Revista T&C Amazônia - Nº 1

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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia T&C Amazônia, Ano 1, n o 1, Fev de 2003 EDITORIAL 21 ANOS DE FUCAPI. Tecnologia na Amazônia. Essa é uma mensagem que está associada à Fucapi desde a sua criação, há 21 anos. Instituição nascida com o propósito de apoiar a atividade industrial em Manaus, fruto da inquietação de dirigentes locais com o processo de desenvolvimento da Zona Franca, contabiliza aprendizados em uma trajetória rica e surpreendente. Rica na diversidade das experiências, inicialmente dedicadas à consolidação de uma engenharia local, com ênfase na tropicalização de produtos, substituição de importações e desenvolvimento de fornecedores, posteriormente avançando para áreas como qualidade, produtividade, gestão ambiental, formação e treinamento de mão-de-obra especializada; na percepção da importância crescente do recurso humano qualificado para a sustentabilidade das ações, que culminou com a sua atuação em educação formal, incluindo o ensino nos níveis superior e de pós-graduação. Surpreendente pelo fato de ter estruturado todo esse esforço a partir de uma base de profissionais idealistas, localmente formada, sem ter seguido modelos referenciais externos, desenvolvendo um perfil de trabalho que contempla as peculiaridades locais. O imaginário popular em relação à Amazônia costuma ser povoado por elementos associados a florestas, rios, animais, folclore e quase nunca por referências à modernidade, conhecimento, inovação, tecnologia. Ao pioneirismo da Fucapi talvez possa ser creditado o mérito de servir como um exemplo para que outras instituições de ensino e pesquisa, instaladas localmente, também se engajassem no desafio de gerar e atender à demanda por educação e serviços tecnológicos especializados, ampliando a capacitação regional. Mas a trajetória para um desenvolvimento sustentável do Amazonas e da Amazônia tem ainda diversos desafios a enfrentar e muito espaço a ser conquistado. E uma opção consciente pelos caminhos mais apropriados é uma tarefa de dimensão proporcional à imensidão do território, que não pode abdicar das idéias e reflexões de todos aqueles que se proponham a contribuir. T&C Amazônia tem o propósito de ser um espaço para discussões que se adeqüem a esse contexto. Um ambiente no qual profissionais e organizações sintam-se estimulados a manifestar-se na discussão dos caminhos do desenvolvimento regional sustentável e no estabelecimento de contornos mais nítidos para possíveis contribuições da C&T&I. Este primeiro número da T&C Amazônia, dedicado ao tema Desenvolvimento Regional, é adequado para, simbolicamente, comemorar uma nova etapa de maturidade da Fucapi. E, além de reafirmar o compromisso com a região, é mais uma vez a ratificação da sua mensagem original, ainda atual: “Tecnologia na Amazônia”. O que foi interpretado, em seu nascedouro, muito mais como um ideal a ser alcançado, hoje talvez já possa ser categorizado como uma recompensadora realidade. Os Editores

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Ano I - Número I - Fevereiro de 2003 ISSN - 1678-3824 Tema: FUCAPI: 21 anos de Tecnologia na Amazônia

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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

EDITORIAL

21 ANOS DE FUCAPI.

Tecnologia na Amazônia.

Essa é uma mensagem que está associada à Fucapi desde a sua criação, há 21 anos.

Instituição nascida com o propósito de apoiar a atividade industrial em Manaus, fruto da inquietação de

dirigentes locais com o processo de desenvolvimento da Zona Franca, contabiliza aprendizados em uma

trajetória rica e surpreendente.

Rica na diversidade das experiências, inicialmente dedicadas à consolidação de uma engenharia local, com

ênfase na tropicalização de produtos, substituição de importações e desenvolvimento de fornecedores,

posteriormente avançando para áreas como qualidade, produtividade, gestão ambiental, formação e treinamento

de mão-de-obra especializada; na percepção da importância crescente do recurso humano qualificado para

a sustentabilidade das ações, que culminou com a sua atuação em educação formal, incluindo o ensino nos

níveis superior e de pós-graduação.

Surpreendente pelo fato de ter estruturado todo esse esforço a partir de uma base de profissionais idealistas,

localmente formada, sem ter seguido modelos referenciais externos, desenvolvendo um perfil de trabalho que

contempla as peculiaridades locais.

O imaginário popular em relação à Amazônia costuma ser povoado por elementos associados a florestas,

rios, animais, folclore e quase nunca por referências à modernidade, conhecimento, inovação, tecnologia.

Ao pioneirismo da Fucapi talvez possa ser creditado o mérito de servir como um exemplo para que outras

instituições de ensino e pesquisa, instaladas localmente, também se engajassem no desafio de gerar e

atender à demanda por educação e serviços tecnológicos especializados, ampliando a capacitação regional.

Mas a trajetória para um desenvolvimento sustentável do Amazonas e da Amazônia tem ainda diversos

desafios a enfrentar e muito espaço a ser conquistado. E uma opção consciente pelos caminhos mais

apropriados é uma tarefa de dimensão proporcional à imensidão do território, que não pode abdicar das

idéias e reflexões de todos aqueles que se proponham a contribuir.

T&C Amazônia tem o propósito de ser um espaço para discussões que se adeqüem a esse contexto. Um

ambiente no qual profissionais e organizações sintam-se estimulados a manifestar-se na discussão dos

caminhos do desenvolvimento regional sustentável e no estabelecimento de contornos mais nítidos para

possíveis contribuições da C&T&I.

Este primeiro número da T&C Amazônia, dedicado ao tema Desenvolvimento Regional, é adequado para,

simbolicamente, comemorar uma nova etapa de maturidade da Fucapi.

E, além de reafirmar o compromisso com a região, é mais uma vez a ratificação da sua mensagem original,

ainda atual: “Tecnologia na Amazônia”.

O que foi interpretado, em seu nascedouro, muito mais como um ideal a ser alcançado, hoje talvez já possa

ser categorizado como uma recompensadora realidade.

Os Editores

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T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

SUMÁRIO

FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na AmazôniaIsa Assef dos Santos ......................................................................................................................3

O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema EducacionalWaldimir Pirró e Longo ...................................................................................................................8

Tecnologia e Desenvolvimento RegionalJosé Seixas Lourenço ..................................................................................................................23

O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável daAmazôniaImar César de Araújo ....................................................................................................................30

O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da AmazôniaMaurício Elísio Martins Loureiro ....................................................................................................36

Pesquisa e Benefício Social – Uma Relação Possível?Entrevista com Marcus Luiz Barroso Barros ..............................................................................42

Tecnologia e Floresta – Um Exemplo de CooperaçãoEntrevista com Evandro Luiz Vieiralves e Luis Galvão ...............................................................47

A Tecnologia da Informação no Processo OrganizacionalGilbert Breves Martins, Rhandsaissem Tavares Leal, Fabíola Nazaré Borges e Valdir Sampaioda Silva .........................................................................................................................................52

O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na RegiãoFrancisca Dantas Lima e Sônia Iracy Lima Tapajós ...................................................................60

A Gestão do Conhecimento no Universo dos IntangíveisCinthia da Cunha Mendes ............................................................................................................65

Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a AmazôniaRubem Cesar Rodrigues Souza..................................................................................................74

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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

FUCAPI: 21 ANOS DETECNOLOGIA NA AMAZÔNIA

Isa Assef dos Santos*

Após a implantação, na Zona Franca de

Manaus - ZFM, de várias indústrias das áreas

de eletrônica, eletromecânica, ótica, relojoaria

e de veículos que vieram atraídas pelos in-

centivos fiscais especiais aqui oferecidos, criou-

se um pólo industrial que rapidamente cresceu,

tornando-se necessária a criação de ins-

trumentos capazes de dar suporte técnico ao

seu desenvolvimento.

Em 1982, após a realização de estudos

e levantamentos sobre as necessidades do

parque industrial da ZFM, surgiu a FUCAPI,

então com o nome de Fundação Centro de

Análise de Produção Industrial, uma entidade

de direito privado, sem fins lucrativos, que vinha

com o objetivo de dotar o setor industrial e áreas

do Governo, de apoio técnico local e efetivo na

realização de pesquisas no setor eletrônico e

em outros setores de interesse do parque in-

dustrial, tais como o mecânico, ótico, relojoeiro

e de veículos. Criada pela Federação das In-

dústrias do Estado do Amazonas - FIEAM; Cen-

tro das Indústrias do Estado do Amazonas –

CIEAM e Fundação Universidade do Amazonas,

com o apoio técnico do Grupo Executivo

Interministerial de Componentes e Materiais –

GEICOM, ligado ao Ministério das Comu-

nicações e da SUFRAMA, iniciou suas ativida-

des, efetivamente, em novembro de 1983, com

a inauguração de suas primeiras instalações.

Atendendo ao objetivo de prestar apoio

técnico à SUFRAMA e às empresas da ZFM vi-

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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia

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sando ao desenvolvimento tecnológico e à

consolidação do modelo aqui implantado,

a FUCAPI logo ampliou seu raio de ação

e voltou-se também para a adequação do ensino

técnico-profissionalizante na região às

necessidades do parque industrial. Para isso,

elaborou, em 1987, o Plano Estratégico de

Educação, Ciência e Tecnologia – PEECT, que

se constituía num instrumento balizador das

ações da SUFRAMA, tendo em vista propor-

cionar suporte às suas atividades de

cooperação e fomento do desenvolvimento

sócio-econômico da Amazônia Ocidental. No

mesmo ano e em conseqüência dessa

ampliação, a FUCAPI incluiu em suas atividades

a pesquisa e a inovação tecnológica, passando

a denominar-se Fundação Centro de Análise,

Pesquisa e Inovação Tecnológica, considerando

que essa nova nomenclatura adequava-se

melhor ao seu novo perfil.

Uma das principais diretrizes estabe-

lecidas no Plano Estratégico de Educação,

Ciência e Tecnologia – PEECT era a criação do

Distrito de Alta Tecnologia – DIALTEC, uma

incubadora de empresas capaz de abrigar

pequenos e micro empreendimentos nas áreas

de Eletrônica, Eletroeletrônica, Sistemas de

Comunicações, Informática, Química de

Produtos Naturais, Biotecnologia, Mecânica de

Precisão e Materiais.

Caso essas ações tivessem sido

internalizadas pelas autoridades locais, à

época, poderíamos estar hoje diante do

desenvolvimento de “clusters” industriais

surgidos em torno desses pequenos

empreendimentos de base tecnológica. No

entanto, apesar do tempo decorrido, o Plano

ainda se constitui num documento da maior

importância, vez que o cenário regional ainda

está a exigir ações nessa direção.

Áreas como Biotecnologia, Sistemas

de Comunicações e Química de

Produtos Naturais são, ainda hoje, consideradas

estratégicas para a Região, o que comprova

que, há 16 anos, a FUCAPI já tinha uma visão

prospectiva clara das áreas e formas mais

adequadas de desenvolver o potencial da

Região, principal-mente através do uso

sustentável de suas riquezas naturais.

Ao longo do tempo, várias foram as

atividades desenvolvidas pela FUCAPI que

refletiram o extraordinário significado da ação

interativa com as demais instituições dedicadas

à análise, pesquisa e inovação tecnológica, no

âmbito local e nacional. Procuraremos

destacar, neste artigo, aquelas que marcaram

sobremaneira sua trajetória como uma entidade

comprometida com o desenvolvimento científico

e tecnológico da Região.

Na área educacional, a FUCAPI implan-

tou, ao longo dos anos, escolas profis-

sionalizantes, de segundo e terceiro graus, tais

como o Centro Estadual de Ensino Profis-

sionalizante em Informática – CEPI, a primeira

escola de informática do Amazonas; o Centro

Lindolfo Collor – Escola de Tecnologia da

Amazônia e, mais recentemente, o Centro

Educacional Lynaldo Cavalcante de Albuquer-

que – CEEF, que contempla o ensino médio e

cursos profissionalizantes nas áreas de

Informática e Telecomunicações, atendendo

hoje a cerca de 747 alunos. Atuando também

no ensino superior, através do Instituto de

Ensino Superior FUCAPI – CESF, possui

atualmente mais de 1000 alunos matriculados,

oferecendo cursos com ênfase tecnológica e

inovadora, tais como os de Engenharia de

Comunicações, Administração com ênfase em

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Gestão da Inovação; Gestão de Serviços;

Gestão de Negócios; Análise de Sistemas;

Ciência da Computação; Engenharia de Pro-

dução Elétrica e Design de Interface Digital.

Ainda com a preocupação de promover

a educação e desenvolver os recursos huma-

nos da Região, também oferece cursos de pós-

graduação, de extensão, de curta duração e

treinamentos (abertos e “in company”), voltados

para atender a carência de qualificação de mão-

de-obra demandante do mercado local.

Na área de Informática, a FUCAPI dispõe

de infra-estrutura de tecnologia da informação

e suporte técnico para o desenvolvimento e

manutenção de sistemas demandados por

seus clientes. Constituindo uma experiência de

sucesso de 21 anos, que credencia e atesta

sua competência com relação aos processos

do Pólo Industrial de Manaus – PIM, a FUCAPI é

responsável pela informatização e opera-

cionalização dos sistemas que permitem à

SUFRAMA exercer sua ação desenvolvimentista

em toda a Amazônia Ocidental.

A competência da FUCAPI na prestação

de serviços na área de informática ultrapassou

as fronteiras estaduais, quando fez-se respon-

sável pela informatização de processos para o

Governo do Estado de Roraima e para a antiga

SUDAM – Superintendência do Desenvol-

vimento da Amazônia, hoje ADA – Agência do

Desenvolvimento da Amazônia, localizada no

Estado do Pará.

Desde 1987, a FUCAPI atua no desen-

volvimento de projetos de P&D, utilizando os

recursos da Lei de Informática, em parceria com

empresas da região, tais como, Siemens, Pro-

comp, Philips, Promom, Nokia, Xerox, Thom-

son, Rico, Trópico etc. Como resultados prin-

cipais dessa atividade destacam-se a interação

da instituição com o setor produtivo, a capaci-

tação da equipe técnica e o desenvolvimento

tecnológico. A SUFRAMA é um parceiro com o

qual a FUCAPI tem um contrato de prestação

de serviços nas áreas de informática e de aná-

lise e acompanhamento de projetos industriais.

O estabelecimento de parcerias com

empresas instaladas no Pólo Industrial de

Manaus e com entidades de desenvolvimento

regional demonstram a credibilidade obtida pela

FUCAPI ao longo de sua existência. Esse re-

sultado foi conseguido graças à adoção de uma

política agressiva de capacitação de seu pessoal

técnico, desenvolvida através da implantação

de programas de formação e titulação de re-

cursos humanos.

A FUCAPI possui laboratórios certifi-

cados pelas Normas ISO GUIDE 25 e creden-

ciados pelo Instituto Nacional de Metrologia,

Normalização e Qualidade Industrial – INME-

TRO, dotados de equipamentos capazes de

realizar ensaios e testes nas áreas de metrologia

dimensional, segurança de brinquedos, de is-

queiros e metrologia de grandezas elétricas.

Vale destacar que o Laboratório de Brinquedos

é um dos quatro existentes no País e o único

fora do Estado de São Paulo e o Laboratório de

Isqueiros é o único existente no país, cre-

denciado junto ao INMETRO.

As atividades em qualidade e produ-

tividade desenvolvidas pela FUCAPI, a partir de

1991, levaram-na a ser indicada para coordenar

o Comitê Regional da Qualidade e Produ-

tividade, quando, na ocasião, apoiou inte-

gralmente o Programa Brasileiro da Qualidade

e Produtividade – PBQP, desenvolvido pelo

Governo Federal, em ações junto às empresas

da Zona Franca de Manaus que a projetaram

em nível nacional, tornando-a um conhecido

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Centro de Excelência na área, prestando serviço

através de seu Núcleo Pró-Qualidade – NPQ.

Em outubro de 1998, a FUCAPI recebeu

cinco certificações com a ISO 9001, incluindo-

se o Centro Educacional Lynaldo Cavalcante de

Albuquerque – CEEF e o Instituto de Ensino

Superior FUCAPI – CESF, numa clara demons-

tração de compromisso com os resultados de

seus parceiros, auxiliando-os a tornarem-se

mais competitivos, para ampliarem suas par-

ticipações no mercado. A recertificação do seu

Sistema de Gestão da Qualidade, agora pelas

normas NBR ISO 9001:2000, ocorrido em 2001,

de modo geral, veio contribuir para a melhoria

dos processos internos, além de evidenciar a

qualidade dos serviços por ela prestados.

Justamente pela busca da melhoria de

seus serviços, a FUCAPI vem participando do

Programa Excelência na Pesquisa Tecnológica,

uma iniciativa da Associação Brasileira dos

Institutos de Pesquisa – ABIPTI, do MCT e CNPq

e que tem por objetivo a promoção da melhoria

do desempenho dos institutos de pesquisa

tecnológica, visando torná-los mais compe-

titivos.

Em parceria com o CNPq, desde 1994

a FUCAPI edita o Prêmio FUCAPI/CNPq de

Tecnologia, que já se encontra em sua 8ª edição,

visando estimular e incentivar a geração e

transferência de tecnologias que possam

contribuir para o desenvolvimento da Região

Amazônica. O Prêmio tem âmbito nacional e

representa o estímulo à transformação de idéias

em valor econômico e social.

Pioneira na condução de novas formas

de pensar o desenvolvimento da Amazônia, a

FUCAPI está desenvolvendo também impor-

tantes projetos e atividades em áreas estra-

tégicas para a região: design, meio ambiente e

gestão do conhecimento. O projeto Design Trop-

ical da Amazônia é um projeto de amplitude

social, criado em 1999, que visa a incorporação

de tecnologias e conceitos mundiais nas

técnicas de produção de peças de artefatos de

madeira, produzidos a partir de resíduos da

floresta e com alto padrão de qualidade, manten-

do o modelo amazônico.

Sua preocupação com o desenvol-

vimento econômico da região aliado à preser-

vação do meio ambiente levou a FUCAPI a

implantar o Centro Tecnológico Ambiental – CE-

TAF, que foi criado com o objetivo de prestar

consultoria às empresas, visando a identi-

ficação, implantação e monitoramento de ações

que minimizem os mais diversos tipos de im-

pactos ambientais.

A Gestão do Conhecimento figura como

uma das mais recentes áreas de atuação da

FUCAPI, caracterizada pelo Núcleo de Gestão

do Conhecimento, criado com a missão de

melhorar a qualificação de seu quadro funcional;

disseminar as melhores práticas de desen-

volvimento do ciclo de conhecimento insti-

tucional, tácito e explícito; estudar as meto-

dologias de mensuração do capital intelectual;

utilizar ferramentas de Tecnologia da Informação

e auxiliar na tomada de decisão.

Ao longo desses 21 anos, a FUCAPI tem

assumido um papel desafiador, investindo na

capacitação do homem da região e dedicando-

se ao desenvolvimento tecnológico e empre-

sarial, através da prestação de serviços técnicos

especializados que contribuam para diminuir,

com suas ações, a distância entre o conhe-

cimento existente na Amazônia Ocidental e ou-

tros centros mais desenvolvidos do país.

O desenvolvimento dessas e de outras

iniciativas no sentido de estimular os esforços

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FUCAPI : 21 Anos de Tecnologia na Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

inovadores no campo tecnológico, principal-

mente projetos com impactos expressivos para

a região, rendeu-lhe o Prêmio FINEP de Ino-

vação Tecnológica, versão 2002, como ins-

tituição vencedora da Região Norte no segmento

da pesquisa tecnológica.

REFERÊNCIAS

FUCAPI. Relatório de Atividades desenvolvidas

pelo Departamento de Desenvolvimento

Tecnológico – DETEC, durante o exercício de

1995. Manaus: FUCAPI, 1996.

FUCAPI. Relatório Anual de Atividades - 1999.

Manaus: FUCAPI, 2000.

FUCAPI. Relatório Anual de Atividades - 1998.

Manaus: FUCAPI, 1999.

FUCAPI. Relatório Anual de Atividades - 1997.

Manaus: FUCAPI, 1998.

FUCAPI. Relatório de Atividades – jun. 1990 a

mar. 1991. Manaus: FUCAPI, 1992.

FUCAPI. Relatório de Atividades – ago. 1987 a

maio 1990. Manaus: FUCAPI, 1991.

FUCAPI. FUCAPI: criação e desenvolvimento.

Manaus: FUCAPI, 1989.

* Isa Assef dos Santos é Advogada, Ad-

ministradora, Professora da UFAM, Especialista

em Administração Pública e em Marketing,

possuindo larga experiência na gestão de em-

presas públicas e privadas. Diretora Executiva

da FUCAPI.

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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

O DESENVOLVIMENTOCIENTÍFICO E TECNOLÓGICO ESEUS REFLEXOS NO SISTEMAEDUCACIONAL

Waldimir Pirró e Longo*

O CENÁRIO CIENTÍFICO E

TECNOLÓGICO, PRODUÇÃO E

TRABALHO

Desde o seu surgimento na face da Ter-

ra, o homem tem procurado transformar a

ambiência e as disponibilidades naturais da

mesma no sentido de atender os seus desejos

mais profundos, quase nunca explicitados,

dentre os quais encontram-se: viver mais,

trabalhar menos e com menor esforço físico,

não sofrer (principalmente não sentir sede, fome

e dor), ter mais prazer (tempo disponível para o

lazer), preservar a espécie e ter poder para

impor a sua vontade (1). A partir do final do século

dezenove, as transformações produzidas pelo

homem foram extraordinariamente aceleradas

como resultado da organização e siste-

matização do trabalho voltado para a geração e

uso de conhecimentos científicos com o intuito

de produzir tecnologias que resultassem em

novos ou melhores produtos e serviços que

satisfizessem os seus desejos centrais e suas

necessidades imediatas. Assim, o conhe-

cimento científico deixou de ser um bem

puramente cultural, para tornar-se insumo

importante, senão o mais valioso, para a

geração de inovações tecnológicas. De fato,

atualmente, constata-se que as complexas

demandas das sociedades modernas são

atendidas por tecnologias crescentemente

resultantes da aplicação de conhecimentos

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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

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científicos (2).

Em decorrência da busca e apropriação

sistemática, e bem sucedida, de conhecimentos

científicos para a produção de tecnologias,

estima-se que os conhecimentos científicos e

tecnológicos têm duplicado a cada 10 a 15

anos” (3) . Em 2000, a Hart-Rudman Presiden-

tial Commission do Congresso dos EUA,

afirmou que “...os próximos dez anos trarão

mais mudanças tecnológicas que o século XX

todo, e os governos serão incapazes de

companhá-las” (4).

Quanto à previsão da citada Comissão

a respeito da incapacidade de acompanhamento

das mudanças, é preciso considerar que a

introdução de novas tecnologias, quase sempre,

é uma decisão do setor produtivo, não discutido

e não planejado pela sociedade. As alterações

ambientais e comportamentais resultantes são

de tal magnitude e, às vezes, tão inesperadas,

que as instituições sociais em geral, entre as

quais os governos nacionais, não têm

conseguido acompanhá-las e adaptar-se,

enfrentando, então, sérias crises de

gerenciamento. Estão, nesse caso, além dos

governos, instituições tais como partidos

políticos, religiões, forças armadas, empresas

e as escolas, ou melhor dizendo, a organização

e os métodos utilizados no processo ensino-

aprendizagem (5) . Assim, estabelece-se um

“hiato gerencial” entre a nova realidade social

resultante do avanço científico e tecnológico e

a capacidade de reação e de reorganização dos

grupos ou entidades sociais para o trato dessa

nova realidade (6) . É preciso ter presente que

novas tecnologias podem alterar hábitos,

valores, prioridades e a própria visão que o

homem tem de si mesmo e do mundo, exigindo,

em conseqüência, novas regras de convivência

social e, certamente, nova educação para os

jovens e atualização contínua para os adultos.

Do exposto, conclui-se que, hoje, os

grandes desafios enfrentados pelos países, nos

níveis local e global, estão intimamente rela-

cionados com as contínuas e profundas

transformações sociais ocasionadas pela velo-

cidade com que tem sido gerados novos

conhecimentos científicos e tecnológicos, sua

rápida difusão e uso pelo setor produtivo e pela

sociedade em geral. Pode-se afirmar que

vivemos num mundo cambiante, cuja única

certeza é a incerteza. No dizer de Paul Valery,

“o problema atual é que o futuro não é mais o

que deveria ser”.

Diante dessa dinâmica de um mundo

em constante mutação graças aos avanços da

ciência e tecnologia, a imagem que se formula

é que tudo se passa como se estivessem

indivíduos, empresas e nações subindo uma

escada rolante que se desloca, continuamente

acelerada, em sentido contrário ao movimento

de todos, sendo, portanto, necessário subir

cada vez rápido para permanecer na mesma

altura. Caso não acompanhem ou suplantem a

escada da evolução científica tecnológica, os

indivíduos tornam-se profissionalmente obsole-

tos, as empresas perdem competitividade e vão

à falência, os países amargam o subde-

senvolvimento e uma insuportável dependência

externa do insumo mais estratégico do mundo

moderno: o conhecimento.

Na evolução científica e tecnológica não

há patamar definitivo a ser atingido, pois a

escalada é contínua, ou seja, a escada não tem

fim.

Assim, avulta de importância, por parte

das nações, através das suas instituições,

principalmente as educacionais, o contínuo

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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

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monitoramento da evolução científica e

tecnológica, e das mudanças sociais decor-

rentes ou antevistas. O acesso às informações

e a gerência das mesmas, assim como

previsão e avaliação tecnológicas, passaram a

ser de importância vital nas políticas e

estratégias governamentais em todos os níveis,

objetivando minimizar “hiatos gerenciais”,

particularmente na área da educação.

O rápido desenvolvimento tecnológico da

microeletrônica, da informática e da automação,

assim como o exponencial crescimento das

suas aplicações, afetaram de tal maneira as

qualificações exigidas para o trabalho, o acesso

às informações, a organização e o funcio-

namento do setor produtivo, as relações sociais

e as políticas governamentais, que se admite

estarmos vivendo a Terceira Revolução

Tecnológica ou Industrial. Exemplo marcante é,

na área tecnológica, a engenharia industrial, que

sofreu, e que continua sofrendo, profundas

alterações, tanto na sua concepção e na sua

operação quanto no seu relacionamento com

os serviços correlatos. A possibilidade atual

proporcionada pelos meios eletrônicos,

permitindo o fluxo de informações fluir

instantaneamente do cliente para a fábrica e da

fábrica para os seus fornecedores, aliada à

automação, tornaram possível “produzir

competitivamente, diferentes produtos, em

quaisquer quantidades, melhor e mais barato”,

atendendo cada vez mais aos desejos do

usuário do bem produzido. Esta concepção vem

substituindo aquela, até então vigente, que se

propunha a “produzir cada vez mais, da mesma

coisa, melhor e mais barato”, sem muitas

opções para o comprador. Além disso,

acessando em tempo real o desejo dos clientes

e transmitindo, também em tempo real,

informações aos supridores das matérias

primas e componentes, tornou-se possível à

fábrica produzir aquilo que já está encomendado

(ou já vendido) “sob medida”. Com tal

procedimento, custos são eliminados com a

minimização de estoques a montante e a jusante

da produção propriamente dita. Tudo passa a

fluir “just in time”(7).

Adicionalmente, é preciso entender que

o progresso tecnológico, além de causar

profundas alterações no modo de produção de

bens e de serviços, modifica, em conseqüência,

a distribuição e a qualificação da força de

trabalho(8). Profissões surgem e desaparecem

em curto tempo; qualificações para postos de

trabalho são exigidas e, em seguida, des-

cartadas, ou seja, as trajetórias profissionais

são, em grande parte, imprevisíveis. Vivemos

hoje a era pós-industrial na qual, nos países

centrais, cerca de 70% da força de trabalho foi

deslocada para o setor terciário tecnologica-

mente cada vez mais sofisticado, entre 20 e

30% permanecem no secundário, e menos de

5% encontram-se em atividades agrícolas cada

vez mais intensivas em máquinas e técnicas

poupadoras de mão-de-obra não qualificada.

Embora os setores primários (agricultura,

pesca e exploração florestal) e secundário

(manufatura industrial, extrativismo, produção

e distribuição de eletricidade, gás e água, obras

de engenharia civil) da economia tenham

crescido, o número de empregados nos mes-

mos é, proporcionalmente, cada vez menor. Isto

se deve não somente à crescente mecanização

e automação desses setores, mas também à

“terceirização” de muitas das suas atividades

anteriormente verticalizadas, principalmente

aquelas classificadas como prestação de

serviços, inclusive tecnológicos. Há uma

tendência das indústrias em concentrarem-se

estritamente na fabricação daqueles com-

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ponentes ou produtos nos quais são cres-

centemente especializadas e competitivas. A

previsão norte-americana é que, na década

atual, dez por cento dos empregos na indústria

desaparecerão.

Devido à terceirização é cada vez maior

o número de pessoas que têm freqüentemente

trabalho, mas não necessariamente um

emprego, o que exige delas, como conse-

qüência, habilidades complementares e

diversas daquelas da sua bagagem profissional

específica.

Na medida que as empresas se esva-

ziam com a automação e com a terceirização,

vão restando dentro delas os “novos operários”.

Entende-se aqui por “novo operariado” o

conjunto de trabalhadores que carrega consigo

o principal instrumento para a produção, qual

seja, o seu cérebro, que abriga os insumos

vitais: informações e conhecimentos sem os

quais nada funcionará.

A informática associada às telecomuni-

cações tornou possível transportar, econo-

micamente, enormes quantidades de informa-

ções, criando a possibilidade do fornecimento

à distância de várias necessidades da fábrica,

contribuindo para modificar, como já foi dito, as

relações entre a produção de bens e a prestação

de serviços. As distâncias e as fronteiras

nacionais deixaram de ser barreiras nestas

relações. Com a “globalização” dos mercados

e da produção, passou a ocorrer, instan-

taneamente, a busca universal dos consumi-

dores pelos mesmos bens e serviços. No caso

das indústrias, estas passaram a ter que

dominar as tecnologias que as colocassem

continuamente na competição global. Como

conseqüência dessa convergência sobre o

domínio e uso das mesmas tecnologias, os

produtos passaram a diferenciar-se na

competição não só pelo “design”, preço e pela

qualidade, mas pelos serviços complemen-

tarmente oferecidos (financiamento, troca,

manutenção, assistência etc.) Desta importante

constatação, deduzem-se novas exigências

educacionais: a força de trabalho nacional

precisa estar psicologicamente e culturalmente

preparada para atuar mundialmente, dotada de

novas habilitações gerenciais.

A realidade até agora descrita permite

afirmar-se que são cada vez maiores e mais

elevadas as qualificações exigidas para os

postos de trabalhos em qualquer dos setores

de produção, fato que coloca uma grande

pressão sobre as necessidades educacionais

das populações. É óbvio, e desnecessário

enfatizar, que a capacidade científica e

tecnológica nacional é absolutamente

dependente de nível educacional adequado da

população. Educação, ciência e tecnologia

estão intimamente relacionadas.

Ao longo do tempo, na medida em que

as tecnologias foram crescendo em conteúdo

científico, tornou-se, proporcionalmente, cada

vez menor o número de pessoas capazes de

posicionarem-se nas fronteiras dos conheci-

mentos nas várias áreas do saber e, portanto,

entendê-las, enquanto cresceu, e se nada for

feito em termos educacionais, continuará a

crescer a ignorância tecnológica da maioria.

É preciso ter presente que no mundo em

que vivemos hoje todos cidadãos necessitam

conhecimentos básicos de ciência, das tecnolo-

gias mais usadas, de matemática e informática,

continuamente atualizados. Esta é uma exi-

gência não só para o mercado de trabalho mas,

antes de tudo, para que o cidadão não seja um

alienado, um ignorante diante dos bens e

11

Page 12: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

serviços utilizados no seu dia-a-dia. Em outras

palavras, o sistema educacional moderno deve,

em todos os níveis e para todas as profissões,

incluir competente e adequada educação em

ciência e tecnologia. Trata-se de uma questão

não só relacionada com a empregabilidade do

indivíduo, mas uma questão de cidadania.

A respeito dos conhecimentos científicos

e tecnológicos que todas as pessoas deveriam

ter, sugere-se, preliminarmente, a leitura dos

trabalhos “Science for All Americans” e “Tech-

nology” produzidos pela American Society for

the Advancement of Science (9 e 10) .

Evidentemente, para a geração e uso

das modernas tecnologias, a formação universi-

tária deve ser primorosa nos níveis de graduação

e pós-graduação, sendo esta exigência um item

central na política científica e tecnológica

integrante das estratégias nacionais ou

regionais de desenvolvimento.

Com as constantes mudanças tecno-

lógicas, os indivíduos que não as acom-

panharem ficarão prematuramente inabilitados

para o trabalho. Serão parte do que tem sido

chamado de desemprego estrutural. A

desqualificação para o mercado de trabalho,

seja através da obsolescência ou da má

formação escolar, dá origem ao que tem sido

chamado de “analfabetismo tecnológico”. Os

analfabetos tecnológicos não retornarão ou

ingressarão adequadamente no mercado de

trabalho nem que a economia cresça e expanda

as oportunidades de emprego e trabalho.

Evitar a obsolescência da força de traba-

lho através da chamada educação continuada

é hoje uma preocupação da maioria dos países.

Tendo em vista o custo elevado em trazer

periodicamente essa força para dentro das

salas de aula, a solução que está se ampliando

é levar os conhecimentos aos locais de trabalho

utilizando meios eletrônicos, de preferência

interativos.

EDUCAÇÃO ASSISTIDA POR MEIOS

INTERATIVOS. ENSINO À DISTÂNCIA -

EAD

Por ocasião da passagem do século XX

para o XXI, alguém vaticinou: “se errarmos de

escola, poderemos errar de século”.

É hoje consenso que é necessário que

o País seja dotado de um sistema de educação

de massa do primeiro ao terceiro grau, da

melhor qualidade, e capaz de fornecer ao

cidadão possibilidades de atualização conti-

nuada, ao longo de sua vida, para o trabalho e

para o lazer. Isto é, preparar o cidadão, no dizer

de Domenico de Masi (11), para “o ócio e o

negócio” ao longo de sua existência. Adicional-

mente, deve ter um quarto grau capaz de formar

pesquisadores, produzir avanços nas fronteiras

dos conhecimentos nas diversas áreas do sa-

ber e contribuir, efetivamente, para aumentar a

capacidade endógena do sistema nacional de

inovação tecnológica, em benefício do setor

produtivo e das necessidades públicas.

No que diz respeito ao ensino superior,

a situação brasileira é lamentável. Segundo

estatísticas que constam de Relatório da

Organização das Nações Unidas (12), o Brasil é

o país da América Latina com o menor índice

de atendimento, no ensino superior, aos jovens

na faixa etária de 18 a 24 anos: apenas 10%

daquela faixa etária, ou 1,3% da população total

do País, o que equivale a cerca de metade do

índice da Bolívia, de um terço da cobertura do

Chile. Significa, ainda, que o País apresenta uma

das piores taxas mundiais, sendo que, na

12

Page 13: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

América Latina e Caribe, somente está em pior

situação o Haiti. Tal fato é gravíssimo e, ao

mesmo tempo, um paradoxo, pois o País é uma

das maiores economias mundiais, dispondo de

um dos maiores sistemas educacionais do

planeta e um sistema de pós-graduação de

excelente qualidade.

Outros dados da nossa realidade tornam

a situação mais preocupante, a saber (13) :

a) No ano de 2000 foram oferecidas

apenas 1.216.287 vagas no ensino superior

para um total de 4.039.910 inscritos nos

vestibulares em todo o Brasil. Em que pese o

fato de que vários candidatos possam ter-se

inscrito em mais de um exame de acesso, a

média nacional de mais de três candidatos por

vaga é, certamente, alta, e ela atinge um índice

ainda mais alto – mais de nove candidatos por

vaga – no sistema das instituições federais de

ensino superior, naquele ano.

b) A demanda por ensino superior tende

a aumentar de forma dramática nos próximos

anos, em decorrência do grande crescimento

do número de concluintes do ensino médio, que

é fruto, por sua vez, das altas taxas de matrícula

de alunos no ensino fundamental, hoje na faixa

de 95% do público-alvo. Esse expressivo

crescimento do número de alunos que

concluem o ensino médio não tem encontrado,

entretanto, a devida contrapartida de vagas no

ensino superior, particularmente no setor

público. Em 1999, a relação entre o número de

concluintes do ensino médio e o número de alunos

que se inscreveram no ensino superior já havia

chegado a, aproximadamente, três para um.

c) A expansão da oferta de vagas vem

se dando principalmente no setor privado. De

fato, no ano de 2000, o setor público ofereceu

apenas 245.632 vagas, ou seja, cerca de 1/5

do total.

d) No ano 2000, embora o sistema de

ensino superior tivesse oferecido apenas

1.216.287 vagas para 4.039.910 inscritos,

318.730 daquelas vagas não foram ocupadas,

sendo, praticamente, todas elas oferecidas por

instituições privadas. A propósito, a existência

de vagas ociosas no setor privado não é

peculiaridade de anos recentes, indicando que

as necessidades da sociedade brasileira, no que

se refere ao ensino superior, não podem ser

solucionadas apenas com o aumento de vagas

no ensino privado. Tal constatação decorre de

diversas razões, entre as quais sobressaem o

descompasso geográfico entre a oferta (con-

centrada) e a demanda (dispersa) e o fato de

que um grande número de famílias não pode

arcar com os altos custos dos cursos supe-

riores nas IES privadas. Quem poderia pagar,

já está pagando.

e) A Lei de Diretrizes e Bases da Edu-

cação nº 93941996 – a LDB - impõe, até 2006,

a qualificação, em nível superior, de todo o corpo

docente atuante em todos os níveis de ensino

no País, totalizando aproximadamente 1milhão

e 200 mil professores. Isso implica em ter que

qualificar, em tal prazo, cerca de 830.000

professores nas séries iniciais, 233.000 para 5ª

a 8ª séries e 51.000 para o ensino médio. Existe,

ainda, uma falta histórica de professores para

o ensino de matemática e ciências naturais

(física, química e biologia). Por fim, o Brasil

apenas iniciou a qualificação de docentes para

a educação tecnológica, tão crítica nos dias de

hoje, em que novas tecnologias, especialmente

aplicáveis ao ensino, estão revolucionando o

cotidiano dos povos e todos os padrões de

desenvolvimento dos países. Somados todos

os níveis de ensino, verifica-se que o Brasil

13

Page 14: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

precisa qualificar, no ensino superior, um

contingente de mais de um milhão de profes-

sores nos próximos cinco anos.

Felizmente, o próprio avanço tecnológico

produziu os meios necessários para o atendi-

mento parcial de tais necessidades, a custos

suportáveis pela sociedade, inclusive no Brasil.

Trata-se dos meios de comunicação que podem

colocar conhecimentos ao alcance confortável

dos cidadãos onde quer que eles estejam, a

partir de bases logísticas onde estão

armazenados tais conhecimentos. Tem-se

assim, em mãos, a oportunidade de demo-

cratizar o acesso à educação em todos os

níveis. Os meios pedagogicamente mais

apropriados a serem utilizados são aqueles que

permitem maior e mais eficiente interação en-

tre os detentores do conhecimento e os seus

demandantes, ainda que afastados fisicamente.

Assim, são largamente utilizados o correio, o

telefone, o gravador, o fax, o rádio, a televisão,

o vídeo, o CD-ROM, o DVD e a INTERNET. Tais

meios, isoladamente ou associados, permitem

“empacotar” pedagogicamente e “despachar”

os conhecimentos. O acesso ao “produto”

conhecimento torna-se, assim, um problema

que envolve competência em logística (1) .

Convenientemente utilizados, tanto no

ensino presencial quanto à distância, os meios

citados constituem-se, ainda, num poderoso

instrumento no sentido de preparar o indivíduo

a “aprender a aprender”, metodologia absoluta-

mente apropriada a quem vive num mundo em

constante mutação. Eles facilitam a utilização

do processo educacional centrado no esforço

do aluno aprender e não, majoritariamente, no

esforço do professor em ensinar.

A busca universal do conhecimento

pelos cidadãos, seja através da formação es-

colar regular (education), seja para o trabalho

ou para o lazer (training), exacerbou a visão do

ensino como um grande negócio a ser

explorado. Só para se ter uma idéia de grandeza

dos volumes de recursos envolvidos, as

empresas norte-americanas espalhadas pelo

mundo, despenderam, em 1997, da ordem de

18 bilhões de dólares no treinamento de seus

empregados somente em tecnologias de

informação (14). Em conseqüência dessa

demanda, passou a proliferar o surgimento de

empresas especializadas em treinamento para

o setor produtivo e as escolas regulares,

principalmente as universidades e outras

instituições de ensino superior, ampliaram suas

ações na mesma direção. Tanto as empresas

quanto as escolas passaram a utilizar larga-

mente os meios interativos disponíveis,

ampliando o seu alcance via ensino à distân-

cia, no sentido de atingir o instruendo em casa

e/ou no local de trabalho (1) .

Apesar da complexidade envolvida na

montagem e execução do sistema necessário

à prática da modalidade ensino à distância, esta

apresenta um enorme potencial de demo-

cratização do acesso ao ensino superior de

qualidade, o que vem sendo comprovado pelas

diversas experiências bem sucedidas no exte-

rior e, mais recentemente, no Brasil. De fato,

estudos recentes (15) mostram que com o

acréscimo de apenas 15% dos recursos

usualmente aplicados no sistema de ensino

superior como um todo é possível, em princípio,

dobrar o número de alunos atendidos pelas

universidades públicas, atendendo a um público-

alvo que vive longe dos grandes centros urbanos

ou que não dispõe de tempo, nos turnos usuais

de oferta de cursos, por estar trabalhando.

Na Europa, são várias as universidades

14

Page 15: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

que hoje utilizam a EAD. A Open University,

fundada em 1971, atende atualmente a cerca

de 230.000 alunos; a UNED, surgida em 1972,

com aproximadamente 200.000 alunos; a Fern

Universität, da Alemanha, implantada em 1974,

com 58.000 alunos; a Universidade Aberta de

Portugal, criada em 1988 e o Centro Nacional

de Ensino a Distância da França, fundado em

1939, com cerca de 190.000, alunos são as

mais consolidadas. Vale lembrar também a

mega universidade Anadolu, da Turquia, que

iniciou suas atividades em 1982, com mais de

550.000 alunos (13) . No ano acadêmico de 1997-

98, os EUA tinham matriculados, em instituições

de nível superior, da ordem de 1.661.100

estudantes em disciplinas à distância, sendo

cerca de 1.363.670 no college-level em

disciplinas no sistema de crédito, a maioria dos

quais em nível de graduação (16).. Naquele ano

foram oferecidas, aproximadamente, 54.470

disciplinas à distância, sendo cobrado dos

alunos, em geral, o mesmo preço pago por

aqueles que freqüentavam fisicamente as au-

llas. As tecnologias mais usadas foram: Internet

assíncrono, vídeo interativo nas duas direções

e vídeo pré-gravado (6).

Exemplo digno de menção em educação

e treinamento na área tecnológica é a National

Technological University-NTU, situada em Fort

Collins, Colorado, EUA (17), que tem por objetivo

atender as necessidades educacionais

avançadas de engenheiros, técnicos e gerentes

e oferecer cursos de mestrado. Os programas

acadêmicos são compostos por disciplinas

regulares oferecidas pelas 53 universidades

associadas que participam do Satellite Network

da NTU. As aulas presenciais são transmitidas

ao vivo por TV, em tempo real, para os alunos

distantes que, em geral, estão nos seus locais

de trabalho. A mesma aula, em gravação,

é retransmitida em vários horários ao longo do

dia, buscando atender as disponibilidades dos

alunos. As aulas podem ser gravadas nos

pontos de recepção para posterior uso pelos

estudantes, utilizando, inclusive, “streaming”

vídeo. Para a interação aluno-professor são

empregados correio, fax, telefone e Internet.

O Brasil, apesar de sua dimensão con-

tinental e da enorme demanda dispersa de sua

população jovem por ensino superior, iniciou sua

experiência com educação superior à distância

apenas em 1998, com o curso da Universidade

Federal do Mato Grosso para a formação de

professores do ensino fundamental, visando a

cumprir a LDB. Esta iniciativa pioneira graduou

todos os professores do ensino fundamental que

não tinham o nível superior, em um estado que

se caracteriza pelas grandes distâncias

geográficas entre suas cidades e povoados e

pela diversidade cultural, demostrando, de for-

ma inequívoca, a viabilidade e a adequação da

utilização de EAD em nosso País (13).

Desde então, outros cursos à distância

para formação de professores do ensino fun-

damental vêm utilizando a metodologia de

educação à distância, destacando-se os cursos

superiores da UESC, UEMT, UFOP, UEC, en-

tre outros. Recentemente, um consórcio region-

al das Universidades Públicas do Estado do

Rio e Janeiro – CEDERJ iniciou a oferta de

cursos de licenciatura em matemática e em

biologia, devendo brevemente expandir a sua

oferta para cursos de física, química e

pedagogia. No momento, diversos pedidos de

credenciamento foram concedidos ou estão

em fase de julgamento no MEC, indicando um

grande crescimento da área para os próximos

anos (13).

15

Page 16: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

O PODER E O PAPEL DA EDUCAÇÃO

As tecnologias de base empírica são

facilmente entendidas e, portanto, sua cópia e

produção por empresas retardatárias são uma

questão de oportunidade e de disponibilidade

econômica. Por sua vez, por serem fruto da

aplicação de conhecimentos científicos, as

tecnologias modernas mais relevantes e seus

processos de produção não são facilmente

compreendidos e, conseqüentemente, são ex-

tremamente difíceis de serem copiados. Isto é,

são altamente discriminatórios: quem não tiver

competência científica e capacidade

tecnológica estará condenado à periferia,

mesmo que disponha dos demais fatores de

produção (capital, mão-de-obra e matérias-

primas).

Alguém já afirmou, sabiamente, que no

mundo atual “mais vale o que se tem entre as

orelhas do que debaixo dos pés”.

A geração de tecnologias de base

científica exige acúmulo de capital para

investimentos contínuos em pesquisa, desen-

volvimento experimental e engenharia,

mobilizando cérebros com competência em

amplo espectro de conhecimentos e capaci-

dade gerencial para produzir, competitivamente,

novos bens e serviços.

O resultado disso tem sido a concen-

tração do poder em todos os níveis. No nível

individual, o extraordinário valor e a importância

do “novo operariado”, que tem dado origem a

uma nova visão das relações capital/trabalho.

No setor empresarial observa-se a fusão de

empresas, a formação de grandes

conglomerados tecnológicos não confinados a

fronteiras nacionais. Neste caso, observa-se

que quanto mais impregnado de ciência for o

produto ou as tecnologias de produção de um

bem ou de um serviço, menor é o número de

empresas competindo nos mercados. Final-

mente, de uma certa maneira, a mesma coisa

está ocorrendo ao nível de países. Observa-se,

neste final de século, a tendência dos países a

aglomerarem-se em torno de fortes lideranças

tecnológicas para formarem blocos

econômicos e, por extensão, políticos e

militares (18).

Na realidade, os avanços científicos e

tecnológicos em geral e os avanços das comu-

nicações e dos transportes em particular, estão

provocando, no dizer de R. Dreifus (19), a “mundi-

alização da cultura, a “globalização” da

produção dos mercados e da economia, e a

“planetarização” dos países em torno de poucos

“sóis”. Ou seja, as mais fortes lideranças dos

países centrais estão impelindo os países

retardatários no desenvolvimento a gravitarem

em torno dos mesmos, os “sóis” de cada

sistema planetário, complementando e ampli-

ando assim o seu Poder Potencial, com reflexos

positivos no Poder Efetivo(20). São os chamados

“blocos econômicos (a - EUA com o NAFTA e

propondo o ALCA; b - UE com o Leste Europeu

e a África; c - Japão/China e a bacia do Pacífico).

Longo(20),observando o cenário estra-

tégico mundial no início dos anos 90 do século

XX, apresenta uma explicação para a racio-

nalidade embutida na formação de blocos de

poder a nível global ou regional. Da argu-

mentação utilizada, pode-se tornar clara a

interrelação educação - ciência e tecnologia –

poder.

O Poder Potencial (PP) de um país num

dado instante de sua história, comparativamente

a de outros países, representa a sua

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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

disponibilidade de condições físicas capazes de

propiciar a geração de riqueza e poder. A sua

avaliação não leva em consideração análise

subjetiva: trata-se de uma fotografia do país.

Refere-se a uma condição estática, semelhante

à de uma caixa d’água: quanto mais volume e

maior a altura em que estiver colocada, maior a

energia disponível para ser transformada em

trabalho. Ele está associado, basicamente, ao

território nacional e à população existente sobre

o mesmo ou capaz dele vir a suportar. Exemplo

de análise do território seria: extensão total, for-

ma e relevo, localização geográfica, fronteiras

terrestres e marítimas, águas internas, extensão

de desertos e de geleiras, terras apropriadas à

agricultura e à pecuária, disponibilidade de

matérias-primas e de fontes de energia etc.

Quanto à população: número de habitantes, sua

distribuição e mobilidade espacial, etnias,

línguas, religiões etc. Dentre os parâmetros

listados, alguns valorizam (Ex: fronteiras bem

definidas e estabilizadas) e outros depreciam o

Poder Potencial (Ex: afastamento dos centros

dinâmicos da economia mundial).

O Poder Efetivo (PE) de um país, num

dado instante, está associado à sua capacidade

em transformar em riqueza e poder as

disponibilidades físicas, próprias ou de terceiros.

Uma caixa d’água grande e bem elevada (alto

PP), ligada a uma turbina eficiente, gera trabalho

útil (alto PE). Ele pode ser avaliado por

parâmetros econômicos (PNB, renda per capi-

ta, exportações e importações, consumo de

energia elétrica ou de aço/habitante, dispêndio

nacional em C&T, etc.), psico-sociais

(dispêndios com educação e saúde, expectativa

de vida da população, médicos e leitos

hospitalares/habitante, grau de escolaridade da

população, etc.), políticos (regime político,

estabilidade interna, presença internacional,

etc.) e militares (dispêndio nacional com defesa,

efetivo das Forças Armadas, capacidade de

produção autônoma de material de emprego

militar, grau de atualização tecnológica do

equipamento, etc.).

A exigência para que um país se torne

Polo de Poder Mundial (PPM) é que o seu PF

não seja vulnerável a fatores externos,

principalmente pouco susceptível a embargos

ao acesso às necessidades físicas. Ou seja,

exige PE dotado de PP próprio ou comple-

mentado de maneira confiável. Esta condição

pode ser alcançada por um país ou por um bloco

de países estrategicamente associados.

Os avanços da ciência e da tecnologia

causaram alterações na visão e no valor relativo

das vantagens comparativas tradicionais entre

países, ou seja, o domínio e o uso de C&T na

criação de inovações pode criar vantagens que

superam as disponibilidades físicas e até

financeiras. Assim, tem sido possível a alguns

países construírem, isoladamente, um elevado

PE, sem possuírem PP, desde que tenham alta

capacidade científica e tecnológica, que exige

alto nível educacional da sua população.

Exemplo dessa situação é o Japão que, hoje,

tem extraordinário PE, graças à sua com-

petência em C&T, mas que é totalmente

dependente de complementaridade externa

essencial no que diz respeito ao seu PP

(energia, matérias-primas industriais etc.).

Trata-se, portanto de PE extremamente

vulnerável, pois não resistiria a um bloqueio, a

um cerceamento comercial. Assim, isola-

damente, não é, e nem será, um PPM. Outros

exemplos poderiam ser dados em suporte à

afirmativa de que é possível estrategicamente

a um país mal dotado de PP, constituir um

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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

elevado PE, desde que tenha um forte tripé

educação-ciência-tecnologia (E&C&T).

Ao contrário, a história não registra

nenhum país que, dispondo de alto PP, tenha

construído elevado PE sem que tivesse, ao

mesmo tempo, população altamente educada

e elevada capacidade em C&T para os padrões

da época. A história mostra, ainda, que esses

países acabam entregando seu PP para ser

explorado por outros países, ou seja, comple-

mentam o PP de terceiros. Os leitores certa-

mente serão capazes de deduzir um bom e-

xemplo dessa situação.

Pode-se agora responder à pergunta:

porque os EUA são, no momento, o mais

poderoso PPM? É obvio: tendo elevadíssimo PP,

população com elevado padrão educacional,

liderança inconteste em C&T, construíram um

PE que se pode considerar, nas condições

atuais, não vulnerável. No momento, procuram

reforçar o seu PP através do Acordo de Livre

Comércio das Américas (ALCA), após grande

avanço nessa direção com o Acordo de Livre

Comércio da América do Norte (NAFTA). Típico

exemplo de “planetarização”.

Quanto à União Européia, esta se

enquadra perfeitamente como mais um

exemplo em favor da argumentação exposta. A

considerável competência científica e tecno-

lógica européia achava-se espalhada em países

de baixo PP, tais como a Alemanha, a Inglaterra,

a França, a Itália, Holanda, Suíça, Bélgica e

Áustria, todos abrigando populações com

elevado grau de escolaridade. Ao unirem-se,

passaram a ter todas as condições para erigirem

um PPM. A tendência de “planetarização”, neste

caso, é na direção do Leste Europeu e da África.

Finalmente, a situação do Brasil é clara:

dotado de extraordinário PP, um dos maiores

do planeta, falta-lhe E&C&T para construção de

PE soberano, e determinação estratégica

visando ser um PPM.

O PERFIL GENÉRICO DO

PROFISSIONAL A SER PREPARADO E

SUGESTÕES PARA O ENSINO NAS

ÁREAS TECNOLÓGICAS (21)

Diante do cenário mundial exposto

anteriormente, procurou-se salientar os

enormes desafios a serem enfrentados pelo

nosso sistema educacional, particularmente no

tocante à educação científica e tecnológica de

toda a população e às exigências sobre as

áreas profissionais ditas tecnológicas. A

educação com um forte componente científico

e tecnológico, requisito fundamental para a cida-

dania e progresso da nação, começa no nível

de primeiro grau e estende-se até o preparo de

pesquisadores na pós-graduação, passando

pela indispensável formação de professores

competentes e motivados. Exige, portanto,

decidido comprometimento político dos

municípios, estados e União.

Especificamente quanto ao ensino

profissional tecnológico, há que se levar em

consideração que, embora os fundamentos

específicos de cada área, lastrados por sólido

embasamento científico e matemático, são e

continuarão a ser o núcleo central do preparo

intelectual dos profissionais, estes agora

trabalham num ambiente complexo, mutável

com grande rapidez, e no qual suas realizações

são às vezes limitadas mais por considerações

sociais do que pela capacidade técnica.

Tecnólogos atuam decisivamente sobre o

condicionamento do espaço físico apropriado

para a vida humana. Isto faz com que estes

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O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

sejam agora expostos a uma gama mais ampla

de atividades durante sua vida profissional.

Como conseqüência, sua educação deve levar

em consideração os contextos social, econô-

mico e político, envolvidos na prática profis-

sional.

Diante da “mundialização” das culturas,

anteriormente regionais, da “globalização” da

economia e de produção de bens e de serviços

e da “planetarização” dos países menos

desenvolvidos em torno de poucas e fortes

lideranças científicas e tecnológicas, não é mais

possível se pensar apenas localmente. Então,

o novo profissional deve ser preparado para

raciocinar e agir sem fronteiras, o que exige do

mesmo o entendimento de outras culturas,

principalmente idiomas e ambiências nas quais

poderá ocorrer a produção.

Adicionalmente, eles devem ser empre-

endedores e estar preparados para trabalhar em

equipe, gerenciar complexos empreendimentos

que podem envolver muitos indivíduos, mas

também uma empresa de uma só pessoa: eles

mesmos. Em outras palavras, eles devem cul-

tivar a liderança, serem criativos, estarem

profissionalmente e mentalmente equipados

para, eventualmente, terem trabalho e não

necessariamente um emprego, e serem

prestadores autônomos de serviços.

Finalmente, devem ter a consciência de

que jamais estarão “formados”. Deve estar claro

que o futuro profissional, imediato e longínquo,

depende de sua capacidade de atualização

contínua de conhecimentos face ao vertiginoso

avanço das tecnologias, crescentemente

apoiadas em aplicações de descobertas

científicas. A partir da definição do perfil genérico

do profissional a ser produzido, com base na

compreensão do cenário científico e tecnológico

descrito, foram formuladas as sugestões para

o ensino. Tais sugestões são apresentadas

abaixo, agrupadas em três categorias:

a) Conteúdo

Enfatizam aspectos do embasamento

intelectual desejado, e que serão traduzidas, na

sua grande maioria, pelas ementas das

disciplinas:

• Forte embasamento em ciências e

matemática - Imprescindível que seja de

alta qualidade, tratando-se do ponto central

da formação intelectual do profissional. São

fundamentais para o desenvolvimento da

capacidade de abstração.

• Nem politécnica, nem especialista:

formação personalizada - Nem saber um

pouco de tudo, nem tudo de quase nada.

Deve-se oferecer uma formação multi-

disciplinar aprofundada obedecendo a

vocação de cada um, através de oferta de

amplo leque de disciplinas. Os modernos

recursos tecnológicos educacionais, muito

utilizados em EAD, permitem viabilizar uma

formação “sob medida”.

• Domínio das facilidades oferecidas pela

informática associada ou não às

comunicações eletrônicas - Ferramentas

fundamentais para a prática profissional de

todas as áreas tecnológicas, desde a busca

de informações, passando pelo cálculo,

desenho, arquitetura e projeto, até o

acionamento de sistemas complexos de

produção automatizada.

• Domínio de línguas mais usuais -

Obviamente, a proficiência em inglês é

mandatória.

• Visão humanística diante da profissão e

dos interesses da sociedade -

19

Page 20: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Capacidade de entender e de equilibrar

direitos e responsabilidades.

b) Pedagógicas

Práticas pedagógicas que deverão ser

utilizadas para o desenvolvimento do perfil

definido:

• Aprender a aprender - Trata-se da mudança

de enfoque pedagógico mais importante para

enfrentar a ameaça de obsolescência prematura

advinda da dinâmica atual da evolução científica

e tecnológica. Exige mudança radical no

processo ensino-aprendizagem. O futuro

profissional deverá “aprender a aprender

sozinho”. Como conseqüência, aquilo que o

aluno pode ler, entender e/ou deduzir, não deverá

ser exposto pelo professor. Além do uso de

material impresso, e o incentivo ao uso das

bibliotecas como fontes de informação,

recomenda-se o uso de meios eletrônicos

complementares de ensino, manuseados

individualmente pelo aluno na busca de

conhecimentos (vídeo, CD-ROM, INTER-NET

etc.).

• Avançar no desconhecido - É fundamental

que o futuro profissional seja bem fami-

liarizado com a metodologia racional

utilizada na pesquisa e no desenvolvimento

experimental, e com a ambiência científica

e tecnológica (seminários, revistas, redação

técnico-científica, ética, valores, tradições,

sistemas de informações, propriedade

intelectual etc.). Bolsas e estágios de

iniciação científica ou tecnológica são

valiosos instrumentos utilizados nesse

processo.

• Saber fazer (com criatividade e ousadia) -

Estudar, pesquisar, projetar, produzir. O

profissional deve ser preparado para “fazer”,

sempre que possível, inovando. Ele deve

ser desafiado a “fazer” na escola e/ou no

setor produtivo (estágio supervisionado).

• Evitar excessiva compartimentação do

conhecimento e de suas aplicações - A

natureza é complexa e, portanto, “multi-

disciplinar”. Nós é que compartimentamos

o conhecimento, e criamos departamentos

e disciplinas excessivamente estanques.

Deve-se ensaiar novas maneiras de

estudar, entender os fenômenos e suas

aplicações e implicações. Dotar o futuro

profissional de visão sistêmica.

• Capacidade gerencial e empreendedora -

O profissional a ser graduado deve ter a

capacidade de identificar oportunidades,

juntar meios de naturezas diversas

(humanos, materiais e financeiros), orga-

nizá-los e empregá-los eficientemente para

criar e produzir. Ele deve “fazer acontecer”.

Para tanto, deve ter liderança e familiaridade

com o trabalho em equipe.

c) Complementares

Diretrizes gerais que não se enquadram

nas categorias anteriores.

• Fim de “formatura” - Deve ficar claro que a

chamada “formatura” não tem o significado

expresso pela palavra. Deve ser encarada

como um acontecimento social que marca

a desvinculação do cidadão da escola e o

início do seu vôo solitário. Em áreas

tecnológicas não há mais formação termi-

nal. Defende-se, aqui, a proposição que os

“formandos” não deveriam ser “desligados”

das suas escolas. Ao contrário, deveriam

permanecer “matriculados” nelas para sem-

pre, e para a ela voltarem, periodicamente,

quando necessário.

20

Page 21: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

• O professor também é um estudante - O

professor é um estudante normalmente

mais velho e, necessariamente, mais

experiente que seus alunos. Ele também

deve ter presente que nunca estará

“formado”. Todos professores devem ser

estimulados a estudar, produzir intelectu-

almente e não perder contato com a prática

da sua especialidade. Oportunidades para

tal deverão ser oferecidas.

• Intransigência com a qualidade - Diretriz

geral para todas as atividades da escola e

que deve ser transmitida aos futuros

profissionais. Na competição local e glo-

bal, não basta ser bom, é preciso ser ótimo.

• “Legitimar” conhecimentos - O sistema

educacional formal não tem o monopólio do

conhecimento. Hoje, conhecimentos úteis

podem ser adquiridos fora do sistema for-

mal, graças aos veículos modernos de

circulação de informa-ções. A escola deverá

não só fomentar a busca de conhecimentos

onde eles estiverem disponíveis, mas,

também, aceitá-los oficialmente.

REFERÊNCIAS

(1) LONGO, W.P., “A viável democratização ao

acesso ao conhecimento”, Revista Lugar

Comum/UFRJ 9-10, p. de 195 a 207, Rio de

Janeiro,Setembro 1999 a Abril 2000.

(2) LONGO, W.P., “Ciência e Tecnologia:

evolução, inter-relação e perspectivas”. Anais

do 9º Encontro Nacional de Engenharia de

Produção, vol. 1, 42, Porto Alegre, 1989.

(3) PRICE, D.S., “Little science, big science”,

Columbia University Press, New York, 1963.

(4) “The Hart-Rudman Presidential Commission

on the future of national security”, Phase II,

Washington D.C., E.U.A, 2000.

(5) LONGO,W.P., “Ciência e Tecnologia e a

Expressão Militar do Poder Nacional”, TE-86

DACTec, Escola Superior de Guerra, Rio de

Janeiro, 1986.

(6) OLIVEIRA, J.M.A., “Origem e evolução do

pensamento estratégico”, Escola Superior de

Guerra, Rio de Janeiro, 1986.

(7) LONGO,W.P., “O desenvolvimento científico

e tecnológico do Brasil e suas perspectivas

frente aos desafios do mundo moderno”,

coleção Brasil: 500 anos, vol. II, Editora da

Universidade da Amazônia, Belém, 2000.

(8) LONGO, W.P., “A visão internacional e os

institutos de pesquisa”, Longo, W.P., Anais do

Congresso ABIPTI 2000 da Associação

Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecno-

lógica , p. 21 a 36, Fortaleza, 2000. .

(9) RUTHERFORD, F.J. e AHLGRES, A, “Sci-

ence for all Americans”, Oxford University Press,

New York, E.U.A, 1990.

(10) JOHNSON, J.R., “Technology”, American

Society for the Advancement of Science, Wash-

ington, E.U.A., 1989.

(11) De MASI, D., Entrevista, Correio do Livro,

Abril/Junho, Rio de Janeiro, 1999.

(12)O.N.U., “Novas tecnologias e desen-

volvimento humano”, Relatório, 2001.

(13) UniRede, “Democratização do acesso ao

ensino superior público: proposta para a insti-

tucionalização da UniRede” , Rio de Janeiro,

2002.

(14) SAVITZ, E. J.,“For Adults Only”, Barrow´s,

Dow Jones Company Inc., march 2, 1998, EUA.

(15) Consórcio CEDERJ, “Planejamento

Orçamentário 2002”, Rio de Janeiro, 2002.

(16) “Distance education at postsecondary edu-

cation institutions: 1997-98”, National Center for

21

Page 22: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Desenvolvimento Científico e Tecnológico e seus Reflexos no Sistema Educacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Education Statistics, Statistical Analysis

Report,U.S. D.O.E., Washington, E.U.A., De-

cember, 1999.

(17) BALDWIN, L.V., “The National Technologi-

cal University: a pioneering virtual university”,

International Symposium on Continuing Engi-

neering Education, WFEO, FEBRAE, Rio de

Janeiro, 1996.

(18) LONGO, W.P. e BRICK, E.S., “Entraves ao

acesso à tecnologia”, Anais do IV Seminário

Internacional de Transferência de Tecnologia, Rio

de Janeiro, 1992.

(19) DREIFUSS, R. A., “A era da perplexidade”,

Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1997.

(20) LONGO, W.P., “Desenvolvimento científico

e tecnológico: conseqüências e perspectivas”,

Escola Superior de Guerra, CAESG TI-91, Rio

de Janeiro, 1991.

(21) LONGO, W.P., “Educação tecnológica no

mundo globalizado”, Revista Engenharia

Ciência e Tecnologia, UFES, ano 3 ed.14, p. 14a 20, Vitória/ES, 2000.

* Waldimir Pirró e Longo é Eng. Met., M.E.,

Ph.D., L.D, Professor Titular da UFF, Diretor do

Observatório Nacional e Conselheiro da

FUCAPI.

22

Page 23: Revista T&C Amazônia - Nº 1

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Tecnologia e Desenvolvimento Regional

TECNOLOGIA EDESENVOLVIMENTO REGIONAL

José Seixas Lourenço*

INTRODUÇÃO

O encaminhamento de soluções para os

múltiplos desafios amazônicos depende da

capacidade política de escolher entre

alternativas, mobilizar os meios necessários,

articular as ações e conduzir o processo de

mudanças. Implica, em conseqüência, num

esforço de substituição de políticas setoriais

pulverizadas por uma Política Integrada em

suas dimensões econômica, socioambiental e

científico-tecnológica, enquanto instrumento de

regulação do processo de desenvolvimento

sustentável da região.

A economia amazônica envolve atual-

mente atividades diversificadas que vão do

extrativismo à indústria eletro-eletrônica. O

segmento mais dinâmico da sua estrutura

produtiva sustenta-se em um tripé espacial:

Projeto Carajás, Região de Belém-Barcarena e

a Zona Franca de Manaus. Também são

importantes os eixos agropecuários ou agro-

industriais do sudeste do Pará, do Tocantins,

do norte do Mato Grosso e Rondônia. Outras

áreas com grande potencial econômico são: o

núcleo de exploração de gás e petróleo de Urucu

e Juruá, no Amazonas, e o centro-oeste do Pará,

com a implantação da linha de transmissão de

energia elétrica de Tucuruí.

Os resultados desse processo em

termos de desenvolvimento regional são,

contudo, limitados. A internalização da renda e

do emprego mostrou-se insuficiente, excluindo

compulsoriamente dos benefícios gerados

23

Page 24: Revista T&C Amazônia - Nº 1

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Tecnologia e Desenvolvimento Regional

parcela substancial dos amazônidas. Ao mesmo

tempo, a exportação dos seus recursos naturais

se fez desordenadamente, assumindo caráter

predatório em muitas áreas da região ocupadas

no período.

A reversão desse processo exige um

outro perfil de desenvolvimento socialmente

justo, ambientalmente equilibrado e economi-

camente eficaz, que corresponda às exigências

básicas de um Projeto Nacional. É necessário

colocar o país e, em especial, a região, em

sintonia com as profundas e velozes

transformações globais, decorrentes sobretudo

da revolução científico-tecnológica.

As novas tecnologias requerem o uso

dos elementos da natureza num outro patamar,

como é o caso da biodiversidade, enquanto fonte

de bioprodutos, pela via da biotecnologia.

O Brasil, e particularmente a Amazônia,

reúne as condições necessárias para avançar

numa ampla frente, que vai da pesquisa funda-

mental à aplicada, em especial sobre a

biodiversidade. A aceitação desse desafio, se

levada a bom termo, servirá de alicerce para a

construção de uma nova forma de civilização

moderna de biomassa baseada no uso

sustentável de recursos naturais.

Neste contexto, cabe reconhecer a

necessidade da aquisição do conhecimento

científico e das tecnologias de ponta, requeridos

para viabilizar o potencial contido, muito

especialmente, nos recursos genéticos da

Amazônia, por meio da cooperação interna-

cional, em conformidade com a Convenção

Mundial sobre Diversidade Biológica.

É inquestionável que o novo estilo de

desenvolvimento fortalece a importância

estratégica da Amazônica. Essa importância

decorre, sobretudo, das vantagens compa-

rativas face ao país e ao mundo: a sua

dimensão territorial, a sua posição geográfica e

a magnitude e diversidade da sua base de

recursos.

No que se refere aos desafios externos,

a consolidação do MERCOSUL e uma série de

acordos bilaterais ou de progressiva adesão ao

bloco regional sul-americano evidenciam que a

Amazônia brasileira não poderá isolar-se da

tendência mundial. As articulações de trans-

portes e comunicações, e de processos

produtivos entre os países membros da

Organização do Tratado de Cooperação

Amazônica abre canais de acesso ao Pacífico

e ao Caribe e, portanto, a novos mercados

mundiais. A Amazônia, pela sua posição

privilegiada, tenderá a desempenhar um papel

fundamental para a integração da América do

Sul setentrional e para uma futura integração

continental.

Por outro lado, no âmbito da Convenção

Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças

Climáticas, surgem excelentes oportunidades

para o Brasil, e, em especial, para a Amazônia,

de captação de recursos internacionais,

decorrentes do Mecanismo de Desenvolvi-

mento Limpo, proposto pelo governo brasileiro

e criado pelo Protocolo de Quioto, assinado em

dezembro e de 1997, visando a limitação das

emissões e o armazenamento seqüestro de

carbono. Por esse mecanismo são elegíveis

projetos de recuperação de áreas degradadas,

por meio de reflorestamento, para fins produti-

vos. Projetos florestais como alternativas às

mudanças no uso do solo, e portanto, con-

tribuindo para redução das taxas de desma-

tamento, são iniciativas importantes para o

desenvolvimento sustentável da Amazônia, bem

como para a fixação de mão de obra na zona

rural e geração de empregos. O volume do

mercado de carbono deve atingir até 2010,

24

Page 25: Revista T&C Amazônia - Nº 1

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Tecnologia e Desenvolvimento Regional

segundo o Banco Mundial, valores entre 8 a 10

bilhões de dólares, distribuídos entre os

principais países onde os projetos deverão ser

implantados, principalmente China, Índia e

Brasil.

O pleno aproveitamento dessas vanta-

gens, entretanto, está condicionado por

desafios que precisam ser superados. Alguns

deles são inerentes às características da região

amazônica: as grandes distâncias e o isola-

mento decorrentes da descontinuidade e

concentração da ocupação e da produção,

dificultando o acesso ao trabalho, bens, serviços

e mercados; a vulnerabilidade intrínseca dos

seus ecossistemas. Por outro lado, as

universidades e os institutos de pesquisa da

região, apesar do muito que já foi alcançado,

não apresentam ainda as condições desejáveis

de produzirem o conhecimento sobre a

Amazônia que se faz necessário.

OBJETIVO DO PROGRAMA

Qualquer programa de atuação na

Amazônia deve considerar o fato de que as

políticas de desenvolvimento aplicadas à região

nas últimas décadas transformaram

radicalmente o cenário sócio–econômico da

Amazônia e redefiniram sua importância no

cenário nacional e internacional. Existe hoje no

país a consciência de que, nesse processo,

criaram-se problemas sociais e ambientais de

enorme envergadura.

A resolução desses problemas e a

implantação de formas de desenvolvimento

menos agressivas em relação ao meio ambiente

e menos injustas socialmente exige

recursos humanos altamente

qualificados tanto para a pesquisa científica que

permita um melhor conhecimento da realidade

sobre a qual se vai agir, como para suprir as

empresas, órgãos governamentais e

associações civis com os quadros necessários

para uma atuação responsável e competente.

Considerando que a capacitação de

recursos humanos altamente qualificados e o

desenvolvimento das pesquisas sobre a região

constituem elementos indispensáveis para a

solução dos problemas que afetam a

Amazônia, um projeto de capacitação científica

não pode seguir os mesmos moldes daqueles

que promoveram o desenvolvimento científico -

tecnológico no sudeste e sul do país, onde a

necessidade premente de pesquisas orientadas

para uma aplicação social não esteve presente.

São essas novas condições e essa premência

que estabelecem a necessidade de um esforço

muito mais concentrado e mais dirigido no

sentido de maximizar os resultados e acelerar

o processo de capacitação.

A formulação de linhas prioritárias de

pesquisa deve obedecer claramente a esta

orientação e há uma grande margem de

consenso, entre pesquisadores e instituições,

de dentro e de fora da região, sobre as linhas

gerais que devem ser priorizadas. O marco

mais geral de todas as colocações diz respeito

à utilização de recursos naturais, incluindo:

1. desenvolvimento do conhecimento sobre o

ecossistema amazônico e de sua influência

sobre as demais regiões, especialmente em

termos climáticos;

2. desenvolvimento de novas tecnologias que

permitam superar os padrões destrutivos de

exploração dos recursos naturais,

aumentando a produtividade da ação

econômica e contribuindo para a elevação

do nível de vida da população;

3. análise dos efeitos das diferentes formas de

25

Page 26: Revista T&C Amazônia - Nº 1

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Tecnologia e Desenvolvimento Regional

ocupação humana e de exploração dos

recursos naturais, especialmente em

termos de sua capacidade de promover

danos irreversíveis ao ambiente e,

inversamente, da possibilidade de implan-

tação de sistemas auto-sustentados de

produção;

4. análise das condições de saúde da

população e das pesquisas sobre as prin-

cipais endemias em sua relação com as

condições sócio-econômicas e desen-

volvimento de formas de tratamento;

É importante levar em conta que o

desenvolvimento da pesquisa nas áreas

consideradas prioritárias deve privilegiar

projetos temáticos que dependam, em grande

parte, de colaboração interdisciplinar. Isto

significa que uma política de formação de

recursos humanos deve contemplar o conjunto

das disciplinas científicas que oferecem a

sustentação necessária para esse tipo de

trabalho coletivo de investigação. Nenhum

trabalho interdisciplinar pode prescindir da

colaboração de cientistas altamente com-

petentes em suas respectivas disciplinas, os

quais devem, além do mais, possuir uma

familiaridade geral com a direção do desenvol-

vimento do conhecimento em áreas afins.

A necessidade dessa ampla base de

pesquisadores competentes em disciplinas

muito diversas demonstra a impossibilidade de

se desenvolver o conhecimento sobre a

Amazônia sem a existência de uma estrutura

científico-tecnológica com pesquisadores

residentes. Não é possível desenvolver projetos

de grande envergadura contando apenas com

pesquisadores de outras regiões ou países.

Além disso, não se trata apenas de produzir

conhecimento sobre a Amazônia. Uma vez que

há um projeto de desenvolvimento econômico-

social envolvido, é preciso que haja, na região,

pessoal qualificado para utilizar o conhecimento

produzido em termos de sua aplicação na

solução dos problemas sócio-ambientais. E

essa aplicação só é plenamente possível quan-

do se domina o processo de produção desse

conhecimento.

Trata-se, portanto, de criar localmente,

com a colaboração externa, massa crítica de

cientistas em áreas afins que dê suporte não

só ao desenvolvimento das investigações mas

também à formação auto-sustentada de novos

pesquisadores. Para obter esse resultado, há

que se privilegiar uma ação institucional, voltada

prioritariamente para as universidades e

institutos de pesquisa que são as instituições

capazes de aliar a pesquisa à formação de

novos pesquisadores e de pessoal qualificado

para as empresas e órgãos governamentais.

PRINCIPAIS MEDIDAS

No âmbito da Política Integrada foram

formulados dois projetos inovadores e capazes

de gerar impactos positivos, os quais foram

incorporados ao Programa Brasil em Ação, em

1998:

Programa Brasileiro de Ecologia Mole-

cular para o Uso Sustentável da Biodiversidade

da Amazônia – PROBEM/Amazônia, que vem

sendo implementado pela Organização Social

BIOAMAZÔNIA, em parceria com os Ministérios

do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia, do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,

e com o apoio da SUFRAMA e do BASA.

O PROBEM/Amazônia visa implantar

um Pólo de Bioindústrias na região e atuar na

geração de conhecimento e transferência de

tecnologia de ponta, mediante diversas

26

Page 27: Revista T&C Amazônia - Nº 1

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Tecnologia e Desenvolvimento Regional

modalidades de parcerias com instituições de

pesquisas e o setor produtivo. Além disso, é

propósito do Programa contribuir para a

diversificação da estrutura produtiva da Zona

Franca de Manaus. Seu foco de atuação é a

geração de produtos industrializados de alto

valor agregado e com potencial de mercado.

Programa de Desenvolvimento do

Ecoturismo na Amazônia – PROECOTUR,

elaborado em parceria do Governo Federal com

os estados, municípios, sociedade organizada

e setor empresarial da região amazônica,

visando a implementação de Pólos de

Ecoturismo em cada Estado da região. O

PROECOTUR vem recebendo recursos de pré-

investimento do Banco Interamericano do

Desenvolvimento – BID e deverá incorporar

inovações tecnológicas em energias alter-

nativas, habitação, saneamento e outras áreas

de interesse para o turismo ecológico.

Concomitantemente, deve-se iniciar um

esforço de implementação dos novos segmen-

tos e ramos vinculados aos recursos naturais

renováveis e à biodiversidade, com base em

tecnologias avançadas e conhecimentos

regionais: agro-indústria de produtos naturais,

indústria de pesca, complexos agro-florestais

e madeireiros, afora a bio-indústria e o

ecoturismo. As potencialidades naturais

específicas da região, incluindo o seu rico e ori-

ginal banco de germoplasma, oferecem

condições, ainda não suficientemente utilizadas,

para multiplicação e diversificação de empre-

endimentos de variados tipos e dimensões.

Entre outras oportunidades de investimentos

destacam-se a agricultura de várzea, a pesca

e a piscicultura, os criatórios de animais

silvestres, a fruticultura e a produção de óleos

essenciais.

A implementação recente dos com-

plexos agro-industriais, na Amazônia, impõe a

necessidade de estabelecer medidas que

impeçam que a sua expansão se faça à custa

do desmatamento e da degradação dos

recursos hídricos e dos solos. Do mesmo modo,

práticas agrícolas inovadoras de manejo

sustentável dos recursos naturais devem ser

incentivadas, bem como a incorporação de

unidades de beneficiamento e armazenamento,

como procedimentos de agregação de valor aos

produtos regionais, sobretudo aqueles resul-

tantes do trabalho dos pequenos produtores. O

desafio da agricultura na Amazônia é intensificar

a produção e, ao mesmo tempo, manter a saúde

do solo, utilizando tecnologias apropriadas.

No setor madeireiro há boas perspec-

tivas do mercado internacional de madeiras

tropicais, com a condição de que sejam

oriundas de áreas sob regime de manejo

sustentável. A extração da madeira vem tendo

elevada participação na renda regional, mas as

madeireiras realizam uma exploração seletiva,

e em geral predatória, de espécies de alto valor

comercial. Tornam-se, portanto, necessários

incentivos ao manejo florestal, bem como

investimentos para a consolidação de toda a

cadeia produtiva, integrando vertical e

horizontalmente a atividade madeireira.

Nessa perspectiva, devem também ser

aproveitados os importantes avanços da frente

mínero-metalúrgica, verticalizando e reestru-

turando os complexos econômicos já criados,

para maior adequação aos sistemas ambiental

e social da região. Além disso, mecanismos

dever ser implantados para exigir dos

empreendimentos existentes níveis crescentes

de agregação de valor ao minério extraído,

mediante o seu processamento na região, a

27

Page 28: Revista T&C Amazônia - Nº 1

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Tecnologia e Desenvolvimento Regional

exemplo da produção de ferro-gusa, silício

metálico e ferro ligas.

METAS E MEIOS

O Ministério da Ciência e Tecnologia

(MCT) tem procurado construir e mobilizar

instrumentos que o habilitem a contribuir para a

superação dos desequilíbrios regionais. Esta

ação tem sido pautada pela visão de que ciência

e tecnologia (C&T) constituem, hoje, vetor

importante do desenvolvimento.

Várias ações do MCT com esta ênfase

podem ser citadas. Visando a desconcentração

regional da pesquisa, 30% dos recursos dos

Fundos Setoriais são destinados para as

Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Para

garantir a aderência de suas políticas e

instrumentos às demandas estaduais, o

Ministério criou uma assessoria especial

integralmente dedicada à questão regional.

Estabeleceu, como um dos temas prioritários

em seu Plano Plurianual, o desenvolvimento de

Arranjos Produtivos Locais. Ciente de que a

criação de novos instrumentos federais não

garante, por si só, a transformação de C&T em

vetor de desenvolvimento, o MCT tem buscado

também a interação com bancos e agências

de desenvolvimento regional, para promover a

complementaridade das ações de C&T federais

e locais. Foram firmados diversos Termos de

Cooperação com os estados, que contam com

seus respectivos Comitês de Gestão. A

cooperação entre o Ministério da Ciência e

Tecnologia (MCT), Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq), Financiadora de Estudos e Projetos

(FINEP), Banco da Amazônia (BASA), Agência

de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) e

Superintendência da Zona Franca de Manaus

(SUFRAMA) insere-se neste quadro, forma-

lizado por meio de um Comitê Gestor de C&T

da região amazônica.

A possibilidade de complementaridade

entre a atuação do BASA, da ADA, da SUFRAMA

e do MCT e suas agências é clara. A capilaridade

da estrutura do Banco e das duas agências

regionais e sua grande experiência na identi-

ficação de cadeias produtivas setoriais a serem

apoiadas na região propiciam uma prospecção

de demanda por investimento em C&T detal-

hada, rica e adequada às marcantes

especificidades regionais. Em contrapartida, o

amplo rol de instrumentos, programas e políticas

disponíveis no sistema federal de C&T pode, a

partir destas informações, ser mobilizado e

melhor direcionado para viabilizar o desen-

volvimento científico e tecnológico esperado pela

região.

Contudo, mais que garantir a realização

de determinado conjunto de ações do MCT e

de suas agências na Amazônia brasileira,

pretende-se que a cooperação permita construir

uma efetiva sinergia entre os instrumentos a

serem mobilizados por cada um dos parceiros.

Neste sentido, o apoio ao Programa de

Competitividade e Inovação Tecnológica para as

Pequenas e Médias Empresas (PME) na

Amazônia Brasileira deverá ser um exemplo

deste novo formato de cooperação, tendo como

parceiros o Serviço Brasileiro de Apoio às Mi-

cro e Pequenas Empresas (SEBRAE), as

Federações de Indústria, as agências regionais

de desenvolvimento (BASA, ADA e SUFRAMA),

os Governos estaduais e o Banco Interameri-

cano de Desenvolvimento (BID).

No Programa, caberá ao MCT apoiar,

com recursos não reembolsáveis, ações nas

áreas científico-tecnológicas – incluindo

28

Page 29: Revista T&C Amazônia - Nº 1

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Tecnologia e Desenvolvimento Regional

pesquisa, capacitação e desenvolvimento

tecnológico – e relativas à Tecnologia Industrial

Básica (TIB), para atender as demandas de mi-

cro e pequenas empresas da Amazônia. Estão

previstos investimentos de cerca de US$ 200

milhões, no período 2003-2006, voltados para

os segmentos econômicos e sociais estraté-

gicos definidos no Plano de Desenvolvimento

da Amazônia.

* José Seixas Lourenço é PhD em Geofísica.

Ex-Diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi,

Ex-Reitor da Universidade Federal do Pará, Ex-

Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da

Amazônia (INPA). Presidente do Conselho de

Administração da BIOAMAZÔNIA, Membro do

Conselho de Administração do Instituto

Internacional para o Ensino Superior na América

Latina e Caribe (IESALC).

29

Page 30: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

CENTRO DE BIOTECNOLOGIADA AMAZÔNIA - CBA E ODESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL DA AMAZÔNIA

Imar César de Araújo*

Muito se tem falado sobre a biodiver-

sidade da Amazônia nos últimos tempos. Mais

recentemente, durante a construção do Centro

de Biotecnologia da Amazônia - CBA, esta

discussão foi intensificada nos meios políticos,

técnicos e empresariais, envolvendo autoridades

das três esferas do poder, em toda a região

amazônica. Em recente apresentação sobre o

Centro, para professores e alunos da

Universidade Estadual do Amazonas- UEA, foi-

nos perguntado por que as obras e a instituição

do Centro estavam atrasadas em um ano.

Respondi que a implementação do Centro

estava atrasada não em um ano, mas em pelo

menos 20 anos.

Hoje, depois de muitos problemas na

ocupação da Amazônia, como o modelo de

ocupação da região pela pecuária extensiva, o

estabelecimento de novas abordagens, como a

construção e implementação do CBA, nos leva

a crer que há um consenso em torno deste novo

modelo. O CBA, embora com atraso, devido a

problemas ocorridos em sua construção, deverá

iniciar as suas atividades em 2003 e, ao nosso

ver, acelerar sua atuação nos próximos anos

perseguindo os objetivos para os quais foi

criado.

Gostaríamos, ainda, de destacar, neste

artigo, as inquietações da sociedade, inclusive

as nossas, com o atraso na implementação do

Centro e com o futuro do programa em que se

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Page 31: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

encontra inserido - Programa Brasileiro de

Ecologia Molecular para Uso Sustentável da

Biodiversidade da Amazônia - PROBEM. (ver

nota explicativa PROBEM)

NOTA EXPLICATIVA

O PROBEM é uma iniciativa conjunta da comunidadecientífica, do setor privado, do governo federal, e dosgovernos estaduais da Região Amazônica. É consideradoum dos projetos estratégicos do governo federal tantopara o anterior quanto para o atual. O objetivo primor-dial deste programa é contribuir para o desenvolvimentoda bioindústria na Região Amazônica, atuando nageração de conhecimentos, na transferência detecnologias, na promoção de inovações tecnológicas nosetor de bioindústria, mediante diversas modalidades deparcerias com instituições de pesquisas e empresasprivadas, nacionais e internacionais.

Os objetivos e os princípios básicos

definidos pelo PROBEM para o Centro de

Biotecnologia da Amazônia – CBA representam

o interesse atual da sociedade. Espera-se que

se possa agregar valores aos produtos da

biodiversidade, via ciência, tecnologia e inovação

tecnológica, ou seja, conhecimento. Espera-se

evitar a utilização da região como simples

fornecedora de matéria-prima bruta, ficando a

maior parte do valor agregado no exterior ou

mesmo em outras regiões do território brasileiro.

Sabe-se que certos produtos da biodiversidade

amazônica são exportados para outros países,

em sua forma quase natural e depois, impor-

tados por centros produtores do centro-sul

brasileiro, como componentes de alta qualidade,

em que foram agregados, mais de 50 vezes o

valor original do produto. O CBA terá papel fun-

damental na tarefa de desenvolvimento da

bioindústria local de produção de componentes

e produtos finais.

Há que se organizar a sociedade como

um todo, de forma a poder alcançar esta meta.

Será preciso aumentar os investimentos na

formação de recursos humanos especializados

e atrair mais capital e empreendedores para a

Amazônia, além de melhorar a sua distribuição,

dado que os existentes, em sua grande maioria,

encontram-se concentrados em dois pólos –

Belém e Manaus. O desafio valerá a pena, vez

que com a intensificação da produção de

componentes e produtos acabados, de alta qua-

lidade, com base na biodiversidade amazônica,

poder-se-á ampliar, em longo prazo, o emprego

e a renda regional em valores consideráveis. Por

isso, a certeza de que estamos atrasados pelo

menos 20 anos para que seja posto em marcha

um programa desta natureza, tempo que

teremos que esperar para apresentar resultados

significativos para toda a população amazônica,

existente e futura.

A busca de soluções e os amplos

objetivos propostos para o Centro exigirão

estratégias minuciosas, decisões rápidas,

entendimentos no âmbito governamental e,

principalmente, mudanças de paradigmas

vigentes nas instituições do país, no sentido de

garantir o sucesso pretendido. Alguns focos

serão abordados.

Como primeiro aspecto, é necessário

assegurar uma legislação equilibrada que possa

permitir o acesso à biodiversidade pelas

empresas e instituições de pesquisa, de modo

flexível sem, no entanto, exagerar na permis-

sibilidade, que direcionaria os resultados para

as grandes empresas detentoras de capital, em

detrimento da população amazônica. Restringir

demais pode impedir o acesso à biodiversidade

por cientistas e entes “econômicos” brasileiros.

Pode, inclusive, estimular a naturalização do

patrimônio genético brasileiro, nos países

vizinhos amazônicos ou mesmo em outros

tropicais de todo o mundo – p.e. produtos “made

in Cingapura” com recursos naturais endêmicos

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Page 32: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

da Amazônia brasileira, adquiridos em outro país

amazônico. O conhecimento é a forma de evitar

este tipo de desvio e a biopirataria, resultados

que não serão nunca conseguidos via

fiscalização.

Como segundo aspecto, deve-se

permitir a integração dos países amazônicos no

acesso e uso da biodiversidade, que não é

somente brasileira, pois que a Amazônia

abrange sete países da América do Sul. É

importante focar a Amazônia continental (sete

milhões de km2) e não somente a brasileira

(cinco milhões de km2). Os acordos bilaterais

ou mesmo multilaterais, facilitarão a defesa

deste patrimônio, e poderão ampliar as

conquistas tecnológicas pretendidas. O Brasil

tem os ingredientes necessários para liderar

esta ação.

O Centro de Biotecnologia da Amazônia

– CBA deverá ser um usuário da biodiversidade

amazônica e será, com certeza, um braço forte

de apoio ao governo brasileiro no acesso e

defesa dessa biodiversidade. Complementar-

mente, a sinergia das ações integradas com o

conhecimento acumulado pelo INPA, Embrapa,

Museu Goeldi e Universidades da região, entre

outros, serão fator de diferenciação e com-

petitividade no desenvolvimento de novas apli-

cações, produtos e processos.

Outro ponto importante é como será

financiado o Centro de Biotecnologia da

Amazônia – CBA. A biodiversidade é tão ampla

que qualquer tentativa de estudá-la como um

todo é uma tarefa impossível, mesmo em longo

prazo. Para transformar a biodiversidade em um

negócio sustentável, é necessário investimentos

maciços no programa e principalmente no CBA,

para produção dos conhecimento necessários

que irão garantir o uso racional e competitivo

dos recursos naturais, com o propósito de criar

emprego e renda na região.

A garantia de se manterem estes recur-

sos, de fontes oriundas do governo brasileiro,

na quantidade e continuidade necessárias, não

será tarefa fácil. As estratégias para suprir esta

necessidade passam, necessariamente: pela

captação de recursos de fontes governamentais

e da iniciativa privada; pela diminuição da am-

plitude da biodiversidade a ser estudada em

cada período (eleição de prioridades); pela

gestão eficiente e contínua do Centro, que

necessariamente deverá ser exercida por um

modelo institucional flexível e que possa

relacionar-se e estar próximo das empresas

privadas; pela alocação complementar e uso

de recursos de uma rede integrada de

laboratórios associados (regional e nacional),

absorvendo uma massa crítica de conhecimento

científico, de pessoal e de conhecimentos

tradicionais existentes; e, finalmente, pela

geração de recursos financeiros para re-

investimento no Centro, advindos de

conhecimento, produtos e processos gerados

pelo próprio Centro e em parceria, na rede

integrada de laboratórios. O CBA deverá exercer

o importantíssimo papel de coordenar e gerir

este complexo.

Com acesso à biodiversidade, finan-

ciamento e geração dos conhecimentos neces-

sários advém, logicamente, uma reflexão: como

garantir a produção de componentes, com

qualidade e em quantidade suficiente para o

florescimento de um parque industrial dinâmico

baseado em insumos da biodiversidade

amazônica?

Paradoxalmente, a grande biodiver-

sidade da Amazônia é decorrente do baixo

número de indivíduos de uma mesma espécie

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Page 33: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

e uma grande quantidade de espécie por unidade

de área de floresta. Estudos realizados na região

mostram que demandas crescentes de um

produto oriundo do extrativismo ocasionam,

necessariamente, uma oferta reprimida (rigidez

de oferta desse produto), aumento dos preços

e o desencadeamento de processos de substi-

tuição por produtos similares, pelo cultivo e pela

síntese química, na expectativa de atender a

demanda e equilibrar os preços. É um processo

complexo em que a borracha natural é um

exemplo típico deste sistema de substituição,

onde todos os modelos foram usados para o

suprimento da matéria-prima, sendo,

atualmente, o extrativismo de importância mar-

ginal, mesmo para o mercado brasileiro. Alguns

setores econômicos são menos exigentes em

quantidade do produto, mas não o são quanto à

qualidade e preço. Processos de domesticação

ou síntese deverão ser disparados tão logo se

descubra um produto de alto potencial de

mercado, sob pena da região perder o domínio

de um mercado conquistado. Mais uma vez a

rede de laboratórios associados poderá ser

utilizada para suprir o conhecimento e ao CBA

caberá coordenar e disparar estas ações.

Um dos temas que suscitaram maior

discussão na implantação do CBA na região foi

referente a recursos humanos especializados

para sua operação. Muitos defendiam a criação

de um “centro virtual” em que os laboratórios

ficassem na região mais favorecida do País. Este

modelo criaria a denominada dominação

tecnológica, onde a Amazônia continuaria como

mera fornecedora de insumos brutos, também,

para a pesquisa. A região não abrigaria centros

de pesquisa e desenvolvimento eficientes por

não dispor de pessoal especializado na qualidade

e quantidade requeridas e não formaria nem

atrairia este pessoal por não ter centros de

pesquisas que pudessem absorvê-los. Como

concebido hoje, o CBA deverá quebrar a inércia

da demanda e estimulará a formação local e

atração de talentos. Ressalta-se, entretanto, que

a alocação de pessoal especializado é um dos

fatores preocupantes a ser resolvido em curto

espaço de tempo. Deve-se contar, além da rede,

com pessoal especializado da melhor qualidade

trabalhando na região, liderando pesquisa e

desenvolvimento e formando futuros líderes na

área de biotecnologia. A Superintendência da

Zona Franca de Manaus - SUFRAMA, em função

do CBA, formulou convênios com a Univer-

sidade Federal do Amazonas – UFAM, em

conjunto de 7 (sete) Centros de Pesquisa e

Ensino, e com a Universidade do Estado do

Amazonas – UEA, para a criação e manutenção

de cursos de doutorado e mestrado em

biotecnologia, respectivamente. Os resultados

destas ações só serão sentidos no médio prazo.

No momento, a identificação de recursos

humanos especializados na região e em outros

locais deverá ser a ação prioritária para a

formação do Quadro do Centro de Biotecnologia

da Amazônia - CBA. Juntamente com o Ministério

de Ciência e Tecnologia - MCT e o Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico – CNPq, deverão ser realizadas

ações de contratação de pessoal especializado,

inclusive bolsistas, envolvendo pesquisadores,

laboratoristas e técnicos especializados em toda

as áreas de ação do Centro. Está sendo

detalhado, também, um Plano de Negócios para

o CBA, que deverá ter início já em 2003, inserido

em uma visão de quatro anos (Plano Diretor),

onde serão definidas as reais necessidades de

pessoal para execução do Plano.

As informações aqui prestadas deixam

claro as principais preocupações com a

implementação do CBA e permitem inferir e

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Page 34: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

explicar, com mais propriedade, algumas

dúvidas mais comuns da sociedade. Algumas

mais freqüentes:

O Centro de Biotecnologia da Amazônia

- CBA não é um Centro de Pesquisa

convencional. Será um Centro Tecnológico,

entendido como uma Entidade Tecnológica

Setorial (trinômio: biotecnologia/biodiversidade/

bioindústria), atuando próximo das empresas,

acionado pela demanda empresarial e pela ação

proativa de identificar novas oportunidades

econômicas no desenvolvimento de novos

produtos. Deverá agir junto e com a participação

de pequenas, médias e grandes empresas, que

serão usuárias e co-financiadoras do Centro. Os

recursos de fontes governamentais deverão ter

predominância relativa nos primeiros anos,

devendo diminuir relativamente ao financiamento

pelas empresas, no médio e longo prazos.

Deverá ter um procedimento de garantir a

distribuição de benefícios às populações

tradicionais bem como a sua participação no

processo de desenvolvimento e na cadeia

produtiva destes bens, provendo as empresas

privadas de serviços e conhecimentos

necessários para exercerem plenamente sua

capacidade, na busca de atender os mercados

local, regional, nacional e internacional de

produtos naturais de qualidade. O Centro deverá

ter uma ação especial no fortalecimento de

pequenas empresas de base tecnológica na

região, não sendo, entretanto, este o seu público

exclusivo.

Não se deve ter uma expectativa

exagerada do tempo de resposta do CBA. A ação

do Centro deverá ser dividida em duas fases:

A primeira, denominada de “Implemen-

tação da Instalação do CBA”, compreenderá

duas etapas: ano de 2003, quando se con-

solidará, por um lado, o término das infra-

estruturas físicas básicas, incluindo a aquisição

de máquinas, equipamentos, acessórios e a

alocação do pessoal mínimo necessário para

iniciar a operação. Por outro, deverá ser definido

o modelo de gestão e implementado o

planejamento de médio prazo, e serão

assinados Contratos com o Governo Federal,

para quatro anos. A segunda etapa será a

implementação definitiva do Centro, no

quadriênio 2004-2007, com complementação de

obras e equipamentos para os laboratórios,

alocação de pessoal necessário e desenvol-

vimento de programa de acesso à bio-

diversidade, com todos os programas de

pesquisa, tecnologia e inovação em andamento

e o pleno funcionamento da rede de laboratórios

associados.

A segunda fase deverá compreender os

seis anos subsequentes e o Centro deverá estar

funcionando plenamente, com experiência e

competência capazes de atrair capitais de

origem estrangeira, em valores suficientes para

implantação e coordenação de programas

integrados de ciência, tecnologia e inovação para

a biodiversidade amazônica, no Brasil, e já

contando com participação significativa de capi-

tal próprio, decorrentes da venda de serviços e

da negociação de propriedade intelectual.

Estarão operando, plenamente, projetos de

toxicologia, em apoio às indústrias de

fitofármacos e cosméticos, bem como em

pesquisa avançada com plantas, insetos, répteis

e microorganismos.

O Centro não deverá concorrer com os

demais Institutos de Pesquisa e Tecnologia da

Região, como apregoado por alguns. Deverá,

sim, trabalhar complementarmente à ação

destes. A rede associada de laboratórios em

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Page 35: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA e o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

nível Regional e Nacional deverá ser fortalecida,

ao tempo em que se agrega uma massa crítica

de técnicos e pesquisadores ao programa de

fortalecimento da bioindústria regional. Deverão

ser dinamizadas pelo Centro, em parceria com

a rede, em curto e médio prazos: a prestação

de serviços e a parceria com empresas parti-

culares; a formação de empreendedores

regionais; estímulo à formação de empresas de

base tecnológica; a formação de parcerias para

captação de recursos na área empresarial; o

levantamento de pesquisa e tecnologias

desenvolvidas no Brasil, principalmente na

região amazônica, viáveis de serem difundidas

para formação de bioindústrias, mesmo que

tenham necessidade de testes e desenvol-

vimento de processos complementares;

assessoria às empresas para o registro de

marcas e patentes (proteção de produção

intelectual), entre outros..

Finalmente, cabe-nos, por justiça, infor-

mar sobre a participação da SUFRAMA na

construção e operação do Centro de Bio-

tecnologia da Amazônia - CBA. Inicialmente, a

instituição entendeu a importância deste Centro

para o desenvolvimento regional e com-

prometeu-se a apoiar sua implantação. Custeou

os custos pré-operacionais envolvendo os

Projetos de Estrutura Organizacional e de

Engenharia e Arquitetura e doou o terreno para

localização das instalações. Posteriormente,

além disso, comprometeu-se com a partici-

pação de 20% dos custos da construção,

cabendo o restante ao Ministério do Meio

Ambiente – MMA.

Por diversos problemas de alocação e

contingenciamento de recursos do Governo

Federal, a participação relativa dos parceiros,

nos custos do projeto, se inverteu. Considerando

todos os custos citados anteriormente, e a

aquisição dos equipamentos mínimos neces-

sários para o funcionamento do Centro, já fo-

ram investidos na implantação do CBA,

aproximadamente, dezenove milhões de reais,

dos quais a SUFRAMA custeou cerca de quinze

milhões, que eqüivalem a 79% do total dos

recursos investidos, sendo os restantes 21%

financiados pelo MMA. A Superintendência da

Zona Franca de Manaus - SUFRAMA e o Mini-

stério de Ciência e Tecnologia - MCT alocaram

em seu orçamento, para o exercício de 2003,

recursos da ordem de 8,6 milhões e 9,0 milhões

de reais, respectivamente, destinados à imple-

mentação da primeira etapa do Centro de

Biotecnologia da Amazônia – CBA.

Espera-se que sejam garantidos os

recursos para aplicação neste ano e alocados

nos próximos anos, os recursos necessários

para o efetivo funcionamento do CBA que, com

certeza, será um dos projetos de maior retorno

para sociedade brasileira e para a humanidade.

* Imar César de Araújo é Engenheiro

Agrônomo, Pós-Graduado em Ecologia pelo

INPA e Diretor do Departamento de Promoção

de Investimentos - SUFRAMA

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Page 36: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

O PAPEL ESTRATÉGICO DAZONA FRANCA DE MANAUS NODESENVOLVIMENTO DAAMAZÔNIA

Maurício Elísio Martins Loureiro *

Com percepção de estadista, Getúlio

Vargas costumava dizer que o Brasil deveria

preocupar-se apenas com três assuntos: aço,

petróleo e Amazônia. Essa visão estratégica

serviu de inspiração a um grupo de oficiais do

exército cujos estudos em meados do século

passado levaram à criação da Suframa

(Superintendência da Zona Franca de Manaus).

A Amazônia ocidental, onde se localiza

a Zona Franca de Manaus (ZFM), é a parte cen-

tral da mais importante região natural terrestre.

Compartilhada por nove países, possui em seu

território imensos recursos naturais, espe-

cialmente água doce e biodiversidade. Na

condição de detentor da mais extensa parte

dessa área continental, o Brasil terá de enfrentar

seu maior desafio histórico: desenvolvê-la de

forma competente e sustentável, preservando

a natureza e os ecossistemas que nela

interagem. A qualidade da resposta dos

brasileiros a esse desafio condicionará o destino

da nação nas próximas décadas.

Resultante de firme decisão política, o

projeto ZFM, institucionalizado no primeiro

governo do ciclo militar, transformou-se em

excepcional pólo de crescimento econômico na

região, gerando renda, emprego, tributos e

exportações crescentes que já superam US$1

bilhão/ano, nas fábricas localizadas no parque

industrial de Manaus que continuamente

agregam valor a sua produção.

É importante ressaltar que a geração de

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Page 37: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

emprego e renda, representada pela criação de

cerca de 60.000 postos de trabalho diretos,

centenas de milhares de empregos indiretos e

um faturamento anual da ordem de US$ 10

bilhões, foi obtida com impecável preservação

da floresta. Nos últimos 36 anos permaneceram

intactos 98% da cobertura florestal original.

ANTECEDENTES

No dia 28.02.2003, a ZFM completará 36

anos, lapso de tempo que equivale a quase duas

gerações. De um modo geral, a sociedade tem

memória curta e fatos relativamente recentes

são esquecidos com rapidez. No caso da ZFM,

é surpreendente o desconhecimento dos

antecedentes que justificaram sua criação e sua

importância para a segurança nacional, tendo

em vista o conceito ímpar que a Amazônia

desfruta aos olhos de um mundo cada vez mais

preocupado com a saúde da Terra. Esta não é

uma boa constatação, uma vez que se trata do

modelo de crescimento regional responsável

pela mudança do paradigma da economia

tradicional (mercantil-extrativista), baseada na

coleta de recursos da flora e da fauna e da

cultura da juta para produção de fibras têxteis.

No momento em que se pretende

prorrogar o prazo constitucional de sua vigência,

é oportuno recordar os fatos que marcaram sua

origem. Para formar juízo correto de algo, é

imprescindível conhecê-lo em profundidade para

compreender o que se pretende avaliar. E este

preceito também vale para a ZFM. O enten-

dimento dos motivos que levaram à criação

desse modelo, o único bem-sucedido em toda

a experiência de planejamento governamental

na Região, pressupõe amplo conhecimento de

seus antecedentes históricos.

Inicialmente, a ZFM foi idealizada como

projeto geopolítico, no final da década dos anos

50 do século passado. Nessa época, o

ecúmeno regional situava-se em torno de

Belém, capital do Pará e única metrópole da

Amazônia. Abrigando maior população, mais

amplo mercado consumidor, melhor infra-

estrutura econômica, porto marítimo e ligação

terrestre com o resto do País (rodovia Belém-

Brasília), a capital paraense constituía um

irresistível centro de atração para os

investimentos regionais.

A força centrípeta exercida pela cidade

de Belém esvaziava velozmente o lado ocidental

da Região, onde Manaus ocupa o centro

geográfico. Com uma população inferior a

150.000 pessoas, a capital do Estado do

Amazonas definhava rapidamente em termos

urbanos, econômicos e sociais. Inexistência de

universidade, escassez de energia elétrica,

mercado reduzido e de baixo poder aquisitivo,

sistema de transporte e de comunicação

precário que a mantinha ainda mais isolada dos

centros do poder político, distante da costa

marítima, formavam o cenário que explicava sua

fragilidade econômica e a ausência de

perspectivas de mudança.

Para que se possa aquilatar o grau de

hegemonia que a economia do Pará detinha,

basta mencionar o fato de que em 1964, de

acordo com estatísticas da Sudam, 97,6% dos

investimentos incentivados na Região locali-

zaram-se nesse Estado. Ao Amazonas coube

a insignificante parcela de 2,4%. Enquanto

existissem incentivos iguais para a totalidade da

Amazônia, os projetos de investimento

naturalmente procurariam o Pará.

Manaus era mero entreposto comercial

que ligava a economia extrativa praticada no

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Page 38: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

interior do Estado ao resto do mundo, ávido

consumidor dos produtos exóticos coletados ou

extraídos da floresta (madeira em tora, borracha,

sorva, castanha, pau rosa, cumaru, breu,

resinas, sementes oleaginosas, essências

odoríferas) e da fauna (quelônios, peixes, couros

e peles de jacarés e de outros animais

silvestres).

Comerciantes da capital e mascates que

se deslocavam em embarcações (regatões)

supriam as necessidades das populações

dispersas nas terras ao longo dos rios, onde era

praticado o extrativismo. Forneciam alimentos,

tecidos, roupas, remédios e ferramentas, e

adquiriam os produtos coletados da floresta, em

uma típica operação de escambo, sem a

participação de moeda – relação de caráter feu-

dal, espoliativa, que mantinha o produtor do in-

terior atado ao nível de subsistência e

escravizado aos interesses dos intermediários

e dos donos de seringais (latifúndios com

seringueiras nativas produtoras de látex).

A Amazônia ocidental era um imenso

vazio demográfico e econômico. Sem a marca

da presença física dos brasileiros, abrigando

imensos e pouco conhecidos recursos naturais,

a Região poderia despertar a cobiça

internacional. Esta possibilidade foi reforçada

com o surgimento do movimento ambiental, que

cresceria de forma generalizada, agravando a

apreensão militar com a segurança nacional. Um

grupo de oficias idealistas do exército brasileiro

– conhecido pela competência de seus

integrantes – tinha cada vez mais presente em

seus estudos a importância da problemática

amazônica, mais grave no lado ocidental onde

se encontra o maior segmento da linha de

fronteira internacional. Tal preocupação os levaria

a elaborar um projeto de inspiração geopolítica

para mudar o quadro existente.

No início dos governos militares, em

1964, o projeto atinge maturação e eclode em

28.02.1967, no Decreto-lei 288/67, ao final do

governo de Castello Branco, inspirador e defen-

sor da idéia. Vale mencionar que as principais

ações que culminaram com a criação da

Suframa foram catalisadas por um amazonense

intelectualmente bem-preparado, pouco lembra-

do no Amazonas. Trata-se de Arthur Soares

Amorim, formado nos Estados Unidos em

engenharia aeronáutica, pelo MIT. Grande amigo

de Roberto Campos, a quem serviu como

chefe-de-gabinete no Ministério do Planejamento

na administração Castello Branco, o engenheiro

Arthur Amorim teve atuação destacada no

processo de criação da ZFM.

SITUAÇÃO ATUAL

A ZFM resultou de um pacto tripartite

celebrado entre o governo federal, o governo do

Amazonas e a prefeitura de Manaus, em que

cada participante ofereceu uma parcela de

contribuição ao conjunto de incentivos aos

projetos que lá se instalassem. Para atraí-los,

foram criados incentivos no âmbito dos impostos

indiretos que tinham impacto sobre os custos

(II, IPI, ICMS e ISS), sem concessão de nenhum

subsídio ao capital, da forma como ocorria na

Sudam/Sudene. Os novos incentivos fiscais

compensavam as desvantagens da localização

da ZFM em relação aos mercados, permitindo

produção industrial competitiva.

Englobando uma superfície de 10.000

km2, a ZFM definida em lei praticamente se

circunscreve à cidade de Manaus. Com o

advento da Suframa, viabilizou-se a instalação

de um moderno pólo industrial, vigoroso

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Page 39: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

e diversificado, gerador de renda, emprego e

tributos.

Potente motor de crescimento econô-

mico, amplia a demanda regional e nacional,

irradiando influência positiva a toda a Amazônia

e projetando reflexos favoráveis a outros

estados em decorrência do considerável valor

agregado que realiza em território brasileiro.

Importando anualmente cerca de US$ 2,5

bilhões de matérias-primas, o setor industrial da

ZFM fatura US$ 10 bilhões/ano, quatro vezes

mais o valor do que adquire no exterior. Sendo o

único gerador de crescimento no Amazonas, é

responsável – direta e indiretamente – pela quase

totalidade da economia estadual e da

arrecadação tributária.

A capital do Amazonas transforma-se

radicalmente. Seus habitantes multiplicam-se,

chegando a 1,6 milhão de pessoas ao final de

2002. Com o perfil de uma cidade-estado, nela

concentram-se 53% da população estadual.

Produzindo mais de 90% da economia e da

arrecadação, a renda per capita dos manauaras

eleva-se aos patamares mais altos entre as

capitais brasileiras. A economia cresce e os

serviços urbanos ampliam-se, mas a migração

de pessoas do Nordeste e do Pará pressiona

os serviços urbanos e desorganiza a ocupação

do espaço, promovendo invasões de áreas

desocupadas, sem saneamento básico e infra-

estrutura, criando imensos bolsões de pobreza

onde a exclusão social é a regra.

Há enorme passivo social acumulado.

Forma-se em Manaus uma sociedade dualista

cujos integrantes convivem lado a lado –

exclusão sócio-econômica e riqueza ostensiva.

Eliminar ou reduzir tais diferenças e as distor-

ções delas resultantes – que também existem

em outras capitais – é o maior desafio a ser

enfrentado nos próximos anos. Convém deixar

claro que a ZFM vem atuando como único e

eficiente motor de crescimento econômico no

Amazonas e cumpre esta missão com invulgar

competência. A alocação dos recursos obtidos

na substancial base tributária criada é de inteira

responsabilidade do governo, que se expressa

nas políticas públicas adotadas.

Alguns setores menos sensíveis aos

fretes, como o eletroeletrônico, logo se fixaram

em Manaus. Em seguida, vieram os fabricantes

de relógios, componentes plásticos, lentes

oftálmicas, brinquedos, barbeadores, canetas e

isqueiros descartáveis, e de material de

embalagem. O segmento eletroeletrônico, com

alta produtividade e significativo domínio de

tecnologias de processo, produz metade do

faturamento industrial.

Outro segmento importante é o que

monta veículos de duas rodas. Caracteriza-se

por apresentar notável adensamento da cadeia

produtiva graças à instalação em Manaus de

fornecedores mundiais de partes e peças para

atender aos fabricantes locais de bens finais,

notadamente a indústria de motocicletas.

Adotando grande verticalização, algumas

dessas fábricas iniciam seus processos

industriais usando lingotes de alumínio regional,

que são fundidos em ligas especiais para

fabricar bens intermediários e em etapa poste-

rior usinados e tratados termicamente para

produzir uma série de componentes de padrão

de qualidade internacional. Parte dessa

produção é vendida no exterior, contribuindo de

forma crescente para elevar e diversificar as

exportações da ZFM, cujo valor em 2002 superou

US$1 bilhão.

A balança comercial da ZFM deverá

equilibrar-se até 2005, tornando-se geradora

39

Page 40: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Papel Estratégico da Zona Franca de Manaus no Desenvolvimento da Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

de divisas (superavitária) a partir desse ano e

transformando Manaus em um importante centro

exportador. Tendo em vista que a ALCA deverá

estar em operação em futuro próximo, esta

informação tem significado especial.

É oportuno salientar que os riscos

inerentes aos projetos de investimento sediados

na ZFM correm exclusivamente por conta dos

empresários, não havendo nenhum subsídio do

setor público ao capital das empresas. Por esta

razão, é um modelo de desenvolvimento regional

sui generis, perfeitamente ajustado aos cânones

da economia de mercado, fato que talvez

explique o seu inusitado sucesso.

No lado fiscal, a ZFM criou em Manaus

uma base de tributação de apreciável dimensão,

responsável pela arrecadação de tributos e

contribuições previdenciárias, nos três níveis de

governo, que atingiu em 2001 um montante da

ordem de US$ 2 bilhões, à taxa cambial média

vigente na época. O Estado do Amazonas em

2003 contribuiu com 61% da arrecadação fe-

deral na Região Norte.

De acordo com dados relativos a 2000,

o Amazonas é um dos três estados das regiões

Norte e Nordeste que geram excedentes de

arrecadação de tributos federais e contribuições

previdenciárias em relação aos recursos que

recebem do governo federal. O Amazonas

ocupa o primeiro lugar entre os estados dessas

duas regiões que mais transferem recursos

líquidos para a União, seguido da Bahia e de

Pernambuco.

CENÁRIO PROSPECTIVO: FUNÇÃO

ESTRATÉGICA DO MODELO ZFM

A função estratégica do modelo ZFM é

produzir e acumular recursos econômicos,

humanos e institucionais para promover o

desenvolvimento regional sem comprometer a

natureza e o meio ambiente, preservando os

complexos ecossistemas da Amazônia. É um

centro experimental onde são identificadas

linhas de menor resistência para promover o

desenvolvimento com absoluto respeito às

normas ambientais. Progressivamente, o

modelo diversificará sua atual base industrial,

adensando a cadeia produtiva, criando novos

clusters de negócios e implementando atividades

voltadas ao aproveitamento dos recursos

naturais e da biodiversidade regional. Nesse

cenário, além do aproveitamento da biomassa,

dos minérios e combustíveis fósseis recém-

descobertos (petróleo e gás natural), poderá ser

agregado valor às matérias-primas regionais

para produzir cosméticos, fitoterápicos,

fármacos, insumos e produtos alimentares,

usando como estratégia de marketing o fascínio

que o mistério e o exotismo da marca

“Amazônia” provoca nos consumidores mais

ricos do planeta.

A médio e longo prazo, em plena Socie-

dade do Conhecimento, quando concluído o

processo de formação de recursos humanos

em nível de excelência mundial, permitindo a

aquisição de competências em C&T e P&D,

será então factível desenvolver a biotecnologia

moderna, um estado técnico-científico mais

avançado que irá possibilitar a manipulação e o

processamento do material genético arma-

zenado pela natureza no Bioma da Amazônia

em centenas de milhões de anos de evolução.

A engenharia genética dessa fantástica matéria-

prima poderá produzir uma série de

surpreendentes medicamentos, produtos

alimentícios, nutrientes e insumos sofisticados

que poderão revolucionar a vida do ser humano.

Os cientistas costumam dizer que o século

passado pertenceu à Física e que o século 21

40

Page 41: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

será o século da Biologia. Se houver firme e

decidida vontade política do novo governo, nas

esferas federal e estadual, poderemos

acrescentar que este também será o tão

esperado Século da Amazônia.

* Maurício Loureiro é empresário e presidente do

Centro da Indústria do Estado do Amazonas - Cieam

41

Page 42: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

QUEM É MARCUS BARROS

Amazonense de Eirunepé, Marcus Barros

formou-se em Medicina pela Universidade Fed-

eral do Amazonas (UFAM), em 1972, e fez pós-

graduação na Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ) e no Instituto de Medicina Trop-

ical de Nagasaki, no Japão. Pesquisadorreconhecido internacionalmente, tem 42trabalhos acadêmicos publicados nas áreas de

Saúde e Ambiente e atua como professor visita-

nte das Universidades de Granada e Barcelona,

na Espanha. No Amazonas, além de ter dirigido

o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

(INPA), foi reitor da UFAM. Foi o responsável,

ainda, pela instalação e direção, no Amazonas,

do escritório técnico regional da Fundação

Oswaldo Cruz, vinculado ao Ministério da

Saúde.

PESQUISA E BENEFÍCIO SOCIAL– UMA RELAÇÃO POSSÍVEL?

A relação entre o conhecimento científico

e tecnológico desenvolvido na região Amazônica

e os povos que a habitam é uma via de mão

dupla, na opinião do cientista amazonense

Marcus Barros, recém-empossado presidente

nacional do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente

e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Para

ele, os índios, caboclos e ribeirinhos que vivem

na imensidão da Amazônia, serão sempre

grandes aliados da Ciência e Tecnologia,

indicando, por meio do conhecimento tradicional,

os caminhos para a preservação da região. Mas,

ao mesmo tempo, devem contar com a parceria

da sociedade organizada na aplicação dos

recursos tecnológicos existentes, que possam

ajudá-los no manejo sustentável da floresta.

Com passagem pela direção do Instituto

Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e

como ex-reitor da Universidade Federal do

Amazonas (UFAM), duas das principais

instituições de ensino e pesquisa do Estado,

Marcus Barros diz que a Ciência tende a sair

cada vez mais do “claustro”, para ouvir as

demandas da sociedade. Ele avalia como

positivos, com aplicação direta na qualidade de

vida do homem da região, os resultados obtidos

em 50 anos de pesquisa na – e sobre a –

Amazônia. Nesta entrevista, Marcus Barros

analisa a relação existente entre a pesquisa

científica realizada pelos institutos regionais e

sua aplicabilidade no desenvolvimento econô-

mico e social da Amazônia. Aborda temas

polêmicos, como biopirataria e desenvolvimento

sustentável, aponta os caminhos a serem

seguidos por quem produz Ciência e Tecnologia

na região e revela as estratégias que pretende

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Page 43: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

adotar para administrar o meio ambiente de um

país com dimensões continentais, como o

Brasil.

T&C AMAZÔNIA – Já conhecemos a

Amazônia o suficiente para apontarmos

alternativas para seu desenvolvimento

sustentável?

Marcus Barros – Sem dúvida nenhuma.

Três institutos de pesquisa da região – o Museu

Emílio Goeldi, com 136 anos, no Pará, a UFAM

(Universidade Federal do Amazonas), com 94

anos, e o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas

da Amazônia), com 50 anos – estão contri-

buindo de maneira decisiva para o estudo do

homem e da natureza amazônica. Essas

instituições já têm uma amostra de toda a

Amazônia, o que podemos considerar como

suficiente, apesar da diversidade e da grande

extensão territorial, pois representamos 2/3 do

Brasil. Costumo dizer que Roraima não é igual

ao Apuí e Tabatinga também não é igual ao

Golfão Marajoara, pois são parte das 23

ecorregiões que compõem a Amazônia, com

paisagem, flora e fauna distintas. O conhe-

cimento existente é tão importante que a

primeira iniciativa que tomei ao assumir a

direção do INPA, foi criar os núcleos de

Negócios e de Ciências Humanas e Sociais,

para que fosse possível utilizá-lo. O estudo dos

ecossistemas amazônicos é suficiente, mas o

estudo do homem e sua interação com a

natureza, apesar dos grandes avanços do

Goeldi, UFAM e INPA, ainda precisa de apro-

fundamento. Buscamos transformar o conhe-

cimento existente em ferramentas para o

desenvolvimento regional. O INPA, durante

minha gestão, abriu as gavetas, desvendando

a Amazônia àqueles que desejam realizar

projetos de desenvolvimento auto-sustentáveis.

O grande trunfo do homem amazônico está no

manejo da floresta, pois o conhecimento

existente sobre o meio ambiente pode

transformar para melhor suas atividades na

Amazônia.

T&C – O que determina quais serão

as linhas de pesquisa a serem adotadas nes-

tas instituições?

 MB – No início, os pesquisadores

determinavam o objeto de suas pesquisas a

partir de seus próprios interesses e também das

linhas de financiamento disponíveis. Atualmente,

no planejamento estratégico do INPA, por

exemplo, é fundamental que haja uma consulta

à sociedade para determinar como a pesquisa

vai desenvolver-se. Por outro lado, não podemos

abrir mão da pesquisa pura, pois gera

conhecimento, que vai ser a base da tecnologia

no futuro. No INPA, 30% das pesquisas

desenvolvidas contemplam este segmento e

70% são escolhidas por ter alguma aplica-

bilidade tecnológica imediata. A sociedade, ao

tomar conhecimento destes fatos, entende que

este balanceamento é o caminho para melhorar

a qualidade de vida da população de um modo

geral. Cito, como exemplo de pesquisas que

visam ganhos sociais imediatos, os estudos do

INPA na área de nutrição e tecnologia de

alimentos, que permitiram o desenvolvimento

de um tipo de macarrão preparado com

pupunha e piracuí, rico em carboidratos,

proteínas e vitaminas do grupo A. Os estudos

para o preparo do macarrão foram coordenados

pela cientista Lúcia Yuyama e têm aplicabilidade

garantida.

 

43

Page 44: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

“Derrubar a floresta não leva a nada,somente à desertificação. Cabe àsociedade organizada educar ohomem amazônico para manejarbem os recursos naturais existentesna região”

T&C – Quais são os principais

resultados das pesquisas científicas já

desenvolvidas para a região amazônica?

MB – Creio que é o conjunto de trabalhos

científicos realizados pelos institutos de

pesquisa amazônicos nos últimos 50 anos e que

pode ser comparado a um zoneamento

econômico e ecológico. Quem estiver à frente

de políticas públicas tem, necessariamente, de

conversar com quem produz Ciência e

Tecnologia na Amazônia, pois as pesquisas

científicas determinam, por exemplo, quais as

áreas que precisam permanecer intocadas, por

causa da extrema fragilidade de sua biodi-

versidade, onde só cabem atividades como o

turismo com sustentabilidade, e as áreas

públicas que podem ser habitadas com manejo

adequado. Ao mesmo tempo em que as

pesquisas já realizadas direcionam o apro-

veitamento dos recursos existentes, preci-

samos interagir com a população local para

deixar claro que devem exercer suas atividades

com determinados cuidados e também aprender

como algumas áreas estão sendo conservadas

pelo conhecimento tradicional das comunidades

amazônicas. Os resultados das pesquisas

científicas existentes apontam a Amazônia

como uma região distinta e diferente das demais

em todo o planeta e que tem uma população

que precisa de desenvolvimento auto-

sustentável. Costumo exagerar para ser claro:

derrubar a floresta não leva a nada, somente à

desertificação. Cabe a nós, sociedade

organizada, educar o homem amazônico para

manejar bem os recursos naturais existentes

na região. Temos como exemplos de pesquisas

científicas desen-volvidas na Amazônia, com

resultados extremamente práticos, o

beneficiamento de couro de peixe, que tem a

possibilidade de criação de uma indústria com

desdobramentos internacionais. Na apicultura,

é exemplar o trabalho desenvolvido pelo INPA,

tendo como coordenador o cientista Warwick

Kerr, em que as abelhas agem como

preservadoras da biodiversidade, pois, além de

produzir mel e garantir renda familiar ao homem

amazônico, mantém a floresta viva através da

polinização. Cito também, entre outras

iniciativas, a crescente aplicação do óleo de

babaçu na indústria automobilística, a

industrialização da cestaria de arumã,

impulsionada pelo Projeto Design Tropical da

FUCAPI, fato que tem um significado enorme

para as populações indígenas do Alto Rio Ne-

gro, e o desen-volvimento de estratégias de

reflorestamento em áreas degradadas,

utilizando-se o pau-de-balsa, que cresce um

metro por mês.

“Os institutos de pesquisa daregião não devem continuar

sendo, como foram por algumtempo, claustros que afastavam os

produtores da ciência do seuobjetivo, que é o homem e seu

padrão de vida”

T&C – Os pesquisadores têm

demonstrado compromisso social ao

escolher seus projetos?

MB – O cientista tem o direito de fazer

elucubrações, de tentar entender profun-

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Page 45: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Pesquisa e Benefício Social - Uma Relação Possível?

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

damente qualquer assunto, o que faz parte da

própria ciência, mas posso afirmar que há

comprometimento social, sim, pois cada vez

mais passamos a nos preocupar com a questão

tecnológica, o que significa dizer que buscamos

resultados práticos. Os institutos de pesquisa

da região não devem continuar sendo, como

foram por algum tempo, claustros que afasta-

vam os produtores da ciência do seu objetivo,

que é o homem e seu padrão de vida. À medida

que a ciência sai dos seus claustros e ouve as

demandas da sociedade, ganha cada vez mais

valor e passa a ser mais respeitada. Neste

contexto, o Centro de Biotecnologia da Amazônia

(CBA) é um projeto que, na minha opinião, deve

ser redirecionado com a perspectiva de

integração entre a produção de conhecimento

e sua aplicabilidade e contemplando a interme-

diação de empresários interessados em

expandir o conhecimento acumulado a partir,

principalmente, da biodiversidade existente na

Amazônia. Se não nos assenhorearmos

dessas riquezas – principalmente agora, na era

dos estudos biotecnológicos das espécies -,

interagindo com instituições de todo o mundo

com as quais possamos fazer parcerias sem,

no entanto, perdermos a liderança destes

processos, e se não nos aprofundarmos nesta

direção, biopiratas de todo o planeta vão cada

vez mais entrar em nosso território e levar

exemplares de nossa biodiversidade.

Precisamos criar a “Calha Norte do Saber”, com

mais educação, ciência e tecnologia, pois

defendemos muito mais a nossa soberania com

autonomia tecnológica do que com qualquer

outro tipo de iniciativa. Precisamos, também,

ser mais agressivos em relação ao

patenteamento daquilo que produzimos. A

FUCAPI tem muito a ver com esse processo,

pois tem patrocinado possibilidades de evoluir,

premiando pesquisadores, inclusive os do INPA,

que têm participado regularmente do Prêmio

FUCAPI/CNPq de Tecnologia. Neste sentido,

vejo a iniciativa da FUCAPI com muita alegria,

pois está entrando em uma área em que estava

um pouco distante, as Ciências Humanas, o que

a fará cada vez mais representativa do pensa-

mento e da tecnologia regionais.

T&C – Qual a sua visão sobre a

biopirataria, considerando-se que grupos

empresariais estrangeiros estão utilizando

a biodiversidade da floresta Amazônica,

levando riquezas que poderiam gerar

benefícios sociais para as populações

locais?

MB – Posso dizer que a biopirataria

existe e está cada vez mais sofisticada. Uma

das minhas estratégias como presidente do

IBAMA será o de melhorar a fiscalização,

utilizando métodos mais modernos, com a

perspectiva de coibir cada vez mais o roubo de

nossas riquezas. Porém, por mais que se

aumentem o número de fiscais do IBAMA, será

sempre pouco. A minha estratégia no combate

à biopirataria será sensibilizar as comunidades

amazônicas para que haja uma participação

popular nesta luta. Só existe uma maneira

efetiva de combate, que é por meio do

crescimento do conhecimento existente nos

institutos de pesquisas regionais, pois somente

a fiscalização é insuficiente para controlar o

problema.

T&C – Qual o espaço que a Amazônia

ocupará no novo governo brasileiro?

MB – O tamanho dela: dois terços.

Estava assistindo à comemoração da vitória do

presidente Lula na Avenida Paulista e, num

discurso de improviso, ele citou sua preo-

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Page 46: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

cupação com a Amazônia e sua biodiversidade.

Com esta atitude, creio que começou o

processo de olhar para a Amazônia. Fiquei

muito contente quando ele disse que a região é

uma prioridade. A ligação do presidente com a

Amazônia vem desde o início da década de 80,

com os movimentos pela proteção da floresta

liderados pelo sindicalista Chico Mendes. Por

causa desse envolvimento, Lula foi julgado em

Manaus. Não é sem razão que a ministra do

Meio Ambiente, Marina Silva, e eu, como

presidente do Ibama, somos oriundos da região,

numa demonstração inequívoca de que o

comprometimento do Governo Lula com a

Amazônia será cada vez maior. Nas campanhas

políticas realizadas na região e das quais

participei, Lula demonstrou sua preocupação

pessoal com a Amazônia, tanto do ponto de vista

social e econômico quanto estratégico, por ser

objeto da cobiça internacional. O presidente

sabe que somos, de todos os brasileiros, os

mais ricos e, paradoxalmente, os mais frágeis.

Cuidar do bem-estar da população amazônida

significa, para Lula, cumprir sua missão social

e tenho certeza que ele vai fazer isso com raça

e determinação.

 

46

Page 47: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

TECNOLOGIA E FLORESTA – UMEXEMPLO DE COOPERAÇÃO

Os totens lembram a silhueta de uma

palmeira de cerca de um metro de altura. Feitos

de piaçaba, tipo de fibra com que se fabrica

vassouras, são pintados com pigmentos

naturais e de frutos extraídos da floresta (crajiru,

mangarataia, goiaba-de-anta e ingá-xixica) e se

adequam como peça de decoração aos mais

sofisticados ambientes. Onde são produzidas,

no interior da Amazônia, a peças são conhe-

cidas como “piraíba de piaçaba”.

A fabricação desses produtos é o único

meio de vida de Fortunato Rabelo Castro,

artesão de descendência indígena que vive no

município de Barcelos, às margens do rio Ne-

gro, distante 505 quilômetros de Manaus.

Há um ano, ele, a mulher e o filho dedi-

cam-se a essa arte, que pode ser traduzida

como resultado de um movimento silencioso

que vem ocorrendo no meio da selva amazônica

desde 1999, gerando emprego, renda e melhor

qualidade de vida ao homem da região.

A experiência, inédita no País, está sendo

desenvolvida pela FUCAPI – Fundação Centro

de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica,

por meio do Projeto Design Tropical da Ama-

zônia. Com o projeto, a FUCAPI, instituição que

há 21 anos atua pelo desenvolvimento da região,

mostra que é possível agregar inovação

tecnológica ao conhecimento tradicional, dando

novas perspectivas de vida a índios e caboclos

amazonenses. Uma iniciativa que está levando

a nichos de mercado de alto poder aquisitivo ao

redor do mundo os artefatos produzidos pelo

homem amazônico, despertando talentos,

preservando o meio ambiente e integrando

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Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

a gente da região aos produtores de tecnologia.

O ambicioso projeto pretende contribuir

para a preservação da floresta amazônica por

meio da arte indígena, com o apoio da Ciência e

Tecnologia, lançando para as sociedades de

consumo urbanas produtos de origem regional,

estimulando a fantasia que acompanha a grife

“Amazônia”.

Fortunato aprendeu o ofício com os

índios da etnia baniwa, mesmo antes de fazer

parte do projeto, seguindo um ritual que

preconiza semanas de caminhadas solitárias

pela floresta, consumindo uma quantidade

mínima de alimentação.

Ele já dominava algumas técnicas de

produção de artigos como peneiras, leques e

balaios de fibras de palmeiras típicas da região,

como arumã e piaçaba, mas passou a ter

contato com os mais modernos conceitos de

design. Cresceu como profissional, ganhou

conhecimentos e, principalmente, conta que seu

maior prêmio foi ter adquirido maior auto-estima

e dignidade. “Agora sempre ando com um

dinheirinho no bolso e posso ajudar as pessoas

que estão próximas a mim”, afirma.

A BUSCA PELA MATÉRIA-PRIMA

A aventura do coordenador da Marcenaria

da FUCAPI, Francisco das Chagas do Nasci-

mento, para extrair da floresta amazônica restos

de madeira nobre para a montagem de uma

peça – o busto de Jesus Cristo – para compor o

Projeto Design Tropical, começou no porto

flutuante de Manaus. Dali, ele e artesãos ligados

ao projeto seguiram de barco em direção ao

município de Maués, a 260 quilômetros de

Manaus.

Francisco precisava da espécie

conhecida como amarelinho. O barco seguiu

pelo rio Maués-Mirim até encontrar uma pequena

propriedade rural, a 36 quilômetros em linha reta

da sede municipal. O grupo juntou-se ao dono

das terras e se embrenhou na mata para buscar

a matéria-prima. Sem qualquer agressão ao

meio ambiente, localizaram dois troncos de

árvores já derrubados, como resultado de

pastos, roças ou mesmo deixados na floresta

pelos caboclos.

“O tronco precisa ter sido derrubado há

mais de cinco anos. A madeira tem que estar

envelhecida para que seja considerada apta

para a marcenaria, pois, mesmo depois de

abatida, sofre expansão e encolhimento, o que

dificulta sua utilização em trabalhos que exigem

perfeição nos detalhes, como a escultura e a

marchetaria”, explica Francisco.

Os troncos foram cortados em oito toras

de 2,5 metros, pesando, cada uma, cerca de

250 quilos. O esforço seguinte feito pelos quatro

homens foi transportá-las por uma trilha de cerca

de 800 metros na floresta até o barco ancorado

em um porto improvisado no rio Maués-Mirim.

A madeira retirada não teria nenhuma

utilização para os moradores locais e seu

destino seria apodrecer na floresta ou ser

queimada quando o local fosse aproveitado para

algum empreendimento agrícola.

 TRANSITORIEDADE DA CULTURA

Manter as técnicas e os conhecimentos

tradicionais com que os indígenas e caboclos

desenvolvem o processo produtivo das peças

é um dos principais cuidados do Projeto Design

Tropical da Amazônia. A partir daí, são agregados

valores aos produtos, o que permite torná-los

competitivos em qualquer mercado, no Brasil

ou no exterior.

A tecnologia gerada nos centros de

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Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

pesquisa da região vem sendo utilizada para

aperfeiçoar os produtos que os participantes do

Projeto já faziam tradicionalmente, tornando-os

perenes – de um modo geral, as culturas

indígena e cabocla não têm interesse em

produzir artigos duráveis.

Um bom exemplo da transformação do

uso e da qualidade destes produtos é o estojo

de palha de urucuri, usado tradicionalmente

pelos membros da etnia baniwa para guardar

pequenos objetos pessoais, como pulseiras e

colares. Foi necessário pesquisar a melhor

forma de tratar quimicamente o estojo de palha

para torná-lo durável sob o efeito da umidade e

do ataque de insetos e fungos.

Os estojos de palha de urucuri são

adaptados para embalar produtos de consumo

da sociedade ocidental, mantendo, no entanto,

a pureza e a magia que caracteriza o modo de

vida dos povos da Amazônia.

“É a transitoriedade, marca acentuada

da cultura indígena, que os faz extremamente

ricos e criativos e nosso desafio é justamente

transformar objetos desta cultura em produtos

duráveis, mas que mantenham a essência

amazônica”, revela o Diretor do Departamento

de Desenvolvimento Tecnológico da FUCAPI,

Evandro Vieiralves.

O Diretor destaca que o Projeto trabalha

no sentido de preservar as atividades tradi-

cionais de produção de artesanato, de modo

que o indígena e o caboclo mantenham suas

famílias satisfatoriamente, sem precisar

abandonar suas moradias nem migrar para as

cidades. Nesse sentido, a intenção não é formar

o artesão de maneira convencional, levando-o

a adquirir um novo conhecimento, mas

aproveitar e valorizar o conhecimento e as

habilidades já existentes para transformar sua

capacidade de trabalho em algo rentável, além

do que poderia conseguir, em termos

financeiros, em outras atividades.

Esta linha de ação, no entanto, não im-

pede que o artífice aprenda novos métodos de

acabamento em madeira, desenho técnico,

noções de design e qualidade do produto. “Não

se pode desprezar a vocação e a habilidade

manual dos povos da floresta. Valorizando este

conhecimento não há agressão ao modo de vida

tradicional que, ao longo dos séculos, mostrou-

se auto-sustentável”, analisa Evandro.

Para o Diretor, a qualidade de vida das

populações indígena e ribeirinha está intima-

mente associada à riqueza da biodiversidade

que os cerca, pois a influência da fauna e da

flora sobre o homem amazônico é direta,

tornando-o tão rico quanto a própria natureza

da região. A FUCAPI, com a implantação do

Projeto Design Tropical, disponibiliza, assim, a

oportunidade que o amazônida precisa para

expressar-se através da arte, agregando valor

à madeira e a outros insumos retirados

diretamente da floresta, de forma sustentável,

numa atividade heróica que começa a ter

resultados práticos. “O Projeto pretende

transformar, ao longo dos anos, os artífices em

designers, conduzindo-os a formar cooperativas

que possam torná-los independentes do ponto

de vista econômico e social”, explica Evandro

Vieiralves.

 ARTE INDÍGENA E ARTE CABOCLA

 A discussão em torno do tema “arte

amazônica” entre os profissionais integrados ao

Projeto Design Tropical recai imediatamente

sobre a origem indígena da maioria dos

habitantes da região, herdeiros de uma cultura

milenar material e simbólica riquíssima,

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Page 50: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Tecnologia e Floresta - Um Exemplo de Cooperação

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

representada em obras de valor inestimável

resgatadas ao longo dos séculos de conquista

da Amazônia por aventureiros e cientistas do

Velho Continente e que se encontram, atual-

mente, nos museus europeus e americanos. Ao

fazer a distinção entre a arte indígena

consolidada através dos séculos e a arte cabocla

amazônica, o arquiteto e designer Luís Galvão,

coordenador do Projeto Design Tropical, afirma

tratar-se, esta última, de uma falácia. “O que

existe é uma arte popular cabocla, caracterizada

principalmente pelo Festival Folclórico de

Parintins pois, quando nos referimos à arte

amazônica, estamos falando essencialmente

em arte indígena, produzida com as

características próprias de cada etnia”, avalia.

As populações indígenas há muito

produzem peças em cerâmica, madeira, couro,

fibras vegetais e plumas que, indiscutivelmente,

são arte em qualquer lugar do mundo. Para Luís

Galvão, não se pode falar de uma arte cabocla

quando o homem da região ainda está em

processo de construção da sua identidade cul-

tural, sendo recente demais sua existência

como sociedade, para que seus membros

possam expressar-se através da arte.

Luís Galvão considera que o caboclo,

entendido como um índio destribalizado que

perdeu sua cultura original e começa a absorver

a cultura ocidental, não pode ser um indivíduo

sólido interiormente, pois está fragilizado diante

do mundo que o cerca e que não compreende

em sua totalidade. “Jamais a arte vai ser feita

por indivíduos frágeis culturalmente, pois não

existe, em nenhum momento da história, casos

que possam provar o contrário. Por ser uma

cultura em formação, podemos até encontrar

na população cabocla um ótimo artesão, mas

nunca um grande artista”, ressalva.

Para a designer Karla Mazarello, da

FUCAPI, conceituar a arte amazônica é uma

tarefa subjetiva, mas que recai necessariamente

sobre as atividades do elemento indígena, pois,

segundo sua visão, o índio já nasce com o dom

de perceber todas as manifestações da

natureza e, a partir daí, tirar inspiração para a

sua produção material. Para reforçar sua tese,

Karla afirma que o grafismo corporal, consi-

derado como uma autêntica manifestação

artística e que é usado por diversas etnias da

Amazônia, é uma das maneiras mais originais

do ser humano para expressar suas emoções,

através da utilização de formas estilizadas dos

elementos naturais.

Ela conta que, por exemplo, se o índio

está triste, expressa esse sentimento através

da pintura estilizada de uma tartaruga, sendo a

mensagem compreendida pelos demais

membros da aldeia. “Considero que todas as

pessoas, não importando suas origens étnicas

e culturais, são criativas. O que precisamos é

construir, tendo como base de inspiração a arte

indígena, nossa própria identidade amazônica,

não deixando de lado, porém, tudo o que há de

melhor em nossa região, independentemente de

sua origem”, analisa.

Karla acredita que a arte que vem sendo

feita no Amazonas tem uma característica toda

própria, fruto da junção da matriz indígena e do

modo de vida que os caboclos desenvolveram

ao longo dos últimos séculos para suprir as

necessidades básicas cotidianas. “O índio não

necessita freqüentar uma sala de aula para

aprender os conceitos básicos do design de

forma, equilíbrio, ritmo, harmonia, contraste, cor

e textura, pois passa toda a sua vida envolvido

em práticas que privilegiam este tipo de

aprendizado”, analisa.

50

Page 51: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

PRODUÇÃO DO HOMEM AMAZÔNICO

 O Projeto Design Tropical da Amazônia

envolve um contingente de pelo menos 75

famílias de índios e igual número de caboclos,

somando-se a um total de aproximadamente

600 pessoas que vivem nos municípios

amazonenses de Iranduba, Novo Airão,

Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel

da Cachoeira, Santo Antônio do Içá, Tabatinga,

Maués, Presidente Figueiredo e Manaus.

Durante os três anos de implantação do

Projeto, completados em novembro de 2002, 12

núcleos produziram 34 itens de marchetaria,

movelaria e tapeçaria que vão desde mesas-

de-jantar, no valor de R$ 10 mil, até tábuas para

frios, de R$ 70, passando por biombos, cadeiras,

castiçais, fruteiras, luminárias, porta-copos e

vasos, entre outros. Os artesãos e designers

também criaram jóias exclusivas, como colares,

pulseiras e anéis, feitos com sementes e fibras

regionais, combinadas com ouro e prata.

De novembro de 1999 a dezembro de

2001, a produção das peças, confeccionadas

exclusivamente de forma artesanal pelos

artesãos, foi sendo acumulada. Durante este

período, praticamente não houve vendas ao

público. Para manter a exclusividade na

produção, foi disponibilizado um fundo para a

compra das peças produzidas. Um estoque de

peças foi montado para satisfazer a demanda

quando começassem as vendas, o que

aconteceu a partir de 11 de dezembro de 2001,

em exposição realizada na embaixada da

França, em Brasília.

MADEIRA E ECOLOGIA COMOMATÉRIA-PRIMA

 Ao mesmo tempo em que busca a

valorização das culturas indígena e cabocla em

formação, o Projeto Design Tropical estimula o

estudo científico de um grupo de 42 espécies

de madeiras usadas como a principal matéria-

prima, proporcionando uma aproximação entre

a FUCAPI e instituições como o Instituto Nacional

de Pesquisas da Amazônia (INPA) e Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA). Com a iniciativa, passou-

se a conhecer melhor as propriedades físicas

das madeiras, permitindo um aproveitamento

mais adequado para cada tipo pesquisado. O

projeto também recebe o apoio do Banco da

Amazônia (BASA) e das embaixadas da Itália e

da Alemanha no Brasil.

As 150 famílias indígenas e caboclas que

trabalham no Projeto usam madeiras totalmente

desconhecidas do mercado consumidor urbano,

como muirapiranga, pau-rainha, tucumã,

piquiarana, tauari, marupá, preciosa e coração-

de-negro, evitando, assim, a pressão sobre as

espécies nobres. As indústrias madeireira e

moveleira da região trabalham com pouquís-

simas variedades, dando preferência ao mogno,

angelim e cerejeira, todas com alto valor

econômico e ameaçadas de extinção. Ao evitar

o uso das madeiras comerciais, os artesãos

podem mostrar toda a beleza da biodiversidade

amazônica, o que faz do viés ecológico a marca

registrada do projeto.

51

Page 52: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

A TECNOLOGIA DAINFORMAÇÃO NO PROCESSOORGANIZACIONAL

Gilbert Breves Martins1

Rhandsaissem Tavares Leal2

Fabíola Nazaré Borges3

Valdir Sampaio da Silva4

INTRODUÇÃO

Atualmente vivemos em um mercado

altamente globalizado, caracterizado por

constantes transformações, e inundado

regularmente por novos produtos, serviços e

descobertas. Isto tem feito com que as

organizações se preocupem cada vez mais em

identificar a melhor forma de empregar seus

recursos de forma a obter um diferencial

competitivo para a manutenção de clientes e

conquista de novos nichos de mercado. Na

chamada “Era da informação”, a base da

riqueza das organizações não provém mais do

ativo contábil ou da massificação da produção,

mas sim do capital intelectual, do uso

sistemático do conhecimento de mercados,

domínios de processos e tecnologias e

relacionamento com organizações, como

geradores de vantagens competitivas

Neste contexto, a Tecnologia da Infor-

mação (TI), que durante muito tempo foi

considerada apenas um item de suporte aos

processos internos, uma fonte de despesas,

sem influência direta nos objetivos e metas das

organizações, deve ser repensada sob a

perspectiva de BOAR (2002): a de ser um fator

crítico para a obtenção, combinação e susten-

tabilidade de vantagens competitivas, resultando

em crescimento dos lucros e redução de cus-

tos operacionais.

52

Page 53: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

Estágio da Euforia Tecnológica –

após a introdução do computador, em pontos

isolados da organização, esta percebe os

ganhos potenciais da informatização em seus

demais processos. Neste momento, cons-

cientes do grande volume de trabalho que será

requerido, as organizações optam pela criação

de um Centro de Processamento de Dados (o

famoso CPD), que concentra os profissionais

dedicados a esta atividade.

Estágio do Caos - Certos de que a

simples utilização das novas técnicas e

ferramentas de TI resolvem todos os pro-

blemas, as organizações se deparam com

resultados abaixo do esperado, além de

elevados custos associados aos profissionais

e infra-estrutura alocados no CPD. Tem-se a

impressão de que os profissionais do CPD não

são capazes de entender as reais necessidades

da organização. Começam a surgir conflitos de

relacionamento entre o CPD e as outras

unidades. Com a intenção de resolver estes

problemas e ter um controle mais direto do

processo de informatização, as unidades da

organização partem para o uso de soluções

próprias, independentes do CPD. Em muitos

casos, após um processo de análise crítica,

descobre-se que a real causa dos baixos

resultados é a falta de um planejamento

adequado para a introdução das técnicas e

ferramentas de TI.

Estágio da Retomada do Controle –

Retomada do controle ocorre quando se põe

ordem na casa para evitar maiores prejuízos

pela falta de uso da tecnologia já adquirida e

por gastos adicionais com a proliferação de

soluções isoladas. O CPD, com respaldo da

bases de dados destes sistemas apresentam

normalmente um conjunto de informações

Para se adaptarem a esta visão, os

profissionais que trabalham com TI devem estar

aptos a responder à seguinte pergunta: “Em que

nível de maturidade se encontra a TI em minha

organização?”. A clara consciência deste estado

de amadurecimento é de vital importância para

a elaboração de estratégias, a fim de adequar a

TI da organização ao novo cenário mundial.

PROCESSO DE MATURIDADE DA TI

NAS ORGANIZAÇÕES

Sob uma abordagem histórica REZENDE

(2001) e FOINA (2001) propõem classificações

quanto o nível de utilização da TI nas organizações.

Os Níveis de maturidade propostos dão uma

base teórica para identificar o estágio em que se

encontra a utilização e integração da TI dentro

dos processos organizacionais.

Estágio Pré-informático –

Característico de uma organização de pequeno

porte, devido ao baixo volume de dados

necessários à sua gestão. Este estágio

necessita de poucos ou nenhum recurso de TI,

uma vez que o fluxo de informações é

totalmente informal. A sobrevivência competitiva

advém do esforço pessoal dos envolvidos e, de

forma paradoxal, da agilidade proporcionada

pela falta de fluxos de informações formais.

Estágio de Introdução da

informática – O elemento de TI mais marcante

neste estágio – o computador, é introduzido

como resposta às necessidades de se

processar de forma rápida e eficiente um vol-

ume cada vez maior de informações presentes

em determinados processos organizacionais.

Nesta etapa, as primeiras aplicações

desenvolvidas são tipicamente utilizadas para

controle básico, como folha de pagamento,

contabilidade e estoque.

53

Page 54: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

redundantes. Inicia-se então um processo de

integração das diversas bases de dados

existentes, como uma tentativa de se garantir

que as bases de dados possuam informações

compatíveis entre si. Como resultado deste

processo de integração, novas informações que

sintetizem as principais características da

empresa podem ser geradas, fornecendo uma

visão no nível adequado para auxiliar à tomada

de decisões estratégicas. A partir deste ponto,

a empresa passa a perceber que sua estrutura

de TI pode realmente funcionar como um

diferencial competitivo.

Estágio da Gestão da Informação – É

consolidado o processo de eliminação de

redundâncias de ferramentas e estabelecida a

unificação das bases de dados. Através desta

unificação, quaisquer modificações que os

dados sofrerem, seja pela alteração ou mesmo

a inserção de novos valores, estará

imediatamente disponível para qualquer setor

da empresa, aumentando ainda mais a

capacidade de adaptação da empresa como um

todo. Neste cenário, é de fundamental

importância a existência de uma figura chamada

de Gestor de Informações, que é o responsável

pela manutenção da integridade de todas as

informações que constituem a base de dados

unificada.

Estágio da Maturidade da TI – Todos

os setores da empresa são atendidos por

aplicações que fazem uso de uma base de

dados unificada sob uma infra-estrutura sólida

de TI de alta disponibilidade. A organização tem

políticas formais para segurança da informa-

ção, padronização de ferramentas de TI e pla-

nos estratégicos para TI. A Unidade de

Tecnologia da Informação passa a existir

virtualmente, mas suas ações são distribuídas

em toda a empresa, atuando de forma com-

petente e como um instrumento indispensável

nos processos de tomada de decisões

estratégicas e operacionais.

TI COMO UMA FERRAMENTA DO DIA A

DIA

A TI pode ser def in ida como a

“Preparação, coleta, transmissão, recepção,

recuperação, armazenamento, acesso,

apresentação e transformação de informações

em todas as suas formas (texto, gráficos, voz,

vídeo e imagem) para suprir os processos de

negócios das organizações”.

Empresas que tomam decisões envo-

lvendo TI como se fossem despesas, tendem

a concentrar-se no custo e não nas

necessidades e benefícios pretendidos. Estas

empresas não enxergam o potencial estratégico

da utilização da TI e avaliam apenas os ganhos

operacionais que a tecnologia é capaz de

oferecer.

Identifica-se uma empresa que trata TI

como despesa quando:

• gerente de TI tem dificuldade deacesso aos processos de decisão daempresa;

• Os projetos são sempre discutidos

com base nos custos envolvidos e

as decisões de financiamento

estendem-se por longo tempo;

• orçamento de TI está sempre sujeito

a cortes e paralisações; a TI é tratada

como recurso operacional e não

como ativo estratégico.

Empresas que tomam decisões

envolvendo TI como se fossem investimentos

procuram utilizar a tecnologia para implementar

54

Page 55: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

processos que vinculem as atividades de TI aos

objetivos e metas estratégicas da empresa. A

alta administração e o CIO (Diretor de

Informações) se relacionam de modo que o

setor de TI esteja integrado à missão e visão

estratégicas da empresa, e assim possa auxiliar

no estabelecimento de estratégias da

administração. Entretanto, nem todos os gastos

com TI devem ser tratados como investimentos.

Existem gastos contínuos de manutenção da

infra-estrutura e reposição de itens de consumo.

Para BIO (1985), grande parte das

empresas não utiliza o planejamento de

informática. Apesar de ser possível atender à

necessidade, pode levar a conseqüências

como:

• Mudanças constantes de priori-

dades. Projetos são iniciados e

descontinuados, substituídos, diante

das emergências ou do ponto de vis-

ta isolado de um gerente;

• Sub ou superdimensionamento dos

recursos de informática, provocando

custosas conversões ou ociosidade

do equipamento;

• Dimensionamento inadequado dos

recursos humanos na área de

sistemas;

• Implantações mal sucedidas tra-

zendo mais problemas, em vez de

chegar às soluções pretendidas

originalmente;

• Desgaste e desmotivação dos

profissionais da área, levando a um

exagerado “turnover” da equipe;

• Impossibilidade de avaliar benefícios

e controlar o desenvolvimento dos

sistemas.

TI COMO UM FATOR ESTRATÉGICO

Mesmo com os recursos tecnológicos

atualmente disponíveis, capazes de elevar

consideravelmente os níveis de eficiência e

confiabilidade dos processos, fornecer a

informação certa, na hora certa, às pessoas

certas não tem sido uma tarefa fácil. Segundo

Peter Drucker (apud, GATES 1999), “A

tecnologia da informação tem sido até agora

uma produtora de dados, em vez de informação,

e muito menos uma produtora de novas e

diferentes questões e estratégias. Os altos

executivos não têm usado a nova tecnologia

porque ela não tem oferecido as informações

que eles precisam para suas próprias tarefas.”

Os desafios enfrentados pela TI nos

anos 80 e 90 foram parcialmente superados. A

convergência das tecnologias de computadores

e telecomunicações tornou possível a

concepção de Sistemas de Informação funda-

mentados em metodologias de gestão capazes

de mudar o cenário descrito por Drucker. No

final do século XX, a disseminação de Sistemas

ERP (Enterprise Ressource Pla-ning), CIM

(Computer Manufacturig Management, MES

(Manufacturing Execution Systems), SDCD

(Sistemas Digitais de Controle Distribuído), DM

(Document Management ), Workflow etc., é uma

realidade de fato. Conceitos de teóricos da

gestão tais como: Edwards Deming, Tom Pe-

ters, Michael Hammer, Peter Senge, Michel

Porter, Masaaki Imai, Kaouuru Ishikawa, Eliyahu

Goldratt, Jim Collins, Gary Hamel e Prahalad

bombardearam de idéias, as cabeças de

empresários e executivos ávidos por sucesso

diante de questões cada vez mais complexas.

Como conseqüência da necessidade de ser

competitiva e enfrentar os desafios impostos por

um mercado globalizado, as mudanças nas

55

Page 56: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

estruturas organizacionais passaram a ser

constantes, à luz dos pensamentos dos gurus

e seus discípulos.

Neste contexto, os desafios atuais da TI

são guiados por três fatores: enormes volumes

de informações da “Era das Redes”, transfor-

mações contínuas do local de trabalho e

necessidades de codificação do conhecimento.

O primeiro fator é intrínseco a TI, sob um ponto

de vista de suporte às necessidades de infra-

estrutura básica das organizações. Já os

demais fatores definem a dinâmica que a TI

deve incorporar para absorver necessidades de

flexibilidade de processos e integrar apren-

dizagem, conhecimento e competências em

ambientes colaborativo sem fronteiras

geográficas.

Assim, muitas empresas têm repensado

a TI como um valioso recurso estratégico no

auxílio ao melhor aproveitamento de seus

recursos e na conquista de vantagens

competitivas, e não somente como um centro

de custo. STAIR (1998) afirma que “empresas

que permanecem competitivas são aquelas que

reconhecem o valor das informações e

estruturam suas atividades e sistemas de

informação de forma a maximizar esses

recursos”.

Segundo DAVENPORT (2000), as

empresas têm alguns bons motivos para

pensar estrategicamente sobre a informação.

Estes motivos são:

Os ambientes informacionais nas

empresas são desastrosos;

Os recursos informacionais sempre

podem ser mais bem alocados;

As estratégias da informação ajudam as

empresas a se adaptar às mudanças;

As estratégias informacionais tornam a

informação mais significativa.

Para GRAEML (2000) é difícil estimar

qual o aumento de participação de mercado que

novos investimentos de TI podem trazer. Mas é

possível prever se um sistema vai melhorar a

capacidade da empresa perceber, de forma

mais ágil, o que seus clientes querem, aumentar

a confiabilidade dos produtos e reduzir custos,

por exemplo. Sendo assim, a empresa

melhorará sua posição no mercado ou, pelo

menos, neutralizará o avanço da concorrência.

O autor afirma que empresas que transformam

a tecnologia em diferencial competitivo sus-

tentável tornam-se bem sucedidas, enquanto

outras que não tiverem o mesmo zelo ou

competência na escolha dos investimentos

mais adequados, alinhados às estratégias e

cultura da empresa fracassarão. No entanto, a

competência gerencial continua a ser a chave

para o sucesso dos investimentos em TI. A

tecnologia pode atuar apenas como catalisadora

dos bons ou maus esforços de gestão.

METODOLOGIA PARA ELABORAÇÃO

DE UM PLANO ESTRATÉGICO DE TI

Uma vez identificado o atual estágio dos

processos de informação de uma organização,

a elaboração de um planejamento para

mudança de estágio deve ser pensada de for-

ma cuidadosa. Contudo, independente do porte,

ou da área de atuação, um plano estratégico de

TI deve ser capaz de responder às seguintes

perguntas:

• O que existe hoje em minha organiza-

ção?

• Quem usa o que e com que finalidade?

• Atende às nossas necessidades?

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Page 57: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

• Qual a visão da organização para o fu-

turo?

Tendo em mente estas perguntas, um

planejamento estratégico pode ser estruturado

da forma a seguir, caracterizado por contribuir

para um maior grau de efetividade nas fases de

execução. Segundo REZENDE (2001), os

seguintes estágios de planejamento poderiam

ser utilizados:

Organização do projeto – Etapa fun-

damental, refere-se à definição das atividades

chaves a serem executadas, seus objetivos e

metas, as equipes de trabalho, bem como os

prazos para conclusão de cada atividade. A

participação de profissionais com um bom

conhecimento da organização, e dos conceitos

de Tecnologia da Informação, é de grande auxílio

para se obter a estruturação mais eficaz.

Capacitação da equipe de trabalho –

Nesta etapa do processo é feita a familiarização

das equipes envolvidas no planejamento e

execução das atividades do projeto com as

ferramentas que serão utilizadas na sua

execução. Como planejamento futuro, esta

ação deveria se tornar um processo contínuo

em toda a organização, não sendo apenas uma

atividade associada a um ou outro projeto

específico.

Identificar objetivos e as informações

organizacionais – Este é um processo muito

delicado e vital, pois visa a identificação clara e

objetiva das principais atividades desenvolvidas

pela organização. É fundamental a modelagem

dos processos de negócios, identificando

subprocessos, responsabilidades,

regras, como os setores interagem e colaboram

entre si para a execução de atividades, e todas

as informações envolvidas no processo. Neste

momento deve-se identificar as reais neces-

sidades de informação, para que poste-

riormente sejam avaliadas as eventuais

deficiências na geração e processamento das

mesmas.

Identificar e avaliar os Sistemas de

Informação – O atual sistema de TI implantado

na organização deve ser avaliado com relação

às possíveis necessidades de melhorias de

hardware, software, infra-estrutura de rede,

processos de negócios e capacitação de

recursos humanos. Devem ser identificadas

adaptações ou mesmo reformulações dos

sistemas de TI atualmente implantados bem

como a avaliação de potenciais sistemas

disponíveis no mercado.

Planejar e propor Sistemas de

Informação – Com base nas deficiências

identificadas na fase anterior, são propostas

alternativas detalhadas para melhoria dos

sistemas de informação já em uso, incluindo o

planejamento para implantação de novos

sistemas com desenvolvimento próprio ou a

aquisição de software de terceiros. Também

devem ser propostas formas de otimização dos

processos de negócios, definição de exigências

de alta disponibilidade e a integração das

diversas bases de dados disponíveis

(DATAWAREHOUSE).

Planejar infra-estrutura paralela –

Com base nos resultados obtidos na etapa an-

terior, nesta etapa deve ser definido o

planejamento necessário para revisão,

manutenção e/ou implantação de elementos

redundantes, assim como estruturas de back-

up, necessárias para dar suporte às exigências

de alta disponibilidade, identificadas.

Planejar recursos humanos – Como

um dos resultados do trabalho executado na

etapa anterior, serão definidos processos de

56

Page 58: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

ajuste dentro dos quadros da organização, tan-

to para suprir deficiências como para definir o

melhor aproveitamento das potencialidades de

seus colaboradores.

Organizar a Unidade de Tecnologia

da Informação – Como forma de garantir a

continuidade da gestão da Tecnologia da

Informação, a organização deve pensar no

estabelecimento de uma unidade exclu-

sivamente dedicada a Tecnologia da Informação,

abrigando profissionais com o perfil adequado

e com claras atribuições e responsabilidades.

Estabelecer prioridades – Nesta etapa

é definida a ordem em que serão implantados

os sistemas, programas, normas, políticas,

entre outros, definidos durante as diversas fases

de planejamento. Esta é uma atividade que deve

ser revista periodicamente, tanto para controle

dos prazos como para avaliação ou redefinição

de prioridades.

Analisar impactos – Antes da efetiva

implantação das atividades planejadas, um

processo de análise crítica dos efeitos

decorrentes da execução destas ações deverá

ser realizado. Isto ajudará a determinar a

viabilidade de execução dos projetos, definição

de prioridades e estabelecimento de estratégias

que orientarão a definição de ajustes

necessários.

Elaborar plano econômico-financeiro

– Todos os planejamentos que necessitem de

investimentos financeiros devem sofrer

avaliação de disponibilidade de recursos para a

sua viabilização. Este processo ajudará a definir

a ordem de execução das atividades. Como

objetivo futuro, este processo deverá evoluir

para a definição de um orçamento anual para

investimentos na área de TI.

Elaborar planos de ação – Uma vez

definidas prioridades e orçamentos, a equipe de

execução deverá elaborar os respectivos planos

de ação operacionais.

Gerir, documentar e aprovar o

projeto – Implementação de fato dos planos de

ação operacionais.

CONCLUSÃO

Da pré-informática ao conhecimento

estratégico, a integração da Tecnologia da

Informação ao processo organizacional é um

fator crítico para a execução das estratégias de

uma organização. O gerenciamento das infor-

mações proporciona um melhor cenário para a

concepção de idéias inovadoras e suporte à

tomada de decisões, facilitando a seleção,

distribuição, operação, manutenção e evolução

dos bens da organização de forma coerente com

suas metas e seus objetivos.

Em muitos casos, as organizações

possuem dentro de si o material humano e

tecnológico necessário para ajustar-se ao novo

cenário da “Era do Conhecimento”, faltando

apenas o estabelecimento de uma política sólida

para a gestão da TI.

Para que a TI seja um elemento

diferencial competitivo para a organização, a

mesma deve ser encarada como um

investimento, e não como um “centro de custo”.

REFERÊNCIASBOAR, Bernard H., Tecnologia da informação:A arte do planejamento estratégico, BerkeyBrasil, 2002.

REZENDE, Denis A, Tecnologia da informaçãoaplicada a sistemas de informação empresariais,Atlas, 2001.

FOINA, Paulo R., Tecnologia de informação:Planejamento e Gestão, Atlas, 2001.

58

Page 59: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Tecnologia da Informação no Processo Organizacional

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

DAVENPORT, Thomas H. Ecologia dainformação: por que só a tecnologia não bastapara o sucesso na era da informação. São Paulo:Futura, 1998.

GATES, Bill. A empresa na velocidade dopensamento: com um sistema nervoso digital. SãoPaulo: Companhia das letras, 1999.

GRAEML, Alexandre. R. Sistemas de informação:o alinhamento da estratégia de TI com aestratégia corporativa. São Paulo: Atlas, 2000.136 p. ISBN 85-224-2467-5.

STAIR, Ralph. M. Princípios de sistemas deinformação: uma abordagem gerencial. 2.ed.,Rio de Janeiro: LTC - Livros Técnicos e Científicos,1998. 452 p. ISBN 85-216-1132-3.

BIO, Sérgio R. Sistemas de informação - umenfoque gerencial. São Paulo: Atlas, 1985. 184 p.ISBN 85-224-0009-1.

1Gilbert Breves Martins é Analista de

Sistemas – Mestre em Ciência da Computação

(UFMG) – Núcleo de Tecnologia da Informação

(FUCAPI) e Coordenador dos cursos de Análise

de Sistemas e Ciência da Computação do

CESF – Instituto de Ensino Superior Fucapi

2 Rhandsaissem Tavares Leal é Engenheiro

Eletricista – Mestrando em Telecomunicações

(UFRJ/ UFAM) – Núcleo de Tecnologia da

Informação (FUCAPI) e Professor no curso de

Engenharia de comunicações do CESF

3 Fabíola Nazaré Borges é Bacharel em

Economia – Especialista em desenvolvimento

de sistemas (UFAM) – Núcleo de Tecnologia da

Informação (FUCAPI)

4 Valdir Sampaio da Silva é Engenheiro

Eletricista – Mestre em Sistemas de controle

(UFRJ) – Coordenador de Projetos - Núcleo de

Tecnologia da Informação (FUCAPI) e Profes-

sor do Departamento de Eletricidade da

Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

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Page 60: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

O PAPEL DA FUCAPI NADISSEMINAÇÃO DO SISTEMADE PROPRIEDADEINTELECTUAL NA REGIÃO

Francisca Dantas Lima1

Sônia Iracy Lima Tapajós 2

INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é tornar públi-

ca a experiência da FUCAPI – Fundação Centro

de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica na

disseminação da cultura da propriedade inte-

lectual na região, ampliando seu papel na

promoção e disponibilização de novas tecno-

logias para a sociedade, levando em con-

sideração a importância das criações inte-

lectuais para o desenvolvimento econômico re-

gional e nacional.

Como um centro de pesquisa e ensino,

a FUCAPI possui uma importância singular para

a região, com seu corpo docente altamente

qualificado na produção da inovação tecno-

lógica. Dentre o seu patrimônio o de maior valor

é a capacidade intelectual do corpo docente e

técnico, cujo potencial é o insumo na geração

do conhecimento.

A Propriedade Intelectual é definida como

criação decorrente do exercício da mente

humana, que pode ser expressa em forma de

produtos, processos e idéias materializadas e

que pode ser objeto de propriedade.

Por volta de 1986, foi criado na FUCAPI

um setor responsável pelas atividades ligadas

à informação tecnológica, incluídas aí as marcas

e as patentes. A Seção Centro de Informação –

SECIN, como foi denominada, tinha por objetivo

o fornecimento de informações de cunho

tecnológico, tanto ao público interno (diretores,

60

Page 61: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

gerentes e técnicos) quanto ao público externo

(empresas e instituições locais). Em 1988, fo-

ram iniciados os primeiros contatos com o

Instituto Nacional da Propriedade Industrial –

INPI, órgão responsável pela propriedade indus-

trial no Brasil, mas, somente no ano seguinte a

FUCAPI efetivamente depositou seus primeiros

três pedidos de patente, dos quais, um já possui

a carta-patente.

AÇÕES LEGAIS PARA A PROTEÇÃO DA

PROPRIEDADE INTELECTUAL/

INDUSTRIAL NO BRASIL

A questão relativa a propriedade intele-

ctual e mais especificamente a propriedade

iindustrial não é nova no Brasil, pois, já em 28

de fevereiro de 1809, o Príncipe Regente,

através de um Alvará, concedeu a todos os

“introdutores de alguma nova máquina e

invenção nas artes, um privilégio temporário,

desde que apresentasse o plano de seu invento

à real Junta do Comércio”. Com este ato foi

dado o primeiro passo em nosso país rumo à

proteção dos privilégios de invenção, ainda que

de forma primária e sem indicar requisitos

necessários à proteção desejada.

Com a medida, o Brasil se tornou o

quinto país no mundo a possuir alguma

regulamentação específica para proteção dos

direitos advindos da criação intelectual, ficando

atrás somente de Veneza, com sua Lei de 1474;

Inglaterra, com o Estatuto dos Monopólios, de

1623; a Lei Americana que data de 1790 e a

Francesa, de 1791.

As duas primeiras leis específicas do

Brasil sobre o assunto somente foram estabe-

lecidas pelo então Imperador D. Pedro I, em

1830 e 1882, respectivamente.

Daí em diante, outras ações foram

tomadas pelo Governo Federal a fim de proteger

os direitos da propriedade intelectual no Brasil.

Para tanto, em 1970, foi criado o Instituto

Nacional da Propriedade Industrial – INPI e no

ano seguinte, o Código da Propriedade Indus-

trial – CPI, antiga lei que regulava os direitos da

Propriedade Industrial.

Com a globalização e atendendo a

pressões internacionais, o Governo brasileiro

editou a Lei nº 9.279/97 (Lei da Propriedade

Industrial), ainda em vigor, que regula os direitos

e obrigações relativos à Propriedade Industrial,

visando a concessão de patentes de invenção

e modelo de utilidade; de registro de desenho

industrial e de marca; de repressão às falsas

indicações geográficas; e de repressão a con-

corrência desleal. Como principais novidades,

a nova lei inclui a proteção para as substâncias,

matérias ou produtos obtidos por meios ou

processos químicos e as substâncias, matérias,

misturas ou produtos alimentícios, químico-

farmacêuticos e medicamentos de qualquer

espécie, bem como os respectivos processos

de obtenção ou modificação. (SOARES, 1997).

A PROPRIEDADE INTELECTUAL E SUAIMPORTÂNCIA NO MUNDO

GLOBALIZADO

Segundo palavras do empresário e

senador Fernando Bezerra, o novo cenário

internacional tornou a competitividade elemento

inquestionável de sobrevivência das empresas.

A mudança de comportamento mundial vem

exigindo a adoção de ações que auxiliem no

acompanhamento da evolução acelerada por

que vêm passando os países. Nesse contexto,

a Propriedade Industrial representa o instru-

mento estratégico competitivo, atuando de forma

decisiva junto à comunidade industrial e

61

Page 62: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

científica.

Analisando tal afirmação, entendemos

que a propriedade industrial constitui-se em uma

das estratégias básicas para impulsionar o cres-

cimento e o desenvolvimento das empresas.

O empresário brasileiro, principalmente

o micro e pequeno, possui pouco ou quase

nenhum conhecimento sobre propriedade in-

dustrial, motivo pelo qual se perdem inúmeras

oportunidades de negócios. Quem possui esse

conhecimento fica mais atento no monito-

ramento do mercado, observando os produtos

inovadores e que podem melhorar sua

competitividade. Por esta ótica, a propriedade

industrial pode tornar-se um meio capaz de

atribuir títulos de propriedade sobre marcas e

patentes, impedindo que os concorrentes os

utilizem de maneira indevida. Quando esses

processos são bem planejados e administrados,

geram valor e negócios adicionais para a

empresa.

A proteção legal adquirida pela empresa

constitui-se, antes de mais nada, em um bem

econômico, em forma de títulos, que podem ser

negociados, licenciados, vendidos ou cedidos

como ativos da empresa e ainda melhora a

qualidade dos produtos e serviços, contribuindo

para a modernização do parque tecnológico

brasileiro.

A CONTRIBUIÇÃO DA FUCAPI NADISSEMINAÇÃO DA CULTURA DA

PROPRIEDADE INTELECTUAL

NA REGIÃO

Por volta de 1988, quando o tema Propri-

edade Intelectual ainda era pouco difundido en-

tre a comunidade técnico-científica e

empresarial local, a FUCAPI, através de seu

Centro de Informação, fez os primeiros contatos

com o Instituto Nacional da Propriedade Indus-

trial – INPI a fim de dar entrada em alguns

pedidos de registro de patentes de sua

propriedade.

No ano seguinte, técnicos da FUCAPI

fizeram uma visita à sede do INPI, no Rio de

Janeiro, onde foram mantidos contatos visando

o acesso ao Programa de Fornecimento

Automático de Cópias de Documentos de

Patente – PROFINT, desenvolvido pelo INPI.

Através da assinatura desse convênio, o Centro

de Informação da FUCAPI passou a receber

cópias das folhas de rosto das patentes nas

áreas de eletrônica e eletricidade, culminando

com a criação de um Mini-Banco de Patentes,

que foi disponibilizado também para consulta

da comunidade empresarial.

O objetivo da FUCAPI em montar o mini-

banco era despertar o interesse do empresa-

riado local para a importância significativa da

consulta de documentos de patentes para o

acesso ao conhecimento tecnológico, já que

menos de 30% dessas informações são

divulgadas por outros meios.

Em 1989, foram depositados, na sede

do INPI, no Rio de Janeiro, três processos com

pedidos de patente de titularidade da FUCAPI,

referente a projetos desenvolvidos por técnicos

do então Departamento Técnico – DETEC, hoje

denominado Departamento de Desenvolvimento

Tecnológico.

Aproveitando a experiência adquirida e

objetivando despertar na comunidade técnico-

científica local a importância já então visível da

proteção das criações intelectuais para o

crescimento econômico e tecnológico, no final

de 1991 a FUCAPI deu início à prestação de

serviços nessa área, também ao público

externo. Inicialmente, a assessoria limitava-se

62

Page 63: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

para assessoria em propriedade

intelectual;

• Realização de busca on line em banco

de dados de patentes;

• Assessoria na busca de anterioridade de

marcas e pedido de registro de marca

no exterior.

O quadro a seguir, mostra o número de

processos de registro de marcas e patentes

depositados pela FUCAPI, para terceiros, no

período de 8 anos, onde pode ser observado

um aumento significativo no número de

depósitos de pedidos.

Quadro 1 – Pedido de Registro deMarcas e Patentes depositados pelaFUCAPI, para terceiros.Fonte: Relatórios de Atividades daFUCAPI.

CONCLUSÕES

A análise dos quase doze anos de

atuação da FUCAPI na prestação de serviços

na área de Informação Tecnológica e

Propriedade Intelectual, aponta para a constante

preocupação com o seu compromisso de

contribuir com o desenvolvimento da Região,

principalmente no que se refere à ciência e

tecnologia.

O crescimento do número de pedidos de

registro de marcas e patentes observado nos

últimos anos no Estado nos fornece indicadores

somente ao preenchimento de formulários e

protocolo do pedido junto à representação do

INPI no Estado. Nessa época, o maior volume

de serviço era representado pelos pedidos de

registro de marca, que até então eram acom-

panhados pelos próprios clientes, já que a

FUCAPI ainda não oferecia o serviço de

acompanhamento desses processos. Logo

depois vieram os primeiros processos de

pedidos de patente de terceiros.

Atualmente, a FUCAPI oferece vários

serviços na área de propriedade intelectual,

incluindo registro de direitos autorais, tais como,

músicas, artes plásticas, fotografias, literatura,

poesias e, principalmente, softwares, além do

registro e acompanhamento de processos de

marcas, patentes, desenhos industriais, trans-

ferências de tecnologia e indicação geográfica.

Possui uma equipe de profissionais com ampla

experiência na área, capacitada através de

treinamentos realizados pelo INPI, FIOCRUZ,

Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro etc.

Em parceria com outras entidades, a

FUCAPI, ao longo dos anos, promoveu diversos

eventos e cursos, no intuito de disseminar a

cultura da propriedade industrial, mostrando as

vantagens da proteção e facilitando as parcerias

tecnológicas.

A evolução dessa atividade pode ser

destacada através das ações desenvolvidas e

das parcerias firmadas:

• Acordo de Convênio de Cooperação

Técnica firmado com o INPI, assinado

em 23/05/2001;

• Consolidação do Núcleo de Propri-

edadeIntelectual da FUCAPI, através de

financiamento do CNPq/FVA;

• Parceria com o Instituto Genius de

Tecnologia, entidade ligada à Gradiente,

63

Page 64: Revista T&C Amazônia - Nº 1

O Papel da FUCAPI na Disseminação do Sistema de Propriedade Intelectual na Região

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

de que, gradativamente, a utilização do sistema

de propriedade industrial pela comunidade lo-

cal passa a ser um diferencial competitivo no

mundo dos negócios, refletindo na qualidade de

produtos e serviços oriundos do parque indus-

trial amazonense, tendo a FUCAPI

desempenhado papel fundamental nesse

processo de inovação tecnológica,

considerando-se ter sido a entidade pioneira no

Estado a prestar assessoria em Propriedade

Intelectual, quando o assunto era pouco

conhecido até mesmo entre a comunidade

científica local.

Ao longo dos anos, a FUCAPI buscou

promover a disseminação de informações sobre

propriedade intelectual também através da

realização de palestras, cursos, seminários,

inclusive sendo a única a oferecer uma disciplina

específica sobre Propriedade Intelectual e

Transferência de Tecnologia, em seu curso de

graduação de Administração em Gestão da

Inovação.

______________________________________

REFERÊNCIAS

MACEDO, M. F. G; BARBOSA, A. L. F. Patentes,

pesquisa & desenvolvimento. Rio de Janeiro:

Fiocruz, 2000. 164p.

SOARES, J. C. T. Lei de patentes, marcas e

direitos conexos : lei 9.279 – 14.05.1996. São

Paulo: Editora dos Tribunais, 1997. 391p.

Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Propriedade intelectual e transferência de

tecnologia: guia de referência. Rio de Janeiro:

UERJ, 2000. 33p.

INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE IN-

DUSTRIAL. Marcas & patentes. Rio de Janeiro,

1999. 20p.

SILVA, M. A. P. Propriedade intelectual e

patentes. Via Legis, Manaus, n.30, p. 13-14,

set. 2002

1Francisca Dantas Lima é Assessora da

FUCAPI, Bibliotecária, Agente de Propriedade

Industrial e Mestranda em Gestão e Auditoria

Ambiental

2Sônia Iracy Lima Tapajós é Analista de Nível

Superior, Bibliotecária, Especialista em

Informação Tecnológica e Inteligência

Competitiva

64

Page 65: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

A GESTÃO DO CONHECIMENTONO UNIVERSO DOS INTANGÍVEIS

Cinthia da Cunha Mendes*

INTRODUÇÃO

A relevância do conhecimento como ativo

que agrega valor às atividades organizacionais

ressalta o papel da gestão que, conforme

Teixeira Filho (2000), vem da necessidade de

aperfeiçoamento contínuo dos processos de

negócio. As organizações atravessam um

momento de renovação no que se refere aos

efeitos da globalização e da crescente competi-

tividade. Neste novo cenário, a organização só

estará estrategicamente ajustada às mudanças

caso seu enfoque esteja centrado na cadeia de

valor da qual participa, isto é, na compreensão

de que os resultados só poderão ser alcançados

diante de uma visão sistêmica do ambiente de

negócio. Segundo Gallucci (1997):

“(...) é preciso mudar porque o ambiente

geral está sempre mudando (...) não permitindo

que qualquer tipo de organização – ou indivíduo

- se considere estabilizado, realizado, completo

e pare de se desenvolver, de se antecipar às

exigências de um mercado crescente e

competitivo” (p.79).

Para Somerville e Mroz (1997), enfrentar

as mudanças requer, sobretudo, o uso do

conhecimento acumulado e a disseminação de

experiências entre as pessoas, aplicadas às

atividades rotineiras. Assim, as organizações,

como tendência, devem considerar o ser

humano integralmente, no estabelecimento de

suas estratégias. Contudo, é preciso abandonar

velhos termômetros e definir novas formas de

avaliar um novo recurso produtivo, o conhe-

65

Page 66: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

cimento. Nesse contexto, o papel da gestão do

conhecimento será contribuir para que o

conhecimento individual agregue valor ao

conhecimento organizacional.

A gestão do conhecimento atuará na

identificação dos elementos que, sob condições

de concorrência, elevam a percepção dos

agentes econômicos quanto à sua importância

como inovação organizacional e fonte de

vantagem competitiva. Assim, segundo Mendes

(2002, p.13), na era do conhecimento, as

experiências individuais, as habilidades para

aprendizagem individual e em grupo, o talento

pessoal e o uso de inúmeros recursos tecno-

lógicos, indispensáveis ao processo de tomada

de decisão, convergem para uma nova e revolu-

cionária definição dos ativos organizacionais. O

desafio é identificar esses ativos intangíveis,

que agregam valor à atividade produtiva, mas

que não são facilmente reconhecidos na

estrutura organizacional.

A “NOVA ECONOMIA” DO

CONHECIMENTO

A curva crescente de criação do conhe-

cimento, na nova economia, demonstra que uma

verdadeira revolução inicia-se no ambiente

organizacional. Nas organizações competitivas,

o conhecimento será gerado em um fluxo

contínuo e dinâmico. O ciclo de vida cada vez

mais curto do conhecimento deve-se, sobretudo,

ao crescente avanço da tecnologia da infor-

mação e comunicações (TI&C). Modificam-se

também, as estruturas, principalmente as

internas, em direção a uma nova arquitetura. A

estrutura baseada em funções e cargos

transforma-se em organização por projetos ou

processos. Estas ações evidenciam uma

gestão mais participativa, centrada na respon-

sabilidade e na orientação aos resultados, com

elevada concentração no negócio da empresa

e eliminação de atividades que não agreguem

valor.

As organizações tornar-se-ão verdadei-

ros ambientes de aprendizagem permanente. A

capacidade de uso do ativo conhecimento,

incorporado aos negócios, será o elemento

diferenciador no ambiente corporativo. Desse

modo, o caráter inovativo da Gestão do

Conhecimento (GC), para Davenport e Prusak

(1998), não está em reconhecer o

conhecimento como algo novo, mas em tratá-

lo como um ativo corporativo, o que requer o

desenvolvimento de mecanismos de gestão e

avaliação. À luz do trabalho de Sveiby (1998),

Rodriguez (2001, p.132-133) relaciona alguns

exemplos de ativos invisíveis, cujo fluxo, pela

organização, é essencialmente não-financeiro:

competência dos empregados; capacidade de

inovar; imagem da organização empresa junto

à sociedade; visão estratégica; rede de rela-

cionamentos etc.

Nesse sentido, Sveiby (1998) menciona

que a GC é uma arte capaz de agregar valor

aos ativos da organização. Nonaka e Takeuchi

(1997) consideram a GC como um processo

interativo de criação do conhecimento organiza-

cional e sua disseminação por toda a estrutura

corporativa, incorporando-o a produtos e

serviços. Enquanto Silveira (2000, p.37) afirma

que “as novas organizações de aprendizagem

estão focando suas estratégias à identificação,

captura e alavancagem de seus ativos de

conhecimento”.

A inexistência, portanto, de uma definição

consensual em relação ao tema Gestão do

Conhecimento, identifica a necessidade de se

inferir alguns elementos que possam caracte-

66

Page 67: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

rizar a GC neste estudo. Assim, depreende-se

como elementos inerentes à gestão do

conhecimento, as estratégias que vão trans-

formar o conhecimento em ação, inserindo-o

em processos, produtos e/ou serviços, com vis-

tas a elevar o desempenho organizacional,

assegurando a competitividade do negócio.

Em síntese, na sociedade baseada no

conhecimento, o diferencial competitivo das

organizações refere-se ao tratamento dispen-

sado aos valores intangíveis e aos trabalhadores

intelectuais alinhados ao negócio.

A ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

E O PROFISSIONAL INTELECTUAL –

AMBIENTE DE APRENDIZAGEM

A organização não gera conhecimento

por si só, mas através das pessoas e da

interação entre elas. Na nova economia, um

importante meio para a criação e disseminação

do conhecimento diz respeito ao mapeamento

das competências, ou seja, guia dos estoques

de conhecimentos existentes na organização

que sejam relevantes ao negócio. Segundo

Davenport e Prusak (1998), os mapas do

conhecimento apontam para pessoas,

documentos e banco de dados que forma a

organização.

Trata-se, portanto, de identificar perfis

profissionais e, ao mesmo tempo, permite não

só registrar os elementos responsáveis pelos

fluxos de conhecimento, quanto focar

necessidades de desenvolvimento pessoal. Os

mapas, independente da forma que se apre-

sentem, buscam relacionar perfis disponíveis

e/ou oportunidades para a geração de

conhecimento novo. Em particular, cumpre

assinalar que a gestão do conhecimento aborda

o valor dos ativos intangíveis nas organizações

competitivas. E ainda, a GC enfrenta a dificul-

dade de como dispor do conhecimento

relevante ao negócio, durante a tomada de

decisão. Assim, qual o perfil do profissional

intelectual nesse novo ambiente?

O profissional intelectual será aquele que

associar seu conhecimento tácito (experiência

individual, percepções, sensações) ao fluxo de

conhecimento necessário à realização de suas

atividades. É comum utilizar a expressão

‘trabalhadores do conhecimento’ às pessoas,

normalmente, altamente qualificadas e com

elevado grau de escolaridade que dispõem de

suas competências para converter informações

em conhecimento e, dessa forma, alavancar o

desempenho da organização.

Nem todo o conhecimento relevante à

GC poderá ser explicitado. Entretanto, todo o

esforço de aprendizagem e de compar-

tilhamento deverá ser estimulado pela

organização. Na visão de Krogh et al (2001),

uma estrutura com excesso de controle inibe,

por vezes, o contínuo fluxo de conhecimento e

inovações. Nas organizações onde o negócio é

o conhecimento, as expertises funcionais

devem ser combinadas aos processos e

sistemas objetivando o reforço à criação de

conhecimento organizacional. Este acervo,

também denominado de memória organiza-

cional, será o suporte da interação entre os

elementos humano e tecnológico, no

desenvolvimento de um projeto de gestão do

conhecimento que privilegie os ativos

intangíveis.

Desse modo, as habilidades gerenciais

somadas às competências individuais, em

ambientes que estimulem a inovação, devem

ser envolvidas em programas de aprendizagem

67

Page 68: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

permanente nas organizações. O conheci-

mento, que pode ser disseminado através da

interação entre as pessoas e equipes, é a base

do processo de aprendizagem organizacional.

Complementando, pode-se dizer que existe uma

lacuna quanto à alocação do conhecimento aos

propósitos da organização. Dentre as aborda-

gens conceituais sob o tema aprendizagem

organizacional destaca-se a capa-cidade das

organizações em aprender mais rápido que a

concorrência (DE GEUS, 1998). Assim, o

aprendizado organizacional reside em uma

contínua autotransformação no plano individual

e coletivo.

Para Ruas (2001, p.253), alguns

exemplos de práticas organizacionais que

permitem a ocorrência de processos de

aprendizagem: planejamento estratégico;

metodologia de solução de problemas;

benchmarking; implantação de estratégias de

gestão e desenvolvimento de novos produtos.

Como resultado, a partir dessas orientações, o

efetivo processo de aprendizagem requer

condições de apropriação e internalização de

conhecimentos e habilidades, ampliando o

repertório de respostas e modos de agir,

associados às práticas de gestão (RUAS,

2001). Nesse sentido, os atores do processo,

quer na condição de mestres ou aprendizes,

têm papel fundamental em vincular compor-

tamentos à ação.

Sveiby (1998) afirma que as pessoas

são o único agente de mudanças e todos os

demais ativos são resultado da ação humana.

Assim, conforme Mendes (2002, p.121) “o

subjetivo e o informal adquirem um novo status

na organização”. A constatação de que a

sobrevivência, sob condições de concorrência,

remete ao conhecimento acumulado e

compartilhado, transforma as organizações em

aprendizes permanentes. Portanto, de acordo

com Terra (2000), na nova economia, o objetivo

em comum das mudanças é demonstrar o

impacto dos ativos de conhecimento, enquanto

recursos competitivos, na adoção de novas

práticas gerenciais.

GESTÃO DOS ATIVOS DE

CONHECIMENTO

A gestão de ativos intangíveis, também

denominados ativos de conhecimento, traduz-

se no esforço das organizações em identificar

e avaliar esse novo elemento que, em grande

quantidade, circula pela organização. Ao longo

dos anos 90, muitos foram os estudos desen-

volvidos no intuito de gerenciar e avaliar a

dimensão intangível das organizações que

agrega valor ao negócio. Entre as metodologias

disponíveis, em relação ao tema gestão do

conhecimento, destacam-se os trabalhos de

Karl Erik Sveiby (1998) e Leif Edvinsson e Micha-

el Malone (1998) em apresentar um novo

formato para o gerenciamento dos ativos

invisíveis das empresas. Contudo, apesar de

não existir consenso, as metodologias abor-

dadas estão orientadas para a avaliação dos

relacionamentos externo e interno, estruturas e

para as pessoas.

A contribuição de Sveiby (1998) reside

na introdução do conceito de conhecimento

organizacional como um ativo intangível e na

defesa de uma ‘nova contabilidade’ voltada ao

registro dos ativos invisíveis da empresa. Esses

ativos, também chamados de ativos de

conhecimento, são complexos e de difícil

avaliação. Para Sveiby (1998), a ausência de

um padrão formal e genericamente aceito

dificulta a gestão e a mensuração dos ativos

de conhecimento. Portanto, faz-se mister

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A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

identificá-los e classificá-los, pois geram valor

para a organização.

A proposta de Sveiby (1998), denominada

‘monitor de ativos intangíveis’, é uma represen-

tação gráfica simplificada, e ao mesmo tempo,

abrangente, de uma série de indicadores

relevantes que podem ser utilizados pela

organização de acordo com suas conveniên-

cias. O monitor foi concebido com base em três

áreas âncoras: crescimento e renovação;

eficiência e estabilidade. As pessoas são únicas

e, juntamente com as estruturas interna e

externa à organização, ilustram a classificação

de ativos intangíveis apresentadas por Sveiby

(1998), classificadas em:

Estrutura Externa: contempla os

relacionamentos dos membros da organização

com seus clientes e fornecedores, como

marcas registradas e a imagem da organização

no mercado.

Estrutura Interna: juntamente com as

pessoas, constitui-se na organização propria-

mente dita. Além de conceitos, patentes,

modelos, sistemas administrativos e compu-

tacionais e a cultura organizacional. Sveiby

(1998) concebe a estrutura interna como

responsável pelo fluxo de conhecimento

existente na organização, ou seja, o suporte

para as ações dos indivíduos. Por sua vez, é a

combinação harmoniosa dos elementos desses

dois grupos que constitui a tarefa da gerência

organizacional.

Competência pessoal: consiste, basica-

mente, na capacidade de agir das pessoas em

situações diferentes, para criar tanto ativos

tangíveis quanto intangíveis. Acerca das

discussões sobre a propriedade dessa

competência e sua inclusão no balanço patri-

monial, Sveiby (1998, p.11) diz que “é impossível

conceber uma organização sem pessoas”.

Ademais, uma organização do conhecimento

tem na competência de seus profissionais o seu

ativo mais valioso.

O estabelecimento de indicadores, para

a mensuração dos ativos de conhecimento de

uma organização, foram utilizados por Sveiby

(1998) para a definição do valor de mercado de

uma empresa, constituído pela soma do seu

patrimônio visível e seus ativos intangíveis,

como apresentado na Figura 1:

Figura 1 – Valor de mercado de uma empresa

Fonte: Sveiby (1998, p.188).

A proposta de Edvinsson e Malone (1998)

surge da busca de uma nova posição contábil

frente aos desafios da nova economia. Trata-

se na utilização de uma ferramenta de suporte

à tomada de decisão, que permite captar o va-

lor existente na empresa, denominada ‘nave-

gador de capital intelectual’. O navegador vem

ressaltar o uso do intangível, aplicado ao

trabalho, para gerar valor agregado e evidenciar

um novo método de avaliação do desempenho

organizacional, por meio de indicadores não-

financeiros. Nesse sentido, evidenciam que a

avaliação de ativos intangíveis requer além do

retrato presente, o estabelecimento de proje-

ções e a observação do passado que, por sua

vez, permitem determinar qual o caminho a ser

percorrido e quais as lições aprendidas.

O navegador é composto por cinco

áreas foco, para as quais foram identificados

indicadores variados de avaliação do desem-

penho organizacional.

69

Page 70: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

1. Foco financeiro – é composto pelos

indicadores tradicionais que dizem respeito

às medidas tangíveis de valor: despesas,

receitas, investimentos, resultados opera-

cionais etc.

2. Foco na renovação e desenvolvimento –

representam o alicerce do instrumento de

navegação. Evidencia as ações que estão

sendo tomadas no presente, para captar

oportunidades de negócio no futuro.

Histórico de relacionamento com clientes;

parcerias estratégicas; corpo funcional etc.

3. Foco no cliente – indicadores que demons-

tram o fluxo de relacionamento com clientes

potenciais, indexados por categorias; tem-

po de duração do relacionamento; atividades

de suporte; sucesso do cliente etc. Objetiva

fornecer indicadores de atração e

manutenção do portfólio de clientes.

4. Foco no processo – refere-se à infra-

estrutura tecnológica, sistemas e processos

como meio de suporte à geração de

riquezas na organização. Meta corporativa;

custos de equipamentos de TI; capacidade

de TI/empregado etc.

5. Foco humano – traduz-se no ativo mais

dinâmico, presente na composição dos

demais indicadores. É também o mais difícil

de ser avaliado, considerando-se a suasubjetividade. Motivação para o trabalho;regime de trabalho; formação técnico-

acadêmica; horas de capacitação etc.

Em síntese, o navegador contribui como

um importante instrumento de divulgação e

melhor visualização do capital intelectual

existente na empresa, por meio de uma nova

proposta de avaliação dos intangíveis. O

navegador não substitui o modelo contábil

tradicional de avaliação financeira, apenas o

complementa no suporte à tomada de decisão.

Assim, no universo dos intangíveis, o

desafio não reside somente em identificar os

fluxos de conhecimento que oscilam e

influenciam na competitividade do negócio, mas

na formação de um histórico dos indicadores

adotados para monitoramento dos ativos de

conhecimento. Trata-se, portanto, de tornar

evidente, ao mercado, o potencial do capital

intelectual existente na organização, divulgando

seus diferenciais competitivos baseados em

competências e conhecimento coletivo.

A EXPERIÊNCIA DA FUCAPI NO

UNIVERSO DOS INTANGÍVEIS

O compromisso social da FUCAPI em

promover o desenvolvimento regional, baseado

em uma atuação pioneira, exige uma forte

preocupação com a qualidade e o desempenho

eventos, a realização de visitas técnicas e ao

suporte da tecnologia da informação às

atividades de gestão. Preocupa-se também,

com o resgate do que foi produzido pela FUCAPI

(memória institucional) ao longo dos seus mais

de vinte anos de atividades.

Dentre as suas primeiras ações, a

comissão elaborou um plano anual de ativi-

dades que incluía, entre outras, a capacitação

dos técnicos que compõem a Comissão, a

realização de benchmarking e visitas técnicas

como forma de aprendizagem vivencial e, ainda,

o levantamento dos programas, políticas e

sistemas existentes na FUCAPI, que constituem

instrumentos de gerenciamento do

conhecimento (GC). Para surpresa do grupo,

muitos foram os programas e ferramentas já

implementados que, por sua vez, serviriam de

base às atividades de GC na FUCAPI.

As ações da comissão relacionavam-se

70

Page 71: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

também à promoção de eventos como forma

de disseminar conceitos de gestão do conhe-

cimento e inteligência competitiva (IC), o

compartilhamento de experiências, técnicas,

ferramentas e ações inovadoras, bem como ao

uso da informação estratégica para a tomada

de decisão. Nesse sentido, realizou os seguin-

tes eventos internos: ‘Seminário de GC e IC:

Panorama e Aplicações’ e a ‘1ª Jornada de GC’.

Dentre as suas iniciativas destaca-se a criação

de um fórum virtual (lista de discussão),

elemento relevante à consolidação de um pólo

local da Sociedade Brasileira de Gestão do

Conhecimento/SBGC. O fórum, em funciona-

mento desde março/2002, possui 33 membros

(dez./2002) entre profissionais liberais,

pesquisadores e acadêmicos e está disponível

no endereço <http://www.nossogrupo.com.br/

grupo.asp?grupo=12779>.

A FUCAPI desperta, então, para a

percepção de que, segundo Sveiby “se avali-

armos o novo com as ferramentas do antigo,

não teremos como perceber o novo” (1998,

p.186). Nesse contexto, a avaliação da

eficiência operacional não reside em criar

indicadores com base em ativos intangíveis,

mas em interpretar os resultados obtidos a partir

dos fluxos de conhecimento que circulam na

organização, influenciando seu valor de

mercado. A gestão de serviços prospera em

meio à criação de conhecimento, por isso a

necessidade de focar os ativos de conhecimento

em sua gestão estratégica.

Uma estratégia orientada para o

conhecimento está voltada à geração de

receitas a partir da alavancagem dos ativos

intangíveis, ou seja, focalizam a potencialidade

dos profissionais em aumentar as receitas. De

difícil assimilação pela concorrência, as

estratégias orientadas para os ativos de

conhecimento envolvem aspectos peculiares da

cultura organizacional. Assim, em ambientes de

mudanças, as estratégias preservam a equili-

brada combinação entre os conhecimentos

tácitos individuais e a rede de relacionamentos

que conferem vantagem competitiva à organi-

zação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A contribuição deste trabalho está na

tentativa de explicitar o intangível. Trazê-lo à tona

para que seja discutido e repensado. O valor

agregado de sua contribuição à competitividade

organizacional vai muito além das destacadas

‘cifras’ constantes dos balanços tradicionais.

Está implícito na eficácia das ações rotineiras.

Embora seja relevante contribuição da TI & C

em organizar, armazenar e disseminar,

conectando pessoas e tornando o

conhecimento disponível, é desafiador lidar com

variadas interações humanas, ainda

indisponíveis em meios físicos.

A dinâmica do fluxo de conhecimento

tácito, proveniente das interações entre as

pessoas que compõem a organização, é o

objeto de estudo da gestão do conhecimento

no universo dos intangíveis. O ambiente a ser

explorado configura-se em uma oportunidade

de aprendizado. Segundo Silveira, “as novas

organizações de aprendizagem estão focando

suas estratégias à identificação, captura e

alavancagem de seus ativos de conhecimento”

(2000, p.37). Principalmente, porque o

conhecimento é um assunto de destacada

importância e representa a maior inovação a ser

introduzida na gestão organizacional contem-

porânea. No entanto, verifica-se a necessidade

de criar estruturas que possibilitem gerenciar o

71

Page 72: Revista T&C Amazônia - Nº 1

A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

conhecimento, tornando disponível o capital

intelectual da organização. A lição do kaizen, ou

seja, a melhoria contínua, deve ser prática

sistemática na nova organização, bem como o

aprendizado para dar novas aplicações aos

ativos da empresa.

Contudo, as sementes das mudanças

desenvolvem-se dentro das empresas e,

apesar do descompasso, uma nova organi-

zação parece estar nascendo. Uma das lições

mais básicas do ato de conhecer o aprendizado

contínuo vem representar uma longa jornada,

rumo ao universo intangível, em uma incessante

corrida para o ponto de partida.

REFERÊNCIAS

1. DAVENPORT, Thomas H.; PRUSAK,

Laurence. Conhecimento empresarial:

como as organizações gerenciam o seu

capital intelectual: métodos e aplicações

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A Gestão do Conhecimento no Universo dos Intangíveis

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* Cinthia da Cunha Mendes é Coordenadora

de Pós-Graduação do Instituto de Ensino Su-

perior FUCAPI/CESF, Economista, Contadora,

Professora da Pós-Graduação CESF e Mestre

em Administração pela UFSC. Pesquisadora do

tema Gestão do Conhecimento no ambiente

acadêmico e ativos intangíveis, membro

fundador da Sociedade Brasileira de Gestão do

Conhecimento/SBGC e da Comissão de

Gestão do Conhecimento da FUCAPI.

73

Page 74: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

ENERGIAS ALTERNATIVAS:DESAFIOS E POSSIBILIDADESPARA A AMAZÔNIA

Rubem Cesar Rodrigues Souza*

INTRODUÇÃO

É inconteste a existência de recursos

energéticos na região Amazônia em magnitude

capaz de atender as necessidades internas e

ainda de outras regiões, como já se verifica no

caso da hidrelétrica de Tucuruí no Estado do

Pará. No entanto, contraditoriamente, as

menores taxas de eletrificação rural do país

encontram-se nos estados do Pará (15%), Acre

(17%), Amapá (21%) e Roraima (23%), enquanto

o índice nacional é de 70,7%. Além do mais, os

centros atualmente atendidos apresentam baixa

confiabilidade no suprimento. É, portanto, nesse

contexto, de contraste entre potencialidade

existente e demanda não ou mal atendida, que

procurar-se-á evidenciar as oportunidades e

desafios no contexto das energias alternativas.

É oportuno antes de tudo que se

esclareça à distinção entre energia alternativa,

objeto deste trabalho, e energia renovável,

denominações muitas vezes usadas equivo-

cadamente. A energia alternativa é toda e

qualquer nova opção energética que se

apresenta como uma possibilidade de uso não

guardando nenhuma relação com a questão da

renovação, podendo-se citar o caso do gás

natural na região, que se apresenta como uma

nova opção energética não sendo, no entanto,

uma fonte renovável. Por outro lado, energia

renovável é aquela na qual verifica-se uma taxa

de reposição compatível com a taxa de

consumo, o que não se aplica, portanto, aos

combustíveis fósseis.

74

Page 75: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

O MERCADO DE ELETRICIDADE

NA AMAZÔNIA

A discussão quanto ao atendimento dasdemandas energéticas das populações

amazônicas impõe uma leitura mais adequada

dos mercados a serem atendidos sob pena da

reprodução de ações e políticas inapropriadas.

Portanto, apresentamos a seguir uma breve

leitura dos mercados de eletricidade na

Amazônia.

O mercado de energia elétrica na RA

pode ser subdividido em três tipos com

características bem distintas. O primeiro deles

é o mercado de energia das capitais dos

estados, atendidos em sua maioria por parques

hidrotérmicos (hidroelétricas e termelétricas), de

propriedade das concessionárias federais, que

denominaremos de Mercado das Capitais. O

segundo mercado é representado pelas áreas

urbanas dos municípios do interior dos estados

e pequenas localidades, atendidos por unidades

termelétricas a óleo Diesel, de médio porte com

redes locais, de responsabilidade da conces-

sionária estadual ou por empresas terceirizadas,

que daqui por diante será denominado de

Mercado Elétrico Concentrado. E o terceiro

mercado aqui denominado Mercado Elétrico

Disperso, os quais estão por se desenvolverem,

representados por parte da população que não

tem acesso à eletricidade ou possuem

pequenos geradores a Diesel de propriedade

das prefeituras municipais, gerando eletricidade

para alguns usos específicos.

Os dois primeiros mercados caracte-

rizam-se pela baixa qualidade no suprimento,

elevado índice de déficit, altos custos de

geração, elevado índice de desperdício e pela

utilização, em grande parte, de insumos

energéticos não renováveis. Já os mercados

dispersos não recebem os estímulos ade-

quados para evoluírem e se consolidarem,

servindo unicamente como instrumento de

ações políticas que privilegia somente interes-

ses pessoais, fato esse também comum nos

mercados urbanos do interior.

Cada um desses três mercados deve

receber tratamento diferenciado para que seu

desenvolvimento aconteça de maneira satisfa-

tória, ou seja, garantindo a quantidade e a

qualidade necessária da energia, com preços

compatíveis com a realidade econômica dentro

das condições sócio-ambientais adequadas

para as próximas gerações.

Mercado elétrico das capitais e o

mercado concentrado

Os mercados das capitais e os concen-

trados já possuem um agente responsável pelo

suprimento de eletricidade e a população,

mesmo precariamente, já é atendida. Portanto,

o desafio consiste em garantir a melhoria da

qualidade e expansão dos serviços de energia,

a preços compatíveis com a situação

econômica da população, procurando privilegiar

as potencialidades energéticas locais e, ainda,

minimizar os impactos ambientais e sociais.

Mercado elétrico disperso

O desafio apresentado para os

mercados dispersos é maior que o apresentado

aos mercados concentrados. Inúmeros são os

aspectos desses mercados que o diferenciam

dos demais, e que tornam nada trivial o desafio

do planejamento e suprimento elétrico destes.

É possível identificar nesses mercados

situações bastante distintas e que exigem ações

diferenciadas. De modo a enxergar melhor a

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Page 76: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

problemática, pode-se subdividir esse mercado

em cinco grupos que apresentam caracte-

rísticas determinantes para o estabelecimento

de estratégias que visem o desenvolvimento

sócio-econômico, quais sejam:

Grupo I: Populações tradicionais, tais

como, seringueiros, pescadores etc.

Grupo II: Populações tradicionais, tais

como, seringueiros, ribeirinhos, extrativistas

etc., que habitam áreas de Reserva Extrativista,

Reserva de Fauna e Reserva de Desenvo-

lvimento Sustentável, incluídas nas unidades de

uso sustentável.

Grupo III: Populações alocadas em área

de reforma agrária.

Grupo IV: Populações de reservas

indígenas.

Grupo V: Populações que não se

enquadram nos grupos anteriores.

As populações inseridas nos Grupos I e

II possuem em comum o desenvolvimento de

atividade econômica que lhes é suficiente para

manter a sobrevivência, necessitando de apoio

para aprimorar as técnicas adotadas nas

atividades econômicas e assim, criar condições

para garantir a produção de excedentes, bem

como a infra-estrutura para suprir mercados

vizinhos. Há instrumentos regulatórios ambien-

tais, válidos somente para o Grupo II, que

estabelecem regras para o modelo de

desenvolvimento dessas comunidades.

As populações enquadradas no Grupo

III distinguem-se das demais por serem

contempladas por instrumentos legais que

estabelecem incentivos para o desenvolvimento

das condições necessárias para o crescimento

econômico. Esses grupos também são enqua-

drados em legislação ambiental, porém estes

instrumentos não contemplam regras para o

desenvolvimento econômico de maneira tão

enfática como para as populações do Grupo II.

Para as populações do Grupo IV existe

legislação específica que estabelece regras para

atividades econômicas e de características da

infra-estrutura necessária para o desenvol-

vimento destas. Cabe salientar, por exemplo,

que existe legislação que proíbe a cobrança por

serviços de eletrificação para essas populações.

No Grupo V tem-se àquelas populações

que desenvolvem atividade de subsistência não

tradicional, as quais não são contempladas por

instrumentos regulatórios de natureza ambiental

específicos, e também não se enquadram em

políticas de incentivos para o desenvolvimento

sócio-econômico.

Esses grupos, apesar das diferenças

mencionadas, apresentam em comum a carên-

cia não só de eletricidade, mais também de

educação, saúde, infra-estrutura e capacitação

para produção, transporte, etc. Sendo assim, o

atendimento não deve ser focado somente nas

demandas energéticas, de modo a possibilitar

o desenvolvimento efetivo da comunidade

dentro de um modelo social, ambiental, cultural

e economicamente satisfatório.

DESAFIOS E OPORTUNIDADES

ENERGÉTICAS PARA A AMAZÔNIA

A seguir discorre-se sobre algumas

oportunidades e desafios existentes para o

atendimento das demandas energéticas na RA.

A universalização do serviço de energia

elétrica

A universalização do serviço de energia

elétrica estabelecida através da Lei 10.438 de

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Page 77: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

26 de abril de 20021 apresenta-se como uma

excelente oportunidade para atendimento das

demandas energéticas da região, no entanto a

sua materialização é tarefa nada trivial, impondo

diversos desafios. Tais desafios ficam patentes

ao observarmos a baixa densidade demo-

gráfica, a dificuldade associada aos meios de

transporte e o baixo poder aquisitivo da

população que caracterizam a RA. Nesse

contexto é impossível imaginar, sem a existência

de fortes subsídios, a viabilidade econômico-

financeira da produção de eletricidade à base

de óleo Diesel, como tradicionalmente se

verifica na RA e que fere a lógica atual do

mercado de eletricidade no país. Vale salientar,

no entanto, que atualmente, embora haja um

forte subsídio para geração de eletricidade a

partir de combustível fóssil a situação do

suprimento elétrico no interior é bastante

precária e preocupante. Surge então, de

imediato, as fontes renováveis de energia como

solução para o problema e com elas os desafios

a serem superados, dentre os quais destaca-

se:

a) Falta de conhecimento das potencia-

lidades e demandas energéticas. A RA padece

de um mal comum no Brasil, porém de maneira

mais acentuada, que é a falta de sistematização

de dados necessários para o planejamento

adequado de ações no curto, médio e longo

prazo. No âmbito federal tem-se o Balanço

Energético Nacional elaborado anualmente sob

a responsabilidade do Ministério de Minas e

Energia no qual não consta várias informações

referentes aos Estados da região Norte, muito

embora este disponha de recursos financeiros

para os estados realizarem seus Balanços.

Tem-se ainda a Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílio - PNAD de responsabilidade do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -

IBGE que não contempla o interior dos estados

da região Norte. No âmbito estadual, tem-se o

exemplo do Zoneamento Econômico-Ecológico

do Estado do Amazonas, que apresenta dados

energéticos insuficientes.

c) Falta de tecnologias adequadas no

mercado nacional e internacional. Olhando-se

o conjunto de tecnologias que fazem uso de

fontes renováveis de energia verifica-se que:

Sistemas fotovoltaicos: apresentam custo

elevado para processos produtivos. Turbinas

hidráulicas: as disponíveis não são adequadas

as características locais (baixa queda e pequena

vazão) havendo a necessidade de inventário de

aproveitamentos para a tecnologia disponível.

Gerador hidrocinético2: só disponível no mer-

cado internacional para velocidades acima de

4,5 m/s, necessitando de identificação das

potencialidades na região. Gasogênio: inexiste

tecnologia nacional para produção de pequenas

quantidades de eletricidade, sendo poucos os

fornecedores no mercado internacional,

havendo grande dificuldade para aquisição de

equipamentos, peças de reposição e manu-

tenção. Motor de combustão interna para usar

óleo vegetal: inexiste tecnologia nacional para

usar somente óleo vegetal e no contexto

internacional ou motores Esbelt (mult-

icombustíveis) deixaram de ser produzidos. As

experiências estão sendo feitas modificando-se

os motores de ciclo Diesel e misturando-se o

óleo vegetal ao Diesel, ou então, fazendo-se a

transisterificação do óleo vegetal para produzir

o biodiesel, tecnologia essa que ainda conduz

a custos não competitivos frente ao óleo diesel.

Célula a combustível: apesar do grande apelo

ambiental e de comodidade associado à célula

a combustível, esta ainda não é uma tecnologia

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Page 78: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

considerada madura.

A barreira tecnológica pode se

transformar numa oportunidade ao pensarmos

na criação de um Pólo Industrial de desen-

volvimento de equipamentos que façam uso de

recursos energéticos renováveis, valendo-se

dos incentivos da Zona Franca de Manaus, de

interesse tanto nacional, face ao PROINFA3 e a

compulsoriedade da universalização do serviço

de energia elétrica, quanto internacional, uma

vez que em nível mundial caminha-se a passos

largos para ampliação do uso de fontes

renováveis de energia.

Baixa disponibilidade de recursos

humanos capacitados na região. Estudo recen-

temente realizado pela Rede Norte de Energia -

RNEN4 sob encomenda do Centro de Gestão

de Estudos Estratégicos - CGEE5, aponta a

formação de recursos humanos como funda-

mental para região Norte fazer frente aos

desafios de P, D&I de interesse do setor elétrico

regional.

Extinção do subsídio da Conta de

Consumo de Combustível - CCC

A CCC é um subsídio do Governo Fed-

eral para as empresas que geram eletricidade

a partir de combustíveis fósseis (óleo Diesel,

óleo combustível, gás natural e carvão miner-

al). A Lei 10.438 estabeleceu o término da CCC

no ano de 2022. Considerando-se que a CCC

subsidia em média 70% o custo de geração de

eletricidade na RA, é possível verificar

rapidamente, os efeitos danosos de sua

extinção, mantido o cenário energético atual e

o prospectivo da região. Fica evidente que, ou

se inicia um profundo trabalho de modificação

da matriz energética regional ou então, teremos

que continuar brigando pela manutenção dos

subsídios, a exemplo do que já vem ocorrendo

no estado do Amazonas com respeito aos

incentivos destinados a Zona Franca de Manaus.

O Gás natural

Embora vários aspectos associados à

entrada do gás natural na matriz energética re-

gional sejam merecedores de comentários,

neste artigo nos restringiremos a somente dois

aspectos: tarifas de longo prazo e preço do gás

natural.

- Tarifas de longo prazo: o subsídio da

CCC como já mencionado, aplica-se também

ao gás natural. Segundo o planejamento da

expansão da Eletronorte, em 2022, Manaus

estará com mais de 80% de sua geração a base

de gás natural, além dos municípios de

Itacoatiara, Iranduba e Manacapuru que estarão

interligados a capital do Estado. As cidades de

Rio Branco/AC e Porto Velho/RO, também

estarão dependentes do gás natural. A extinção

da CCC, portanto, comprometerá de maneira

significativa o desenvolvimento econômico re-

gional, através da elevação excessiva das

tarifas, caso a Lei 10.438 seja efetivamente

cumprida no cenário prospectivo estabelecido

pela Eletronorte.

- Preço do gás natural: a discussão do

preço do gás natural é de suma importância,

face aos reflexos na viabilidade de seus

múltiplos usos. Atualmente não existe uma

política nacional clara de longo prazo para o

preço do gás natural nacional e o importado, o

que vem comprometendo a competitividade

deste insumo perante outros energéticos como

o óleo combustível e a lenha. Atualmente o preço

do gás natural nacional e o importado, segue a

cotação desse produto no mercado interna-

cional, sendo, portanto, influenciado pela política

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Page 79: Revista T&C Amazônia - Nº 1

Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

econômica brasileira, a qual está associada

grandes incertezas. É importante lembrar que

a possível redução do custo de geração de

eletricidade nos mercados a serem atendidos

com gás natural e da possibilidade do uso deste

para outros fins, tais como o automotivo, será

função do preço.

Recursos hídricos

O planejamento da expansão do setor

elétrico nacional deixa claro que o potencial

hídrico da RA deverá ser explorado para garantir

o atendimento da demanda. Surge então a

oportunidade para pleitear mudanças na

sistemática de exploração dos recursos

energéticos da RA que beneficiam outras

regiões. Atualmente a maior parte da energia

elétrica gerada na região é destinada para

atender outras regiões, o que se dá através da

hidrelétrica de Tucuruí. No entanto, os benefícios

sociais que poderiam ser auferidos localmente

decorrentes dos impostos da comercialização

da energia elétrica, não o são devido à

legislação tributária que estabelece que o

recolhimento dos impostos deve ocorrer no

destino e não na fonte.

Disponibilidade de recursos financeiros

Sistematicamente reputa-se a falta de

recursos financeiros para não levar adiante

políticas de interesse da região. Assim sendo,

apresenta-se duas fontes de recurso financeiro

que podem apoiar ações que levem a

superação das dificuldades energéticas regional,

quais sejam: os fundos setoriais e os créditos

de carbono.

a) Fundos setoriais

Os Fundos Setoriais foram criados em

1999, na perspectiva de garantir investimentos

sólidos e permanentes na pesquisa científica e

tecnológica no Brasil. Os recursos são prove-

nientes de empresas públicas e/ou privadas. A

legislação garante destinação compulsória dos

recursos dos Fundos para as regiões Norte,

Nordeste e Centro-Oeste, em percentuais que

variam de 30% a 40% do recurso total anual de

cada fundo. Ocorre que os recursos destinados

as três regiões mencionadas não estão sendo

utilizados em sua totalidade em face de poucos

projetos. Entende-se que uma ação articulada

entre governos estaduais, instituições de ensino

e pesquisa, setor produtivo e Ministério de

Ciência e Tecnologia (responsável pela gestão

dos fundos) possa garantir a utilização

adequada desses recursos.

b) Créditos de carbono

Muito embora equivocadamente alguns

acreditem que a comercialização de créditos

de carbono seja uma utopia, este comércio já é

realidade no contexto internacional, inclusive

com a participação de empresas brasileiras. Os

créditos de carbono estão sendo comer-

cializados atualmente a um valor de US$ 3 ton/

CO2 havendo casos, de empreendimentos que

conseguiram comercializar a US$ 8 ton/CO2.

Considerando-se que a geração de eletricidade

para atendimento da demanda de eletricidade

interna é feita principalmente por fonte não

renovável os créditos de carbono apresentam-

se como uma excelente oportunidade para

captação de recursos adicionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Das reflexões apresentadas fica evidente

que as oportunidades existem e que os desafios

são inúmeros e de grande complexidade no

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Energias Alternativas: Desafios e Possibilidades para a Amazônia

T&C Amazônia, Ano 1, no 1, Fev de 2003

contexto do setor energético regional. O maior

desafio, no entanto, reputa-se ao comprome-

timento político para estabelecer e implementar

uma política energética regional, estadual e

municipal, de modo a aproveitar as

oportunidades e viabilizar o desenvolvimento

sustentável tão almejado pelas populações

amazônicas.NOTA S EXPLICATIVAS

1 As metas e critérios de universalização ainda estãosendo estabelecidas pela Agência Nacional deEnergia Elétrica - ANEEL.2 Utiliza-se somente a velocidade do curso d’água.3 Programa de Incentivo as Fontes Alternativas deEnergia criado pelo Governo Federal em 2002.4 RNEN: Consiste em uma estrutura facilitadora dointercâmbio de instituições e pesquisadores visandoo desenvolvimento do setor energético na Amazônia.A RNEN está constituída pelos estados do Amazonas,Pará, Acre, Roraima, Amapá e Rondônia; tendo maisde 64 instituições filiadas.5 CGEE: Organização Social criada para desenvolverestudos que auxiliem a tomada de decisão quantoaos recursos dos Fundos Setoriais.

* Rubem Cesar Rodrigues Souza é ngenheiro

Eletricista, Mestre em Conversão de Energia

(UNIFEI), Doutor em Planejamento de Sistemas

Energéticos, Coordenador Geral da Rede Norte

de Energia, Consultor do Ministério de Minas e

Energia. ANEEL, MCT, PNUD e Professor da

UFAM.

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