Nitheroy - Revista Brasiliense - t. 1, 01

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lWmwREVISTA BRASILIENSE.SCIENCIAS, LETTRAS. E ARTES.Todo pelo Brasil, para o Bras.

Como flrittmro.

Jparis.S A U V I N ET rOPJTAINE , LIBRATRES ,PASSAGE DES PANORAMAS, S 3 5 ,

1836.

@9S

PARIS. I M P R I M E R I E DE B E A U L E E T l!i,io du Monceft Saint-Gervais, 8.

JUBTN,

AO LEITOR.

O amor do paiz, e o desejo de ser til aos seus concidados foram os nicos incenlivos, que determinaram os auctores desta obra a uma empresa q u e , exceptuando a pouca gloria, que caberlhes pode, nenhum outro proveito lhes funde. Ha muito reconheciam elles a necessidade de uma obra peridica, que, desviando a atteno publica, sempre vida de novidades, das dirias e habituaes discusses sobre cousas de pouca utilidade, e o que mais, de questes sobre a vida privada dos cidados , os acostumasse a reflectir sobre objectos do bem coramura , e de gloria da ptria. Tal o fim a que se propem os auctores desta Revista, reunindo todas as suas foras para apresentar em-um limitado espao concideraes sobre todas as matrias, que devem merecer a seria atteno do Brasilieiro amigo da gloria nacional. As obras volumosas e especiaes s altrahem a atteno de alguns homens exclusivos, que de todo se dedicam s sciencias, aquelles, porm, que por

sua posio no podem sacrificar o tempo a longa meditao, folgam , quando em um pequeno livro, contendo nooens variadas e precisas , encontram um manancial, que lhes economisa o trabalho de endagaoens, e o enojo de um longo estudo, colhendo n r a a hora o resultado de um anno de fadigas. A economia poltica, to necessria ao bem materna , progresso riqueza das naes, occupar As Scienj importante lugar na Revista Rrasiliense.

cias, a Litieratura nacional e as Artes que vivificam a intelligencia, animam a industria, e enchem de gloria e de orgulho os povos, que as cultivam, no sero de nenhum modo negligenciadas. E d e s t ' a r t e r desenvolvendo-se o amor ea sympathia geral para tudo que Justo, sancto. bello e til, veremos a' ptria marchar na estrada luminosa da civilisao, e tocar ao ponto de grandeza, que a Providencia lhe destina.

sfW

^btrcmomia.DOS COMETAS.

Si as deliciosas regies d'Asia estavam destinadas a serem os primeiros observatrios, e a servirem de bero ao conhecimento dos astros, a America parece dever verificar mais de uma lei astronmica. L a , frtil a imaginao, os horizontes vastos, o co descoberto e p , i ; a temperatura convida seus babitantes a respirarem o ar livre da noile, e admirarem a magnificncia da natureza. Alli campinas serpenteadas de argentinas agoas, cercadas de montanhas que interceptam da lua a langida e branquejante luz, projectando sobre a plancie suas movidias sombras, offerecem o mais pictoresco quadro, aos olhos mais indiferentes, e os accustumam observao. Quantas vezes porm, no meio do gozo encantador de tal prespectiva, a execuo de uma das leis physicas no incutio o terror? Quantas vezes, o que de-

.1D1 U U i t O i V J U .

via manifestar as ma ravilhas da creao, ea grandeza do Creador no passou nas mentes atterradas por indicio de sua clera? E pois do exame de uma parte d'estes phenomenos , que nos occuparemos n este artigo, isto dos cometas.DOS COMETAS,POT. COMETA.

O (JUI! SE INTENDE

Cometa >. segunda a etymologia da palavra, quer dizer estreita cornada. Elle divide-se geralmente em trs parles, segundo a gradao de sua luz, e a frma de cada uma d'estas mesmas partes : assim o ponto, mais ou menos brilhante, que se v no centro do cometa , chama-se ncleo : Anebulosidade, espcie de arola luminosa, que cerca o ncleo de todas as partes , tem o nome de raios do cometa : Os rastilhos lcidos de differenle comprimento, que accompanham a maior parte dos cometas, quelquer que seja a sua situao relativemente ao caminho seguido pelo astro, denominam-se hoje caudas. A nebulosidade e o ncleo reunidos constituem a cabea do cometa. Os antigos appellidavam cometa, todo astro cornado, que variava de posio, e que atravesava diversas constellaes. Os astrnomos modernos conservam, apesar da etymologia, esta denominao aos astros sem cauda e sem raios, logoque elles preenchem as condies seguintes : I o serem dotados de um movimento prprio'*; 2percorrerem, curvas excessivamente;f"i;j,r, coma.

Helalivumente au mmemcnto apparcnic da splicra celeslu.

DOS COMETAS.

!)

allongadas, isto , transportarem-se a taes distancias da terra, que deixem de ser visveis. O movimento prprio distingue os cometas d'essas estrellas, de que faz meno a historia d'astronomia, que, depois de terem apparecido repentinamente em certas constellaes, perdiam a sua luz, e desappareciam : suas orbitas allongadas estabelecem a linha de demaro entre elles e os planetas DA CONSTITUIO PHYSICA DOS COMETAS.DO NCLEO.

Os cometas possuem muitas vezes ncleos baslantemente similhantes aos planetas; geralmente elles so pequenos , porm alguns ha , onde o contrario tem sido observado; assim o ncleo do afamado cometa de 1811 era de 2,178,000 toesas. Pertendem alguns astrnomos, que os ncleos cometarios ainda os mais assimilhados aos planetas pela vivacidade de sua luz , gozam de completa deaphaneidade, em uma palavra, que os cometas no passam de simples agglomeraes de vapores. Examinemos os argumentos pr e contra esta opinio. Em 23 de outubro de 1774 vio, Montaigne, em Limoges, umaestrellada 6 a ordem atravs do ncleo de um pequeno cometa. Esta observao provaria, que este astro no continha parte nenhuma solida , si a estrella fosse vista atravs do meio do ncleo; mas, qualquer que seja o motivo , o observador no accusa esta circunstancia.1 rU 8 igulava a Jpiter, e alguns dias depois s era in" ferior Venus. Em princpios do mez seguinte os raios solares no encobriam sua existncia, e no mez de maio era elle visvel a uma hora da tarde.

n O S COMETAS.

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Da comparao d'esles astros com os cometas ob servados nos ltimos 5o annos, o astrnomo francez julga natural a existncia de trs classes de cometas : cometas sem ncleos e constando d'uma matria vaporosa ligeiramente condensada em seu centro; cometas nos quaes o centro, tendo soffrido certo gro de concentrao tornou se liquido, conservando a deaphaneidade ; cometas emfim, que por um resfriamento sufficiente tomaram uma crusta solida e opaca.DA NEBULOSIDADE.

Cometas ha , e em grande numero , que so destitudos de cauda : outros existem sem apparencia de ncleo; nem um porm foi visto, depois das observaes teloscopicas, sem nebulosidade. Entre os cometas sem ncleo visvel contam-se os de 1795, de 1797, de 1798, observados por M. Olbers, e o pequeno cometa de 1804. Estes astros parecem constar de simples massas globulares de vapores ligeiramente condensadas em seu centro, e cuja maior parte tam rarefeita, e tam dephana, que a mais fraca luz a atravessa. Assim differentes astrnomos tem avistado atravs d'estes cometas estrellas de diversas grandezas. Quando os cometas so dotados de um ncleo, a poro nebulosa, que o approxima mais rarefacta, mais transparente, e menos luminosa : em certa distancia de l a sua propriedade esclarecente adquire um augmento sbito, e apartir d'este ponto vse uma espcie d annel ao redor do astro. Algumas

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-arsTiAi^wuiiiA.

vezes esle numero de annis de dous, e mesmo de trs, concentricos, e separados por intervallos, cuja luz apenas sensvel. Quando os cometas so precedidos, ou accompanhados de uma cauda, o annel compe-se unicamente cie um s semi-circulo fechado da parte do Sol. O annel do cometa do 1811 tinha a grossura de 20,000,000 de toesas ; e sua superfcie estava separada do centro do ncleo de 24,000,000 toesas. At aqui tem-se supposto a nebulosidade dos cometas como formada de uma agglomerao de gazes permanentes, e de vapores desenvolvidos do ncleo pelo aco dos raios solares. Mas, que so n'este systema, os invlucros luminoso concentricos, representados em projeco por annis. Porque motivo o ncleo excntrico, ordinariamente mais chegado ao sol, algumas vezes porm opposto a este astro? Qual o motivo d'alterao rpida et continua da luz, observada nas diffeientes partes da nebulosidade do cometa de 1835 ? Por muito tempo se pensou, que a nebulosidade dos cometasse delatava em razo de sua proximidade do Sol. Hvlius foi quem primeiro annunciou, que o dimetro da nebulosidade augmentava com a distancia ao Sol. Newton admitlio esta proposio, dando uma raso physica. Mas depois a observao do astrnomo de Danlzik caio em total esquecimento : hoje porm, pelas investigaes feitas sobre o cometa de curto periodo, a reflexo de Hvlius acha-se collocada entre as verdades mais bem estabelecidas da sciencia. Em 28 de outubro de 1828

DOS COMETAS.

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o cometa distava do Sol ires vezes mais, do que em 24 de desembro, com tudo na primeira das pochas o dimetro da nebulosidade era 25 vezes maior do que na segunda. Para explicar este phenomeno, enviou M. Valz uma memria Academia das Sciencias. Uma considerao porm torna-se indispensvel antes d'entrarmos no objeclo da memria, e a seguenle : Por muito tempo, o accrdo que existia entre o calculo e a observao sobre a marcha dos planetas , tinha determinado aos astrnomos a suppr os espaos planetrios vasios ; mas os cometas mostraram , que estes espaos eram occupados por uma substancia mui rarefeita, que se deo o nome de ether, aqual oppe uma resistncia aos corpos, que a atravessam , e si ella insensvel nos planetas, por causa de sua massa enorme. E d'este fluido, que provm a resistncia visvel, que experimentam as caudas, como em breve veremos. Isto posto , vejamos a hypothese do astrnomo de Nimes, segundo elle a matria ethrea forma ao redor do Sol uma verdadeira atmosphera, cujas camadas inferiores sa tanto mais compremidas e densas, quanto maior o numero das camadas superiores, que as sobrecarrega, como accontece 'atmosphera terresle. M. Valz imagina pois, que os cometas, peneirando estas camadas, devem experimentar uma presso proporcional a densidade d'ellas. Para ter-se uma ida clara da hypothese do astrnomo imagine-se uma bexiga cheia d'ar nas fraldas

u;

ASTRONOMIA.

de um alto monte : ella inchar de mais em mais a medida, que se fizer subi-la a differentes alturas , e mesmo rasgar-se-ha, si for elevada a uma altura sufficiente. A esta theoria seoppem uma objeco, que ns julgamos despida de fundamento. Ocerto , que ella deo as variaes do cometa de curto perodo, e do de 1818.DA CAUDA.

Pertenderam alguns astrnomos, que as caudas estavam situadas no prolongamento da linha, que vai do Sol ao cometa. Muito geral esta condio. Verdade que ordinariamente a cauda se acha situada atraz do cometa ao opposto do sol, porm to longe est, que seu eixo siga sempre o prolongamento da linha que rene os dous astros , que occasies ha , em que o perpendicularismo se manifesta. Em geral as caudas so inclinadas do lado da regio, que os cometas deixaram, como si ellas experimentassem maior resistncia , que o ncleo, nota-se mais um desvio, que cresce proporo da distancia ao ncleo. Estas differenas dedisvio, sotaes, que algumas vezes a cauda forma uma curva bem sensvel. Si realmente existe um meio resistente, as conseqncias devem ser as seguintes : a convexidade da cauda estar sempre voltada do lado para o qual marcha o comela; ora s citam-se duas excepes a esta regra, e estas mesmas no merecem toda confiana : a matria nebulosa ser mais densa, mais agglomerada mais luminosa, e milhor terminada do lado

UUS CUM111AS.

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convexo. Todas as observaes so em apoio d'este resultado. As caudas, affastando-se da cabea do cometa, allargam-se muito. Elias so de ordinrio divididas longitudinalmente por uma banda obscura, que as separa em duas partes iguaes. Para satisfazer a todas as mincias d'este phenomeno , considera-se a cauda, como um cone co, cujo envolucro tem certa grossura. Esta figura imaginada, v-se facilmente, que o raio visual, que passa rente dos bordos, atravessar maior quantidade de particulas nebulosas, que o raio, passando pelo centro. Ora, seja, que estas particulas brilhem por prpria luz, seja , queellas s reflitam a luz do Sol, seu numero total, que em cada direco , determina a intensidade da luz. No raro encontrar cometas com muitas caudas distinctas e separadas; o de 1744 tinha, no 7 et 8 de maro, 6 caudas, da largura de 4 e de 30 a 40 de compridas. Estas caudas comprehendem algumas vezes espaos immensos; a do de 1680 era de 90, a do de 1769 de 97, e a de 1618 de 104 Qual a causa, ou antes a origem d'estas caudas? Mil theorias tm apparecido e desapparecido sem nada explicar; a nica que se conserva hoje, suppe as caudas formadas das partes mais leves da nebulosidade, destacadas e transportadas ao longe pela aco dos raios solares. Esta theoria satisfaz, em quanto as caudas se acham oppostas ao Sol, mas algumas so perpendiculares, outras multiplices, formando ngulos differentes entre-si; cometas ha

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AST1UJNUM1A.

cujas caudas so voltadas para o Sol, outros em que a cauda se desvanece em poucos dias; nas caudas multiplices descobriram-se indcios de movimento de rotao extremamente rpido; em fim cometas existem , cuja nebulosidade parece ser muito rarifeita, e com tudo no tm caudas.DA LUZ.

Uma das questes importantes, que seappresenta na constituio physica dos cometas, a de saber, si elles so luminosos por si mesmo, ou si, como os planetas, elles s refletem a luz do Sol. Desgraadamente esta questo no est completamente resolvida. difficil, a primeira vista, de conceber-se como methodos ei instrumentos, que conduziram determinao do peso dos planetas, se tornem impotentes diante de uma questo to simples. Mas, quando se attende ao quanto a astronomia depende da physica, da ptica, da mecnica, ao grande tributo , que ella paga a todas as partes da mathematica, e que o astrnomo no goza das vantagens do chimico , que reproduz , quando q u e r , em seu laboratrio, todas as circunstancias dos phenomeTios, cujas leis elle procura discobrir, v-se, que muitas vezes os esforos dos observadores sero sem proveito. Em primeiro lugar os astrnomos procuraram resolver esta questo por meio das phases, infelizmente tal circunstancia seno lem appresentado at hoje, e t u d o , quanto se perlenda

IJOS COMETAS.

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allegar contra isto , no passa de interpretaes mal fundadas, inverses, ou observaes contraditas por contemporneos. Antes de expormos o segundo meio , de que lanaram mo os astrnomos, permitta-se-nos uma pequena digreo. Logoque um raio de luz ci sobre uma superfcie qualquer, parte da luz absorvida, parte dispersada, parte emfim reflectida. O raio incidente, e o raio reflectido esto no mesmo plano, e o angulo, que o raio reflectido forma com a normal, ou com a perpendicular ao ponto de incidncia igual ao que o raio de incidncia forma com a mesma linha. Ora supponhamos, que a superfcie seja polida, no metlica, e que o angulo da normal com o raio reflectido seja de 54, 35'; este raio adquire certas propriedades particulares, e chama-se raio polarisado. Este discobrimento frtil em resultados no podia ser abandonado pelos astrnomos. Com effeito, elle foi ensaiado no observatrio de Paris na cauda do cometa de 1819, a qual apresentou traos de propriedades da luz polarisada; taes ensaios feitos em 1835 sobre o cometa de Halley produziram maiores resultados; com tudo ainda no se pde concluir, que elles s brilhem por uma luz emprestada, por isso que os corpos luminosos por si mesmo, no perdem a propriedade de reflectir a luz dos outros. Uma terceira maneirajde conhecer a qualidade da luz dos cometas, consiste na avaliao da intensidade da luz. Suppondo , como se faz geralmente, que o brilho de um objecto, seja proporcional ao nu-

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ASTRONOMIA.

mero de molculas luminosas , que o vo chocar , chegaremos, pela considerao de um ponto luminoso, collocado em certas distancias do objecto esclarecido, a esta lei, que a intensidade esclarecente de um ponto diminue proporcionalmente ao quadrado da distancia. Substitua-se agora ao ponto luminoso uma superfcie luminosa : cada um dos seus pontos produzir o mesmo effeito , que o ponto isolado, de que acabamos de fallar, isto, que esta superfcie lanar diante de si uma luz, cujo enfraquecimento ser proporcional ao quadrado das distancias. Ora si em qualquer posio do caminho seguido pelos raios, se pe um anteparo, este receber uma quantidade dos ditos raios, que comparada quelhe veria de um s ponlo, ser proporcional extenso da superfcie luminosa. D'aqui ve-se, que a propriedade esclarecente de uma superfcie de uma parte em razo directa do numero des particulas . que a compem, e de outra, em razo inversa do quadrado das distancias. Supponhamos agora , que duas superfcies de idntica intensidade luminosa sejam postas atraz de dous anteparos opacos , cada uma em igual distancia do seu, e que cada um d'estes tenha n o centro um buraco redondo de uma linha de dimetro. Deixemos uma das superfcies, que chamaremos A em sua posio primitiva, e colloquemos R em differentes distancias, a intensidade da luz de B ser sempre a mesma em todas as situaes, com tanto que o buraco da observao se ache sempre cheio pelos raios luminosos. Com effeito, ns

DOS COMETAS.

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dissemos, que a intensidade da luz decrescia em razo inversa do quadrado das distancias, e augmentava com a superfcie luminosa, ora , si estas duas causas se compensam , verifica-se o que avanamos. E o que justamente acconlece. Todo mundo comprehende que as linhas divergentes partindo do olho, e passando pelas extremidades dos diamelros da abertura circular, pela qual se avista o plano B , circunscrevero sobre a superfcie luminosa intervallos rectilinios iguaes entre si, cuja estenso c proporcional distancia, que separa o observador. Assim, si as distancias so 1 , 2, 3 , e t c . , os comprimentos reaes dos dimetros dos crculos descobertos sobre a superfcie sero 1, 2 , 3 , etc. Mas pela geometria sabe-se, que as superfcies dos circulos variam em razo do quadrado de seus dimetros, segue-se, que o numero de pontos da superfcie luminosa , vistos pela abertura do anleparo nas distancias 1, 2, 3 , e t c , ser como, 1, 4 , 9 , e t c , ou como ou quadrado das distancias. V-se pois, que si por causa da divergncia cada ponto envia uma quantidade de luz, que diminue com o quadrado das dislancias, por causa d'esta mesma divergncia o numero de pontos augmenta com o quadrado das distancias. Fica portanto demonstrado, que as duas causas se compensam, e que a intensidade da luz de B , em todas as posies , a mesma Suppondo agora, que estas disposies se podem lazer nas lunetas astronmicas, como a visibilidade1

O que dizemos rlc uma supereie plana applica-se a um corpo,

?3

ASTRONOMIA.

dos cometas i>o depende do angulo debaixo do qual visto, logoque a intensidade luminosa constantemente a mesma, sino quando este angulo desce quem de certos limites , claro est, que os observadores tinham sua disposio uma maniera de conhecer, si a luz dos cometas era prpria ou emprestada. Segundo ella, todos os observadores estavam de accrdo, que os cometas s reflectiam a luz do Sol, porisso que elles deixavam de ser visveis, quando o angulo visual era assaz sensvel. Lembremo-nos porm, que em toda a demontrao conservamos implicitamente a hypothese, que a constituio physica da superfcie luminosa no mudava : infelizmente esta supposio no tem applicao nos cometas. Sem duvida, quando se pensava, que a nebulosidade dos cometas se condensava proporo que esles aslros se affastavam do Sol, longe desta hypothese destruir a concluso dos observadores, ella dava-lhe maior fora; mas hoje, que o effeito contrario demontrado, a concluso ci. Com tudo uma nova modificao nos instrumentos conduz a exactas conseqncias , com tanto que as alteraes dos astros no sejam rpidas e freqentes, o que realmente acconteceo em 1835 com o cometa de Halley, que impedio de resolver esta questo. Antes de deixarmos esta parte, appresentaremos a observao seguinte : por muito tempo julgou-se, que as cometas em suas revolues perdiam parte da matria, que os compunha. Esta theoria se tornou menos provvel pelo cometa de Halley

DOS COMETAS.

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em 1835, no qual se observou umaugmenlo depois de sua ultima appario. Collocamos aqui esta observao, por isso que os terroristas, que de tudo lanam mo, j d'isto se tinham apossado, para provar, que um dia os planetas seriam embaraados em suas revolues.NATUREZA DAS ORBITAS C O M E T R I A S ; COMETAS. ELEMENTOS DOS

Depois de Tycho-Brahe os cometas deixaram de ser olhados como meteoros formados em nossa atmosphera, e foram reconhecidos como astros circulantes ao redor do Sol, segundo leis regulares, cujas orbitas so elipses muito allongadas, nas quaes o astro do dia occupa um dos focos. 0 verticie da elipse mais visinho do Sol chama se perihelio' o autro toma o nome de aphelio. Denomina-se distanciaperihelica a distancia focai da orbita comelaria, ou o intervallo que vai do Sol ao mais prximo vrtice da elipse. Em todas as observaes, o plano, em que a terra se move, e que tem o nome de ecliptica 2 , serve de plano de comparao. Logoque o astrnomo tem reunido ires boas observaes sobre os cometas, passa a calcular os elementos parablicos, que so os seguintes : Longitude do no , isto , o arco de circulo, que vai do equinoxio de maro ao ponto emque o cometa pe1 7

rhpi, ao redor, j u n t o , rj^iog, Sol ; aphelio de oo , long-e. Assim chamada por que todos os eclipses do Sol e da Lua tm

lugar . quando a Lua se acha nos pontos emque a sua orbita encontra esse plano, ou ao menos nos pontos mui visinhos.

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ASTRONOMIA:

netra a ecliptica contado sobre a mesma ecliptica, a inclinao, ou o angulo que entre si formam o plano da orbita do cometa e a ecliptica ; estes dous elementos determinam o plano em que se move o astro; longitude doperihlio, ou o arco de circulo graduado, que vai do equinoxio de maro projeco do perihelio sobre a ecliptica , contado sobre esta mesma superfcie; este elemento fixa a situao da curva, descripta pelo cometa, em seu prprio plano; distancia perihelica, que tira toda a incerteza sobre a frma da parbola pois que o foco coincide com o centro do Sol; direco do movimento, que se indica por estas palavras directo . ou retrogrado ; directo, si caminha do occidente para oriente; retrgrado, si se dirige do oriente para o occidente. Uma pergunta naturalmente aqui appresenta-se : por que decorrendo os cometas orbitas elipticas, se calculam os elementos parablicos? a razo, que o calculo da parbola pouca causa comparativamente ao da elipse, e como a elipse e sua parbola tangente se conservam tanto maior espao unidas , quanto a elipse mais allongada, tudo o que se diz da parbola na visinhana do perihelio, se applica elipse ; e, si por acaso isto no tem lugar- prova de que a orbita do cometa se aproxima do circulo.MANEIRA DE C O N H E C E R SI O COMETA APPARECE PELA PRIMEIRA VEZ, OU SI ELLE J FOI VISTO.

O astrnomo, depois de ter calculo os elementos parablicos, recorre ao cathalogodas cometas, onde se acham inscriptos at hoje , com regularidade , os

UOS COME I A S .

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elementos de 137 d'estes astros; si com pequenas diferenas os elementos calculados so os mesmos , que os de um dos cometas registrados, o calculista concluecom toda a probabilidade, que este astro j foi visto ; si ao contrario os elementos do astro observado differem muito dos elementos da cometographia', o observador nada deve concluir , pois a iheoria nos ensina, que a orbita de um cometa pode ser notavelmente alterada passando perto de um planeta, como teremos um exemplo nos cometas peridicos.S O S C O M E T A S P E R I D I C O S 2. COMETA DE H A L L E Y .

Um cometa tendo-se mostrado em 1682, Halley calcula os elementos parablicos, depois recorrendo ao cathalogo d'esles astros, vio, que elles differiam pouco dos calculados por Repler e Longomontanus para o cometa de 1607 , e dos observados em 1531 por Apian. Desde logo a identidade dos trs astros pareceo evidente. Assim Halley aventurou-se a pronosticar o novo apparecimento do cometa nos fins de 1758 e princpios de 1759, e com elementos parablicos pouco differentes. Verificando-se esta predico, devia crear uma nova pocha na astronomia. Clairaut, para fazer desapparecer o vago em que Halley se linha legitimamente encerrado, occupa-se d'este problema difficil, e prova que o cometa seria retardado de1 2

Tp-jcpv, escrever ; xwp.vij coma. IlpioSoc, movimento circular ou de revoluo.

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ASTKOWJiVilA.

100 dias pela aco de Saturno, e d.-, _>18 pela de Jpiter. Com tudo diz este astrnomo, obrigado -, pelo tempo despresei pequenos termos, que accu-, mu lados podem dar uma differena de 30 dias em mais ou em menos1. A reappario do cometa justificou lodosos annuncios.Os elementos parablicos foram taes, quaes lhe dera Clairaut. A periodicidade estando demonstrada, era preciso calcular a data da prxima volta. Vrios calculistas emprehendem este trabalho. D'esla vez a aco perturbadora de Urnio e da Terra foi tomada em considerao, e , segundo o calculo de M. Pontecoulant filho, Jpiter avanava o cometa de 135 a , 34 ; Saturno, Urnio, e a Terra o retardavam o I o de 51 dias, 53; o 2 o , 6d, o 7; a 3% de 1 l d , 7; da perturbao total resullavam 66d, 4 de auamento na marcha do cometa, e sua chegada ao perihelio devia effectuar-se em 13 de novembro, mais ella s teve lugar a 16. Esta differena pde mui bem provir de ter M. Pontecoulant tomado por peso de Jupiter i54 do peso do Sol, quando pelas novas experincias elle de ^5 M. Rosenberg, que dava a situao do cometa no perihelio em 10 de novembro, quer que este erro provenha das aces de Venus, Marte, e Mercrio ; M. Pontecoulant diz, que as aces de Venus se compensam, e que as de Marte, e de Mercrio so nullas. Em breve veremos esta questo decidida.Elle promelteo a chegada do astro no perihelio a 4 de a b r i l , este chegou a 12 de maro, 23 dias de differena em menos.1

UOS COMETAS.

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PHENOMENOS NOTADOS N'ESTE COMETA EM 1835.

Em 15 de outubro . s sete horas da tarde, o cometa appresentava um sector, cuja luz excedia a do resto da nebulosidade. A 16 , depois da entrada do Sol, este sector tinha desparecido, e outro mostravase em posio diversa ; os raios, que o circunscrevio, formavam um angulo de 90 gros, e a intensidade de sua luz era extraordinria. A 17 este sector pouco tinha mudado de situao ; a luz porem tinha perdido de intensidade. No dia 18 o enfraquecimento da luz tinha feito rpidos progressos, em 19 e 20 o co no permeltio observar. A 21 as 61' 3/4 da tarde exestiam sobre a nebulosidade ires seclores luminosos; o menos brilhante e menor estava situado no prolongamento da cauda. A 23 os traos dos sectores eram apenas sensveis. O cometa tinha inteiramente mudado de aspecto. O ncleo at ahi to brilhante , to delineado e to bem circunscripto tornou-se de talmaneira largo e diffuso, que primeira vista no parecia o mesmo. N'este mesmo dia a regio oriental excedia muito em brilho regio opposta. M. Schwabe enviou Academia das sciencias de Paris uma memria sobre este cometa. Entre as observaes, que a recheam, encontra-se a seguinte : a nebulosidade geralmente circular offerecia uma depresso mui sensvel da parte voltada para o Sol.

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aaTiroiwmu.

Estas mudanas exteriores de frma vieram augmentar a complicao de um problema j assaz complicado.COMETA DE LEXELL.

Em junho de 1770 este cometa i observado, seus elementos calculados, e comparados com os do athalogo, dosquaes differiam muito. Lexell, depois de ter rapetido as observaes e o calculo, annuncia que este cometa descrevia a sua orbita em 5 annos e meio. A periodicidade d'este astro, que apparecia pela primeira vez, tinha sublevado objeces, que s sua reappario podia anniquilar , mas debalde foi elle esperado, o tempo passa, e o cometa no volta. Examinemos as causas, que se opposeram ao seu apparecimento nas pochas determinadas. Por que seno vio o cometa 5 annos antes de 1770? porque sua orbita era muito differente. Porque no foi elle visto depois de 1770? porque em 1776ellechegouaoperehelioao meio-dia, e antes do novo reapparecimento sua orbita foi transtornada. Lexell obteve estes resultados dos elementos do cometa, e mostrou, que o planeta perturbador era Jpiter, mas a gloria da convico estava reservada ao auctor da Mecnica celeste : assim segundo este, a orbita do cometa, antes de 1770, era de 50 annos, em 1779 ao sair da sphera d'attrao de Jpiter, elle descrevia a sua orbita, ao menos, em 20 annos. Do calculo resulta tambm, que a mnima dislancia

nOS COMETAS.

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do cometa ao Sol hoje de 262,000,000,000 de toesas, distancia exorbitante para poder ser vislo da terra. E pois uma verdade, que este cometa nos fora dado por Jpiter por Jpiter nos foi subtraindo.COMETA DE ENCKE.

Os elementos parablicos d'este astro foram calculados em 1818 por diversos astrnomos; mais Encke rev o cathalogo, acha os elementos do astro observado idnticos com os de um dos cometas de 1805, estabelece a periodicidade, d por tempo de sua revoluo 3 a s ^ , e indica tambm, que elle se mostraria em 1822. Estas promessas realisaram-se, o cometa tem continudado a apresentar-se nas pochas determinadas at 1835. Elle toma muitas vezes o nome de cometa de curto perodo.COMETA DE 1826, ALGUMAS VEZES CHAMADO COMETA DE BIELA.

Este astro foi observado em 27 de fevereiro de 1826, porM. Biela, que calcula os elementos parablicos, e que revendo a cometographia reconhece que ellej linha sido observado em 1805, e em 1772. Este astro sendo peridico, era preciso determinar a sua orbita. MM. Gambar et Clausen emprehendem este trabalho; d'elle resulta , que o tempo da revoluo de 6 a s -. Este cometa tornou a vir ao seu perihelio4

em 1832.

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ASTRONOMIA.

Tal o numero dos cometas peridicos, si seno, quer verdade substituir meras hypptheses, porque ento teramos, entre outros, o de 1680, cuja orbita se julga ser discripta em 575 annos>.KFFEITOS DOS COMETAS SOBRE A TERRA.

Si os comelas, nas distancias em que se acham , obram sobre a Terra, sua aco ou ser attractiva, ou provir dos raios luminosos e calorificos, que elles lanam ou refleclem. Si os raios calorificos tem alguma influencia , nos annos , em que os cometas se apresentam, haver augmento de temperatura. M. Arago examinou a temperatura mdia de 49 annos, em que existiram cometas, e a de 25 a sem cometas ; a primeirafoi de 10, 9 do centigrado, a segunda de 10, 4. D'esta differena, sem duvida sensivel, nenhuma concluso se tirar, quando seder atteno, que nos annos mais frios o co se acha freqentemente coberto, e por isso cometas passaro sem serem vistos. A comparao da temperatura mdia de 25 as de um s cometa, e de 24 de dous, d para a primeira 10, 9 e para a segunda 10, 8. A differena no d aqui to sensivel, mas em todo caso contraria ao que se podia suppr.i M. Olbers determinou a periodicidade de um cometa , cuja revoluo, de 72a mas qualguer que seja raza, elle no c fallado.

DOS COMETAS.ANNOS EMQUE DESCEO MfUS A TE

l2

ANNOS EMQUE MAIS 'ET.EVOTJ A TEMPERATURAAKNOS. CLNT.

PERATURA 1 .iN.ms. CK.NT.

.

1665 1709 1716 1729 1742 1747 1748 1754 1755 1767 1768 1771 1776 1783 1788 1795 1798 1820 1823 1827 1829 1830

Dous cometas brilhantes Nada de cometa. Nada de cometa. Um cometa. Dous cometas. U m cometa. Um cometa. Nada de cometa. Nada de cometa. Nada de cometa. Nada de cometa. Um cometa. Nada de cometa. Um cometa. Dous cometas. Cometa d Encke. Dous cometas. Nada de cometa. Un cometa brilhante. Treis cometas. Cometa d Encke, Dous cometas.

1705 1706 1753 1754 1775 1793 1800 1802 1803 1808 1818 822 825

33 8 35 3 35 6 35 0

1826 35 5 1827 1832 1834 1835 33 35 34 34 0 0 3 0

Nada de cometa. Um cometa. Nada de cometa. Nada de cometa. Nada de cometa. Dous cometas. Nada de cometa. Um cometa. Nada de cometa. Umcometasi Dous cometa. Trs com com o d'Encke. Quatro cometas como d'Encke. Cinco cometas com o de 6" 'j, ou de Biela. Trs cometas. Dous cometas peridicos. Dous cometas. Trs cometas, dous peridicos ; o da Halley eo d'Encke.

D'esta tboa v-se, que nada possvel concluir sobre a temperatura. Experincias. Pelas experincias feitas sobre o cometa de 1811, a luz enviada sobre a Terra, no igualava ao dcimo, da que se recebe da Lua cheia. Esta luz concentrada no foco dos maiores espelhos , ou lentes, e obrando sobre a bola ennegrecida de um thermometro de ar no produzio effeito sensivel. Com tudo por estas experincias apprecia-se ^ de gro do thermometro ordinrio. V-se pois, que, si os cometas influem sobre a Terra por meio da attraeco.i Em Paris. 2 Em Paris.

33

ASTRONOMIA.

No exame d'esta propriedade tomamos a Lua por termo de comparao. A Lua produz grandes mars no Oceano. Rigorosamente fallando, o cometa de 1811 devia occasionar mars anlogas; mas ningum as tendo observado, segue-se, que, porsuapequinez, ellas escaparam observao. Logo, como a altura da mar varia proporcionalmente intensidade da potncia attractiva , a concluso , que o resultado d'attraco do cometa sobre a Terra ser uma mui pequena parle dod'attraco da Lua. Ora os effeitos produzidos pela aco da Lua sobre a nossa atmosphera so muito duidosos , e aquelles, que mais se tm pronunciado em favor de sua existncia, os restringem a variaes barometricas entre limites muito aproximados; que se deve concluir para os cometas? O choque da Terra por um cometa uma das cousas , que tm sido apresentadas para atterrar os espiritos fracos. No ha duvida, o choque possvel, mas de nenhuma maneira provvel. Assim o calculo de probabilidades demonstra , que um cometa, que tiver o seu perihelio mais perto do Sol, do que o do nosso planeta, e que o dimetro do ncleo fr igual ao quarto do da Terra**, por uma probabilidade em favor do choque fornece 280,999,999 em contrario. Agora si se attende, ao que dissemos, traclando da constituio physica dos cometas, v-se, que para a maioria dos cometas, o numero das probabilidades oppostas ao choque tornar-se-ha pelo menos dez vezes maior.

DOS COMETAS. INFLUENCIA DOS COMETAS.

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Desde os mais remotos tempos a generalidade dos homens no vio nos cometas, sino o que lhe d ictava uma imaginao exaltada, e sem freio; um pequeno numero porem s os encarou como objecto de estudo e de reflexo. Assim em quanto os potentados d'Europa consultavam os astrologos , os Chinas passavam as noites em observao. Em 837 apresentando-se o quarto cometa inscriplo na comelographia, o chee dos Normandos o toma por signal da clera celeste, e para a aplacar, funda mosteiros; por estes e outros meios desenvolve-se a terrvel lei do celibato. Em 1456, apparecendo o cometa de Halley, o Papa Calisloll ordena precis publicas contra o cometa, e contra os Turcos, e para que no houvesse esquicimenlo manda, que, em todos os lugares, se tocassem os sinos, na passagem do Sol pelos respectivos meridianos >-; dah data o custume de tocar meio-dia. A estes e outros factos seguiram-se as memrias de Sydenham , as dissertaes de Lubienietski, e de muitos outros. Em 1818 o Magazine narrando os grandes feitos do cometa de 18 J1 acaba o seu artigo*

por estas palavras o que ha de muito notvel, que na metrpole, e em seus soburbios nasceram muitos gemios, e a mulher de um sapateiro de* Apalavra Astronomia composta de Atrajp a s t r o , v^of lei ; Astro-, logia de ACJTVP , astro , Xoyo , discurso. Astrologia dissigna hoje uma reunio de idas supersticiosas, com aqual se perlende ler nos astros os acconlecimentos, que devem ler lugar na superfcie da terra. 2 Meridies, meiodia. 3

U

ASTRONOMIA.

Whitechapel teve 4 filhos de um s parto . V-se pois, que o bello sexo no est livre da influencia dos cometas , ainda mesmo nas altas funces da maternidade. Em 1829 M. Forster publica uma obra sobre este objecto, segundo ella, com mui pouca differena, tudo quanto mo, obra dos cometas; ns deixamos de parte a peste, a fcme, a guerra, as tempestades, etc., etc.; dous exemplos menos fatigosos nos mostraro at onde chega a influencia dada a estes astros : Em 1746 os gatos Westphalia adoecem, a causa um cometa, que existe no horizonte ; n'America uma grande quantidade de pombas apparece no inverno, a razo , que um segundo cometa est submettido s observaes. Si ns tencionassemos responder a estas exageraes, comearamos por perguntar ao auctor; que males causou o mais notvel dos cometas modernos, e um dos que mais se aproximou da terra , isto , o cometa de 1680 ? qual a causa da grande, e extensa tempestade de 1833, pois n'esse anno no appareceo nenhum cometa? mas responder seria dar peso a extravagncias. Quanto a ns os effeitos dos cometas sero superiores aos dos planetas n'isto, que elles nos faro melhor conhecer os espaos celestes, abriro novo e vasto campo ao gnio, avanaro as sciencias, e fornecero sublimes imagens poesia.C. M. D'AZEREDO COUTINHO.1

Opira , en termino.

CONSLDERAOENS ECONMICASSOBRE

A ESCRAVATURA.Quando vieram os christos do sculo XVI estabelecer-se naAmerica, aonde deviam semear os germes da vindoura civilisao, e associar os destinos do novo aos do antigo hemispherio, assignalaram sua presena por todas as calamidades, e horrores, de cuja comitiva andava a conquista n'aquellas eras constantemente ladeada : por extranho jogo das cou sas humanas teve o gnio do mal larga parte em um movimento to rico de futuro, de potncia, e de civilisao. De principio at causaram um mal lanlo mais terrvel, quo grande era a obra, que as leis providenciaes do universo os incumbiam de levar effeito, e quanto insupervel o antagonismo, que ia de per meio entre o fim e mira da conquista , e a paixo indomvel de independncia individual, que caracterisava os filhos do deserto. A par de espoliar osaborigenas, ainda os exterminaram, como vissem, que nada d'elles podiam obter, por que errados sempre resistiam assentar morada, onde podesse prender o grilho da dependncia. Lanados pelo tanto no seio da solido de uma terra, aqum o exlerminio Indiano no tornava espontaneamenle productiva , e fallecendo-Ihes a facilidade de reci u-

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CONSIDERAOENS ECONn

,:. kb

tar-se no mae-patria, nenhum ou - recurso julga> ram mais apropositado para explorar seu immenso territrio, e arrancar ouro das entranhas das minas, do que o de ir buscar escravos em frica , essa terra povoada com a raa amaldioada de Cham, para com quem levados de religiosos pr-conceitos no cuidavam haver mister de respeito algum. Sem conscincia da alta misso, cujos ulteriores resultados longe estavam de prever, apressaram-se a transportar para o solo virgem do continente americano o elemento do trabalho por braos escravos, chaga ro dora da antiga civilisao. P- SL"!1?- " V A " I CJ A A .

6t)

de Carolina do Sul em 1790 ; constava a do primeiro de 96,740 habitantes, e a do segundo de 141,979. Na segunda epocha, que tomamos por termo de comparao, Maine continha 399,955 habitantes, e Carolina do Sul 265,784Si este mesmo parallelo applicarmos a todos os Estados do Sul e do Norte, alcanaremos sempre uma resulta idntica, que acabamos deassignalar Mas qual a causa d'este effeito?-Por que mecanismo pode a escravatura empecer o livre desenvolvimento da populao? Para sua soluo, esta questo ha mister . que remontemos s leis geraes , queregem o augmento, e adiminuiodapopulao. A raa humana encerra em si grande tendncia reproduco, e uma prodigiosa fora prolfica. Meltendo em linha de conta os casos de celibato, viuvagem , esterilidade, morte de fetos, e outros accidentes, tem-se calculado (termo mdio) seis filhos para cada famlia, como uma possibilidade incontestvel , e um dado innegavel , podendo-se por isso affirmar, que si por ventura as circunstancias exteriores marchassem em harmonia com as disposies physicas do homem, em curto tracto de tempo se multiplicaria a populao de cada paiz, em 10, 15, 2 1 , ou 25 annos, pouco importa. Mas quaes so as resistncias exteriores, que atalham este rpido desenvolvimento da espcie humana? Os limites dos meios de subsistncia. A populao nume' Veja-se respeito da populao nos Eslados-Unidos as tabellas slalislicas inseria sna obra de M. de Baumonl, Marre, ou l'Esc lar age aux Etals-tJnis. 1om. 11, pag. 2 5 1 .

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CONSlDERAOETS ECONOrH,: . ,

rica de cada paiz est invencivelmente subordinada quantidade dos productos necessrios para satisfazer-! he as precises. Indifferente para o que afirmamos, o saber, si exacta, ou no, a famosa theoria Maithusiana na parte , em que pretende, que a populao se multiplica em progresso geomtrica , como 2 , 4 , 8, e as subsistencias em progresso arithimetica, como 1 , 2 , 3 , etc. O que anda fora de toda discusso, que a produco das riquezas constitue a medida da populao, ou que a segunda se multiplica na razo da primeira. Si infinitas fossem as subsistencias em um paiz , ningem poderia calcular o ponto , em que cessaria de realisar-se o accrescimo virtual da populao : a multiplicao infinita dos productos multiplicaria infinitamenle os consumidores d'esses productos. Mas esta hypothesis um brinco da imaginao : os meios de subsistncia so pela natureza das cousas limitados, e a somma de obstculos, que offerecem populao, como o quadrado da rapidez, com que esta tende a crescer, de sorte que as resistncias ao seu augmento obram realmente como aquellas, que ao movimento dos corpos oppem os meios, que elles atravessam. Todas as outras causas, que na opinio popular parecem ter decidida influencia sobre a populao , no a tem realmente. A peste , as epidemias, as guerras, os desastres sociaes sobre ella exercem uma aco imperceptvel, insignificante, por que a virtude prolfica da espcie humana tende com rapidez admirvel a encher os vasios feitos por aquellas calamidades , at que o numero dos

SOBRE A ESCRAVATURA.

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recrutas toque as balisas postas pelos meios de subsistncia. Assim tem-se visto (e a este respeito numerosos so os exemplos) populaes estacionarias decimadas por epidemias horrorosamente mortferas a ponto de ceifar o quinto dos habitantes do paiz, multiplicar-se em progresso geomtrica, uma vez cessada a epidemia, e reparar em curto praso as perdas soffridas, mas conservar se estacionarias como d'antes, logo que este resultado teve logar isto , logo que entre a produco do paiz, e o numero dos habitantes restabeleceo-se o equilbrio. D'outra parle longa serie de observaes tem feito vr. que os estimulantes artifciaes empregados com o fim de avultar a populao, como hospitaes, casas de engeitados, instituies hygienicas, prmios pecunirios para casamentos, no surtem o desejado effeito. Alguns d'estes meios produzem, sim , o precioso beneficio de melhorar a condio das sociedades . prolongando o termo mdio da vida dos habitantes : elles so vantajosos neste sentido, que conservam a populao no numero exigido pelo principio inexorvel das subsistencias, por uma mais longa durao media da vida, e no por renovamentos mais freqentes : mais vai que um logar no mundo seja occupado durante 46 annos por um s indivduo, do que successivamente por dous, cada um dos quaes viva 23 annos. Quanlo porm quantidade absoluta dos habitantes , elles a no augmentam de um s homem. Ora d'estes princpios, que pela natureza circunscripta deste artigo somos obrigados a apresentar de uma maneira geral, edcspida de provas, resulta, que

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CONSIDERAOENS ECOKO*- .' i

o meio nico, em que um paiz de forme espcie do governo ) cortam a arvore pelo p para colhel-a. Ora mormente em matria de finanas, que cumpre evitar aquelle singular processo dos selvagens da Louisiana, dado que por elle seja to asinha obtido o appetecido effeito. Ao expediente commodo, fcil, mas ruinoso das dividas ante-por pois todo o governo esclarecido o recurso laborioso dos impostos. Bem que adversrios dos emprstimos, no queremos todavia concluir, que seja bom o proscrevelosem todos os casos. No, sem duvida, e demasiadamente absoluta pareceria tal concluso. Algumas vezes um governo novo, cuja auctoridade assaltada pelas vagas irritadas dos partidos polticos, pde deparar vantagens em associar aos seus interesses, pelo lao das dividas publicas, uma numerosa classe de cidados. O emprstimo pde ento ser til como meio poltico. Idntica a concluso no caso raro, em que as necessidades publicas ultrapassando toda a medida , o imposto levado uma taxa excessiva, destrusse a massa dos capites j empenhados na produo. Neste caso so os emprstimos um engenhoso meio de substituir o credito publico ao credito varivel, e muitas vezes desfallecido dos particulares. Sobre este ponto no podemos parlil har a opinio do grande mestre David Ricardo , o qual quizera, que quando

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REFLEXOENS

mesmo no bastam as rendas dos contribuintes para satisfazer aos impostos, fossem os particulares, e lo o Estado, quem os emprstimos contrahisse. Este plano por elle desenvolvido no artigo Funding -ystem da Encyclopdia Britannica seria , qui, o melhor, si possvel fosse a sua execuo ; mas supoe um desenvolvimento de credito, de que paiz dgum do mundo no tem at hoje offerecido o jxemplo. Mais vale pois, na hypothesis de Ricardo, 't at os novos progressos das sociedades, que venha > Estado inter-por-se entre o contribuinte, e o emarestador. Ajuda destes preliminares examinemos a douc;rina do Relatrio do Ministrio da Fazenda na parte relativa aos effeitos, que os emprstimos surtem. Venhum exame de princpios ocioso em economia poltica, por que de sua applicao mana immebalamente o bem, ou o mal do paiz; e neste ponto bffere ella de certas outras sciencias. Os erros celebres de Descartes , e de Tico-Brahe sobre o systema le mundo nenhum transtorno causaram s socieldes, e nem ordem physica : sem aguardar o desmentido delles, continuaram os corpos celestes a mover-se segundo leis no susceptveis de ser modificadas pela influencia das humanas theorias. Outro :anto porm no acontece em economia poltica; verdadeira calamidade o domnio de um mo principio, sobre tudo quando proclamado por aquelles, pje governam as sociedades , e quando no lhe falta por conseqncia o appoio do poder legal para ser levado a effeito. Citemos textualmente o capitulo Io Relatrio.

SOBRE O CREDITO PUBLICO.

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No se diga, que os emprstimos em paiz ex trangeiro, com tanto que obtidos a condios mais favorveis, so preferveis aos feitos no pro prio paiz, quando taes condies so um pouco mais onerosas : no primeiro caso os interesses re sultantes dos capites emprestados, isto , osju ros, e amortisao, que o paiz devedor obrigado a pagar, so irrimissivelmente tirados da circula) co nacional, desfallecendo por conseqncia a > massa de sua riqueza geral; entretanto que no se gundo os mesmos, oumaioresinteresses revertendo em beneficio dos capitalistas nacionaes, ou estran geiros residentes no paiz, alem de no sacrificarem o governo depresso dos cmbios, no s no diminuem a massa dos valores em circulao, mas antes animam grandemente esta, e habilitam a Nao, e por conseqncia o governo, para em casos urgentes fazer face qualquer despesa ex traordinaria com todos os recursos, de queopro prio paiz susceptvel. Neste conceito dos effeitos dos emprstimos internos, e no seu parallelo com os estrangeiros ressumbra em verdade a mais estranha confuso de idias; elles so a repetio dos erros d'aquella escola, que presume , que as dividas contrahidas no prprio paiz so dividas da mo direita para a esquerda ; a economia poltica qual a entendia Voltaire, e a Encyclopedia, e que a ningum hoje fcil vr reprodusida, sem cair das nuvens. Uma nao, que s si mesmo deve, augmenla os seus recursos, em vez de empobrecer-se; o mal proveniente das divi-

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REFLEXOENS

das reduz-se unicamente, que os interesses dos capites, e o producto da amortisao saiem do paiz, eis a derradeira palavra da douctrina do Relatoiro. Si verdadeira fosse similhante douctrina, o Estado deveria continuar a marchar na vereda encetada dos emprstimos internos, pela razo que deve ser abraado tudo quanto se apresenta como bom, til, e verdadeiro. Mas ella est longe de o ser. Um fabricante, no interesse de sua industria, contrahe um emprstimo; emprega o producto delle em materiaes do seu fabrio, e nos salrios do obreiro : estes capites assim empregados so consummidos, por que tal o destino de todos os capites, mas no momento mesmo do seu consummo um novo valor se fixa sobre as matrias fabricadas, valor, que representa todos os valores destrudos, de modo que na industria os capites se perpetuam pela reproduco, re-apparecendo, depois de consummidos , sob novas formas : consummo productivo o nome official deste phenomeno. Os governos so productores de productos immateriaes; elles produzem a paz, a ordem interior, escoram a aco das leis, defendem a dignidade do paiz, e t c , e t c ; mas pela prpria natureza de sua misso no produzem directamente a riqueza material. Quando um governo dos capitalistas recebe os capites emprestados, elle os deslre por suas despesas, semque seja esta destruio acompanhada de um resultado ulterior anlogo ao do consummo do fabricante, ou em outros termos, os capites no se reproduzem no re-apparecm debaixo de outras

SOBRE O CREDITO PUBLICO.

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formas, so pelo contrario irrimissivelmente tirados do paiz, aniquilados no sentido rigoroso da expresso , ou consummidos improductivamente. O fabricante, depois do consummo productivo dos capites emprestados , acha-se mais rico : o Estado, depois do consummo pelo governo feito, achase mais pobre. Si 20 mil contos, por supposio, monta o emprstimo, de um igual valor desfalca-se a riqueza geral. Per si mesmo claro, evidente este ultimo effeito , e nem pareceria poder prestar azo falsas illuses; elle commum todos os gneros de emprstimos, quer internos, quer externos, a diversidade de origem do emprestador no lhe muda a natureza. Entretanto affirma o Relatrio , que no caso dos emprstimos internos os j u r o s , e amortisao revertendo em beneficio dos capitalistas nacionaes, no diminuda a massa dos valores em circulao. Antes de contrahido um emprstimo, duas riquezas existiam na sociedade, os fundos productivos do contribuinte, easeconomias do futuro emprestador : depois de concludo, s uma remanesce, a do contribuinte, aniquilada foi a do emprestador. A amortiso no gera riquezas, similhana de uma manufactura, ou de uma fazenda. Com as rendas tiradas ao contribuinte pelo imposto, a caixa da amortisao resgata successivamente, segundoo valorda praa, os ttulos da divida , ou as aplices , fortificando-se nesta operao com os interesses destinados s sommas remidas. Para libertar o paiz de suas devidas , os governos nada mais fazem do que passar uma nova

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REFLEXOEINS

riqueza das mos dos contribuintes para as dos credores do Estado; ha nisto simples deslocao de uma mesma riqueza de um para outro lado. Quanto porm aos primeiros capites consummidos pelas despezas, esses a amortisao no ressuscita; elles no voltam mais para o paiz, e nem para parte alguma. Ainda uma vez, transportemo-nos pelo pensamente ao futuro, e colloquemonos n'aquelle ponto do tempo, em que o Estado extingue a ultima poro das dividas; ento dahi vemos restituido aos actuaes credores todo o principal do emprstimo. Mas esta restituio restabelece por ventura no paiz a quantidade de valores, que alli deveriam existir, caso os emprstimos internos no houvessem tido logar? O Relatrio o affirma; mas levanta-se contra similhante concluso o tribunal humilde da simples arithmetica. Dous gneros de valores, e no u m , deveriam existir na circulao nacional, no caso supposto : I o as novas riquezas nascidas da terra, do trabalho, e do capital do contribuinte, que mediante o imposto, e as operaes da amortizao, serviram de pagamento aos pblicos credores ; 2 o a somma dos capites emprestados , e destrudos. Assim , bem que do paiz no saia o producto da amortisao nos emprstimos internos, a riqueza geral desfallece, precisamente como si a saida tivesse logar, e a massa dos valores em circulao diminuese de uma quantidade igual cifra dos capites emprestados. Consideremos agora a questo pelo lado dos benefcios, que realisam os capitalistas nacionaes

SOBRE O CREDITO PUBLICO.

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com o pagamento da amortisao (para servir nos da palavra do Relatrio), e notemos de passagem a confuzo de amortisao com os interesses do emprstimo; sem duvida uma caixa de amortisao alem dos fundos de que dotada, engrossa-se em sua marcha com os interesses das aplices j resgatadas , mas esta engenhosa operao, que resulta da aco dos interesses compostos, no propriamente um beneficio para os credores, mas sim para o thesouro, que em mais curto prazo, e com menor quantidade de fundos resgata a divida publica. Si entre o capital, que o governo recebeo do capitalista no momento de emittir as suas aplices, e os valores, com que mais tarde as resgata, houvesse relao de perfeita igualdade, o capitalista nenhum benefecio colheria do pagamento da amortisao. Sendo idntico o valor da compra, e da venda no haveria nisto perda, nem ganho, como no ha em uma restituio pura, e simples. Mas de outro modo vo ordinariamente ascousas. No procedem os governos da mesma maneira, que os particulares em seus emprstimos. Entretanto que estes ltimos pedem emprestado um certo capital, e depois do a preferencia aquelles emprestadores, que o menor interesse requerem, os governos pelo contrario principiam por fixar a taxa do interesse, e reconhecendo-se depois devedores do capital, que aquelle interesse suppe, tratam com os capitalistas, que pelo interesse offerecido offerecem a somma a mais forte. Nos emprstimos ordinrios, o interesse o movei; nos emprstimos dos governos,7

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REFLEXO

S

o capital pelos emprestadores fornecido. Dahi resulta, que quando a taxa do interesse offerecido pelos governos no corresponde taxa real do interesse , o capital nominal differe do capital emprestado, e por-conseqncia o futuro promette aos emprestadores um aceressimo de capital, caso o interesse venha a baixar. Em geral com effeito a tendncia do interesse para a baixa. A mor parte dos emprstimos contrahe-se durante a guerra , ou nas circunstancias difficeis do Estado; quando volve a paz, ou a prosperidade , com ellas renasce a confiana , e pelo repouzo ganha foras o credilo do governo. Ora ento, que comeam a realisar-se para os capitalistas credores do Estado os principaes benefcios , acompanhados, apressemo-nos a ajuntar, de uma perda equivalente para o thesouro , e o paiz. O governo suecessivamente vendedor, e comprador. vendedor, quando emitte as aplices, e em troco recebe os fundos do capitalista : comprador, quando empregando os fundos da amortisao, d capites em troco das rendas. Em ambos os casos, obra elle sempre do modo o mais desavantajoso aquella dupla qualidade: como vendedor vende preo vil as aplices, por isso que o capital no podia ainda subir no critico momento da emisso; e como comprador chega em epochas progressivamente mais desfavorveis, resgatando medida, que a renda se approxima do par : assim, por exemplo , si G6 vendeo as rendas, e amortisa 80 , d 14 mais do que recebeo. Diametralmente opposla aposio do emprestador ; o que o thesouro perde,

suiitUi O CREDITO PUBLICO.

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redunda em ganho seu ; as desvantagens, que vexam o paiz, so a base das fortunas rpidas dos emprestadores. No ponto, em que estamos, de uma maneira sensvel discortinamos o engano do relatrio. Os benefcios dos capitalistas, por mais brilhantes que sejam, no enchem de um s tomo o vasio feito na circulao pela destruio dos capites emprestados, por que so contrabalanados por uma perda correspondentedo contribuinte, cuja riqueza passa, mediante o imposto, para a algibeira do credor publico. Os nicos benefcios, que augmentam a massa da riqueza geral, so aquelles, em que todo o mundo ganha, e ningum perde. O negociante, que a l compra ao agricultor para vendei-a ao fabricante de panos, no tira os seus lucros de uma perda equivalente soffrida pelo agricultor, e o fabricante. Elle fixa sobre a l uma nova utilidade, um novo valor, produz uma nova riqueza, pondo aquella mercadoria ao alcance do fabricante, que o embola do excedende do valor ; eis a origem de seus benefcios. O fabricante pela sua vez, pelas successivas transformaes que imprime matria primeira, accrescenta-lhe uma utilidade, que no tinha, ao sair das mos do negociante ; nesta nova criao de riqueza fundam-se os seus ganhos. No de outra maneira se enriquece o mercador, que l convertida em pano addiciona igualmente novo valor, facilitando asuaacquisio aoconsummidor, o qual nada perde, comprando em ultimo resultado os valores sobre elle successivamente accumulados,

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REFLEXOErMS

visto que d valor igual por valor igual. Com este gnero de benefcios nascidos da produco grada a massa dos valores sociaes; a riqueza geral compe-se do total das riquezas dos particulares. Similhante effeito no surtem os allos benefcios dos emprestadores; ha nelles uma transferencia rigorosamente steril da riqueza de uma parte para a outra; o emprestador ganha aquilo, que pe de o contribuinte , sem que brote esta dislocao outro effeito alem da perturbao nas operaes da industria. Por conseqncia os benefcios, que para os capitalistas nacionaes resultam do pagamento da amortisao, em nada impedem o effeito destruidor dos emprstimos internos , a riqueza geral diminue do mesmo modo, que si no houvessem tido logar aquelles benefcios. Passemos outra face da questo, a dos juros. Todo o capital procura um emprego, nenhum destinado uma estril ociosidade, excepto o do avaro. Raramente o emprego falta aos capites, sobretudo nos paizes novos, e pobres , onde as economias no bastam para satisfazer as necessidades da industria nascente, e onde por isso, a demanda excedendo a oferta, so os juros asss elevados. Na presena deste principio mui vulgar, a primeira idia, que ao espirito se apresenta, , que os juros , que o emprstimo d aos capitalistas, no so para estes um novo beneficio, visto que a industria lh'os d a v a , ou hVos daria, caso o emprstimo no existisse. Mas si no isto um novobeneficio para os capital istas, por outro lado um mal grave para o paiz.

SOBRE O CREDITO PUBLICO.

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Quando o juro dado ao capital pela industria , o capistalista ganha, e a riqueza geral augmenta ; quando dado pelo Governo, o capitalista ganha do mesmo modo, mas a riqueza geral diminue. No primeiro caso os capilaes serviam de fundos productivos, concorriam com a terra , e com o trabalho formao das riquezas : do producto bruto, criado por estes trez agentes da poduco o empreiteiro tira com que pagar o servio do capital, e ainda fica-lhe uma poro da nova riqueza. No segundo caso os juros so gratuitamente dados pelo contribuinte a um capital, que por destrudo no faz servio algum gerador de riqueza ; e o paiz desfalca-se dos interesses, que per si mesmo devera ello produzir, caso na industria permanescesse, e lhe coadjuvasse a aco. Em resumo; antes do emprstimo duas sortes de rendas existiam realmente , as do contribuinte, e as do futuro emprestador provenientes do servio productivo do seu capital : o emprstimo feito , s restam as do contribuinte, por que aniquilado foi o fundo, que as outras produzia. Aqui, como no resgate do capital, as rendas passam do contribuinte para o credor do Estado. Assim o pagamento dos juros, quando mesmo feito aos capitalistas nacionaes, longe de anullar os effeitos destruidores dos emprstimos , pelo contrario tambm uma origem de diminuio na substancia do paiz. Pelos emprstimos, quer internos, quer externos, a massa da riqueza geral deve decrescer annualmente de uma quantidade exactamente igual somma dos juros pagos pelo Estado.

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REFLEXOEN -

At aqui o Relatrio , nos seus encomios aos emprstimos internos, limitou-se a notar, que elles a riqueza geral, e os valores em circulao no diminuem. Mas encerrada neste limite a apologia ficaria incompleta, e nem nella encontrariam sufficiente pasto as imaginaes vidas do maravilhoso. No bastava defender a innocencia dos emprstimos da accusao de arruinar a fortuna do Estado; era tambm mister assignalar as prosperidades, que com sigo arrastam. A isto no faltou o Relatrio, deo um passo mais avante, e a mystificao financeira ficou completa. Eis aqui os bens dos emprstimos, segundo o Relatrio : elles anima?n grandemente a circulao das riquezas, e habilitam a nao para occorrer as despezas extraordinrias. De que espcie de circulao trata o Relatrio? Da dos productos da industria? Da circulao dos fundos pblicos? si da primeira, os emprstimos a affrouxam, e desanimam. Si da segunda, ento o Relatrio preconisa-nos uma circulao improductiva, estril, e no izenta de inconvenientes para a ordem, e moral publica. Na prosa do commercio, e das finanas a passagem dos productos do trabalho, ou dos titulos, que os representam, de uma mo para a outra, pelo meio da permutaao, designada com o nome de circulao. A circulao se anima, sempre, que os productos entram, e d'ella saiem rapidamente, que no levam demora no trajeto, que so destinados a correr. Esta rapidez de passagem uma das condies da fortuna da industria , e do Estado. Nos vimos em um exemplo acima empregado , que a l no

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seu curso desde o agricultor at o consummidor, que a recebeo sob a forma de pano, avultou suecessivamente de valor, resultando disso um augmento equivalente na fortuna da sociedade. Ora do interesse substancial de todos, que esta mesma operao se repita grande numero de vezes, por que a riqueza multiplicar-se-ha pelo numero das vezes , que houver sido reprodusida. Assim quando mais curto for ointervallo, que a l comprada ao agricultor pelo negociante se demorar nos depsitos deste, tanto mais depressa o negociante ter os seus fundos livres, e disponiveis para re-comear a operao, comprando de novo uma outra poro de l ao agricultor. De uma circulao activa brotam benefcios nos para os produetores, como lambem para os consummidores. As mercadorias conservando-se ligeiro prazo na circulao, os capites, que as produsiram, tornamse logo livres, des-oecupados , e menos considerveis so por isso os custos da produco. Ento os productos baixam de preo sem lesar os ganhos do produetor; e a compra d'elles absorve uma parte menor das rendas do consummidor. A actividade da circulao pois um sympthoma de vida, e de fora do corpo social. Mas quaes so as cauzas, que trazem a actividade da circulao? Todas aquellas, que augmentam a produco. A medida, que grada a actividade do trabalho, que a industria, e o commercio adquirem mor desenvolvimento, os productos mais multiplicados tendem a permutar-sc mais rapidamente; a

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REFLEXOENS

circulao deve crescer na mesma medida, que a produco. Pela mesma razo, quando a produco declina, as transaces diminuem , visto que os productos no se permulam seno com outros productos ; a circulao ento menos cheia, e mais vagarosa. Ora os emprstimos atacam a produco, como acima mostramos, destruindo-lhe um dos seus mais indispensveis agentes; elles obram pois no sentido inverso das cauzas, que animam a circulao. Depois dos emprstimos, no pode a industria produzir a mesma quantidade de productos, e nem dal-os pelo mesmo preo que d'antes, visto que pela escassez dos capites augmentaram os custos da produco, e attenta alem disso a reduco de suas rendas pelos novos impostos. O preo de todos os productos sobe , e com esta subida o consummo diminue, a sphera das transaces se restringe, o movimento dos valores se affrouxa. Ns accusaremos portanto os emprstimos de desanimar a circulao da riqueza , e de profundamente anti-economica a doutrina do Relatrio. Si por outro lado encaramos a questo sob o ponto de vista do movimento dos fundos pblicos, achamos que essa circulao improficuapara a riqueza geral. Quando um credor do Estado dos fundos pblicos retira seus capites, vendendo na praa as aplices, a situao das couzas no m u d a , a somma dos valores existente no paiz conserva-se a mesma , ha simples substituio de um credor a outro. O Jcntor da circulao dos productos da industria a

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damnifaria pelo empaie improductivo dos capites. O lentor da circulao das aplices nimguem damnifica , por que o credor continua a perceber os juros dos fundos stagnados, Com quanto o gro da circulao dos fundos pblicos no augmente, nem diminua a prosperidade do paiz, todavia de desejar que grande numero de compras se effeclue, ou que a circulao das aplices no se affrouxe; e eis aqui as razes. Quando na praa a quantidade dos pedidos de aplices sobre-excede a quantidade das offerecidas venda, os fundos sobem : do mesmo modo, quando a offerta excede a demanda, a baixa produzida. Duas causas, uma material, e outra moral decidem das propores entre a demanda, e a offerta dos fundos pblicos, e vem ser, a maior ou menor quantidade de capites existentes na praa, o maior ou menor gro de confiana, que aos capitalistas inspira a ordem de cousas do paiz. Pela subida, e pela baixa a circulao dos fundos pode pois servir grande numero de vezes de signal indicador do gro de prosperidade material, e de confiana, que no Estado se deposila. Mas do mesmo modo, que o thermometro as variaes da temperatura denumcia , sem comtudo exercer sobre ei Ias a minima influencia, da mesma maneira a circulao dos fundos mero indicador, que no reage sobre os phenomenos, que revela. Assim o Estado anhela pela rpida circulao dos fundos, no por que isso de sorte alguma lhe avulte o credito, e a fortuna, mas unicamente por que bom signal, signal muitas vezes mentiroso , quando obrando sob a influen-

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REFLEXOENS

cia de causas artiticiaes , denota o inverso do estado real das cousas. Si o mrito nico desta espcie de circulao reduz-se a assignalar uma situao, et no crial-a, por outro lado ella d aberta uma funesta especulao , a agiotagem. A esperana de ganhar muilo sem grande esforo, que desgraadamente to alto falia ao coroco de homem , encontra alimento nas alternativas da subida , e da baixa. As conseqncias desta especulao so mui conhecidas, e o seu desenvolvimento mui longe nos arrastaria. Como aos emprstimos, oSophisma no deixon deaccodir agiotagem, e dejustifical-a como necessria ao credito publico.Mas hoje verdade geralmente reconhecida , que do interesse da nao, e do governo, que sejam as suas rendas tomadas como emprego fixo pelos compradores ; ento o credito repousa sobre uma base solida, e nem o solo se agita , entretanto que quando uma parte considervel dos fundos pblicos existe nas mos dos especuladores, nada ha ahi to movedio, to varivel, to tempestuoso como o credito; o menor estremecimento o embalana, e produz uma crise ; uma massa de fundos censerva-se constantemente fluctuante, e espiando a primeira occasio para lanar-se na praa, eesmagal-a com seu peso.

Os emprstimos internos ao governo facilitam os recursos para prover s extraordinrias despesas do

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estado? A soluo affirmativa, que esta questo d o Relatrio, era uma conseqncia rigorosa do seus principiosprecedentemente esta belecidos.E com effeito, si pelos emprstimos feitos no prprio paiz a riqueza geral no desfallece, e a circulao se anima, que razo haveria , para que diminussem os recursos do governo ? Mas ns, que nos collocamos em um ponto de observao diametralmente opposto ao do Ministro , que lhe repudiamos os princpios em nome da sciencia, no podemos igualmente acceitar como verdadeiro este final effeito dos emprstimos ; e afim de o luxo evitar de uma argumentao desnecessria, bastam os princpios acima expendidos para convercer-nos deque, desfalcando a riqueza do Estado, e enfraquecendo as molas da industria , devem de necessidade os emprstimos estreitar o circulo dos recursos do governo. Estes princpios, ns o confessamos, no possuem as brilhantes apparencias do systema lisongeiro, e magnfico do Relatrio; elles no ensinam a theoria de satisfazer as grandes necessidades publicas, sem que isso nada custe fortuna do Estado. Mas provavelmente no quiz Deos, que taes milagres fos-^ sem deste mundo. Nem a potncia, nem a riqueza jorram da montanha ao golpe da vara ministerial, no ha sciencia mgica , que as produzir possa gratuitamente. A razo fria, positiva, e severa do nosso tempo cessou de crer nos prodigiosdas Fadas, e nos thesouros do Eldorado. Si os indivduos nenhum outros recursos tem , alem do trabalho, e da economia , a fortuna nacional tambm exclusivamente

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REFLEXOENS

alimentada pelos impostos , e pelos sacrifcios de todos os membos da associao. Embalde o espirito se esgota em esforos, elle encontra sempre na sua passagem o axioma incommodo , que do nada nada saie, e com elle o seu corollai io econmico, que do aniquilamento dos capites no pode a riqueza provir.

Bem que seja o emprego do credito um expediente funesto, todavia, quando o caso se apresenta, em que entre o melhodo do imposto, e o do emprstimo no ha possibilidade de escolha, em que foroso accurvar diante a lei imperiosa da necessidade, qual dos dous gneros de emprstimos ento o menos ruinoso , os feitos no paiz, ou os conlrahidos no extrangeiro ? Eis aqui posta francamente a questo , que o Relatrio suscitou. No ha principios absolutos em economia poltica , e a sua soluo varia segundo as condies diversas da situao de cada paiz. A proporo que as sociedades avanam no caminho da industria, e que as accumulaces mais numerosas se tornam , o proveito dos capilaes tende a diminuir. Tomemos a Inglaterra por exemplo. A despeito das suas dividas, a produo das riquezas , tem ido progressivamente augmentando, graas a introduco na sua industria de novas matrias, de novas maquinas, e especialmente da maquina de vapor, graas facilidade dos transportes, e das communicaes pelo grande numero de novas

~50BRE"O CREDITO PUBLICO.

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Linhas de caminhos de ferro , e de canaes , graas exteno, que neste ultimo meio sculo ho tomado as suas viagens de longo curso, e t c , etc. Pelo desenvolvimento da produco a industria vai-se fortificando com a addio dos novos capites formados pelas economias at o ponto , em que todas as empresas se acham saturadas de capites, isto , at oponto, em que tem absorvido o maximum de capital, de que so susceptveis. Mas antes de tocar este ponto a offerta comea a exceder demanda, os capites no acham facilmente emprego, e o seu interesse declina ; tal o caso, em que se acha a Inglaterra. A esta causa natural da baixa do interesse dos capites se associa uma outra artificial. Os excessivos impostos, que pesam sobre a Inglaterra, elevam o preo de todos os consumimos necessrios. Ora os consummos no podem encarecer, sem que na mesma proporo suba o salrio necessrio do obreiro; este pela sua vez no pode subir sem diminuir o proveito dos capites, por que o producto do trabalho se divide em duas partes , a do trabalhador, e a do capital; e cousa evidente que quando uma augmenta, a outra decresce. Dahi resulta, que grande parte dos capites Ingleses, no achando no paiz emprego asss lucrativo, d'elle fogem para ir alimentar a industria dos outros povos, ou soccorrer as prodigalidades dos governos estrangeiros. Nesta situao, si o governo Britannico recorresse de novo ao expediente do credito, de primeira in-

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RF.FIF.XOFNS,

tuio, que o emprstimo interno deveria ser preferido ao estrangeiro. O primeiro levaria sobre o segundo a vantagem de dar emprego a capites superabundantes, e prestes a lanar-se fora do paiz com seus proprietrios; e nem do seu consummo se poderia resentir a industria nacional, por que sufficientes fundos produclivos lhe restavam para auxiliar-lhe a aco. Todo o mal reduzia-se ao gravame do imposto addicional para amortizar a divida, e pagar-lhe os j u r o s , mal commum ao emprstimo estrangeiro. Appliquemos agora a questo ao Brasil, e veja* mos , si deve a soluo ser idntica. No Brasil, como em todas as naes novas, onde a industria comea a reluzir, as accumulaces no tem tido tempo de tornar-se numerosas , e fortes; e a somma dos capites, que circulam nos canaes da agricultura, do commercio, e das artes, ainda pouco considervel, e insuffciente para satisfazer as necessidades da produco. Innumeras empresas de uma utilidade directa, e palpitante no podem realizar-se entre ns, visto que muito alem das economias feitas anda o pedido de fundos productivos. Por que razo no abrimos vias rpidas , e commodas de communicao entre as Capites das Provncias, por que no fazemos navegveis os nossos Rios, no encurtamos as distancias das Provncias martimas pela navegao a vapor, no exploramos convenientemente as nossas riquezas mineraes, etc. etc.? Sem duvida no a carncia de capites a causa nica desle effeito, mas ella figura no primeiro

COBRE O CREDIIO-r-UBLICO.

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plano entre as principaes. Comprovado este estado de couzas, comparai os effeitos das duas espcies de emprstimos. Si o Governo do Brasil o emprstimo conclue fora do paiz, entam essa fatal destruio de capites, que acima fizemos o processo, operada sobre os fundos estrangeiros, os capites nacionaes continuam a alimentar a produco .do paiz, e deste modo deixa o governo industria os meios de aco, de que tanto necessita. O pagamento do capital sendo repartido por um grande numero de annos, feito gradualmente custa das rendas, e no do capital nacional, que fica intacto. Ora precisamente nisto est a immensa vantagem dos emprstimos externos sobre os internos, quando se trata de povos principiantes. Por meio de um o governo arruina pelas raizes a arvore da produco, e depois lhe pede os fructos, e pede poro maior que d'antes quando ella j lh'os no pode dar na mesma quantidade , pois que diminuio-se-lhe a potncia vegetativa pelo facto da ruina das raizes. Por meio dos segundos, o governo nada desfalca da arvore, e to somente lhe arranca os fructos. No percamos de vista, que ambas as espcies de emprstimos so um mal grande para a nao, por que ambas com sigo arrastram o augmento das taxas para o pagamento dos j u r o s , vexame, de que a preservaria o methodo do imposto. Mas uma menos ruinosa por conservar na industria nascente os capites , que a outra aniquila. As objeces allegadas pelo Relatrio contra os

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emprstimos externos so mais que muito notveis pela simpleza , e ingenuidade financeira, que n ellas ressumbranr. O producto do pagamento dos juros, e do capital dado aos extrangeiros , e saie irremissivelmente da circulao nacional; eis aqui segundo o Relatrio as grandes culpas deste gnero de emprstimos , de maneira que para ser elle puro de inconvenientes , e merecer plena absolvio perante o tribunal da economia poltica do Relatrio, seria mister, que os capitalistas estrangeiros dessem gratuitamente os seus capites, e nem os juros exigissem. Mas ns temos , que no necessrio grandes tractos dar intelligencia para descobrir, que si por um lado o capital pago saie do paiz, por outro lado esse mesmo capital tinha antecedentemente para ele entrado, e dispensado o governo de consummir o capital nacional. Idntica a resposta ao argumento dos j u r o s ; si por um lado os pagaes ao extrangeiro, por outro os capites Brasileiros, no tendo sido devorados pelo emprstimo, do na industria interesses equivalentes aquelles, que saiem do paiz: uma cousa se conpensa com outra, e os effeitos so iguaes.

Entretanto para pr em derrota os nossos princpios poder-se-hia dizer A riqueza do Brasil longe de retrogradar, vai em progressocom os emprstimos internos, os fundos sobem, o que denota accrescimo da massa geral dos capites, e confiana nos recursos do governo, quando o contrario devera succe-

SOBRE O CREDITO PUBLICO.

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der, caso verdadeiros fossem os princpios expendidos. Mas releva lembrar, que o principio de vida, que anima as sociedades, e as leva avante, muita fora l e m , por que deixe de triumphar de mais de um obslaculo grave. Quo numerosos no seriam os progressos, que o Brasil teria feito de mais, no ser as deslruies operadas pelos emprstimos? Afigurai-vos queos capites,eseusinteressesdissipados pelas dividas tinham sido derramados nas nossas terras, e nas impresas uleis, e vede depois, si o Brasil assim ferlilisado no seria mais rico , e mais prospero que o Brasil de hoje? Apesar das dividas, apesar da crise do papel moeda, e do cobre, apesar da submerso de grande parte dos seus fundos no horroroso golpham da costa de Guin, apesar do desanimo, da incertesa, e do terrvel scepticismo poltico, que ho al aqui irabalhado o espirito do paiz, e que devem felismente cessar com a eleio do novo Regente, cujos precedentes constituem uma bella garantia do fuluro, alfim apesar de outros obstculos, o Brasil tem marchado, por que possue uma dessas organisaes athleticas, e felizes, q u e d e todos os males triumpham.

Si as dividas nenhuns males accarretassem riqucpublica , seria um extranho desatino o procurar extinguil-as. Amortizar precisamente o contrario de pedir emprestado, e as vantagens da amortiza8

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REFLEXOENS

co se explicam pelos inconvenientes dos emprstimos. De duas sorles so os effeitos da amorlizo : de um lado ella accumula as rendas do contribuinte, reduz a divida, conduz diminuio futura dos impostos , desempenha os recursos do Estado, em uma palavra, repara os males causados pelo emprstimo , e liberta o futuro: d'outro lado, com o resgatar os fundos pblicos a amortizao tende a sustentar o valor das rendas, animando pela interveno do comprador publico os particulares timidos, e desconfiados. Alguns escriptores tem repetido, que visto ser a amortizao alimentada unicamente pelo imposto, mais til seria sociedade o renumciar a extinguir as dividas, deixando nas mos dos contribuintes uma poro maior de suas rendas , afim de empregal-as nas empresas productivas. Mas alem de que numerosa parte dos contribuintes, em vez de augmentar as economias, dilatariam os seus consummos, aquelle systema tem igualmente o inconveniente de tornar perptuos os impostos, que requer o pagamento dos juros, quando um sacrifcio temporrio pode d'elles livrar o paiz. Quando a divida augmenta, os fundos da amortizao devem augmentar com ella. Nada ha abi to razovel, como o principio da amortizao propor cional. Mas qual deve ser a proporo? Pilt estabeleceo em Inglaterra a de 1 p. 100 do capital nominal do emprstimo. Esta proporo peca evidentemente pela insufciencia.EIla confia-se em de-

SOBRE O C R E D I T O PUBLICO.

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masia no momento presente, e no calcula as extraordinrias occorrencias do porvir. E de usooapplicar-se amortizao os interesses das rendas, que ella resgata, de tal maneira, que o fundo se engrossa pelo accumulo continuo dos juros, ou pela aco dos interesses compostos.. Ao Doutor Price, famoso calculador poltico, cujos escriptos inspiraram os planos de Pitt, pertence a honra de ler sido o primeiro, que esclareceo os effeitos desta pratica salutar; mas elle no lhe comprehendeo a verdadeira natureza. Tendo sempre diante dos olhos o seu dez-reis prodigioso , que posto a interesses compostos no principio da era chrisl, devia achar-se mudado pelo decurso dos annos em um globo de ouro 500 milhes de veses mais volumoso , que o Planeta, que habitamos, c respeitvel Doutor afigurou-se, que o fundo da amortizao possua uma propriedade de crescimento maravilhoso, e que dotado da potncia de produco inchava-se por prpria virtude intrnseca. Dahi a espcie de culto, que votou amortisao, e as fervorosas recommendaces de no tocar-se nunca n'esta nova sorte de gallinha de ovos d'ouro. Outro Doutor porem mais perspicaz levantou o vo, e descobrio o segredo. Desde a publicao do excellenle livro de sir Robert Hamilton a ningum foi mais permittido o ignorar, em que consiste este prodgio, que tanlo, e tanto deslumbrou a vista4

An inquiry conccrning tlie risc and progress , lhe rcdeniplion,

and present s t a t e , and lhe menagemenl of lhe national dchl of greal Britain by Robert Hamilton.

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REFLEXOENS

de Pitt. A amortizao nada produz por si mesma; em logar de annular as rendas resgatadas, e de diminuir proporcionalmente os impostos, o Estado, para estinguir mais promptamente as dividas, mantm os impostos estabelicidos, e augmenta a dotao da amortizao com a poro, que pelo resgate torna-se livre. Do imposto, e do imposto unicamente que deriva a potncia de amortizar; ella outra origem no tem ; a amortizao, que Price collocava fora do systema geral de finanas, a elle se une pelos mais estreitos liames ; e para que surta os seus effeitos, uma condio de rigorosa necessidade; mister, que ella seja real, ou em outros termos, que provenha de um verdadeiro excedente das receitas sobre as despesas. Aos Estados acontece o mesmo que aos indivduos, que no podem diminuir as dividas, seno tanto quanto as suas rendas ultrapassam os gastos. Abrir emprstimos por um lado, e amortizar pelo outro, operao completamente falsa , e illusoria. Sempre que o Estado v-se na precizo de recorrer ao credito, de necessidade suspensa fica a aco da amortizao, seno nas formas, aos menos no facto, pela fora das circunstancias. A posteridade diffcilmente accredilar , que esta verdade to simples, e hoje to vulgar no fosse comprehendida pela alta intelligencia de Pitt. As operaes do Sinhing Fund, cuja primeira dotao em 1786 elle consagrou um milho sterl. produziram um effeito mgico sobre o espirito publico naturalmente exaltado pela anci de vrdimi-

SOBRE O CREDITO PUBLICO.

II)

nuido o peso de uma divida, que j no fim da guerra contra a emancipao politica dos Eslados-Unidos ( 1783), elevava-se em capital 233,733,000 liv. st., e em interesses 8,176,336 Com aquelle primeiro fundo no se contentou Pitt, e no mesmo anno creou um segundo com o titulo de fundo consolidado, que junto ao primeiro devia operar pelas accumulaes successivas dos dividendos das partes resgatadas, a total liquidao da divida no espao. de 36 annos. No perodo da interveno contra a Frana, o fundo amortizador tornou-se considervel, chegando a subir 17 milhes st. Entretanto a divida nacional augmenlava cada anno em progresso estupenda ; aos emprstimos succediam os emprstimos, e nem diante d'elles recuava a confiana publica fascinada pelo prestigio da amortizao , e pela propaganda de uma sceita de visionrios que assoalhavam, que o capital fictcio creado pelos emprstimos era uma verdadeira opulencia, um vasto capital disponvel, uma parte das riquezas circulantes- Os ministros de S. M. Britannica, que sempre pediam emprestado muito mais, do que resgatavam, nem por isso deixavam de vir alardear-se no Parlamento dos magnficos resultados da amortizao. O Estado, diziam elles com orgulho, ebegou a consagrar ao seu desempenho uma somma annual igual 80a parte da divida. Estas declaraes accolhia com applausos a maioria da caza dos Communs, parte d'ella por partilhar a illuzo do mo* Palilo Pebrcr, t. 11. pari. n, tabeli 2.

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REFLEXOENS

mento, e parte pela convico originada artificialmente ajuda dos meios de corrupo parlamentar aperfeioados por Walpole, e consolidados por Pitt. Mas por desgraa a cifra da divida no parava em crescer poreffeitodos novos emprstimos, quealtmentavam a amortizao, de tal sorle, que o Estado, dado que proprietrio de uma maior poro de sua divida, todavia em ultimo rezultado devia mais, do que antes. Na concluzo da paz de Paris orava a divida somma enorme de 864,822,441 liv. st. . Os successores de Pitt continuaram-lhe o systema, atque emfim em 1828 a commisso de Fazenda acabou com aquelle instrumento financeiro, comdemnando os emprstimos com amortizao. Como constantemente superior receita era a despeza,. como cumpria encher o dficitcora emprstimos, e que o descoberto compunha-se dos quatro quintos do fundo destinado amortizao, dahi resullava o expediente absurdo de pagar dividas com novas dividas mais onerosas. Mas no ponto , a que havia subido o passivo da nao, impossvel se tornava a illuzo; e a Caza dos Communs em 11 de Julho do mesme ^nno confirmou a condemnao, declarando que para o futuro consistiria a amortizao no excedente das rendas sobre as despezas. Assim desvaneceo-se , (diz Pebrer na sua Historia Financeira do Imprio Britannico ) aquelle phantasma, esperana da gerao passada, e o resultado dos votos de Pitt, assim quebrada foi essa maquina espantosa , cuja1

P;ililo Pebrer, t. 11, pari. n , tabeli 2.

SOBRE A ESCRAVATURA.

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alavanca impellida pela imaginao, e dirigida pelos desejos to ardentes e to naturaes de um povo inteiro, devia operar a extinco da divida nacional. Desde a fundao da caixa da Amortizao, a divida publica no Brasil no ha cessado de progredir pelas novas rendasemittidas para accodir extroardinarias despezas ; mas a Administrao por outro lado no tem dis-continuado ao mesmo tempo de amortizar. A fallar francamente, si persevera o Brasil em deixar-se levar das tendncias , que o empuxam para o systema do credito , no haver methodo algum de liquidao, que preserval-o possa do abismo de uma divida enorme, o que seria tanto mais de deplorar, quanto elle talvez o povo, que menos impostos paga, e a cuja pozio por conseqncia menos aggravaria o sacrifcio de novas taxas para cobrir as occorrencias sobrelevantes, sem o fatal auxilio das dividas. A amortzao o nico methodo razovel de liquidao quando os emprstimos so negociados com augmenlo de capital nominal, ou abaixo do par mas, ns o repetimos, o excedente da receita sobre a despeza condio sine qua non de successo. O Governo do Brasil resgatando as aplices com uma mo, eemitlindo novas com a outra, no embica por ventura na fico do systema de Pitt? A alliana das duas operaes repugnante, e contradictoria. Lembremo-nos, que a decepo da amortizao Britannica no tempo d'aquelle celebre Ministro no dimanava de sua primitiva, e essencial constituio, mas sim de dissimular os dficit, e

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REFLEXOBNS "" "

de entreter o erro do publico augmentando a divida de uma somma mais forte, que aquella, cujo embolo effectuava-se. Dado que illusoria seja para a reduco da divida a amortizao, que subsiste na ausncia de excedente, todavia cremos, que de boa administrao o manter sempre no systema financeiro um fundo de amortizao, e eis aqui os motivos. Quando tal instituio existe , e que consagrado foi pela legislao o principio do resgate proporcional, o Estado no pode concluir emprstimos sem augmentar os impostos, para pagar-lhes o interesse, e elevar a potncia da amortizao na determinada proporo : a permanncia do fundo amortizador conduz ao accrescimo dos impostos, que nico pode fortificar o presente, e dar ao futuro meios de desempenhar-se. Mas ento, para no descair na fico de amortizar com novas dividas, seja a caxa da amortizao o primeiro emprestador at a concorrncia das sommas, de que dispe. O que ha ahi mais simples? O Estado, necessitando de dinheiro, dirige se directamente amortizao, pede-lhe ememprestado, com condio de pagar-lhe os interesses, e de a juntar lhe uma dotao proporcionada, o que quer dizer salvas as formas de contabilidade quo o Estado no tendo verdadeiro excedente de receitas, applica s suas despezas as rendas destinadas extinco da divida, mas que para ressarcir a amortizao, eleva a cifra dos impostos. Este s)slema, cuja primeira idia Greafell pertence, c que obteve os suffragios de David Ricardo , e Ro-

SOBRE O CREDITO PUBLICO

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bert Hamilton, nenhum justo motivo de queixa offerece aos pblicos credores. Si de um lado o Estado suspende os resgates, d'outro lado diminue as emisses. O preo das aplices, como o preo de todas as couzas, determinado pela proporo entre a quantidade pedida, e a quantidade offerecida ; ora a emisso das rendas multiplica as vendas na mesma proporo, que a amortizao fortifica os resgates, as duas operaes se contrapesam, como pesos iguaes nos dous copos de uma balana. De que vantagem pois para os proprietrios das rendas, que o Estado novas emisses recorra para resgatal-as? Notai alem disso o quanto falsa, e enganosa similhante operao! Os capites, que compram as rendas do Estado, e vo ormar o fundo amortizador, teriam do mesmo modo , e sem a interveno do Governo, comprado na praa as aplices, de que os credores se querem desfazer O Governo , que simultaneamente resgata, e pede em" prestado , no introduz na praa um novo comprador elle faz-se conector, e corrector intil entre credores , que desejam vender, e capitalistas, que querem comprar. Sem duvida melhor seria a pozio dos capitalistas, si circunstancias mais favorveis ao governo permittissem uma amortizao real, e verdadeira; mas deve-se disso accusar as extraordinrias precizes, que causam o dficit, e no a suspeno do resgate. Mais de uma vez foi este systema provado em Inglaterra com successo pleno; no emprstimo de 24 milhes st. em 1815 o Ministrio decidio-sc

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REFLEXOENS

pedir 12 milhes amortizao. Mal foi esta resoluo conhecida, que os fundos subiram', tanto verdade que a emisso das rendas pela maneira por que opera, e com o effeito moral, que produz, tende talvez a desapreciar os fundos mais, do que o resgate a sustental-os. Antes de rematar estas observaes, uma ultima questo nos resta. A amortizao o meio o menos oneroso de extinguir as dividas publicas? Ha algum outro meio, que a economia poltica assignar possa a preferencia? A esta questo se liga de necessidade a outra sobre a melhor forma de emprstimos. Desnecessrio fllar aqui das anticpaes, tonlinas, loterias, rendas vitalcias, grosseiros esboos do credito na sua infncia. Digamos duas palavras sobre as annualidades, e a amortizao, os dous systemas , que hoje o terreno disputam-se. Consisteo modo de liqui dars dividas pelas annualidades em addicionar cada anno ao pagamento dos dividendos uma parte do principal emprestado, de maneira