novas questiies juridico-penais, Rio, 1944. p. 5.

3 Op, cit., p. 49.

4 Sistema giuridico edogmatica giuridica, t rad. A. Febbrajo, Bolonhu, 1978, p. 35.

5 Aspalavras e as coisas, trad. S.T. Muchail, S. Paulo, 1981, p. 144.

118 11 9

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 61/69

(tambem chamada por Ihering de "unidade sistematica".' ~x-

prime a incompossibilidade de principios au propo,sl.~oes.

contradit6rias; por exemplo, ou a abortamento necessano,-

art. 128, inc. I CP - tern carater justificativo au tern :arater

exculpante, nao podendo conviver ambas as conclusoes ~o

mesmo sistema, sendo certo que a contradicao se apresentana- ) 1 0tambem nas respectivas nmdarnentacoesl'". .

A dogmatica "fechada" foi duramente quest~onada, ,~uer

da perspectiva metodo16gica, quer ?a perSF~ctlva politica,

Metodologicamente, sua dependencIa da 10~lca for~al e a

entronizacao do sistema foram duramente fustigadas. Co~o

qualquer estudante sabe" - disparam Warat e Russo ~ a

verdade, em logica formal, se adquire aopreco ~e.tenunclar ao

conhecimento do mundo"; a proposta da dogmatIca de produ-

zir, atraves do estudo da legislacao vige~te, urn saber, q~e

realize funcoes juridic as distintas das realizadas pela pro~~la

legislacao seria "uma ilusao infecunda e obscuran~lsta. .'

Efetivamente, a sistema e urn instrumento do saber dlscnn:l-

nat6rio e seletivo: as diferencas e peculiaridades q.ue n~o

incidam sobre os princfpios classificat6rios por ele eleitos sao

reputadas indiferentes (Foucault); nessa linha, a saber penal

tende a transformar-se numa geometric (Novoa) excludente.

A superacao aparente de uma dogmatic a positivista por uma

dogmatica neokantista" s6 agravou esses problemas. A se-

13 Op. cit., p. 87.

14 Cf. Rosa Cardoso, op. cit., p. 118; Novoa, Critica, ci t. , p . 228 . Ost e Ke rchove

afl rmam que 11 ra ciona lldade do legis lador C urna c rcnca de o rdem meta fi si ca

Ualon« p~ur 11Il!? the~rie critique du droit. Bruxcl as , 1987 , p . 117 ).

15 Cf..e~peclUl~ente Faria, Jose Eduardo, Paradigmajllrfdico. cit., pp. 43, 46 e 4 7.16 Criminologia de la l iberacion, c it ., p . 27.

17 Bobbie, Teoria do ordenamenta juridico, Bras ilia , 1989 p. 120 .18 Liciies, cit., p. 13.

paracao irredutivel entre as ciencias da natureza e as ciencias

culturais abriu 0 campo nao s6 ao dualisrno metodol6gico, mas

a uma auten~ica "esquizofrenia" (Munoz Conde) gnosiologi-

ca; como disse Zaffaroni, os "rnastins metodol6gicos" se

encarregavam de manter a realidade fora do sistema. Tudo i8S0

sem que jamais a "disparidade absoluta entre ser e dever-ser"

tenha sido provada, como objurga Larenz a Kelsen 13. De outro

lado, a dogmatic a indiretamente pode reafirmar certos mitos,que desempenham relevantes funs:6es ideol6gicas: 0 mito da

. sabe?o~a da lei.(~upor urn legislador racional e arguto, de cuja

coerencra, precrsao, economia e previdenciajamais proviriam

palavras imiteis au diibias, contradicoes, etc)" que esconde a

reificacao da lei; 0 mito da neutralidade da ciencia (supor que

a gramatica, ahistoriografia juridic a e a 16gica formal abolem

a consciencia de dassel, fundamental na legitimacao da ordem

jurfdica", Por certo, sua funcao ideol6gica mais irnportante eafiancar a possibilidade de uma construcao harrnonizante das

relacoes sociais (representadas nojurfdico), na qual "todos os

antagonismos sao conciliaveis pela ordem jurfdica" (Jose

E~u.ardo F~ri~). Daf, Lola Aniyar de Castro dizer que a dog-

matI.ca tradicional constitui uma "fiJosofia da domina!;ao" 16.

Efetlva~.en~e, ,0.dogma da "completude" do direito reforca a

monopoho jurfdico do estado moderno e impede a considera-9ao de direitos concorrentes 17.

A dogmat. ica pode libertar-se dessas acusacoes se Iograr,

como precornzava Fragoso, superar 0 esquema apresentado

pel~ tecnic. is~o juridico, que "tende a compreensjn e justifi-

cacao do direito penal vigente' 18. "A construcao dos concei-

10 A humadu le i da e st etic aju rid ic a. inconv incen tcmen tc inclu ida por I her ing (op,

'tC

149) n ii o pas suva em nossu opin ilio de u rna val vul a abe rtn pa ra o . re~l .

~~~;i ~~ d iz i~ que umas l eis agr aduva rn , por "s eu can ite r, s ua . tr ansp~ rcncl a,

simplicidllde e claridude; outras repugnavam, porque carecem de ta~sprc~l~lIdos,~

nos parecem violentas e POflCO naturais, scm que pos5amo~ declara-Ias V.lclosas

( ibid m). Tal " le i" est ti vlnculada adados dureal idade SOCialque devern impor-se

life d ma;t"lco e melhor seria chama-In de lei da etica [uridica; em algumao a azer og .,

futuro, podera converter-so em lei da esietica [urjdica. .

B A· 1987 P 9 e 14 Nosso Anfbal Bruno advertiuIIInterpretacion de fa ley, . Ires, • p ., , . ..

que "0 jurista deve prevenir-se contra 0pode r absorven te du l ogl ca f orma l (op.

cit., V. I, t. I, p. 29). ., .' .., 22712 Sobre 0 neokant ismo na dogmaticl I [ur fdico-penal, cf, Mir Puig, op. CIL , pp.

S5; Munoz Conde. Introduccion, cit., pp. 1\0 5S.

120 121

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 62/69

tos dogrnaticos deve incorporar os ?ados ~a. realidade"

(Zaffaroni) r a constatacao de seus efeitos SOCIalS,~oncretos.

Nao se quer uma crftica posterior, fora da dogmat~ca,. como

Rocco". "A incorporacao a dogmatica penal das fmahdades

politico-criminais transforma-a de urn si~tema fe~~ado em urn

sistema aberto", ensina Bustos, e assim em permanente

renovacao e criacao"?".Faraco de Azevedo adverte que a dogmatic a penal, "a

menos que se converta em instrumento i?eol6gico destinado ~

dissimular ou falsear a realidade, preclsa manter-se rente a

vida, recebendo seu influxo e sobre ela atuando, ate.uta}

configuracfic da situacao h~mana_ glo?al, ~ que se,?es,t~~a ,

sem "perder de vista sua dimensao hISt?f1C: e criuca .. .

No momento atual, nao podemos abnr mao da dogmatica

jurfdico-penal, porque, como assinala Gimbemat 'Ordeig ~m

seu festejado trabalho, "temos que conviver com 0 dlfel~O

penal"?'. Transforrna-la numa dogm~tica abe~ta e 0 desafio

que 0 penalista brasileiro tern, hoje, diante de 51.

Bibliografia

Ancel, Marc, Pour une etude systematique des problemes de

politique crirninelle, in Archives de politique criminelle, v.

1, Paris, 1975, ed. A. Pedone.

Angione, Francesco, Contenuto efunzione del concetto di bene

giuridico, Milan, 1983, ed. Giuffre.

Aniyar de Castro, Lola, Criminologia da reacao social, trad. E.

Kosowski, Rio, 1983, ed. Farense.

---, Criminologia de la liberacion, Maracaibo, 1987, ed.Un. Zulia.

Antolisei, Francesco, Manuale de diritto penale, P.G., Milao,1969, ed. Giuffre.

Araujo Jr., Joao Marcello, Os grandes movimentos da politica

criminal de nossos tempos, Rio, 1986, ed. lnst. Bennett.

Araujo Lyra, D. (arg.), Desardem e pracessa - estudos em

homenagem a Roberto Lyra Filho, P. Alegre, 1986, ed.Fabris.

Asua, Luis Jimenez de, Tratado de derecho penal, B. Aires,

1964, ed. Losada, v. I.

Atienza Rodriguez, Manuel, Sobre la analogia en el derecho,

Madri, 1986, ed. Civitas.

Baratta, Alessandro, Criminologia critica y critica del derecJzopenal, trad. A. Bunster, Mexico, 1986, ed. Siglo XXI.

---, Integracion - prevencion: una' 'nueva" fundamenta-

cion de Ia pena dentro de la teorfa sistemica, in Doctrina

penal, B. Aires, 1985, ed. Depalma, p. 3 ss.

---, Observaciones sobre las funciones de la carcel en la

19 Ei problema y el metoda de la ciellcia del derecho penal , t rad. R.N. Val le jo,

Bogota, 197B, p. 31. .20 Politica criminal y dngrnaticu, inHomen a ge a H i ld e Ka ufmal ll l, B. AIres , 1985, p.

124. ." . 1989 .,21 Dogma ti ca penal e e stado , in Fasclculos de crerrcrapcllal, P. Alegre, .uno z,

v. 2, n! 4, p. 60. 1 Madri22 Tiene un futuro In dogmJiticn juridicopenal? in E s tu d io s d e d e re c ho pena , ,

1976, p. B2.

12322

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 63/69

produccion de las relaciones sociales de desigualdad, inNuevo

foro penal, Bogota, 1982, ed . T e rn i s, fr! 15, p. 73755.

____ , Positivistno giuridico e scienza del diritto penale,

Milao, 1966, ed. Giuffre.

Barbosa Moreira, Jose Carlos, Tenias de direito processual, S.

Paulo, 1977, ed. Saraiva.Barros Monteiro, Washington, Curse de dire ito civil- direito

das sucessiies. S. Paulo, 1962, ed. Saraiva, 4;1eel.

Basileu Garcia, insti tuiroes de direi to penal , S. Paulo, s/d, ed.

M. Limonad, 4;1eel.,v. I, t. L

Batista, Nilo; Algumas palavras sabre descrlminnlizncao, in

RDP nl!13, Rio, 1975, p. 28 ss.____ .Bases constiLucionais da reserva legal, in RDP nl l 35,

Rio, 1983, eel.Forense, p. 54 SS..____ , Justice criminal e justica criminosa, in RDP nll 32,

Ria, 1983, ed. Forense, p. 70 ss.____ , Minorias e democratizaciio, Recife, 1984, eel.OAB.

____ " Observacoes sabre a norma penal e sua interpretuciio, in

RDP nl!17/l8, Rio, 1975, eel.RT, p. 83 ss.

____ , Temas de direito penal, Rio, 1984, ed. Liber Juris.Baumann, Jtltgen, Derecho penal - conceptos [undamentales y

sistema, trad, Camado A. Finzi, B. Aires, 1973, eel. De-

palma.Beccaria, Cesare, Dos delito s e das penas, trad. A. Carlos

Campana, S. Paulo, 1978, ed. J. Bushatsky,

Bergalli, Roberto, Critica a fa criniinologia, Bogota, 1982, ed.

Temis.Bessa Antunes, Paulo D., Uma nova int roduciio 00 direito, Rio,

1986, ed. Renovar,

Bettiol, Giuseppe, Direito pella I, trad, Paulo Jose da Costa Junior e

Alberto Silva Franco, S. Paulo, 1966. ed RT .Bineling, Karl, Die Nortnen und ihre Ubertretung, Utrecht,

1965, ed. Scientia,____ •Lelirbuch des genieinen deutschen Strafrechts, B.T.,

Leipzig, 1902, re-edicao Scientia, 1969.

Bloch, Ernst, Derecho natural y dignidad humana, trad. Felipe

124

Gonzales Vicen, Madri, 1980, ed. Aguilar.

Bloch, Marc, Introducdoa Historia, trad. Maria Manuel e Rui

Gracie, ed. Publicacoes Europa-America, colecao Saber,

sid, 4~ed.

Bobbio, Norberto, Giusnaturalismo e positivismo giuridico,

Milao, 1977, ed. Cornunita.

---, Teoria do ordenamento juridico, trad. C. Cicco e M.e.

Santos, Brasflia, 1989, ed. Polis.

Bonavides, Paulo, Do estado liberal ao estado social, Rio, 1980,

ed. Forense.

Bonfante, Pedro, Insti tuciones de derecho romano, trad. L.

Bacci e A. Larrosa, Madri, 1965, ed. Reus.

. Boscarelli, Marco, Compendio di diritto penale, P. G., Milao,

1980, ed. Giuffre, 3~ed.

Bricola, Franco, La discrezionalita nel dirit to penale Milao1965, ed. Giuffre. ' ,

---, L'art. 25, commi 2? e 3? della Costituzione revisitato

alIa fine degli anni '70, in La questione criminale, n? 2/3,

Bolonha, 1980, ed. IIMulino.

---, Tecniche di tutela penale e tecniche alternative di tutela,in De Acetis, Mauricio et al. (org.), Funzioni e limiti del

diritto penale, Milao, 1984, ed. Cedam.

Brita Alves, Roque, Direito penal, Recife, 1977, ed.Inojosa, v.

1

Bruno, Anfbal, Direito penal, P. G., Rio, vol. I, 1959 (tt. I?e 2~)

e 1962 (1. 3~),ed. Forense.

Bustos Ramirez, Juan, Bases criticas de un nuevo derecho penal,

Bogota, 1982, ed. Temis.

---, Introduccion al derecho penal, Bogota, 1986, ed.Temis.

---, Politica criminal y dogmatica, in Homenage a HildeKaufmann, B. Aires, 1985, ed. Depalma, pp. 123 ss.

Cabral, Luis C., Ubicacion historica del principia 'nullum

crimen nulla poena sine lege', B. Aires, 1958, ed. U.

Abeledo.

Camargo Hernandez, Cesar, Introduccion al estudio del dere-

125

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 64/69

cho penal, Barcelona, 1964, ed. Bosch.

Capeller, Wanda, 0 discurso jurfdico e 0 homern, in Araujo

Lyra, D., Desordem e proeesso.

Cardoso da Cunha, Rosa Maria, 0carater retorico do princlpio

da legalidade, P. Alegre, 1979, ed. Sfntese.

'Carrara, Francesco, Programma del corso di diritto criminale,

Lucca, ed. Canovetti , ou Firenza, ed. Fratell i Carnmelli , 7

vols. (diversas datas).Cattaneo, Mario A., Anselm Feuerbach - JilosoJo e giurista

. liberale, Milao, '1970, ed. Comunita.__ '_, Fondamentifi1;sofici della sanzione pellale,'no volume

Problemi della sanzione - societa e diritto inMarx, Roma,

1978, ed. Bulzoni.Centro Nazionale di Prevenzione e Difesa Sociale, The decrimi-

nalization (Transactions oj colloquium oj Bellagio 1973),

Milao, 1975.Chaui, Marilena, 0 que e ideologia, S. Paulo, 1984, ed. Brasili-

ense.___ , Roberto Lyra Filho ou da dignidade politica do direito,

in Araujo Lyra, D. (arg.), Desordem e processo.

Christie, Nils, Limits to pain, Oslo, 1981, ed. Universitaria.

Cirino dos Santos, Juarez. A criminologia da repressiio, Rio,

1979, ed. Forense.___ , A criminologia radical, Rio, 1981, ed. Forense.

___ , Diretto penal- A nova parte geral, Rio, 1985, ed.

Forense. .Coelho, Luiz Fernando, Teoria da ciencia do direito, S. Paulo,

1974, ed. Saraiva.Costa e Silva, A.J., Comenuirios ao e6digo penal brasileiro, S.

Paulo, 1967, ed. Contasa.

Costa Jr., Heitor, Teoria dos crimes culposos, Rio.. 1988, ed.Liber Juris.

Council of Europe, report on decriminalization, Estrasburgo,

1980.Cunha Luna, Everardo, Capitulos de direito penal, S. Paulo,

1985, ed. Saraiva.

Curzon L. B., Criminal law, Londres, 1973, ed. Macdonald &

Evans..

Damasio E, deJesus,Direitopenal, P. G., l?v., S. Paulo, 1985,

ed. Saraiva.

David, Rene, Los grandes sistemas j u rid icos con tempordneos,

trad. P. Bravo Gaia, Madri, 1969. ed. Aguilar.

Dell'Aquila, Enrico, IIdiritto cinese, Padua, 1981, ed. Cedam.

Del Vecchio, Giorgio, Licoes defilosofia do direito, trad. Anto-

nio Jose Brandao, Coimbra, 1979, ed. A. Amado .

Dotti , Rene Ariel, ReJorma penal brasileira, Rio, 1988, ed.

Forense.

Dorado Montero, Pedro, Bases para un nuevo derecho penal, B.

Aires, 1973, ed. Depalma.

Engels, Frederico, A origem dafamilia, dapropriedade privada

e do estado, trad, Leandro Konder, in Obras escolhidas,

Rio, 1963, ed. Vitoria, v, e.

Evaristo deMoraes Filho, Antonio, Lei de seguranca llacional-

um atentado a liberdade, Rio, 1982, ed. Zahar,

Faraco de Azevedo, Plauto, Dogmatica penal e estado, in Fasci-

culos de ciencia penal, P. Alegre, 1989, ed. Fabris, ano 2, v.2, n? 4.

Faria, Jose Eduard~, Paradigma jurfdico e senso comum: para

uma crftica da dogmaticajurfdica, in Araujo Lyra, D. (org.),

Desordem e processo.

Fasso, Guido, Societe, legge e ragione, Milao, 1974, ed. Comu-

nita.

Ferraz Jr., Tercio Sampaio, Introduciio ao estudo do direito, S.

Paulo, 1988. ed. Atlas.

Ferreira. Ivete Lenise, Polftica criminal e descriminalizacao, in

Rev. do Instituto dos Advogados Brasileiros, ano VII, n?29,

p. 19655.Ferri, Enrico, Princfpios de direito criminal, trad. L.d'Oliveira,

S. Paulo, 1931, ed. Saraiva,

Figueiredo Dias, Jorge. Direito penal (sumarios das licoes),

Coimbra, 1975, ed. Offset J. Abrantes,

---, Os novos rumos da polftica criminal e 0direito penal do

126 127

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 65/69

futuro, Lisboa, 1983, in Rev. Ordem dos Advogados Portu-

gueses, n~ 1, p. 3 ss.

Foucault, Michel, As palavras e as coisas, trad. S. Tannus

Muchail, S. Paulo, 1981, ed. Martins Fontes.

---, Surveiller et punir, 1975, ed. GaIlimard (Franca).

Fragoso, Heleno Claudio, Advocacia da liberdade, Rio, 1984,

ed. Forense.

---, Conduta punivel, S. Paulo, 1961, ed. J. Bushatsky.

---, Direito penal e direitos humanos, Rio, 1977, ed.

Forense.___ , Lei de seguranca nacional=« uma experiencia antide-

mocrdtica, P. Alegre, 1980, ed. Fabris.

___ , Licoes de direito penal, P.G., Rio, 1985, 7~ ed., ed.

Forense.___ , Terrorismo e criminalidade politica, Rio, 1977, ed.

Forense,

Frederico Marques, Jose, Elementos de direitoprocessual penal,

Rio, 1961, ed. Forense, v. I.

Frosali, Raul Alberto, Sistema penale italiano, Turim, 1958, ed.

Utet, 4 vols.Garcfa-Pablos, Antonio, Bases para una politica criminal de la

droga, in La problemdtica de fa droga en Espana, Madri,

1986, ed. Edersa, p. 355 ss.

Garcia Mendez, Emilio, Auioritarismo y control social, B. Ai-

res, 1987, ed. Hammurabi.

Garofalo, Raffaele, Criminologia, Turim, 1885, ed. F. Bocca.

Genro, Tarso, Introduciio critica ao direito, P. Alegre, 1988, ed.

Fabris.Gimbemat Ordeig, Enrique, Estudios de derecho penal, Madri,

1976, ed. Civitas.

Gramatica, Filippo, Principios de defensa social, trad. J.M.Nunez de Prado.e L. Z. Aparicio, Madri, 1974, ed. Monte-

corvo.Gregori, Giorgio, Saggio sull' oggetto giuridico del reato, Pa-

dua, 1978, ed.Cedam.Grinover, Ada Pellegrini, As condicoes da ~fiio penal, S. Paulo,

p.

.1977, ed. J. Bushatsky.

Grispigni, Filippo, Diritto penale italiano, Milao, 1950, ed.

Giuffre.

Guarino, Antonio, La rivoluzione della plebe, Napoles, 1975,

ed. Liguore.

Guastini, Riccardo, Marx - dalla filosofia del diritto alta

scienza della societe, Bolonha, 1974, ed. IIMulino.

Hart, H.L.A., Punishment and responsability, Londres, 1973,

ed. Un. Oxford.

Hennes Lima, Introductio a ciencia do direito, Rio, 1955, ed.

Freitas Bastos.

---, Introducao Geral, Obras completas de Tobias Barreto,

S. Paulo, 1963, ed. INL.

Hobbing, Peter, Strafwiirdigkeit der Selbstverletzung: Der Dro-

genkonsum in deutschen und brasilianischen Recht, Frank-

furt am.Main, 1982,ed. Peter Lang.

Huberman, Leo, Historic da'riqueza do homem, trad. WaItensir

Dutra, Rio, 1979, ed. Zahar, 15~ed.

Hulsman, L.H.C. , Descriminalizacao, trad. Y. Catao, in RDP

9-10, Rio, 1973, p. 7 ss.Hulsman, Louk, e J. Bernat de Celis, Sistema penal y seguridad

ciudadana: hacia una alternativa, trad. S. Politoff, Barcelo-

na, 1984, ed. Ariel.

Hungria, Nelson, Comenuirios ao codigo penal, v. I, t. I , Rio,

1958, ed. Forense,

---. , ln troducao a ciencia penal, in Novas questoes juridi-

co-penais, Rio, 1944, ed. Nacional de Direito,

---, Novas questoes juridico-penais, Rio, 1945, ed. Nacio-

nal de Direito.

Ihering, Rudolf von, La dogmdtica juridica (trechos seleciona-

dos do Espfrito do Direito Romano), trad. Enrique Principe ySatorres, B. Aires, 1946, ed. Losada.

Jaspers, Karl, Psicopatologia geral, trad. A. Reis, Rio, 1973,

ed. Atheneu, v. 1.

Jescheck, Hans-Heinrich, Tratado de derecho penal, P.G., trad.

S. MirPuig eF. Mufioz Conde, Barcelona, 1981, ed. Bosch.

128 129

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 66/69

Kaufmann, Arthur, Analogia y naturaleza de lacosa, trad. E.B.

Bourie, Santiago, 1976, ed. Jur. de Chile.

Kelsen, Hans, Teoria pllra do direito, trad. J. Baptista Machado,

Coimbra, 1962, vols. I e II, ed. A. Amado.

Konder, Leandro, A critica dojovem Marx a concepcao hegelia-na do estado e do direito, in Araujo Lyra, D. (org.), Desor-

dem e processo.

Larenz, Karl, Metodologia da ciencia do direito, trad. Jose deSousa e Brito e Jose Antonio Veloso, Lisboa, 1978, ed.

Fund. C. Gulbenkian.

Liszt, Franz von, La teoria dello scopo nel diritto penale, trad.

A.A. Calvi, Milao, 1962, ed. Giuffre.

---, Tratado de direito penal allemiio, trad. Jose Hygino

Duarte Pereira, Rio, 1899, ed. F. Briguiet.

Lombroso, Cesare, L'uomo delinquente, Turim, 1884, ed. F.

Bocca, 3~ed.

Losano, Mario G., Os grandes sistemas juridicos, trad. A.F.

Bastos e L. Leitao, Lisboa, 1979, ed. Presenca,

Luhmann, Niklas, Sistema giuridico e dogmatica giuridica, trad.

Alberto Febbrajo, Bolonha, 1978, ed. IIMulino.

Lukacs, Gyorgy, Storia e coscienza di classe - la reificazione

nella scienza giuridica, in ·Guastini, Ricardo (org.), Mar-

xismo e teoria del diritto, Bolonha, 1980, ed. IIMulino.

Luporini, Cesare, As raizes da vida moral, in Della Volpe,

Galvano, et al., Moral e sociedade, trad. Nice Rissone, Rio,

1969, ed. Paz e Terra.

Lyra, D. Araujo (org.), Desordem e processo - estudos em

homenagem a Roberto Lyra Filho, Porto Alegre, 1986, ed. .

Fabris.

Lyra, Roberto, Expressiio mais simples do direito penal. Rio,

1953, ed. J. Konfino.___ " Introduciio ao estudo do direito criminal, Rio, 1946,

ed. Nac, de Direito.

---, Novo direito penal, Rio, 1980, ed. Farense.

Lyra Filho, Roberto, 0 que e 0 direito , S. Paulo, 1982, ed.

Brasiliense.

Machado Neto, A. L., Compendia de introducao d ciencia do

direito, S. Paulo, 1975, ed. Saraiva.

Machado Neto, Zahide, Direito penal e estrutura social, S.

Paulo, 1977, ed. Saraiva.

Magalhaes Noronha, E., Direito penal, S. Paulo, 1985, ed.

Saraiva, v. I (Introducao e P.G.).

Manzini, Vincenzo, Tratatto di diritto penale italiano, Turim,

1950, ed. Utet, v, I.Marat, Jean-Paul, Plan de legislation criminelle, Paris, 1974,

ed. A. Montaigne,

Maritain, Jacques, Logica menor, trad. Ilza das Neves, Rio,

1972, ed. Agir.

Martinez Rincones, J., Sociedad y dereclzo en Cuba. Bogota,

1986, ed. Ternis.

Martins, Roberto R., Seguranca nacional, S. Paulo, 1986, ed.

Brasiliense.

Maurach, Reinhart, Tratado de derecho penal, trad. Juan Cor-

doba Roda, Barcelona, 1962, ed. Ariel.

Mayrink da Costa, Alvaro, Direito penal, P.G., Rio, 1982, ed.

Forense.

Marx, Karl, e Engels, Friedrich, Opere. Roma, 1980, ed. Riu-

niti.

Mestieri, Joao, Teoria elementar do direito criminal, Rio, 1971,

ed. Sedegra.

Mezger, Edmundo, Tratado de derecho penal, trad. J.A. Rodri-

guez Muiioz, Madri, 1946, ed. Rev. DeI. Privado, t. I.

Miaille, Michel, Uma introduciio critica ao direito, trad. A.

, Prata, Braga, 1979, ed. Moraes.

Mir Puig, Santiago, Introduccion a las bases del derecho penal,

Barcelona, 1976, ed. Bosch.

Mirabete, Julio Fabbrini, Manual de direito penal, P.G., S.Paulo, 1980, ed. Atlas.

Miranda Rosa, Felipe Augusto, Sociologia do direito, Rio,

1970, ed. Zahar.

Mommsen, Theodor, Le droit penal romain, trad. J. Duquesne,

Paris, 1907, t.. I?, 2? e 3?, ed. A. Fontemoing.

130 131

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 67/69

Muiioz Conde, Francisco, Derechopenal y control social, Jerez,

1985, ed. -Univ. de Jerez.___ , Introducci6n al derecho penal, Barcelona, 1975, ed.

Bosch.Navarrete, Miguel Polaino, Derecho penal, P.G., Barcelona,

1984, ed. Bosch.

___ , El bien juridico en el derecho penal, Sevilha, 1974, ed.

Univ. Sevilha.Novoa Monreal, Eduardo, Algunas reflexiones sobre el derecho

de castigar del estado, in Homenage a Hilde Kaufmann, EI

poder penal del estado, B. Aires, 1985, ed. Depalma, p. 185

ss.___ , Critica y desmistificacion del derecho, B. Aires, 1985,

ed. Ediar.

Ordeig, E. Gimbemat, Estudios de derecho penal, Madri,

1976, ed. Civitas.

Ost, Francois e Kerchove, Michel van der, Jalons pour une

theorie critique du droit , Bruxelas, 1987, ed. Un. Saint-

Louis.

Pasukanis, Eugeni B., teoria general del derecho y marxismo, trad.

Virgilio 'Zapatero, Barcelona, 1976, ed. Labor.

Pavarini, Massimo, Control y dominacion, trad. IMuiiagorri,

Mexico, 1983, ed. Siglo XXI.

Pefia Cabrera, Raul, Bien juridico y relaciones sociales de pro-

duccion, in Debate Penal, n~ 2, Lima, 1982, p. 133 ss.

Perez, 'Luis Carlos, Derecho penal,Bogota, 1987, ed. Temis.

Peris Riera, Jaime Miguel, El proceso despenalizador, Valencia,

1983, ed. Un. de Valencia.

Petrocelli, Biagio, Saggi di diritto penale, 2~serie, Padua, 1965, .

ed. Cedam.

Pontes de Miranda, Comenuirios a Constituiciio de 1967, S.Paulo, 1971, ed. RT.

---, Comentarios ao c6digo de processo civil, Rio, 1974,

ed. Forense, tI.

Poulantzas, Nicos, EI examen marxista del estado y del derecho

actualesy la cuestion de Ia "altemativa", in Marx - el

derecho y el estd~, trad. J.R. Capella, Barcelona, 1979, ed.

Oikos-tau, p. 79 ss.

--. -, 0estado, 0poder e 0 socialismo, trad. R. Lima, Rio,

1980, ed. Graal.

Puigarnau, Jaime M. Mans, Logica para juristas, Barcelona,

1969, ed. Bosch.

Pulitano, Domenico, Politica criminale, in Diritto penale in

trasformazione, Milao, 1985, ed. Giuffre, p. 1 ss.

Quinney, Richard, 0controle do crime na sociedade capitalista:

uma filosofia crftica da ordem legal, in Taylor, Walton e

Young (org.), Criminologia critica, trad. J. Cirino dos San-

tos e S. Tancredo, Rio, 1980, ed. Graal,

Quintero Olivares, Gonzalo, Introduccion al derecho penal,

Barcelona, 1981, ed. Barcanova.

Radbruch, Gustav, Filosofia do direito, trad. L.Cabral de Mon-

cada, Coimbra, 1961, ed. A. Amado, 2 vols.

---, La naturaleza de la cosa· como forma juridica del

pensamiento, trad. E.G. Valdes, Cordoba, 1963, ed. Un.

Cordoba ..

---, Leyes que no son derecho y derecho por encima de lasleyes, trad. Rodriguez Panagua, in Derecho injusto y dere-

cho nula, Madri, 1971, ed. Aguilar.

Raffo, Julio c., Introduciio ao conhecimento juridico, Rio,

1983, ed. Forense.

Reale, Miguel, Licoes pre liminares de direito, S. Paulo, 1973,

. ed. J. Bushatsky.

Reale Jr., Miguel, Descriminalizacao, in Rev. do Instituto dos

Advogados Brasileiros, ano VII, n? 29, p. 189 ss.

Revue Internationale de Droit Penal. n~1, 1978 (Politique Cri-

minelle et Droit Penal).

---, Toulouse, 1988, ed. Eres, v . 59, n?s 1-2.Rocco, Arturo, El problema y elmetoda de la ciencia del derecha

penal, trad. R. Naranjo Vallejo, Bogota, 1978, ed. Temis,

---, L'oggetto del reato, Roma, 1932, ed. Foro Italiano.

Rodrigues, Anabela Miranda, Reinsercao social - para uma

definicao do conceito, in Revista de Direito Penal e Crimi-

132133

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 68/69

nologia (RDP) n~ 34, Rio, 1982, edrForense, pp. 24 ss.

Rosa del Olmo, America Latina y su criminologia, Mexico,

1981, ed. Siglo XXI. .

Ross, Alf, On guilt, responsability and punishment, Londres,

1975, ed. Stevens & Sons.

Rosset, Clement, 0 principia da crueldade, trad. J.T. Brum,

Rio, 1989, ed. Rocco.

Roxin, Claus, Culpabilidad y prevencion en derecho penal, trad,

Munoz Conde, Madri, 1981, ed. Reus.---, Iniciacion al derecho penal de hoy, trad. F. Munoz

Conde e D.M. Luzon-Pefia, Sevilha, 1981, ed. Univ. de

Sevilha.

---, Problemas basicos del derecho penal, trad. Luzon-

Pefia, Madri, 1976, ed. Reus.

Rusche, Georg, e Kirchheimer, Otto, Pena e struttura sociale,

trad. Dario Melossi e Massimo Pavarini, Bolonha, 1978, ed.

.n Mulino.

Sanchez Vasquez, Adolfo, Etica, trad. Joao Dell'Anna, Rio,

1970, ed, Civilizacao Brasileira,

Sandoval Huertas, Emiro, Las funciones no dec1aradas de laprivaci6n .de Ia Iibertad, in Rev. del Colegio de Abogados

Penalistas del Valle, Cali, 1981, p. 41 ss.

Sanguinetti, Horacia, Curso de derecho politico, B. Aires, 1986,

ed. Astrea.

Scheerer, Sebastian, La abolicion del sistema penal: una perspec-

tiva en la criminclogia conternporanea, trad. E. Sandoval

Huertas e E. Garcia-Mendez, in Rev. DerechoPenaly Cri-

minologia, vol. VIII, n~26, Bogota, 1985, p. 203 ss.

Siniscalco, Marco, Irretroativita delle leggi in materia penale,

Miliio, 1965, ed. Giuffre.

Soler, Sebastian, Conceito e objeto do direito penal, trad. N.Batista, in RDP n? 4, Rio; 1971, ed. Borsoi, p. 30 ss,

---,Fen el derecha, B. Aires, 1956, ed. Tip. Argentina.

Stoyanovitch, Konstantin, La pensee marxista et le droit , Ven-

dome, 1974, ed. P.U.F.

Szabo, Denis, Criminologia y politica en materia criminal, trad.

F. Blanco, Mexico, 1980, ed. Siglo XXI. .

Tavares,' Juarez, Teorias do delito, S. Paulo, 1980, ed. RT.

Taylor, Ian, Walton, Paule Young, Jock, The'new criminology:

for a social theory of deviance, Nova Iorque, 1974, ed.

Harger & Row.

Thompson, Augusto.Lei penal em branco e retroatividade bene-

fica, in Rev. de Dir, Procuradoria Geral Est. Guanabara,

Rio, 1968, v, 19.Tobias Barreto, Estudos de direito, Rio, 1892, ed. Laemmert,

Toledo, Francisco de Assis, Principios basicos do direito penal,

. S. Paulo, 1986, ed. Saraiva.

Traverso, Giovanni, e Verde, Alfredo, Criminologia critica,

Padua, 1981, ed. Cedam.

Tsien Tche-Hao , Le droit chinois, Vendome, 1982, ed. P.U.F.

Vernengo, Roberto Jose, Curso de teoria general del derecho,

B. Aires, 1976, ed. Coop. DeI. y C. Sociales .

Warat, Alberto L., e Russo, Eduardo A., Interpretacion de La

ley, B. Aires, 1987, ed. Abeledo-Perrot,

Weber, Max, Economia ysociedad, trad. J. Echavarria et al.,Bogota, 1977, ed. Fondo de Cultura Economica, 2 vols.

Welzel, Hans, Derecho penal aleman, trad, J. Bustos Ramirez e

S. Yanez Peres, Santiago, 1970, ed. Juridica de Chile.

Zaffaroni, E. Raul, Las necesidades del saber penal latinoameri-

cano, inrev. Iusta, Bogota, 1987, ed. Un. Sto. Tomas, n?9,

p. 13 5 ss.

---, Manual de derecho penal, B. Aires, 1986, ed. Ediar, 5~

ed.

---, Politica criminal latinoamericana, B. Aires, 1982, ed.

Hammurabi.

--- (relator), Sistemas penales y derechos humanos en

America Latina, B. Aires, 1984, ed. Depalma.

--- (relator), Sistemas penates y derechos humanos en

America Latina - informe final, B. Aires, 1986, ed. De-

palma.

134 135

 

5/10/2018 Nilo Batista - Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/nilo-batista-introducao-critica-ao-direito-penal-brasileiro 69/69

___ , e Pirangeli, J .R., Da ten ta t iva , S. Paulo, 1988, ed. RT.

Zdravonllslav et al. , \De r echo penal sovietico, trad. N.Mora e J.

Guerrero, Bogota, 1970, ed. Temis.

Zipf', Heinz, Intraduccion a lapolitica criminal, trad. Macfas-Pi-

cavea, Madri, 1979, ed. Rev. Der. Privado.

___ , En busca de las penas perdidas, B..Aires, 1989, ed.

Ediar.