Nº 3 – 06 de Julho de 2015 Willkomen, Maestro! · de Harold Pinter. Willkomen, Maestro! ... a...

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O s mestres que convi- damos parecem ter em comum a intole- rância ao título que lhes apomos. E não se pense que é falsa modéstia. Eles acre- ditam mesmo que nada têm para ensinar. Luis Miguel Cin- tra não queria ser professor, pela sua aversão a situações de desigualdade e de imposição, e preferiu converter em simples conversas as aulas que lhe pe- diram para dar. Agora, Peter Stein diz ser “uma pessoa que terá para sempre de aprender” e que descobre, na possibilidade de transmitir os conhecimen- tos que adquiriu ao longo da sua vida e da sua carreira, uma oportunidade para continuar a fazê-lo. Tal como o primeiro mestre, Stein também olha com preocupação para a actual situ- ação do teatro, marcada, na sua opinião, por uma extrema falta de seriedade e pela tentativa de seguir a moda: aquilo que é comercial e moderno. Tem-se esquecido muitas vezes que a ambição jamais pode suplantar o sonho e que a Arte é “não ape- nas essencial, mas a única razão que justifica a existência da raça humana”. Este ano, inscreveram n’O sen- tido dos Mestres mais de 50 pes- soas, interessadas em conhecer o pensamento daquele que foi o ex-director da Schaubühne de Berlim. Amanhã, a tarde será dedicada à origem do teatro. “Não esqueçamos que, na etimo- logia da palavra, existe o verbo ‘ver’, sublinha Stein numa entrevista ao jornal Libération. Creio, que na base do teatro, daquilo que nos foi legado pelos gregos, está a possibilidade de controlarmos e de observarmos os diferentes movimentos e acções num determinado espaço e num determinado tempo.” No dia 8 de Julho, tratar-se-á de um tema caro a um encenador que nunca desligou o teatro do seu amor pela literatura. “Sempre detes- tei o ballet, o Tanztheater, a Pina Bausch: preciso de palavras”, de- clara, na mesma entrevista. Se- rão, portanto, as possibilidades e as funções de cada texto que estarão em discussão no se- gundo dia de conversas, bem como o trabalho arqueológico de quem parte para os ensaios sempre com o objectivo de de- senterrar significados ocultos nas peças. Finalmente, no dia 9 de Julho, analisar-se-ão as ne- cessidades dos espaços cénicos. À semelhança do que já acon- teceu com a edição anterior, desta resultará igualmente um livro com a súmula das inter- venções de Peter Stein na Casa da Cerca, em Almada, a lançar no Dia Mundial do Teatro. En- tretanto, não perca também o espectáculo que o encenador apresenta neste Festival, na Sala Garrett do Teatro Nacio- nal D. Maria II, nos dias 11 e 12 de Julho: O regresso a casa, de Harold Pinter. Willkomen, Maestro! Depois de Luis Miguel Cintra ter sido o protagonista da primeira edição de O sentido dos Mestres, uma iniciativa de formação apoiada pela Share Foundation, Peter Stein chega da Toscana para lhe suceder. A partir de amanhã e durante três dias, o encenador alemão con- versará, na Casa da Cerca, com um grupo de alunos, profissionais e espectadores de teatro sobre o nascimento desta arte milenar, e sobre o texto dramático e o espaço cénico. Nº 3 – 06 de JULHO de 2015 Na casa nasci e hei-de morrer / na casa sofri convivi amei / na casa atravessei as estações”, são versos legítimos do Ruy Belo; tão legitimamente seus quanto também o são meus, posto que soam-me como se ele os grafasse inspirado na génese e consequência do meu vínculo ao TMJB. O TMJB é também a minha casa! O mistério da criação artística, o trânsito dos seres efémeros, a representação contraditória das coisas e das relações humanas... Enfim, todos os temas da minha vida e as suas possibilidades, tenho-os eu vivido e partilhado nesta casa de forma tão plena e tão verdadeira como em nenhuma outra. E pensar que tudo começou numa estação longínqua, quando a casa ainda não era casa, era uma ideia que passeava por nós, e nós por ela; era só ainda na cachimónia do Joaquim a casa que um dia havia de ser casa de todos os homens. Pois bem: há 10 anos a premissa tornou- -se conclusão e a casa cumpre a sua indelével existência física com homens dentro. Parabéns, casa! Felicidades, casa! P.S.: A palavra “homens” reporta-se a Humanidade e não a género. No ano em que o TMJB comemora dez anos, publicamos 15 textos de artistas, dirigentes e amigos ligados ao percurso deste teatro. 10 anos TMJB Por Luís Vicente* * Actor, encenador e director artístico da ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve. Colabora com a Companhia de Teatro de Almada desde 1983. Peter Stein regressa ao Festival depois de, em 2013, ter apresentado dois espectáculos.

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Os mestres que convi-damos parecem ter em comum a intole-rância ao título que

lhes apomos. E não se pense que é falsa modéstia. Eles acre-ditam mesmo que nada têm para ensinar. Luis Miguel Cin-tra não queria ser professor, pela sua aversão a situações de desigualdade e de imposição, e preferiu converter em simples conversas as aulas que lhe pe-diram para dar. Agora, Peter Stein diz ser “uma pessoa que terá para sempre de aprender” e que descobre, na possibilidade de transmitir os conhecimen-tos que adquiriu ao longo da sua vida e da sua carreira, uma

oportunidade para continuar a fazê-lo. Tal como o primeiro mestre, Stein também olha com preocupação para a actual situ-ação do teatro, marcada, na sua opinião, por uma extrema falta de seriedade e pela tentativa de seguir a moda: aquilo que é comercial e moderno. Tem-se esquecido muitas vezes que a ambição jamais pode suplantar o sonho e que a Arte é “não ape-nas essencial, mas a única razão que justifica a existência da raça humana”.Este ano, inscreveram n’O sen-tido dos Mestres mais de 50 pes-soas, interessadas em conhecer o pensamento daquele que foi o ex-director da Schaubühne de

Berlim. Amanhã, a tarde será dedicada à origem do teatro. “Não esqueçamos que, na etimo-logia da palavra, existe o verbo ‘ver’”, sublinha Stein numa entrevista ao jornal Libération. “Creio, que na base do teatro, daquilo que nos foi legado pelos gregos, está a possibilidade de controlarmos e de observarmos os diferentes movimentos e acções num determinado espaço e num determinado tempo.” No dia 8 de Julho, tratar-se-á de um tema caro a um encenador que nunca desligou o teatro do seu amor pela literatura. “Sempre detes-tei o ballet, o Tanztheater, a Pina Bausch: preciso de palavras”, de-clara, na mesma entrevista. Se-rão, portanto, as possibilidades e as funções de cada texto que estarão em discussão no se-gundo dia de conversas, bem como o trabalho arqueológico de quem parte para os ensaios sempre com o objectivo de de-senterrar significados ocultos nas peças. Finalmente, no dia 9 de Julho, analisar-se-ão as ne-cessidades dos espaços cénicos.À semelhança do que já acon-teceu com a edição anterior, desta resultará igualmente um livro com a súmula das inter-venções de Peter Stein na Casa da Cerca, em Almada, a lançar no Dia Mundial do Teatro. En-tretanto, não perca também o espectáculo que o encenador apresenta neste Festival, na Sala Garrett do Teatro Nacio-nal D. Maria II, nos dias 11 e 12 de Julho: O regresso a casa, de Harold Pinter.

Willkomen, Maestro!Depois de Luis Miguel Cintra ter sido o protagonista da primeira edição de O sentido dos Mestres, uma iniciativa de formação apoiada pela Share Foundation, Peter Stein chega da Toscana para lhe suceder. A partir de amanhã e durante três dias, o encenador alemão con-versará, na Casa da Cerca, com um grupo de alunos, profissionais e espectadores de teatro sobre o nascimento desta arte milenar, e sobre o texto dramático e o espaço cénico.

Nº 3 – 06 de Julho de 2015

“Na casa nasci e hei-de morrer / na casa sofri

convivi amei / na casa atravessei as estações”, são versos legítimos do Ruy Belo; tão legitimamente seus quanto também o são meus, posto que soam-me como se ele os grafasse inspirado na génese e consequência do meu vínculo ao TMJB. O TMJB é também a minha casa! O mistério da criação artística, o trânsito dos seres efémeros, a representação contraditória das coisas e das relações humanas... Enfim, todos os temas da minha vida e as suas possibilidades, tenho-os eu vivido e partilhado nesta casa de forma tão plena e tão verdadeira como em nenhuma outra. E pensar que tudo começou numa estação longínqua, quando a casa ainda não era casa, era uma ideia que passeava por nós, e nós por ela; era só ainda na cachimónia do Joaquim a casa que um dia havia de ser casa de todos os homens. Pois bem: há 10 anos a premissa tornou- -se conclusão e a casa cumpre a sua indelével existência física com homens dentro. Parabéns, casa! Felicidades, casa!

P.S.: A palavra “homens” reporta-se a Humanidade e não a género.

No ano em que o TMJB comemora dez anos, publicamos 15 textos de artistas, dirigentes e amigos ligados ao percurso deste teatro.

10 anos TMJBPor Luís Vicente*

* Actor, encenador e director artístico da ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve. Colabora com a Companhia de Teatro de Almada desde 1983.

Peter Stein regressa ao Festival depois de, em 2013, ter apresentado dois espectáculos.

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AGENDA DE AmANhã

REstAuRANtE DA EsplANADA

- Massa c/ salmão e espargos- Perna de frango c/ molho de espinafres e natas

hoje

Amanhã

O novíssimo teatro espanhol: qualidade e diversidade

Passión y tablao

Na Esplanada, a noite de ontem foi animada pela música cigana do Con-

junto APODEC, cuja formação de base é composta por três gui-tarristas e um percussionista. O concerto foi, no entanto, abri-lhantado pela presença de vários familiares e amigos, com idades compreendidas entre os 8 e os 80 anos. Várias crianças e jovens

A dívida rói o fio da economia.Polónio, I, 3

Antuñano acompanha o F.A. desde o início.

- Pescada c/ tomate e azeitonas- Entrecosto frito c/ migas serranas

Que aspectos distinguem o tea-tro espanhol contemporâneo?

Em primeiro lugar, tenho de dizer que o teatro espanhol do início deste século rompe com a forte tradição realista que caracterizou a segunda meta-de do século XX. Observam-se também novas formas de con-cepção dramatúrgica das obras de teatro. Há alguns traços distintivos, como a lembrança da história recente de Espanha (claro, a Guerra Civil), mas tam-bém de acontecimentos menos distantes, que aproximam estes autores do teatro da memória. Assiste-se igualmente à refle-xão sobre questões existenciais – ora com o dramaturgo a pro-jectar as suas próprias vivên-cias e dilemas, ora a reflectir os ambientes sociais onde os indivíduos se desenvolvem. E também à tradução de aconte-cimentos ou estereótipos da so-

José Gabriel Lopez Antuñano é crítico, professor e coordenador de diversas publicações na área dos Estudos de Teatro. No dia em que se apresentam os primeiros espectáculos do ciclo O novíssimo teatro espanhol, esteve à conversa com a Folha Informativa sobre a actual situação das estruturas e dos criadores no país vizinho.

O sentidO dOs mestres

O nOvíssimO teatrO espanhOl

subiram ao palco para dançar e o patriarca não deixou de incitar o público a juntar-se à festa. No fi-nal, quando o grupo se prepara-va para abandonar o palanque, a plateia pediu uma última canção e aplaudiu uma actuação caris-mática, genuinamente familiar e espontânea. A música cigana volta amanhã, com o gipsy jazz de O trance do mimo.

ciedade. Ou ainda à abertura a mundos de fantasia.

Qual a sua opinião sobre o papel das instituições públicas na pro-moção dos novos talentos?

Nunca se faz o suficiente, mas assiste-se a um maior envolvi-mento das instituições públicas. Os teatros de índole pública, por exemplo, estão a promover o novo teatro espanhol, através de seminários, estreias e da pro-gramação de espectáculos nas suas temporadas. Esta realidade representa já uma mudança – e, para eles, a possibilidade de se-rem conhecidos. A par das enti-dades públicas, existem teatros privados, de formato alternati-vo, que também impulsionam a criação e a difusão. A Acción Cultural Española (AC/E), a ins-tituição que promove a activida-de cultural no estrangeiro e que está dependente do Governo de Espanha, também incentiva o

conhecimento de dramaturgos espanhóis além-fronteiras, com programas como o do Festival de Almada ou outro tipo de aju-das, que permitem a apresenta-ção de autores jovens no estran-geiro e a sua tradução noutras línguas.

É representativa a mostra que a AC/E traz a este Festival?

O Festival de Almada reúne as linhas de que falava no início. Não se seleccionaram, propo-sitadamente, obras de Juan Mayorga, Angélica Liddell, Ro-drigo García, entre outros au-tores mais conhecidos fora de Espanha e com vários títulos célebres. A selecção que foi feita baseia-se na qualidade e na di-versidade. Destacaria, no con-junto da programação, as lei-turas encenadas em português, que servem de cartão de visita e de convite à montagem daque-les textos em Portugal. Os seis

espectáculos que se apresen-tam no Festival são significati-vos do ponto de vista dos auto-res – ainda que, nalguns casos, como no de José Manuel Mora (Os nadadores nocturnos) ou de José Ramón Fernández (A mi-nha Pedra de Roseta), já tenham estreado outras obras com re-percussão e também muito in-teressantes.

Que dificuldades enfrentam e de que vantagens dispõem os cria-dores mais jovens?

Os criadores mais jovens não deixam de entrar em circuitos comerciais, nem obtêm o reco-nhecimento social capaz de des-pertar a necessidade de um novo teatro. Mas, como dizia há pou-co, é uma questão de tempo.

15h00 Peter Stein Casa da Cerca

18h00 MünchhausenTeatro-Estúdio António Assunção

21h00 HamletTeatro Municipal Joaquim Benite

21h30 Sei de um lugarIncrível Almadense

21h30 Your Best GuessCulturgest

20h30 O trance do mimoEscola D. António da Costa

música na esplanada

leitura encenada

teatrO da cOrnucópia / cta

mala vOadOra

© L

uana

San

tos