No coração do Medıterrâneo - barbierigorski.com.br 21 No Coracao do Mediterraneo.pdf · lokk,...

3
62 HosT agosto / setembro 2007 turista na sua cidade L ocalizado no meio do Mar Mediterrâneo, o menor país da União Européia – 93 quilôme- tros ao sul da Sicília e 288 quilômetros ao norte da África – é freqüentemente visitado pela arquiteta Fiorella Baggio, cônsul-geral da República de Malta em São Paulo. Pouca gente ganha uma herança tão rara quanto ela, que, ao substituir o pai na representação do arquipélago em São Paulo, passou a trabalhar aonde antes só ia a passeio. “É um lugar cheio de tradições, onde se toma o chá das cinco, a pontualidade é sagrada e 97% dos habitantes vão à missa no domingo em uma das 365 igrejas locais. Muitas exibem obras de arte, como a Catedral de Saint John, com o quadro da decapitação de São João Batista, de Caravaggio, de 1608.” Assim Fiorella começa a explicar como um dos locais mais antigos do mundo, com edifi- cações anteriores às pirâmides do Egito, consolida-se como um destino turístico. “A capital,Valletta, possui um conjunto de 320 construções declarado pela Unesco como patrimônio da humanidade e uma peculiaridade: com 400 mil habitantes, tem a maior densidade demográ- fica da Europa.” A próxima etapa para facilitar a integração européia e o turismo será a despedida da moeda local, a lira maltesa, e a adoção do euro, estreitando a relação com o mundo, em detrimento de mais uma tradição. O turismo é visto como um fator de equilíbrio da economia local, muito depen- dente da importação de alimentos, energia e até de água. Os últimos dominadores, os britânicos, deixaram para Malta o seu segundo idioma (o primeiro é o maltês), que ficou tão bem “ilhado” que gera outra importante ativi- dade econômica, de certa forma também associada ao tu- rismo: o intercâmbio internacional de estudantes interes- sados em aprender inglês. Malta, Gozo e Comino, as principais ilhas do ar- quipélago, são bem diferentes entre si. Enquanto as pri- meiras são populosas, a pequena Comino é praticamente desocupada e, por isso, muito utilizada para filmagens, ou- tra das peculiaridades locais. Fiorella adora dizer que todo mundo já viu Malta no cinema: “São dezenas de filmes que usaram as ilhas como locações, como Tróia, O Gladia- dor, O Conde de Monte Cristo e as últimas cenas de O Códi- Michel Gorski Reduto de artistas de Hollywood e de estudantes de intercâmbio, o arquipélago de Malta tem cenários deslumbrantes, povo hospitaleiro e uma herança histórica de 7 mil anos Medıterrâneo No coração do

Transcript of No coração do Medıterrâneo - barbierigorski.com.br 21 No Coracao do Mediterraneo.pdf · lokk,...

62 HosT agosto / setembro 2007

• •• turista na sua cidade

Localizado no meio do Mar Mediterrâneo, omenor país da União Européia – 93 quilôme-tros ao sul da Sicília e 288 quilômetros aonorte da África – é freqüentemente visitadopela arquiteta Fiorella Baggio, cônsul-geral da

República de Malta em São Paulo. Pouca gente ganhauma herança tão rara quanto ela, que, ao substituir o paina representação do arquipélago em São Paulo, passou atrabalhar aonde antes só ia a passeio.

“É um lugar cheio de tradições, onde se toma o chádas cinco, a pontualidade é sagrada e 97% dos habitantesvão à missa no domingo em uma das 365 igrejas locais.Muitas exibem obras de arte, como a Catedral de SaintJohn, com o quadro da decapitação de São João Batista, deCaravaggio, de 1608.” Assim Fiorella começa a explicarcomo um dos locais mais antigos do mundo, com edifi-cações anteriores às pirâmides do Egito, consolida-secomo um destino turístico. “A capital,Valletta, possui umconjunto de 320 construções declarado pela Unescocomo patrimônio da humanidade e uma peculiaridade:com 400 mil habitantes, tem a maior densidade demográ-

fica da Europa.”A próxima etapa para facilitar a integração européia e

o turismo será a despedida da moeda local, a lira maltesa, ea adoção do euro, estreitando a relação com o mundo, emdetrimento de mais uma tradição. O turismo é visto comoum fator de equilíbrio da economia local, muito depen-dente da importação de alimentos, energia e até de água.Os últimos dominadores, os britânicos, deixaram paraMalta o seu segundo idioma (o primeiro é o maltês), queficou tão bem “ilhado” que gera outra importante ativi-dade econômica, de certa forma também associada ao tu-rismo: o intercâmbio internacional de estudantes interes-sados em aprender inglês.

Malta, Gozo e Comino, as principais ilhas do ar-quipélago, são bem diferentes entre si. Enquanto as pri-meiras são populosas, a pequena Comino é praticamentedesocupada e, por isso, muito utilizada para filmagens, ou-tra das peculiaridades locais. Fiorella adora dizer que todomundo já viu Malta no cinema: “São dezenas de filmesque usaram as ilhas como locações, como Tróia, O Gladia-dor, O Conde de Monte Cristo e as últimas cenas de O Códi-

Michel Gorski

Reduto de artistas de Hollywood e de estudantes de intercâmbio, oarquipélago de Malta tem cenários deslumbrantes, povo hospitaleiroe uma herança histórica de 7 mil anos

MedıterrâneoNo coração do

go Da Vinci”, diz. Porém, o mais curioso é que o cenáriodo filme Popeye, do diretor Robert Altman, acabou setransformando num bem-sucedido parque temático.

Durante o verão, o arquipélago recebe uma populaçãoflutuante de cerca de 50 mil pessoas, a maioria origináriade cruzeiros marítimos saídos principalmente da Itália, daGrécia e da Tunísia, em geral em roteiros de um dia. Osturistas de maior permanência são estudantes, praticantesde esportes náuticos ou os que se alojam em iates, comofez recentemente Nicolas Sarkozy, logo após sua eleiçãopara a presidência da França.

Para a arquiteta, o bom é curtir devagar, andando e seperdendo nas sinuosas ruas dos aglomerados urbanos deMalta e Gozo, onde se sente a riqueza da herança históri-ca de 7 mil anos desse país que foi invadido inúmerasvezes por povos com culturas diferentes. Assim sucede-ram-se em Malta, nos últimos cinco séculos, a dominaçãopelos famosos Cavaleiros da Ordem de São João, os cons-trutores das fortalezas, um curto período napoleônico eos ingleses por 164 anos, até 1979.

O relacionamento comercial com o Brasil é, em geral,triangulado pela Itália. Não existe representação diplo-mática brasileira em Malta, o atendimento é feito pelaembaixada da Líbia. Já no Brasil, existem dois consuladosque representam o arquipélago, um em São Paulo e outrono Rio de Janeiro.

O efêmero movimento turístico e o desconhecimentoda cultura do arquipélago no Brasil inspiram Fiorella apreparar, para 2008, uma semana maltesa em São Paulo.“Há muita curiosidade sobre as ilhas, suas histórias e aculinária mediterrânea maltesa”, conclui.

Deixando de lado os aspectos mais oficiais de suafunção, a representante da república maltesa destaca ativi-dades que exerce como turista quando visita Malta, suavelha conhecida (ver boxe). Em cada local vê atrações, quepodem ser desde uma sorveteria até uma vista estonteantedo azul do Mediterrâneo. Fiorella perambula a pé, deônibus ou de carro procurando sempre lugares diferentes,se perdendo por ruas que não domina bem, para desvendarcomponentes de uma longa história, fascinante e difícil deser entendida. Mas uma advertência da cônsul mostra bemo espírito conservador dos malteses: “É proibido andarsem camisa, mesmo no calçadão à beira-mar. Calção ebiquíni são usados só na praia mesmo”.

“Malta é, decididamente, um ambiente diferente, onde

Div

ulga

ção

Malta oferece opções para todos os gostos: o mar azul que encanta osamantes da natureza, as obras de arte nas igrejas, como o Caravaggio de1608, que agrada a quem procura por cultura, e a arquitetura que mostraa herança histórica de 7 mil anos

agosto / setembro 2007 HosT 63

Div

ulga

ção

Foto

s: M

iriam

Pac

heco

a vida é cara. Mas num restaurante, na mesa ao lado,pode estar uma pessoa que você conhece e nãosabe bem de onde. Depois descobre que era aSharon Stone participando de uma filmagem,como aconteceu comigo”, conta Fiorella. Outrosdetalhes curiosos merecem atenção e estão emtoda parte. Como os antigos ônibus e as cabinestelefônicas inglesas, os puxadores das portas nocentro de Valletta, que outrora foram de ouro, asalcaparras que nascem nas rochas e o tempero decominho nos campos de Comino, que deram onome à ilha. “Tudo sempre sob os olhos prote-tores de Osíris, que decoram as coloridas em-barcações locais.”

64 HosT agosto / setembro 2007

• •• turista na sua cidade

As atividades preferidas da ar-quiteta e cônsul Fiorella Bag-gio, que também se encanta

com a exatidão dos horários em queos ônibus passam nas paradas, mesclapasseios, comidas e artesanato. Umde seus hábitos é passear nocalçadão em Sliema e degustar umsorvete diet, tipo Ferrero Rocher,na Gelateria Lungomare, de uma

família maltesa de origem italiana. Outro passeio acon-tece aos domingos: a feira de pescadores da baía Mosak-lokk, onde é possível comprar produtos de consumo elembranças (bordados, licor de cactos, azeite especial, quei-jo de cabra, azeitonas, torrone e sal marinho retirado dabaía de Xwejni, na costa setentrional de Gozo).

Um ponto marcante é a cidade de Mdina, antigacapital, conhecida como a “cidade silêncio” por sua tran-qüilidade. É possível escutar os próprios passos enquantose caminha pelas construções da vila medieval, antigafortificação, onde acontecem encenações em períodosde festas. Em Comino, a Lagoa Azul é um trecho deparada obrigatória de veleiros. Como o nome já dá umapista, o local fica entre a ilha e uma pedra e é um dosmais bonitos do arquipélago com o seu mar azul.

Em Gozo, a primeira capital, não deixe de visitar as ruasestreitas com vento soprando forte, que nos remetem à

Idade Média. Vale também uma conversa com os habi-tantes, extremamente simpáticos e hospitaleiros. Para quemgosta de mitologia, Fiorella indica um roteiro interessantena cidade: seguir os passos da ninfa Calypso, que seduziuUlisses e o manteve prisioneiro por sete anos em uma ca-verna localizada em um ponto de que se pode avistar umadas mais encantadoras baías do Mediterrâneo.

Outros pontos bastante visitados são a Janela Azul,uma rocha em forma de arco esculpida pelo vento, e aIgreja de Mostra, famosa por ter a terceira maior cúpulado mundo. Durante a Segunda Guerra Mundial, umabomba caiu no local durante uma missa onde estavam300 pessoas. Apesar da devastação do lado de fora daconstrução, o artefato não estourou.“Dizem que foi umverdadeiro milagre”, lembra Fiorella.

Já o artesanato típico de Malta que não pode faltarem sua mala é um “Luzzu”, réplica das embarcações quetêm um olho de Osíris pintado na proa para espantar osmaus agouros; os bordados “Pizzilla”, com formas dafamosa estrela de Malta; e os vidros coloridos com técni-ca semelhante à usada em Murano.

Na gastronomia, ela indica os restaurantes Razzet L-Antik, em Qormi, um templo antigo com receitas mal-tesas originais situado em um edifício de 400 anos; Lu-ciano, em Valletta, que serve comida típica maltesa e italia-na, e La Dolce Vita, em St. Julians, o mais sofisticado, ondevocê poderá encontrar algum artista de Hollywood.

Roteiro sugerido

Michel Gorski é arquiteto e editor do site Arquiteturismo (www.arquiteturismo.com.br)

Segundo a mitologia, a caverna Calipso foicativeiro do guerreiro Ulisses por sete anos

Div

ulga

ção

Miri

am P

ache

co