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Registro, Ano V/VI, Nº 5/6 – Julho 2006/Maio 2007 1 Registro Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba Fundação Pró-Memória de Indaiatuba Estado de São Paulo – Brasil 2006/2007

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Registro Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba

Fundação Pró-Memória de Indaiatuba Estado de São Paulo – Brasil

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REGISTRO Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba FUNDAÇÃO PRÓ-MEMÓRIA DE INDAIATUBA Sede/Casarão Cultural Pau Preto: Rua Pedro Gonçalves, 477 Jardim Pau Preto – CEP 13330-000 – Indaiatuba-SP Fone: 19 – 3875 8383 Arquivo Permanente: Av. Jácomo Nazário, 1046 Bairro Cidade Nova – CEP 13334-047 – Indaiatuba – SP Fone/Fax: 19 3834 6633/ 3894 5654 Arquivo Intermediário: Rua Sargento Max Wolf Filho, 245 Bairro Cidade Nova – CEP 13334 – 130 – Indaiatuba - SP Fone: 19 3834 8984 Site: www. promemoria.indaiatuba.sp.gov.br E-Mail: [email protected] Conselho Editorial Ana Maria de Almeida Camargo – FFLCH - USP Anicleide Zequine – Museu Republicano – MP - USP Cláudia Kreidloro – Fundação Pró-Memória de Indaiatuba Deize Clotildes Barnabé de Morais – Secretaria Municipal de Educação de Indaiatuba Janice Gonçalves – Universidade do Estado de Santa Catarina José Luiz Sigrist – IFCH - Unicamp Marcelo Alves Cerdan – Fundação Pró-Memória de Indaiatuba Silvana Goulart F. Guimarães - GRIFO Sônia Maria Fonseca Yara Aun Khoury – CEDIC - PUC-SP Créditos da publicação Coordenação: Marcelo Alves Cerdan Preparação digital: Diones Rossato da Silva e Adriana Carvalho Koyama Projeto gráfico da capa: Paula Salazar e Rodrigo Mariotto Tradutores: Pedro de Queiroz (Inglês), Denise Aparecida Soares de Oliveira (Inglês); Adriana Carvalho Koyama (Francês), Rodrigo Nabuco (Francês). Revisão gramatical: Pedro de Queiroz. Revisão final: Denise Aparecida Soares de Oliveira e Marcelo Alves Cerdan Tiragem: 250 exemplares.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

REGISTRO: Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba/ Fundação Pró-Memória de Indaiatuba. Ano V/VI, Nº 5/6, Julho 2006/Maio 2007 – Indaiatuba (SP): Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, 2007. 88 p.; 28 cm. Publicação anual ISSN 1678-9784 1. Arquivologia – Periódicos. 2. Arquivo Público Municipal – Indaiatuba - São Paulo (Estado). I. Título.

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SUMÁRIO

Apresentação ................................................................................................................... 5 La experiencia didáctica en los archivos: una difusión cultural con futuro ....... ............ 7 José Miguel Lopez Villalba (UNED/Espanha) Uma análise crítica do valor intrínseco .......................................................................... 16 Shauna McRanor A reivindicação dos princípios arquivísticos. O futuro da avaliação e da gestão e descrição de arquivos na América do Norte .................................................................. 25 Kent M. Haworth Documentando a atividade de ciência e tecnologia: Principais questões ....................... 37 Maria Celina Soares de Mello e Silva A arquivística e os arquivos pessoais de cientistas ........................................................ 44 Paulo Roberto Elian dos Santos Os registros orais em instituições de preservação documental ..................................... 54 Yara Aun Khoury Simone Silva Fernandes Aspectos legais do microfilme ..................................................................................... 64 Ana Célia Navarro de Andrade A gestão documental do acervo da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba e a Norma Brasileira de descrição arquivística ............................................................................. 72 Adriana Carvalho Koyama

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APRESENTAÇÃO

No ano em que a Fundação Pró-Memória de Indaiatuba completa doze anos

de atividades, a Revista Registro, mais um projeto por ela idealizado e colocado em prática,

chega a mais uma edição, a de número cinco. A exemplo das anteriores, esta visa divulgar

pesquisas e expor algumas maneiras de se pensar e construir conhecimentos ligados à

arquivística e à preservação da memória.

A presente edição da Revista Registro dá a oportunidade aos leitores de ter

contato com três produções estrangeiras, uma na língua original,que é o artigo “La

experiencia didática en los archivos: una difusión cultural com futuro”, do pesquisador

espanhol José Miguel Lopez Villalba e duas traduções: uma delas, a de um texto escrito por

Shauna McRanor, a outra de um artigo de Kent M. Haworth.

Dos outros cinco artigos, temos dois elaborados por pesquisadores ligados a

instituições cariocas, um deles, “Documentando a atividade de ciência e tecnologia:

principais questões”, escrito por Maria Celina Soares, e “A Arquivística e os arquivos

pessoais de cientistas”, de Paulo Roberto Elian dos Santos.

Temos também dois artigos elaborados por pesquisadores ligados ao

CEDIC da PUC-SP: “Os registros orais em instituições de preservação documental”, de

Yara Aun Khoury e Simone Silva Fernandes e, por último, “Aspectos legais do

microfilme”, de Ana Célia Navarro. Finalizando, temos o artigo “A gestão documental do

acervo da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba e a Norma Brasileira de Descrição

Arquivística”, escrito por Adriana Carvalho Koyama, Arquivista da Fundação Pró-

Memória de Indaiatuba.

Lembramos a todos que a partir deste número a Revista Registro estará

disponível para consulta online no site da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba:

www.promemoria.indaiatuba.sp.gov.br.

O Conselho Editorial mantém o seu compromisso de garantir a qualidade da

revista e espera que este número contribua, ainda mais, para o leitor.

Marcelo Alves Cerdan Pelo Conselho Editorial

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LA EXPERIENCIA DIDÁCTICA EN LOS ARCHIVOS: UNA DIFUSIÓN CULTURAL CON FUTURO

José Miguel Lopez Villalba (UNED/Espanha)

Los archivos siempre han tenido para el conjunto de la sociedad una aureola de oscuridad y misterio que muchas veces ha estado propiciada por los propios profesionales. Los archiveros de antaño eran personas poco dadas a la exposición de su trabajo a la masa social. Han tenido que pasar bastantes años de labor archivística para que desde dentro de la profesión se entendiese que la difusión social sobre la labor en dichos centros haría más fácil que los grupos sociales menos preparados intelectualmente comprendieran la meritoria labor que desarrollan los archiveros, encargados de ordenar, custodiar y divulgar nuestra memoria histórica, entre otras labores importantes. De este modo, una gran parte de la sociedad accedería al conocimiento de una parte vital en su propia existencia, al percibir mejor la vida de sus mayores por medio de un grupo de actividades que divulgarían los contenidos de los estos centros documentales pero quizá en algunas ocasiones se ha desvirtuado el objetivo que propuso desde el primer Servicio Educativo de los Archivos Nacionales franceses, en el ya lejano 1950, cuando se quiso imitar los programas de extensión educativa que desarrollaban con gran éxito los museos de aquel país.

Lo expuesto debe ser entendido dentro de la lógica de la exhibición cultural de todo tipo que recorre el planeta y que subyuga a muchas personalidades en su afán permanente de figurar en las primeras páginas de los diarios. Hay un deseo generalizado de emular los postulados de “mayo del 68”, cuando en su ardor revolucionario promulgaban la necesidad de que los museos salieran a la calle. Es de comprender que en realidad se referían a la necesidad, manifestada en multitud de ocasiones, de que los contenidos de los grandes repositorios nacionales pudiesen ser contemplados por las masas tradicionalmente desinformadas que de este modo podrían contemplar las grandes obras de la historia del Arte. Una neblina cayó sobre aquellos deseos durante al menos dos décadas. En los años finales del pasado siglo la tendencia mudó y comenzaron las grandes exposiciones internacionales y antológicas de los artistas más sublimes. Las salas de arte llenas de un público ávido de nuevas experiencias dejaron de ser algo excepcional para convertirse en una epidemia. Enormes filas de personas deseosas de conocer más y más sobre todo colapsan hoy los museos más importantes, impidiendo muchas veces una visita sensata a los expertos o a los verdaderamente interesados. Las exposiciones se multiplican por doquier y allá acude la nueva colectividad de los cultural and arts victims, desesperados por ver desde la última tendencia del arte a las viejas tablas flamencas del siglo XIV, pues al fin y al cabo para ellos no tiene más repercusión que poder exhibir su asistencia a la misma.

¿Una extraña pasión contagiosa o una variante más del sistema económico capitalista? Posiblemente lo segundo, porque difícilmente se entiende hoy en día ninguna labor que externalice la cultura y que se haga por puro altruismo. Incluso se podría decir que todo lo contrario, ya que el Arte se ha transformado en una fuente inagotable de recursos para mantener los propios museos que lo contienen, pero también de las administraciones políticas que lo apoyan, además, claro está, de los triunfos personalistas de los organizadores o comisarios, que llegan a ser personajes populares. El ejemplo ya hace años que se extendió como el fuego en la paja seca, no sólo en museos, sino también en

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bibliotecas y en archivos; de modo que algunas actividades laborales relacionadas con la cultura que siempre se habían desarrollado de puertas hacia dentro, hoy se han transformado en un espectáculo público. Ya es hora de que se haga una reflexión sobre la bondad o la perversión de esta desmedida exhibición que se propaga como medio sobrenatural para hacer llegar la función cultural de estos grandes centros de la Cultura al llamado: gran público.

Refiriéndonos específicamente a los archivos pudiera ser que se esté recorriendo un trayecto errado, pues, es posible que algunos responsables hayan pensado que esta es la solución idónea para la proyección exterior de los centros y no se hayan percatado de que la atracción hacia el archivo y sus contenidos debe pasar por la educación desde la infancia y no por el circo perpetuo que apenas deja una pátina cultural sobre los visitantes, porque en muchos casos la gran masa social, debido a esa falta de preparación previa, no comprende demasiado bien lo que se le presenta y esto lleva a los asistentes a reafirmarse, después de una observación con escasas repercusiones en su bagaje cultural, en los postulados que tradicionalmente se han sostenido por los citados gentíos: “aquí sólo hay papeles viejos”. Indudablemente la percepción del archivo desde el punto de vista jurídico-administrativo e historicista, que se vino desarrollando desde la creación de los grandes archivos nacionales en el siglo XIX, no era la más apropiada para abordar las nuevas sensibilidades de las actuales masas sociales que pasan, como se ha visto, por la necesidad desmedida de alimento pseudocultural.

PROYECTO DE ILUSIÓN: LA CASA DE LA ESCRITURA

La solución para corregir esta problemática de proyectar a todo el conjunto de la sociedad la función del Archivo y a la vez conseguir que todo se comprenda mejor se debía realizar desde los años elementales de la educación1. La explotación pedagógica de los fondos de los archivos no era una novedad en el mundo occidental aunque en España había a comienzos de la última década del siglo XX, escasa producción sobre experiencias de este tipo2. Partiendo de la creencia de que la actuación por medio de un programa coordinado y adecuado hacia las diferentes edades educativas era lo más efectivo que se podía plantear a medio y largo plazo en el conocimiento de los tradicionalmente poco divulgados archivos se propusieron una serie de actividades para el acercamiento lento, pero consolidado, del mayor número de colectivos sociales. Es por ello, que hace años se planteó desde el Archivo Histórico Provincial de Guadalajara, en España, la realización de una experiencia que llevase a los grupos escolares, sobre todo en enseñanzas primaria y secundaria, el conocimiento de lo contenido en los archivos, además de todas las funciones que en ellos se realizaban para perpetuar aquellos documentos que constituían el mayor de los tesoros, porque eran el alimento de nuestra memoria, la memoria colectiva.

En realidad la propuesta llevada a cabo por un equipo interdisciplinario (profesores-archiveros-historiadores), no se planteaba bajo el prisma de la novedad, pues hacia algunos

1 Es significativo que durante la reunión de la Table Ronde des Archives del año 1954, hubiese unas conferencias

monográficas acerca de: “Los Archivos y la enseñanza”. 2 Para una visión de conjunto. ALBERCH, R., y BOADAS, J.: La función cultural de los Archivos. Bergara, 1991, pp.

33-54. Más recientemente. ALBERCH, R., et alii: Archivos y Cultura: manual de dinamización. Gijón. Editorial Trea, 2001.

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decenios que funcionaban en algunos países europeos de reconocida solvencia en el mundo de los archivos, una serie de gabinetes educativos al servicio del mejor conocimiento de los mismos por los alumnos de los ciclos de formación elemental y media. La educación universitaria, aunque en menor medida, también era contemplada dentro del programa, haciendo especial hincapié en los estudiantes de la licenciatura de Biblioteconomía y Documentación, así como los de la carrera de Historia. La principal cuestión a resolver era romper el tradicional alejamiento de los centros educativos respecto a los aparentemente cerrados archivos. Las escasas y discontinúas experiencias didácticas realizadas en algunas de las regiones españolas no animaba demasiado a un nuevo intento, pero la animosidad del grupo de trabajo, que a su vez era germen de la recién creada Asociación de Amigos del Archivo Histórico Provincial de Guadalajara, remontó las aguas poco propicias y diseño un programa ambicioso que diera soluciones a cierta demanda social de la que éramos conscientes. La segunda cuestión pasaba por la ruptura del ámbito de las experiencias locales que conllevaban desigualdades notorias y por ello, se decidió activar una experiencia de carácter regional. Dos cuestiones ilusionantes que promovieron una serie de reuniones que permitieron definir el camino a seguir. Muchas eran las cuestiones que se necesitaba precisar, entre todas destacaba la exigencia de crear un programa que resultase atractivo, pero a la vez lleno de contenidos en la materia. La diferente procedencia profesional de los miembros del equipo elaborador de los cuadernos de trabajo hizo posible la realización de un conjunto de fichas, mapas, documentos, cuestionarios, rompecabezas, crucigramas y otras actividades que resultaron de lo más interesantes para los alumnos que participaron en las sesiones del programa.

En principio había que ponerle un nombre que resultase atrayente a todas las partes implicadas, desde las esferas políticas que tendrían que apoyar el proyecto hasta los alumnos más pequeños debían resultar cautivados desde antes de conocer todo lo englobado dentro del mismo. Se barajaron varios nombres, resultando el de mayor consenso aquel que representaba la idea más didáctica: La Casa de la Escritura. Todo un desafío para darle forma. Una casa, la casa de todos, habitada por la escritura que actuaba como guardiana de la memoria. El aspecto literario de la propuesta debía dar paso inmediatamente a las estrategias educativas que permitiesen conocer en la mayor medida posible el Patrimonio Documental que nos rodea, aquel que nos ilumina durante el camino proporcionándonos el mejor regreso posible a nuestro pasado. La Casa de la Escritura fue un programa pedagógico que se coordinó desde el Archivo Histórico Provincial de Guadalajara3, aunque contó con la colaboración de muchas instituciones que dieron un amplio apoyo a la realización del mismo en el espacio regional4.

Que duda cabe que no se pretendía la creación de una doctrina universal5. Se había pensado

3 Es de justicia reseñar la figura de la persona que por aquel entonces era la directora del Archivo Histórico Provincial

de Guadalajara, Dª Riánsares Serrano Morales, quien, con su incansable actuación pudo sacar adelante el programa y fue un ejemplo para todos los demás miembros del mismo. Además en su día hizo publicó un trabajo sobre las primeras experiencias de esta proyecto. SERRANO MORALES, R.: “Programa de acercamiento de los archivos a los centros docentes: La Casa de la Escritura”. Boletín Acal. pp. 10-14

4 Entre las principales colaboraciones son de destacar las aportadas por la Asociación de Archiveros, Bibliotecarios y Documentalistas (ANABAD. Sección de Castilla- La Mancha) y la financiación que mantuvo la Consejería de Cultura de la Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha.

5 Para Brasil es muy interesante el artículo de la profesora Helisa Liberalli Belotto que además incluye una selecta bibliografía sobre la cuestión. LIBERALLI BELOTO, E.: “Política de ação cultural e educativa nos arquivos municipales”. Registro. Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba. Ano I. Nº 1 (julho 2002), pp. 14-27

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en un programa de extensión regional. Ese era el sentimiento que ocupaba las líneas maestras del proyecto. Las fuentes de los archivos cercanos debían servir de noticia para la creación de los materiales. Se buscó en los archivos de las cinco provincias que conforman la comunidad de Castilla-La Mancha. La colaboración de los diferentes centros (archivos históricos y de administración local) permitió encontrar una elevada cantidad de ejemplos que facultase la aplicación de diferentes pruebas a todo tipo de alumnos. Era necesario el acercamiento de los alumnos desde los estadios inferiores para que fueran comprendiendo y valorando la necesidad de la existencia de los archivos como garantes de los derechos de los ciudadanos así como custodios de la memoria colectiva. Pudiera parecer que el principal problema que se planteaba, con antelación a la acción educativa en los estadios inferiores de la enseñanza, era buscar una serie de estrategias de procedimiento para hacerles entender de un modo lúdico la gran necesidad de la conservación del patrimonio documental. Pero no sólo se cuestionaban las actividades para los ciclos primarios, también se había decidido, tal como se explicó con anterioridad, una actuación coordinada en los sectores secundario y de Universidad. Por lo tanto las tareas debían presentar diferentes grados de dificultad, tanto en contenidos como en actividades a resolver.

OBJETIVOS DE TRABAJO

Con estas premisas se iniciaron las actuaciones encaminadas a fijar los objetivos a conseguir en las visitas que los estudiantes realizasen a las sedes de los diferentes archivos adscritos al programa. No fue tan sencillo actuar en la coordinación del mismo, pues fueron muchas las reuniones que se mantuvieron para uniformar criterios sobre las características del proyecto. Las diferentes extracciones de los participantes en el mismo también fueron motivo de diferencias en los enfoques a trasladar al alumnado participante. El principal objetivo a conseguir pasaba por hacer ver a los protagonistas del mismo que los objetos depositados en los archivos no lo están por capricho, sino porque representan nuestro pasado y que ellos, en el futuro, deben continuar la labor que se nos adjudicó a las generaciones presentes por parte de nuestro antecesores. Toda una herencia cultural que se debe transmitir para salvaguarda de nuestro valores sociales e históricos. El conocimiento del archivo como continente quedaba demasiado banal, había que hacerles ver que el edificio, aún siendo una parte importante del sistema, era algo de menor importancia. Lo verdaderamente valioso estaba guardado en aquellas estanterías. Allí se guardaba la voz del pasado y allí debía continuar para siempre recordándonos lo que fuimos y enseñándonos a vivir gracias a las experiencias de lo ocurrido.

Los alumnos, muchos de ellos por su temprana edad todavía alejados de lo que ha de ser su dedicación profesional en la edad adulta, alcanzarían, al menos, el conocimiento de que el Patrimonio que se custodia en los archivos sirve como fuente primaria para el conocimiento de la Historia. Que los investigadores acuden a los archivos en busca de la verdad que se manifiesta a través de los monumentos y de ellos obtienen los datos con los que tejer el vestido de la Historia. Por supuesto que los historiadores utilizan otras fuentes de conocimiento para ayudarse a terminar dicho ropaje, pero los hilos principales se encuentran esperando a ser descubiertos en los fondos documentales de los archivos.

Otro de los objetivos importantes a conseguir sería transformar a los alumnos en investigadores tempranos por medio de la pesquisa, adecuando cada grupo a las

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circunstancias de su edad y preparación. La actividad práctica se resolvería por medio de unos cuadernos de actividades en los que encontrasen ciertas situaciones que ellos mismos debían solventar y construir. Al trabajar en las cuestiones planteadas se educarían en la resolución de sencillos códigos que les ayudarían a mejorar sus capacidades procedimentales. Con los resultados se deberían construir pequeñas descripciones en las que narrasen lo averiguado en los ejercicios anteriores. Es decir, que este objetivo procuraría que ante un escenario previo que plantease un problema de reconocimiento, el alumnado pudiese aprender a resolverlo y a obtener conclusiones, por escasas que estas fueran, siempre desde la óptica del archivo como custodio de las soluciones a las dudas que plantea el pasado. El resultado final de este objetivo debía llevar como idea esencial el reconocimiento hacia la figura del investigador histórico, como trabajador fiable y serio, cuya meta es la comprensión minuciosa de nuestro acontecer, por medio del análisis paciente de los documentos que ayudan a la construcción compacta del edificio histórico real.

Lógicamente, no todos los alumnos participantes en la experiencia estarán cercanos a la investigación en los próximos años, unos por edad y otros por intereses de mercado laboral, pero todos ellos sin excepción puede asimilar que el Patrimonio custodiado en los archivos es algo más que unos viejos papeles que sólo tienen importancia para muy escasa personas, destacando entre estos, los historiadores. La toma de conciencia de que los archivos son de todos, porque a todos nos interesa su conservación en tanto que guardianes de la memoria colectiva, es el principal objetivo. No importaba si cuando fuesen adultos su derrotero profesional estaba alejado de los archivos, la investigación y el estudio histórico, si conseguíamos que les quedase marcado que allá donde haya un archivo estará la ilustración que nos ampara de nuestra invalidez histórica y que, gracias a ello, estaremos todos un poco más vivos, porque podremos recuperar nuestras sombras del pasado e intentar mejorar en el presente. Por todo ello se destacaba como elemento preferencial, en la consecución de objetivos, la valoración positiva de los documentos contenidos en los archivos, porque desde esa valoración podrían aprender una lección de respeto hacia el patrimonio común, no sólo histórico sino lingüístico, artístico, y sobre todo social. Lo cual había de permitir a la posterioridad un mejor conocimiento de las costumbres, las creencias y los comportamientos de las sociedades que nos precedieron en el tiempo, con lo que podríamos aprender a ser mejores en nuestro avance como seres humanos, explayando un ejercicio de respeto hacia las diferentes comunidades que integran nuestra sociedad actual.

Con estas premisas suficientemente claras se comenzó a trabajar sobre el material didáctico que deberíamos preparar para que la labor a realizar con los alumnos fuese la más beneficiosa posible. En primer lugar se acordó que la labor educativa debía comenzar en el aula, que es el lugar que ellos conocen más como laboratorio de aprendizaje y donde las estrategias de instrucción son más habituales y más asimilables por los estudiantes. Por lo tanto deberíamos tener tres apartados de trabajo que estuviesen claramente diferenciados, en el primero se evaluaría el trabajo previo a realizar en el aula antes de acometer la visita al archivo, el segundo proceso consistiría en la propia asistencia al centro que hubiésemos dispuesto con algunas actividades prácticas a realizar en el mismo; y para finalizar, un trabajo práctico preparado para ser llevado a cabo en las aulas y que sirviese de puesta en común sobre lo asimilado con anterioridad. Lógicamente, aunque esta dispersión

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aumentaba la cantidad de tarea se presentaba como la única manera de garantizar la perfecta asimilación de lo presupuestado, porque se entendió que sin un trabajo previo en la clase, los alumnos tardarían en entender la esencia de lo que estaban visitando y por lo tanto les costaría mucho el aprovechamiento de lo producido, tanto en la propia observación presencial como en las actividades posteriores, que quedarían como objetivos inalcanzables, al resultar incomprensibles.

Venimos hablando hasta ahora de la labor a realizar con el alumnado, pero no se ha citado al colectivo que nos ayudaría a poner en marcha este ambicioso plan: los profesores. En ningún caso se podría haber actuado sin la asistencia de este importante gremio, puesto que ellos controlan los instrumentos del aprendizaje en todas sus vertientes y con sus acertados consejos nos ayudaron a mejorar. La colaboración fue sumamente interesante a la hora de redactar la Unidad Didáctica central del proyecto que fue redactada por un colectivo de educadores que se implicaron directamente6.

Las extensas reuniones de trabajo dieron lugar a diferentes materiales de trabajo centrados sobre todo en la documentación de los archivos colaboradores en los que había que destacar la capacidad pedagógica de cada uno, es decir, la cantidad de conocimientos que podían transmitir. Los resultados se pueden resumir en diferentes carpetas de trabajo, cada una de ellas conteniendo diferentes utillajes para laborar sobre el terreno y unidades didácticas con objetivos a más largo tiempo. Los temas incluidos en las Unidades Didácticas servirían para afianzar el contacto con los archivos, por lo tanto se fijaría unos conjuntos de contenidos educativos que se dividirían siguiendo los postulados de las leyes vigentes en conceptuales, procedimientales y actitudinales. El primer grupo de contenidos, es decir, los conceptuales, se dividió en dos bloques: Sociedades Históricas y Sociedad y cambio en el tiempo. En ambos módulos se estableció una temporalidad óptima de dedicación a su tratamiento y conclusiones de aproximadamente cinco sesiones, porque no se debe olvidar que estas propuestas didácticas debían ejecutarse sin perjuicio del currículo escolar. Respecto a los contenidos procedimentales, se manifestaba un deseo de mejorar su dominio de las herramientas para el aprendizaje. El trabajo a realizar comenzaría por el tratamiento de la información que se suministraba a los estudiantes por medio de medios tradicionales o modernos. El uso del soporte papel para recibir los datos sería esencial, pero también se utilizaría la imagen como base audiovisual en el conocimiento del mundo que pretendían descubrir. Se proyectaban durante las actividades previas a la visita algunas diapositivas sobre el edificio y los documentos que contenía, así como los recintos por los que transcurría el trayecto del documento desde su llegada al edificio hasta su definitivo descanso en las estanterías de los depósitos. En alguna ocasión se llegó a programar un vídeo amateur realizado por los docentes en su visita preparatoria para una mejor comprensión de lo que se había de ver ulteriormente. Los trabajos a realizar durante la visita y la posterior puesta en común mejoraban sus habilidades instrumentales por medio de la elaboración de cuadros históricos, árboles genealógicos, mapas conceptuales,

6 Grupo FAHESIAN: El Archivo: un centro vivo y abierto a la actividad escolar. Propuesta didáctica. Toledo.

Consejería de educación y Cultura. 1996. Dicho grupo integrado por un conjunto de sobresalientes pedagogos elaboró un conjunto de actividades siguiendo las directrices de la época, por medio de las cuales el Ministerio de Educación y Cultura había propuesto la excelencia de la valoración y posterior conservación del Patrimonio. Importancia que se recogía en los diseños curriculares del propio Ministerio que, entre los objetivos generales de la Enseñanza Secundaria Obligatoria para las disciplinas de Historia y Ciencias Sociales, parecía destacar como de máxima trascendencia el contacto de los futuros ciudadanos de pleno derecho con los depositarios de la memoria colectiva.

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desarrollo de breves trabajos de investigación en los ámbitos familiar y de vecindad, que darían paso a una síntesis escrita por los diferentes grupos de trabajo resultantes en cada aula.

PROCESO METODOLÓGICO

Sería interesante para comprender la utilidad de estos materiales acercarnos al desarrollo metodológico a través de la descripción completa de una cualquiera de las sesiones que se realizaban. En primer lugar se anunciaba a los diferentes centros educativos de la ciudad la posibilidad de participar en el proyecto de acercamiento y mejora del conocimiento del archivo. Una vez que los colegios e institutos de enseñanza secundaría habían contestado se concertaba una entrevista con los profesores que iban a colaborar expresamente con sus cursos. En esta reunión se les hacía saber los objetivos que se perseguían con la actividad de modo que los diferentes profesionales a su regreso a las aulas pusiesen en marcha el primer acercamiento con el alumnado. Los docentes aprovechaban la reunión para conocer mejor las dependencias y llevarse folletos informativos, tomar fotografías de todas las salas e incluso en alguna ocasión se llegó a rodar un vídeo. Las actuaciones que se le proponían para realizar en el aula eran precedidas por la recogida selectiva en los diferentes domicilios de documentos que fuesen importantes en su vida cotidiana. De esa forma se implicaba a la familia en la actividad porque debían ayudarles a encontrar los papeles más significativos de su acontecer. El alumno, a través de su propia documentación, aprendía a valorar la importancia de la conservación documental y llegaba a unas primeras conclusiones. Ya estaba preparado para la segunda fase que se debía desarrollar en el aula: la presentación de la cuestión.

El profesor se dedicaba a plantear las ventajas de un lugar desconocido para la mayoría: el Archivo, desde la base de partida de la recogida de papeles que ya habían desenvuelto. La existencia de un lugar que recogiese todos los papeles importantes se revelaba como fundamental, porque muchos de ellos habían tenido enormes dificultades para encontrar algunos de los documentos más básicos que componían su acervo: carnés de equipos deportivos, certificados de nacimiento, o simplemente las notas del curso anterior. Una vez asentadas las ideas principales se perpetraba una escenificación en la que se realizaban algunos trámites de la vida cotidiana en los que eran necesarios una serie de documentos. Una vez obtenidos los resultados de la petición por medio de un conjunto de “papeles”, se suscitaba la duda sobre la conveniencia de su deposito. De todo el conjunto de dinamismos surgían de nuevo conclusiones, tal vez apresuradas por la escasez de conocimientos, pero la necesidad de conocer más se acrecentaba. El docente tenía el caldo de cultivo preparado para seguir aumentando las instrucciones sobre el archivo como el lugar donde finalmente van a parar todos los papeles de la administración. Ya tenían claros al menos dos fines de la custodia: los papeles de las personas y los del Estado. Aquello era suficiente para que deseasen conocer más sobre el lugar que custodiaba tanta memoria. Era el momento de la presentación oficial del archivo por medio de lecturas, diapositivas o vídeos. El educador tenía la cognición de las ideas previas con las que se partía desde el aula hacia la aventura del archivo.

La fase de visita se realizaba por medio de los propios educadores del proyecto que llevaban a los alumnos a cada una de las dependencias del edificio, oficinas, depósitos,

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salas, con una explicación más o menos somera en cada uno de ellos dependiendo del nivel educativo de los visitantes. Una vez concluida la visita, se les llevaba a la sala de investigadores donde se les proponían algunas labores entre las que cabría destacar unas sencillas tareas de investigación sobre unos elementos anteriormente seleccionados de acuerdo a unos criterios cronológicos y temáticos. Ya se tenía preparado un dossier para cada uno de los estudiantes de modo que pudiesen analizar la propuesta sin las interferencias consabidas, sobre todo en las clases de las enseñanzas primaria y secundaria. Además se había realizado una ficha catalográfica básica de ellos para una mejor comprensión tanto del contenido de los mismos como de la función del propio documento como vehículo de información. En algunas ocasiones se presentaron documentos visuales, fotografías, mapas y planos a los que asimismo se preparó la correspondiente ficha. Las actividades eran tan diferentes como diversos eran los destinatarios7. Sin olvidar que una exposición de documentos originales convenientemente presentados en la sala de investigación animaba mucho más el sentir investigador de los jóvenes alumnos.

Los diversos grupos educativos, desde enseñanza primaria a universitaria, recibían información en el archivo de acuerdo a su preparación previa. Al final de la visita se les hacía entrega de una carpeta con información variada del archivo, donde se incluía una guía elemental para que alcanzasen el adiestramiento somero de lo custodiado en el Archivo de referencia. Una vez de regreso en las aulas trabajaban en los diferentes documentos que habían conocido y que podían tratar de cuestiones tan dispares como la familia, el colegio o la ciudad, para los cursos elementales, o en la lectura y posterior trabajo histórico de determinados documentos históricos para los cursos más elevados. Todo un abanico de posibilidades para la mejor comprensión del significado del Archivo. Finalmente se debía averiguar si la experiencia era positiva o sólo era una actividad más entre la multitud de tentativas que, con novedosas herramientas de aprendizaje, se realizan en las aulas y no dejan ninguna huella en los alumnos. Las deducciones que se hiciesen en el momento posterior a la visita debían ser más efectivas, porque ya no estaban matizadas por la urgencia. Había que entretejer el espacio y deducir lo que habían adquirido partiendo de aquellas ideas previas con las que salieron de la aula. El proceso evaluador debía llevarlos, como mínimo, a la distinción de un documento de archivo, es decir, digno de ser custodiado para reserva de la memoria en el futuro, de otros documentos de menor importancia y, que por tanto, no merecerían este tratamiento. El análisis documental de ciertos documentos que pudiesen ser básicos en la vida cotidiana de los alumnos y algunos otros que hubiesen ejercido funciones semejantes en los siglos anteriores.

El archivo proponente de la actividad tomaba parte en la evaluación de las diferentes visitas por medio de una serie de concursos a realizar por los escolares. Para los provenientes de ciclos elementales se proponía la realización de un dibujo que ilustrase lo aprendido en la

7 Para los niveles más elementales se preparó un cuento resultado de una experiencia que le sucedió a uno de los

educadores en una visita realizada en el Archivo Histórico de Nobleza situado en el Palacio Távera de la ciudad de Toledo. Allí se encontró por sorpresa con un colectivo de alumnos de primer curso de enseñanza primaria y teniendo que improvisar les teatralizó la historia de un niño que un día salió de su casa y de pronto olvidó todo lo que sabía, incluso quien era y donde vivía, y ante esa situación deambulaba por las calles completamente perdido. En definitiva, el niño veía pasar el tiempo sin poder recuperar su vida. Una persona que lo encontró completamente desorientado le ayudó llevándolo hasta la Casa de la Memoria (el Archivo), y allí pudo recuperar todos los conocimientos que había perdido, porque en dicho lugar se guardaba la memoria colectiva. Posteriormente, esta historia fue retomada por otro de los educadores que la sintetizó y la publicó a modo de relato corto, con el título: “El niño que perdió la memoria”.

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visita. La sorpresa se hacía frecuente ante la representación de ideas de lo más sugerentes. Para los cursos medios de la enseñanza secundaria se propuso un concurso de narraciones breves. La madurez de las reflexiones demostró la acogida positiva por parte de los participantes y animó, tanto a los educadores del proyecto como a los profesores que participaban en el mismo. Los mejores trabajos presentados en dichos concursos eran premiados con artículos que hacían referencia a las actividades en los archivos, con carpetas con material escolar así como libros históricos adecuados al nivel del premiado.

CONCLUSIONES

En primer lugar habría que establecer la pregunta: ¿El pueblo tiene derecho a la memoria? Esta cuestión que bien pudiera parecer anacrónica a estas alturas es motivo de no pocos debates, porque la ciudadanía que debería ser el destinatario de todas las acciones sociales, económicas y políticas de los gobiernos queda muchas veces relegado al papel de simple espectador ante las estrategias de todo tipo emprendidas por los mandatarios de ciertos países. Así pues, los gobernantes ladinamente distraen a los ciudadanos con entretenimientos que pretenden extender la Cultura y apenas se quedan en bochornosos espectáculos que poco o nada aportan al bagaje instructivo de los pretendidos destinatarios. El tradicional circuito de la difusión siempre ha bebido de las aguas preferentes de los museos y las circunstanciales de las bibliotecas. Los archivos llegaron tarde a la magna representación pero igual que los otros centros han sido arrollados por las vorágines de las políticas culturales, que mejor se podrían llamar de las culturas políticas. De esta manera, se entiende que, con muchos comportamientos desviados, se consiga distraer a las masas aún a costa de alejarlas de los verdaderos fines a lograr por la actuación archivística, por un lado la fijación perpetua de nuestros hechos de antaño y por otro, la preservación de nuestros derechos actuales. Todo ello no se podría conseguir sin la existencia de los archivos como celosos guardianes de los documentos de todo tipo que garantizan ambos propósitos. La difusión, por medio de diferentes actividades, será siempre bienvenida porque permite mantener un ritmo constante en la propagación ad extra, que garantiza el conocimiento por los grandes colectivos, no sólo de los archivos, sino del trabajo de los archiveros y la necesidad que los ciudadanos tienen de su trabajo, como grandes profesionales que avalan la preservación de nuestro mejor tesoro. Es por ello que la búsqueda del apoyo general de la sociedad para la pervivencia de estos centros ha sido perseguida por diferentes vías. Desgraciadamente, entre las más frecuentadas se encuentran aquellas que insisten en la difusión por medio del espectáculo político-mediático, sin pararse a pensar en las nefastas consecuencias que traerá a largo plazo. Por otro lado, los verdaderos profesionales insisten en programas bien trazados que aportan un sistema de difusión sostenible que conseguirá grandes frutos entre las capas de la sociedad más receptivas y con mayor proyección de futuro: los alumnos de los diferentes ciclos educativos.

En el Archivo Histórico Provincial de Guadalajara se creía en el trabajo callado y duradero de una divulgación responsable. La exigencia que nos propusimos en su momento fue la de trasmitir la idea de un archivo moderno al servicio de los ciudadanos. Se podrían haber utilizado otros medios más proclives a la distracción, pero el grupo de trabajo se decidió por el que daría la mejor cosecha. Así nació: La Casa de la Escritura, que fue hija de un

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grupo de profesionales provenientes de diferentes estratos que, unidos en un mismo fin, no sólo alumbraron la idea sino que la cuidaron con devoción. Fueron varios los años en que esta actividad se potenció en todas las provincias de la comunidad castellano-manchega, sobre todo el trienio 1996-1999. Durante este periodo se observaron unas magníficas posibilidades de actuación didáctica en los archivos que hizo reflexionar a los propios convocantes del proyecto, pues si bien en un principio se consideró que las áreas de conocimiento más beneficiadas serían las relacionadas con las ciencias sociales, la experiencia de aquellos años demostró que desde cualquier punto de vista pedagógico se podían obtener beneficios. En los últimos años el proyecto se ha orientado hacia el ciclo superior de la enseñanza. En estos momentos se está recuperando el sentimiento regional que le dio vida y se ha presentado una revitalización del mismo para los próximos años.

Las conclusiones de los años en que se llevó a cabo la actividad con mayor dinamismo se pueden manifestar a través de consejos para aquellos archivos o grupos de archivos que deseen plantear la realización de experiencias semejantes. En primer lugar hay tener en cuenta que el Archivo debe ser un instrumento más al servicio de los profesionales de la educación. Es decir, un instrumento educativo, nunca una institución educativa. Si no se confunden los objetivos se obtendrán buenos resultados. Los profesionales de archivos deben poner los documentos al servicio de los educadores a la vez que los asesoran sobre el contenido de los mismos, pero sólo ellos y con la debida información serán los que valoraran la bondad pedagógica de dichos elementos. En segundo lugar hay que contar con la realidad presupuestaria que permita la realización del proyecto sin sobresaltos económicos. Las actuaciones que se han ido narrando a lo largo de este trabajo precisan un apoyo para cubrir unos costes de mantenimiento para solventar, entre otros ejemplos, los gastos del material didáctico que se debe entregar a los alumnos y los gastos del personal interviniente en las actividades, que se cuantifican por medio de las dietas que se abonarán a los educadores colaboradores. La pregunta que se puede suscitar en este momento es acerca del origen de ese importe que, lógicamente, no podrá salir del presupuesto ordinario de los archivos sin producir quebraderos de cabeza para las actividades ordinarias de los mismos. Las ayudas otorgadas por la Consejería de Cultura de la Comunidad de Castilla-La Mancha a los proyectos presentados por Asociaciones vinculadas a los archivos, permitieron un desahogo esencial en el avance del proyecto. Pero claro no debemos quedarnos en unas cantidades que únicamente sirvan para cubrir la actuación diaria, habrá que pensar en que el proyecto durase un tiempo largo por lo cual se solicitaron diversas ayudas a entidades colaboradoras, tanto de carácter estatal, regional o local, como de carácter privado. De esta forma, cuando se acababa un curso escolar ya se tenían proyectadas muchas de las actividades del siguiente año. Por último, saber que la infraestructura del personal de los archivos se puede utilizar, ya que se trata de profesionales reconocidos, pero nunca a costa de desatender las actividades primordiales para las que estos centros fueron creados, ya que si caemos en la necedad de difundir sin ocuparnos de las principales funciones del archivo acabaremos por no acometer con solvencia la producción que se exige a los profesionales y que fundamentalmente se reduce en dos grandes estadios: En primer lugar, a la organización, identificación, valoración y descripción de los documentos que componen los distintos acervos, y en segundo, a proporcionar a los ciudadanos la información pertinente de lo contenido en los mismos8.

8 Luis Martínez, en un trabajo crítico sobre la difusión mal interpretada, decía: “tal vez sensibilicemos a la opinión

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Una de las características más significativas de la experiencia educativa: la Casa de la Escritura, se encontraba en su dinamismo. No era un compartimiento estanco donde se seguía al pie de la letra lo presupuestado con anterioridad por los integrantes permanentes del proyecto. Siempre se estaba abriendo a todo tipo de sugerencias, por ello, las propuestas de profesores y alumnos contribuyentes eran constantemente evaluadas y aquellas que ofrecía nuevas visiones, eran puestas en marcha. Era por tanto, un proyecto vivo en el que los actores partícipes podían escribir sus propios guiones y la obra a representar podía mudar de contenido en cada figuración para que los destinatarios obtuvieran los resultados que se perseguían.

Después de reflexionar sobre las diligencias expuestas se podría hacer una evaluación-conclusión sencilla sobre la imagen que al final les quedaba a los alumnos acerca de la importancia de los Archivos en la vida de la sociedad. La sociedad es un ser vivo que necesita de memoria para seguir existiendo y la deposita en los archivos, lugares adecuados para esta función, de modo que pueda recuperarla ante cualquier acontecimiento vital, que puede ser personal o colectivo. La función del archivo como depositario de la memoria histórica y social es de primerísimo orden.

RESUMO

Los archivos como depositarios de la memoria colectiva de los pueblos tienen la obligación de hacer llegar a todas las escalas sociales el sentido de su existencia. Las principales actuaciones que se podrán llevar a cabo en este sentido pasan indudablemente por la dotación de un servicio educativo que consiga acercar a la ciudadanía del futuro, los alumnos, hacia todas las claves de la guarda y custodia de la memoria, y con ella de los derechos de todos los habitantes. En el Archivo Histórico Provincial de Guadalajara (España), se estableció un programa con carácter regional llamado: La Casa de la Escritura, que acercase a los estudiantes de todos los ciclos de la enseñanza al mejor conocimiento de las fuentes históricas tradicionales y modernas por medio de la visita y de actividades de investigación. Se realizaron fichas y unidades didácticas para ayuda de las tareas. Sus resultados determinaron la calidad del programa que se mejoró sustancialmente con la experiencia que se presenta por medio de un ejemplo.

PALAVRAS-CHAVE

Arquivo e sociedade. Ação educativa. Unidades didáticas. Direito a informação. Fontes da história.

pública y consigamos una difusión de alcance internacional cuando algunos de los grandes archivos arda hasta sus cimientos. Entonces alcanzaremos el completo absurdo: difundir la nada”. MARTÍNEZ GARCÍA, L.: “La difusión por la difusión. Algunas reflexiones personales en el campo de la difusión de los archivos”. En Archivos, Ciudadanos y Cultura. Textos ANABAD Castilla-La Mancha, Toledo. nº 3, (1999), pp. 29-54

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UMA ANÁLISE CRÍTICA DO VALOR INTRÍNSECO

Shauna McRanor JAMES O'TOOLE SUGERE que o desejo de preservar a forma física original de um documento, para além das razões legais, pode estar enraizado em uma insatisfação psicológica, difícil de circunscrever, com reproduções, na medida em que os originais possuem certas características que não se deixam transmitir às cópias. Embora a possibilidade de preservar permanentemente cada documento original parecesse ser um feito inatingível na década de 1970, os arquivistas norte-americanos começaram a questionar a motivação por trás dessa atividade9. Considerando, contudo, que pelo menos desde o tempo de Justiniano a obrigação dos arquivistas europeus tem sido manter a “memória...continuada...das ações”, e não a preservação eterna, isso leva a pensar como os arquivistas americanos possam ter tido outra idéia10. Não obstante, foi necessário o estímulo de Leonard Rapport para que os arquivistas do “Novo Mundo” percebessem que os documentos deveriam ser considerados “merecedores de preservação continuada” , e não de retenção perpétua, e isso finalmente permitiu que os arquivistas norte-americanos admitissem abertamente que “os padrões de avaliação podem mudar, [e] que a avaliação de um especialista pode não ser exatamente infalível.”11

De fato, com as pilhas de documentos “permanentes” aumentando de tamanho num ritmo alarmante, e o espaço disponível diminuindo na mesma proporção, os arquivistas foram forçados a escolher os documentos arquivísticos que permaneceriam. Daí, a idéia de que o valor intrínseco dotasse os documentos originais de “fatores únicos” capazes de impedir sua destruição apareceu formalmente no glossário de 1974 de Evans et al.12 Em outras palavras, os documentos que não correspondiam a esse valor foram copiados e destruídos, enquanto os que tinham valor intrínseco foram tanto reformatados quanto conservados em sua forma original.

Em 1979, o conceito assumiu um papel mais central depois de sua invocação pelo Serviço Nacional de Arquivos e Documentos (NARS, em inglês), após a determinação da Administração de Serviços Gerais (GSA, em inglês) de que a instituição microfilmasse todos os documentos e destruísse os originais. O Arquivo Nacional se sentiu obrigado a “refutar a pressuposição de que todos os documentos fossem descartáveis”, e assim estabeleceu o Comitê de Valor Intrínseco.13 Seu propósito era definir mais completamente o conceito de valor intrínseco, enumerar as qualidades e características dos documentos a que se pudesse atribuir esse valor e recomendar sua aplicação no processo de avaliação. O relatório informativo da equipe detalhando esse objetivo foi divulgado em 1982.14

9 James M. O'Toole, “On the Idea of Permanence”, American Archivist 52 (Inverno 1989): 18 10 Luciana Duranti, “The Concept of Appraisal and Archival Theory”, American Archivist 57 (Primavera 1994): 331

(ênfase nossa). 11 Leonard Rapport, “No Grandfather Clause: Reappraising Accessioned Records”, American Archivist 44 (Primavera

1981): 149 (ênfase nossa) 12 Frank Evans, Donald Harrison e Edwin Thompson, comps., “A Basic Glossary for Archivists, Manuscript Curators,

and Record Managers,” American Archivist 37 (Julho 1974): 424. 13 Trudy Peterson, “The National Archives and the Archival Theorist Revisited, 1954-1984,” American Archivist 49

(Primavera 1986): 129. 14 Comitê de Valor Intrínseco, “Intrinsic Value in Archival Materials,” in A Modern Archives Reader, editado por

Maygene Daniels e Timothy Walch (Washington, D. C.: NARS, 1982).

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A função deste artigo é, primeiro, analisar criticamente a definição do termo segundo o Comitê em relação às concepções normais de valor intrínseco na literatura filosófica e arquivística. Em seguida, argumentamos que, para que metodologias de avaliação sejam válidas, elas devem ser baseadas na teoria arquivística, cuja essência é contraposta aos nove critérios esboçados pelo Comitê como indicativos de valor intrínseco nos materiais originais. Finalmente, a recomendação do Comitê para a aplicação desses critérios de avaliação é brevemente apreciada.

Conceitos de Valor Intrínseco

Segundo a definição do NARS, valor intrínseco

é o termo arquivístico aplicado a documentos permanentemente válidos que possuem qualidades e características capazes de tornar a forma original dos documentos a única arquivisticamente aceitável para preservação. Embora todos os documentos em sua forma física original tenham qualidades e características que não seriam preservadas em cópias, documentos com valor intrínseco as possuem em um grau bastante significativo para que os originais tenham que ser salvos.15

A análise dessa definição em contraste com as idéias de valor intrínseco encontradas fora da ciência arquivística é pertinente a esta discussão, uma vez que tal análise permite destacar não só as sutilezas da linguagem, mas também a necessidade de que os arquivistas sejam mais criteriosos ao designar termos descritivos. De fato, Luciana Duranti suplica aos arquivistas que sejam mais “rigorosos em seu uso da terminologia; assegurem-se de que os termos adotados por eles reflitam a natureza substantiva da entidade que nomeiam; e, quanto àqueles termos que, não obstante sua ambigüidade, são comumente usados, sejam claros sobre o objeto a que se referem em cada ocasião”.16

O Oxford English Dictionary define valor intrínseco como aquele que é “pertencente à coisa em si mesma, ou por sua própria natureza; inerente, essencial, próprio; 'seu mesmo'”.17 As definições filosóficas de valor intrínseco se assemelham, ainda que a própria existência dele seja muito discutida. Uma das invocações filosóficas mais comuns do valor intrínseco é no sentido de que possui esse valor o objeto que é um fim em si mesmo e não um meio para algum outro fim. Assim, enquanto “fins”, as coisas têm valor em si mesmas e por razão nenhuma fora de si mesmas, desse modo permitindo que seu valor seja denominado “intrínseco”. Enquanto “meio”, por outro lado, Robin Attfield explica que uma

15 Comitê de Valor Intrínseco, “Intrinsic Value” (ênfase nossa). Embora o artigo de Leonard Rapper tenha sido

publicado um ano antes da divulgação do relatório do Comitê, os escritores optaram por usar “permanente” nesta definição, mesmo que, em sua discussão sobre destruição, esteja implícito que permanência era considerada ultrapassada. Além disso, ele não é claro quanto ao que se entende por “original” no sentido pretendido pelo Comitê. Em sua série de artigos sobre diplomacia, Luciana Duranti usou o termo para designar o primeiro documento a ser publicado em uma forma completa e conseqüente, e que lhe confere a capacidade de provocar os resultados desejados pelo produtor. Ver Luciana Duranti, “Diplomatics: New Uses for an Old Science (Part 1)”, Archivaria 28 (Verão 1989): 19. Contudo, parece mais provável que o NARS esteja usando o termo no sentido da forma do documento por ocasião de sua chegada na instituição, seja ele o original no sentido diplomático, uma cópia, ou um rascunho.

16 Luciana Duranti, “Diplomatics: New Uses for an Old Science (Part VI),” Archivaria 33 (Inverno 1991-92): 10. 17 Edição Compacta do Oxford English Dictionary (ênfase nossa).

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coisa “tem valor simplesmente...para um outro estado de coisas fora de si mesma, [e assim]é considerada como de valor apenas instrumental”.18 Num outro sentido, o valor intrínseco pode ainda ser usado para se referir a “propriedades intrínsecas”, não-relacionais, presumidas. E finalmente ele tem sido empregado em filosofia para descrever o “valor que um objeto possui independentemente da perspectiva do sujeito”, isto é, seu “valor objetivo”.19

Essas definições têm implicações para o sentido de valor intrínseco utilizado pelo Arquivo Nacional, como citado acima. O Comitê adota a posição de que o conceito de valor intrínseco “não é relativo”, na medida em que ele é encontrado nas “qualidades e características” do objeto em si, e assim não é contingente a qualquer outra coisa. Embora num sentido limitado esse seja um uso válido do termo, o Comitê ainda especifica que todos os documentos possuem essas qualidades e características em sua forma original; contudo, aqueles que têm valor intrínseco as possuem “num grau bastante significativo” para que os originais precisem ser salvos. Não obstante, considerando-se a maneira como “intrínseco” foi definido anteriormente, questões de grau (i. e., relatividade) não deveriam merecer consideração. É dessa forma que o uso feito pelo Comitê do conceito de valor intrínseco é falho: um limiar arbitrário é imposto e, quando cruzado, apresenta justificação para conservar uma pequena seleção em sua forma original. Isso provavelmente explica os motivos por trás da frágil afirmação do Comitê de que “a aplicação do conceito de valor intrínseco é relativa”. Conseqüentemente, basta essa inconsistência para indicar que a formulação da noção de valor intrínseco não foi exatamente rigorosa e assim pouco contribui para sugerir de que maneira as diretrizes do Comitê para invocar esse valor podem ser de algum uso.20

Além disso, se recorrermos à corrente oposta das definições filosóficas de valor intrínseco mencionada acima – isto é, a de que todo valor é contingente, e portanto não pode residir em um objeto por si ou em si mesmo – o valor intrínseco se torna, como na aplicação que o Comitê faz dele, inteiramente subjetivo.

É essa polarização do absoluto contra o relativo que permeia as poucas e incidentais discussões sobre valor intrínseco na literatura arquivística. Ainda que essas afirmações não sejam necessariamente usadas para criticar o uso do conceito feito pelo Comitê, sua menção serve para enfatizar o uso inconsistente de vocabulário entre os arquivistas.

Por exemplo, Hans Booms afirma claramente que “o valor de um item específico só se torna aparente quando visto em relação a alguma outra coisa e comparado a esse segundo item.” Portanto, Booms rejeita a terceira noção filosófica de valor intrínseco listada acima, no sentido de que “os arquivistas não podem determinar o valor da documentação procurando-o na própria documentação. Eles não encontrarão ali seu “valor 'objetivo’. Fontes documentárias não possuem um valor inerente discernível no interior dos próprios documentos. Fontes documentárias só adquirem valor quando o arquivista lhes atribui um valor durante o processo de avaliação.”21 Esse relativismo é ecoado por Terry Eastwood,

18 Robin Attfield, A Theory of Value and Obligation (London: Croom Helm, 1987), 25; John O'Neill, “The Varieties of

Intrinsic Value,” Monist (1992): 119. 19 O'Neill, “The Varieties of Intrinsic Value”, 120. Essas três noções filosóficas são citadas novamente neste relatório na

ordem em que aparecem neste parágrafo; isto é, primeira, segunda e terceira. 20 Comitê de Valor Intrínseco, “Intrinsic Value”, 94. 21 Hans Booms, “Society and the Formation of a Documentary Heritage: Issues in the Appraisal of Archival Sources,”

Archivaria 24 (Verão 1987): 82 (ênfase nossa).

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que afirma que “o valor que as pessoas imputam ao objeto concreto ou documentário enquanto objeto – por exemplo, como símbolo ou ícone,”22 tem pouco de intrínseco. Está implícita nessa observação a rejeição da categorização involuntária por parte do Comitê das qualidades e características dos documentos originais como sendo “propriedades intrínsecas”, não-relacionais23, de acordo com o segundo sentido filosófico, conforme o qual elas precisam existir para que um objeto tenha valor intrínseco.

Essa idéia é apoiada pela filósofa Barbara Smith, que argumenta: “Aquelas que podem ser consideradas as qualidades de uma obra – sua 'estrutura', 'características', 'qualidades' e, é claro, seus 'significados' – não são fixas, dadas ou inerentes à 'própria' obra, mas são em todos os detalhes produtos variáveis da interação de sujeitos específicos com ela”.24

Pode-se concluir, portanto, que as noções “subjetivas” de valor intrínseco proferidas na literatura arquivística e outras não corroboram o sentido “objetivo” dado pelo Comitê ao termo. Além do mais, isso implica que o valor intrínseco não pode ser invocado de maneira que não atribua valor aos documentos e, como tal, perpetue metodologias e práticas que favoreçam determinados interesses – uma parcialidade que vem perturbando o processo de avaliação há décadas.

A distorção do legado documentário que resulta da projeção de valor sobre os documentos fornece ampla munição para a luta dos arquivistas que desejam a avaliação arquivística guarnecida por uma teoria sólida, e não por idiossincrasias institucionais e interesses de arquivistas individuais. Portanto, é necessário discutir o que a teoria arquivística exige e julgar a validade dos critérios de avaliação para o valor intrínseco tais como esboçados pelo NARS em contraste com estes postulados da ciência arquivística.

A Essência da Teoria Arquivística

Em seu recente artigo intitulado “O Que É a Teoria Arquivística e Por Que Ela É Importante?”, Terry Eastwood notou que “Toda procura pela compreensão humana dos mundos social e natural contempla de um modo ou de outro a natureza de algum objeto ou fenômeno, e procura explicar seu caráter ou propriedades. Qualquer busca de explicar a natureza de uma coisa em nome dela mesma, meramente para saber qual é sua natureza, é teórica.”25

Concordantemente, o procedimento do Comitê, ao meramente enumerar qualidades e características do valor intrínseco em documentos, não pode constituir um princípio fundamental, porque tal exercício não procura explicar coisa alguma. Além disso, porque generalizações a respeito de fenômenos devem ser derivadas através de raciocínio dedutivo ou indutivo, as próprias generalizações não podem ser observadas diretamente. Dado que o Comitê, majoritariamente, se debruça sobre características tangíveis, pode-se concluir logicamente, portanto, que eles assumem uma abordagem não-teórica.

Mesmo assim, isso não impede Trudy Peterson de se referir à “teoria do valor intrínseco nos documentos “ como a “única ... construção maior na teoria de avaliação... proferida no

22 Terry Eastwood, “How Goes it with Appraisal?”, Archivaria 36 (Outono 1993): 115 23 O'Neill, “The Varieties of Intrinsic Value,” 120. 24 Barbara Smith, “Contingencies of Value (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1988), 48. 25 Terry Eastwood, “What is Archival Theory and Why is it Important?”, Archivaria 37 (1994): 123 (ênfase nossa).

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Arquivo Nacional,” desde a publicação de The Management of Archives (A Gestão dos Arquivos), de Schellenberg, em 1965.26 Baseado no argumento apresentado acima, contudo, o uso do valor intrínseco na avaliação pode ser melhor considerado como uma prática do Arquivo Nacional, não como teoria arquivística. Mesmo assim, como Luciana Duranti sugere, esse salto lógico da teoria à prática é indevido: “A maior parte da literatura de avaliação resulta da determinação pragmática da prática mais conveniente e/ou politicamente correta, sua sistematização em uma metodologia e a elevação de seus pressupostos a teoria ... O processo precisa ser completamente revertido: a teoria deve determinar os métodos, e os métodos devem orientar a prática”.27

Afirmações que apoiam a opinião de Duranti não são difíceis de encontrar. Por exemplo, tanto Peterson quanto Richard Cox classificam valor intrínseco como um subgrupo da “teoria” de valor secundário de Schellenberg. Mas alguns autores, como Trevor Livelton, argumentam que a lógica de Schellenberg é fundamentalmente falha, e que sua taxonomia de valor deve ser vista como conceito e não como pensamento dialético rigoroso. Além disso, à luz da recente legislação FOI, o critério de uso como fundamento da dicotomia de arquivos e documentos de Schellenberg enfraquece ainda mais suas construções de avaliação, dessa forma lançando sérias dúvidas sobre a validade das mesmas.28

De modo semelhante, Jane Turner claramente distingue os valores de Schellenberg que derivam desses pressupostos de uso em oposição ao significado da natureza arquivística. Sua noção de valor se identifica fortemente com as de outros escritores arquivísticos mencionados antes, no sentido de que valor é “um conceito relativo e não permanente ou absoluto. Ele não é inerente aos documentos, mas relativo à perspectiva de quem atribui o valor.” A natureza arquivística, por outro lado, “não é relativa a qualquer perspectiva, mas inerente aos próprios documentos e logicamente derivada do processo de criação.”29 Recordando que uma teoria procura explicar a natureza das coisas, é razoável, portanto, a teoria arquivística postular que o arquivo é a totalidade dos documentos arquivísticos produzidos ou recebidos no curso de uma atividade prática, e que, no processo de sua produção, adquirem características que são inseparáveis deles, e assim compreendem sua natureza.

Assim, os arquivos são descritos como sendo, em sua essência, imparciais quanto à produção, autênticos quanto aos procedimentos e inter-relacionados quanto ao significado. É a observação dessas generalizações que leva Terry Eastwood a notar que a capacidade dos arquivos de servirem como evidência de atividade (i. e., seu “potencial de confiabilidade”) é de fato o único valor intrínseco dos arquivos – um valor que é inextricavelmente ligado a sua natureza.30

A afirmação de Eastwood, contudo, não deve ser interpretada como uma atribuição de valor – isto é, não de um valor determinado a priori. Ao contrário, como nota Heather McNeil,

26 Peterson, “Archival Theorist Revisited”, 129 (ênfase nossa). 27 Duranti, “The Concept of Appraisal,” 344 n.58. 28 Trevor Livelton, “Public Records: A Study in Archival Theory,” tese de Mestrado em Estudos Arquivísticos,

University of British Columbia, 1991; publicada sob o título Archival Theory, Records, and the Public (Landham, Md. e London: Society of American Archivists e Scarecrow Press, 1966), 43-44 (os números das páginas se referem às teses, não à versão publicada).

29 Jane Turner, “A Study of the Theory of Appraisal for Selection,” (tese de Mestrado em Estudos Arquivísticos, University of British Columbia, 1992), 3, 6 (ênfase nossa).

30 Eastwood, “What is Archival Theory?”, 126

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“se concentrarmos nossas energias em identificar e analisar os vários contextos da produção de documentos e permitir que a nossa compreensão do valor dos documentos venha naturalmente como um resultado desse processo”, não será necessário fazer tais julgamentos prévios de valor.31

Portanto, dado que a discussão até aqui mostra que a teoria arquivística é mais convincentemente proposta como idéias sobre a natureza dos arquivos – isto é, meditações sobre sua imparcialidade, autenticidade, naturalidade, inter-relacionamento e singularidade dentro de um contexto – e não baseadas em características físicas ou em valor conforme o uso, uma avaliação mais completa dos nove critérios para o estabelecimento de valor intrínseco nos documentos pode agora ser lançada, baseada firmemente nessa teoria.

Critérios para o Estabelecimento de Valor Intrínseco32

1) Forma física que pode ser assunto de estudo se o material fornecer documentação

significativa ou exemplos relevantes da forma.

Recordando as definições de valor intrínseco dadas antes, foi dito que, no campo filosófico, um objeto possui valor intrínseco – no primeiro sentido do termo – se ele for um fim em si mesmo, em oposição a ser um meio para um fim. Uma vez que este primeiro critério enumerado pelo Arquivo Nacional vê os documentos arquivísticos muito mais como fins que como meios, um argumento em favor do valor intrínseco poderia ser justificado. No entanto, as circunstâncias cercando a produção de documentos arquivísticos – isto é, a maneira incidental pela qual eles são produzidos – implica que esses objetos não são fins, mas meios. Entendido nesse contexto, esse critério não só viola a noção de valor intrínseco que lhe é mais apropriada, mas também contradiz a natureza arquivística, mais especificamente a imparcialidade dos documentos resultantes de atividade. Assim, os documentos arquivísticos não devem ser selecionados com base apenas em suas propriedades físicas – enquanto fins – pois, quando a avaliação é conduzida desse modo, os postulados da teoria arquivística são contrariados e, além de tudo, o conteúdo informativo dos documentos – uma qualidade altamente valorizada pelo NARS – se torna irrelevante.

2) Qualidade estética ou artística.

Este critério também é conhecido simplesmente como “valor estético.” Essa qualidade, como qualquer outra atribuição de valor, não se fia na metodologia de avaliação. Considerando que os filósofos têm sido incapazes, ao longo de séculos de reflexão, de definir inequivocamente a noção de valor estético, parece ridículo incorporar uma noção tão arbitrária, subjetiva e imprecisa ao processo de avaliação arquivística.

Mesmo assim, o valor intrínseco é freqüentemente associado a objetos não utilitários tais como obras de arte. Assim, dada a afirmação de James O'Toole de que os arquivos podem acabar assumindo uma função simbólica, não utilitária, talvez não seja surpreendente que 31 Heather McNeil, “Archival Theory and Practice: Between Two Paradigms,” Archivaria 37 (1994): 13. 32 Estes critérios foram reproduzidos literalmente do relatório do Comitê, e são analisados aqui separada e

sistematicamente seguindo cada critério. Para uma explicação mais completa das diretrizes, ver Comitê de Valor Intrínseco, “Intrinsic Value”, 92-94.

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tais documentos sejam vistos como possuidores de valor intrínseco.33 Deve-se ter em mente, contudo, que os arquivos são, por natureza, utilitários, independentemente do uso que possam ter depois de sua gênese. Se é possível determinar que um documento arquivístico foi criado simbolicamente, é possível argumentar que tal objeto provavelmente não deveria ser considerado um documento, simplesmente porque a teoria arquivística define um documento como um subproduto, não como um fim em si.

3) Características físicas peculiares ou curiosas.

As motivações por trás da atribuição de valor intrínseco a essas características físicas dos documentos arquivísticos sugere que esse critério é vulnerável à mesma linha de raciocínio apresentada contra o primeiro critério acima.

4) Idade que provê uma qualidade de singularidade

Embora o Comitê observe corretamente que “a idade é uma qualidade relativa e não absoluta”, ele também menciona que , na avaliação de valor intrínseco, só um critério em nove tem que ser atendido para que um documento se qualifique como sendo intrinsecamente valioso. A idéia de que documentos antigos precisem ser mantidos em função de sua idade foi indicada por Meisser, que afirmou que “antigüidade deve ser respeitada”. Essa máxima foi citada com aprovação por Schellenberg , e foi ainda reforçada por Maynard Brichford.34 Pode-se argumentar, contudo, que “raridades antigas” são de responsabilidade do antiquário, e que o arquivo nunca deve ser selecionado para preservação unicamente com base na idade.

De fato, Barbara Smith faz uma interessante e pertinente observação em sua frase: “Nada resiste como a resistência”. Ela desenvolve a afirmação: “O que normalmente é denominado 'o teste do tempo' ... não é ... um mecanismo impessoal e imparcial; pois as instituições culturais através das quais ele opera ... são, é claro, todas administradas por pessoas; e, uma vez que os textos que são selecionados e preservados por tempo sempre tenderão a ser aqueles que atendam (e de fato foram projetados para atender) as necessidades, interesses, recursos e propósitos característicos daquelas, esse mecanismo de teste tem suas próprias parcialidades embutidas acumuladas ao longo do e assim intensificadas pelo tempo.”35

Embora, de acordo com o Comitê, o valor intrínseco “possa ser mais fácil de aplicar a documentos mais antigos,” deve ser compreendido que a idade, devido a sua necessária relatividade, não pode constituir uma característica inerente aos documentos arquivísticos e, assim, por extensão, não pode refletir a natureza arquivística. Uma vez que a avaliação deve ser enraizada na teoria arquivística, empreender esse exercício baseado apenas em idade serve apenas para ignorar tal necessidade.

33 James O'Toole, “The Symbolic Significance of Archives,” American Archivists 56 (Primavera 1993): 234-55. 34 Theodore Schellenberg, “The Appraisal of Modern Public Records,” National Archives Bulletin 8 (Washington, D.

C.: NARS, 1956), 256; Maynard Brichford, Archives and Manuscripts: Appraisal and Accessioning (Chicago: Society of American Archivists, 1977), 2-3.

35 Smith, Contingencies of Value, 50.

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5) Valor para uso em mostras.

Pode-se argumentar que esse critério, como a maioria deles, esquece a idéia de que os arquivistas, assim como os documentos a seus cuidados, devem ser imparciais. As mostras arquivísticas podem ser questionadas de uma perspectiva ética, no sentido de que a maioria das exibições, como nota Heather Gordon, “são baseadas em interpretações a priori dos documentos, tornando extremamente difícil apresentar o material sem corromper seu significado.” Para os fins dessa discussão, os seguintes pensamentos de Gordon são particularmente relevantes: “Qualquer exibição arquivística, não importando seu contexto institucional, propósito, público e tipo, deve respeitar a natureza do material arquivístico. Deve proteger a imparcialidade desse material, tornar inteligíveis todas as inter-relações administrativas e documentais, e legitimar seu significado mostrando, com os itens materiais, seu contexto imaterial.”36

Não obstante, há muitos arquivistas que acreditam que é um de seus papéis fundamentais é ir além do básico, e preparar mostras é freqüentemente considerado vital a esse propósito.37 Mesmo que se considere essa função, contudo, os documentos nunca devem ser selecionados com esse critério em mente em primeiro lugar. Ao contrário, os documentos arquivísticos devem ser avaliados de acordo com as características de sua natureza, e só subseqüentemente a essa consideração seu uso em mostras deve ser contemplado.

6) Dúvida sobre autenticidade, informação, autor ou outra característica

significativa verificável através de exame físico.

É imperativo que o arquivista concentre sua atenção na autenticidade diplomática, e não na autenticidade histórica à qual esse critério se refere. A distinção entre os dois já foi resumida desta forma: “Documentos diplomaticamente autênticos são aqueles que foram escritos de acordo com a prática do tempo e lugar indicados no texto, e assinados com o(s) nome(s) da(s) pessoa(s) competente(s) para produzi-los. Documentos historicamente autênticos são aqueles que atestam eventos que realmente ocorreram ou informação que é verdadeira.”38

É vocação do historiador avaliar o segundo – a veracidade histórica – no sentido de que isso envolve interpretação do conteúdo informativo. Dessa forma, ao tentar avaliar documentos com base num critério que exige veracidade histórica, o arquivista pode comprometer sua imparcialidade e, ao fazê-lo, distorcer o legado documental. Isso, é desnecessário dizer, tem que ser evitado a todo custo; portanto, é à circunscrição da verdade diplomática que deve se ater o arquivista nesse campo.

7) Interesse público geral e substancial por causa de associação direta com pessoas,

lugares, coisas, temas ou eventos famosos ou historicamente significativos.

Esse critério admite que os arquivistas invoquem julgamentos altamente arbitrários de

36 Heather Gordon, “Archival Exhibitions: Purposes and Principles,” (tese de Mestrado em Estudos Arquivísticos,

University of British Columbia, 1994), 116. 37 Veja, por exemplo, o suplemento “Public Programming in Archives” da Archivaria 31 (Inverno 1990-91) para várias

perspectivas sobre a advocacia arquivística. 38 Duranti, “Diplomatics (Part 1),” 17.

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seleção, e dessa forma conjura as noções de verstehen e Fingerspitzengefühl, que têm sido usadas para descrever métodos de avaliação que utilizem as capacidades intuitivas dos arquivistas, e que requerem “recurso ao fenômeno da experiência”.39 Como Richard Klumpenhouwer indica, contudo, mesmo que “verstehen justificasse a atividade essencialmente subjetiva de avaliação aos olhos dos historiadores, ... a avaliação por intuição histórica permaneceria uma atividade subjetiva, anti-teórica.” 40 Na medida em que isso provém de uma falta de atenção à natureza dos materiais arquivísticos, esse critério para avaliação de valor intrínseco em documentos não atende aos requisitos estabelecidos pela teoria arquivística e deve assim ser considerado inválido.

8) Significância como documentação para o estabelecimento ou continuidade da

base legal de uma agência ou instituição.

Richard Cox explica que a avaliação do valor legal em documentos deve ser baseada em garantir “a preservação de informação necessária para a proteção legal da instituição.”41 De acordo com isso, é difícil por esse critério discernir a diferença entre valor legal e valor intrínseco. Para causar mais confusão, o Comitê afirma explicitamente que “alguns documentos sem valor intrínseco também devem ser preservados em sua forma física original porque tal preservação é uma exigência da lei.” Em outras palavras, alguns documentos legais possuem valor intrínseco enquanto outros não. A utilidade de um critério tão inconsistente e mal definido é questionável. De fato, parece mais simples argumentar que um documento deve ser mantido em sua forma original por razões legais em vez de invocar valor intrínseco, o qual até aqui tem se mostrado insuficiente em sua aplicabilidade a documentos arquivísticos.

9) Significação como registro de formulação da política nos níveis executivos mais

altos quando a política tem significação e efeitos amplos em toda a agência ou

instituição ou para além dela.

Esse padrão de pensamento vem de Schellenberg e, antes dele, dos arquivistas da tradição germânica, que pressupunham que a importância de um órgão e a importância dos documentos produzidos nele eram correlatas. Schellenberg explica: “Ao avaliar o valor probatório de documentos públicos, um arquivista deve ser particularmente consciente da organização, pois esse valor depende muito da posição do órgão produtor na hierarquia administrativa da agência. Em geral, os documentos dos órgãos diminuem de valor à medida que se desce a escada administrativa da agência.”42

Os arquivistas, contudo, “não avaliam estruturas e funções; (eles) analisam estruturas, funções, competências e atividades correlatas a fim de viabilizar avaliação e descrição de

39 Booms, “The Formation of a Documentary Heritage,” 84. 40 Richard Klumpenhouwer, “Concepts of Value in the Archival Appraisal Literature: An Historical and Critical

Analysis,” (tese de Mestrado em Estudos Arquivísticos, University of British Columbia, 1988), 44-45. 41 Richard Cox, Managing Institutional Archives (Nova York; Greenwood Press, 1990), 56. 42 Schellenberg, “Appraisal of Modern Public Records,” 249. A noção de valor probatório de Schellenberg foi

explicada por Terry Eastwood como sendo “a capacidade dos documentos de fornecer informação sobre a organização e funcionamento do corpo produtor. Assim, valor probatório pode se distinguir da capacidade intrínseca de qualquer documento dado de fornecer evidência da ação que o originou, ou seu valor comprovativo. Ver Eastwood, “How Goes It with Appraisal?” 121, n. 2.

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documentos arquivísticos que sejam significativas43, isto é, de acordo com a natureza dos documentos.

Assim, os critérios esboçados pelo Comitê sobre Valor Intrínseco, e examinados criticamente aqui, não correspondem à noção estabelecida de avaliação tal como encontrada na teoria arquivística. Todos os nove critérios podem ser fundamentalmente reduzidos a imputações subjetivas de valor que não podem ser discutidas a partir da lógica e, o que é mais importante, não podem assegurar que os documentos preservados em conseqüência da seleção sejam testemunhos imparciais das transações.

Tendo isso em mente, é útil analisar a aplicação da noção de valor intrínseco à avaliação, e considerar algumas das implicações que surgem desse exercício.

A aplicação do valor intrínseco

Embora as dificuldades fundamentais em relação ao valor intrínseco tenham sido discutidas, há ainda alguns temas ligados à sua aplicação que precisam ser abordados.

O primeiro deles diz respeito ao nível em que a avaliação deve ser feita. O Comitê recomenda que ela ocorra em nível de série, de acordo com o consenso norte-americano de que esse é o melhor modo de proteger “a integridade e o total conteúdo informativo dos documentos.”44 Mesmo assim, avaliando em nível de série, em vez de item por item, não fica claro como o todo pode mostrar – como uma agregação de documentos – as qualidades e características a partir das quais o valor intrínseco pode ser determinado. A menos que a série seja extremamente homogênea, um item isolado não pode ser usado para representar o todo. Parece, portanto, que a aplicação do valor intrínseco deveria ocorrer no nível do documento individual, e o Comitê admite que o arquivista pode ter que usar essa opção.

Mesmo assim, preocupações pragmáticas empurram a avaliação para o nível de série e acima, e a aplicação do valor intrínseco a essas coletividades pode ser problemática. Além disso, a idéia de que integridade e “contexto são melhor preservados considerada a série toda”45 é mera retórica em favor do inter-relacionamento entre documentos e, por extensão lógica, da natureza dos arquivos, e é claramente superficial demais para ter qualquer significado real. De fato, ela é indubitavelmente sintomática da falta de teoria na base dessa prática em especial.

Outro problema de aplicação ligado ao valor intrínseco é ligado à avaliação de documentos eletrônicos. Dado que o significado do termo original tal como usado pelo Comitê não é evidente em si mesmo e que a identificação dos originais eletrônicos na prática arquivística não é bem estabelecida46, seria prudente que o Arquivo Nacional fosse mais preciso em

43 MacNeil, “Archival Theory and Practice,” 15 (ênfase nossa). 44 Maygene Daniels, “Records Appraisal and Disposition”, in Managing Archives and Archival Institutions, editado por

James Gregory Bradsher (Chicago: University of Chicago Press, 1989), 63. 45 Comitê sobre o Valor Intrínseco, “Intrinsic Value”, 92. 46 Luciana Duranti afirma que “é mais apropriado dizer que os documentos eletrônicos são todos feitos como rascunhos

e recebidos como originais, em consideração ao fato de que os documentos recebidos contêm elementos automaticamente acrescentados ao sistema que não estão incluídos nos documentos enviados, e que os torna completos e efetivos... (o documento) se torna um original quando seu destinatário decide salvá-lo pela primeira vez, porque a informação que não é anexada a um meio não é um documento... É justo dizer que documentos produzidos

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seus ditames. Além disso, com a fixação do Comitê na forma física, a utilidade dos critérios em relação aos documentos eletrônicos cai ainda mais quando se reconhece que os documentos arquivísticos desse tipo não têm base material.

E finalmente este relatório fecha o círculo questionando as motivações fundamentais por trás da, e a utilidade da, microfilmagem indiscriminada – sugerida pela GSA, o que foi o principal motivador por trás da invocação do conceito de valor intrínseco por parte do Comitê. Embora a ênfase nos valores secundários entre os arquivistas americanos possa ser a pedra angular axiomática de sua metodologia e prática, é fundamentalmente incorreto pensar que a preservação da informação, em oposição a documentos, é o objetivo final do arquivista. Mesmo assim, ela permanece sendo o principal catalisador para a realização de microfilmagens em larga escala e estratégias de deslocamento. É temerário, contudo, menosprezar a base física original do documento, considerando que é a combinação dos componentes intelectuais e físicos que constitui sua forma. Mas ainda que a reformatação possa violar a integridade do documento – particularmente quando não se faz autenticação – contingências de espaço e reconhecimento são preocupações muito reais. Não obstante, a microfilmagem e o deslocamento são atividades dispendiosas, e deve-se considerar o consumo adicional e talvez desnecessário de recursos que acompanha as justificações contínuas exigidas para a preservação dos originais acima e além dos requisitos que a fariam necessária.

Essencialmente, contudo, a discussão retorna à teoria arquivística, que exige que os arquivistas protejam as características inatas que constituem a natureza dos arquivos. A necessidade urgente de métodos arquivísticos de seleção e aquisição que incorporem a teoria arquivística não poderia ser mais imediata, e os arquivistas precisam rapidamente se desvencilhar de práticas que imputam valor aos arquivos, tais como a noção de valor intrínseco do Comitê. De fato, é vital que os atos dos avaliadores não sejam vistos pelo público como caprichos se a profissão realmente quer progredir e assim reafirmar seu papel indispensável na sociedade norte-americana.

RESUMO

O valor intrínseco foi estabelecido no começo da década de 1980 como critério de avaliação para identificar os documentos a serem retidos em suas formas originais. Embora perpetuado como um conceito “objetivo” e um novo padrão de avaliação para uma classe específica de documentos, fica evidente através da análise crítica que sua aplicação atribui valor aos documentos de forma muito semelhante à de qualquer outro valor na “taxonomia” tradicional. O que se segue é uma avaliação da definição de valor intrínseco, dos critérios pelos quais ele deve ser aplicado e de sua invocação no processo de avaliação.

ABSTRACT

La valeur intrinsèque fut définie au début des années 1980 comme un critère de sélection et d’identification des documents. Ceux-ci, préalablement sélectionnés, sont préservés dans leurs formes d’origine. La valeur intrinsèque fut alors perpétuée comme un concept «objectif» et un nouveau critère d’évaluation des séries spécifiques de documents.

eletronicamente são geralmente usados e mantidos na condição de cópia.” Ver Duranti, “Diplomatics (Part VI),” 9-10.

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Cependant, après une analyse critique il fut affirmé que son application était limitée. Cette méthode assignait une valeur aux documents similaire à n’importe quelle autre valeur dans la «taxonomie» traditionnelle. Le texte ci-après est un examen de la définition de valeur intrinsèque, des critères pour son application et de son utilisation dans le triage de documents.

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A REIVINDICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ARQUIVÍSTICOS. O FUTURO DA AVALIAÇÃO E DA GESTÃO E DESCRIÇÃO DE ARQUIVOS NA AMÉRICA DO

NORTE.

Kent M. Haworth

Na 4ª Conferência Anual de Arquivistas, realizada em conjunto com a Associação Histórica Americana em 1912, o Professor H. V. Ames, então presidente da Comissão de Arquivos Públicos, observou que os arquivistas dos Estados Unidos estavam “na infância da ciência do cuidado com os arquivos”. Por essa razão, ele notou, “nós poderíamos ganhar muito com a experiência de outros países”47. A história do desenvolvimento dos arquivos na América do Norte realmente se beneficiou, ao longo dos anos, da experiência de outros países, especialmente os europeus. No começo deste século, em sucessivos encontros anuais da Comissão de Arquivos Públicos mencionada acima, os membros que compareceram regularmente tomaram conhecimento das práticas arquivísticas de diversos países europeus.

Isso me leva ao primeiro ponto introdutório que julgo importante destacar para meus colegas europeus no decorrer de minha discussão dos princípios arquivísticos contemporâneos, uma vez que estes afetam a avaliação, a descrição e a gestão de arquivos na América do Norte. Há essencialmente três tradições arquivísticas na América do Norte, duas das quais nos Estados Unidos: uma de manuscritos históricos e uma de arquivos públicos. A tradição de manuscritos históricos tem suas raízes na prática bibliotecária, já que as primeiras coleções de manuscritos foram adquiridas de bibliotecas e sociedades históricas geridas por bibliotecários. A tradição de arquivos públicos, por outro lado, teve suas origens nos arquivos nacionais e estaduais dos Estados Unidos e foi mais influenciada pelo pensamento europeu48. No Canadá, foi desenvolvida uma tradição arquivística popularmente conhecida como “Arquivos Totais”, que vem se caracterizando como uma estratégia institucional que, ao contrário de muitos arquivos europeus ou dos Estados Unidos, permite que os arquivos “adquiram ativamente tanto os documentos oficiais quanto as grandes quantidades de material particular em toda mídia documental que se relacionem com a vida em sua instituição ou região”49. No Canadá e nos Estados Unidos, tem havido nos últimos trinta anos uma preocupação especial de adquirir legado documental em todas as formas: filmes, fotografias, vídeo, gravações de som e gravações eletrônicas. E a tradição arquivística do Canadá tem se enriquecido especialmente por combinar as tradições arquivísticas inglesa e francesa. Ao longo da minha discussão sobre avaliação, gestão e descrição de arquivos, a influência dessas três tradições se mostrará evidente.

O segundo ponto introdutório que quero destacar é óbvio, mas merece ser enfatizado. Como meus colegas na Itália estudam possíveis orientações para o desenvolvimento da teoria, política e prática arquivísticas no próximo século, é importante lembrar de onde viemos. “O passado é prólogo” é um aforismo familiar para muitos arquivistas na América 47 Relatório da Associação Histórica Americana, 1912, p. 250. 48 R. Berner, Archival Theory and Practice in the United States: A Historical Analysis, Seattle, University of Washington Press, 1983, pp. 1-2. 49 Canadian Archives: Report to the Social Sciences and Humanities Research Council of Canada by the Consultative

Group on Canadian Archives, Ottawa, Social Sciences and Humanities Research Council, 1980, p. 63.

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do Norte. É importante, no contexto das discussões sobre as direções futuras das teorias arquivísticas, que nos lembremos do intento deste axioma, o qual com o seu tom definitivo, como observou Lester J. Cappon, “proclama uma proposta perene, uma ordem irrefutável, quer seja na função de governo, na administração de uma empresa privada ou na vida cotidiana de uma pessoa impelida por necessidade ou desejo”50. Se nos interessa saber para onde estamos indo, devemos saber de onde viemos.

A fim de prover um contexto para minhas observações sobre a teoria arquivística na América do Norte, penso que seria útil compreender o que é “tornar-se” e “ser” um arquivista na América do Norte. Para entender a base de algumas das proposições que farei, é importante entender o contexto arquivístico canadense se não o norte-americano, do qual ele deriva. Em diferentes graus, a educação arquivística, até recentemente, desenvolvia-se com a experiência e não com a educação formal em ciência arquivística51. Isso está começando a mudar agora, no Canadá, com o estabelecimento de quatro programas de graduação em estudos arquivísticos nas universidades canadenses (dois no Canadá de língua inglesa e dois em Quebec) e muitos arquivos estão incluindo a graduação em um desses programas como parte da qualificação educacional para o cargo de arquivista.

Avaliação

Escolhi três tópicos para discussão: avaliação, gestão de documentos e descrição. Esses três tópicos, quando considerados num contexto norte-americano, levantam questões significativas sobre como vamos atuar como arquivistas no próximo século. O primeiro tópico que quero apreciar é a avaliação. Ela tem sido uma preocupação constante dos arquivistas norte-americanos. Nós temos tido que lidar com um enorme volume de arquivos governamentais gerados em vastas quantidades no período após a Segunda Guerra Mundial e virtualmente todos os dias somos requisitados a tomar decisões sobre o que conservar e o que descartar. Na ausência de uma construção teórica sólida, os critérios que temos aplicado a decisões de avaliação têm sido muito pragmáticos e, freqüentemente, muito subjetivos. Richard Berner, um arquivista americano formado na tradição dos manuscritos históricos, já em 1983 caracterizou o desenvolvimento de um corpo de teorias de avaliação como “básico” e, conseqüentemente, necessitando de atenção urgente, e alertou que, “se demorarmos muito mais, nós todos seremos sufocados por papéis inúteis e por todas as formas de documentos eletrônicos, tornando-nos incapazes de distinguir entre o que vale a pena salvar e todo o resto”.52

Theodore Schellenberg, um arquivista americano da tradição do Arquivo Público, escreveu muito sobre o tema da avaliação, mas seus argumentos foram em geral uma resposta prática à pressão de um problema. Schellenberg foi o primeiro a incluir a idéia de seleção na definição de arquivo por causa da estreita ligação da seleção com a gestão de documentos53.

50 L. J. CAPPON, What, Then, Is There To Theorize About? in “The American Archivist”, 45, N.º 1 (Inverno 1982), p.

19. 51 Terry Eastwood, em seu relato da evolução do pensamento sobre arquivos na América do Norte, observou que “a

abordagem norte-americana, por sua própria natureza, raramente produziu sínteses de idéias, às quais, pressupõe-se, deve-se chegar empiricamente”: Unity and Diversity in the Development of Archival Science in North America, estudo não publicado [agora em Studi sull´archivistica. Atti della Giornata di studio, Roma, Archivio di Stato, 21 sett. 1989, editado por Elio Lodolini, Roma, 1992, pp. 87-100, N.d.C.].

52 R. Berner, Archival Theory and Practice..., cit., pp. 6-7. 53 R. S. STAPLETON, The Ideas of T. R. Schellenberg on the Appraisal, Arrangement, and Description of Archives,

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A gestão de documentos se desenvolveu no Arquivo Nacional dos Estados Unidos, na segunda metade da década de 1930, muito como uma ferramenta administrativa para controlar a destinação de grandes volumes de documentos, e Schellenberg via a função de avaliador do arquivista como “o aspecto positivo do problema da destinação dos documentos [e] o descarte de documentos como o aspecto negativo”54. Schellenberg é provavelmente mais conhecido pelos termos “valor probatório” e “informativo”, que ele introduziu no léxico da terminologia arquivística, junto com “valor primário” e “secundário”. Schellenberg postulou que os arquivos públicos possuíam dois tipos de valores. Valores primários aplicavam-se à repartição produtora dos documentos e era responsabilidade dela, assistida pelo arquivista, identificar tais valores em seus documentos. Depois que os documentos públicos eram transferidos para o arquivo, eles ganhavam, com o tempo, valores secundários ou residuais para outras repartições ou outros usuários do arquivo55. Schellenberg via o papel do arquivista como vital para determinar valores secundários, os quais poderiam ser de dois tipos: probatório e informativo. O valor probatório, para Schellenberg, significava “um valor que depende da importância do objeto em evidência, isto é, a organização e o funcionamento do órgão que produziu os documentos”56. Documentos possuidores de valores informativos são aqueles que contêm informações sobre indivíduos, organizações, eventos, problemas e uma variedade de condições sociais. Conseqüentemente, documentos que se determinou terem valor informativo ou de pesquisa seriam avaliados por seu conteúdo.

A abordagem da avaliação de Schellenberg era pragmática e penso que não é injusto dizer que a terminologia introduzida por ele tem sido mal compreendida e, com freqüência, aplicada incorretamente pelos arquivistas57. Além de nossa terminologia poder ser mal usada na teoria da avaliação arquivística, esse não é o único problema que enfrentamos. À medida que marchamos para o século 21, a tecnologia, assim nos é dito, nos forçará a reconsiderar nossas visões tradicionais da avaliação da informação documentada por seu valor arquivístico. O desenvolvimento do disco ótico e da fita de áudio digital (para citar apenas duas das várias novas tecnologias de armazenamento de dados), juntamente com sistemas de informação de dados eletrônicos que já estão conosco há algum tempo, faz alguns arquivistas olharem seu futuro com muita apreensão. É questionável, no entanto, que tenhamos que olhar o próximo século com tanta inquietação. Lembro-me de que, em meados dos anos 70, quando os processadores de palavras apenas começavam a aparecer nos escritórios, inclusive em alguns arquivos, falou-se muito no surgimento de uma sociedade “sem papéis”. Esses boatos deixaram muitos arquivistas, responsáveis pelos documentos textuais mais tradicionais, sentindo-se alternadamente ameaçados e eufóricos. Ameaçados devido às nossas maneiras tradicionais de avaliar, classificar e descrever documentos, que parecia a eles estar destinada a passar por mudanças radicais; eufóricos porque não teríamos mais que enfrentar o crescente dilúvio de papéis despejados sobre nós.

Na verdade, a sociedade sem papéis ainda não se materializou. A proliferação de microcomputadores e impressoras resultou num aumento da quantidade de papel

Tese de Mestrado em Estudos Arquivísticos, Universidade da Colúmbia Britânica, 1985, p. 61.

54 Ibid., p. 62. 55 T. R. SCHELLENBERG, Modern Archives, Principles and Techniques, Chicago, University of Chicago Press, 1956,

p. 133. 56 Ibid., p. 139. Schellenberg acreditava que os documentos possuidores de valor probatório “são aqueles necessários

para fornecer uma documentação autêntica e adequada de sua organização e funcionamento”. 57 R. S. STAPLETON, The ideas..., cit., pp. 68-69.

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consumido pelas burocracias só igualado pela proliferação de fotocopiadoras desde os anos 60. O que os adivinhos não levaram em conta, durante aquele estonteante início da expansão dos computadores, foi que os seres humanos que iam usá-los não mudariam tão depressa quanto sua tecnologia. Embora a transformação dos escritórios esteja em curso, a transformação das máquinas tem acontecido mais rapidamente que a das pessoas que as usam58.

Eu continuo duvidando de que esses desenvolvimentos aparentemente novos, muitos dos quais relacionados à tecnologia, justifiquem tanta comoção entre os arquivistas59. Em alguns aspectos, o computador tem auxiliado o arquivista na função de avaliar, servindo como um instrumento auto-seletor antes de empreendermos a nossa avaliação dos documentos eletrônicos em sua forma final. O número de sucessivos rascunhos que sobrecarregavam os arquivos administrativos é agora depurado até que, freqüentemente, apenas a versão final seja encaminhada ao arquivo. Além disso, a maior parte da documentação originária de formatos eletrônicos e que requerem validação para fins legais é reproduzida em um formato que pode ser aceito num tribunal, o que na maioria dos casos é em sua forma textual.

Subjacente a todos esses novos desenvolvimentos tecnológicos no campo do armazenamento de dados/informação está uma crença num progresso permanente e na idéia de que nossas vidas serão melhoradas por ele. Os arquivistas estão sendo chamados a adaptar-se a este mundo em rápida mudança que é o da tecnologia da informação, a fim de tomar decisões fundamentadas sobre avaliação. Os documentos eletrônicos apresentam, sim, problemas novos e específicos para os arquivistas: a base na qual a informação eletrônica reside é dependente do sistema, a mídia de armazenamento é extremamente frágil e a própria informação pode ser facilmente alterada60. Ademais, ao mesmo tempo em que a sociedade pode estar se beneficiando de muitas dessas mudanças, os arquivistas são deixados com perguntas espinhosas que desafiam suas idéias tradicionais sobre avaliação, descrição e gestão da informação gravada. Qual é o documento que está sendo avaliado? Onde ele está? Quem é o produtor do documento? Quando dois órgãos, independentemente ou em conjunto, manipulam uma base de dados compartilhada para obter resultados que apoiam seus objetivos programáticos, quem é o responsável por sua classificação? A máquina ou o órgão fornecedor dos dados? Todas essas perguntas levantam questões significativas para os arquivistas acostumados a trabalhar essencialmente com documentos textuais.

Por mais radical que a nova gestão da tecnologia de informação possa ser, os arquivistas não devem ser confundidos por sua “novidade” e mistério. Como nos lembra Barbara

58 No prefácio à segunda edição de seu exame da automação, John Diebold destacou que “nossa presente revolução

eletrônica se apoia numa herança de revoluções tecnológicas que nos permite ajustar-nos a mudanças quase inconscientemente. Isso é o que nos permite proclamar amplamente que há uma revolução e então virtualmente ignorar os complexos temas econômicos, comerciais e sociais que devemos dominar antes de podermos dizer que tivemos sucesso em nossa revolução”, in J. Diebold, Automation, New York, American Management Associations, 1983, p. xvii.

59 H. BOOMS, Society and the Formation of a Documentary Heritage, “Archivaria”, 24 (Verão 1987), p. 77. Booms argumenta que, embora a automação de EDP “ tenha se indispensável para nos ajudar a capturar e disponibilizar a documentação transmitida, ela também não ajudará a reduzir a enxurrada de informações. Reduzir a quantidade condensando qualitativamente o material arquivístico permanece a tarefa do arquivista como avaliador”.

60 NATIONAL HISTORICAL PUBLICATIONS AND RECORDS COMMISSION, Eletronic Records Issues, A Report to the Commission, Commission Reports and Papers. N.º 4 (Março 1990), National Archives and Records Administration, p. 3.

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Craig, em resposta às observações de Hugh Taylor sobre os desafios que os arquivistas enfrentam na era da informática, “os arquivos, como a memória, estão sempre em estado de transformação”61. Craig destaca “que a mudança é uma parte natural do ethos arquivístico. O valor e a utilidade do antigo devem ser constantemente combinados com condições novas a fim de também se estabelecerem os novos princípios para manter o equilíbrio da lei natural arquivística”. Craig considera a questão da relevância de princípios arquivísticos como proveniência e ordem original para dados gerados por computador e conclui que “ordem original – de fato, o próprio conceito de original – não tem significado neste ambiente”62. Esse será o desafio intelectual para os arquivistas no século 21: testar nossos princípios frente às mudanças revolucionárias que acontecerão na maneira como a informação é produzida, acumulada e usada.

Em vez de procurar o novo, Craig nos lembra da velha disciplina da diplomática, que, ela argumenta, “deveria ser resgatada como uma das, se não a principal atividade disciplinar dos arquivistas”. Vários outros arquivistas na América do Norte estão pedindo uma reavaliação da ciência da diplomática e sua aplicação na gestão de documentos modernos, incluindo os eletrônicos63. Ao longo da década de 1980, alguns arquivistas americanos articularam “estratégias de documentação” em resposta aos desafios colocados pela abundância de materiais arquivísticos gerados por burocracias cada vez mais sofisticadas que empregam tecnologias altamente sofisticadas, as quais estão mudando a natureza e a forma da informação64. Uma estratégia de documentação tal como esboçada por seus proponentes é um plano formulado para assegurar a documentação de uma questão, atividade ou área geográfica existentes; ...[e] é projetado, promovido e, em parte, implantado por um mecanismo permanente envolvendo produtores de documentos, administradores (incluindo arquivistas) e usuários65. Aqueles que têm experimentado a idéia de uma estratégia de documentação enfatizam que, como metodologia de avaliação, ela nunca pretendeu substituir a metodologia tradicional e, sim, ampliá-la66. Enquanto a estratégia propriamente dita pode ainda ser hipotética e pouco testada, uma leitura crítica da literatura sobre o assunto levanta perguntas sobre a relação da estratégia com princípios arquivísticos tradicionais. A estratégia é assentada em boas intenções: um genuíno desejo por parte dos arquivistas de preservar um documento de valor permanente. Contudo, os meios que ela propõe são altamente subjetivos e propensos à manipulação, baseados que são em:

1. escolha e definição do tópico a ser documentado;

2. seleção dos consultores e estabelecimento do local para estratégia;

3.estruturação da investigação e exame da forma e conteúdo da documentação disponível;

4. seleção e disposição da documentação67.

61 B. CRAIG, Meeting the Future by Returning to the Past: A Comentary on Hugh Taylor´s Transformations, in

“Archivaria”, 25 (Inverno 1987-88), p. 8. 62 Ibid., p. 9. 63 Ibid., Ver também L. DURANTI, Diplomatics: New Uses for an old Science, “Archivaria”, 28 (Verão 1989), p. 11. 64 H. W. SAMUELS, Who Controls the Past, in “The American Archivist”, Vol. 49, N.º 2 (Primavera 1986). pp. 109-

124. 65 Ibid., p. 115. 66 R. J. COX, A Documentation Strategy Case Study: Western New York, “The American Archivist”, Vol. 52

(Primavera 1989), p. 193. 67 H. W. SAMUELS, Who Controls..., cit., p. 116.

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A estratégia de documentação articulada por seus proponentes americanos é outra manifestação da tradição dos manuscritos históricos nos Estados Unidos. Ela também deriva da boa intenção dos arquivistas de encontrar uma maneira de lidar com quantidades volumosas de documentos complexos gerados por toda a sociedade através do desenvolvimento de uma estratégia de aquisições ativa, intervencionista. Tanto a tradição dos manuscritos históricos dos Estados Unidos quanto a tradição dos arquivos totais do Canadá podem levar a excessos. Por exemplo, o impulso para adquirir muitos tipos de documentos tem se baseado na orientação de servir à história e aos historiadores, com o resultado de que, em alguns casos, arquivistas tentam criar documentação onde não havia nenhuma.

A estratégia de documentação desenvolvida pelos arquivistas americanos na década de 1980 tem alguma semelhança com o modelo de documentação proposto por Hans Booms em 197168. “Dentro da estrutura pluralista da nossa moderna sociedade industrial, o propósito e o objetivo da formação arquivística do legado documental”, Booms argumenta, “só podem ser os de documentar a totalidade da vida pública como manifesta em comunidades formadas por interesses comuns ou outros laços” que pressupõem “que o conjunto da sociedade deve contribuir para o desenvolvimento e a implantação de métodos de avaliação do legado documental”69.

Ambos os modelos enfatizam a importância de engajar tantos grupos quantos possíveis (bibliotecários, gestores de informação, usuários e produtores de informação) no desenvolvimento de critérios para orientar os arquivistas nas decisões de avaliação. Como Hans Booms e outros analistas da avaliação arquivística notaram, saímos da função de aquisição de “sobras” do século XIX para a de uma seleção dentre a superabundância do século XX. De guardiões do que sobrava da herança documental da sociedade, passamos a selecionadores de uma porcentagem muito pequena da documentação que é produzida atualmente. A diferença entre Booms e os documentalistas americanos está em que ele defende a formação de um legado documental com a participação de toda a sociedade e não a partir de uma estratégia assentada em um plano de ação institucional. Seguindo a metodologia de Booms, “os arquivistas não devem especular sobre o que os futuros historiadores podem querer e, sim, produzir um documento que reflita os valores de hoje”70. À medida que nos aproximamos do século XXI, não há dúvida de que a sociedade nos verá como destruidores tanto quanto preservadores de informação. A esta altura, os arquivistas da América do Norte já começaram a reavaliar e, em alguns casos, eliminar documentos incluídos em suas instituições. Onde arquivistas como Schellenberg uma vez definiram o arquivo como documentos dignos de preservação permanente, ele é cada vez mais definido como documentos dignos de preservação continuada.71

Gestão de Documentos

A fim de administrar a superabundância de documentos no século XX, os arquivistas norte-americanos têm se apoiado intensamente nas técnicas de gestão de documentos para

68 H. BOOMS, Society and the Formation..., cit., pp. 69-107. 69 Ibid., pp. 106-107. 70 N. PEACE, Deciding What to Save..., pp. 10-11, in N. PEACE ed., Archival Choices Managing the Historical Record

in an Age of Abundance, Lexington, D. C. Heat, 1984. 71 R. S. STAPLETON, The ideas..., cit., p. 77.

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adquirir o acervo de grandes organizações corporativas, mais especificamente as dos governos.

O valor dos arquivos e dos arquivistas, geralmente, não tem sido bem compreendido na sociedade norte-americana. Em nenhuma parte isso é mais evidente que nas relações entre a gestão arquivística e a gestão documental. Os gestores de documentos, até recentemente, consideravam os arquivistas muitas vezes como obstáculos à administração eficiente do “fardo de documentos”. Os arquivistas, por outro lado, vêem aqueles apenas como um veículo para a aquisição de documentos. No Canadá e nos Estados Unidos, os arquivos nacionais de ambos os países têm tido a responsabilidade pela gestão dos documentos de seus respectivos governos federais. Conseqüentemente, o valor de seus programas arquivísticos foi freqüentemente demonstrado pela maneira como os programas de gestão de documentos pelos quais eles eram responsáveis conseguiram evitar custos. Mas, no setor privado e em alguns governos, tais programas são administrados independentemente de programas arquivísticos. Os gestores de documentos têm ficado com a responsabilidade pelo início do ciclo vital dos documentos (os estágios ativo e semi-ativo) enquanto os arquivistas têm sido relegados ao fim, ou ao estágio inativo do ciclo, em que os documentos são destruídos ou transferidos para o arquivo da organização, isso se um tiver sido providenciado. Nessas situações, o arquivista acaba tendo pouca autoridade para influir em decisões sobre retenção. O arquivista nesse ambiente é visto como, e tem pouca chance de ser mais que, um receptáculo passivo para documentos com valor arquivístico.

Esse não é um papel que a maioria dos arquivistas da América do Norte venha aceitando passivamente. Como Rick Berner apontou, “essencialmente, [a gestão de documentos] é um instrumento de avaliação de documentos”72. Uma tabela de temporalidade é, na prática, um documento de avaliação, registrando não só o tempo de manutenção dos documentos, mas quais podem ser destruídos no final e quais devem ser permanentemente preservados. De fato, é através do processo de gestão de documentos que os arquivistas norte-americanos se insinuaram no referido processo . O Estatuto do Arquivo Nacional do Canadá, por exemplo, designa aquela instituição como “o depósito permanente de documentos de instituições governamentais e de documentos ministeriais” e, além disso, lhe outorga a responsabilidade de facilitar “a gestão de documentos das instituições governamentais e de documentos ministeriais”. Na prática, os arquivistas do Arquivo Nacional do Canadá, e de muitos outros arquivos governamentais, têm o mandato e a autoridade para trabalhar com repartições públicas a fim de estabelecer meios efetivos de classificar documentos governamentais ao mesmo tempo em que têm a responsabilidade de estabelecer prazos de guarda.

A fim de administrar com alguma eficácia a superabundância de documentos gerados pelo governos, os arquivistas têm se esforçado para se envolver mais diretamente em funções ligadas à gestão de documentos. Em algumas jurisdições, os arquivistas contribuem para o projeto dos sistemas de classificação de arquivos. A razão para esse envolvimento é justificada, argumentaram alguns arquivistas, com base na economia e na eficiência. A quantidade de tempo investida na aquisição/avaliação e descrição quando os documentos são transferidos será substancialmente reduzida. Por exemplo, todos os documentos relacionados a funções administrativas comuns, como a administração de pessoal, edifícios e propriedades, equipamentos e suprimentos, e a administração financeira, podem ser categorizadas em séries de documentos uniformes. Se, quando o volume de informação

72 R. BERNER, Archival Theory..., cit., p. 180.

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documentada aumentar, não houver um aumento concomitante dos recursos destinados aos arquivos, os arquivistas terão que considerar meios mais eficazes e eficientes, para não dizer mais radicais, para adquirir e descrever arquivos dotados de valor permanente.

Tradicionalmente, têm sido atribuídas aos arquivistas a guarda e a custódia dos documentos e a responsabilidade pelo acesso tanto físico quanto intelectual ao acervo sob seus cuidados. Em vez de aceitar esse papel passivo na gestão de informações, os arquivistas terão que encontrar maneiras de ter uma participação mais ativa. Em nenhum lugar isso é mais imperativo que na área dos documentos eletrônicos. Tradicionalmente, os arquivistas examinam documentos, selecionam os que têm valor permanente e os armazenam em seus depósitos. Documentos eletrônicos, simplesmente pelo seu formato, não podem ser administrados dessa forma e desafiam muitas das técnicas que os arquivistas tradicionalmente empregam.

Conseqüentemente, os arquivistas agora estão discutindo novas estratégias para administrar eficientemente e assegurar a preservação dos documentos eletrônicos. Uma estratégia proposta é a que exige que o próprio produtor (ou produtores) das bases de dados em forma eletrônica se responsabilize pela manutenção continuada das informações de valor permanente. Neste modelo específico de gestão, o arquivo se torna um órgão de monitoramento e manutenção de padrões, supervisionando a obediência às políticas administrativas concernentes à conservação física dos documentos permanentes. Se os arquivistas têm um mandato regulamentado para gerir documentos ativos e semi-ativos, por que eles não podem também requerer descrições uniformes para documentos pertencentes a uma série documental comum? Alguns arquivistas responsáveis pela administração de programas de gestão de documentos do governo agora estão argumentando que funções descritivas podem ser realizadas pelos departamentos que estejam produzindo, acumulando e usando os documentos. O arquivista, nesse modelo, seria então responsável pela obediência a numerosos padrões de gestão / conservação / descrição de documentos para garantir que os princípios e padrões arquivísticos sejam observados.

Até recentemente, a visão tradicional do ciclo vital dos documentos era como um “continuum” baseado em atividade. Em seu estágio ativo, os documentos são produzidos, armazenados e consultados. Uma vez que não sejam mais necessários para propósitos administrativos imediatos, eles são removidos das dispendiosas áreas de trabalho e transferidos para econômicos depósitos de documentos (arquivos intermediários). Durante esse estágio semi-ativo, a freqüência das consultas diminui até que, num tempo prescrito em uma tabela de temporalidade, os documentos ou são destruídos ou transferidos para um arquivo. Em 1985, uma alternativa a esse modelo tradicional para descrever o ciclo vital dos documentos foi proposto por Jay Atherton, um arquivista canadense. O modelo que ele propôs é baseado em serviço em vez de freqüência de atividade, e inclui uma variedade de funções comuns a uma variedade de especialistas em gestão de informações, incluindo arquivistas, bibliotecários, documentalistas de informações e gestores de documentos. Essas funções incluem produção e recepção, classificação, avaliação, análise quanto à confidencialidade, manutenção e uso.73

O que é atraente nesta nova visão do relacionamento entre arquivo e gestão de documentos é que nela há lugar para todos os gestores de informação na área de produção, uso, 73 J. ATHERTON, From Life Cycle to Continuum: Some Thoughts on the Records Management Archives Relationship,

in “Archivaria”, 21 (Inverno 1985-86), pp. 43-51.

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armazenagem, recuperação e conservação permanente de documentos. É um modelo que fornece uma ponte para os arquivistas, gestores de informação e bibliotecários chegarem ao próximo século permitindo a essas profissões, que um dia estiveram separadas, trabalhar cooperativamente para disponibilizar todas as formas de informação à sociedade.

Descrição

O modo como nós arquivistas avaliamos, classificamos e descrevemos nossos acervos nos distingue de todos os outros profissionais74. Ainda assim, também nesse aspecto pontes para outras profissões, especialmente a de bibliotecário, estão sendo construídas. Embora a classificação e a descrição possam constituir uma de nossas marcas distintas, só recentemente os arquivistas da América do Norte têm lhe dado maior atenção.

A história do desenvolvimento dos padrões e das regras para a descrição dos materiais arquivísticos foi comparada a uma “reforma” por um de seus arquitetos75. O desenvolvimento dos padrões e normas descritivas tem se apoiado fortemente em metodologias bibliográficas, especialmente em padrões internacionais para trocas de informações sobre acervos em bibliotecas e formatos de comunicação como, CANMARC, USMARC e UKMARC. Ao adotar e adaptar essas metodologias, os arquivistas da América do Norte se esqueceram de levar em consideração a experiência da comunidade bibliotecária. Um dos pontos altos da longa história do desenvolvimento de padrões e regras para os catálogos que descrevem materiais publicados (os quais incluíam, além de livros, materiais cartográficos, gravações de som, filmes, gravações em vídeo, materiais gráficos e arquivos de computador) foi um acordo internacional entre bibliotecários em torno de uma declaração de princípios relativa, entre outras coisas, às funções e à estrutura do catálogo76. Os princípios foram divulgados em 1961, em Paris, e tornaram-se conhecidos como os Princípios de Paris. Muitos desses princípios tinham sido propostos por Charles Ammi Cutter um século antes.

Uma vez que esses princípios que governam certos aspectos da catalogação bibliográfica foram aceitos, os países puderam desenvolver uma codificação sistemática de regras de catalogação77. Os primeiros passos para uma codificação internacional na América do Norte foram dados pelos Estados Unidos e Canadá que, junto com a Grã-Bretanha, produziram o primeiro conjunto de Regras de Catalogação Anglo-Americanas em 1967 (conhecidas como Aacr, em inglês). Uma grande revisão dessas regras foi publicada em 1978 (Aacr2) e essa segunda edição acaba de ser também revisada78. Também é importante notar que no intervalo entre a publicação dessas sucessivas edições de códigos de catalogação para

74 Sobre classificação e descrição, Berner observa que “classificação e descrição são unicamente arquivísticas. Elas

representam um corpo de práticas coerentes e derivadas de uma perspectiva única em relação ao material e que não é objeto da atenção de qualquer outra profissão”: R. BERNER, Archival Theory..., cit., p.5.

75 S. HENSEN, Squaring The Circle: The Reformation of Archival Description in AACR2, in “Library Trends”, Vol. 36, N.º 3 (Inverno 1988), pp. 539-552.

76 INTERNATIONAL FEDERATION OF LIBRARY ASSOCIATIONS, Statement of Principles adopted at the International Conference on Cataloguing Principles, Paris, Outubro 1961, edição anotada com comentários e exemplos de Eva Verona, do Comitê de Catalogação da IFLA de Londres, 1971.

77 O objetivo dos Princípios de Paris “era que eles formassem a base da padronização internacional e que os códigos futuros que os tomassem como base a seguissem”: M. GORMAN, Yesterday´s Heresy. Today´s Orthodoxy; An Essay on the Changing Face of Descriptive Cataloguing, in “College & Research Libraries”, Novembro 1989, p. 627.

78 M. GORMAN and P. W. WINKLER, eds., Anglo-American Cataloguing Rules, 2a ed. revisada, Ottawa, Canadian Library Association, 1988.

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bibliotecários, começou a elaboração de um Padrão Internacional para Descrições Bibliográficas (Isbds) sob os auspícios da Federação Internacional de Associações Bibliotecárias. Vários Isbds foram publicados com o propósito de:

a) criar um sistema no qual documentos de diferentes fontes ou países possam ser facilmente integrados a catálogos bibliotecários de qualquer outro país;

b) auxiliar na interpretação de documentos quebrando barreiras de idiomas; e

c) auxiliar na conversão de documentos bibliográficos para o formato eletrônico.79

Assim, tendo-se estabelecido os padrões a partir dos princípios consensualmente aceitos, o desenvolvimento de um formato automatizado de comunicações permitiu a troca de informações através de redes automatizadas80. É importante que os arquivistas se lembrem de que o principal propósito do desenvolvimento de padrões internacionais no mundo bibliotecário foi melhorar a troca de informações sobre documentação nas bibliotecas, nos âmbitos local, nacional e internacional e, assim, beneficiar seus usuários.

Enquanto os bibliotecários conseguiram, depois de muitos anos, um consenso sobre certos objetivos fundamentais em torno do desenvolvimento de padrões e regras para a descrição de seus acervos, os arquivistas ainda não alcançaram esse consenso. O desenvolvimento de normas arquivísticas e de um formato de comunicação para o compartilhamento de dados descritivos que está ocorrendo no Canadá e nos Estados Unidos reflete os imperativos nacionais de cada país. No Canadá, o compromisso tem sido, até recentemente, com a abordagem tradicional da resolução de necessidades nacionais; nos Estados Unidos, o pragmatismo e as exigências do momento têm freqüentemente ditado a forma das soluções nacionais.

Em 1977, a Sociedade dos Arquivistas Americanos estabeleceu a Força Tarefa dos Sistemas Nacionais de Informação (Nistf) para estudar as práticas descritivas existentes e recomendar um conjunto mínimo de elementos informativos para a descrição arquivística81. Esses objetivos sofreram algumas modificações no curso do mandato da Força Tarefa e, quando completou seu trabalho, ela tinha produzido, entre outras coisas, um padrão abrangente de elementos de descrição aplicável tanto a sistemas automatizados quanto manuais82. Desde o começo, uma das forças atuando sobre o interesse americano no desenvolvimento de descrições padronizadas dos materiais arquivísticos foi a automação. A competição entre dois projetos de bases de dados pelo endosso da Sociedade dos Arquivistas Americanos, em 1977, fez a SAA estabelecer a Nistf. A produção de um elemento de descrição padrão finalmente resultou no desenvolvimento de um Catálogo Eletrônico para Controle de Arquivos e Manuscritos (o Marc-Amc) que foi aprovado para uso pela Biblioteca do Congresso, o SAA e o comitê dos padrões de catalogação da Associação das Bibliotecas Americanas em 198383. Foi então que os arquivistas dos Estados Unidos tiveram um padrão de estruturas de dados automatizados indicando os 79 Toward Descriptive Standards. Report and Recommendations of the Canadian Working Group on Archival

Descriptive Standards, Ottawa, Bureau of Canadian Archivists, 1985, pp. 20-21. 80 GORMAN, Principles, Standards, Rules and Applications, in R. W. MANNING, ed., AACR2 Seminar Papers,

Ottawa, Canadian Library Association, 1981, pp. 89-97. 81 R. H. LYTLE, A National Information System for Archives and Manuscript Collections, in “The American

Archivist”, vol. 43, N.º 3 (Verão 1980), p. 429. 82 R. H. LYTLE, An Analysis of the National Information System Task Force, in “The American Archivist”, vol. 47, N.º

4 (Outono 1984), pp. 362-3. 83 Ibid., p. 363 e S. Hensen, Squaring the Circle..., cit., p. 542.

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elementos que deveriam ser incluídos em uma descrição arquivística. Se o padrão de estruturas de dados devia beneficiar os arquivistas, eles ainda precisavam de padrões de conteúdo (ou normas para descrição arquivística) para orientá-los em suas descrições e, assim, garantir alguma uniformidade na maneira de descrever materiais arquivísticos84.

Enquanto a Nistf estava desenvolvendo um formato de comunicação capaz de adaptar os elementos descritivos bibliográficos às necessidades arquivísticas, vários manuais de catalogação estavam sendo desenvolvidos para várias mídias arquivísticas pela equipe da Biblioteca do Congresso, com assistência financeira do Fundo Nacional das Humanidades85. Esses manuais de catalogação indicariam os padrões de conteúdo (as normas) e a orientação para os arquivistas na redação de descrições destinadas aos novos formatos automatizados.

Esses manuais enfatizavam as descrições em nível coletivo e individual. Vindos da Divisão de Manuscritos da Biblioteca do Congresso, eles também focavam mais a descrição de “coleções manuscritas” em bibliotecas de pesquisa e sociedades históricas, em vez de documentos públicos de arquivos governamentais. Uma explicação para isso era que algumas das principais bibliotecas de pesquisa tinham estabelecido seus próprios sistemas de informação e estavam ansiosas para incluir registros descritivos arquivísticos em sua base de dados. Assim, a influência da tradição dos manuscritos históricos nos Estados Unidos, enraizada que é na biblioteconomia prevaleceu sobre a tradição dos arquivos públicos no desenvolvimento de normas para a descrição de materiais arquivísticos.

Entender como e por que a profissão arquivística canadense se empenhou no desenvolvimento de padrões descritivos para materiais arquivísticos é instrutivo, especialmente quando comparado a desenvolvimentos semelhantes nos Estados Unidos.

No começo dos anos 80, os esforços da categoria arquivística no Canadá para conseguir apoio para o desenvolvimento de padrões para a ordenação e descrição de materiais arquivísticos receberam um grande reforço, quando o Conselho de Pesquisas em Ciências Sociais e Humanidades cedeu ao Bureau dos Arquivistas Canadenses (que representa a categoria arquivística no Canadá) $ 97.250 para apoiar um Grupo de Trabalho de Padrões Descritivos Arquivísticos. Embora alguns dos objetivos do Grupo de Trabalho Canadense em busca de padrões descritivos arquivísticos fossem semelhantes aos da Força Tarefa dos Sistemas Nacionais de Informações nos Estados Unidos, os resultados de seu trabalho foram consideravelmente diferentes86. Ao contrário da Nistf, o Grupo de Trabalho Canadense tinha apenas um ano “para produzir um grupo de propostas para adoção pela

84 D. BEARMAN, Strategy for the Development and Implementation of Archival Description Standards. Trabalho

apresentado no Encontro Invitatório de Especialistas em Padrões Descritivos, Ottawa, International Council of Archives, 1988, p. 3. Além dos padrões de estrutura e de dados, Bearman inclui padrões de valores de dados (listas terminológicas, por exemplo, listas de entrada de temas, tesauros, etc.) como outro tipo de padrão que precisa ser desenvolvido para propósitos descritivos. Essa construção foi articulada muito mais detalhadamente no Relatório do Grupo de Trabalho sobre Padrões para Descrição Arquivística, Archival Description Standards. Establishing a Process for Their Development and Implementation. February 1990, pp. 28-31. Estes relatórios e diversos textos anteriores foram publicados em “The American Archivist”, vol.52, N.º 4 (Outono 1989).

85 S. HENSEN, Squaring the Circle..., cit., pp. 540-542. Este manual inclui, além [do trabalho] de Steve Hensen, Archives, Personal Papers, and Manuscripts, Washington, Library of Congress, 1983, [os trabalhos de] E. Betz, Graphic Materials: Rules for Describing Original Items and Historical Collections, Washington, D. C. Library of Congress, 1982 e W. WHITE-HENSEN, Archival Moving Image Materials: A Cataloguing Manual, Washington D. C., 1985.

86 T. EASTWOOD, Improving the Retrieval of Information in Archives, in Archives, Automation & Access, Victoria, University of Victoria, 1985, p. 49.

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comunidade arquivística canadense na área de desenvolvimento de padrões e diretrizes para a descrição de materiais arquivísticos”87. O Grupo de Trabalho Canadense sabiamente reconheceu que eles não poderiam produzir padrões e regras descritivas em um ano. Em vez disso, seu relatório, apropriadamente intitulado “Em Direção aos Padrões Descritivos”, apresentou à profissão recomendações que poderiam levar ao desenvolvimento de padrões e regras descritivas se o apoio para esse complexo trabalho fosse disponibilizado. Suas recomendações afinal se tornaram a base de um processo de desenvolvimento de regras para descrição arquivística assumido pelo Bureau dos Arquivistas Canadenses com o suporte financeiro do Conselho Canadense de Arquivos.

Na verdade, foi fortuito que, à época da publicação do relatório do Grupo de Trabalho Canadense, os arquivistas estivessem procurando obter o apoio dos governos federal / provincial / territorial para um sistema arquivístico canadense. Seus esforços foram recompensados quando o ministro federal responsável pelo Arquivo Nacional do Canadá aprovou a criação do Conselho Canadense de Arquivos (CCA). O CCA realizou seu primeiro encontro em Novembro de 1985 e o Relatório da profissão arquivística, intitulado “Em Direção aos Padrões Descritivos”, foi publicado no mês seguinte88. As recomendações nele contidas foram levadas pelo Bureau dos Arquivistas Canadenses (representando a profissão arquivística no Canadá) ao CCA (representando as instituições arquivísticas do país) juntamente com uma requisição de fundos para o trabalho de desenvolvimento dos padrões descritivos. A aprovação do Estatuto dos Arquivos Nacionais do Canadá (que substituiu o Estatuto dos Arquivos Públicos de 1912) permitiu àquela instituição “encorajar as atividades e a comunidade arquivísticas”. Pela primeira vez o papel do Arquivo Nacional no apoio ao desenvolvimento da comunidade arquivística tinha uma base legal firme89. Havendo uma legislação que dava autoridade ao Arquivo Nacional para apoiar os esforços da profissão, ele pôde direcionar fundos para o apoio ao desenvolvimento de padrões descritivos no Canadá através do Conselho Canadense de Arquivos.

O Grupo de Trabalho Canadense fez várias recomendações – incluindo a indicação de comitês, que depois se tornariam grupos de trabalho - para desenvolver padrões de descrição para arquivos textuais, desenhos arquitetônicos, materiais iconográficos, materiais audiovisuais, materiais fonográficos e documentos eletrônicos. Além disso, o Grupo de Trabalho Canadense recomendou o desenvolvimento do catálogo de autoridade, o uso de regras do AACR2 para a formação de nomes pessoais, geográficos e corporativos, e a investigação de questões e problemas relacionados à indexação de arquivos. Em sua última reunião, os autores do Relatório recomendaram ao Bureau que um Comitê de Padrões fosse estabelecido para assegurar que suas recomendações específicas fossem executadas e para direcionar de forma geral o trabalho de desenvolvimento de padrões descritivos em função da profissão no Canadá.

Os membros do Comitê de Padrões eram: dois representantes da Associação dos Arquivistas de Quebec (AAQ) e dois representantes da Associação dos Arquivistas Canadenses (ACA). Em seu primeiro encontro, em janeiro de 1987, os membros do Comitê concordaram em incluir a Secretaria Geral do Bureau e um representante do Arquivo Nacional do Canadá como observador. Ao mesmo tempo, o Comitê também mudou o seu 87 Toward Descriptive Standards, cit., pp. 2-3. 88 The Canadian Archival System: A Report on the National Needs and Priorities of Archives, Resumo, Agosto 1989,

Ottawa, Canadian Council of Archives, 1989, pp. 3-5. 89 Statutes of Canada, 35-36 Elizabeth II, cap. 1, seção 4.

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nome para Comitê de Planejamento de Padrões Descritivos (PCDS, em inglês) para refletir mais adequadamente seu mandato como corpo de planejamento e administração. Desde então, foram estabelecidos vários grupos de trabalho correspondentes às várias mídias encontradas nos arquivos (por exemplo, material gráfico, documentos eletrônicos, desenhos arquitetônicos, documentos textuais e materiais fonográficos e audiovisuais) para esboçar regras para descrição das respectivas mídias nos níveis de fundo, série, tipo e item. Os primeiros dois capítulos de Regras para Descrição Arquivística (regras gerais para descrição e regras para a descrição de fundos de múltiplas mídias) serão publicados neste outono.

Precisarei de algum tempo para delinear o processo de desenvolvimento de padrões descritivos nos Estados Unidos e Canadá, a fim de mostrar como diferentes abordagens têm resultado em produtos completamente diferentes. O PCDS e seus grupos de trabalho têm conduzido suas atividades pela análise da descrição arquivística e certos axiomas fundamentais ou pressupostos comuns nos quais a descrição arquivística se baseia. Um desses pressupostos diz que os fundos podem ser descritos nos níveis de fundos, séries, tipos e itens. Os arquivistas dos Estados Unidos, por outro lado, não têm regras para descrição plenamente desenvolvidas que reflitam níveis múltiplos de classificação. Em vez de se basearem em classificação, os níveis de descrição são baseados na “proveniência ou forma física”90. Ao estruturar nossas regras em princípios que regem a natureza dos arquivos, nós canadenses nos aproximamos mais de uma estrutura como a desenvolvida por Michael Cook e Margaret Procter na Inglaterra91.

Ao mesmo tempo, o que importa enfatizar aqui é que não comprometemos os princípios arquivísticos no processo de desenvolver regras para a descrição dos arquivos. Quando nós, arquivistas, embarcamos num empreendimento de tal importância, é essencial compreendermos o que queremos dizer com descrição arquivística. Michael Cook caracteriza instrumentos arquivísticos de pesquisa como catálogos de representação estrutural92. Sugiro que a descrição arquivística deveria representar com a maior exatidão possível para os usuários o que existe em nossos arquivos, para que eles possam encontrar, tão independentemente quanto possível, o que estiverem procurando. A natureza dos arquivos, ao contrário da maioria do material publicado encontrado em bibliotecas, nos impede de fixar para sempre, ou pelo menos até um fundo ser fechado, uma descrição completa, por exemplo, da extensão física e datas-limite do fundo. Quando desenvolvemos regras para a descrição arquivística, devemos levar em conta a natureza fluida, orgânica, do material com que lidamos e dos princípios arquivísticos que regem as nossas práticas descritivas.

Os arquivistas aderem a certos axiomas que regem a maneira como classificam e descrevem um fundo, e esses axiomas forçosamente determinarão as regras para a descrição dos arquivos. Esses axiomas devem orientar os arquivistas na formulação de regras para a descrição de um fundo e suas partes. Há um axioma que sustenta que

90 S. HENSEN, Archives, Personal Papers and Manuscripts. A cataloguing Manual for Archival Repositories,

Historical Societies and Manuscript Libraries, Chicago, Society of American Archivists, 1989², norma 0.12, p. 5. 91 M. COOK, The Management of Information from Archives, Vermont, Gower Publishing Company Limited, 1986,

proporciona os fundamentos teóricos para Michael Cook e Margaret Procter, Manual of Archival Description, Vermont, Gower Publishing Company Limited, 1990² e seu complemento Mad User Guide, Vermon, Gower Publishing Company Limited, 1989.

92 M. COOK, The Management of Information from Archives, cit., p. 104.

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documentos produzidos ou acumulados por um produtor de documentos devem ser mantidos juntos e não misturados com documentos de outros produtores. Esse axioma é freqüentemente denominado “respect des fonds” (“respeito aos fundos”).

Um segundo axioma decorre da observância ao “respect des fonds”: a maneira como os arquivos são descritos depende de sua classificação. Está implícito no respeito do arquivista pela proveniência o pressuposto de que a maneira como um produtor “acumula documentos automática e organicamente” afetará a maneira como os arquivistas classificam um fundo. Este não pode ser descrito até que tenha sido classificado. Da mesma forma, os níveis de classificação determinarão os níveis de descrição e descrições precisas deverão representar os níveis relativos de classificação, por exemplo: fundo, série, tipo, item.

Outro axioma que rege a prática descritiva e deve ser examinado pede que todo trabalho descritivo proceda do geral para o específico93. A fim de contextualizar a descrição de uma série que seja parte de um fundo, deve-se ter a descrição do fundo do qual ela é parte. Os usuários devem conhecer o contexto no qual foram produzidos os documentos que estão consultando. Cabe aos arquivistas, portanto, ter o controle intelectual de seus acervos primeiro enquanto fundo, antes de passar à descrição das partes.

As regras para a descrição arquivística que estão sendo desenvolvidas pelos arquivistas canadenses não definem ou determinam produtos, isto é, as regras canadenses não impõem às instituições instrumentos de pesquisa de qualquer tipo especial. Em vez disso, as regras determinam apenas o conteúdo para uma variedade de elementos informativos que podem ser usados na descrição. Não endossamos quaisquer formatos de comunicação ou padrões estruturais de dados, como fazem os americanos, para trocar informações sobre acervos arquivísticos. Não obstante, sabemos que os catálogos eletrônicos conhecidos como o formato MARC, usado por bibliotecários, certamente podem acomodar as necessidades arquivísticas porque as regras que desenvolvemos são baseadas nas Regras Anglo-Americanas de Catalogação.

Tanto os canadenses quanto os americanos, à medida em que se desenvolvem padrões e regras para a descrição de material arquivístico, têm negado “a afirmação arquivística de que os arquivos são diferentes” e de que a natureza idiossincrática dos arquivos desafia a formulação de um formato padronizado para sua descrição94. Os meios que os canadenses e os americanos escolheram para atingir os mesmos fins são decididamente diferentes95.

Ainda há muito a fazer, especialmente em nível internacional. Alguns argumentariam que os “princípios” que discuti acima são realmente apenas suposições porque ainda não há unanimidade formal entre os arquivistas sobre sua natureza universal. Isso indica a necessidade de que um congresso internacional de arquivistas produza essa Declaração de Princípios, assim como os bibliotecários foram capazes de fazer em Paris em 1961.

Vários países desenvolveram, ou estão desenvolvendo, sistemas nacionais para controlar e 93 Jacques Ducharme refere-se a este princípio como “princípio de universalidade; isto é, que os arquivos devem ser

descritos como um todo antes que se possa empreender uma descrição detalhada das partes”, citada em C. COUTURE and J.-Y. ROUSSEAU, The Life of a Document, Montreal, Vehicle Press, 1987, p. 199.

94 H. LYTLE, An analysis of Work of the National Information System Task Force, cit., p. 365; Toward Descriptive Standards, cit., p. 78.

95 Em uma carta para o autor, uma americana intimamente envolvida com o desenvolvimento de padrões e regras descritivas nos Estados Unidos caracterizou a diferença entre as abordagens dos dois países deste modo: “... os americanos mergulharam com tudo na piscina e só no meio do caminho perceberam que ela não tinha água. Os canadenses estão enchendo a piscina primeiro”. Lisa Weber para Kent Haworth, 22 de junho de 1990.

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disponibilizar a informação contida nos arquivos. Nos níveis nacional e provincial, o Arquivo Canadense tem tomado decisões conscientes para adiar o desenvolvimento de sistemas automatizados até haver um acordo entre os profissionais em torno das regras para descrição arquivística. A experiência mostra aos administradores que os custos do desenvolvimento de sistemas automatizados são consideravelmente reduzidos se os padrões estiverem estabelecidos antes, e não depois, deles serem implantados.

Quando olhamos além da cena canadense, vemos que há um interesse crescente no desenvolvimento da informação internacionalmente compartilhada entre os arquivos. Os cuidados necessários ao desenvolvimento de sistemas automatizados locais e internacionais ligados são igualmente relevantes na arena internacional. Acredito que uma reunião internacional de arquivistas seja necessária para discutir e chegar a algum tipo de acordo sobre os propósitos gerais da descrição arquivística e sobre os princípios nos quais baseamos nosso trabalho descritivo. Esse é um primeiro passo, essencial a qualquer iniciativa internacional, a ser dado no desenvolvimento de padrões, regras e aplicações comuns. O Conselho Internacional de Arquivos convidou um grupo consultivo a Paris em dezembro de 1989 “com o propósito de planejar uma ação internacional de longo prazo para o desenvolvimento de padrões descritivos para arquivos96. Esse grupo acordou que, antes de qualquer desenvolvimento de padrões descritivos internacionais ser efetuado, uma declaração de princípios relativa à descrição arquivística deveria ser preparada.

Conclusão

Quando pensamos no próximo século, percebemos que os arquivistas enfrentarão desafios cada vez maiores em seus trabalhos mais vitais: avaliação, classificação e descrição. Ao aceitar esses desafios, os arquivistas nunca deverão perder de vista os princípios fundamentais que têm guiado seu trabalho ao longo de muitos anos. Em meio a todos os esforços visando a enfrentar esses desafios, surgem muitas idéias novas, freqüentemente para resolver velhos problemas. Os romanos, creio, se referiam a um indivíduo com idéias novas a quem eles se opunham como novus homo, ou “homem novo”, uma forma de insulto e não de aprovação. Novidade, o que os romanos entendiam muito bem, não garante qualidade97. Os arquivistas precisarão de boas idéias, não necessariamente novas idéias, para enfrentar suas responsabilidades no século XXI98. No curso de nossa análise dos novos problemas que enfrentaremos para administrarmos nossa herança documental com responsabilidade no futuro, seria bom recordarmos os princípios nos quais nossa profissão é baseada.

96 Hugo L. P. Stibbe para o Grupo de Trabalho de Padrões Descritivos, 5 de julho de 1990. Um dos primeiros itens da

agenda do Grupo de Trabalho será a discussão do esboço da “Declaração de Princípios” para o desenvolvimento dos padrões descritivos arquivísticos. O Departamento de Padrões Descritivos Arquivísticos do Arquivo Nacional do Canadá concordou em coordenar os esforços para desenvolver os padrões descritivos internacionais.

97 A. TREVOR HODGE, New Blood (uhg), New Ideas (shudder), in “The Globe & Mail”, 22 Março 1990, p. A7. 98 Luciana Duranti sugere que “talvez o nosso futuro esteja no nosso passado”, um sentimento ecoado por Barbara Craig

em sua resposta ao questionamento de Hugh Taylor sobre a validade dos princípios arquivísticos tradicionais quando aplicados aos documentos eletrônicos. Craig lembra-nos de que “se os meios e os objetivos mudam, o foco arquivístico essencial na diplomática, no contexto, no significado, não deve mudar se nós formos guardiões responsáveis dos documentos eletrônicos”: L. DURANTI, The Odyssey of Records Managers, in “Arma Quarterly”, Outubro 1989, p. 10; B. CRAIG, Meeting the Future..., cit., p. 10.

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DOCUMENTANDO A ATIVIDADE DE CIENCIA E TECNOLOGIA: PRINCIPAIS QUESTÕES

Maria Celina Soares de Mello e Silva99

Introdução

A preservação de registros e documentos produzidos pela atividade científica e tecnológica é uma questão amplamente debatida. Muitas experiências têm sido narradas em artigos e em apresentações em eventos científicos. Dificuldades vencidas e ainda em reflexão têm sido motivo de reuniões e debates entre os arquivistas. Muito se tem falado sobre a preservação dos documentos considerados intermediários, aqueles que são produzidos, trabalhados e manipulados antes do produto final da pesquisa. A literatura tem mostrado que separatas, artigos e relatórios são preservados e que os cientistas reconhecem a importância da preservação destes documentos. Este artigo visa a analisar experiências em documentar a prática científica e tecnológica, destacando duas experiências que apontam as principais dificuldades encontradas e algumas soluções.

Em 1995, a revista Janus, editada pelo Conselho Internacional de Arquivos – CIA, na sua edição nº 2, foi dedicada aos seminários sobre arquivos científicos e técnicos, ao ensino da arquivística e às áreas técnicas do prédio de arquivo. Dessa edição, destaco dois trabalhos que narram experiências européias de documentar a ciência e a tecnologia, sendo uma em âmbito nacional100, na Suécia, e o outro no âmbito de uma universidade, a Heriot-Watt, na Grã-Bretanha101. Ambos os artigos iniciam seu título com o verbo documentar no gerúndio, o que me levou a comparar seu conteúdo. Resumindo o conteúdo de cada um, no primeiro artigo os autores Jonsson e Reksten relatam que o Arquivo Nacional da Suécia iniciou uma campanha para a preservação do material de arquivo gerado pela atividade científica e tecnológica. Essa campanha resultou em dois projetos: o primeiro foi realizado pela Royal Institute of Technology, que entrevistou cientistas e administradores para definir o que deveria ser preservado. O segundo projeto visava salvar e preservar documentos para o uso futuro, trazendo a idéia da análise secundária, ou seja, o uso dos dados de pesquisa para outros propósitos. Esse artigo nos traz muitas informações e aborda questões importantes com que se depara o arquivista que toma para si a tarefa de preservar os documentos produzidos pela ciência e tecnologia. Traz algumas conclusões e levanta discussões que serão analisadas adiante. No segundo artigo, o autor Reid destaca a iniciativa da Universidade Heriot-Watt em documentar sua atividade científica e tecnológica. Ele diz que o arquivo foi criado em 1982 por um bibliotecário preocupado com uma possível perda de documentos durante mudança para o novo campus. Esse artigo aborda as dificuldades enfrentadas e algumas questões que são semelhantes às do primeiro artigo, e que serão analisadas aqui. Principais questões Da leitura destes dois artigos, analiso, primeiramente, as três questões comuns a ambos,

99 Arquivista, Coordenadora de Documentação em História da Ciência do Museu de Astronomia e Ciências Afins/MCT,

Mestre em Memória Social e Documento pela Uni-Rio e doutoranda em História Social pela USP. 100 Jonsson, Christina e Reksten, Eli Hjorth. Documenting science and technology: the Swedish perspective. Janus, n. 2,

1995, p. 29-33. 101 Reid, Norman. Documenting Science and Technology at the Heriot-Watt University. Janus, n. 2, 1995, p. 34-40.

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entendendo que estas devem ser justamente as mais emergentes enfrentadas na tarefa de documentar a produção científica e tecnológica e que, portanto, merecem destaque. São elas: 1) a guarda de aparatos e modelos nos arquivos; 2) a reutilização dos dados da pesquisa; 3) o papel do arquivista e sua relação com o cientista; 1) a guarda de aparatos e modelos nos arquivos No texto sueco, Jonsson e Reksten ressaltam a questão da destinação dos aparatos e modelos científicos. Esse é um tema problemático e que pode levar a equívocos de condução. Na Suécia, durante o projeto realizado no âmbito do Royal Institute of Technology, em 1987, essa discussão teve como foco principal os modelos produzidos pelos estudantes de arquitetura. A questão era se esses modelos deveriam ser conservados e se os objetos seriam algo a se manter nos arquivos. Caso fosse decidido que sim, perguntava-se até qual extensão. A solução encontrada foi a guarda no arquivo somente das fotos dos modelos. Essa solução satisfaz aos propósitos e à natureza dos arquivos, preservando os registros sobre essa produção. O artigo não mencionou o destino dado a esses modelos, mas a questão arquivística parece ter sido solucionada. Já no caso da Universidade de Heriot-Watt, o problema foi maior porque o arquivo da Universidade abrigou os artefatos históricos a ponto de tornar-se depósito deles. Embora os arquivistas sintam desconforto por essa responsabilidade, eles entenderam que não havia outro organismo para desempenhar esse papel visto que, pelo entendimento da Universidade, o arquivo tem o benefício do conhecimento do contexto histórico102. Assim, tornou-se um local óbvio para abrigar o material entendido como o embrião de uma coleção museológica, segundo os autores. Esse fato exemplifica muito bem a falta de compreensão do que seja documento de arquivo e os enganos cometidos em nome da preservação dos registros produzidos pela ciência e tecnologia. Essa questão é bastante emergente e já foi destacada em diversos textos, principalmente em casos de desenvolvimento de protótipos na área tecnológica. A preservação desses aparatos ou instrumentos é uma preocupação arquivística no que se refere aos seus registros. O fato de esse tema ter sido citado em ambos os artigos vem ressaltar sua importância. 2) a reutilização dos dados da pesquisa Outro aspecto abordado pelos dois textos é a possibilidade de reutilização dos dados da pesquisa. Jonsson e Reksten nos contam que, na Suécia, foi elaborado um projeto sobre os pré-requisitos para uso futuro dos dados com o objetivo de trazer a idéia da análise secundária, ou re-análise do uso dos dados da pesquisa para outros propósitos. E também novos projetos para a reflexão de pesquisadores e administradores de pesquisa para estimular a discussão sobre essas pesquisas103. Esse projeto trouxe alguns resultados conforme foram citados pelos autores:

102 Reid, opus cit., p. 39. 103 Jonsson e Reksten, opus cit., p. 30 .

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a) o desenvolvimento de rotinas de trabalho para a documentação do material da pesquisa e o aumento do conhecimento e do interesse em documentar a pesquisa entre os próprios pesquisadores; b) uma cooperação singular entre a equipe administrativa e pesquisadores da ciência; c) os projetos deram início à perspectiva de novo uso de exploração para os dados existentes da pesquisa. A cooperação profissional citada é resultado do projeto de arranjo e catalogação dos documentos oriundos da pesquisa104. Essa questão é importante porque a interação dos cientistas com os administradores foi pouco explorada na literatura, em comparação com a relação entre cientistas e arquivistas, que foi mais abordada e analisada inclusive nesses dois artigos. Os autores assinalam, ainda, que na Universidade Linkoping foi criada uma Diretoria de Avaliação com o objetivo de avaliar os documentos criados por cada projeto de pesquisa e fornecer recomendações ao Arquivo Nacional sobre o valor dos documentos. Mas ressaltam que essa Diretoria esteve inativa nos últimos anos. Essa descontinuidade nos sugere que a tarefa não foi tão fácil de executar, mas os autores não deram explicações sobre as razões pelas quais este trabalho foi descontinuado. 3) o papel do arquivista e sua relação com o cientista Outro ponto em comum e muito explorado nos dois textos é o papel do arquivista e sua relação com o cientista. Vamos tentar separar o que foi dito com relação à postura do arquivista, com os exemplos da relação profissional com cientistas. Da experiência da universidade Heriot-Watt, Reid enfatiza que o arquivista deve estar envolvido no trabalho de documentação durante todo o processo da pesquisa e não apenas no final, depois do próprio cientista ter avaliado os documentos. Esse fato merece destaque porque, segundo os autores, existe a suspeita, por parte dos cientistas, dos motivos do arquivista no que se refere à confidencialidade; e o autor ainda enfatiza que isso é perfeitamente razoável e quase sempre justificável. Porém ele não deixa claras as razões pelas quais fez tal afirmação, acrescentando, ainda, que isso é agravado pela quase inevitável ignorância técnica do arquivista, o que dificulta um encontro de mentes105. Esse argumento foi surpreendente porque a participação do arquivista desde o início da pesquisa deveria ser importante para a melhor compreensão de todo o processo, a fim de se registrar o passo-a-passo da pesquisa, justamente para suprir a carência de conhecimento do arquivista na área científica. Outra questão que chamou a atenção foi a dificuldade levantada pelo autor a respeito do comportamento do arquivista. Reid destaca a reação do arquivista diante da falta de consciência do cientista sobre a importância da documentação e dos registros produzidos por ele. Diz que muito freqüentemente o arquivista tem vontade de chamar de “ignorantes” aqueles que não aceitam o valor do seu trabalho106. Porém, ressalta que essa seria uma reação não profissional e que essa dificuldade é inevitavelmente conseqüência do papel da arquivística. Ele considera que uma crítica desta natureza levanta barreiras e deveria ser evitada. 104 Jonsson e Reksten, loc. cit. 105 Reid, opus cit., p. 38. 106 Ibidem, p. 8.

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O importante, na minha avaliação, foi o comentário seguinte do autor, de que nós devemos lembrar que a falha em entender nossas atividades reflete apenas a nossa falha para uma comunicação efetiva. Devemos evitar subestimar os problemas que o papel arquivístico muito propriamente coloca para aqueles que criam os documentos com os quais o arquivista vai trabalhar. Essa falha de comunicação tem mostrado que é efetiva e que o arquivista que atua na área de C&T deve se informar sobre o trabalho dos cientistas e suas necessidades práticas e administrativas, antes de iniciar qualquer programa ou projeto de preservação documental ou gestão arquivística. Mas Reid aponta para uma solução, alegando que esses problemas não são insuperáveis. Ele aponta os fatores que irão permitir o triunfo de um programa de preservação: a) a paciente persuasão - ou, em outras palavras, um trabalho de conscientização constante e até repetitivo, se necessário, sobre a importância da preservação dos documentos; b) a construção de um relacionamento profissional – o autor tem razão ao considerar fundamental que o arquivista compreenda o valor de um bom relacionamento com o cientista, para que este adquira confiança no trabalho do arquivista, o qual, por sua vez, deve compreender o trabalho do cientista a fim de melhor desempenhar o seu. Com a devida confiança mútua conquistada, o diálogo e o entendimento estarão facilitados. Reid também alerta para uma outra questão referente ao desempenho: a formação profissional do arquivista e o problema de tipologia. Ele explica que existem problemas de tipos de documentos, conteúdo, contexto e suporte/mídia em alguns campos da ciência e tecnologia, os quais colocam dificuldades consideráveis para o arquivista treinado da forma tradicional. Mas diz que esses problemas podem muito bem ser superados de maneira profissional. Aqui cabe uma consideração ao fato do artigo ter sido publicado em 1995, narrando experiências ocorridas em anos anteriores. Portanto, um artigo publicado há mais de dez anos. Até aquele período, os arquivistas estavam começando a estudar estas questões e não estavam tão familiarizados com as novas tecnologias como hoje107. Já Jonsson e Reksten enfatizam que o arquivista deve cooperar com pesquisadores interessados e fazê-los entender que eles próprios são responsáveis pelos documentos de suas pesquisas e que têm influência na avaliação de seus documentos. E conclui dizendo que temos que focar estratégias para preservação da documentação ao invés de na legislação. Temos, também, que cooperar com bibliotecários, equipes de museus e outros interessados em documentar a pesquisa, dizendo que não importa onde a pesquisa está preservada porque todos nós iremos precisar de fontes disponíveis. Assim, o que realmente importa é a preservação dos documentos da pesquisa. Eles ressaltam, também, outro problema enfrentado por essa experiência na Suécia: os cientistas não querem qualquer interferência. Os autores verificaram que os cientistas olham com desdém para os arquivistas como sendo os primeiros representantes da burocracia. Os autores consideram que, na colaboração com cientistas, o melhor é começar discutindo o valor e a importância de preservar os documentos da pesquisa, e não começar discutindo regras e normativas108. Sobre a relação entre o arquivista e o cientista, os autores concluem que documentar a ciência e tecnologia é um problema tanto para cientistas quanto para arquivistas,

107 Reid, opus cit., p. 39. 108 Jonsson e Reksten, opus cit., p. 32.

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acrescentando que compete ao arquivista fazer o cientista entender que a adequada documentação é necessária por três razões: para que os colegas possam verificar resultados; para a possibilidade de novas pesquisas e novas análises; e para que as informações sobre a pesquisa possam ser disseminadas. Afirma que nós temos que convencer os pesquisadores de que os arquivistas são os especialistas no gerenciamento de documentos e que nós daremos a eles a ajuda qualificada de que eles precisam. “Nosso trabalho é fazê-los ver os arquivos como fontes valiosas”.109 Outras questões abordadas Outras questões foram abordadas pelos dois textos, porém não foram comuns entre eles. Mas vale a pena destacá-las porque são igualmente importantes e podem nos servir como exemplos e fontes de reflexões para nosso trabalho cotidiano: Correspondência – Jonsson e Reksten mencionam que na Royal Institute of Technology os dados da pesquisa e a correspondência entre pesquisadores geraram muita discussão110. Embora os autores não tenham explorado esse tema, a avaliação e a preservação da correspondência de cientistas já foi tema abordado em outros trabalhos. As principais discussões giram em torno do caráter pessoal ou institucional destes documentos, da importância ou não da preservação da correspondência da administração da pesquisa, e da dificuldade de se criar critérios para esta avaliação. Documento público x privado - Os autores destacam que, na Suécia, o status de público e privado dos documentos da pesquisa depende da fase do trabalho que os documentos registram111. A discussão era se os documentos da pesquisa são privados e em qual fase eles se tornam públicos, levantando a seguinte questão: “é a liberdade de pesquisa mais forte que a liberdade de informação112?” O autor esclarece que a discussão continua especialmente entre os cientistas que usam as fontes arquivísticas. Financiamento da pesquisa e da documentação – aqui duas diferentes abordagens são citadas no mesmo artigo de Jonsson e Reksten. De um lado, os autores levantam a questão de a quem cabe a responsabilidade legal pelo arquivamento dos documentos de projetos de pesquisas realizadas com financiamento externo113. E a dúvida também era sobre se estes documentos relacionados às pesquisas, que eram a base de relatórios científicos escritos e/ou publicados, são públicos ou privados. Por outro lado, levantam a questão das pesquisas que são financiadas parcialmente por fundos públicos e parcialmente por privados. Eles explicam que os custos administrativos da pesquisa estão incluídos nos fundos, porém não o custo da preservação da documentação114. Assim, o que ocorre é que os documentos que registram a administração dos projetos de pesquisa são incorporados aos arquivos da Universidade, porém a documentação básica gerada pelos cientistas é a que causa problema. Para os autores, é impossível administrar os documentos da pesquisa somente

109 Ibidem, p. 33. 110 Ibidem, p. 30. 111 Ibidem, p. 31. 112 Ibidem, p. 31. 113 Ibidem, p. 31. 114 Ibidem, p. 32.

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com os recursos destinados aos arquivos das universidades. Eles dizem que é preciso convencer os pesquisadores de que é de grande importância documentar não só os resultados, mas todo o processo de pesquisa. E assim, o custo do registro, do arranjo e da preservação deveria ser financiado pela própria universidade. Eles concluem que os arquivistas, em colaboração com cientistas, têm que trabalhar no sentido de educar os conselhos de pesquisa da universidade para a importância de documentar todo o processo de pesquisa. Documentos científicos e tecnológicos – Jonsson e Reksten levantam a discussão ocorrida na Suécia no âmbito dos projetos desenvolvidos. Dizem que os documentos científicos e tecnológicos podem ser divididos em cinco grupos:115 1) Documentos administrativos de pesquisa; 2) Documentos da situação econômica e da equipe; 3) Dados de pesquisa básica como: dados de análise, medidas, traçados de um plano, fotografias, etc. que são base de um trabalho científico; 4) Cálculos e análises intermediárias que perdem a sua importância quando o resultado é apresentado; 5) Resultados, relatórios técnicos, artigos publicados e teses. Os autores explicam que os documentos administrativos da pesquisa são interessantes e dão informação sobre os métodos e procedimentos da pesquisa. Entretanto, acrescentam que os cientistas nem sempre documentam suas discussões e correspondência, e são precisos procedimentos para uma melhor documentação, especialmente para a comunicação eletrônica. Como existem procedimentos estabelecidos para documentos sobre a parte econômica e de equipes, resultados, relatórios técnicos, artigos publicados e teses, os autores ressaltam que o que restaria fazer seria informar e educar os cientistas e as secretárias de projetos para executar estes procedimentos. Porém, informam que os cálculos e as análises intermediárias são destruídos, dando a entender que para estes documentos intermediários ainda não existem procedimentos para a preservação. Esse fato pode ser verificado em vários outros artigos e representa um problema enfrentado por arquivistas há décadas, e pertinente ainda hoje. Regras padronizadas – Segundo Jonsson e Reksten relatam, um dos problemas principais, que tem levado anos de discussões, é que os arquivistas têm sido incapazes de concordar com regras e diretrizes comuns116. O Arquivo Nacional da Suécia e os arquivistas de universidades discutiram diretrizes comuns para o tratamento de documentos de ciência e tecnologia, mas as diretrizes não chegaram a ser escritas. Explicam que uma das razões principais pela qual esse trabalho falhou é que o Arquivo Nacional queria regras comuns para todos os setores da comunidade científica. Os autores justificam que é difícil comparar os documentos primários gerados pela pesquisa nas áreas de ciências sociais com os documentos gerados pela pesquisa na área tecnológica. E compara dando outro exemplo: é quase impossível apresentar as mesmas diretrizes para documentos de um professor das áreas das ciências sociais e para os de um professor de engenharia industrial. Os autores

115 Jonsson e Reksten, opus cit., p. 31. 116 Ibidem, p. 32.

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demonstram preocupação com a solução deste problema, ressaltando que a solução deve ser encontrada agora “para não se colocar em risco a documentação da nossa época e a do futuro”117. Assim, preocupam-se com a preservação dos documentos eletrônicos porque esse material pode não mais existir dentro de alguns anos. Segundo os autores, a possibilidade de sucesso dos esforços arquivísticos está na conscientização do uso e do benefício de arquivos bem gerenciados, assumindo uma postura competente e séria num trabalho, para obter a confiança dos acadêmicos. Os autores concluem que, para se obter sucesso na tarefa de documentar a pesquisa, é necessário rejeitar a idéia de diretrizes comuns para todos os setores de pesquisa. Recursos financeiros para a preservação dos documentos – Reid aborda, em seu artigo, o problema financeiro enfrentado pelos arquivos, lamentando que, no final, o problema fundamental é financeiro, como sempre. Diz que, se fosse possível empregar mais pessoas e equipes, se fosse factível prover um espaço bem equipado em um prédio construído para arquivo, no qual este excesso de equipe especializada pudesse trabalhar, então muitos dos problemas profissionais adjacentes ao seu trabalho iriam simplesmente evaporar. Ele, porém, diz não viver tal utopia arquivística, mas que ela abre “janelas de oportunidades”118. Aponta para o que considera o mais desejado, que seria o reconhecimento, tanto da imensa importância do acervo de muitas universidades no contexto do patrimônio nacional como o das dificuldades encontradas nos últimos anos no financiamento de padrões razoáveis de cuidado, manutenção e acesso. Resta serem vistos, entretanto, quais efeitos esses financiamentos, ou a ausência deles, terão na documentação de ciência e tecnologia, ressaltando que ela é uma parte crucial da documentação de nossa cultura. Conclui que é importante que os acervos recebam o financiamento necessário para prover a comunidade acadêmica do acesso que ela requer no sentido de explorar os arquivos e fontes históricas. Considerações finais Os pontos destacados aqui são os que julguei mais importantes para analisar, tanto os que são mencionados em ambos os textos, como aqueles citados por apenas um dos textos. Os dois artigos são muito ricos em informações para os arquivistas e merecem uma leitura mais atenta porque relatam experiências que podem servir de base para nossos próprios programas de preservação. Apesar de escritos há mais de dez anos, seu conteúdo ainda é pertinente e atual visto que muito do que foi citado ainda gerava controvérsias e algumas iniciativas não foram adiante. Ambos os textos trazem a experiência vivida, mas também levantam questões que não foram respondidas pelos autores porque eles próprios ainda tinham dúvidas e questionamentos cujas respostas não foram capazes de fornecer. A questão da relação entre o arquivista e o cientista é muito procedente, bem como a necessidade praticamente rotineira do arquivista em realizar um trabalho de conscientização junto ao cientista. Essa atividade de conscientização, já tão explorada nesta área como tarefa essencial do arquivista, é aqui enfatizada e valorizada. Cada vez mais o arquivista deve estar envolvido nas questões institucionais para além das arquivísticas, de forma a demonstrar a importância da preservação dos documentos, já que esse é o seu ofício, não o

117 Jonsson e Reksten, opus cit., p. 32. 118 Reid, opus cit., p. 40.

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do cientista. O arquivista deve entender que, apesar dos escassos recursos, muito pode fazer em prol da preservação, realizando um trabalho sério e persistente de conscientização e normalização de diretrizes que visem garantir a preservação dos registros produzidos pela ciência e tecnologia. Assim, a valorização do trabalho do arquivista virá como conseqüência e de maneira efetiva. Este artigo não pretende esgotar essas discussões, pelo contrário, pretende ressaltá-las de forma a provocar a reflexão e incentivar arquivistas que atuam nesta área a relatarem suas experiências e, principalmente, soluções encontradas e atividades de êxito, a fim de servirem de incentivo para um trabalho continuado e de melhor qualidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JONSSON, Christina e REKSTEN, Eli Hjorth. Documenting science and technology: the Swedish perspective. Janus, n. 2, p.29-33, 1995.

REID, Norman. Documenting Science and Technology at the Heriot-Watt University.

Janus, n. 2, p. 34-40, 1995.

TITLE

Documenting science and technology activities: main questions

TITRE En documentant des activités de science et de technologie: les principaux questions

RESUMO

Este artigo analisa dois trabalhos publicados na revista Janus em 1995 referentes à documentação das atividades de ciência e tecnologia, citando as dificuldades enfrentadas e os desafios vencidos. Os textos analisados são de Norman Reid, relatando experiência na Universidade Heriot-Watt, e Christina Jonsson e Eli Reksten, sobre a experiência do Arquivo Nacional da Suécia. As questões abordadas por ambos os textos são destacadas e analisadas.

ABSTRACT This paper analyzes two other papers published in Janus magazine in 1995 regarding the documentation of scientific and technological activities, pointing some difficulties in dealing with them and the challenges successfully overtaken. The papers analyzed were written by Norman Reid about his experience at Heriot-Watt University and Christina Jonsson and Eli Reskten about their experience at the Swedish National Archives. The questions approached in both papers are emphasized and analyzed.

RÉSUMÉ Cet article analyse deux autres articles publiés dans le magazine Janus en 1995 a propos des activités de documentation de la science et la technologie, soulignant quelques dificultés trouvés et les défis vaincus. Les articles ont été écrits pour Norman Reid sur son

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experience dans le université Heriot-Watt et Christina Jonsson et Eli Reksten sur leur experience dans les Archives Nationales de Sweden. Les questions abordées dans les deux articles sont sises en relief et analisées.

PALAVRAS-CHAVE Arquivo científico; documentação de ciência e tecnologia; preservação documental; atividades do arquivista.

KEYWORDS Scientific archives ; Documentation on science and technology ; Document preservation ; Archivists’s activities

MOTS-CLÉS Archives scientifiques ; Documentation en science et techonologie ; Preservation des documents; activités des archivistes.

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A ARQUIVÍSTICA E OS ARQUIVOS PESSOAIS DE CIENTISTAS∗∗∗∗

Paulo Roberto Elian dos Santos** Introdução

As práticas arquivísticas no âmbito da comunidade internacional, e de forma especial no Brasil, tornaram o tratamento dos arquivos algo totalmente distanciado da teoria, esquecida e eventualmente lembrada apenas para reafirmar procedimentos técnicos que invariavelmente beberam nas fontes da biblioteconomia e/ou do chamado “bom senso”. Esta constatação nos leva a concordar com a afirmação de que “apesar da configuração teórica e da formalização dos métodos que hoje ostenta, na qualidade de disciplina científica, a Arquivística continua sendo vista como uma prática calcada na acumulação de experiências, onde cabe até mesmo o exercício do velho bom senso, ou, se preferirmos, do chamado conhecimento tácito”119.

Este trabalho foi desenvolvido, portanto, a partir das seguintes indagações: como a arquivística teórica e prática pode dar conta do tratamento dos arquivos de cientistas? Em que medida outros campos do conhecimento podem ser utilizados para compreendermos a gênese e a dinâmica destes conjuntos documentais? Como é possível organizar arquivos de instituições e de profissionais da ciência, sem conhecer o que é a ciência, como se organiza e o que fazem os cientistas? O uso de manuais arquivísticos e a manipulação de “consensos” da disciplina, histórica e empiricamente estabelecidos, não nos garante fidelidade ao contexto de produção e muitas vezes resulta em intervenções danosas que levam à “perda de sua capacidade (do arquivo) de representar a entidade ou a pessoa produtora, vale dizer, a perda de sua condição de arquivo”120.

Esta pesquisa121 teve por objetivo discutir os padrões de constituição e os procedimentos de organização de arquivos de cientistas e propor uma abordagem inovadora que pudesse contribuir, através do estabelecimento de conexões entre a teoria e a prática, para a proposição de novos critérios metodológicos no tratamento arquivístico, que levassem a uma primeira aproximação com a prática científica ali corporificada.

Para tanto, tomei como objeto o Arquivo Rostan Soares (1914-1996), médico sanitarista e pesquisador com larga experiência de atuação na área dos estudos voltados ao combate de doenças tropicais, em especial a malária e a esquistossomose. Entre as décadas de 1940 e 1980, ocupou inúmeros cargos e funções em importantes órgãos do Ministério da Saúde como o Serviço Nacional de Febre Amarela, o Serviço Nacional de Malária, o Instituto de Malariologia, o Instituto Nacional de Endemias Rurais do Departamento Nacional de Endemias Rurais - DNERU e o Instituto Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz.

∗ * Este artigo é uma versão modificada do trabalho Entre o laboratório, o campo e outros lugares: a Arquivística e os

arquivos de cientistas, apresentado no I Encontro de Arquivos Pessoais do MERCOSUL, evento integrado ao VI Congresso de Arquivologia do MERCOSUL, realizado em Campos do Jordão (SP), de 17 a 20 de outubro de 2005.

* * Graduado em História (PUC/RJ); Mestre e doutorando em História Social pela FFLCH/USP; pesquisador do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz; coordenador do Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos da Fiocruz; [email protected] .

119 Camargo, 2000, p.2. 120 Camargo, 2000, p.6. 121 A pesquisa resultou na dissertação de mestrado intitulada Entre o laboratório, o campo e outros lugares: gênese

documental e tratamento técnico em arquivos de cientistas,apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) em fevereiro de 2003, sob orientação da Profa. Dra. Heloísa Bellotto.

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No decorrer do trabalho, pude colher poucas informações sobre o processo de constituição e manutenção do arquivo Rostan Soares. Contudo, o vasto acervo acumulado ao longo de toda sua vida profissional nos revelou a “vontade de guardar”122 uma expressiva documentação de natureza pública referida sobretudo a atividades e funções de investigação científica e administração em todas as instituições onde atuou. Mais do que isso, o estudo de sua trajetória123 me leva a afirmar que, ao lado da vontade, houve uma “necessidade de guardar” para fins de prova e testemunho. O ato de doar o arquivo, mesmo que sob um processo de negociação, acabou por incorporar uma intenção. Qual intenção? Sua posição “marginal” entre os pares da comunidade científica e o caráter polêmico de algumas investigações que realizou nos levam a compreender a vontade e a necessidade de guardar. Constatei que sua forma de se perpetuar foi “guardar” qualquer documento de sua trajetória e das instituições por onde passou e o ato de “doar” esteve impregnado dessa busca por reconhecimento, ainda desejado no final da vida.

A atividade científica sob o olhar da sociologia da ciência

Ao longo da pesquisa, procurei estabelecer um debate metodológico sobre a organização de arquivos de cientistas, abordando os diversos aspectos presentes na atividade científica. Nesse sentido, procurei identificar os aspectos que são próprios dessa atividade e outros que são comuns a outras. A função de pesquisa ou investigação é aquela que demarca um conjunto de atividades específicas do trabalho científico. É a função por excelência e a partir dela surgem as demais funções, entre as quais o ensino, a administração da ciência e a formação de comunidades e grupos.

Para compreender a ciência e aqueles que a fazem e reunir elementos que me possibilitassem pensar a organização de arquivos de cientistas, procurei me valer da sociologia da ciência. Busquei aporte nas idéias presentes em dois paradigmas do campo sociológico, produzidos a partir da segunda metade do século XX e que, a despeito das visões diferentes ou dos modelos de análise que propõem, tentam explicar como se organiza a ciência.

De um lado, Robert Merton, que busca caracterizar a ciência enquanto atividade social pautada por normas consensuais e funções que orientam a ação dos cientistas, indivíduos que integram simultaneamente os processos sociais e cognitivos. Para alguns autores, o conceito mais importante de sua formulação é o da existência de um ethos científico. Compreendido como um complexo de valores e normas que se constituem em obrigação moral para o cientista, o ethos é tratado por Merton como um meio de compreender as motivações e orientações do comportamento e das ações dos cientistas. No entanto, na tentativa de explicar como se organiza a ciência, a sociologia mertoniana apresenta um problema central que reside nos limites que ela estabelece para o estudo dos 122 Ver Vianna, Lissovsky & Sá, 1986. 123 Rostan de Rohan Loureiro Soares (1914-1996), médico pela Faculdade Fluminense de Medicina (1937), atuou entre

1942 e 1947 como médico sanitarista, exercendo funções de chefia nos serviços de febre amarela e malária. Durante esse período, em 1942, especializou-se em malária freqüentando o curso do Departamento Nacional de Saúde. Seu percurso de pesquisador dedicado ao trabalho no laboratório se iniciou em 1947, quando a pedido de Mário Pinotti, diretor do Serviço Nacional de Malária (SNM), fez estágio na Seção de Protozoologia do Instituto Oswaldo Cruz. Entre 1949 e 1955, foi chefe do Laboratório de Parasitologia do Instituto de Malariologia, órgão de pesquisas do SNM . De 1956 a 1969, foi chefe do Núcleo de Pesquisas do Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu) no Rio de Janeiro. A partir desse ano, embora permanecesse vinculado ao INERu, passou a atuar no Instituto Oswaldo Cruz, desenvolvendo pesquisas nos campos da malária e da esquistossomose. Em 1975, passou a integrar o quadro de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, onde permaneceu até sua aposentadoria em 1990.

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conteúdos da pesquisa científica, a produção do conhecimento em si, a ciência sendo feita. Merton vai separar a organização institucional da produção do conhecimento. Nesse aspecto, a corrente construtivista, notadamente os estudos de laboratório, vai apresentar uma outra perspectiva pautada na estreita interação entre organização da ciência e produção do conhecimento, este conseqüência de uma série de decisões e negociações entre cientistas e não cientistas. Assim, de outro lado, surge Bruno Latour, expressão máxima da corrente sociológica que trabalha com a etnometodologia de laboratório e de rede de atores. Para Latour não há separação entre organização (como faz) e conhecimento científico (do que faz). A antropologia das ciências ou a etnografia de laboratório nos revela, a partir do acesso ao ambiente direto das práticas científicas, a ciência efetiva, e não a ciência como um campo idealizado na razão, acima das indagações, portanto incompreensível para “os de fora”.

No sistema mertoniano ou na vertente dos estudos de laboratório, encontramos elementos que são valiosos para compreender de forma mais apropriada as distintas funções e os variados movimentos dos cientistas, para dentro e para fora do laboratório, com o duplo objetivo de assegurar o seu empreendimento científico e aumentar sua credibilidade, seja movido por valores e regras da comunidade e a busca de um conhecimento certificado (verdadeiro), seja um globe trotter, integrante da rede latouriana, que anda pelo mundo buscando conquistar aliados. Antes de tudo são indivíduos que, apesar da direção das correntes e da teia institucional e política que os envolve, continuam pautando-se na construção de uma carreira que em geral dá seus primeiros passos num ambiente de laboratório, mas que a ele não se restringe. Estamos, portanto, buscando compreender a natureza social da ciência ou as relações entre as ciências e a sociedade.

Dessa forma, numa ou noutra vertente, encontramos os elementos que nos permitem compreender o que são e o que fazem os cientistas e de certa maneira reter características que nos permitam entender trajetórias com suas lógicas e significados, pautadas na construção de uma carreira (onde identifico as funções), estruturada segundo os padrões ditados no meio profissional.

Buscando aproximar a sociologia da ciência do olhar da arquivística, cheguei ao Quadro de Funções do Cientista, que pretende ser um primeiro nível de classificação dos documentos de um arquivo. A proposta que apresento tem como eixo central a idéia de que a atividade do cientista, seja qual for sua inserção institucional, se enquadra na perspectiva de uma carreira para a qual são canalizados investimentos múltiplos em termos de dinheiro, tempo, energia e capacidade. Diferentemente de outros profissionais, o cientista é detentor de um capital cultural que deve ser construído e expresso de forma a revelar de tempos em tempos sua posição na carreira. Seus títulos e posição na especialidade e o local onde atua são elementos cruciais para compreender seu status. A este capital integram-se outros elementos traduzidos em tudo que produziu como conhecimento científico, sejam artigos, patentes ou produtos tecnológicos. Na concepção latouriana, por exemplo, o currículo é tratado como representação de um “balanço de todos os investimentos” feitos. Ali, onde se registra a experiência profissional, os títulos, prêmios, bolsas e financiamentos obtidos, os lugares de atuação e os temas/problemas de investigação, os co-autores de trabalhos e os “mestres” ou “conselheiros”, dispomos de um mosaico de trajetória e, até certo ponto, de estratégias.

O Quadro de Funções do Cientista foi concebido a partir dos elementos colhidos da sociologia da ciência, da análise de instituições científicas profissionalizadas e de trajetórias profissionais de cientistas e da pesquisa realizada no Arquivo Rostan Soares. Ao mesmo

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tempo, procurei colher elementos analisando informações constantes em inúmeros instrumentos de pesquisa, como guias de arquivos de cientistas no Brasil e no exterior. A questão arquivística

A literatura arquivística clássica sempre tratou as diferenças entre arquivos institucionais e arquivos pessoais, estabelecendo uma oposição bastante clara. Enquanto os primeiros representam um conjunto homogêneo e necessário, resultado de uma atividade administrativa, os pessoais são produtos de uma intenção de perpetuar uma determinada imagem, portanto fruto de uma seleção arbitrária, e se apresentam como agrupamento artificial e antinatural onde não é possível a objetividade.

No Brasil, o esforço técnico de resolução dos problemas práticos de tratamento dos arquivos parece sempre superar a capacidade dos profissionais de formularem uma reflexão teórica. As principais instituições arquivísticas não se propuseram a isto e seu distanciamento da universidade também não permitiu que se forjassem espaços institucionais de referência na produção do conhecimento. No tema dos arquivos pessoais, o panorama teórico e metodológico revela baixa densidade de reflexões124. No que se refere de forma mais direta às formulações metodológicas125 destaca-se o trabalho do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC/FGV criado em 1973, e que a partir da década de 1980 se tornou um centro especializado na guarda de arquivos privados pessoais de representantes da elite política e passou a atuar como referência para as mais diversas instituições, constituindo-se num “modelo único”, também utilizado com adaptações no tratamento de arquivos institucionais.

As poucas iniciativas de reflexão teórico-metodológica que tomaram o tema dos arquivos pessoais como questão não foram suficientes para que emergissem outros sistemas de tratamento arquivístico alternativos ao “modelo único”126, que se consolidou como referência para os que buscavam no “relato da experiência bem sucedida” a solução dos seus problemas. Assim, com algumas exceções, as instituições que se depararam com as atividades de identificação, classificação e descrição de seus arquivos pessoais acabaram por trilhar o caminho da reprodução sistemática de um “saber/fazer arquivístico” baseado nas práticas empíricas de organização e destituído de dimensão científica.

Os arquivistas, ao se debruçarem sobre os arquivos provenientes de doações de cientistas ou recolhidos junto a laboratórios de institutos de pesquisa, se deparam com um

124 As reflexões de Ana Maria Camargo (1988; 1998) representam um primeiro esforço teórico e metodológico voltado

para a renovação dos estudos sobre os arquivos pessoais no Brasil. Uma outra exceção a este quadro é a dissertação de mestrado, de Priscila Fraiz, intitulada A construção de um eu autobiográfico: o arquivo privado de Gustavo Capanema, defendida no Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 1994. Uma versão condensada desta dissertação foi publicada com o título “A dimensão autobiográfica dos arquivos pessoais: o arquivo de Gustavo Capanema”, na Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 11, n. 21, 1998, p. 59-87. No que diz respeito aos procedimentos de organização de arquivos pessoais cabe registrar a experiência inovadora de organização do Arquivo Fernando Henrique Cardoso sob a coordenação da historiadora Silvana Goulart. Esse arquivo se encontra depositado no Instituto Fernando Henrique Cardoso(IFHC), em São Paulo.

125 A 1ª. Edição do Manual de Procedimentos Técnicos do CPDOC foi publicada em 1986. Duas outras versões reformuladas foram publicadas em 1994 e 1998.

126 Uma das análises mais instigantes sobre esse modelo foi formulada por Aurélio Vianna, Maurício Lissovsky e Paulo Sérgio Moraes de Sá, pesquisadores do próprio CPDOC, no texto A vontade de guardar: lógica de acumulação em arquivos privados. Arquivo & Administração. Rio de Janeiro, 10-14 (2): 62-76, jul/dez 1986. No que se refere aos métodos e procedimentos de classificação, e sua aplicação na organização de arquivos pessoais de cientistas, ver SANTOS, Paulo Roberto Elian dos. Arquivos de cientistas: gênese documental e procedimentos de organização. São Paulo: Associação dos Arquivistas de São Paulo, 2005, 82p. (Série Thesis, I).

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universo de questões de dois níveis. Um primeiro nível compreende questões gerais relacionadas aos próprios princípios teóricos e conceituais da arquivística, como o “respeito aos fundos”, através da identificação precisa da procedência dos documentos e do levantamento de informações sobre a história custodial do acervo que sejam significativas para sua integridade e interpretação. Um segundo nível está vinculado a perguntas que devem levá-lo a conhecer de forma cumulativa essa atividade humana (a ciência), a instituição ou a pessoa que acumulou esse arquivo.

Este esforço inerente ao trabalho dos arquivistas vem produzindo alguns resultados com relação à compreensão da atividade científica, dos cientistas e de suas instituições. Tomei como referências duas linhas de trabalho. A primeira pode ser identificada nas pesquisas de arquivistas franceses realizadas sobretudo a partir do Programa ARISC127, voltado para estudar as condições de produção documental nos laboratórios e refletir sobre novos modos de coleta e conservação do trabalho científico.

Mas afinal o que os franceses chamam de arquivos científicos? Por arquivos científicos entendem todas as fontes arquivísticas que permitem estudar a evolução das políticas de pesquisa e de ensino científicos, a evolução desta ou daquela disciplina ou ainda o papel deste ou daquele cientista no desenvolvimento do conhecimento. Esta definição é ampla e permite distinguir 3 (três) categorias de arquivos científicos, quanto à proveniência e ao estatuto jurídico e que não são indiferentes quanto à coleta, conservação e sua comunicação128: são os arquivos de tutela; os arquivos próprios dos estabelecimentos de pesquisa e ensino; e os arquivos pessoais de cientistas. Estes, geralmente considerados por seus titulares como arquivos privados, mesmo se o essencial de sua atividade de pesquisa tiver se desenrolado no quadro de um estabelecimento de pesquisa ou de ensino de caráter público. Permitem estudar não apenas o papel deste ou daquele cientista no progresso do conhecimento, mas também o envolvimento familiar, intelectual e social.

Quanto a esta última categoria, segundo alguns autores, até um período mais contemporâneo os arquivos pessoais dos cientistas parecem se confundir com os arquivos de laboratório onde desempenharam o papel de “patrões”, “chefes de equipe”, e isso cria inúmeras dificuldades em estabelecer uma distinção formal entre arquivos pessoais e arquivos de laboratório129.

Uma segunda linha, de tradição norte-americana, expressa nos trabalhos de Helen Samuels,130 que, diferentemente da linha francesa, avança na proposição de um método de classificação que denomina “análise funcional institucional”, coloca a avaliação como um problema central da arquivologia, e ainda demonstra preocupação com as ações de documentação da ciência & tecnologia contemporânea, aspecto este também objeto de atenção dos estudos franceses. O Quadro de Funções do Cientista

O Quadro de Funções se enquadra na proposta que considero compatível com os

127 O Programa ARISC (Archives Issues des Sciences Contemporaines) que se desenvolve junto ao CNRS visa à

organização de um serviço de arquivo dentro dos laboratórios e um questionamento sobre as modalidades da produção escrita no centro da ciência contemporânea. Suas ações permitem abordar a administração central da pesquisa, o funcionamento dos laboratórios, estudar as “estruturas intermediárias” (as equipes de pesquisa) e se “entreter com o menor degrau; o pesquisador, o engenheiro ou o técnico” (Welfelé, 1999).

128 Charmasson, 1999, p.13-14. 129 Charmasson, 1999, p.14. 130 Haas, Samuels & Simmons, 1985.

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pressupostos preconizados pela teoria arquivística. Isto é, uma classificação que retrate as funções e atividades reais do cientista e possa, em certa medida, traduzir-se num espelho fiel das mesmas, viabilizando a contextualização da produção documental.

Após a análise do “modelo de organização” que chamo de descontextualizador, do Quadro de Arranjo do Arquivo Rostan Soares, que é uma das expressões desse modelo, e dos dossiês que o compõem, foi possível perceber um conjunto de procedimentos reveladores da sedimentação desse “modelo”, que apresenta as seguintes características principais:

10) Combina critérios temáticos, tipológicos e funcionais na definição das séries131, com forte predomínio dos dois primeiros; 11) Em decorrência da estrutura das séries, ocorre uma dispersão dos documentos resultantes das mesmas funções e atividades. Perdem-se os laços orgânicos inerentes aos documentos de arquivo; 12) O levantamento de informações biográficas pouco ou nada subsidia a estrutura do quadro de arranjo e a compreensão do conjunto documental; 13) A superficialidade do levantamento e sistematização das informações biográficas impossibilita o conhecimento mais consistente da trajetória de vida e, conseqüentemente o estabelecimento das grandes áreas e funções de atuação do titular; o mesmo ocorre com o levantamento de informações administrativas sobre as funções e atividades das instituições com as quais manteve vínculos; 14) Em parte, como decorrência dos critérios de estabelecimento das séries e subséries, a formação dos chamados dossiês confere elementos de artificialidade à reunião de documentos sem os vínculos necessários que passem pelo reconhecimento das funções, o contexto institucional e as atividades; 15) Documentos textuais e não-textuais, estes também denominados “de imagem e som” ou “especiais”, são sistematicamente apartados. A separação física para fins de acondicionamento e guarda, “em nome da fragilidade do suporte”, serve à descontextualização e ao rompimento da possibilidade de uma relação orgânica com o restante do fundo de arquivo, isto é, com os demais documentos de uma mesma proveniência132.

Esse conjunto de características aponta para problemas que só serão superados com a adoção do método de classificação funcional para os chamados arquivos pessoais. É possível estabelecer uma conexão entre a vida de uma pessoa e a vida de uma instituição.

O sistema de classificação dos documentos deve ter um único critério no estabelecimento dos elementos de classificação e esse critério passa obrigatoriamente pelas funções. Para Viviane Tessitore,133 a classificação por funções supõe uma maior intervenção do arquivista no acervo com que está trabalhando. O método funcional vai exigir do arquivista um esforço de coleta e síntese dos dados que possibilite um profundo

131 Séries e subséries estabelecidas de acordo com uma determinada perspectiva que consideramos inadequada, pois

correspondem àquilo que alguns autores denominam grupos e subgrupos, ou classes e subclasses. Embora não exista consenso, devemos tomar o conceito de série como um conjunto de documentos do mesmo tipo documental ou a “seqüência de unidades de um mesmo tipo documental”, de acordo com o Dicionário de Terminologia Arquivística, AAB/Núcleo Regional de São Paulo, 1996.

132 Ver a este respeito a tese de doutoramento de André Porto Ancona Lopez. As razões e os sentidos: finalidades da produção documental e interpretação de conteúdos na organização arquivística de documentos imagéticos, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da FFLCH/USP em novembro de 2000.

133 Tessitore, 1989, p.19-28.

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conhecimento da administração ou da pessoa produtora do fundo. Esse esforço é crucial para o estabelecimento da um Plano de Classificação compatível com a essência dos arquivos. Ao mesmo tempo, cabe destacar que o método funcional está intimamente associado aos estudos de tipologias documentais ainda pouco disseminados entre a comunidade arquivística do país.

Nesse sentido, o Plano de Classificação, proposto para o Arquivo Rostan Soares e outros arquivos provenientes de cientistas, deve ser capaz de estabelecer os nexos reais da documentação produzida, sem as ambigüidades e as lacunas apontadas, pautando-se pelos seguintes procedimentos:

a) Exame aprofundado da proveniência dos documentos, visando a identificar a existência de parcelas de arquivos públicos ou de outros arquivos pessoais, eventualmente incorporados ao produtor do fundo; b) Levantamento e sistematização de informações sobre a vida e a obra do titular, buscando o estabelecimento das áreas, funções e atividades. Como referencial, recomenda-se a consulta ao Quadro de Funções de Cientistas; c) Esse levantamento permitirá a elaboração de uma biografia, confeccionada na forma de um Quadro da Vida Profissional e de uma Cronologia de Eventos ou Dados Biográficos que pode ser elaborada por áreas ou funções; d) Exame sumário da documentação no sentido de obter elementos sobre o conteúdo do fundo; e) Leitura permanente de bibliografia básica de apoio no(s) campo(s) de conhecimento pertinente(s) ao arquivo. Nessa literatura deve-se incluir a historiografia desses campos, sempre que houver uma produção de caráter mais geral e/ou monográfico; f) Construção e utilização de um Glossário de Espécies e Tipos Documentais, que deverá servir como um instrumento de trabalho nas atividades de tratamento de arquivos de cientistas; g) A biografia confeccionada, identificando as funções e o reconhecimento preliminar do acervo, deve fornecer elementos básicos para a concepção do Plano de Classificação, sobretudo na etapa de definição dos grupos e subgrupos134.

Considerações finais

Ao longo de suas trajetórias profissionais, os cientistas são leitores e escritores que se situam em algum campo do conhecimento. Os cientistas do Instituto Salk observados por Bruno Latour135 escreviam sobre aspectos do campo da “neuroendocrinologia”. Os cientistas do Instituto Oswaldo Cruz situam-se nos campos das ciências biomédicas e biológicas, em suas mais diversas disciplinas, seja a parasitologia, a protozoologia, a entomologia, a fisiologia, a biologia molecular ou a biotecnologia, apenas para citar algumas. Hoje, em um instituto com esse perfil, a pesquisa está estruturada em departamentos, laboratórios, linhas e projetos de pesquisa. Sobre essa espinha dorsal, alinham-se grupos de pesquisa intra e interinstitucionais. Formam-se as redes de pesquisa e novas formas de produção e comunicação do conhecimento produzido. O tratamento arquivístico, de arquivos institucionais ou pessoais, deve estar 134 Para uma definição destes conceitos, ver Dicionário de Terminologia Arquivística. Associação dos Arquivistas

Brasileiros – Núcleo Regional de São Paulo, 1996. 135 Latour & Woolgar, 1997.

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profundamente calcado no investimento em pesquisas sobre as instituições, as pessoas e seu(s) campo(s) de atuação. A função de pesquisa ou investigação certamente é aquela que demarca um conjunto de atividades específicas do trabalho científico. É a função por excelência e a partir dela surgem as demais funções, entre as quais o ensino. A função de investigar, como as demais, é realizada fundamentalmente em ambientes institucionais. Nestes, o laboratório é o lugar de formulação das hipóteses, das experimentações, dos sucessos, dos fracassos e da produção de um determinado conhecimento. O laboratório é o lugar da vida científica e fazemos esta afirmação sem prejuízo das outras funções e dos outros “lugares” onde atuam os cientistas. E a materialização mais evidente da importância desse lugar da vida científica é o caderno de laboratório136, que retrata o dia-a-dia da condução das experiências e ainda comporta anotações dispersas como recortes, fotografias, listas de pessoas, tarefas etc. Para Welfelé137, ele é “o documento de uma só pessoa”, o último traço documental que ainda resta no mundo dominado pela criação e armazenamento de registros em meio eletrônico. Este “último traço”, segundo Gerard Geison138 é a expressão de vestígios incompletos de atividade “boa parte da qual permanece tácita, nada da qual é diretamente observável e a totalidade da qual tem de ser deduzida de anotações registradas, difíceis de decifrar e interpretar”. Embora desenvolva toda sua argumentação sobre a ciência particular de Louis Pasteur a partir da análise dos cadernos de laboratório, Gerard Geison reitera que isto não significa que “esses documentos particulares” permitam de algum modo um acesso direto ao “verdadeiro” trabalho do cientista. Os cadernos e inúmeros outros documentos que resultam sobretudo das atividades de experimentação e são encontrados nos arquivos de cientistas não conhecem procedimentos regulares estabelecidos. Sobre eles não pairam prazos de vida útil ou data de prescrição. Não estão submetidos a instrumentos de regulação, embora os chamados cadernos de manipulação ou de protocolo em laboratórios que trabalham sobre experiências patenteáveis sejam criados sob determinadas regras de registro e controle139. O conhecimento biográfico do titular e dos elementos de constituição de seu arquivo é fundamental na metodologia de tratamento dos arquivos pessoais. A operação de estabelecer a classificação dos documentos só será levada a bom termo se essas etapas iniciais foram bem delineadas. As diversas dimensões da atividade científica, traduzidas no Quadro de Funções, serão sempre balanceadas de acordo com a trajetória de seus titulares e sua expressão material por meio dos documentos do arquivo. O termo arquivo de cientistas permite compreender o conjunto arquivístico que reúne os documentos criados e utilizados por um indivíduo no transcurso de suas investigações e de outras funções e atividades que considero pertinentes à noção de cientista que busquei apontar. Alguém que percorreu os mais diversos caminhos do conhecimento humano, ocupando funções de pesquisador,

136 Caderno de Laboratório: documento que contém as anotações brutas que testemunham a investigação cotidiana do

pesquisador no ambiente do laboratório. Possui igualmente um valor probatório em casos de conflitos a propósito de determinada descoberta ou experiências realizadas no percurso de pesquisa. Em geral pertence ao pesquisador e não à equipe ou ao laboratório. Podem ser de 3 tipos: diário das rotinas do laboratório; registro de experiências, testes ou exames; e métodos e técnicas de experiências e testes. Ver SANTOS, Paulo Roberto Elian dos (2002), p. 158-159.

137 Welfelé, 1994, p. 2-3. 138 Geison, 2002, p. 28-29 139 Welfelé, 1994, p. 2.

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professor universitário, formulador de políticas e administrador de instituições científicas e acadêmicas. Trajetórias profissionais e pessoais de cientistas que se movem de dentro para fora do laboratório e permanecem fazendo ciência, seja na condição de líderes de consórcios institucionais, dirigentes ou consultores, são desafios à teoria e à prática arquivística.

A arquivística estabelece princípios gerais quanto à organização dos arquivos e procurei segui-los, buscando uma proposição metodológica própria para os arquivos de cientistas, em função de sua natureza e uso social. Dessa perspectiva, o Quadro de Funções foi elaborado para reunir as principais funções exercidas pelo cientista na vida profissional e pessoal. Deve, ao mesmo tempo, ser tomado com a flexibilidade que permita o respeito a aspectos particulares de qualquer trajetória profissional. Pretendemos com este quadro estabelecer um instrumento que permita ao arquivista visualizar as grandes funções dos cientistas e estabelecer um primeiro nível de classificação dos documentos.

Ainda com relação ao aspecto metodológico, considero necessário reafirmar a pertinência da aplicação do método de classificação funcional, empregado nos arquivos institucionais, para os arquivos pessoais. O arquivo de um indivíduo reproduz, em graus diferenciados, sua faceta profissional, pessoal e social de forma muito semelhante aos arquivos institucionais, onde os documentos refletem as funções e as atividades da entidade produtora.

Para muitos, a ciência do início do século XX não é a mesma ciência de hoje, sua estrutura se altera de acordo com as épocas. Os trabalhos dos arquivistas franceses apontam em determinados momentos para esse aspecto, quando buscam respostas para aquilo que “desapareceu” dos laboratórios ou dos arquivos dos cientistas.

A ciência contemporânea se organiza em “novos arranjos”, sob novas bases sociais e políticas. No campo das ciências biomédicas, algumas disciplinas sofreram mudanças, novos objetos e novas áreas surgiram com impactos significativos. Nesse sentido, percebemos a compreensão dos elementos presentes nas mudanças que se processam na constituição dos arquivos dos cientistas como tarefa essencial, dentre outras, para que a arquivística se configure como uma disciplina no sentido pleno do termo, reafirmando-se como um conjunto de princípios e métodos que regem os diversos aspectos relacionados aos arquivos.

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QUADRO DE FUNÇÕES DO CIENTISTA PARA

ORGANIZAÇÃO DOS ARQUIVOS

(Nível 1 de classificação dos documentos) VIDA PESSOAL Encontram-se aí as atividades que envolvem relações familiares, sociais, culturais e associativas, patrimônio pessoal e administração doméstica. FORMAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DA CARREIRA Atividades de constituição e guarda de papéis relacionados aos estudos, às estratégias e à trajetória de carreira. Inclui ainda a realização de estágios, obtenção de bolsas, prêmios e homenagens, associadas ao reconhecimento da contribuição científica. PESQUISA Atividades de pesquisa associadas ou não ao desenvolvimento de tecnologia, em ambientes institucionais, como universidades e institutos de pesquisa. Seu locus é de forma especial o laboratório, onde atuam pesquisadores e/ou grupos de pesquisa com objetos/temas de pesquisa definidos. Aqui se incluem as atividades de comunicação e disseminação dos resultados, como a publicação de artigos e conferências e comunicações em congressos. PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO DA PESQUISA Atividades de planejamento e gestão de recursos financeiros e orçamentários, humanos, materiais e de infra-estrutura voltados para o desenvolvimento da função de Pesquisa. DOCÊNCIA Atividades de formação e ensino em graduação e pós-graduação, incluindo cursos regulares e temporários, orientação de dissertações e teses e participação em bancas e seminários. GESTÃO DE POLÍTICAS CIENTÍFICAS Atividades de formulação e implementação de políticas públicas de ciência & tecnologia. Seu locus inclui de forma especial as altas esferas da administração pública vinculadas ao Ministério de Ciência & Tecnologia, agências de fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, secretarias estaduais de ciência e tecnologia, fundações e institutos de pesquisa e organismos internacionais. RELAÇÕES INTERINSTITUCIONAIS E INTERGRUPOS Atividades de contato com órgãos públicos de ciência & tecnologia, visando a trocas institucionais, cooperação técnico-científica e representação institucional em missões oficiais do governo, grupos de trabalho, comitês, conselhos editoriais e científicos, redes informais etc. Pode incluir ainda a prestação de serviços de assessoria e/ou consultorias técnico-científicas a instituições públicas e privadas. Contempla também a vinculação a sociedades e associações científicas.

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Ciências I: abordagens contemporâneas. Rio de Janeiro : FIOCRUZ, 1994. cap.6, p. 151 –

173.

TITLE

ARCHIVAL SCIENCE AND THE PERSONAL ARCHIVES OF SCIENTISTS

TITRE L'ARCHIVISTIQUE ET LES ARCHIVES PERSONNELLES DES SCIENTIFIQUES

RESUMO

Este artigo tem como objetivo discutir os padrões de constituição e os procedimentos de organização de arquivos de cientistas e propor uma abordagem inovadora que possa contribuir, através do estabelecimento de conexões entre a teoria e a prática, para a proposição de novos métodos de tratamento arquivístico. Para tanto, tomamos a tarefa de

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revisitar a literatura arquivística nos temas da classificação e dos arquivos pessoais, e procuramos nos apoiar nos estudos sociais da ciência em sua vertente, representada principalmente pelos estudos de Bruno Latour.

ABSTRACT This article discusses standards for the constitution of the scientist's archives and the procedures for their organization. It suggests an innovative approach that may contribute to the proposition of new methods for the arrangement of archives, by establishing links between theory and practice. With this purpose in mind, the text reviews the literature on archival classification and personal archives, and in so doing relies upon the social study of the sciences as represented chiefly by the work of Bruno Latour.

RÉSUMÉ

Le présent article se propose de discuter les modèles de constitution et les procédés d'organisation d'archives de scientifiques en suggérant une approche nouvelle, susceptible de contribuer, à travers la mise en place de connexions entre la théorie et la pratique, à la proposition de nouvelles méthodes de traitement archivistique. Il nous faudra revoir pour autant, la littérature archivistique consacrée à la classification et aux archives personnelles en nous appuyant sur les études sociales de la science en la matière, représentée en premier lieu par les études de Bruno Latour.

PALAVRAS-CHAVE Arquivos pessoais; Arquivos de cientistas; Classificação funcional; princípios arquivísticos.

KEYWORDS personal archives; scientists’ archives; functional classification; archival principles.

MOTS-CLÉS Archives personnelles; Archives de scientifiques; Classification fonctionnelle; principes archivistiques.

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OS REGISTROS ORAIS EM INSTITUIÇÕES DE PRESERVAÇÃO DOCUMENTAL

Yara Aun Khoury* Simone Silva Fernandes**

Diante da importância que a memória vem assumindo na sociedade contemporânea, na dimensão da preservação do passado e na ampliação das possibilidades de diálogo com esse passado, Arquivos e Centros de Documentação vêm despertando um novo interesse como espaços propícios a esse diálogo, além de eles próprios contribuírem para novos olhares sobre a memória social. Poucas vezes nos damos conta de que essas Instituições não são meros depósitos de documentos; elas exercem poder sobre a construção da memória social e do conhecimento histórico, sobre a consciência que formamos sobre nós mesmos como pessoas, como grupos e como sociedade. Elas trazem, nos registros que preservam, dimensões de modos como nações se engendram, em meio a perspectivas e tendências diversificadas, em tensões e disputas. No ato mesmo de recolher, organizar e disponibilizar para consulta conjuntos documentais, moldam a compreensão do passado, contribuindo para maior visibilidade, ou ocultamento, de grupos e dimensões da vida social e política de nosso país. Influem na construção dos caminhos sociais e nos debates sobre eles e na constituição de políticas públicas. Essas instituições são estratégicas nas questões que se colocam sobre o direito à informação e ao conhecimento. Para além dos Arquivos, cuja existência é bem mais antiga e reconhecida, os Centros de Documentação vêm exercendo uma função significativa na preservação de dimensões da memória social brasileira. São relativamente conhecidos órgãos dessa natureza que foram sendo constituídos por grupos e movimentos sociais e políticos, formados, sobretudo, por intelectuais e trabalhadores, ao longo de suas lutas, e que se tornaram referências para pesquisas em torno de problemáticas que continuam a nos interpelar nos dias atuais. Os Centros de Documentação universitários, criados no Brasil a partir dos anos 1970 para implementar a pesquisa junto aos cursos de Pós-Graduação são de alguma forma extensões daqueles outros. A emergência desses Centros naqueles anos foi bastante significativa, diante do acesso restrito à informação imposto pela ditadura militar. Abrigando, preferencialmente, arquivos e coleções de grupos políticos, operários, sindicais e de movimentos organizados, em suas várias tendências, e reunindo um conjunto riquíssimo de títulos da imprensa operária e militante, não só enfrentavam carências de informação, como alargavam os horizontes da memória social e as oportunidades de pesquisa. Esses acervos tornaram-se úteis e estratégicos em vários estudos que caracterizaram os anos 1970 e 80, centrados nas lutas sindicais e partidárias, nas organizações e movimentos sociais e de trabalhadores urbanos e rurais. Disponibilizá-los para consulta representava

* Professora Doutora do Departamento de História da PUC-SP * * Técnica Documentalista do CEDIC da PUC-SP.

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criar canais de diálogo com trajetórias e formas de luta silenciadas naquele momento, mas que continuavam a inquietar parcelas da população e intelectuais comprometidos com questões do social, num período marcado por maior centralização do poder e severo controle político. No bojo de estudos e debates sobre essas problemáticas foi também sendo gerada uma quantidade significativa de registros orais, numa perspectiva de apreender o vivido narrado por quem viveu. A produção de documentos orais aos poucos foi abrangendo outros aspectos e dimensões da vida social, envolvendo a história comunitária e a experiência diária de pessoas comuns, no campo e na cidade, tanto quanto organizações, empresas e instituições públicas e privadas. Boa parte dos trabalhos com fontes orais, tanto no Brasil quanto em países latino-americanos e africanos, tem sido feita de maneira politicamente engajada, dando mais visibilidade a experiências populares, vozes obscuras, ou silenciadas, tornando mais públicas e mais compartilhadas formas de opressão vivenciadas. Hoje, essa produção, que se costumou chamar de história oral,140 mais do que uma prática interdisciplinar de pesquisa e reflexão, reúne pesquisadores acadêmicos, militantes em âmbitos variados da vida social, política e cultural, organizações não governamentais, áreas profissionais e técnicas, empresas públicas e privadas, trazendo à tona dimensões muito ricas e complexas da experiência social. Estudos se fazem sobre experiências populares cotidianas, sobre a vida familiar e doméstica, sobre militâncias e grupos variados, desde os mais marginalizados até as elites políticas. Produções bastante marcantes são as que se voltam para questões de direitos humanos, desde os de presos políticos até os de grupos étnicos, passando pelos direitos das crianças, de jovens, de idosos, de mulheres. Outros levantam questões sobre migrações nacionais e internacionais, atentando para mudanças que se operam na experiência social e nos modos de vida, nas identidades e nas memórias; trabalhos abordam questões de saúde e assistência social; do ensino e da educação, formas de constituição e transformações de áreas profissionais. Pesquisas se voltam para histórias de empresas públicas e privadas, para histórias locais das cidades e do meio rural, para processos de trabalho e modos de trabalhar; para ofícios ameaçados de extinção, para processos de qualificação para o trabalho e para problemáticas sociais que se engendram nesses processos. Outras, ainda, se forjam no âmbito da cultura, refletindo sobre formas de constituição do patrimônio cultural do país, dando destaque a expressões de patrimônio mais reconhecidas como tal, ou a práticas e referências culturais constituídas e significadas no viver cotidiano. Muitos desses estudos recorrem à história oral e contribuem com a afirmação de vários sujeitos e lugares na cena histórica.

140 Usamos, aqui, a expressão “história oral” ao nos referirmos ao trabalho de produção desses documentos pelo fato de

esse termo ser mais comumente empregado e pela antiguidade de seu uso, facilitando o modo de se referir a essa produção. Embora os documentos orais façam parte de uma gama variada do que se costuma chamar de documentos sonoros, nesta oportunidade restringimo-nos àqueles produzidos por meio de entrevistas.

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A realização desses projetos tem possibilitado avançar na reflexão e no debate sobre questões metodológicas inerentes à própria natureza do trabalho com fontes orais, além do exercício do diálogo com a história e a memória e da apreensão de maneiras como memórias são construídas e reconstruídas, como parte de uma consciência contemporânea. Apesar desses avanços e do maior reconhecimento desses registros em seus significados próprios, ainda é tímida a preocupação com sua reunião, organização, descrição e disponibilização para consulta. Particularmente em ambientes acadêmicos, profissionais e técnicos mais conservadores, alimentados por poderes e valores hegemônicos de nossa cultura, que dão sustentação ao valor da propriedade institucional da palavra e ao monopólio de memórias oficiais, as fontes orais não gozam do mesmo prestígio. Isso ocorre, também, em algumas instituições de preservação, quando esses registros são relegados à condição de “documentos especiais”. Esses conjuntos documentais encontram-se ainda bastante dispersos, em mãos dos próprios pesquisadores ou nos Departamentos e outras unidades das Universidades, nas organizações e movimentos que as produzem, carecendo de cuidados básicos. Essa produção não se compara àquela que ocorre fora de instituições de preservação. No entanto, ela permanece dispersa e sem possibilidade de consulta. Enfrentar a dispersão em que se encontram os registros orais e prover essas coleções do tratamento necessário tem sido um desafio. A situação, no entanto, não é de todo desencorajadora. Reportando-nos à experiência dos Centros de Documentação e Memória universitários, realidade que conhecemos melhor, estes já vêm investindo na reunião e tratamento técnico desses registros, em conformidade com os próprios sentidos dentro dos quais foram criados. Fazem isso dentro da perspectiva de alargar os horizontes da história e da memória, integrando o debate sobre a importância e necessidade do reconhecimento e diversificação dos lugares sociais e dos modos diversos segundo os quais todos os homens participam da vida social e pelos quais todos se constituem como sujeitos históricos. Alguns Arquivos, mais sintonizados com essa perspectiva, também caminham nessa direção. Esse trabalho, entretanto, ainda requer ser mais bem implementado. Uma questão importante nesses registros é a qualidade e nitidez da gravação. Temos constatado que, em várias coleções, os registros carecem da nitidez necessária, comprometendo a qualidade geral dessas fontes para um tratamento técnico e disponibilização adequados. Os procedimentos de organização e descrição dos documentos orais em Centros de Documentação e Memória têm seguido orientações variadas. Boa parte deles recorre aos critérios da Biblioteconomia, catalogando peça a peça, enquanto outros adotam princípios da Arquivologia, descrevendo os conjuntos documentais e preservando informações sobre cada um dos registros. Um requisito essencial é organizá-los e descrevê-los de maneira a não descolá-los das

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condições e relações sociais dentro das quais foram forjados. O respeito necessário ao princípio da procedência do documento significa, em última instância, a produção de informações técnicas que os situem de modo mais amplo e completo. Falando de nossa própria experiência no Centro de Documentação e Informação Científica Professor Casemiro dos Reis Filho – CEDIC, da PUC/SP, o Programa de Documentação Oral, do Centro, criado em 1993, para operar junto às demais linhas de ação do Centro, vem implementando o uso das fontes orais no ensino, na pesquisa e nas atividades de extensão comunitária da Universidade. As primeiras iniciativas de produção de entrevistas orais pelo CEDIC, no sentido de subsidiar a organização dos arquivos dos Movimentos da Juventude Católica Brasileira realizada pelo projeto desenvolvido no Centro “Igreja e Movimentos Sociais: a atuação dos cristãos no Brasil República (1920-1980)”141. Com isso, formaram-se as Coleções Juventude Estudantil Católica, Juventude Operária Católica e Juventude Universitária Católica142, denominações que correspondem a organizações de origem do entrevistado ou ao tema principal do depoimento. Nessa produção, pensando já em constituir um acervo, foram considerados alguns princípios da Arquivologia que, numa visão mais estreita, não poderiam ser aplicados a conjuntos dessa natureza. Valemo-nos, no entanto, deles como diretrizes para refinar as informações que os documentos orais deveriam reunir, quando difundidos e consultados por outros que não fossem seus próprios produtores – entrevistadores e entrevistados. Detendo-se no princípio de proveniência, os conjuntos documentais produzidos por entidades/pessoas distintas não devem ser misturados entre si. Nesse sentido, compreendemos que cada Coleção é originada por um projeto que, no sentido amplo do termo, é a proveniência desses documentos orais. Portanto, cada projeto é elaborado a partir de perspectivas e finalidades que influem na concepção e conteúdo das entrevistas e essas questões devem ser respeitadas e servir de baliza para a definição de limites entre uma e outra Coleção de documentos. Chamamos esses conjuntos documentais de Coleções fechadas - compostas basicamente pelo projeto, entrevistas, cadernos de campo e fichas de identificação e técnicas , nas quais outros e novos documentos não podem ser incorporados quando não originados pelo mesmo projeto, mesmo tendo afinidades temáticas. Usando o mesmo procedimento em relação a todas as coleções de registros orais, tratamos de preservar o máximo de informação sobre a procedência desses registros, cuidando de reunir todo o material de pesquisa que norteou cada projeto, sem misturá-los entre si. Em relação à descrição desses conjuntos documentais, temos procurado seguir as normas

141 Projeto coordenado pela Profª Yara Aun Khoury, em colaboração com professores do Departamento de História da

PUC/SP. 142 As Juventudes Agrária, Estudantil, Independente, Operária e Universitária são movimentos especializados da Ação

Católica Brasileira, instituídas nos anos 1940, a partir de práticas militantes que vinham se engendrando desde o final dos anos 1920. A Coleção possui um volume documental de 70 fitas magnéticas.

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de descrição arquivística formuladas no âmbito do Conselho Internacional de Arquivos – CIA, buscando adequá-las às especificidades locais. Nesse sentido, temos dialogado com a Norma Internacional ISAD-G que emprega os recursos da informática nos processos de descrição arquivística. Esta tem sido uma experiência complexa e trabalhosa, em torno da qual vem ocorrendo debates entre profissionais da área da preservação e da informática, investindo numa troca enriquecedora para ambas as partes. Além de realizar seus próprios projetos, o CEDIC investe esforços em reunir conjuntos de registros orais produzidos na Universidade, via teses e dissertações, projetos e trabalhos de extensão variados elas estão se referindo a trabalhos de extensão universitária? Nesse caso acho que seria bom especificar; caso contrário, há erro de concordância. Isso tem exigido maior sensibilização da comunidade para a importância dessa proposta, além de orientações sobre os cuidados necessários na própria produção, com vistas a garantir a qualidade necessária para sua preservação. Enfrentando as dificuldades de sensibilizar a comunidade acadêmica para a importância de se reunir e disponibilizar no Centro esses registros, o acervo conta, hoje, com 35 Coleções fechadas e temáticas, com 790 fitas magnéticas e quase 200 transcrições, além do material bibliográfico, hemerográfico e iconográfico que as complementam. Uma primeira questão a nos chamar a atenção nessa documentação reunida foi a qualidade técnica das gravações, o que, muitas vezes, representava um risco para sua preservação. Investimos esforços em duas direções: oferecer oficinas aos pesquisadores, no sentido de alertá-los para os cuidados necessários para uma boa qualidade das gravações. Numa outra direção, quando os registros oferecem essa possibilidade, fazemos a limpeza do som, via os equipamentos existentes no CEDIC. Em relação à descrição, preferimos recorrer à descrição sumária, nos moldes arquivísticos, em lugar da descrição catalogada e bibliográfica, nos moldes da Biblioteconomia, mais recorrente nos Centros de Documentação que comportam esse tipo de material. Com essa prática, o Programa conseguiu subsidiar as coleções com informações mais amplas e completas para consulta, principalmente quando estas vêm pelo contexto de produção dessas fontes. A adoção dessa política de descrição sumária ajusta-se às linhas de elaboração de instrumentos de pesquisa preconizadas pela Arquivologia, que orientam a criação de níveis hierárquicos de informações sobre o acervo, partindo de elementos mais gerais, compilados em formato de um Guia, para os mais específicos, em formato de um Catálogo. Desse modo, vimos aplicando a Norma Internacional de Descrição Arquivística143, que gera como instrumento de acesso a essas Coleções um Guia, cujas áreas de informação e seus campos dão caminhos para a identificação e descrição de materiais de natureza diversa e possibilidades de adequação para as especificidades encontradas nesse tipo de Coleção.

143 Em 1995, tomamos conhecimento de que o Conselho Internacional de Arquivos havia aprovado a Norma

Internacional Geral de Descrição Arquivística ISAD(G) e após estudá-la lançamos o Guia do CEDIC de acordo com a mesma. Desde então, vimos acompanhando as suas atualizações, feitas pelo próprio CIA, e traduções, pelo Arquivo Nacional.

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Na Norma temos as áreas de identificação, contextualização, conteúdo e estrutura, condições de acesso e uso, fontes relacionadas, notas e controle da descrição, que definem a elaboração de um instrumento de pesquisa, seja ele sumário ou detalhado. Isso significa dizer que é possível aplicar os mesmos campos de informação para se produzir um Guia ou um Catálogo isoladamente ou para criá-los conjuntamente, tornando-os instrumentos multiníveis144. Dentro de cada área, arrolam-se, ainda, campos mais detalhados a serem aplicados a conjuntos documentais de natureza estritamente arquivística - fundos, grupos/subgrupos, séries, dossiês e peças documentais. Estes, no entanto, não têm sido aplicados às Coleções de registros orais. Também para outros, mais abrangentes, realizamos reformulações nos padrões de descrição à luz da ISAD(G)145. Alguns exemplos de campos que não temos aplicado a essas Coleções: Um deles é o nível de descrição146, presente na área de identificação, uma vez que as Coleções não apresentam níveis de classificação por se tratarem de reuniões artificiais de documentos, diferentemente das estruturas naturais encontradas em documentos de arquivo – órgão/seção produtora/acumuladora, função, séries e outros. Quando essas Coleções apresentam outros níveis, devemos saber que se trata de critérios criados pela instituição detentora do acervo; não são naturais e intrínsecos à Coleção. Normalmente, as descrições de Coleções passam do primeiro nível, que é o do guia, para o último, que é o de catalogação da peça documental. Um outro é o campo incorporações, na área estrutura da descrição. Conforme indica a Norma, o objetivo e a regra propostos para esta modalidade de informação é que se anunciem incorporações documentais periódicas e previstas à unidade de descrição. Isso tem parecido pouco aplicável às Coleções, já que os fluxos de novas incorporações não são realizados de maneira planejada. No desenvolvimento da descrição, também fomos criando e reformulando outros campos, adequando-os à realidade do Programa e da produção de um Guia. Citamos como exemplo o campo natureza do conjunto, que incluímos na área de identificação. Nele informamos se a unidade descrita apresenta-se como Fundo ou Coleção. Se é Coleção, de que gênero. Convencionamos assim para dar destaque ao tipo de formação do conjunto documental que vem sendo descrito. Ainda na área de identificação, no campo gênero, informamos se os documentos são sonoros ou orais, restringindo o primeiro conceito às Coleções que se compõem de

144 Por enquanto, os esforços da equipe técnica do CEDIC têm-se voltado para a aplicação da ISAD(G) no instrumento

de acesso Guia do Acervo, mesmo sendo elaborada também para outros níveis de descrição. 145 Pela sua própria natureza a norma se apresenta como “diretrizes gerais para a preparação de descrições arquivísticas

[devendo ser] usada em conjunção com as normas nacionais existentes”. ISAD(G): NORMA GERAL INTERNACIONAL DE DESCRIÇÃO ARQUIVÍSTICA: 2ª ed., Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001. p.1.

146 Segundo a ISAD(G), o objetivo do campo é “identificar o nível de organização da unidade de descrição”. Tem como regra: registrar o nível desta unidade de descrição. “Exemplos: Fundo, Seção, Série, Subsérie, Dossiê/processo, item documental”. (NORMA, p.12)

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musicalidades e o segundo conceito às que se compõem exclusivamente de entrevistas e/ou palestras. Cientes das controvérsias em torno dela, temos usado em nosso trabalho a terminologia definida pelos Dicionários de Terminologia Arquivística147, que apresentam dois conceitos para designar esse tipo de documento: documentação fonográfica ou sonora - aquela composta basicamente por qualquer tipo de som; documentação oral – aquela exclusivamente resultante de entrevista, depoimento e história de vida. Na área de contextualização, no campo nomes dos produtores informamos a(s) entidade(s) ou pessoa(s) produtoras do conjunto de entrevistas e responsáveis pela reunião dos demais documentos que compõem a Coleção, em vez de considerar todos os entrevistados como tais. Os nomes dos entrevistados têm sido considerados como uma informação a ser dada no campo "âmbito e conteúdo" dos conjuntos documentais, tratando-os como elementos de identificação da peça documental. Escolhemos esse caminho devido à própria natureza do conceito “produtor”, compreendido pela Arquivologia como “pessoa ou instituição responsável obrigatoriamente, por determinado tempo, pela produção natural, acumulação e guarda dos documentos”. Adequamos esse conceito, compreendendo que o autor é o produtor responsável por essa Coleção, tendo produzido os depoimentos e reunido a documentação complementar como uma atividade exercida na realização daquela pesquisa. Na área de conteúdo e estrutura da descrição, no campo âmbito e conteúdo informamos sobre a abrangência dos documentos que compõem a Coleção (espécie, tipos documentais, assuntos, datas, localização geográfica etc). Nesse sentido, consideramos todos os tipos de documentos encontrados e relacionamos, quando conveniente, a natureza da entrevista (história de vida ou depoimento temático), os nomes dos entrevistados e seu perfil, datas das entrevistas, a existência de fichas de identificação e cadernos de campos e de outros materiais recebidos e reunidos durante a formação da Coleção. Ainda nessa mesma área, no campo sistema de arranjo, informamos os critérios de ordenação adotados para as Coleções. Normalmente, ordenamos por nomes dos entrevistados, datas das sessões ou por outros dados sugeridos pelo produtor da Coleção. Na área fontes relacionadas informamos a existência de cópias e/ou originais relacionados à unidade de descrição. Sendo cada Coleção uma unidade de descrição, tem nos parecido conveniente aplicar os conceitos de original e cópia trazidos pela Norma148 ao conjunto dos documentos, independentemente da natureza diversificada encontrada nos mesmos - arquivística e bibliográfica. Cabe ressaltar que tomamos como originais as Coleções que

147 Dicionário de Terminologia Arquivística (1996), produzido em São Paulo, e o autor Lluís Ubeda Queralt (2004). Por

essa compreensão, a categoria sonora seria mais abrangente e poderia abarcar todos os formatos de documentos dessa natureza, inclusive a oral. A categoria oral, por sua vez, não abrangeria outros formatos de documentos que não fossem aqueles especificados em seu próprio conceito.

148 A Norma prescreve que se indique a existência, localização, disponibilidade e/ou destruição dos originais quando a unidade de descrição consiste em cópias. Para os casos em que a unidade de descrição consiste em originais, deve-se indicar a existência de suas cópias. Se utilizarmos os termos apresentados pelo Dicionário de Terminologia Arquivística, temos que: original é a forma sob a qual um documento, feito por vontade expressa de seu autor, é conservado no suporte e formato em que foi emitido, com os devidos sinais de validação (p.57); cópia é a forma sob a qual um documento é duplicado a partir do original por meio de diferentes métodos (p.19).

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reúnem documentos que apresentam evidentes sinais de validação feitos pelos órgãos que os produziram. Por outro lado, consideramos cópias as Coleções que apresentam em sua totalidade evidentes sinais de duplicação. Nesta área, existem ainda as informações referentes à existência de outros Fundos, Coleções e publicações sobre e/ou relacionadas à unidade de descrição. Especificamente no campo publicações relacionadas, observamos que existem duas naturezas de publicações geradas pela Coleção: a primeira é produzida pelo próprio autor da Coleção, tal qual os depoimentos, portanto é parte da Coleção; a segunda é fruto de outra pesquisa referente à Coleção, portanto é uma obra de outra autoria que se relaciona à Coleção. Assim, no primeiro caso, informamos a obra no campo âmbito e conteúdo, porque ela é parte intrínseca da Coleção sem a qual não se tem maior compreensão daquela reunião e produção de documentos. No segundo caso, a obra é informada no campo “publicações relacionadas”, porque ela é parte complementar à Coleção, sendo fruto de um segundo uso da mesma. A utilização desses padrões de descrição também tem facilitado ao CEDIC e, também, ao Programa criar bancos de dados para automatizar as práticas de descrição e difundir em outros meios eletrônicos, locais e remotos, o seu acervo. Até o momento temos utilizado a ferramenta Access, da Microsoft, com a qual temos criado e remodelado a estrutura dos dados e relatórios à medida que novos estudos e necessidades se fazem prementes. Em face desses redimensionamentos e preocupações, temos acompanhado os estudos e promovido o debate em torno da Norma Geral de Descrição e de sua automação, levantando questões para a produção de uma norma brasileira e problematizando outras referentes às Coleções de documentos orais. Pelo interesse que desperta o assunto, o Centro logrou promover, juntamente com a Associação de Arquivistas de São Paulo, o I Encontro de Documentação Oral, durante o VI Congresso de Arquivologia do Mercosul, em Campos do Jordão, de 17 a 20 de outubro de 2005, no qual parte da reflexão aqui apresentada foi amadurecida. Somando ainda a essas preocupações de formação, organização e descrição de Coleções de documentos orais, o Programa de Documentação Oral vem se dedicando a pesquisas referentes ao suporte físico desses documentos e à sua evolução tecnológica, com vistas a subsidiar políticas de produção e preservação dessas fontes. No âmbito dos acervos em suporte magnético, estudos já consolidados apontam que as condições de temperatura ideais para a sua conservação (rolos e cassetes) são de 18º C a 21ºC e 40 a 50% de umidade relativa do ar (UR). Quando existe uma variação sensível de temperatura entre a área do acervo e a áreas de consulta e/ou processamento (a partir de 8ºC), pesquisas sobre o assunto sugerem a aclimatação dos conjuntos documentais orais em armários e locais distintos daqueles dedicados para o armazenamento, no sentido de não sentirem tanto os efeitos nocivos dessas mudanças, no ato de processamento ou consulta. Vimos adotando também outras recomendações, como o rebobinamento periódico das cassetes. Estipulamos o período entre 6 meses e 1 ano, conforme a qualidade dos

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procedimentos adotados de armazenamento e acondicionamento do acervo. Temos ainda o cuidado de somente utilizar os equipamentos quando estão em boas condições de manutenção, pois aparelhos desgastados ou mal conservados podem danificar a própria fita magnética. Ainda, estudos sugerem para a gravação e a duplicação do acervo o uso de cassete de qualidade cromo e de duração de 60 minutos, já não tão facilmente encontrada no mercado. No caso das duplicações, em que uma cópia se destina para consulta e processamento e outra para segurança e preservação, temos procurado realizá-las a partir de parâmetros técnicos que visam a qualidade de som, já que este é um elemento básico essencial para a compreensão da informação que se quer buscar. Nesse sentido, o Programa tem se dedicado a conhecer mais sobre as formas de gravação existentes para gerir um plano de duplicação do acervo adequado para uma preservação de longo prazo do acervo. Para isso, foi imprescindível conhecermos melhor as técnicas de duplicação analógica149 e digital150. Nos dias atuais, a duplicação digital tem sido padrão nos meios sonoros. No entanto, a conversão da gravação analógica para a digital não implica, propriamente, mudar o suporte magnético para o digital. Isso tem sido um alento para o nosso Programa já que não temos certezas sobre a expectativa de vida e os mecanismos de deterioração das mídias digitais. O registro no meio magnético passa por uma deterioração gradual e perceptível, demandando que a fita seja transcrita ou duplicada antes que atinja níveis impraticáveis de reprodução, ou ainda, que alguns de seus trechos sejam salvos, em casos de perdas parciais. Esse meio magnético apresenta expectativas de vida de dez a trinta anos. Sobre a deterioração da mídia digital, segundo pesquisas realizadas pelo National Institute of Standarts and Technology, nos Estados Unidos, as temperaturas adequadas para a sua guarda podem variar entre 4 e 20ºC, com umidade relativa do ar entre 20 e 50%. Nessas condições, a expectativa de vida dos registros varia conforme o tipo de mídia, gravável ou regravável, comportada pelo acervo. Citando alguns exemplos: o CD-R e o DVD-R duram, em média, 30 anos. Já o CD-RW e o DVD-RW duram, em média, 25 anos. Quando não gravados, todos eles podem durar, em média, 5 anos (o prazo está incoerente com os

149 O sinal da informação original, que também é analógico, é copiado juntamente com qualquer ruído inerente à fita e

com qualquer ruído eletrônico próprio do equipamento de gravação. Temos não somente a duplicação fiel da fita original, como também a soma de novos ruídos inerentes à nova fita em que se grava.

150 O sinal da fonte de áudio é convertido em um número binário que reflete a intensidade do sinal no instante da amostragem. Logo, a informação é convertida em algarismos “zero” e “um” que são facilmente distinguíveis do ruído de fundo de uma gravação (sendo diferente de uma gravação analógica, onde o gravador não pode distinguir entre o sinal registrado e o ruído da fita, de forma que ambos são lidos e reproduzidos quando a fita é tocada). Com isso, a principal vantagem de uma gravação digital é que as cópias da fita original podem ser feitas sem qualquer perda na qualidade da gravação e de maneira a ser verdadeiramente idêntica à fonte primária, sem a soma de ruídos do equipamento utilizado durante a gravação. Existem softwares no mercado que realizam o procedimento de digitalização do som, denominado de masterização, que é um sistema de correção de erros (edição): à medida que informamos ao computador que certos ruídos são erros de gravação, estes são marcados e convertidos em seqüências numéricas e, toda vez que essas seqüências se repetem no decorrer da fita, elas serão suprimidas conforme a programação.

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citados anteriormente. Contudo, essas informações ainda não são precisas havendo controvérsias entre as próprias empresas produtoras das mídias e os institutos que realizam testes para verificar a qualidade e estabelecer padrões. Devemos ainda considerar, como afirma John Bogart (1997), que coleções de áudio (e vídeo) necessitam de cuidado e manuseio específicos para assegurar que a informação registrada seja preservada. Se a informação registrada deve ser preservada por mais de 10 anos, podem vir a ser necessários ambientes especiais de armazenamento. Para a informação que deve ser preservada indefinidamente será necessária a transcrição periódica dos meios antigos para os meios novos, não somente porque os meios de armazenagem são instáveis, mas também porque a tecnologia de gravação se tornará obsoleta. Dessa forma, o Programa tem adotado a transcrição periódica dos meios antigos de reprodução para outros meios mais atuais de maneira híbrida e gradual, significando manter equipamentos que reproduzem as fitas magnéticas com outros que reproduzem mídias digitais. Além disso, devido ao pouco tempo de uso dos discos ópticos digitais (se comparado com o magnético), não sabemos bem ao certo a durabilidade desses suportes, levando-nos a também criar novas cópias em meio magnético quando necessárias para a preservação, e outras cópias em meio digital quando para consulta e difusão das informações. Outra face dessa discussão, que ultrapassa a do suporte, diz respeito aos próprios programas utilizados para a realização da gravação do som, os quais também podem se tornar obsoletos. Temos como exemplo os formatos digitais como o WAVEform AudioFormat (wav), ou os compactadores de arquivo como o Windows Media Audio (wma) e o Mpeg Audio Layer 3 (mp3), comumente utilizados para a reprodução. O primeiro formato, WAV, é o padrão utilizado para a gravação de cd's de áudio, sendo compatível com todos os aparelhos de som do mercado. Já os dois últimos são utilizados para comprimir arquivos sonoros de maneira a utilizar um pequeno espaço de armazenamento, levando à perda de qualidade de som. Nesse sentido, o Programa tem optado pelos compactadores somente quando existe a necessidade premente de dispor as entrevistas em banco de dados, em ambiente remoto ou não. Os recursos da informática nos processos de descrição documental têm possibilitado avanços no tratamento documental, facilitando a comunicação entre Instituições, organismos e movimentos e acesso mais amplo e ágil aos pesquisadores. Ela coloca, no entanto, vários desafios, demandando reflexões, exercícios na realidade concreta e debates a respeito. Trazer para o debate essas questões significa, para nós, estar sempre avaliando os significados atribuídos à produção dessa documentação, procurando destacar a importância que o direito à palavra assume, hoje, e suas implicações nas propostas de ampliação dos horizontes da memória e do patrimônio cultural do país. Nesse universo, notamos que um

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apelo mais nostálgico e afetivo ao passado e à memória já convive, hoje, com uma preocupação de refletir sobre identidades ameaçadas, sobre modos como se refazem na transformação histórica, sobre outras que emergem nas brechas da ampla e complexa experiência social contemporânea. Pensamos que resultados mais positivos poderão ser alcançados na medida em que houver maior consciência da importância de um tratamento mais efetivo e sistemático dos registros orais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Arquivo Nacional. Rio de Janeiro: O Arquivo, 1985.32p. PRESERVAÇÃO NO UNIVERSO DIGITAL./ Paul Conway; Coord. Ingrid Beck; trad. Rubens Ribeiro Gonçalves da Silva. Rio de Janeiro: Projeto conservação preventiva em bibliotecas e arquivos: Arquivo Nacional, 1997. 24p. QUERALT, Lluís Ubeda. El tratamiento archivístico y documental de las fuentes orales. In: História Oral: Revista da Associação Brasileira de História Oral. São Paulo: A Associação, n.7, jun, pp.77-91, 2004. TESSITORE, Viviane. Implantação de Centros de Documentação: Noções Básicas. Apostila utilizada na Oficina de Apoio à Sistematização e Organização de Acervos em Sistemas Locais de Saúde. São Paulo, 1992. (impresso) YOW, Valerie Raleigh. Recording Oral History: a practical guide for social scientists. California: Sage Publications, 1994.

TITLE Oral archives in Institutions for Documents Preservation

TITRE Les sources orales dans les Instituicins de Présérvation de Documents

RESUMO Baseando-se em metodologias arquivísticas, o Programa de Documentação Oral do Centro de Documentação e Informação Científica - CEDIC, da PUC/SP, vem implementando políticas de produção, preservação e difusão de documentos orais dentro e fora da Universidade. Nesse trabalho, conceitos de organização, normas de descrição e parâmetros de conservação de documentos em meios magnético e digital vão sendo redimensionados diante das especificidades próprias da fonte oral. Comentar esses redimensionamentos implica também apresentar a função significativa que os Centros de Documentação universitários vêm desempenhando na preservação de dimensões da memória social brasileira, ao abrigar e disponibilizar para o acesso público arquivos e coleções de diferentes perfis, linguagens e formatos.

ABSTRACT Using archival methodologies, the Oral Archives Program of the Center of Scientific Documentation and Information (CEDIC, PUC/SP) has been implementing policies of creation, preservation and diffusion of oral archives in and out of the University. In this work, organization concepts, norms of description and parameters for the preservation of records in magnetic and digital media have been reshaped according to the specific traits of the oral source. Commenting on these procedures also means considering the significant role the university documentation centers have been playing in the preservation of aspects of Brazilian social memory by sheltering archives and collections of different profiles, languages and formats and by making them available to the public.

RESUMÉ Le Programme de Documentation Orale du Centre de Documentation et Information Cientifique – CEDIC, PUC/SP, basé sur des normes archivistiques, est en train d’implanter des politiques de production, présérvation et diffusion de sources orales à l’Université et en

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dehors de ses frontières. Il s’agit de réévaluer les notios d’organisation, les normes de descrption et les paramètres de conservation de documents, d’ordre magnetique ou digitale, en vue des specificitées propes à la source orale. Comenter ces changements veut dire, aussi, faire connaitre le role siginificatif que les Centresde Documentacion de Universités jouent dans la présérvation de dimensions de la mémoire sociale brésiliènne, em guardant les archives et les collections de differents profils, langages et formats et em les mettant à la disposition du public.

PALAVRAS-CHAVES Programa de documentação oral; tratamento arquivístico; tecnologias aplicadas; história oral.

KEYWORDS Oral archives program; processing; applied technologies; oral history; cultural heritage.

MOTS-CLÉS Programme de documentación orale; procedé d´archive; technologies apliquées; histoire orale.

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ASPECTOS LEGAIS DO MICROFILME Ana Célia Navarro de Andrade*

INTRODUÇÃO Em artigo publicado na edição nº 3 da revista Registro, de julho de 2004, destacamos as características principais do microfilme para a preservação de documentos. Sob o título de "Microfilme: passado, presente e futuro da preservação documental", demonstramos que a microfilmagem não parou no tempo; ao contrário, foi aperfeiçoando seus equipamentos visando à integração com as novas tecnologias. Hoje, os fotogramas podem ser facilmente transformados em imagens digitais através de scanners ou digitalizadores de microformas. Há ainda equipamentos híbridos, que microfilmam e digitalizam, simultaneamente, os documentos, demonstrando que a microfilmagem não é um processo superado. O recente lançamento de equipamentos para digitalização de microfilmes 16/35mm, híbridos ou não, bem como a de impressoras que transformam imagens digitais em microfilmes, reitera sua característica como o principal agente da preservação documental. No presente artigo, nossa intenção é apresentar outra grande qualidade desse processo de reformatação de documentos: a validade legal. A microfilmagem ainda é o único meio de reprodução que possui respaldo legal regulamentando o conjunto de suas atividades, ao contrário da digitalização de documentos151, que, em virtude de algumas de suas características, ainda não possui respaldo com o mesmo alcance da microfilmagem. Faz-se necessário esclarecer que em momento algum estamos fazendo campanha contrária ao uso de documentos digitais, principalmente porque já fazem parte da realidade arquivística nacional. Reiteramos que nosso intuito é apresentar e divulgar a legislação referente ao uso do microfilme no Brasil. Aproveitamos para sugerir aos interessados em obter informações mais detalhadas sobre documentos digitais e suas características técnicas, certificação digital, normas e legislação sobre documentos eletrônicos, bem como os projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, que consultem o site da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos (CTDE), do Conselho Nacional de Arquivos - Conarq, no seguinte endereço: http://www.arquivonacional.gov.br/conarq/cam_tec_doc_ele/index.asp. LEGISLAÇÃO SOBRE O MICROFILME

* Historiógrafa do Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro dos Reis Filho” (CEDIC) / PUC-

SP. 151 De acordo com o Parecer nº 01/2005, de 18 de março de 2005, do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e

Qualificação, sendo a digitalização " 'o processo de conversão de um documento do formato analógico (papel ou microfilme) para o formato digital', a legislação vigente não atribui juízo de valor. Desse modo, não é do nosso conhecimento qualquer legislação que atribua valor jurídico à digitalização de documentos." (p. 4)

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Os documentos que atualmente regulam e regulamentam a microfilmagem no Brasil são a Lei nº 5.433/68, de 8 de maio de 1968, e o Decreto nº 1.799, de 30 de janeiro de 1996, que revogou o primeiro Decreto nº 64.398, de 24 de abril de 1969. Em complementação, temos ainda a Portaria nº 17 do Ministério da Justiça152, datada de 30 de março de 2001, em substituição à Portaria MJ nº 58, de 20 de junho de 1996, e retificada pela Portaria MJ nº 73, de 13 de setembro de 2005. A Lei do Microfilme, como é conhecida a Lei nº 5.433/68, regula a microfilmagem de documentos oficiais em todo o território nacional, autorizando, em seu artigo 1º, a microfilmagem de documentos particulares e oficiais, arquivados nas três instâncias públicas - órgãos federais, estaduais e municipais. O parágrafo 1º desse artigo afirma, ainda:

"Os microfilmes de que trata esta Lei, assim como as certidões, os traslados e as cópias fotográficas obtidas diretamente dos filmes produzirão os mesmos efeitos em juízo ou fora dele."

Ou seja: não apenas os microfilmes possuem valor legal, mas também todos os documentos emitidos e/ou extraídos a partir dos mesmos, em função de seu valor de prova. O artigo também orienta o usuário quanto à eliminação e/ou transferência de documentos microfilmados, e quanto ao arquivamento dos microfilmes negativos produzidos. Outro que merece destaque é o artigo 2º, que determina que os documentos de valor histórico não deverão ser eliminados, podendo ser arquivados em local distinto da repartição detentora, isto é, nos Arquivos Públicos ou, no caso de instituições privadas, nos Arquivos Centrais ou Gerais. Durante 28 anos, a Lei do Microfilme foi regulamentada pelo Decreto nº 64.398, de 24 de abril de 1969. Da mesma forma que a Lei, seu artigo 1º informava o alcance da microfilmagem que:

"compreende a dos documentos oficiais arquivados nos órgãos dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, inclusive nos da administração Indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem assim as dos documentos particulares de qualquer espécie, de pessoas naturais ou jurídicas, (...). Parágrafo único. Disporá, ainda, o presente Decreto do estabelecimento de normas sobre o manuseio, preservação dos filmes resultantes, cópias, traslados, certidões extraídas de microfilmes e autenticação desses documentos para que possam produzir efeitos legais em juízo ou fora dele."

Os trinta e quatro artigos do Decreto dividiam-se nas seguintes seções:

152 O Ministério da Justiça é responsável pelo registro de empresas, cartórios e órgãos públicos que realizam serviços de

microfilmagem de documentos.

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16) Do Equipamento de Microfilmagem - artigos que tratavam dos tipos de equipamentos utilizados na microfilmagem e no processamento dos filmes. 17) Dos Filmes - artigos que tratavam dos tipos de filmes e graus de redução utilizados para cada filme. 18) Da Microfilmagem dos Documentos Oficiais - artigos que tratavam das imagens de abertura, de encerramento e termos de correção utilizados durante a microfilmagem; da não obrigatoriedade de extração de cópia de filme quando se tratasse de documentos sigilosos; da validade em juízo, ou fora dele, de traslados, certidões e cópias em papel extraídos de microfilmes. 19) Da Microfilmagem de Documentos Particulares - artigos que tratavam, principalmente, da obrigação das empresas e cartórios que exercessem atividade de microfilmagem de documentos em requerer registro junto ao Ministério da Justiça e sujeitar-se à fiscalização por ele exercida. 20) Da Autenticação dos Filmes, Traslados, Certidões e Cópias em Papel de Documentos Particulares - tratavam da obrigatoriedade de autenticação em Cartório dos filmes e demais documentos mencionados para que os mesmos tivessem validade legal. 21) Disposições Gerais - artigos que tratavam da possibilidade de emendas nos filmes através de termos de aditamento; da validade de microfilmes e cópias em filmes produzidos no exterior; da vigência de microfilmes sujeitos à fiscalização ou necessários à prestação de contas; dos tipos de filmes utilizados na confecção de cópias; dos processos utilizados para extração de cópia em papel do microfilme; dos certificados de garantia emitidos por cartórios e empresas prestadoras de serviço de microfilmagem; além de informações sobre infrações e respectivas sanções aplicadas a quem desrespeitasse o disposto no Decreto.

Apesar da estabilidade do processo micrográfico, a possibilidade de o negativo matriz apresentar emendas, seja para fins de correção, seja para fins de aditamento, entrava em choque com as principais características do microfilme e colocava em dúvida sua validade legal, mesmo tendo os termos de correção e de aditamento microfilmados junto aos documentos. Visando não apenas esclarecer eventuais dúvidas a esse respeito, mas principalmente retificar os procedimentos e o texto que regulamenta a microfilmagem no Brasil, em 1996 o Decreto nº 1.799 veio revogar o anterior. Este Decreto, com catorze artigos a menos e sem nenhum dos nove modelos de imagens, termos e outros documentos propostos para autenticação dos filmes, incorporados ao decreto anterior, normatiza de maneira mais simples e eficiente a microfilmagem de documentos no país. Três artigos do novo Decreto regulamentador do microfilme merecem especial atenção:

Art. 12 – A eliminação de documentos, após a microfilmagem, dar-se-á por meios que garantam sua inutilização sendo a mesma precedida de lavratura de termo próprio e após a revisão e a extração do filme cópia.

Parágrafo único. A eliminação de documentos oficiais ou públicos só deverá

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ocorrer se prevista na tabela de temporalidade do órgão, aprovada pela autoridade competente na esfera de sua atuação e respeitado o disposto no art. 9º da Lei nº 8.159153, de 8 de janeiro de 1991. Art. 13 - Os documentos oficiais ou públicos, com valor de guarda permanente, não poderão ser eliminados após a microfilmagem, devendo ser recolhidos ao arquivo público de sua esfera de atuação ou preservados pelo próprio órgão detentor.

Destes artigos decorrem algumas questões importantes: em primeiro lugar, a microfilmagem só poderá ser utilizada como forma oficial de substituição de documentos se prevista na tabela de temporalidade do órgão e aprovada pela autoridade competente; e em segundo, para tornar legal essa substituição é necessário o registro em Livro ata do termo de substituição e eliminação de documentos. Todas as informações referentes à microfilmagem e à eliminação de documentos constarão da tabela e do Livro ata de transferência ou eliminação de documentos microfilmados. Também é importante ressaltar que os prazos determinados pela tabela de temporalidade devem ser respeitados. Portanto, os microfilmes, que passaram a exercer a função de originais após a eliminação dos documentos suporte em papel, deverão cumprir os mesmos prazos estabelecidos na tabela de temporalidade sendo, por fim, eliminados quando aqueles expirarem. Além disso, microfilmar não é licença para eliminar. Só poderão ser eliminados, após a microfilmagem, os documentos não classificados como de valor permanente.

Art. 15 – A microfilmagem de documentos poderá ser feita por empresas e cartórios habilitados nos termos deste Decreto. Parágrafo único. Para exercer a atividade de microfilmagem de documentos, as empresas e cartórios a que se refere este artigo, além da legislação a que estão sujeitos, deverão requerer registro no Ministério da Justiça e sujeitar-se à fiscalização que por este será exercida quanto ao cumprimento do disposto no presente Decreto.

Este artigo refere-se à obrigatoriedade de empresas e cartórios possuírem o registro do Ministério da Justiça para exercer, legalmente, a atividade de microfilmagem de documentos, tanto para si como para terceiros. Inicialmente, esse artigo foi complementado pela Portaria nº 58 do Ministério da Justiça, de 20 de junho de 1996, que determinava que não apenas as empresas e cartórios que exerciam atividades de microfilmagem deveriam obter o registro junto ao Ministério da Justiça154, mas também toda instituição que dela se utilizasse: 153 "Art. 9º - A eliminação de documentos produzidos por instituições públicas e de caráter público será realizada

mediante autorização da instituição arquivística pública, na sua específica esfera de competência." (Lei 8.159/91) 154 As entidades devem solicitar ao Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação seu requerimento de

autorização. Os pedidos podem ser protocolados diretamente na Central de Atendimento da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), no andar térreo do Anexo 2 do Ministério da Justiça, ou encaminhados pelo correio para o seguinte endereço: Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação - Ministério da Justiça, edifício Anexo II, sala 211 - Esplanada dos Ministérios - CEP 70064-901- Brasília/DF

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Art. 2º - Determinar que estão obrigadas a registro todas as organizações que se utilizam do sistema de microfilmagem, independentemente de sua natureza jurídica, nos termos do art. 1º do Decreto nº 1.799, de 30 de janeiro de 1996; (...) Art. 4º - Os serviços terceirizado, devem também submeter-se a registro no Ministério da Justiça, tanto o prestador de serviços quanto o usuário do sistema;

Essa Portaria vigorou até março de 2001, quando foi substituída pela Portaria nº 17, de 30 de março de 2001. As principais alterações ocorridas dizem respeito à redação do texto155, que se tornou mais clara, e à necessidade de o requerente apresentar ao Ministério da Justiça o comprovante de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), no Ministério da Fazenda, conforme o inciso II do Artigo 3º. O fato de, a partir da Portaria MJ nº 58, o usuário do microfilme também ser obrigado a efetuar seu registro junto ao Ministério da Justiça causou muita polêmica e protesto, já que nem a Lei nº 5.433 nem o Decreto nº 1.799 mencionavam essa obrigatoriedade. Nesse sentido, em 13 de setembro de 2005, o Ministério da Justiça, através na Portaria nº 73, revogou o artigo 1º da Portaria anterior,

"(...) CONSIDERANDO que a legislação exige somente o registro no Ministério da Justiça das empresas e órgãos públicos que executam serviços de microfilmagem, não se exigindo o registro dos simples usuários, consumidores, desses serviços; (...)".

Além disso, alterou os incisos IV e VI do art. 3º da Portaria nº 17, retirando dos mesmos a menção a "detentor dos documentos a serem microfilmados" e "usuário do sistema de microfilmagem", respectivamente. As Portarias nº 17 e 73 podem ser consultadas no site do Ministério da Justiça / Secretaria Nacional de Justiça / Registro de empresas, órgãos e cartórios prestadores de serviço de microfilmagem de documentos: http://www.mj.gov.br/snj/microfilmagem/default.htm. Outros aspectos importantes do Decreto nº 1.799 são a utilização de qualquer microforma; a proibição do uso de filmes atualizáveis de qualquer tipo, tanto para a confecção do original quanto das cópias; a utilização de qualquer grau de redução, desde que fiquem garantidas a legibilidade e a qualidade de reprodução das microformas; e, principalmente, a proibição de qualquer corte ou inserção no filme original, conforme descreve o artigo 9º:

Art. 9° - Os documentos da mesma série ou seqüência, eventualmente omitidos quando da microfilmagem, ou aqueles cujas imagens não apresentarem legibilidade, por falha de operação ou por problema técnico, serão

155 "Art. 1º - Determinar que as empresas e os serviços notariais e de registro que exerçam atividade de microfilmagem

de documentos ficam obrigados a se registrar neste Ministério, nos termos do art. 15, parágrafo único do Decreto nº 1.799, de 30 de janeiro de 1996. Parágrafo único: Ficam igualmente sujeitos ao registro os detentores dos documentos a serem microfilmados e bem assim órgãos públicos que microfilmem documentos para terceiros." (Portaria nº 17/2001)

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reproduzidos posteriormente, não sendo permitido corte ou inserção no filme original. § 1° - A microfilmagem destes documentos será precedida de uma imagem de observação, com os seguintes elementos: a) identificação do microfilme, local e data; b) descrição das irregularidades constatadas; c) nome por extenso, qualificação funcional e assinatura do responsável pela unidade, cartório ou empresa executora da microfilmagem. § 2° - É obrigatório fazer indexação remissiva para recuperar as informações e assegurar a localização dos documentos. § 3° - Caso a complementação não satisfaça os padrões de qualidade exigidos, a microfilmagem dessa série de documentos deverá ser repetida integralmente.

Considerando a necessidade de padronização da microfilmagem de documentos arquivísticos de acordo com as normas internacionais, o Conselho Internacional de Arquivos - Conarq, baixou a Resolução nº 10, de 6 de dezembro de 1999, que dispõe sobre a adoção de símbolos ISO (Norma ISO 9878/1990) nas sinaléticas a serem utilizadas nesse processo (ver anexo). O texto completo da Resolução, bem como os símbolos adotados e o quadro de aplicação do roteiro das sinaléticas, acompanhadas de suas respectivas especificações técnicas, podem ser consultados no site do Arquivo Nacional / Conarq / Legislação / Resoluções do CONARQ em . Como uma das finalidades do Conarq é exercer orientação normativa visando à gestão documental e à proteção especial aos documentos de arquivo, a Resolução nº 10 acaba sendo uma recomendação tanto para os arquivos públicos quanto para as instituições privadas. Em geral, os arquivos públicos e as instituições que trabalham com documentos classificados como de valor permanente acabam por utilizar a padronização sugerida pelo Conarq. No entanto, no que se refere à microfilmagem realizada por empresas prestadoras de serviço de microfilmagem, os símbolos mencionados são praticamente desconhecidos, ficando a cargo de cada empresa a criação da sinalização dos problemas apresentados pelo material a ser microfilmado. MICROFILMAGEM E AS NOVAS TECNOLOGIAS Passados 167 anos de sua criação, o microfilme ainda demonstra ser uma grande tecnologia, mantendo constantes suas principais características: durabilidade e estabilidade do filme; fidelidade ao original; integridade do arquivo; preservação do original, entre outras. Com o avanço tecnológico do final do século XX e início do século XXI, ao contrário do que muitos pensavam, o microfilme não enfraqueceu; ele foi aperfeiçoado através da criação de equipamentos híbridos, tornando-se uma tecnologia moderna e versátil. Mas como é que fica a legislação em relação a essa nova tecnologia? No tocante ao Sistema Híbrido156 onde a combinação é resultante do processo inicial de

156 Combinação de mais de uma tecnologia, aproveitando ao máximo o que de melhor cada uma tem a oferecer, com o

objetivo de potencializar resultados.

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microfilmagem - por meio fotográfico ou eletrônico - seguido pela digitalização do microfilme produzido, tanto o filme quanto as certidões, traslados e cópias fotográficas dele obtidas diretamente, "produzirão os mesmos efeitos legais dos documentos originais em juízo ou fora dele"157. De acordo com o Parecer nº 01/2005, já mencionado em nota na Introdução deste artigo, o processo híbrido cujo equipamento possibilite apenas o ajuste da imagem, melhorando a definição do documento antes da microfilmagem, é considerado um procedimento correto, sendo, portanto, autorizado pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça:

Em se usando um processo "híbrido", com técnica adequada para uma pré-leitura, antes de microfilmar, ainda que possibilite o ajuste da imagem (isso apenas para melhoria da definição do documento) e com o intuito de reduzir despesas causadas pela repetição do trabalho ou pela possível perda de filmes durante a microfilmagem, desde que não adultere ou falsifique o documento original [grifo nosso], somos de acordo. Entendemos ser correto esse procedimento pelo fato de preservar as características da imagem original.158

Há, ainda, as chamadas impressoras de microfilme, equipamentos que são acoplados a computadores e, como o próprio nome diz, imprimem um microfilme a partir do computador. O grande problema enfrentado pelo microfilme produzido por esse sistema é garantir a fiel reprodução das informações contidas no documento original, uma vez que, antes de sua microfilmagem, o documento (gerado pelo computador ou digitalizado) está sujeito a alterações. Naturalmente que, estando também o detentor dos documentos, e não apenas o microfilme, sujeito às sanções da lei, e sendo ele "o principal interessado no resultado fiel da microfilmagem dos seus próprios documentos (...) deverá protegê-los de forma que não sejam alterados por ocasião da microfilmagem."159 CONCLUSÃO Com a evolução dos processos de reformatação de documentos, com ênfase naqueles que utilizam o meio eletrônico, a tendência natural das instituições é optar pelos procedimentos mais rápidos e de baixo custo. No entanto, nem sempre esses procedimentos são os mais adequados para a gestão documental. Tomando-se a Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, em seu artigo 3º:

Art. 3º - Considera-se gestão de documentos o conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente.

157 Decreto nº 1.799/96, Art. 1º, § 1º. 158 Parecer nº 01/2005, de 18 de março de 2005, pp. 3-4. 159 Idem, p. 4.

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No que tange, especificamente, aos itens arquivamento em fase intermediária e recolhimento para guarda permanente, o uso do microfilme acaba sendo constante, principalmente em função de seu valor legal e de suas características voltadas para a preservação de documentos, respectivamente. Como os documentos de valor permanente não poderão ser eliminados após sua microfilmagem, caso ocorra algum problema com as mídias ou servidores onde as imagens digitais estiverem armazenadas a perda da instituição que optou pela digitalização de seu acervo, além do tempo dispensado para a execução dessa atividade, será financeira, uma vez que o acervo original ainda estará sob sua guarda. No que se refere aos arquivos intermediários que, em grande parte dos casos, utilizam a microfilmagem de substituição para ganhar espaço em seus depósitos sem, contudo, perder a validade legal dos documentos microfilmados, um erro (tanto na produção do microfilme quanto no registro da instituição no MJ e/ou do microfilme em cartório) poderá ser decisivo para o futuro da instituição. Nesse sentido, concluímos que, no caso de documentos oficiais, não importa o meio escolhido para sua produção e/ou reformatação, e sim a garantia de que essa escolha seja feita de maneira a assegurar o valor legal dos documentos. REFERÊNCIAS ANDRADE, Ana Célia Navarro de. Microfilme: Passado, Presente e Futuro da Preservação Documental. REGISTRO: Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba / Fundação Pró-Memória de Indaiatuba. V.3, Nº 3, pp. 51-60, Julho 2004. Lei nº 5.433, de 8 de maio de 1968. Regula a microfilmagem de documentos oficiais e dá outras providências. Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências. Decreto nº 64.398, de 24 de abril de 1969. Regulamenta a Lei n° 5.433, de 8 de maio de 1968, que regula a microfilmagem de documentos oficiais, e dá outras providências. (Revogado pelo Decreto nº 1.799/96) Decreto nº 1.799, de 30 de janeiro de 1996. Regulamenta a Lei n° 5.433, de 8 de maio de 1968, que regula a microfilmagem de documentos oficiais, e dá outras providências. Portaria nº 58, de 20 de junho de 1996, do Ministério da Justiça. Define procedimentos para o registro de empresas prestadoras de serviço de microfilmagem de documentos oficiais e dá outras providências. (Revogada pela Portaria nº 17/2001) Portaria nº 17, de 30 de março de 2001, do Ministério da Justiça. Define procedimentos

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para o registro de empresas prestadoras de serviço de microfilmagem de documentos oficiais e dá outras providências. Portaria nº 73, de 13 de setembro de 2005, do Ministério da Justiça. Revoga o parágrafo único do art. 1.º e altera os incisos IV e VI do art. 3.º da Portaria 17, de 30 de março de 2001, da Secretaria Nacional de Justiça. Parecer nº 01/2005, de 18 de março de 2005, do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação. Pronúncia relativa às consultas recebidas na questão do processo fotográfico (convencional) ou eletrônico, utilizado na execução dos serviços de microfilmagem de documentos, formuladas por organizações autorizadas a prestar serviços de microfilmagem de documentos. ANEXO

Símbolos utilizados – Norma ISO 9878/1990

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Resumo: Tendo como objetivo discorrer sobre os aspectos legais da microfilmagem, o presente trabalho percorre a legislação brasileira, apresentando os principais artigos da lei que regula o uso do microfilme em território nacional, dos decretos que regulamentam esse processo, das portarias do Ministério da Justiça que definem procedimentos para o registro de empresas prestadoras de serviço de microfilmagem de documentos oficiais, além de levantar algumas considerações de parecer do Ministério da Justiça sobre o uso de equipamentos eletrônicos para a microfilmagem de documentos.

Abstract: Aiming at a reflection on the legal aspects of microfilming, this paper rummages through Brazilian Legislation presenting the main articles of the law that regulates microfilming use in national territory, of the edicts that regulate this process, and of the directives of the Ministry of Justice that define procedures for the registration of service-rendering companies that microfilm official records, besides raising some considerations from the Ministry of Justice on the use of eletronic equipment for the microfilming of records.

Résumé La présente étude a pour objectif d’alimenter la réflexion sur les aspects légaux du microfilmage en parcourant la législation brésilienne. Ce travail expose les principaux articles de la loi sur l’usage du microfilm dans le territoire national, les décrets de réglementation en la matière et les délibérations du ministère de la Justice définissant les procédures d’immatriculation des entreprises privées de microfilmage de documents publics. Nous examinons en outre les dépêches du ministère de la Justice relatifs à l’usage d’équipements électroniques dans le processus de microfilmage.

Palavras-chave: documento oficial, microfilme, microfilmagem, legislação, valor legal. Keywords: official record, microfilm, microfilming, legislation, legal value. Mots - clés : document officiel, microfilm, microfilmage, législation, valeur probatoire. Title: Legal Aspects of Microfilming

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A GESTÃO DOCUMENTAL DO ACERVO DA FUNDAÇÃO PRÓ-MEMÓRIA DE

INDAIATUBA E A NORMA BRASILEIRA DE DESCRIÇÃO ARQUIVÍSTICA

Adriana Carvalho Koyama160 Introdução Descreveremos neste texto a estruturação do projeto de arranjo e descrição do acervo da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba (FPMI) e a aplicação de ferramentas da informática e da Norma Brasileira de Descrição Arquivística (NOBRADE) nesse projeto, levando em conta as características específicas da instituição em questão. O contexto da implantação de seu Arquivo Público, e suas relações com outras atribuições da Fundação, confere aos conjuntos documentais sob custódia da FPMI características de acervos arquivísticos, museológicos e de centros de documentação. A partir do levantamento e da avaliação dos conjuntos documentais do acervo, sua organização atual e o estágio da documentação já existente, situaremos nossa proposta de arranjo e descrição do Arquivo Permanente. Descreveremos também suas relações com a gestão documental nos arquivos corrente e intermediário e com a documentação dos acervos do museu e da biblioteca, atualmente em estruturação. Durante a execução desse trabalho introduzimos algumas soluções de automatização de instrumentos de gestão arquivística, procurando soluções pontuais, quando a integração se mostrou inviável, mas buscando sempre a normalização e a troca de dados entre os diferentes espaços de gestão documental da FPMI e da Prefeitura Municipal. Trabalhamos com a perspectiva de inserção das descrições arquivísticas em sistemas automatizados, que abre as portas para uma futura troca de dados a distância entre arquivos nacionais e internacionais. Tendo em vista esse quadro mais amplo, ao projetarmos o sistema de arranjo e descrição da documentação do Arquivo Permanente, buscamos compreender e adaptarmo-nos à Norma Brasileira de Descrição Arquivística (NOBRADE), versão brasileira da norma mundial, ISAD(G), aprovada em 1999, de modo que os dados sobre o acervo atual já sejam informatizados e indexados conforme essa norma, em processo de implantação no Brasil. Apresentaremos nossas escolhas e suas razões, os desafios já enfrentados, a situação atual de nosso trabalho e seus horizontes de continuidade. Nossa expectativa, ao relatarmos esse processo, é de que o estudo de caso, constituído como objeto de pesquisa, propondo soluções específicas, possa conter, “em estado microscópico, problemas mais gerais” (Crespo e Carnevale, 2003:21) e auxilie na solução de problemas semelhantes em outras instituições. Um lugar da memória: a criação da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba

O Casarão do Pau Preto e a defesa do patrimônio cultural de Indaiatuba

A concepção da Fundação confunde-se inicialmente com a defesa do Casarão. Sede de

160 Historiadora e arquivista da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba.

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uma chácara urbana de tradição bandeirista, ameaçado de demolição em 1984, o Casarão pertenceu à família que, no início do século XIX, erigiu uma capela curada no então bairro rural de Indaiatuba, vizinho à sua sesmaria. Graças a esse esforço, esse pequeno aglomerado urbano pode vir a ser a sede da futura freguesia que, agregando outros bairros rurais da região, deu origem à nossa cidade.

O papel simbólico desse espaço urbano é bastante marcado: lugar de origem da vila, suas pedras trazem o passado para o presente da cidade. Nas palavras da pesquisadora do CONDEPHAAT Marly Rodrigues (2000:150), mais do que as outras vertentes do patrimônio, o edificado potencializa a possibilidade de vinculação entre os tempos da sociedade, pois está exposto à fruição pública e sua materialidade torna a história uma ‘verdade’ palpável.

Da defesa do Casarão à idéia de um órgão público destinado a defender o patrimônio histórico e cultural local foi um passo, já que a preservação efetiva do Casarão exigia mais do que a efêmera organização civil que promoveu sua defesa. Uma Fundação poderia guardar, para a preservação da memória, a documentação textual pública, arquivos particulares, coleções museológicas e zelar pelo patrimônio edificado. Aos valores do Casarão de antiguidade, de lugar da memória e de beleza arquitetônica sobrepôs-se, depois de tornado público, um crescente valor afetivo por parte da comunidade local. Atualmente abriga o Museu e um Centro Cultural.

Naquele momento as questões sobre a memória estavam no topo da agenda, no rastro da redemocratização e da rearticulação da sociedade civil (Rodrigues, 2000:121-144). Multiplicavam-se as casas de memória, centros, arquivos, bibliotecas e museus. Ulpiano Bezerra de Meneses (1992:17) aponta a importância dos suportes materiais para a lembrança, usando como exemplo o esquecimento induzido pelos procedimentos de “damnatio memoriae”, destruição consciente dos suportes materiais da memória, utilizada na Roma imperial para apagar toda referência existente e qualquer menção futura a um imperador condenado. A eficiência desse processo vem de que

são necessários aos trabalhos da memória os seus mecanismos --suportes, vetores e referenciais, seus conteúdos ou representações e os agentes e suas práticas. As principais categorias de suporte são a linguagem, o corpo, as cerimônias e os objetos materiais. (grifo nosso)

Esse autor salienta que o conceito de lugares da memória, de Pierre Nora, articula as práticas, agentes, referenciais e conteúdos da memória, constituindo um ponto de condensação de sentido material, simbólico e funcional. Nas palavras de Janice Gonçalves (2004:36), historiadora e especialista em organização de arquivos,

articulando materialidade e imaterialidade, caráter funcional e valor simbólico, o “lugar de memória” passou a ser pensado como ponto a partir do qual poderiam ser redesenhadas e reveladas as redes e práticas da constituição social de memórias, que não estão isentas de jogos de poder e relações de força. Imersos nessa teia, estão a historiografia e os arquivos.

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A concepção da FPMI é, francamente, a de constituir-se como lugar da memória, em seu sentido amplo de articulador entre espaços concretos e simbólicos __ que de resto, como vimos, só existem articulados. Segundo sua lei de criação, de 1988, a Fundação Pró-Memória de Indaiatuba tem como finalidade:

preservar o patrimônio histórico, cultural, artístico e literário de Indaiatuba, especialmente organizar o Arquivo Público e Histórico do Município, instalar o Museu Público e Histórico do Município, manter a Biblioteca Pública Rui Barbosa e zelar pela conservação do Casarão do Pau Preto e uso de suas dependências para finalidades culturais, artísticas, literárias e históricas.

A efetiva funcionalidade da FPMI ocorreu em 1994, quando as atribuições descritas em 1988 foram acrescidas da proteção do patrimônio ambiental e do papel de “classificar como de interesse público municipal bens móveis e imóveis de valor permanente, iniciando processos de tombamento e fiscalizando seu uso”.

Para cumprir essas funções, a FPMI é composta, além de seu corpo técnico, por dois Conselhos, Administrativo e Consultivo, em que estão representados grupos sociais locais. Sempre recebeu desses grupos apoio, avaliação e um fluxo constante de objetos e coleções particulares. Além do recebimento desses documentos particulares, na forma de jornais, documentos textuais, sonoros, iconográficos e tridimensionais, a FPMI faz há mais de dez anos um trabalho sistemático de coleta de depoimentos de história oral, simultâneo à publicação periódica de livros de memórias sobre a cidade. Os materiais para a preservação da memória: o acervo da FPMI

Pelo contexto exposto, percebemos que o acervo da FPMI é fortemente marcado por sua concepção de lugar da memória. Para a defesa do patrimônio edificado criou-se o Conselho Municipal de Preservação, ligado à Fundação. O Arquivo Municipal funciona com uma sede para o Arquivo Intermediário e uma sede para o Arquivo Permanente. Aí, ao lado do Fundo Prefeitura Municipal de Indaiatuba, foram incorporados fundos e coleções particulares, cartoriais e parte do Fundo Câmara Municipal. Seu acervo bibliográfico, inicialmente formado por uma biblioteca técnica, cresceu também através da doação de coleções. Entre elas temos bibliotecas de famílias imigrantes alemãs, suíças, libanesas, “literatura feminina”, etc. Muitos desses livros vieram como parte de coleções, junto com fotografias, manuscritos e objetos tridimensionais.

Documentar essas doações nem sempre foi tarefa fácil, e muitas vezes ficou incompleta. Por vezes as doações foram separadas conforme seu suporte ou tipologia, fazendo-se necessária ainda a recuperação de sua organicidade e história, muitas vezes guardada apenas na memória dos funcionários ou dos membros dos Conselhos. Esse esforço é necessário, pois, como salienta Regina Abreu (1996:41), as coleções particulares constituem

um manancial fabuloso para o conhecimento de nossa própria sociedade e [...] sua fragmentação sem uma estratégia adequada para a recuperação das informações nele contidas representa um sério risco de perda de memória.

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Gestão documental do Arquivo Institucional: o exemplo do Museu Paulista

Instituição centenária, o Museu Paulista (MP) teve seu acervo propriamente documentado a partir de 1990. Helena Barbuy relata o trabalho de organização do Arquivo Institucional do Museu Paulista como condição para a documentação de suas coleções. Segundo a pesquisadora (2002:15),

o Arquivo Permanente do Museu funciona como um metadocumento, já que ele informa sobre a situação das coleções pessoais e institucionais que é função do museu gerir e fomentar.

Guardadas as imensas diferenças de proporção entre os conjuntos documentais e os projetos do MP e da FPMI, essa reflexão é perfeitamente aplicável aos acervos da FPMI, iluminando nossa avaliação sobre o estágio atual de sua documentação e nossa reflexão sobre suas possibilidades futuras. A alternativa que estamos adotando, importante para o arranjo de todos os conjuntos documentais, mas condição fundamental para o tratamento dos fundos e coleções privados, é a de organizar primeiramente o arquivo institucional da FPMI, para podermos, tendo nossa própria história institucional recuperada, traçar a trajetória de cada coleção e contextualizá-las, verificando lacunas e, simultaneamente, normalizando os procedimentos futuros.

Esse trabalho é tão mais necessário por encontrarmos, em meio ao acervo, documentos do Arquivo institucional, e inversamente, documentos do Arquivo Permanente incorporados à biblioteca, ao museu e também ao Arquivo institucional, situação não de todo incomum em instituições que abrigam simultaneamente arquivo, centro de documentação, biblioteca e museu (Tessitore, 2002:7).

Arquivo municipal, memória, história

Viviane Tessitore (2003:7-13) coloca, a partir da consideração de que os municípios são não apenas instâncias político-administrativas, mas também, e sobretudo, coletividades, a relevância da custódia, no caso dos arquivos municipais, de fundos de interesse para a comunidade local, e não apenas de fundos públicos. A autora defende a possibilidade de que, mesmo quando o município possua Museus e Centros de Documentação, crie-se um trabalho integrado em benefício da comunidade. Olhando a documentação da FPMI desse ponto de vista, percebemos que seu tratamento integrado conta com o benefício inicial de estar naturalmente vinculada pela estrutura da instituição. Criar mecanismos de conexão dos dados sobre esses acervos através de instrumentos de gestão arquivística é um dos propósitos de nosso projeto atual.

Como apontamos, o contexto da implantação do Arquivo Público, e suas relações com outras atribuições da Fundação, confere aos conjuntos documentais sob custódia da FPMI características de acervos arquivísticos, museológicos e de centros de documentação. Considerando essas características institucionais, e seus vínculos com a memória da coletividade, é preciso colocar uma questão fundamental. Se, como aponta Meneses

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(1992:22-23), a memória, como construção social, é formação de imagem necessária para os processos de constituição e reforço da identidade individual, coletiva e nacional, não se confunde com a história, que é operação intelectual cognitiva.

A memória fornece quadros de orientação, de assimilação do novo, códigos para classificação e para o intercâmbio social. [Segue-se que] a História não deve ser o duplo científico da memória, o historiador não pode abandonar sua função crítica, a memória precisa ser tratada como objeto da História.

Desse ponto de vista, a questão que se coloca é como documentar as coleções, para que possam tornar-se também fontes de pesquisa historiográfica. Vejamos a questão de um ponto de vista museológico: nas palavras de Regina Abreu (1996:60),

A tendência em transformar os museus e instituições congêneres de “museus-memória” em “lugares de memória” parece ter sido uma tônica em todo o ocidente. [...] Nos primeiros havia uma tentativa de articulação da instituição com a memória coletiva. [...] Nos segundos, passou-se a enfatizar uma linha evolutiva de narrativa histórica e os objetos deixaram de ser evocativos para serem integrados a esta narrativa.

Essa tendência da museologia foi acompanhada pela pesquisadora em seu trabalho sobre o Museu Histórico Nacional (MHN). No caso das coleções desse importante museu histórico, Regina Abreu pergunta se a dissolução das grandes coleções individuais não teria acarretado também uma perda de memória (1996:60):

Os personagens, as trajetórias individuais eram os fios condutores que conferiam sentido a muitas das coleções. Separando os objetos para fins técnicos é preciso tomar cuidado para não perder o sentido do conjunto que a noção de coleção conferia.

A questão da documentação das coleções também foi colocada pelos curadores do MP. Segundo Helena Barbuy (2002:15),

A coleção é a realidade material de formas peculiares de constituição de conhecimento e seus mecanismos de funcionamento deixam claro que o conjunto possui dinâmica própria e funções específicas que não devem ser destruídas quando da sua institucionalização no museu, com prejuízo de se perder significados que só têm existência no arranjo criado pelo colecionador. [...] as coleções pré-existentes são [...] objeto de estudos que procuram discernir os critérios de sua formação pregressa.

Arquivo Público, Museu, Biblioteca

O primeiro fundo custodiado pela FPMI foi o da Prefeitura Municipal de Indaiatuba (PMI), transferido em parte do seu Arquivo Corrente, mas também recolhido de depósitos e

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porões. O Sistema Municipal de Arquivos foi implantado pela primeira superintendente da FPMI, Janice Gonçalves, que também criou os fundamentos de seu plano de classificação. Essa estrutura lógica dá suporte à criação do arranjo e a NOBRADE completa o quadro de referências necessário para seu tratamento nos moldes clássicos da arquivística.

Já no caso das coleções e fundos privados, faz-se necessário um cuidado redobrado no que se refere às escolhas a serem tomadas em seu arranjo e descrição, pois freqüentemente se compõem de objetos variados, convivendo agrupados os acumulados naturalmente pelo produtor e os colecionados. Também têm suportes diversos e muitos foram doados à FPMI como documentos avulsos e objetos “para que sejam incorporados ao Acervo Permanente e livremente utilizados, para fins culturais”, como consta em seus termos de doação.

Atualmente essas coleções estão no arquivo, algumas delas identificadas como fundos. Uma primeira questão se refere, portanto, à sua classificação. O que nos leva à questão da adequação do arquivo para sua custódia. Não seria uma alternativa possível formarem parte do acervo do Museu? Nesse caso, como documentá-las para que mantenham sua organicidade? Se forem separadas de acordo com seu suporte e forma de acumulação, podem se perder as ligações de memória e de sentido que fizeram com que fossem agrupados. E aí talvez resida seu principal valor.

Se pudermos utilizar os descritores obrigatórios indicados no ISAD(G) e na NOBRADE, e inseri-los em uma base informatizada que agrupe esses dados, poderemos ter não mais fragmentos desconexos, mas conjuntos que expressem traços de histórias de vida. Monumentos escolhidos para significar, no momento de sua seleção e recolha, uma representação do produtor desse acervo sobre o passado. A alternativa de separá-los apenas a partir de seu suporte ou tipo documental traria a perda dessa memória entrevista, em função de uma classificação que, se é necessária, sem dúvida é também parcial, como pudemos perceber através das pesquisas citadas do MP e do MHN.

Segundo Jacques Le Goff (1985:95-104), documentos e monumentos são materiais da memória. Os documentos são escolha do historiador, os monumentos são herança do passado. O monumento evoca o passado e perpetua a recordação. O documento liga-se à prova, jurídica e histórica, para a escola positivista. Sua objetividade parece opor-se à intencionalidade do monumento.

O acervo locado atualmente no arquivo permanente abriga, lado a lado, documentos e monumentos: séries documentais públicas convivem com placas comemorativas, exemplares isolados de documentos, retirados de seu contexto de produção vindos de doações particulares. Objetos agrupados por seu valor de antiguidade, de fazer lembrar, por haverem pertencido a locais ou personagens importantes.

No entanto, no mesmo texto, Le Goff relativiza a divisão feita por historiadores e arquivistas entre esses materiais da memória. Em primeiro lugar, se “não há história sem documentos” a própria noção de documentos se ampliou, a partir da segunda metade do século XX, para abrigar textos literários, mitos, pedras, paisagens, toda a cultura material por fim. Mas memória e história não devem se confundir. Dito de outro modo, a história não pode ficar cativa da memória (Meneses, 1992:1). Além dessa ampliação do conceito

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para abarcar novos materiais, Le Goff acentua que é preciso levar em conta que

O documento não é inócuo. É antes de mais o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio.[...] O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documento-verdade. Todo documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo. [...] É preciso começar por desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as condições de produção dos documentos-monumentos. (1985:103)

Para que seja possível para o pesquisador utilizar as coleções atualmente existentes como fontes de pesquisa, é necessário documentá-las rigorosamente, para que se conheça seu contexto de produção e se perceba os rastros de sua montagem. A leitura historiográfica dos documentos, especialmente no que se refere a essas coleções, necessita do suporte das informações que agora estão sendo normalizadas pela NOBRADE, e a recuperação desses dados posteriormente será quase impossível, ao contrário do que ocorre com os fundos públicos, cuja documentação é abundante. Assim, uma das tarefas fundamentais do projeto de documentação do arquivo permanente deve ser a de recuperar todos os dados possíveis sobre as coleções existentes e passar a documentar de acordo com a norma as coleções particulares que venham a ser incorporadas no futuro.

Há ainda uma outra questão que se coloca em relação à organização dos materiais do acervo. Em função de seu suporte ou de sua procura pela população, parte dos documentos foi sendo incorporada por diferentes setores da Fundação. Muitos impressos, por exemplo, foram para a Biblioteca, mesmo sendo parte de fundos públicos ou privados do Arquivo. Vejamos o caso dos jornais, agrupados nas estantes da biblioteca: encontram-se lado a lado as séries documentais do acervo do Arquivo, parte de fundos particulares, e coleções produzidas pela Fundação com fins educacionais e informativos. Reclassificá-los e reconduzir esses materiais a seu espaço e tratamento arquivístico é uma tarefa importante. Mas como fazer isso sem restringir o acesso da população a esses documentos?

A solução que está sendo proposta, clássica, é a reprodução desses materiais para fins informativos. A primeira alternativa para dar total acesso público aos jornais de fundos do Arquivo, que são fontes importantes sobre o século XX em Indaiatuba, está se viabilizando com a instalação do laboratório de microfilmagem. A partir daí a biblioteca da FPMI poderá ser também um ponto de acesso a essas reproduções do acervo arquivístico, de grande procura pela população, assumindo em parte a função de um centro de documentação, ao mesmo tempo em que os documentos poderão ser mais bem conservados pelo arquivo. Outras possibilidades estão sendo estudadas, como a publicação eletrônica de documentos digitalizados.

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A NOBRADE e a documentação do acervo

Fundos da Administração Municipal, coleções e fundos particulares, objetos tridimensionais, documentos avulsos, fotocópias, material documental criado pela própria Fundação, acervos bibliográficos. Como estruturar um sistema documental para os acervos da FPMI que seja consistente para documentar e facilitar o manejo desses acervos e flexível para permitir seu uso por diferentes tipos de consulentes? Na concepção do sistema documental do MP, os coordenadores consideraram que (Barbuy et al.:2002:16)

Cada item do acervo não se reduz a si mesmo, o seu potencial como documento depende da capacidade do sistema de agregar informações em torno de cada unidade, respeitando a organicidade dessas unidades no interior das coleções ou contextos de origem. Desse modo, o sistema documental poderia ser definido como uma estrutura que centraliza um conjunto [...] que envolve a organização e o estudo das coleções, viabiliza a sua integridade, a sua utilização científica, o seu crescimento e controle, a organização de exposições e ações educativas.

E mais:

O sistema deve receber todos os tipos de dados a serem levantados e produzidos, relativos a todos os tipos de acervos, o que não apenas torna viável uma recuperação ágil desses mesmos dados e a localização rápida de cada unidade de acervo, como uma melhor compreensão de significados históricos de que são portadores.

A normalização da descrição arquivística pela NOBRADE permite que esses dados sejam estruturados de maneira uniforme e consistente, fazendo, no tempo, com que as lacunas existentes em função de recolhimentos selvagens, doações pouco documentadas, descrições feitas de partes do acervo, sejam identificadas, seus dados incorporados e, fundamentalmente, que possam ser complementadas. e utilizadas como instrumentos de pesquisa eficientes. A existência da NOBRADE viabiliza a implantação dessa proposta em etapas, pois contém em si uma diretriz para todo o projeto de trabalho e complementa o quadro de referências fundamental de nossa proposta de arranjo e descrição dos acervos do arquivo permanente da FPMI. O Fundo Prefeitura Municipal de Indaiatuba: gestão da documentação municipal ou

da MESA DO HEITOR, GAVETA DO MEIO à Norma Brasileira de Descrição Arquivística O maior fundo da FPMI é o da Prefeitura Municipal (PMI). Por isso, vamos nos concentrar nos exemplos relativos a ele nesta seção de texto, em que descreveremos o projeto de documentação desse fundo, desde sua organização física até a estruturação dos dados para a criação de descrições conformes à NOBRADE. Nesse processo os arquivos corrente e intermediário são parceiros fundamentais. Apontaremos então sua contribuição para a eficiência da gestão documental do Arquivo Permanente.

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O arquivo intermediário: parceiro para a gestão documental do Arquivo Permanente Nesta seção apresentaremos a contribuição do Arquivo Intermediário para a gestão documental do fundo PMI. Como aponta Heloísa Bellotto (2004:180), existem instrumentos de uso interno que dão suporte à estruturação do arranjo e à descrição: guias de remessa, organogramas institucionais, quadros gerais de fundos, grupos e séries, tabelas de temporalidade, instrumentos de uso corrente do arquivo intermediário, são fundamentais para a organização do arquivo permanente. Além disso, se não de direito, certamente de fato ocorrem, na fase intermediária, parte da classificação e ordenação dos documentos existentes, identificação de novos tipos documentais, proposição de novas tabelas e complementos às já existentes, além da triagem e o encaminhamento dos documentos para sua destinação final. A esse cotidiano próprio ao Arquivo Intermediário, no caso do fundo PMI acrescenta-se o fato de que uma parte de seus documentos, fruto de recolhimentos selvagens realizados nos primeiros tempos de existência do Arquivo Público, está ainda para ser avaliada ou classificada, permanecendo no Arquivo Intermediário. Por essas razões, a reorganização do arquivo Intermediário foi um antecedente fundamental para a elaboração do quadro de arranjo e descrição do Arquivo Permanente. Em 2004 a ocupação daquele espaço era a seguinte:

Através do levantamento mostrado na figura 1, descobrimos que naquele momento a documentação de guarda permanente ocupava cerca de um terço do espaço do arquivo

Figura 1 Ocupação do Arquivo Intermediário em outubro de 2004

Ocupação do Arquivo Intermediário em outubro de 2004levantamento feito por Adriana Carvalho Koyama e Rosilda Paes de Almeida

para a Superintendência e Conselho Administrativo da FPMI

documentos sem tabela de

temporalidade definida

29%

área livre

2%

Secretaria da Saúde

tabela em avaliação

2%

documentos ainda não

identificados e classificados

3%

documentos de contas não

aprovadas da PMI

aguardando definição

documentos prontos para

eliminação em 2004 ou janeiro

de 2005

21%

documentos com expectativa

de eliminação nos próximos

cinco anos

6% documentos de guarda

permanente

33%

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intermediário. A própria organização do intermediário era um desafio: não havia espaço para manipulação do acervo, as caixas-arquivo estavam sem identificação, com identificação errônea (caixas reaproveitadas, por exemplo, que mantinham as etiquetas anteriores) ou parcialmente identificadas. As tabelas de temporalidade estavam fragmentadas e as amostras usadas para a identificação dos tipos documentais desorganizadas. O mapa topográfico estava bastante defasado e perdera sua funcionalidade. E o Arquivo Corrente da Prefeitura estava abarrotado de material precisando de transferência para o Intermediário. O primeiro passo dado foi etiquetarmos corretamente as caixas-arquivo já classificadas e ordenadas fisicamente. Naquele momento estavam contíguas ou misturadas partes da documentação já classificada e ordenada e o material ainda não identificado, ou com identificação parcial. Atualizamos o levantamento topográfico, o que revelou uma grande fragmentação do acervo, em razão de sucessivas (des)ordenações de conjuntos documentais semelhantes em espaços diversos no arquivo, em razão do espaço exíguo e da ausência de uma diretriz de trabalho que orientasse o planejamento e manejo dos conjuntos documentais, para mantê-los agrupados corretamente, condição fundamental para a racionalização do acesso e manutenção do acervo. Para fazermos a avaliação, classificação e triagem inicial da documentação presente no Arquivo Intermediário, criamos uma base de dados única com as tabelas de temporalidade existentes, seus tipos documentais, prazos de guarda e destinação final. Fizemos também fotografias digitais das amostras dos tipos documentais já avaliados, para uso cotidiano no trabalho de triagem. Essas fotos poderiam estar no banco de dados, mas tornavam a execução do programa muito lenta no computador que utilizávamos naquele momento; criamos então uma pasta para elas, nomeando cada uma de acordo com seu tipo documental. Abaixo vemos uma janela de consulta dessa base:

Figura 2 Base de dados sobre a documentação do Fundo PMI classificada e com tabela de temporalidade já publicada em 2004

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Durante essa etapa do trabalho também separamos a documentação para guarda permanente, eliminamos quatro toneladas de documentos, em grande parte já com prazos de guarda expirados, mas “perdidos” em meio à documentação de guarda permanente, também sem identificação. Essa foi identificada e ordenada, ficando à espera de espaço no Arquivo Permanente para ser transferida. Uma estratégia utilizada para reordenar esse grande volume de documentos em um espaço exíguo foi designar uma cor para cada seção da administração e identificar o conteúdo de cada estantes com ímãs coloridos e nomeados por seção. Assim, por exemplo, em uma mesma fileira tínhamos várias cores: “educação” (amarela), “fazenda-rendas mobiliárias” (azul royal) , “saúde” (verde), “coordenação política” (púrpura), etc. Às vezes tínhamos cinco cores em uma mesma fileira, o que indicava que havia, misturadas, cinco seções do fundo no mesmo espaço. Conforme fomos organizando as estantes pudemos ver as fileiras com menos cores embaralhadas, medida do quanto estávamos avançando na ordenação do arquivo e de que nos aproximávamos de nossos objetivos. Hoje estão separados, ordenados e identificados os documentos que já possuem planos de classificação, de um lado, e os que ainda esperam triagem, por serem de classificação e separação mais trabalhosa. Entre eles, emblemática, uma caixa identificada como Mesa do Heitor, Gaveta do Meio. O recurso à pequena base de dados, criada especificamente para a situação, foi usado também no caso de uma documentação cuja separação exigia informações precisas para cada item do conjunto, os Alvarás de funcionamento de empresas. Segundo a tabela de temporalidade vigente, o primeiro alvará deve ser guardado, e os subseqüentes eliminados. Para a triagem dessa documentação, no que se refere à década de setenta e anteriores, é necessário averiguar qual o alvará mais antigo ainda existente, que nem sempre é o inicial. Assim, por exemplo, podemos ter apenas o alvará de 1974 para uma empresa registrada em 1970, tendo se perdido o primeiro alvará. Além de permitir a triagem, essa base tornou-se também um instrumento de pesquisa, ainda que incipiente, para o Arquivo Permanente. Abaixo vemos uma tela de consulta dessa base:

Figura 3 Base de dados Alvarás de Funcionamento 196-/1980

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Código de cores, levantamento topográfico, bases de dados específicas para a fase intermediária, com sua tipologia documental e seus prazos de guarda e transferência: com esses instrumentos foi possível reorganizar fisicamente o arquivo intermediário, identificar necessidades futuras e possíveis soluções para os problemas de espaço, então crônicos. Por exemplo, antes desse levantamento havia uma pré-avaliação de que apenas novas tabelas de temporalidade resolveriam os problemas de espaço do arquivo. Descobrimos, no entanto, que boa parte do problema poderia ser resolvido com a transferência de documentação para o Arquivo Permanente. Hoje esse quadro está bastante mudado, depois de sucessivas eliminações e de transferências da documentação de guarda permanente, feitas no início de 2006. Foi quando se tornou possível ter, pela primeira vez, uma visão geral da documentação do nosso maior fundo, o da PMI, e avaliá-lo para fins de arranjo e descrição. De outro modo, o que se fariam seriam ordenações e descrições no “miúdo”, nas palavras de Heloísa Bellotto (2004:174), que não possibilitam a “indispensável correlação entre documentos da mesma série, entre séries da mesma seção, entre seções do mesmo fundo”. O Arquivo Corrente: parceiro para a gestão documental do Arquivo Permanente

No Arquivo Corrente da Prefeitura Municipal de Indaiatuba está em curso um processo de automatização neste mesmo momento: parte da gestão documental está sendo informatizada e uma interface foi colocada online para permitir aos cidadãos consultarem o andamento de processos de requerimento, da seção de Protocolo da Secretaria de Administração. Essa base de dados está sendo implantada nas Secretarias Municipais e no Arquivo Intermediário, de modo que o usuário possa saber onde se encontra um processo na administração municipal, se está em aberto ou encerrado, etc. Para que os dados coletados pelo Protocolo nesse momento de criação do documento pudessem ser usados para a estruturação das informações em todos os ciclos de vida dos documentos, precisávamos de uma codificação que, além de atender as necessidades atuais da administração, servisse como indexador para o banco de dados do Arquivo Público e contivesse as referências necessárias para sua transferência, classificação e ordenação na fase intermediária e para sua destinação final, seja na inserção no arquivo permanente, seja na sua eliminação programada. Essa perspectiva foi um dos parâmetros que guiaram nossas decisões a respeito do modelo de Código de Referência a ser adotado para a notação dos documentos, como veremos.

Trabalhando de maneira integrada com a Secretaria de Administração durante a elaboração, pelo Departamento de Informática, do software de automatização da gestão documental da subseção Protocolo, nossa perspectiva é de que o Código de Referência possa ser inserido na base de dados e agregado ao documento já no momento de sua produção. Esperamos que esse Código funcione como um indexador capaz de, numa próxima etapa, possibilitar a migração e gestão desses dados pela futura base de dados do Arquivo Público, e que essa parceria seja o início de uma gestão integrada do Sistema Municipal de Arquivos, isto é, de sua criação e gestão no Arquivo Corrente, separação no Arquivo Intermediário, eliminação ou guarda no Arquivo Permanente.

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A estrutura do Código de Referência e seu uso para a gestão documental A exigência da NOBRADE de criação de um Código de Referência que refletisse cada um dos níveis de descrição previstos para cada fundo e que contivesse um limite mínimo e máximo de caracteres para cada parte do código, levou-nos a avaliar com cuidado dois modelos de notação, o método decimal e o duplex, em busca de referências para a estruturação de um Código que expressasse a organização lógica do fundo. Nosso pressuposto, ao nos debruçarmos sobre o problema específico do fundo PMI para criar nosso modelo de Código de Referência, foi de que, sendo esse o maior fundo sob custódia da FPMI, o modelo de notação que abarcasse sua complexidade seria suficiente para os Códigos de Referência dos demais fundos e suas descrições. Também procurávamos, como apontamos, uma arquitetura que permitisse ao Código de Referência funcionar, no caso do fundo PMI, como um indexador para todo o ciclo vital dos documentos, compreendendo tanto sua classificação como o arranjo, e que pudesse ser aplicado automaticamente já no momento de sua produção. Estudamos os Códigos propostos no plano de classificação do CONARQ, baseado no método decimal, e os do Arquivo do Estado de São Paulo e de Daise Apparecida de Oliveira, que utilizam o método duplex. Consideramos mais eficaz dar continuidade ao método já adotado pela FPMI quando da elaboração de seu plano de classificação, adaptando-o às exigências da NOBRADE no que diz respeito à representação dos níveis em um padrão de codificação de tamanho fixo. Criamos, então, um Código de Referência para o Fundo PMI utilizando a classificação em seções elaborada por Janice Gonçalves, primeira superintendente da FPMI, incorporando também classificações parciais feitas durante a criação de tabelas de temporalidade. Essas foram adaptadas à proposta de descrição arquivística multinível da NOBRADE, que especifica quatro níveis de descrição para cada Fundo ou Coleção, a saber: Seção, Subseção, Série e Subsérie. A estrutura do plano de classificação, com pequenas modificações, ficou com as seguintes seções:

01 Coordenação Política e Comunicação

02 Administração

03 Fazenda

04 Gestão Territorial e Ambiental

05 Segurança

06 Saúde

07 Promoção Social

08 Educação

09 Cultura

10 Esportes e Lazer

11 vago

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12 vago

Retomamos as classificações fragmentárias já existentes para a avaliação dos documentos da Administração, Fazenda e Segurança, reorganizando-as em um conjunto coerente, com adaptações para que a hierarquia total ganhasse maior consistência. Ao mesmo tempo estabelecemos seu Código de Referência. O modelo de arquitetura do Código ficou como se segue: Uma seqüência de oito dígitos, dois a dois, em que cada dupla corresponde, da esquerda para a direita, à Seção, Subseção, Série e Subsérie do fundo indicado no código. Por exemplo: BR FPMI PMI 03 01 01 01 corresponde ao fundo Prefeitura Municipal de Indaiatuba, seção Fazenda, subseção Finanças, série Controles financeiros, subsérie balancetes de receita e despesa. 03 00 00 00 seção Fazenda 03 01 00 00 subseção finanças 03 01 01 00 série controles da execução orçamentária 03 01 01 01 subsérie balancetes Em seguida estabelecemos uma seqüência de seis dígitos para o nível 4, de dossiê, e quatro dígitos para o nível 5, de item, de modo que o formato final do Código é o seguinte:

Imaginemos então um processo de requerimento de cessão de uso de propriedade ou uso de área de patrimônio público, em que conste uma foto, cujo valor informativo mereça que seja descrita. Seu código seria, por exemplo: BR FPMI PMI 02 01 03 01 030550 0001

Nível 0 Nível 1

Nível 2 Nível 2,5

Nível 3 Nível 3,5

Nível 4 Nível 5

BR FPMI PMI 02 01 03 01 030550 0001 Código do País

Entidade Custodiadora

Fundo Seção Administração

Subseção Protocolo

Série Requerimentos relativos ao controle de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano

Subsérie cessão de uso de propriedade ou uso de área de patrimônio público

Número do processo

Item 1: fotografia

Nível 0 Nível 1 Nível 2

Nível 2,5 Nível 3

Nível 3,5

Nível 4 Nível 5

BR FPMI PMI 00 00 00 00 000000

0000

Código do País

Entidade Custodiadora

Fundo ou Coleção

Seção Subseção

Série Subsérie

Dossiê item

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O Código de Referência pode funcionar como indexador para a gestão documental integrada: podemos agregar outros dados a essa seqüência automatizada básica. Informações necessárias para a gestão documental nos arquivos corrente e intermediário, como, por exemplo, a data de produção do documento e seus prazos de guarda, podem completar essa cadeia de caracteres. Em seguida mostramos, como exemplo dessa possibilidade, um estudo de etiqueta de código de barras para processos de requerimento. Se usada no momento da produção do documento, essa seqüência de códigos traria as informações essenciais para a gestão desse documento em todos os seus ciclos, isto é, além do Código de Referência em nível 4, de dossiê, contém informações sobre sua data de produção normalizada (AAAAMMDD) e seus prazos de guarda: AIAAAA (prazo para a transferência para o Arquivo Intermediário), APAAAA (prazo de transferência para o Arquivo Permanente), ou ELAAAA, se for ser eliminado. No caso do processo hipotético citado anteriormente teríamos: BR FPMI PMI 02 01 03 01 030550 19990630 AI2001 AP2007

A seqüência de caracteres indica que esse documento, produzido em 1999, deve ter sido transferido para o Arquivo Intermediário em 2001 e em 2007 será recolhido pelo Arquivo Permanente. Abaixo, vemos como ficaria a seqüência completa, se utilizada em uma etiqueta de código de barras161·: Outras experiências podem ser feitas a partir da mesma idéia. O que importa destacar é que o Código de Referência criado como uma cadeia de caracteres passível de utilização na gestão automatizada do acervo pode ser um indexador preciso e flexível. Para concluir essa seção, exporemos nosso modelo geral de Código de Referência, pois acreditamos que o Código desenvolvido para abarcar o arranjo do fundo PMI possa ser usado para os demais fundos e coleções, que são menores e menos complexos. Seu padrão final é o que se segue:

BR FPMI XXX 00 00 00 00 000000 0000

161 Code 128

Figura 4 Etiqueta com código de barras utilizando o Código de Referência e informações relativas à gestão documental nas fases corrente e intermediária.

Entidade Custodiadora:

Nível 0

Código do país

Fundo ou Coleção:

Nível 1

Seção e Subseção:

Níveis 2 e 2,5

Série e Subsérie:

Níveis 3 e 3,5

Dossiê:

Nível 4

Item:

Nível 5

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Organização e descrição automatizada do acervo do Arquivo Permanente Terminado o primeiro levantamento e organização física global dos fundos sob custódia da FPMI, criados o modelo de arranjo e de Código de Referência a serem usados, iniciamos os estudos de projetos de descrição automatizada que pudessem nos referenciar. Avaliamos inicialmente a possibilidade de trabalharmos com o Isis-Marc, variação do WinIsis, desenvolvido pelo governo argentino a partir desse software de domínio público da UNESCO, em parceria com Biblioteca do Congresso americano162. Esse software seria uma solução gratuita e customizável, mas não está definido a partir da norma ISAD(G), e sim a partir dos descritores do formato MARC. Outros projetos públicos em andamento foram encontrados, entre os quais destacamos especialmente o DIGITARQ, do Arquivo Distrital do Porto163 e o PESQUISARQ, da UNICAMP. A base de dados criada pela equipe do SIARQ, da UNICAMP, dentro do Projeto PESQUISARQ, foi estudada em sua face para o usuário e em sua face de entrada de dados pelo arquivista. Construída especialmente para atender aos requisitos obrigatórios da NOBRADE, é totalmente baseada em softwares de domínio público, é capaz de gerir os dados de um grande conjunto documental e publicá-lo online. É sem dúvida uma alternativa de descrição automatizada que agrega grande valor tecnológico e científico, pois leva em conta nossa tradição arquivística totalmente compatibilizada com a norma mundial. Esperamos que possa tornar-se de uso público, pois traria o estado da arte para instituições arquivísticas públicas que de outro modo não poderiam ter acesso a softwares com a tecnologia necessária para abarcar todas essas funcionalidades aliadas a uma interface muito coerente e amigável. A base de dados do DIGITARQ, criada com o apoio do Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo (IAN/TT) e da Comunidade Européia, está sendo desenvolvida em linguagem SQL, convertendo dados registrados em papel e eletrônicos originalmente feitos em Word, Isis e Excel e “unificando a informação contida em instrumentos de pesquisa dispersos e não normalizados de acordo com normas de descrição internacionais (ISAD e EAD)”. Vemos que esse projeto contempla, em grande escala, as preocupações quanto à integração das descrições parciais já existentes no arquivo ao modelo em emergência do ISAD(G). A linguagem SQL, adotada pelo DIGITARQ, é a mesma utilizada pelo software criado para a gestão documental do Protocolo da PMI, ao qual nos referimos na seção anterior. Os relatórios do projeto DIGITARQ contêm informações importantes sobre o software para descrição, como por exemplo os diagramas de relacionamento dos descritores.164 Outra possibilidade, acessível a grandes instituições, seria optar por softwares proprietários criados especificamente para arquivos. Um exemplo dessa escolha, eventualmente transitória, é o do próprio IAN/TT, cujo instrumento de pesquisa online, TT online165, foi

162 http://portal.unesco.org/ci/en/ev.php-URL_ID=11041&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html e http://portal.unesco.org/ci/en/ev.php-URL_ID=18335&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html 163 http://www.adporto.org/ 164 http://www.adporto.org/downloads/Digitarq_modulo1.pdf 165 http://ttonline.iantt.pt/DServe.exe?dsqServer=calm6&dsqApp=Archive&dsqDb=Catalog&dsqCmd=Search.tcl

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criado usando o software de uma companhia britânica166. Além do alto custo envolvido nessa escolha, as descrições são marcadas pelas opções da empresa produtora do software, como vemos no texto sobre o projeto TT online167:

As descrições do "TT Online" foram realizadas com recurso à aplicação informática CALM (Collection management for Archive Libraries & Museums), versão 6, na base de dados de Descrições arquivísticas. Esta aplicação tem, contudo, algumas limitações relativamente à Norma ISAD(G) que foi necessário contornar, nomeadamente, não permitir que o nome dos campos seja extenso, razão porque aparecem abreviadas as identificações formais de alguns campos (ex., "Características Físicas", em vez de "Características físicas e requisitos técnicos", conforme indica a ISAD(G)).

Ainda sem definição sobre a base de dados a ser adotada, neste momento estamos reunindo os documentos do Arquivo institucional necessários à descrição normalizada e inserindo seus dados em tabelas feitas em planilhas do Open Office. Tomamos o cuidado de utilizar campos estruturados conforme a norma, para que possamos depois migrar esses dados para a base a ser escolhida. Aplicações da descrição informatizada e importância do uso da NOBRADE para a documentação do acervo da FPMI A informatização pode automatizar a memorização da referência aos documentos e também os próprios documentos, como está previsto, por exemplo, nos projetos PESQUISARQ e DIGITARQ. A cada assunto, a cada material e a cada necessidade, faz-se necessária uma organização correspondente da informação. O acervo da FPMI é utilizado por diferentes públicos, internos e externos: Museu, Arquivo, Biblioteca, Prefeitura, pesquisadores, cidadãos. Nosso objetivo foi criar um projeto informatizado de gestão documental desse acervo, adaptado à norma brasileira de descrição arquivística. Para tanto, antes de tudo foi fundamental fazer o levantamento e organização da documentação dos depósitos do Arquivo Intermediário e Permanente. Ao mesmo tempo desenvolvemos soluções informatizadas, como auxílio na solução de problemas pontuais, cuidando para que sejam simples e compatíveis com os sistemas globais a serem desenvolvidos. Adaptamos e desenvolvemos processos aderentes às especificações da norma, baseados em uma codificação de referência contendo o nome do fundo, seção, subseções, séries e sub-séries, e podendo conter informações opcionais, de acordo com as necessidades de gestão nas várias fases vitais dos documentos, permitindo inclusive a classificação da documentação no momento de sua produção. Para que a informatização permita várias vistas do acervo, de acordo com os utilizadores, o

166 http://www.ds.co.uk/ 167 http://ttonline.iantt.pt/projecto.htm

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projeto prevê a interação com os vários agentes que têm acesso aos fundos, de modo a garantir a consistência dos processos. A idéia é estruturar um sistema que possibilite diferentes vistas do acervo, de acordo com seus vários usuários, e que ao mesmo tempo mantenha a integridade e a consistência do arranjo arquivístico. No caso da documentação do acervo da FPMI, vimos que as muitas facetas da instituição exigem uma documentação precisa e cuidadosa, embora o volume de nosso acervo seja pequeno. Além disso, quanto maior o cuidado na estruturação da descrição automatizada, maior será a vida útil desse instrumento informatizado e sua funcionalidade. A atividade de documentação é de prestação de serviço, e esse serviço é tão mais valorizado quanto for especializado.

Enfim, é preciso lembrar que, além do conhecimento sobre os softwares disponíveis e sobre a NOBRADE, entendemos, como Smith (1987), que o profissional que trabalha com a documentação deve, além de conhecer as técnicas de análise, organização e pesquisa de informações, ser um especialista no assunto tratado, pois a informação gerada nessas condições tem muito mais valor agregado. Não podemos mais entender que a informatização é campo isolado das atribuições do profissional de arquivo e do historiógrafo. Nesse sentido a NOBRADE, fixando um padrão de descrição de excelência, potencializa o trabalho do arquivista, agregando valor aos trabalhos desenvolvidos fragmentariamente e induzindo à criação de rotinas que estabeleçam parâmetros sistemáticos, rigorosos e consistentes para a descrição arquivística, fixação esta que constitui a maior função da normalização, sendo a medida de seu sucesso. Seguramente o projeto aqui descrito exigirá adaptações e reformulações durante sua implantação para a descrição arquivística do acervo da FPMI, e existem ainda desafios a serem equacionados, como o da escolha do software a ser utilizado, mas a NOBRADE é, inequivocamente, uma ferramenta de gestão de grande valor intrínseco.

FPMI acervo Arquivo Permanente

Prefeitura

Arquivo Intermediário

Direção Executiva

Biblioteca

Museu

Pesquisador

Cidadão

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NOBRADE. First, it examines the current organization of the archives fonds and collections, taking into account the singularities of the institution. Subsequently it details our proposal for the arrangement and description of the Historical Archives. Finally, it describes the project relationships to the current and semi-current records management, as well as to the documentation of the museum and library collections. Résumé L’article décrit l’élaboration d’un projet pour l’organisation et la description des archives de la Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, qui respecte la Norme brésilienne de description archivistique (ISAD (G)) et utilise des outils informatiques. Au préalable, nous exposerons l’état d’organisation des fonds d’archives et de collections en prenant garde aux singularités de l’institution. Ensuite nous détaillerons le projet d’organisation et de description des archives historiques. Enfin, nous indiquerons les corrélations de ce projet à la gestion documentaire des archives courantes et intermédiaires d’une part et à la documentation du musée et de la bibliothèque de l’institution d’autre part. Palavras-chave: Gestão de documentos; quadro de arranjo; descrição arquivística; automação; preservação. Key words: Records management; classification scheme; archival description; automation; preservation. Mots - clés : Gestion des documents ; cadre de classement ; description archivistique ; automatisation; préservation.