No labirinto do emprego

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O novo agregador da advocacia 26 Março de 2011 www.advocatus.pt Agora é definitivo: o emprego para toda a vida e para todos acabou. Os mercados querem mais flexibilização, adaptação e mobilidade. Mas não podemos acabar na selva e tornar mais barato colocar trabalhadores no desemprego e, ao mesmo tempo, diminuir a protecção social adensa a crise social. Quatro especialistas falam sobre o Direito do Trabalho No labirinto do emprego Brainstorming A revisão do Código do Trabalho continua na ordem do dia, apesar de, há um ano, o Governo dizer que as alterações feitas em 2003 eram adequadas. Tornar os despedimen- tos mais baratos e acabar com o excesso de proteccionismo são al- gumas das medidas que podem vir a ser tomadas pelo Governo. As opi- niões sobre a oportunidade destas alterações dividem-se. Para Luís Gonçalves da Silva, as- sistente da Faculdade de Direito de Lisboa, fundador do Instituto de Direito do Trabalho e co-autor do Código do Trabalho (CT), em 2003, a iniciativa do Executivo face às al- terações no quadro laboral peca por “vários erros” que culminam com o especialista a apelidar a situação de verdadeiro “regabofe”. Luís Miguel Monteiro, também mem- bro da comissão presidida por Pedro Romano Martínez, responsável pela redacção final do CT e sócio da área de Direito do Trabalho da MLGTS, identifica na proposta do Governo quatro grandes equívocos, base- ados na (falsa) premissa de que é possível, e até desejável, assegurar um emprego para a vida. João Paulo Teixeira de Matos, sócio da Garrigues Portugal responsável pela área de Direito do Trabalho, o re- gime laboral português nunca foi co- nhecido pela sua flexibilidade e não é esta pretensa reforma que vai conse- gui-la. Isto porque o despedimento individual continua intocável, o que não cria um regime tão equilibrado como tem, por exemplo, a Espanha. Na mesma linha de pensamento, João Paulo Gomes, advogado da RPA na equipa de Trabalho, pugna por um maior pragmatismo na legis- lação laboral.

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O novo agregador da advocacia26 Março de 2011

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Agora é definitivo: o emprego para toda a vida e para todos acabou. Os mercados querem mais flexibilização, adaptação e mobilidade. Mas não podemos acabar na selva e tornar mais barato colocar trabalhadores no desemprego e, ao mesmo tempo, diminuir a protecção social adensa a crise social. Quatro especialistas falam sobre o Direito do Trabalho

No labirinto do emprego

Brainstorming

A revisão do Código do Trabalho continua na ordem do dia, apesar de, há um ano, o Governo dizer que as alterações feitas em 2003 eram adequadas. Tornar os despedimen-tos mais baratos e acabar com o excesso de proteccionismo são al-gumas das medidas que podem vir a ser tomadas pelo Governo. As opi-niões sobre a oportunidade destas alterações dividem-se.Para Luís Gonçalves da Silva, as-sistente da Faculdade de Direito de Lisboa, fundador do Instituto de Direito do Trabalho e co-autor do Código do Trabalho (CT), em 2003, a iniciativa do Executivo face às al-terações no quadro laboral peca por “vários erros” que culminam com o especialista a apelidar a situação de verdadeiro “regabofe”.Luís Miguel Monteiro, também mem-bro da comissão presidida por Pedro Romano Martínez, responsável pela redacção final do CT e sócio da área de Direito do Trabalho da MLGTS, identifica na proposta do Governo quatro grandes equívocos, base-ados na (falsa) premissa de que é possível, e até desejável, assegurar um emprego para a vida.João Paulo Teixeira de Matos, sócio da Garrigues Portugal responsável pela área de Direito do Trabalho, o re-gime laboral português nunca foi co-nhecido pela sua flexibilidade e não é esta pretensa reforma que vai conse-gui-la. Isto porque o despedimento individual continua intocável, o que não cria um regime tão equilibrado como tem, por exemplo, a Espanha. Na mesma linha de pensamento, João Paulo Gomes, advogado da RPA na equipa de Trabalho, pugna por um maior pragmatismo na legis-lação laboral.

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Março de 2011 27O novo agregador da advocacia

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Tornar mais barato colocar trabalhadores no desemprego – com Portugal com os piores números do regime democrático (11, 1% no quatro trimestre de 2010) - e ao mesmo tempo diminuir a protecção social, constitui um passo de gigante para adensar uma intensa crise social de efeitos imprevisíveis

1. Foi recentemente anunciado que teríamos no 1.º trimestre de 2011 uma iniciativa legislativa que al-teraria o quadro laboral existente (Resolução do Conselho de Mi-nistros n.º 101-B/2010, de 15 de Dezembro).

Recorde-se que ainda há cerca de um ano, o Governo dizia que as alterações ao Código do Trabalho de 2003 eram adequadas e, por outro lado, que tinha todos os ins-trumentos para combater a crise; e há pouco mais de dois meses, vários membros do Governo se pronunciaram sobre a desneces-sidade e o efeito nefasto das alte-rações à actual versão do Código do Trabalho, mas a vassalagem a que estamos sujeitos relativamen-te a Bruxelas obrigou o Executivo a mudar de opinião.

2. As alterações em curso expõem vários erros:

Primeiro: os problemas não se re-solvem com intervenções avulsas e sem uma visão estratégica e um caminho definido; precisamos de uma visão integrada da política laboral, pois, por exemplo, o que adiantará flexibilizar o regime de transferências de local de tra-balho se o mercado de arrenda-mento estiver estagnado e houver milhões de casas devolutas nas cidades sem que os proprietários as queiram arrendar?

Segundo: o mercado de trabalho e os aplicadores do Direito preci-sam de uma legislação estável, clara e com qualidade, pois não é possível gerir empresas e aplicar normas jurídicas de forma segura que estão em constante mutação.

Terceiro: sempre que se fala na necessidade de flexibilizar o mer-cado de trabalho, o foco tem um destinatário: o trabalhador. Mas

81% dos empregadores têm

o nível de instrução primária e secundário

inferior, enquanto a média na União

Europeia é de 28%

“Caso se confirme que os despedimentos

serão mais baratos, convém ter

presente que ainda recentemente as

medidas de protecção social em matéria de

desemprego e demais prestações sociais foram diminuídas”

luís gonçalves da Silva

Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa e Fundador do Instituto de Direito

de Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa; co-autor do Código

do Trabalho, 2003

ImpressionarBruxelas

De qualquer modo, estas medi-das, a concretizarem-se, serão meros paliativos, que não nos dis-pensarão de outras modificações a curto prazo.

4. Alterações à legislação do traba-lho exigem debate e reflexão, o que não se verificou; por outro lado, o Governo continua a igno-rar importantes problemas, como são os custos, por exemplo, da energia (10 por cento mais para 36 grandes indústrias) ou o blo-queio da justiça (mais de um mi-lhão e seiscentos mil processos judiciais pendentes).

Trata-se, em suma, de um con-junto de alterações para impres-sionar Bruxelas, sem estratégia e cuja factura será suportada por todos aqueles que quotidiana-mente utilizam a lei laboral.

Como afirmou a ministra do Tra-balho, investida nas suas vestes de sindicalista, a propósito de um recente projecto de lei sobre de-semprego: isto é “um regabofe”. De facto, é.

importa ter presentes alguns nú-meros para constatar que se trata de um erro: a) 81 por cento dos empregadores têm o nível de ins-trução primária e secundário infe-rior, enquanto a média na União Europeia é de 28 por cento; b) por sua vez, esta média quanto aos trabalhadores é de 65 por cento em Portugal e de 21 por cento na União Europeia.

Quarto: situações excepcionais exigem medidas de emergência, temporalmente limitadas através de alterações pontuais e cirúrgi-cas face aos objectivos a atingir, mas para isso não se modifica um diploma estruturante como o Có-digo do Trabalho.

3. A tudo isto acresce que os efeitos de uma alteração que visa dimi-nuir o custo com os despedimen-tos e facilitar a lay-off podem ser “explosivas”.

Caso se confirme que os des-pedimentos serão mais baratos, convém ter presente que ainda recentemente as medidas de protecção social em matéria de desemprego e demais prestações sociais foram diminuídas. Ora, tornar mais barato colocar traba-lhadores no desemprego – com Portugal com os piores números do regime democrático (11, 1 por cento no quatro trimestre de 2010) – e ao mesmo tempo diminuir a protecção social, constitui um passo de gigante para adensar uma intensa crise social de efeitos imprevisíveis.

Mas, em abono da verdade, nem tudo é negativo: a atribuição de capacidade negocial às comis-sões de trabalhadores para ce-lebrar acordos de empresa é um passo positivo e que peca apenas por tardio.

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O novo agregador da advocacia28 Março de 2011

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EmpregoeequívocosÉ tempo de se perceber e aceitar, como outros fizeram antes de nós, que não é possível nem desejável assegurar emprego para todos e para sempre. E que para impedir desenvolvimentos catastróficos da nossa situação, temos de mudar. A nossa lei do trabalho tem de mudar

O Governo parece ter a intenção de alterar a lei laboral, de modo a dimi-nuir o montante das indemnizações e compensações pela cessação do contrato de trabalho, quando pro-movida pelo empregador.A proposta e a discussão que em larga medida se fez em torno dela assentam em vários equívocos.Equívoco 1: Portugal não tem um problema de custo das indemniza-ções devidas pelo fim da relação de trabalho. A combinação do respec-tivo cálculo a partir da retribuição base, deixando de lado comple-mentos e subsídios, com valores reduzidos de salário, não torna in-comportáveis as indemnizações, nem será pelo valor destas que o empregador deixará de despedir. Equívoco 2: diminuir o valor das in-demnizações não corrige modelo de organização das relações de tra-balho que redundou num paradoxo – uma lei que elege como regra a relação por tempo indeterminado, essencialmente imutável nos seus aspectos nucleares e cuja cessação depende da verificação de situa-ções extremas, convive com altas taxas de trabalho precário e permite que franjas importantes da popu-lação, sobretudo a mais jovem, se veja arredada do mundo de traba-lho. O emprego não se cria por lei, mas esta não deve constituir um obstáculo mais à empregabilidade.Equívoco 3: há uma injustiça so-cialmente danosa na preservação a todo o custo do estatuto dos que têm emprego, quando em simultâ-neo não se criam novas oportunida-des para os que acedem ao merca-do de trabalho. E o problema está para além da diferenciação injustifi-cada entre uns e outros: são os re-cursos que se gastam em formação

luís Miguel Monteiro

Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (1988), tem o mestrado em Ciências

Jurídicas pela mesma instituição (1995). É sócio da área de Laboral

da MLGTS e foi co-autor do Código do Trabalho (2003).

“Diversos foram os debates jurídicos

que foram surgindo em torno do caso

Wikileaks, desde logo a conveniência de

uma maior regulação da internet ou da

neutralidade da rede”

“Se a liberdade, imparcialidade e transparência da

imprensa parecem ser um valor fundamental,

outros valores têm de ser tidos em consideração”

não utilizada, é a falta de renovação das empresas e o seu alheamento de novas formas de saber, é a cir-cunstância de meio século depois, sem guerra e integrados numa das principais zonas económicas do mundo, voltarmos a conhecer altas taxas de emigração.Equívoco 4: introduzir alterações apenas para os novos contratos agrava esta sensação de existên-cia de trabalhadores de primeira e segunda. Os primeiros, protegidos pelo sacrossanto princípio da segu-rança no emprego e pelo mito dos “direitos adquiridos”, mantêm-se artificialmente protegidos por so-luções legais que não promovem a iniciativa nem a mudança, pre-miando antes a acomodação e o conformismo; os segundos, sob configurações tão diversas como estágios não remunerados, falsa actividade independente, trabalho temporário ou a termo, parecem não ter importância, não contar. A recente alteração ao processo do trabalho é disso prova eloquente: tem precedência a litigância sobre o despedimento assumido e como tal formalizado pelo empregador. Mas a declaração da falsidade do termo aposto ao contrato de trabalho ou a identificação da verdadeira labo-ralidade subjacente aos “recibos verdes”, fica relegada para segundo plano, à espera de melhor oportu-nidade no contexto de uma justiça inegavelmente lenta.É tempo de se perceber e aceitar, como outros fizeram antes de nós, que não é possível nem desejável assegurar emprego para todos e para sempre. E que, para impedir desenvolvimentos catastróficos da nossa situação, temos de mudar. A nossa lei do trabalho tem de mudar.

Os contratos de trabalho – todos e não apenas os que se vierem a celebrar – devem poder cessar por simples decisão do empregador, ainda que esta deva ser comuni-cada com aviso prévio longo, de modo a impedir decisões surpresa e vir acompanhada do pagamento de compensações, eventualmente a definir por contratação colectiva. Exactamente por ser possível des-pedir cumprindo a lei, a ilicitude do despedimento deve ser combatida e penalizada de modo severo, mas não através da manutenção artificial da relação de trabalho.Isto não se faz sem rupturas, nem custos. Mas é disso que precisa-mos. Não de paliativos que nos mantêm entretidos com o acessó-rio, quando a realidade de todos os dias nos mostra a necessidade de esforço comum para enfrentarmos os nossos problemas principais. É que ninguém – nem Estado, nem Governo, nem União Europeia, nem um qualquer Sebastião – os resol-verá por nós ou sem nós.

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Março de 2011 29O novo agregador da advocacia

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FaltadecoragemNuma época em que já nem o casamento é para toda a vida, continuamos a ter uma legislação que considera a relação laboral perpétua, só podendo terminar, por iniciativa do empregador, se o trabalhador praticar um ilícito disciplinar ou então “empacotando” essa cessação numa qualquer reestruturação para lançar mão do despedimento colectivo

A pretexto de a “flexibilizar”, pro-põe-se modificar a legislação la-boral, aproximando-a de alguns “padrões europeus”. Em concreto, visa-se reduzir as compensações por cessação de contrato de tra-balho nos casos de despedimento colectivo, extinção de posto de trabalho e inadaptação do tra-balhador, de 30 para 20 dias por cada ano de antiguidade e intro-duzir um limite máximo de 12 me-ses de compensação. Pretende-se também que estas “novidades” somente sejam aplicadas para futuro, ou seja, aos novos contra-tos de trabalho, mantendo-se o regime vigente para os contratos existentes.O regime laboral português é co-nhecido pela sua pouca flexibilida-de mas manifestamente não é esta reforma que vai torná-lo menos rí-gido. Deixando de lado o despedi-mento por inadaptação que é uma figura retórica – pelos apertados requisitos que exige, poucos são os casos conhecidos de cessa-ção de contrato por inadaptação do trabalhador – nunca o despe-dimento colectivo foi considerado “rígido” em Portugal.Se há matéria onde a legislação la-boral portuguesa é mais branda do que algumas das suas congéneres europeias – nomeadamente a es-panhola – é a do despedimento co-lectivo. Em jeito de graça costuma dizer-se que é mais fácil despedir cem trabalhadores do que um e, frequentemente, assim é.Ao não mexer nos pressupostos do despedimento colectivo, a úni-ca coisa que muda é o custo des-se despedimento. E isso é mau ou bom? Depende. Para as empre-sas, será uma boa notícia, para

João Paulo Teixeira de Matos

Licenciado em Direito pela Escola de Lisboa da Universidade Católica

Portuguesa, fez um mestrado na área de Ciências Jurídico Comunitárias na

mesma instituição. Na Garrigues, é o sócio responsável pelas áreas de

Contencioso, Laboral e Concorrência.

“Quando se fala de rigidez da legislação

laboral não é evidentemente o

despedimento colectivo que está em causa, é o

despedimento individual. E aí estas medidas

não tocam”

“Se olharmos para Espanha (“modelo” da reforma que agora se pretende) vemos que se conseguiu criar um regime equilibrado que permite ao empresário

terminar a relação laboral pagando e saber antecipadamente quanto

é que tal lhe custa”

os trabalhadores será certamente mau. Que se saiba, nunca o custo do despedimento colectivo foi um entrave ao mesmo. Em geral, são três as principais situações de re-curso ao despedimento colectivo: (i) insolvência do empregador –

aqui o custo não é certamen-te um problema, o problema é saber se a massa insolvente consegue fazer face às indem-nizações;

(ii) deslocalizações (principalmen-te de multinacionais) – aqui o custo também não é problema pois o que for pago pelo des-pedimento será recuperado nos países de mão-de-obra mais barata;

(iii) reestruturações – aqui sim o custo pode ser um factor im-portante, mas não há notícia de negócios viáveis que deixem de se reestruturar por só po-derem pagar 20 dias por cada ano de antiguidade em lugar dos actuais 30 dias.

Quando se fala de rigidez da legis-lação laboral não é, evidentemen-te, o despedimento colectivo que está em causa, é o despedimento individual. E aí estas medidas não tocam. Continua a não se ter a coragem de assumir que uma das primordiais razões pelas quais, ilegal e ilegitimamente, se recorre ao contrato a termo e à prestação de serviços é precisamente pela dificuldade em despedir individu-almente. Um regime dotado de alguma agilidade na cessação da relação laboral facilita a decisão de contratar. Se olharmos para Es-panha (“modelo” da reforma que agora se pretende) vemos que se conseguiu criar um regime equili-brado que permite ao empresário

terminar a relação laboral pagando e saber antecipadamente quanto é que tal lhe custa. É isso que não temos em Portugal. Numa épo-ca em que já nem o casamento é para toda a vida, continuamos a ter uma legislação que conside-ra a relação laboral perpétua, só podendo terminar, por iniciativa do empregador, se o trabalhador praticar um ilícito disciplinar ou então “empacotando” essa cessa-ção numa qualquer reestruturação para lançar mão do despedimento colectivo.Uma última nota sobre a pretendi-da limitação no tempo das novas medidas. É mais uma manifesta-ção da prepotência da geração instalada sobre a geração “casi-nha dos pais”. Das duas uma – ou o sistema actual é mau – e então mude-se para todos, ou se é bom, que o seja para todos – os que agora estão empregados e aque-les que aspiram a estar. Estranha esta necessidade de mudança … para aplicar aos outros.

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O novo agregador da advocacia30 Março de 2011

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ApostarnacoerênciaPortugal começou historicamente de um ponto de partida excessivamente proteccionista e hoje tem de paulatinamente adoptar medidas que permitam aproximar-se das exigências actuais do mercado. Alterar o Código do Trabalho sucessivamente, à partida, não será bom mas, no nosso caso, não é um luxo, é uma necessidade

Vivemos tempo de incertezas quan-to à mais-valia, ou não, da alteração do Código do Trabalho, cumprindo reflectir sobre a resposta à questão:“Precisamos mesmo de alterar o Código do Trabalho de forma a nos podermos adaptar às novas neces-sidades do país trazidas pela actual conjuntura económica negativa?”As queixas apresentadas por em-presários e investidores relacionam-se, no que a esta matéria respeita, à dificuldade de cessação da relação contratual e ao custo que, sendo possível, a ela está associado. A re-forma feita em matéria laboral des-de 2003 foi significativa e não pode deixar de se salientar a introdução de alguns mecanismos de flexibili-dade, como foi o regime de adap-tabilidade de horário de trabalho ou o regime de banco de horas. No entanto, a permanente tentativa de transferir para os parceiros sociais e para os sindicatos e associações patronais a regulamentação espe-cífica destas matérias, cuja conci-liação e consenso se afigura difícil, não contribuiu para a sua efectiva aplicação. Julgamos, pois, numa primeira con-clusão, de que há, provavelmente, que ser mais pragmático, e perce-ber que não sendo possível ultra-passar de uma só vez problemas mais complexos, estão associados a questões históricas e culturais, deverá o Estado deixar à livre dis-ponibilidade das partes – empre-gador e trabalhador – determinar o modo de organização do tempo de trabalho, dentro dos limites es-tabelecidos no próprio Código do Trabalho, sem necessidade de estar dependente de regulamentação em instrumento de regulamentação co-lectiva de trabalho.

João Paulo gomes

Advogado associado integrante da equipa de Direito do Trabalho da firma Rui Pena, Arnaut e Associados (RPA).

“Deverá o Estado deixar, à livre disponibilidade das

partes – empregador e trabalhador – determinar o modo de organização do tempo de trabalho,

dentro dos limites estabelecidos no próprio

Código do Trabalho, sem necessidade de

estar dependente de regulamentação em instrumento de

regulamentação colectiva de trabalho”

“Haverá que reconsiderar a faculdade hoje

atribuída ao trabalhador de, salvo raras

excepções, poder optar pela indemnização ou

pela reintegração”

É certo que nestas reformas do Código do Trabalho não houve al-terações significativas em matéria de despedimentos. No entanto, há que salientar, numa perspectiva po-sitiva, as alterações ao Código do Processo de Trabalho que em muito contribuíram para termos hoje deci-sões mais céleres, com uma redu-ção significativa das contingências para o empregador, quer a nível dos salários de tramitação, quer a nível da compensação a pagar ao traba-lhador em caso de despedimento ilícito.No que a esta matéria respeita, e analisando o que sucede em ou-tros países europeus, chegaremos à conclusão de que, atendendo ao que se passa em países que nos são mais próximos, tais como Es-panha e França, a grande diferença não reside tanto nos instrumentos que estão ao alcance do emprega-dor para pôr termo à relação contra-tual, mas antes no impacto financei-ro que aos mesmos está associado.Bastará, sem violação dos direitos dos trabalhadores mas apenas com alguma dose de bom senso, esta-belecer uma graduação do factor de compensação a atribuir ao tra-balhador em conformidade com a sua antiguidade (maior antiguidade menor factor de compensação) e um limite de remunerações a aufe-rir a título de salários de tramitação (medidas que também foram recen-temente alteradas em Espanha) e já não estaremos longe do que se passa em outros ordenamentos eu-ropeus.Por último, haverá que reconsiderar a faculdade hoje atribuída ao traba-lhador de, salvo raras excepções, poder optar pela indemnização ou pela reintegração.

Esta será, provavelmente, a medida que se encontra hoje mais descon-textualizada e com menor bom sen-so no Código do Trabalho. É hostil e incoerente deixar exclusivamente nas mãos do trabalhador a opção, que muitas vezes é mais emocional do que racional, de decidir pela sua reintegração. Não haja dúvidas, que Portugal necessita de aproximar a sua legis-lação às demais em vigor nos res-tantes países da União Europeia e, para isso, as alterações supra refe-ridas não põem em crise a estabili-dade da relação entre empregador e trabalhador mas são, apenas e só, medidas de maior coerência nessa mesma relação.Portugal começou historicamente de um ponto de partida excessiva-mente proteccionista e hoje tem de paulatinamente adoptar medidas que permitam aproximar-se das exigências actuais do mercado. Al-terar o Código do Trabalho suces-sivamente, à partida, não será bom mas, no nosso caso, não é um luxo, é uma necessidade.

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