No mundo da neuroestimulação: A estimulação magnetica transcraniana

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NeuroAC Neurociências, comportamento e Sociedade. Por Marcelo Zanotti da Silva Graduando em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.

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Texto sobre Estimulação Magnética Transcraniana uma das novas técnicas de manipulação da atividade neural utilizadas pela medicina moderna.

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NeuroACNeurociências, comportamento e Sociedade.

Por Marcelo Zanotti da SilvaGraduando em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.

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A  medicina  moderna  conta  atualmente  com  diversas  formas  de  al-­‐terar   a   atividade   cerebral   para   5ins   terapêuticos.   Medicamentos  são   uma   forma   de   intervenção   química   na   atividade   neural   ao  equilibrar   a   disponibilidade   de   neurotransmissores   nas   sinapses  cerebrais,   afetando   diretamente   o   comportamento   do   paciente   e  amenizando  sintomas  de  ansiedade  ou  depressão  patológicos.  

Por   outro   lado,   existem   técnicas   que   aplicam   estímulos   eletro-­‐magnéticos  ao  cérebro.  Estes  procedimentos  estimulam  ou  inibem  a  atividade  neural,  podendo  ser  invasivos,  em  que  eletrodos  são  in-­‐troduzidos  no  córtex  cerebral  por  via  cirúrgica,  ou  não-­‐invasivos,  pelos  quais  o  contato  é  feito  sobre  o  couro  cabeludo  [1].

Você,  provavelmente,  já  ouviu  falar  sobre  a  Eletroconvulsoterapia1  -­‐   a  mais   antiga   e   famosa   forma   de   estimulação   elétrica   cerebral  ainda  utilizada  na  psiquiatria.  No  entanto,  novas  técnicas  que  utili-­‐zam   campos   magnéticos   para   modular   atividade   cerebral   foram  desenvolvidas  desde  então,  permitindo  melhores  resultados  e  me-­‐nores   efeitos   colaterais.   Hoje,   falaremos   sobre   uma   destas   técni-­‐cas,  a  Estimulação  Magnética  Transcraniana  (EMT)  [2][3].  

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No mundo da neuroestimulação: A Estimulação Magnética Transcraniana

Autor: Marcelo Zanotti da SilvaContato: [email protected] publicado em:Comport-se Psicologia CientíficaLink: goo.gl/Ijxun - 09 de Maio de 2013.

1 Técnica de estimulação cerebral onde dois eletrodos são posicionados em regiões de in-teresse no tratamento do paciente, uma corrente elétrica passa entre os dois eletrodos gerando convulsão. O tratamento evoluiu muito e hoje é aplicado com o paciente sob an-estesia. Evidências apontam para um alto nível de eficácia em casos onde há resistência as formas tradicionais de tratamento nos transtornos de depressão profunda, mania e esqui-zofrenia [2]. 

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O   que   é   a   Estimulação   Magnética  Transcraniana  (EMT)?  

A  EMT  é  uma  técnica  de  estimulação  cerebral   não   invasiva   que   utiliza   pul-­‐sos  magnéticos  para  induzir  corrente  elétrica  em  certas  regiões  do  cerebro.  Dependendo   das   características   da  estimulação,   esta   pode   tanto   excitar  quanto   inibir   a   atividade   cerebral   e  os   efeitos   podem   ser   de   curto   ou  longo   prazo.   No   Brasil,   o   procedi-­‐mento  é  aprovado  pelo  Conselho  Fed-­‐eral   de   Medicina2,   sendo   indolor   e  apresentando   pouquíssimos   efeitos  colaterais  [4].

Como funciona a EMT?

A  EMT  é  composta  por  um  gerador,  uma  bobina,  um  computador  que  con5igura  as  características  dos  pulsos  eletromagnéticos  e  um  sistema  de  navegação  que  permite  mapear  a  área  a  ser  estimulada.  O  gerador  e  a  bobina  irão  gerar  um  campo  magnético  que  ao  ser  liberado  forma  corrente  elétrica  que  pode  ser  entregue  à  uma  região  do  cérebro  humano  (Fig  1).  

Duas  características  da  estimulação  são  importantes  para  entender  como  a  EMT  funciona:  a  intensi-­‐dade  e  a  frequência  dos  pulsos  eletromagnéticos.  A  intensidade  é  a  quantidade  de  energia  que  é  apli-­‐cada  (medida  em  porcentagem),  já  a  frequência  é  referente  à  quantidade  de  pulsos  por  segundo  (me-­‐dida  em  Hertz  –  Hz).  Além  disso,  os  pulsos  podem  ser  divididos  em:  pulso  único  ou  modo  repetitivo  (EMTr),  em  que  um  conjunto  de  pulsos  é  liberado  em  um  espaço  de  tempo  programado  [1].  

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2 O parecer nº 37 de 2011 - PROCESSO-CONSULTA CFM nº 7.435/08, legaliza o uso da EMTr em prática médica clinica sob regime ainda experimental. Veja o parecer aqui: http://migre.me/dWz3s

3 Reportagem da Folha de São Paulo sobre testes do uso da EMT em pacientes com dor crônica, leia mais: http://goo.gl/ZPrCs

Figura 1 - Esquema de aplicação da EMTFonte: editora de Arte/Folhapress3

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Os   protocolos   de   aplicação   da   EMT  podem   variar,  em   termos  de   frequência  e   intensidade.  Porém,  sa-­‐bemos  que  pulsos  aplicados  em  baixas  frequências  (1  Hz)  são  inibitórios,  enquanto  os  de  alta  frequên-­‐cia  (>5Hz)  excitam  a  atividade  cerebral  [1].  

Pulsos   únicos,   geralmente,   são   utilizados   em   pes-­‐quisas   sob   o   princípio   da   “lesão   virtual4",   o   qual  pode   interromper   a   atividade   neural   em   uma   re-­‐gião   importante   para   um   determinado   comporta-­‐mento  que  é  foco  da  pesquisa.  Já  o  modo  repetitivo  (EMTr)  tem  demonstrado  grande  potencial  terapêu-­‐tico  [5].  

Como é feita a aplicação? 

Pulsos  únicos  são  aplicados  para  encontrar  o  limiar  motor,  i.  e.,  um  pulso  é  aplicado  em  uma  região  do  crânio  que   5ica  sobre  o  córtex  motor5,   inicia-­‐se  a  estimulação  com  uma   intensidade   fraca  e,  pro-­‐gressivamente,  a  intensidade  é  aumentada  até  se  obter  uma  resposta  motora  (movimento  da  mão,  de-­‐dos,  pernas  etc.).  A  intensidade  que  gerar  o  movimento  será  utilizada  para  estimular  outras  regiões  [1].

Encontrar  a  energia  mínima  su5iciente  para  atingir  o  cérebro  é  necessário,  uma  vez  que  os  cabelos,  pele,  músculos  e  ossos  do  crânio  agem  como  uma  resistência,  impedindo  que  parte  do  estímulo  ele-­‐tromagnético  seja  entregue  ao  córtex.  Portanto,  gerar  o  limiar  motor  signi5ica  que  o  pulso  teve  ener-­‐gia  su5iciente  para  atravessar  as  resistências  e  chegar  ao  cérebro.  

Usos terapêuticos da EMTr 

Por  conseguir  modular  a  atividade  neuronal,  os  pulsos  podem  ser  direcionados  à  áreas  envolvidas  em  determinados  comportamentos.  Graças  a  estudos  com  pacientes  que  sofreram   lesões  cerebrais  diversas,  hoje  possuímos  experiência  e  conhecimento  técnico  que  nos  permite  modular  a  atividade  cerebral  em  regiões  especí5icas  envolvidas  no  comportamento  do  paciente.  Citarei  três  estudos  exem-­‐

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Sala de aplicação da EMT para fins de pesquisa.Fonte: Laboratório de Eletrofisiologia Humana

The University of Texas at Austin

4 “Lesão Virtual” é um paradigma experimental onde a atividade de uma região no cérebro pode ser interrompida momentanea-mente, via EMT, durante a execução de um comportamento. Impedindo-o ou dificultando a sua emissão, desta forma, simulando uma lesão cerebral de pequena escala. Permitindo entender o papel daquela região no comportamento. O efeito é temporário, podendo durar de minutos à poucas horas. 

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plares   que   trouxeram  algumas   evidências   sobre   o   uso  da  EMTr   sob   a   região   chamada  Córtex  Pré-­‐Frontal  Dorsolateral6.  

Gross  (2007)  analisou  a  evolução  do  uso  de  EMTr  em  casos  de  depressão  entre  diversos  estudos.  No  total,  598  pacientes  diagnosticados  receberam  protocolos  diferenciados  de  estimulação  (baixa  e  alta  frequência).  Os  resultados  demonstraram  efeitos  terapêuticos  antidepressivos,  corroborados  com  o  relato  de  melhora  no  humor  dos  pacientes.  Os  efeitos  foram  ainda  mais  proeminentes  em  casos  de  uso  conjugado  da  EMTr  e  medicação  [6].  

O  uso  de  EMTr  em  vários  tipos  de  Transtornos  de  Ansiedade  foram  analisados  por  Machado  (2012),  que   incluiu   os   seguintes   tipos:   Transtorno   Obsessivo-­‐Compulsivo,   Ansiedade   Generalizada,   Tran-­‐storno  de  Pânico,  e  de  Stress  Pós-­‐traumático.  Os  resultados  encontrados  apontam  para  a  diminuição  geral  nos  sintomas  de  ansiedade,  e  em  alguns  casos,  melhora  de  humor.  Apesar  da  tendência  terapêu-­‐tica  encontrada,  os  resultados  não  atingiram  a  signi5icância  estatística  necessária,  devido  a   falta  de  padronização  dos  estudos  levantados  as  evidências  são  ainda  inconclusivas  [7].  

Outra  potencial  aplicação  de  relevância  social  é  em  casos  de  alcoolismo.  Mishra  (2010)  aplicou  EMTr  em  45  pacientes  diagnosticados  com  dependência  química  de  álcool,  onde  15  sofreram  estimulação  placebo  (uma  bobina  falsa  foi  posicionada,  idêntica  a  original  porém  não  produzindo  estimulação  al-­‐guma).  Em  comparação,  o  grupo  que  recebeu  EMTr  apresentou  melhoras  nos  sintomas  de  5issura7,  já  o  grupo  placebo  não  apresentou  mudança  no  quadro  de  sintomas  [8].  

EMTr em poucas palavras 

A  EMTr  é  uma  técnica  de  grande  potencial  para  o  tratamento  de  diversas  condições  patológicas  atuais,   visto   que   seu   uso   é   relativamente   sim-­‐ples,   além   de   não   possuir   efeitos   colaterais  danosos.   Ainda,   esta   técnica   pode   ser   conju-­‐gada   com   medicamentos   para   melhorar   a  e5icácia  do   tratamento,  podendo  ser  uma  alter-­‐nativa   ao   tratamento   medicamentoso   no   fu-­‐turo.   Entretanto,   pesquisas   adicionais   ainda  são  necessárias  para  que  seu  uso  seja  liberado  em  outros  transtornos  além  do  depressivo.  

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5 Região do cérebro responsável pelo controle do movimento no corpo, localizada anteriormente ao sulco central, para maiores detalhes: http://migre.me/dWnF6 

6 Região cerebral envolvida com memória de curto prazo, socialização, regulação do humor e do pensamento. Mais informações: http://migre.me/dXBCO 

7 Desejo intenso e incontrolável de utilizar a droga. Veja mais: http://migre.me/dXCOU

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Referências  

[1]  S.  Rossi,  M.  Hallett,  P.  M.  Rossini,  and  A.  Pascual-­‐Leone,  “Safety,  ethical  considerations,  and  application  guidelines  for  the  use  of  transcranial  magnetic  stimulation  in  clinical  practice  and  research.,”  Clinical  neuro-­‐physiology :  of5icial  journal  of  the  International  Federation  of  Clinical  Neurophysiology,  vol.  120,  no.  12,  pp.  2008–39,  Dec.  2009.  

[2]  M.  A.  Salleh,  I.  Papakostas,  I.  Zervas,  and  G.  Christodoulou,  “Eletroconvulsoterapia:  critérios  e  recomen-­‐dações   da  Associação  Mundial   de   Psiquiatria,”   Revista   de   Psiquiatria   Clínica,   vol.   33,   no.   5,   pp.   262–267,  2006.  

[3]   National   Institute   of   Mental   Health,   “What   are   Brain   Stimulation   Therapies?”   [Online].  Available:http://www.nimh.nih.gov/health/topics/brain-­‐stimulation-­‐therapies/brain-­‐stimulation-­‐therapies.shtml  [Accessed:  01-­‐Apr-­‐2013].  

[4]   J.  M.  Hoogendam,  G.  M.   J.  Ramakers,  and  V.  Di  Lazzaro,  “Physiology  of  repetitive  transcranial  magnetic  stimulation  of  the  human  brain.,”  Brain  stimulation,  vol.  3,  no.  2,  pp.  95–118,  Apr.  2010.  

[5]  M.  S.  Senior,  Carl.  Russel,  Tamara.  Gazzaniga,  “Transcranial  Magnetic  Stimulation  in  Human  Cognition,”  in  Methods  in  Mind,  M.  S.  Gazzaniga,  Ed.  MIT  -­‐  Massachusetts  Institute  of  Technology,  2006,  pp.  1–26.  

[6]  M.  Gross,  L.  Nakamura,  A.  Pascual-­‐Leone,  and  F.  Fregni,  “Has  repetitive  transcranial  magnetic  stimulation  (rTMS)  treatment  for  depression  improved?  A  systematic  review  and  meta-­‐analysis  comparing  the  recent  vs.  the  earlier  rTMS  studies.,”  Acta  psychiatrica  Scandinavica,  vol.  116,  no.  3,  pp.  165–73,  Sep.  2007.  

[7]  S.  Machado,  F.  Paes,  B.  Velasques,  S.  Teixeira,  R.  Piedade,  P.  Ribeiro,  A.  E.  Nardi,  and  O.  Arias-­‐Carrión,  “Is  rTMS  an  effective   therapeutic   strategy   that   can  be  used   to   treat  anxiety  disorders?,”  Neuropharmacology,  vol.  62,  no.  1,  pp.  125–34,  Jan.  2012.  

[8]  B.  R.  Mishra,  S.  H.  Nizamie,  B.  Das,  and  S.  K.  Praharaj,  “Ef5icacy  of  repetitive  transcranial  magnetic  stimula-­‐tion   in  alcohol  dependence:  a   sham-­‐controlled  study.,”  Addiction   (Abingdon,  England),  vol.  105,  no.  1,  pp.  49–55,  Jan.  2010.

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