No Municipio Sempre a Educação Básica do Brasil

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autor: Vicente Fideles Ávila

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NO MUNICÍPIO SEMPRE A EDUCAÇÃO BÁSICA

DO BRASIL

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Relançamento de estudo (editado em 1985 pela Secretaria de Educação do Estado de Alagoas - Maceió/AL), pela Editora da Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, de Campo Grande-MS, revisado e ampliado por comentários e notas de atualização.

Ávila, Vicente Fideles de. No município sempre a educa-ção básica do Brasil / Vicente Fideles de Ávila. Cam-po Grande: UCDB, 1999. 146p.

ISBN 85-86919-07-1

1. Desenvolvimento da educação 2. Municipalização do en-sino 3. Educação básica I. Título

Catalogação na fonte CLÉLIA TAKIE NAKAHATA BEZERRA

Bibliotecária - CRB n. 1/757

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VICENTE FIDELES DE ÁVILA

NO MUNICÍPIO SEMPRE A EDUCAÇÃO BÁSICA

DO BRASIL

E d i t ° r a U C D B Campo Grande-MS

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Editora UCDB: Coordenação Geral: Heitor Romero Marques Coordenação Editorial: Ereni dos Santos Benvenuti Editoração Eletrônica: Rosilange de Almeida Revisão de Texto: Raquel Maria Carvalho Naveira Capa: Mario da Costamarques

Lilian Lageano Moreira/Milena Cabreira de Almeida / Tamara Denise Soares Barbosa (Arte Final)

Direitos autorais de Vicente Fideles de Ávila. Direitos de publicação reservados àEditora UCDB: Av. Tamandaré, 6000 Campo Grande - MS e-mail: [email protected] http ://www.unibosco.br

CEP: 79117-900 Fone: (067) 765-2040 Fax: (067)765-1722

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S U M Á R I O

TÓPICO 1 - VIVÊNCIA DE POVO NÃO MOBILI-ZADO PARA SE DESENVOLVER 11

TÓPICO 2 - INTRODUÇÃO - DO ESTUDO ORI-GINAL 29

TÓPICO 3 - BREVE HISTÓRICO DA CENTRALI-ZAÇÃO ADMINISTRATIVA NO PAÍS 39

TÓPICO 4 - ACENOS À DESCENTRALIZAÇÃO COM REFLEXOS NOS MUNICÍPIOS 47

TÓPICO 5 - TRAJETÓRIA DA TESE DE MUNICI-PALIZAÇÃO DO ENSINO 53

TÓPICO 6 - EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DA MU-NICIPALIZAÇÃO DO ENSINO NO PERÍODO DE 1932 A 1957 59

TÓPICO 7 - ESTAGNAÇÃO DOUTRINÁRIA DE 1957 A 1984 63

TÓPICO 8 - BASTANTE DEBATIDA A MUNICI-PALIZAÇÃO DO ENSINO APÓS A LEI N° 5692/71 73

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TÓPICO 9 - DESCRENÇA EM RELAÇÃO À MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO 79

TÓPICO 10 - APESAR DA DESCRENÇA ALGUMAS EXPERIÊNCIAS 85 10.1 REFERÊNCIAS SOBRE A EXPE-

RIÊNCIA DE MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO EM RONDÔNIA 87

10.2 EXPERIÊNCIA DE AMPLA MU-NICIPALIZAÇÃO EM BOA ES-PERANÇA-ES 90

10.3 RÁPIDAS LIÇÕES DAS DUAS EXPERIÊNCIAS 96

TÓPICO 11 - MUNICIPALIZAÇÃO PELA GESTÃO INTEGRAL DA EDUCAÇÃO FORMAL NO MUNICÍPIO 99

TÓPICO 12 - A GESTÃO INTEGRAL REQUER PLA-NEJAMENTO MUNICIPAL ENVOL-VENTE 105

TÓPICO 13 - COMITÊ DE VITALIZAÇÃO DA GESTÃO INTEGRAL 111

TÓPICO 14 - ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL E RECURSOS FINANCEIROS 115

TÓPICO 15 - PESSOAL E REDE FÍSICA MANTI-DOS PELO ESTADO 123

TÓPICO 16 - LEIS MAIORES E GESTÃO INTEGRAL NO MUNICÍPIO 127

TÓPICO 17 - CUIDADOS PARA O ÊXITO DA GES-TÃO INTEGRAL NO MUNICÍPIO 133

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17.1 DECISÃO POLÍTICO-ADMINIS-TRAITVA BILATERAL 133

17.2 MOTIVAÇÃO POLÍTICA 134 17.3 POSICIONAMENTO EXPERI-

MENTAL 136 TÓPICO 18 - CONCLUSÃO 1: GESTÃO MUNICI-

PAL INTEGRAL NÃO SE FAZ POR DES-CENTRALIZAÇÃO DE MOLINETE 139

TÓPICO 19 - CONCLUSÃO 2: RETOMANDO A HISTÓRIA DE VIDA 143

OUTRAS PUBLICAÇÕES DO AUTOR SOBRE O TEMA 145

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A P R E S E N T A Ç Ã O

A Universidade Católica Dom Bosco-UCDB, de Campo Grande-MS, acaba de criar o Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Desenvolvimento Local, respaldado, inclusive, por convênio com a Universidade Complutense de Madri, Espanha. Fui convidado pela Coordenação do mencio-nado Programa a oferecer a disciplina Formação Educacional para o Desenvolvimento Local, excelente oportunidade para a retomada de estudo sistemático em assunto que me interessa desde a infância.

Não intenciono apenas a reimpressão ou reedição do texto inicial, já com o título No Município a Educação Básica do Brasil, publicado em 1985, pela Secretaria de Estado de Educação de Alagoas, e lançado por iniciativa da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, também com o apoio da Comissão de Municípios do Senado Federal, no Salão Nobre do Congresso Nacional, em 16 de maio de 1985. O que tenho em mente é, na verdade, o relançamento do referido estudo, acrescido de comentários de atualidade contextual e com a explícita destinação de inserção no importantíssimo espaço de pesquisa, estudo e formação que esta Universidade vem de institucionalizar em relação à temática do desenvolvimento local, dado que os três mil exemplares da limitada edição de 1985 se esgotaram por completo.

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Por outra, se em 1985 a base da idéia-proposta de endogeneização do desenvolvimento nas comunidades locais municipais, a partir da educação formal, foi por mim lançada de modo muito pessoal e solitário, vez que essa tese se situava na contramão da posição oficial -a da cínica descentralização de serviços executivos e ônus, mantendo-se centralizados o poder de decisão e a competência de gestão-, hoje a sinto amadurecida, por contínua apreciação ao longo de quatorze anos, como condição sine qua non, ou única saída possível, para o desabrochamento de nosso desenvolvimento de dentro para fora em termos de cidadãos, instituições sociais e nação.

Por isso, o termo relançamento, usado atrás, significa-me muitíssimo mais que simplesmente republicar esse estudo. Soa-me como replantando outra vez aquela idéia-semente em época e terra incomparavelmente mais apropriadas e férteis que as de 1985, então esterilizadas pela ditadura, até porque naquele passado eu tinha a nítida consciência de que esse tipo de tema só germinaria e vingaria em solo social revigorado por futuras e democráticas evoluções societárias, esperando que sej a o de agora.

Quanto ao título No Município Sempre a Educação Básica do Brasil, só foi acrescentado Sempre ao original da publicação de 1985, intentando significar que tanto o título quanto o conteúdo do estudo continuam integralmente válidos e atuais na perspectiva deste autor.

V.F.A.

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T Ó P I C O 1

VIVÊNCIA DE POVO NÃO MOBILIZADO PARA SE DESENVOLVER

O estudo, com o título/Vo Município a Educação Básica do Brasil, foi elaborado em 1984, quando ainda trabalhava na Secretaria de Articulação e Estudos de Planejamento-SEPLAN, vinculada à Secretaria Geral-SG do então Ministério da Educação, Cultura e Desporto-MEC, em Brasflia-DF, lá atuando de abril de 1981 a maio de 1985.

Por força das funções que aí exercia, mantinha contato com tudo, ou quase tudo, o que se planejava e realizava no âmbito dos chamados sistemas federal e estaduais de educação, cultura e desporto, visto que participava da equipe central do Ministério que sistematizava, acompanhava e tentava avaliar a programação setorial federal para essas áreas, em suas dimensões plurianual e anuais. Nossa Secretaria organizava e coordenava, ainda, grandes encontros nacionais de educação, cultura e desporto envolvendo os respec-tivos Secretários de Estado com suas equipes de assessores mais qualificados, dos quais participei ativamente em 1981,1982,1983 e 1984. Neles, os problemas e êxitos de cada região e unidade da Federação eram apresentados e dabatidos, assim como se recolhiam

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recomendações e sugestões, visando à programação ou reprogra-mação das atividades respaldadas financeiramente pelo orçamento federal no exercício seguinte, o que se fazia em plena dinâmica democrática, no âmbito do MEC, apesar de a ditadura ter-se extin-guido só a partir do início de 1985. Em decorrência, tive a necessi-dade de participar de vários eventos regionais e estaduais de natureza similar à dos encontros nacionais, por vezes até na condição de representante do Ministério. Cabe ressaltar, aliás, que os atuais Fóruns de Secretários de Estado tanto da Educação quanto da Cultura e do Desporto (esta área em alguns Estados também se ocupando administrativamente do Turismo) surgiram exatamente nessa época. O Fórum de Secretários de Estado da Educação se organizou primeiro, na gestão da Ministra Esther de Figueiredo Ferraz, com o apoiamento geral de todo o Ministério e, de modo muito particular, da Secretaria Geral e de nossa Secretaria de Articulação e Estudos de Planejamento, abrindo caminho e con-quistando espaço para o imediato aparecimento dos Fóruns tam-bém das áreas da Cultura e do Desporto, todos eles ainda em plena atividade, hoje, evidentemente com as alterações e os redimen-sionamentos que se operaram ao longo dos anos que se seguiram.

A rememoração dessa história nada tem a ver com qual-quer insinuação de que me considerava ou me considere autorida-de consagrada em questão educacional brasileira. Ela representa tão-somente o verso da moeda de minha história e trajetória de vida, cuja face foi esculpida na seguinte e crua realidade.

Nos meus tempos de criança -nasci nos últimos dias de 1939, mas meu pai só pôde ir à sede do município me registrar em 4 de janeiro de 1940Escola Primária, pública ou particular, era coisa muito rara e normalmente privilégio urbano, constituída em maioria pelos estabelecimentos denominados Grupos Escolares mantidos pelos Estados. Situavam-se majoritariamente nas sedes dos Municípios e, quando muito, nos núcleos de Distritos com certa

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concentração de população. Na zona rural, escola pública era luxo de bairros agraciados pelo interesse pessoal ou proteção eleitoral de fazendeiros com cacife político junto às prefeituras, que, por sua vez, também só arrecadavam o estritamente necessário para sua manutenção, praticamente nada sobrando para investimentos, sobretudo que acarretassem mais despesas, justamente de manuten-ção. E olhe lá que falar de zona rural hoje não é a mesma coisa que naquela época. O Censo Demográfico de 1940 detectou 70% da população brasileira vivendo no campo, em situação diametralmente inversa à de agora, não significando que a distribuição demográfica de então tenha sido pior ou melhor que a atual, j á que os em torno de 40% da população rural migrada para as zonas urbanas de lá para cá jamais se urbanizaram, vindo a criar os cinturões denomina-dos periferias urbanas, infladas por contingentes populacionais essencialmente marginalizados, até porque se descaracterizaram co-mo rurais sem nunca terem conseguido efetivamente se urbanizarem: tornaram-se realmente periféricos, isto é, sem raízes próprias de identificação sócio-cultural, romanticamente saudosos das liberdades e agrúrias do campo -o que garante vasto e permanente mercado para as sentimentais músicas sertanejas-, mas vegetando diariamente à custa de toda sorte de migalhas de ocupação e vida que extrapolam dos núcleos tipicamente urbanos, até mesmo das influências diretas que instituições empresariais, há algum tempo essencialmente urbanas, passaram a exercer também sobre a atividade rural.

Retomando a minha trajetória, vivi todo aquele contexto geral, de modo mais específico o rural, das décadas de 40 e 50, passando por experiências radicalmente opostas às da primeira his-tória a que me referi no início, cujos lances principais foram: • meus irmãos mais velhos conseguiram estudar até o que denomi-

navam terceira série do primário com professor particular que as famílias da vizinhança se cotizavam para contratar, sem ne-nhum vínculo com normas ou sistemas formais de educação;

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• fui pela primeira vez à sede do meu Município com sete anos, quando já ajudava a cuidar de animais e plantações para a sobrevi-vência da família, apesar de haver contraído uma infecção de canal dentário que só terminou aos dez anos por puro curso da nature-za, quando o fluxo inflamatório irrompeu o maxilar inferior e cuja cicatriz me marcará para sempre, vez que num raio de cinqüenta quilômetros não havia um dentista que pudesse fazer o tratamento, embora, se houvesse, a única solução economicamente viável para o meu caso teria sido a da extração do dente, o que de fato aconteceu posteriormente, com outras exposições de canais;

*. só comecei a me alfabetizar aos onze anos numa escolinha, nos fundos do curral da casa de um vizinho, também interessado que seus filhos aprendessem alguma coisa, improvisada por minha irmã no pequeno galpão para depósito de arreamentos de bois-de-carro;

• depois de um ano com minha irmã e de mais um semestre em outra escola recém-inaugurada na sede do Distrito, situado a três quilômetros de nossa casa, passei por teste no Grupo Escolar da sede de outro Município, de boa qualidade, mas sessenta qui-lômetros distante do sítio em que morava, tendo que residir com um tio -ainda assim a quatro quilômetros da cidade- lá permane-cendo por um semestre, mas, de fato, concluindo oficialmente o terceiro ano primário;

• como já tinha em mente ingressar no Seminário da Diocese, à qual pertencia o meu Município de origem, e graças à ajuda do Reitor do mesmo, que celebrou as cerimônias natalinas numa comunidade próxima ao nosso sítio por três anos consecutivos, para esse Seminário me dirigi no ano seguinte, agora com treze anos de idade e com a terceira série primária completa em dois anos de trancada escolaridade;

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• esse mesmo Reitor me deu a chance de participar da preparação que desenvolveu durante vinte dias intensos e consecutivos para a turma dita de novatos com quarta série concluída, realizar o então chamado Exame de Admissão ao Ginásio: não deixei escapar a oportunidade de lograr aprovação e de pular para a primeira série ginasial sem haver cursado a quarta do primário, o que reduziu minha escolaridade primária a dois anos truncados e vinte dias ininterruptos e intensos;

• e assim por diante, até este momento, para registrar estes tópicos de trajetória por mim tida como de conquista graças tanto às lutas e determinação pessoais como também à colaboração de muitas e prestimosas pessoas que existiram naquela época, continuam a existir hoje e jamais deixarão de existir no futuro, apoiadas ou não por bons sistemas governamentais que as ajudem ou até as explorem e reprimam.

Essas duas histórias, como dois reversos de uma mesma moeda, querem dizer que já em 1984 eu tinha vivência e consciência dos dois brasis que se entrecruzam neste imenso território ao qual nos orgulhamos nomear como se de fato se tratasse de um único Brasil: o brasil da sobrevivência, da luta cotidiana, dos potenciais incubados, da busca de chance, da marginalidade por exclusão, das incalculáveis mas latentes riquezas humanas e naturais e da falta de processos duradouros, que norteiem o seguro caminhar de cada cidadão e da própria nação, em subvivência contrastante com o brasil do poder concentrado em pessoas sistemizadas e em iluminados que esporadicamente no poder se julgam autorizados a submeter a população à condição de cobaia-objeto de seus insights emacrofórmulas de desenvolvimento, nunca a liderando para que ela mesma se torne sujeito-agente de seu próprio processo de evolução cultural, social e econômica, mas tirando proveito político ao primeiro indício de resultado positivo imediatista

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e alegando ingovernabilidade ao constatar o óbvio de que as macrofórmulas, embora necessárias e úteis em situações e abran-gências específicas, não atingem por si mesmas as cabeças, os corações e o engajamento das pessoas em suas dinâmicas cotidianas, a não ser quando se trata de sobrecarga de impostos e de contri-buições compulsórias para contornarem compromissos e rombos feitos com o representativo aval ou à revelia da população.

Até o final da década de 50, a população brasileira sequer sentia o reflexo direto desses compromissos e rombos em seus bolsos, à mesa, na saúde, etc, porque as negociações de compensa-ção se circunscreviam praticamente aos recursos naturais, aparen-temente inesgotáveis e inaproveitáveis em nosso estágio de abso-luto subdesenvolvimento e de subservientemente resignada depen-dência de culturas e economias externas. De lá para cá, e retroagindo um pouco à década de 40, começou-se a entender que também o Brasil merecia e precisava arrancar-se para o desenvolvimento, e que alguns de nossos recursos naturais não só se escasseavam como também eram necessários ao próprio desenvolvimento brasileiro, não podendo continuar dilapidados indiscriminadamente como ocorrera desde o início do período colonial. A partir daí, sim, a população passou a ser mais atingida, principalmente nos anos pós 1964, quando se instalou a ditadura militar que descartou as cabeças dos cidadãos brasileiros, mas mirou os seus bolsos por medidas indiretas e diretas.

Apoiado financeiramente por abundantes empréstimos externos, o regime militar formulou e ativou seus megaplanos infra-estruturais -rodovias, hidroelétricas, siderurgia, telecomunicações, etc- na melhor das hipóteses acreditando que esses gigantescos empreendimentos se concluíssem a tempo de seus próprios retornos econômicos compensarem paulatinamente os encargos dos emprés-timos externos contraídos. A crise do petróleo, de 1973,não havia

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sido prevista, mas, mesmo assim, não arrefeceu a frenética política de desenvolvimento infra-estrutural com chapéus ou recursos alheios. Bem ao contrário, incitou-a mais ainda, face ao fantasma da escassez e da previsível carestia da energia em todo o planeta, jamais se preocupando em divulgar as conseqüências desses des-comunais endividamentos, que se extrapolaram das esferas públicas também para a área particular empresarial -mas sempre com o aval do poder central- na futura e cotidiana vida dos cidadãos brasileiros.

Lembro-me perfeitamente que só em 1980 a imprensa de alcance nacional começou a divulgar que o Brasil tinha significativa dívida externa, algo girando em torno dos quarenta e poucos bilhões de dólares americanos. O curioso, senão lastimável disso é que o grosso da população pensava, até então, que aquelas notícias de arromba que tanto ouvira anteriormente de que o Brasil havia conseguido investimentos de milhões e bilhões de dólares para isto ou aquilo, significavam não a contratação de empréstimos, ressarcíveis mediante contínua atualização de capital e juros pela variação da moeda americana e das taxas flutuantes do mercado internacional, mas espécie de presentes (em linguagem técnica, investimentos afundo perdido) que nossos governantes haviam cavado graças a sensibilidade e solidariedade de governos e agên-cias internacionais para com nosso bom propósito de desenvol-vimento. Em outros termos, e objetivamente, a surpresa era mais ou menos assim expressa: espere lá!;- o pessoal lá de Brasília disse nos jornais e na televisão que havia conseguido muito dinheiro no exterior para o Brasil (...) mas só agora estamos começando a entender que, na verdade, ele foi é pedir dinheiro emprestado e está dizendo que nós, o povo, é que temos de pagar; que história éessa?

Todavia, o fato é que o pessoal lá de Brasília sabia muitíssimo bem que se tratava não apenas de empréstimo como

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também de privilegiada oportunidade de países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Japão e França, só para mencionar alguns dos principais, ampliarem seus espaços em nosso vasto horizonte de potencialidades de consumo e de disponibilização de matérias-primas a baixo custo para eles, face à fragilidade de nossa capacidade real de honrar compromissos com tomadas de tantos empréstimos, ou seja, nossos recursos naturais e nossa crescente capacidade de consumo constituíram, de fato, espécie de garantia de nossa incapacidade de pagamento, dada a precariedade do estágio de desenvolvimento do país. E mais, na maioria dos casos esses empréstimos geravam renda e plus-valia, além das consideradas normais pelos contratos firmados, para os próprios credores, tanto em seus países quanto no Brasil, tendo em vista que se emprestou muito dinheiro para aquisição de equipamentos, materiais tknow-how produzidos pelos próprios emprestadores, razão pela qual a maior fatia dos montantes sequer chegava ao Brasil e que a parecela que aqui chegava vinha condicionada a cláusulas e condições também de geração de empregos e acréscimo de renda ainda para eles mesmos, em nosso território, se contabilizados os elevados custos compensatórios com deslocamentos, estadias e adicionais de permanência de mão-de-obra especializada de países desenvolvidos em terras subdesenvolvidas como as nossas.

Quanto à questão de cláusulas vinculatórias, tive uma expe-riência no mínimo frustrante quando trabalhava no Ministério da Educação, Cultura e Desporto e a euforia por empréstimos estran-geiros havia se esfriado face aos problemas já criados em razão do pagamento de parcelas vencidas e vincendas nos horizontes dos programas anuais e plurianuais do setor educacional. Constatando, certa vez, o esgotamento da capacidade de endividamento desse setor, opinei ingenuamente no sentido de que era hora de o Ministério parar de receber esse tipo de recursos. Para minha surpresa, fui informado de que o setor educacional não havia pleiteado o

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financiamento a que me referia -algo em torno de vinte milhões de dólares- e de que não nos cabia sequer opinar por tratar-se de empréstimo originariamente destinado a outro setor, se não me engano Minas e Energia, com cláusula da agência credora vinculando compulsoriamente 20%, ou os vinte milhões acima mencionados, à Educação. Isso significava que se a Educação recusasse os 20%, o outro setor não contaria com os 80%, evidentemente dos 100% que pleiteara. Assim, e mesmo ciente de que não podia se endividar mais, o setor educacional teve obrigatoriamente que absorver mais esse e outros ônus.

Mas, retomando a questão de que o pessoal lá de Brasília tinha consciência de que mais cedo ou mais tarde o peso do endi-vidamento recairia sobre os ombros da população como um todo e de cada cidadão(ã) em particular, em 1969 -no auge da lua-de-mel do governo militar com a miragem do milagre econômico- foi instituída a compulsoriedade da declaração anual de imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas, já se considerando, desde o início, qualquer tipo de salário como renda real. Por capricho e, quem sabe, para que algum descendente meu se interesse por pesquisar nossa quase inacreditável travessia pelo maremoto econômico-financeiro destas últimas três décadas, guardo com zelo todas as minhas declarações de imposto de renda, desde 1969. Elas espelham de modo inequívoco a visão que aquele brasil dos paços de poder, a que me referi atrás, tem daquele outro brasil da cotidianidade, assim como documentam, ano a ano, os mais disparatados, porém reais, procedimentos metodológicos de relacionamento do primeiro com o segundo brasil. Embora não discuta a legitimidade do imposto de renda, se de fato sobre efetiva renda e revertido em serviços públicos de educação, saúde, habitação, transporte, cultura, etc, para a população, é pela eficiência de sua arrecadação, hoje extremamente competente pelo emprego do computador e da teleinformática, que os assalariados brasileiros

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-portanto a classe média em toda a sua extensão e um pouco até da baixa- tornaram-se presas fáceis e infalíveis do apetite estatal, pois bastam sutis toques de elevação de alíquota, restrição de isen-ções e ajuste de aparelhagem técnica, para que o sistema arreca-dador produza eficientes efeitos nos bolsos dos assalariados, antes mesmo que a parte da á\Vàrenda que lhes sobra seja creditada em conta bancária ou entregue em espécie. O que nos consola, no momento, é que pelo menos nisso nós já conseguimos superar os Estados Unidos, país tido como protótipo do desenvolvimento capi-talista moderno, pois ouvi o Secretário da Receita Federal proclamar, em entrevista televisada na reta final para o esgotamento do prazo de entrega das declarações do ano de 1998, que o respectivo sistema, aperfeiçoado pela Secretaria, é mais rápido e eficiente que o americano, inclusive no que respeita à teleinformática, aí se destacando a utilização em escala da Internet. Embora isso possa realçar nossa engenhosidade de, talvez e para determinadas finalidades, até melhor utilizarmos certas tecnologias que seus próprios inventores, como no caso da Internet, para os assalariados brasileiros; a Receita Federal progrediu muito, mas no sentido de trocar uma gaiola de madeira por outra de aço inoxidável, vez que os processos de arrecadação compulsória e de retorno social dos recursos arrecadados jamais se corresponderam em matérias de perfeição tecnológica e efeitos concretos para a população.

Remexendo minha história de vida, embora dela apenas alguns lances tenham sido destacados nestes comentários, as impressões marcantes que me acorrem, no tocante à relação governo-povo em termos de macroorganização societária, são, em síntese, as seguintes: • primeira, a do povo quase sem governo, virando-se por conta

própria nos limites de cada família, bairro e região, exceção feita às principais capitais do país, até por volta de 1956;

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• segunda, a do povo com euforia de governo, no período Jus-celino Kubitschek, entre 1957el960;

• terceira, a do povo esperançoso de governo envolvido, de 1961 a março de 1964, anos marcados por mobilizações societárias, sobretudo no âmbito da classe trabalhadora;

• quarta, a de governo sem povo, vigente em toda a ditadura militar, de abril de 1964 a dezembro de 1984; e

• quinta, a de governo que se vale do povo, buscando nas urnas o respaldo do voto popular para constituir-se espécie át sociedade própria, costurada no seio da classe política por habilidosas mãos artesãs da cúpula executivo-legislativo-judiciária, com as linhas da elite econômica e as agulhas das contribuições compul-sórias e dos impostos em cascata, de 1985 até hoje, cuja afiação já se iniciara no período anterior, destacando-se evidentemente marcantes diferenças nos estilo e metodologia de cada um dos quatro governos que entraram em cena neste período.

Mesmo reconhecendo e louvando a instauração da real e extremamente importante democracia de pensamento, expressão, organização, participação e locomoção dos cidadãos brasileiros no último período acima mencionado, desde o seu início o povo vem participando de nossa macroorganização societária mais na condição de campo de decolagem-aterrissagem que na de sujeito-agente de construção do seu processo de sobrevivência e desenvolvimento. Funciona como campo de decolagem quando vota, já que a cultura política de nosso país ainda é aquela de que o voto significa procuração com amplos poderes no sentido de que o felizardo vencedor, por regras definidas pela própria classe política no exercício do poder legislativo, sinta-se autorizado a voar para onde quiser em relação aos destinos da nação e do país, resguardados apenas os limites primários das leis concernentes, mas

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incluindo aí até a jurisdição para transformar o povo, que votou, em cobaia experimental de macrofórmulas e megaplanos, cujo poder de legitimação ficou reforçado após a promulgação da Constituição Federal de 1988, pelo uso distorcido e indiscriminado de Medidas Provisórias, por parte do executivo federal, que as edita e reedita, anos a fio, primeiro criando e consumando fatos que afetam e envolvem toda a nação para só depois consultá-la, através dos seus representantes no Congresso, se está ou não de acordo com o que já lhe foi empurrado goela abaixo. Isto quer dizer que a Constituição de 1988, tida pelo Presidente da Constituinte, o então Deputado Ulisses Guimarães, como Constituição Cidadã trouxe no seu próprio bojo o germe da ditadura econômica amplamente cultivado pelos governos que se sucederam à sua promulgação.

Por outra, o povo também funciona como campo de aterrissagem, pelo menos em duas ocasiões estratégicas: primei-ra, quando o mesmo felizardo eleito vo/topara garantir a cobertura dos custos.de suas peripécias voadoras, visto que normalmente são debitados através de cartão de crédito lastreado na conta do povo em geral e não só deste ou daquele segmento em particular; segunda, no momento em que o bip de seu mandato começa a lhe sinalizar que está na hora de outra vez correr atrás do voto popular, individual ou partidariamente, para mais uma autonomia de vôo.

É evidente que há exceções em relação à aplicação da ale-goria do povo como campo de decolagem e aterrissagem a to-dos os políticos brasileiros, mas os problemas são os de que, em primeiro lugar, as exceções normalmente confirmam a regra geral e, em segundo, os políticos que assumiram as posições de principais mandatários de nossa nação não têm permitido sequer brecha para exceções a respeito da matéria acima abordada, anterior -pelos pacotes emergenciais no início do governo Samey -e posterior-

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mente à promulgação da Constituição de 1988, através também de pacotes embalados por verdadeira avalanche de Medidas Provi-sórias, dado que só nos dez primeiros anos de sua vigência, mais de 450 Medidas foram editadas e o povo agraciado com médias próximas de 45 ao ano e 3,8 por mês.

Então, tudo o que se fez através de macrofórmulas e megaplanos só surtiu efeitos negativos para a população? -A resposta imparcial a essa questão não é tão simples como parece. Sem dúvida alguma, o país evoluiu muito da década de 50 para cá no tocante a avanços infra-estruturais e tecnologia de consumo. Há cinqüenta anos não tínhamos sequer uma montadora de veículos automotores em território nacional, assim como até os anos sessenta tudo o que dizia respeito a um certo grau de desenvolvimento -em matéria de rede viária, transportes coletivos, habitação, energia, combustíveis, parques industriais, meios de comunicação, centrais de abastecimento, oportunidades culturais, e outros- circunscrevia-se basicamente ao eixo Rio-São Paulo, apenas e muito timidamente se esboçando em outras capitais, principalmente Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife e Fortaleza. Datam-se desse período as ditas obras faraônicas, pelas quàis a população brasileira continuará a pagar por decênios ou talvez séculos, à época arquitetadas comfartura de recursos alheios e cuja racional aplicação é e será discutida por muitos anos, mas que só aconteceram ou mesmo só aconteceriam em momentos de euforias governamentais, evidentemente com algum tipo de suporte econômico-financeiro e pouca discussão decisória, a exemplo da Companhia Siderúrgica Nacional na era Vargas, das monumentais hidroelétricas e da expansão das tele-comunicações durante a ditadura militar, da construção de Brasília e da implantação da indústria automobilística no governo JK e da própria estagnação inflacionária iniciada no governo Itamar Franco e continuada pelo atual, já em segundo mandato, apesar dos custos

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sociais que, sabidamente, vem acarretando hodiernamente, sobretudo às classes trabalhadora e empresarial.

Resguardadas as proporções e épocas, poderá ocorrer até que algumas dessas monumentais obras se tornem obsoletas, quanto às finalidades para as quais foram construídas, mas se constituam motivo de orgulho nacional de nossos distantemente futuros descendentes, transformados em monumentos^ museus que gerem significativa receita de turismo como acontece na maioria dos países mais antigos que o nosso, tanto orientais quanto ocidentais. Essa perspectiva de longo prazo supõe que tais obras sejam pelo menos concluídas e mantidas ao longo dos séculos, o que não tem sido bem nossa tendência, visto que ora não as concluímos e ora as concluímos, mas não as mantemos, por vezes relegando-as ao total sucateamento e à absoluta natural deterioração, como os canteiros de obras espalhados pelo país, freqüentemente denunciados pelos veículos de comunicação.

Em outros termos, quanto a que o Brasil precisava investir em infra-estrutura material para se desenvolver, a partir sobretudo dos anos 50, e que tal investimento implicaria necessariamente endividamento sequer se pode questionar. O que de fato se questio-na são: primeiro, a racionalidade finalística de tudo o que se fez ou apenas se iniciou; segundo, aunilateralidade governamental em rela-ção a como tudo foi decidido e executado; terceiro, a ausência de visão prospectiva de nossa futura e real capacidade de endivida-mento; quarto, e por fim, a ideologia explícita ou subjacente de povo como objeto e não sujeito do desenvolvimento, cujos ônus lhe foram imputados custear. Isso quer dizer que, mesmo constatando avanços nos campos infra-estruturais e materiais do país, a ponto de nos considerarmos hoje a oitava economia do mundo -apesar de nossas monumentais dívidas externa e interna-, a qualquer brasileiro cons-ciente não resta a menor dúvida de que o país cresceu materialmente,

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e muito, nestas últimas décadas, mas de fato não se desenvolveu humana, cultural e socialmente, o que tem sido abertamente reconhecido até por nosso atual Presidente da República.

Em minha ótica, ess^crescimento sem desenvolvimento propriamente dito se deve a que até o presente nossos governos, sobretudo das alçadas federal e estaduais, mostraram-se desinte-ressados e/ou incapazes de se interagirem com o povo, através das próprias maneiras básicas de ele se organizar, no sentido de criarem e dinamizarem canais de liderança, mobilização e equilíbrio social, tendo em vista que, a par e com a ajuda de insumos captados do exterior, a população se motive e capacite -a partir de suas micro-sociedades, de seus círculos de relações comunitárias, bem como de seus lares, locais de trabalho e até do âmbito educativo-cultural de suas dimensões pessoais- a irromper o desenvolvimento de dentro para fora, ou seja, construindo-o como resultância de sua competência de racionalidade, mas assumindo-o com emotividade, engajamento, compromisso e impulso de irradiante contaminação social, principalmente no sentido das micro para as macroorga-nizações societárias.

É essa a dinâmica que venho denominando processo de desenvolvimento endógeno e que se constitui fundamento abso-lutamente essencial àautogestão municipal em tomo da qual gravi-ta todo o estudo No Município a Educação Básica do Brasil, elaborado em 1984, publicado pela Secretaria de Educação do Estado de Alagoas em 1985 e ora em fase de relançamento, só com o termo Sempre inserido no título original, fato já observado na Apresentação. Sem esse fundamento, as macroestratégias de crescimento e modernização de infra-estruturas e insumos, inclusive tecnológicos, geram efeitos, sim, mas os de mera caiação da população para a modernidade e não os do real desenvolvimento dos próprios seres humanos que a compõem, embora tenham que

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pagar muito caro para se tornarem autênticos viciados da comodidade e do consumo de bens que, em verdade, só canalizam divisas, emprego e talvez qualidade de vida para os países que os criam e que, por isso mesmo, já se encontram em estágio de desen-volvimento pelo menos científico e tecnológico muito mais avançado que o nosso. No contexto de capitalismo globalizador em que nos encontramos, ou irrompemos de dentro para fora nossa decolagem para o desenvolvimento em todas as suas dimensões, evidentemente incluindo-se a econômica, para convivermos e competirmos em nível de certa igualdade com os países atualmente mais desenvolvidos, ou por eles seremos sugados através dos próprios impuxos que a globalização vem exercendo na complexa, porém universal e extre-mamente ágil, cadeia de relacionamentos interativos, uns construtivos e outros tremendamente desagregadores e destrutivos dos elos societários mais fracos e impotentes de nela se equilibrarem. Para tanto, há que se somarem e necessariamente interagirem estratégias de dinâmicas exógenas e endógenas, visto que a primeira sem a segunda se afiguraria a mera caiação desenvolvimentista, referida atrás, e a segunda sem a primeira funcionaria como mecanismo de puro isolacionismo societário.

Retomando a idéia inicial deste tópico, a de que a tese fundamental do estudo No Município a Educação Básica do Brasil, de 1985, continua atual tanto para a educação quanto para a concepção e implementação do processo de endogeneização do desenvolvimento brasileiro, como um todo, mas a partir das dimensões e peculiaridades das realidades locais e cotidianas de nossa população, gostaria de informar que de lá para cá nunca parei de remexer esse tema, sobre ele discutindo, analisando, refletindo e escrevendo -as matérias publicadas vão indicadas no final deste opúsculo-, ora atendo-me aos limites da educação e ora alçando-me aos horizontes maiores do desenvolvimento local como fonte e seiva para o desenvolvimento nacional. Entretanto, o germe

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conceituai lá configurado, aquele que diz respeito ao processo de endogeneização do desenvolvimento, praticamente nada mudou desde então. Em verdade só expandi e explicitei um pouco mais os enfoques teóricos de planejamento e operacionalização da educação formal, estendendo-o, como já disse, aos domínios de pelo menos todos os serviços sociais básicos e afetos diretamente à cotidianidade de populações geofisicamente localizadas.

Aliás, muito agradável foi minha sensação ao constatar que o Prof. Dr. Antonio NÓ VOA escreveu, em parceria com outros colegas, um livro intitulado Formação para o Desenvolvimento (Lisboa: Fim de Século/OIT, 1992), também abordando a temática do desenvolvimento endógeno local ou situacional através de performance conceituai bastante coincidente com a linha de pensamento que venho pontuando desde 1984. Isso me sinaliza no sentido de que essa questão está se tornando cada vez mais interes-sante e de que aquele No Município a Educação Básica do Brasil, publicado em 1985, na verdade continua soando, no presente, como No Município Sempre a Educação Básica do Brasil.

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T Ó P I C O 2

INTRODUÇÃO - DO ESTUDO ORIGINAL'1

É angustiante -por vezes asfixiante- assistir ao alargamento e agravamento da crise educacional brasileira sem contribuir com alguma alternativa ousada de solução. Mais angustiante ainda é ter-se a sensação de que, ao invés, se contribui para esse alargamento e agravamento pela omissão. Omissão dos que têm consciência do fenômeno, mas limitam-se a lubrificar as engrenagens do status quo.

Parece até que se deixa intencionalmente ao tempo e à oca-sionalidade o exercício de uma função racional, a de agentes equa-cionadores de problemas estruturais, assim como o desenvolvimento de uma propriedade terapêutica, a de antídoto para o descom-prometimento com o futuro da sociedade brasileira pela educação.

Esse tom severo tem a sua razão de ser. É nítida a impressão de que muitos, dentre os administradores, legisladores, normatiza-dores e estudiosos da educação, no Brasil, conhecem caminhos sábios para a saída da situação de círculo-vicioso em que se encontra a educação básica para todos os brasileiros. Conhecem-nos no : Daqui para a frente, os textos serão os reproduzidos da edição de 1985, realizada pela Secretaria de Estado de Educação - Maceió-AL, com ajustes estruturais, revisão redacional e comentários/notas de atualização.

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mundo das leis, dos pareceres, das manifestações e das opiniões gerais, mas sem o risco do comprometimento com a sua aplicação. Quando de sua tradução em propostas concretas de ação perma-nente, as acomodações e evasivas desvirtuam, anulam ou deterioram os seus efeitos. Dentre as evasivas mais comuns, destacam-se as da reivindicação sem limite de recursos financeiros e da expectativa de que uma lei, uma nòrma ou pelo menos um parecer jurídico emerja como chave mágica para a solução dos problemas concer-nentes à educação a que o povo brasileiro tem direito, inclusive por força de imperativo constitucional2.

Verifique-se o discurso oficial de 1963 e o de 1983, frisando-se que o espaço compreendido entre ambos é de vinte anos. Confronte-se o teor da Mensagem Presidencial -tópico sobre Educação, Ciência e Cultura- enviada ao Congresso Nacional, relativa ao ano de 1963, com o da Conferência da Ministra Esther de Figueiredo Ferraz na Escola Superior de Guerra, dia 2 de agosto de 1983, e detectar-se-ão problemas e preocupações essenciais muito pouco diferenciados entre si.

Levando-se em consideração que a população brasileira cresceu à ordem de 2,49% ao ano (com base na taxa de crescimento médio relativa ao decênio 1970/80), alguns dentre os problemas e preocupações coincidentes nos documentos oficiais, anteriormente mencionados, podem ser destacados:

2 Esse panorama de evasivas continua essencialmente o mesmo de 1985 até hoje, quando ainda o próprio governo busca, nas chamadas reformas à Constituição de 1988, soluções legais que compensem inclusive sua inapetência e/ou incompetência para a gestão da dinâmica pública brasileira.

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a) Relativos ao I o Grau3: - População de 7 a 14 anos fora da escola:

- 1963:7 milhões; - 1983:7.156.596 (citando o Censo de 1980).

- Situação da rede física: - 1963: extrema precariedade; - 1983: má localização, escassez de material e

equipamento, 67,3% das escolas de I o grau de sala única.

- Gravidade do analfabetismo: - 1963: analfabetos condenados à marginalidade no país em processo de desenvolvimento; - 1983: o analfabetismo continua sendofantasma?,

embora a respectiva taxa tenha caído de 3Pela Lei 5692/71, vigente em 1985, áEducação Básica compreendia o Ensino dei" Grau (aí incluída a Pré-Escola) e o Ensino de 2o Grau. A partir da LDB n° 9394/96, permanecem a denominação geral Educação Básica, mas sua nomenclatura divisória foi modificada, ou seja, Educação Infantil para a faixa escolar de zero a seis anos; Ensino Fundamental compreendendo as oito séries do ex-Ensino dei" Grau; Ensino Médio em substituição a Ensino de 2o Grau. Entretanto, até agora o que efetivamente vem ocorrendo nessa reforma tem sido a troca de nomenclatura, visto que os problemas têm-se acumulado em volume e diversidade bem maiores que os das reais soluções. ' 'O fantasma do analfabetismo permanece ativo como nunca neste final de século XX: cresceu em números absolutos de 1983 para cá, chegando à casa dos 20 milhões, e se sofisticou qualitivamente, ou seja, se naquela época analfabeto era quem não assinava o nome e não lia e escrevia um bilhete simples, hoje o é também quem não lê placas de trânsito, nomes de rua, destino de ônibus ou até nada entenda de informática (para votar por exemplo).

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65,3% em 1900, para 26,0% em 1980, relati-vamente à população maior de 15 anos (porque os 65,3% eqüivaliam a 6.348.869 de analfabetos, enquanto os 26,0% corres-pondiam a três vezes mais em números abso-lutos, ou seja, 19.355.933 de analfabetos).

- Corrosão da evasão/repetência: - 1963: mais de 50% no período compreendido

entre a I a e a 4 a série; - 1983: em torno de 50% apenas na passagem da

I a para a 2 a série e 83% no período da I a à 8 a série.

- Busca de equilíbrio entre quantidade e qualidade do ensino5: - 1963: tônica da preocupação com a expansão e o

aprimoramento da rede escolar face à certeza de que "(...) é visível a precariedade da rede educacional e mesmo a mediocridade dos ideais educacionais vigentes

- 1983: a terceira linha norteadora das diretrizes do Ministério da Educação e Cultura para o apoio aos programas de ensino desenvol-vidos pelas unidades da Federação e pelos Municípios.

5 De 1983 para cá, muito se tem falado sobre qualidade de ensino, mas o que de fato e lamentavelmente se vem constatando são duas tristes realidades, a do sucateamento do ensino público em geral, em todo o território nacional, e a de sua conseqüente deterioração, agravadas pelas exigências cada vez mais complexas da sobrevivência em nosso mundo globalizado, caracteri-zado pela dramaticidade da competição científico-tecnológica e econômica.

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b) Relativos ao 2 o Grau: - Aproveitamento/atendimento:

- 1963: de cada 100 alunos que iniciavam o curso médio apenas 7% o concluíam (evasão/ repetência de 93%);

- 1983: atendimento de 14% da clientela potencial (segundo dados de 1980), sendo em torno de 50% dessa clientela atendidos por cursos noturnos, estruturados e funcionando nos mesmos moldes dos diurnos: "(...) a falta de uma proposta adequada gera altas taxas de evasão e repetência, dificultando ainda mais a freqüência para o jovem que participa do processo produtivo ".

- Frustração no âmbito da terminalidade real: - 1963: "(...) até há pouco, na escola média

brasileira, nove de cada dez crianças estavam freqüentando cursos de caráter acadêmico, em vez de preparar-se para as atividades do trabalho ";

-1983: a necessidade de prover o sustento próprio e o da família, a insuficiência do sistema escolar para atender à totalidade da demanda de 2 o grau, bem como a carência de mão-de-obra qualificada para a atuação no ensino de 2 o grau constituem a realidade que "(...) vem contribuindo para dificultar a necessária expansão do ensino nesse grau ". "E tudo isso aliado à circunstância

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de que o alunado brasileiro costuma ver no ensino regular de 2o grau uma passa-gem ou ponte para os estudos superiores -passagem que, ao seu ver e ao das respec-tivas famílias, deveria ser abolida- está levando ao abandono do ensino regular em benefício do supletivo, fenômeno que compromete altamente os interesses da educação neste e no grau subseqüente, que é o do ensino universitário "6.

c) Relativo à Educação Pré-Escolar: Apenas o discurso de 1983 fez referência à educação

pré-escolar, visto que só a partir da Lei n° 5692/71 passou a inte-grar-se ao nível de I o grau. Mesmo assim, e "(...) embora ganhando substancial impulso em 1981, o atendimento ao pré-escolar é, ainda, de extrema timidez". O total de crianças matriculadas no pré-escolar passou de 1.450. 000, em 1981, para 2.300.000, em 1982. Todavia, só a população estimada da faixa compreendida entre 4 e 6 anos, em 1983, era de 10 milhões de crianças.

A citação dos dois discursos oficiais não se deu com a finali-dade de fornecer um quadro exaustivo da situação da educação formal

6 E m relação às duas citações, dos discursos de 1963 e 1983, praticamente nada mudou para melhor até o início de 1999. A situação talvez até se tenha agravado, vez que a Lei n° 5692/71 acabou por eliminar os centros profissionalizantes de 2 o grau anteriormente existentes, como Escolas Agrí-colas, Colégios Industriais, Escolas de Comércio, etc., substituídos por cur-sos de fato acadêmicos, mas com fachada profissionalizante, tais como os criados a partir da Lei n° 7044/82: Análises Clínicas, Secretariado, Contabi-lidade e uma infinidade de outros.

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de base em 1963, contrapondo-a à de 1983. Há enorme variedade de dados educacionais disponíveis no Serviço de Estatística de Educação e Cultura-SEEC, da Secretaria de Informática, da Secre-taria-Geral do MEC (denominação de 1985), bem como nos órgãos congêneres das Secretarias de Estado das unidades da Federação, que permitem, aos estudiosos e pesquisadores, subsídios estatísticos suficientes para a ampliação e o aprofundamento da matéria.

É preciso observar, todavia, que, no período compreendido pelos dois mencionados discursos, surgiram ou foram criadas oportunidades e condições para que a situação da Educação Básica brasileira evoluísse para estágio bem mais satisfatório do que a vigente em 1984. Essa desejável e necessária evolução não ocorreu por que motivos? -Se o primeiro diz respeito à falta de recursos financeiros, o período 1965/75 talvez tenha sido o mais generoso, nesse sentido, de toda a história brasileira; se o segundo se refere à legislação e normas inadequadas, o final da década de 60 foi dedicado à reforma do ensino básico, culminando com o aparecimento da Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de I o e 2 o Graus, a de n° 5692, de 11 de agosto de 1971; e se o terceiro concerne à ausência do planejamento participativo, desde 1979, sobretudo a partir das mobilizações que antecederam a elaboração do EI Plano Setorial de Educação, Cultura e Desportos 1980-85, vem-se tentando planejar participativamente.

O autor deste estudo teve a oportunidade de participar ati-vamente de quatro Encontros Nacionais de Dirigentes de Educação, Cultura e Desportos, promovidos pelo Ministério da Educação e Cultura, em Brasília, nos anos 1981,1982,1983 e 1984. Todos eles foram realizados com o intuito de, conjunta e participativamente, buscar soluções para os graves problemas que afetam, ano a ano, a educação, a cultura e o desporto no Brasil. Procurou-se envolver, nesses Encontros, o que havia de melhor em termos de administra-dores, normatizadores, especialistas e estudiosos da educação, da

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cultura e do desporto. Entretanto, os discursos, as mesas-redon-das, as conclusões, as moções e os acordos de intenções se repe-tiram sem que se percebessem, concretamente, reflexos significativos, além de procedimentos tipicamente administrativos, na evolução dos quadros da realidade educacional, cultural e desportiva brasileira em anos subseqüentes. Por quê? - Talvez porque os decisores e administradores da educação se sentissem impedidos de buscarem soluções estruturais que implicassem a definição de competência e comprometimento objetivos das esferas administrativas federal, estadual e municipal com as necessidades da população que, uma vez convencida de seus direitos, pelo menos ao I o grau completo, passaria a cobrá-los insistente e incomodamente. Talvez porque o Poder Público não houvesse entendido de fato, ainda, que a oferta da educação a que a população tem direito, pelo disposto em lei, é dever tanto do Estado (na sua acepção geral) quanto da família e da própria sociedade; que cabe ao Estado assegurar o usufruto desse direito, sem que, necessariamente, ele mesmo deva assumir tudo sozinho, desde a definição até a execução das atividades edu-cativo- instrucionais formais. Talvez não tenha entendido, outrossim, que assegurar o direito à educação implica muito mais as funções de liderança, mobilização, apoio, orientação e equilíbrio das forças sociais concretamente localizadas, do que as relativas à detenção da definição, da programação, da execução e da reprogramação da ação educacional no seu próprio círculo de competência.

Só um Estado competente não tirará o povo incompetente de seu próprio fosso. O Estado tem todas as condições para mobilizar e liderar o povo a sair do fosso pela sua própria competência. Não se trata de um axioma filosófico, mas, sim, de mero posicionamento estratégico, baseado na premissa de que o Poder Público, exercido pelo Estado, é capaz ou procurará capacitar-se para ter as condições de mobilização, envolvimento, orientação e equilíbrio das forças sociais localizadas num determinado território: da família, em

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particular, à sociedade, de modo mais abrangente. Essa é a posição defendida no presente estudo. Propõe-se

-após as considerações históricas julgadas necessárias ou oportunas-que a União e os Estados da Federação adotem a estratégia de, unidos, investirem no desenvolvimento da capacidade adminis-trativo-gerencial dos Municípios, assegurando-lhes o apoio técnico e financeiro, bem como propiciando-lhes aquelas orientações e supervisão que a natureza do investimento requerer e que consti-tuírem a essência da garantia à indispensável unidade estadual e

V nacional. A competência e incumbência da administração municipal ficará, por sua vez, o envolvimento da sociedade local nos processos decisório e executório do que se fizer necessário ao adequado cumprimento dos direitos, deveres e aspirações educacionais dessa mesma sociedade, a começar pela educação formal de base.

Tem-se por certo que tal estratégia será eficaz, eficiente, segura e veloz, se praticada com determinação para a solução quantitativa e qualitativa dos problemas que impedem a integral oferta daEducação Básica a que todos os brasileiros têm direito. Dela surtirão efeitos que extrapolarão a área da educação e se aproveitarão para o desenvolvimento participativo e harmonioso da nação. Isso, porque a educação passará a constituir o fator de desencadeamento da competência endógena que induzirá e, simultaneamente, impulsionará o povo brasileiro -sobretudo o segmento mais carente e marginalizado- a emergir paulatina e equilibrada-mente do seu fosso humano-desenvolvimentista7. Pelo aumento sistemático de sua capacidade de planejar e agir organizada e

7 F o i enfatizado no Tópico 1 que esta tese fundamental continua atual. De &ÍD, para mim, neste início de 1999, nem o sentido e nem mesmo a formulação dessa tese mudaram desde 1985 (ou 1984, quando o estudo foi efetivamente

i «rdigido).

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participativamente, mediante o incentivo, a orientação e a supervisão do Poder Público, os cidadãos que integram esta grande nação tornar-se-ão componentes ativos das batalhas e conquistas do bem-social a que aspiram e de que urgentemente necessitam.

Toda a teoria e prática de municipalização, mesmo a entendida tradicionalmente como transferência de serviços e encargos das esferas federal e estadual para a municipal, naquilo que lhe é ou parece ser compatível, integra-se às dimensões, também teórica e prática, do fenômeno mais abrangente da descentralização jurídico-político-administrativa, a qual, por sua vez, mantém vínculo de relação inversa com a sua antítese, a centralização.

Para que o caminho da evolução teórica e prática da municipalização do ensino no Brasil seja percorrido com o mínimo de visão de contexto, parece oportuno que se levantem alguns referenciais históricos relativos ao ciclo de centralização e aos prenúncios da descentralização no posicionamento e relacionamento, entre si, das esferas administrativas federal, estadual e municipal. Em vista disto, todos os Tópicos que se seguem, neste estudo, dizem respeito a três referenciais de abordagem: centralismo, acenos de descentralização e sugestões ou propósitos visando ao desenvol-vimento endógeno brasileiro, a partir da integral gestão educacional ao nível dos Municípios.

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T Ó P I C O 3

BREVE HISTÓRICO DÁ CENTRALIZAÇÃO ADMINISTRA TIVA NO PAÍS

Em termos gerais, basta um lance de olhos sobre a nossa história para se ter, à primeira vista, a noção de que a concentração de decisão e ação no poder central tem sido a tônica dominante de toda a história brasileira, da descoberta até nossos dias.

Viveu-se em regime de centralismo durante os períodos da Colônia, do Império, da Consolidação da República, da Revolução de 1930 e da "Revolução" de 1964. Até nossos dias, quase não houve intervalo e condições, entre esses acontecimentos, para um trabalho sério de desconcentração que não se limitasse a propostas teóricas ou até a dispositivos meramente legais, sub-repticiamente infiltrados na legislação produzida em períodos menos tensos.

Nos breves intervalos aparentemente mais descontraídos, acontecimentos de amplitude internacional depositaram reflexos drásticos na paz nacional do século XX, merecendo destaque, dentre eles, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Socialista na Rússia Czarista, que se estendeu à União Soviética e culminou pela cisão entre as ideologias ditas ocidental e oriental, a crise mundial de 1929, a Segunda Guerra Mundial e a atual crise que assola principalmente os países pobres do planeta.

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O curioso, porém, é que, segundo a afirmação do Prof. Paulo Nathanael Pereira de Souza8, os municípios brasileiros gozavam de mais prestígio e poder, em relação às instâncias superiores, no início do século XIX do que hoje. Assim se expressou o palestrista9:

"Foi a partir de 1828 que o Município brasileiro perdeu formal e legalmente a sua importância. Porque uma lei do Império, de 1828, estabeleceu que o Município passaria a ser uma mera circunscrição administrativa, sujeita a todas as limitações que lhe fossem impostas pelos Governos Central e Provincial". Mais adiante, fez referência ao período posterior à

proclamação da República: "A partir disso (isto é da lei de 1828), o Município foi perdendo, no Brasil, a sua expressão e adentrou à República como uma entidade, uma esfera de poder, a mais frágil dentre as três. Embora as Constituições Brasileiras, a partir da de 1891, venham dizendo que o Município é autônomo do ponto de vista político, administrativo e financeiro, na verdade essa auto-nomia é apenas uma declaração teórica, porque, na prática, ela não se efetiva; o Município não tem autonomia quase nenhuma".

8 Em palestra proferida no Ciclo de Estudos Sobre Municipalização do Ensino dei" Grau, promovido pela SEPS/MEC e realizado em Brasília-DF, dias 7 e 8 de junho de 1982. 9 O texto das palestras gravadas foi gentilmente cedido pela COFAE/SEPS/ MEC para consultas. O Professor Paulo Nathanael Pereira de Souza cumpriu mandato integral de membro do Conselho Federal de Educação. A partir de 1983, investiu-se da função de Diretor-Geral da Fundação Centro Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Pessoal para Formação Profissional-CENAFOR do MEC, sediada na capital do Estado de São Paulo.

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Este texto constitui espécie de repetição detalhada do que já se proclamara um pouco mais no início de sua fala:

"O Brasil é um país de Governo Central; o Brasil não é um país municipalista, mas centralista. Ele só não é um Estado municipalista por circunstâncias quase que ocasionais, ligadas à doutrina que precedeu à proclamação da República. Mas toda a sua vocação político-administrativa é centralizada, uma vocação que nós herdamos do Estatuto Colonial e que se projetou no Império e que adentrou à República". Nesse contexto, em que o Município se apresenta sempre

como o mais prejudicado, é que se criou o Instituto Brasileiro de Administração Municipal-DBAM, em outubro de 1952, com sede no Rio de Janeiro. O Conselheiro Rômulo Almeida, em artigo come-morativo do 25° aniversário de sua fundação, assim caracterizou o IBAM em relação ao momento histórico em que surgiu10: "Uma organização para ajudar a Administração Municipal, direta e indiretamente, seria um instrumento eficaz num momento em que o municipalismo se perdia na declamação, que contentava o romantismo de alguns e a ambição política de outros".

Aliás, Diogo Lordello de Mello, que participou da fundação do IBAM com Cleantho de Paiva Leite e se tornou o seu segundo Diretor-Executivo, permanecendo sempre ligado às atividades do Instituto, defendeu tese1 1 na Escola Superior de Guerra enfocando a imprescindível reforma do regime municipal brasileiro por

1 0Publicado na Folha de São Paulo, de 28 de setembro de 1977 e depois na Revista de Administração Municipal. Rio de Janeiro, 24 (145): 36-9, nov./ dez., 1977. 1 1 MELLO, Diogo Lordello de. O município na organização nacional. Conferência proferida na ESG. Rio de Janeiro: IBAM, 1971.

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considerar o Município como entidade administrativa excluída do esquema da organização nacional.

O pensamento de Diogo Lordello de Mello sobre o espaço do Município brasileiro nas Constituições de 1891,1934,1946 e 1967, nas alterações decorrentes da Emenda 01/69, bem como nas reformas Bernardes (1925-1926) e tributária (1966), parece poder resumir-se no seguinte parágrafo da' citada publicação:

"A história político-constitucional do Brasil inde-pendente se tem caracterizado, no que diz respeito ao Município, pela sua quase exclusão dos esquemas cie organização nacional, por falta de definição formal de um papel para o Município, como instrumento eficaz cie ação governamental" (1971 : 13). Ainda no capítulo sobre as Disfunções do Regime

Municipal Brasileiro (1971: 28-70), cinco síndromes são citadas como componentes do quadro patológico da administração municipal brasileira:

a) a do Município fictício: exclusividade da criação de Municípios pelos Estados até a Constituição de 1967 e criação desordenada e até ilegal de Municípios para carreamento de cotas de impostos de renda e de consumo atribuídas aos Municípios, tudo visando à for-mação de feudos eleitorais;

b) a da simetria: tratamento de todos os Municípios como se fossem iguais entre si;

c) a da ambigüidade: concorrência e invasão, pelas es-feras estadual e federal, na área da prestação de ser-viços às comunidades locais, por falta ou falha quanto à delimitação das fronteiras funcionais do Município;

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d) a da dependência financeira: centralização da receita tributária e mecanismos inadequados de transferência de recursos aos Municípios;

e) a da hipercorreção: legislação e normas demasiado modernas, corretas e complexas para a decodificação, na prática, ao nível da maioria dos Municípios brasileiros (exemplo: orçamento-programa, orçamento pluri-anual de investimentos, despesas de capital, receitas, investimentos, despesas de custeio).

Todas essas síndromes que, relembrando, caracterizam o quadro patológico das disfunções municipais, na opinião de Diogo Lordello de Mello, constituem expressão ou conseqüência da esma-gadora centralização de decisão, ação e recursos que os escalões administrativos estadual e federal fazem recair sobre os ombros dos Municípios.

Convém observar que tais síndromes, embora concebidas e formuladas no início da década de 70, não perderam ainda a sua atualidade. Pelo menos duas -as da ambigüidade e simetria- foram citadas pelo Prof. Nathanael Pereira de Souza em defesa da assertiva, em 1982, de que "(...) o Brasil não é um país municipalista, mas centralista"12.

Com base em estudos integrantes da pesquisa sobre a municipalização da educação e da saúde, realizada pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal-IB AM em convênio com a Secretaria de Articulação com os Estados e Municípios-SAREM (esta da Secretaria de Planej amento da Presidência da República),

1 2 Essa assertiva consta de um texto, transcrito anteriormente, da palestra no também mencionado Ciclo de Estudos sobre Municipalização do Ensino de Io Grau.

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publicada em 197713, três pontos-chave, relativos à centralização após a década de 30, podem ser destacados:

Primeiro, ao processo de avanço da industrialização correspondeu o aumento da tendência de concentração das atividades econômicas do país, ou seja:

"Alguns autores admitem que, o sistema político brasileiro tem-se caracterizado por uma alternância de fases de centralização e descentralização. Sob o aspecto econômico, contudo, pode-se afirmar que a partir do momento em que o país se foi industria-lizando, passou a ser sensível à tendência para a concentração das atividades econômicas" (1977 : 15). Segundo, ao crescimento econômico do país correspon-

deu o aumento da importância e da intervenção do setor público. Até 1930, a economia brasileira se caracterizava como de base primária e a ação do Estado restringia-se às "(...) funções ligadas à justiça, à saúde e à segurança". Todavia,

" "As mudanças no pensamento econômico que ocorre-rão nos países ocidentais em conseqüência da depres-são econômica mundial e, concomitantemente, a crença nas possibilidades da industrialização em países que baseavam a sua economia na exportação de produtos primários, conduzirão o Estado brasileiro a uma polí-tica crescentemente intervencionista" (1977 : 17).

Ainda na década de 30, segundo a mencionada pesquisa, o Estado começou a adotar os mecanismos de "(...) controles cambiais e de tarifas preferenciais para estimular a industrialização ". Foi criado,

1 3 INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. Municipalização: educação e saúde. Rio de Janeiro : IBAM/SAREM, 1977.

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nessa década, o Conselho de Comércio Exterior. Logo após, nas décadas de 40 e 50, a intervenção estatal extrapolou os mecanismos do mero controle, passando a ocupar espaço cada vez maior nos setores da organização, prestação de serviços e produção de bens no contexto da vida e da economia brasileiras. O próprio Estado incentivou o surgimento da estrutura sindical, deixando-a, porém,"(...) estreitamente vinculada à máquina governamental". Data-se desse período o aparecimento e o fortalecimento das empresas estatais, assim como o surgimento do próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico-BNDE (hoje Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES) em 1953, ano de criação também da PETROBRÁS. Em 1953, já existiam outras empresas estatais de grande porte, "(...) fundadas no curso da II Guerra Mundial", como Companhia Nacional de Álcalis, Fábrica Nacional de Motores e Companhia Vale do Rio do Doce. Em agosto de 1984, o quadro das chamadas empresas estatais era o seguinte: 282 federais e 27 estaduais, perfazendo o total de 3091 4. Tem-se, por aí, uma idéia da enorme ampliação da ação do Estado no setor produtivo durante as décadas de 60 e 70, de modo cumulativo, ou seja, "(...) a concentração de poder permite ao Estado ampliar a sua esfera de intervenção e, por sua vez, os novos instrumentos de ação criam novos mecanismos de poder" (1977: 18).

1 4 Segundo relação constante do Programa de Dispêndios Globais da Secretaria de Controle das Empresas Estatais-SEST da Secretaria de Controle de Planejamento da Presidência da República-SEPLAN/PR. Convém observar que as fundações, as autarquias e os órgãos autônomos da área da administração indireta do MEC estão arrolados no Programa de Dispêndios Globais da SEST como uma empresa coletiva, denominada Sistema Federal de Educação e Ensino, exceção feita ao Hospital das Clínicas de Porto Alegre e à EMBRAFILME, cadastrados separadamente.

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Terceiro ponto, expresso pela "(...) relevância da via administrativa [em detrimento dos canais políticos] na articulação entre as três esferas do Governo (...)", isto é, comando do planeja-mento central -incluindo arrecadação e aplicação de recursos- pela União e fortalecimento das funções normativas do governo federal. Assim: ^ "(...) a concentração acentuou-se principalmente em

função das alterações introduzidas no sistema político a partir de 1964, e que enfraqueceram o papel das esferas estadual e municipal. No plano econômico, os Governos estaduais, principalmente dos Estados mais pobres, ficaram inteiramente dependentes da União. Quanto a estes últimos, seus orçamentos cobrem apenas as despesas de custeio, enquanto que os gastos em investimentos são efetuados pelo Governo federal. O Município teve também a sua posição enfraquecida, em decorrência da reforma tributária" (1977 : 18).

Sem entrar no mérito dos seus efeitos diretos e colaterais, bons ou ruins, constata-se que a centralização, em termos políticos, administrativos e econômico-financeiros, vem representando uma constante cada vez mais forte na história do relacionamento das três esferas do poder público nacional: a federal, a estadual e a municipal. E a mais sacrificada, apesar de constituir a base para as duas outras, foi e continua sendo, sem dúvida alguma, a esfera municipal.

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T Ó P I C O 4

ACENOS À DESCENTRALIZAÇÃO COM REFLEXO NOS MUNICÍPIOS

Parece até incoerência falar de descentralização depois do que se registrou a respeito da centralização. Realmente, não há muito o que dizer, em termos globais, no campo dos fatos. Mas no terreno da teoria e da reivindicação, alguma coisa aconteceu, incluindo-se aí a própria tese de municipalização do ensino, formulada e defendida por Anísio Teixeira, que será analisada no Tópico 5, especial sobre a municipalização.

Diogo Lordello de Mello, em apenas dois parágrafos15 re-sume, de maneira erudita e clara, os esforços que se encetaram em favor dos Municípios brasileiros, do Império até a vigência da Constituição de 1946:

"Na verdade, poucas têm sido as figuras eminentes que se ocuparam em delinear uma visão gestáltica do Município e de seu papel. No Império, tivemos Tavares Bastos; na República, ocorrem-me apenas dois nomes:

1 5 Da já citada Conferência (à nota 11).

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Teixeira de Freitas e Juarez Távora. Não que outros não se hajam ocupado do Município, defendendo-o como verdadeiros paladinos contra a dominação das oligarquias regionais, o esmagamento financeiro das discriminações de rendas que favoreciam a União e os Estados, o abandono do interior depauperado. Quem não se lembra das batalhas heróicas da Consti-tuinte de 1946, com Aliomar Baleeiro, Otávio Manga-beira e tantos outros a assegurar um mínimo de auto-nomia financeira -vez que a autonomia político-administrativa era mais fácil- em alguns dos debates mais acirrados e dos momentos mais críticos da Assembléia? Quem se pode esquecer da campanha memorável de Rafael Xavier em favor da consolida-ção e ampliação das conquistas de 1946? É fora de dúvida que a Constituição de 1946 represen-ta marco decisivo na evolução do nosso Município e de sua consolidação institucional. Mas é de lembrar que o constituinte de 1946 estava voltado, sobretudo, para a redemocratização do país, após a longa dita-dura getuliana. Seus ideais eram eminentemente libertários e se refletiam, naturalmente, nas formula-ções com que o problema municipal foi equacionado. Quis-se, então, tão-somente, assegurar a autonomia político-administrativa dos governos municipais e provê-los com um mínimo de recursos financeiros para sobreviverem como instituições políticas. Não se lhes definiram fronteiras funcionais, nem responsabili-dades, nem se criaram mecanismos adequados para as relações intergovernamentais. O clima não era propício a essas cogitações, pois a grande meta era a restauração das liberdades públicas". Ainda na vigência da Constituição de 1946, na década de

50, um registro histórico constituiu indício de que o movimento muni-

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cipalista permanecia ativo, mesmo depois de concluída a tarefa cons-tituinte. O municipalista e deputado estadual paulista Antônio Sylvio Cunha Bueno apresentou uma tese propugnando pela instituição dos Bancos Municipais no I Congresso Ibero-americano de Municípios, realizado na capital da Espanha em 1955, publicada pelo IBGE 1 6, em 1956, juntamente com mais três trabalhos de cunho municipalista no âmbito do Estado de São Paulo17. Em termos de finalidade geral,

"Os bancos municipais são aconselhados por isso eqüivalem a valioso auxiliar do municipalismo, um de cujos principais objetivos é o de propugnar pelo forta-lecimento econômico das comunas como jeito de al-cançar, efetivamente, a sonhada e merecida autonomia e como forma de se erguer os níveis de vida das popu-lações interioranas, propiciando-se-lhes o conforto e bem-estar a que fazem jus" (1956 : 33). Depois de aprovada no I Congresso Ibero-americano de

Municípios, a aludida tese foi inscrita na VIReunião do Congresso Interamericano de Municípios, realizado em seguida no Panamá.

A impressão que se tem do municipalismo em 1956 é a de que o movimento se encontrava em plena efervescência e sua importância era de tal monta que Arruda Viana, ao prefaciar a publicação Ângulos Práticos do Municipalismo, já citada, não hesitou em proclamar:

1 6 BUENO, Antônio Sylvio Cunha. Ângulos práticos do municipalismo. Rio de Janeiro : IBGE/Conselho Nacional de Estatística, 1956. 1 7 Um desses trabalhos, de autoria de Antônio Sylvio Cunha Bueno com a colaboração de Arruda Viana, intitula-se Sugestões para Promover e Coor-denar a Defesa dos Interesses Municipais. Essas sugestões foram apresen-tadas aos Prefeitos e Vereadores reunidos em Tupã, Estado de São Paulo, em 1948, subsidiando, assim, a criação da Associação Paulista dos Municípios.

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"Não é exagero afirmar, tão graves os males que a posição de penúria de nossos Municípios tem ocasionado -em primeiro lugar a eles mesmos e em segundo lugar, por via de conseqüência, ao próprio país- que o movimento municipalista oferece as mesmas dimensões com as quais entraram para o quadro da História Brasileira o movimento abolicionista e o

y republicano" (1956 : 7 ). Todavia, segundo a pesquisa sobre Municipalização:

educação e saúde, do IBAM, em convênio com a SAREM, foi na década de 60 que se deu passo mais decisivo em matéria de

. descentralização ao nível das esferas governamentais: "A descentralização das intervenções diretas do Governo passará a ser discutida amplamente no seio da burocracia do Estado em 1966-67. Ela será uma das preocupações básicas da chamada reforma admi-nistrativa (Decreto-lei 200). De acordo com esse instru-mento, as tarefas de execução deverão ser descentrali-zadas, enquanto que as funções de coordenação e planejamento devem ficar a cargo do Governo Federal"1*. Duas observações, relacionadas com esse texto, merecem

registro: 1 a) as esferas administrativas estadual e municipal ficaram

constritas tão-somente às tarefas de execução permanecendo rigidamente centralizadas a decisão e a coordenação em nível federal;

2 a) no que respeita ao envolvimento dos Municípios nesse processo de descentralização, assim expressou Diogo Lordello de Mello, jáem 1971:

1 8 IB AM/S AREM (Cft. nota 13).

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"A revisão institucional que se vem processando no Brasil a partir da Revolução de 31 de março de 1964 -principalmente as formulações de reforma tributária de 1966 e as Constituições de 1967 e 1969- procura-ram enfocar a instituição municipal sob novas luzes, em vários aspectos. Mas as medidas adotadas têm muito mais um caráter corretivo de certas distorções, que clamavam por reparos inadiáveis, do que um sentido de reforma mais profunda como as que se ope-raram em vários outros setores de nossas instituições governamentais "19. A tentativa de digestão dos pacotes emanados do

planejamento central constitui, talvez, a principal característica de toda a década de 70 -sem que a população tomasse conhecimento disso nos primeiros anos20, devido à relativa fartura de recursos e à crença no milagre econômico brasileiro- e meados dos 80, culmi-nando pela repercussão, sem filtro, em 1983-84, da dívida interna e externa brasileira em toda a população do país, mormente na de baixa renda, em geral, e dos assalariados, em particular.

Todavia, o ano de 1982 parece representar um marco para o declínio do ciclo da centralização, sobretudo a político-decisória -reservada ao governo federal sob a forma de planejamento e coor-denação central-, como para a abertura de um processo de efetiva descentralização. Prenúncios desse processo foram as eleições diretas,

1 9 MELLO, Diogo Lordello de. (Cfr. nota 12). 2 0 A imprensa deu ampla divulgação, no dia 18/08/84, à notícia de que "O General Golbery do Couto e Silva, ex-chefe do Gabinete Civil, disse ontem que o período de autoritarismo no país está excessivamente longo, observando que as eleições diretas deveriam ter sido restabelecidas durante o governo Médiei (outubro de 1969 a março de 1974). Segundo ele, aquela era a época ideal devido ao clima de euforia existente no país e satisfação econômica " (Transcrição do Jornal de Brasília, de 18/08/84, p. 5).

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em 15 de novembro, para os representantes dos Poderes Legislativo e Executivo, federal (exceto Presidente e Vice-Presidente da Repúbli-ca), estadual e municipal, bem como a multiplicidade ideológico-partidária que caracterizaram, ainda, os compromissos com as bases eleitorais de quantos assumiram o poder a partir de março de 1983.

Os prenúncios de forte movimento de descentralização político-admirastrativa se intensificaram no decurso de 1984, através, principalmente, de dois tipos de mobilização: o da campanha sucessória dos Presidente e Vice-Presidente da República, que se efetivou no início de 1985, e o da reforma tributária, reciclando e fortalecendo a participação de Municípios e Estados da Federação na receita tributária nacional.

Na área tributária, a Emenda Constitucional n° 23 -também denominada Emenda Passos Porto-, de I o de dezembro de 1983, em vigor a partir de I o de janeiro de 1984, representou uma espécie de calço para a esperada reforma. Pelo menos os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios tiveram elevadas as suas cotas de participação na arrecadação tributária nacional21.

2 1 Até 1996, os ventos sopraram a favor dos Estados e Municípios em questão de arrecadação, visto que a Constituição de 1988 fortaleceu significativamente suas cotas e participações no bolo tributário brasileiro. Mas o pior, porém absolutamente previsível por tudo o que foi dito no Tópico 1, aconteceu, ou seja, todos se quebraram (União, Estados e Municípios), mas a União ficou ainda em desvantagem maior pelo fato de ser também a avalista de toda a dívida externa nacional. Aí veio a Lei-Kandir, de 13/09/96, ou Lei 87/96, e reinverteu o fluxo de orientação tributária para a União, deixando Estados e Municípios outra vez na penúria de correr ao seu encalço com-o-pires-na-mão, só que, neste início de 1999, sem a mínima condição de atendê-los, visto também ela se encontrar literalmente/á/íí/a em termos de viabilidades financeiras. Agora, o país todo vive a situação do cobertor-de-pobre: se a União o puxa para a cabeça, descobre os pés e os dedos, isto é, os Estados e Municípios, e vice-versa.

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T O P I C O 5

TRAJETÓRIA DA TESE DE MUNICIPALIZA ÇÃO DO ENSINO

A primeira iniciativa de que se tem notícia sobre a proposta formal de municipalização do ensino no Brasil data de abril de 1957, quando o eminente educador Anísio Teixeira apresentou ao Congresso Nacional de Municipalidades uma tese intitulada Municipalização da Escola Primária22.

Trata-se de tese apoiada integralmente na Constituição Federal de 1946, principalmente no caráter socialque foi conferido à educação, com base: a) nos princípios do direito à educação por todos os brasileiros, da obrigatoriedade e gratuidade do ensino pri-mário e da educação posterior à primária gratuita para os que prova-rem insuficiência de recursos; b) na distribuição de competências entre os Municípios, os Estados (em caráter complementar) e a União (em caráter supletivo) quanto à oferta aos brasileiros da edu-

2 2 TEIXEIRA, Anísio. A municipalização do ensino primário. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro : INEP, 27 (66): 22-43, abr./jun. 1957, também publicada pela Associação Brasileira de Municípios (Rio de Janeiro, 1957) com o título Municipalização do ensino primário.

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cação que lhes assegurava a Carta Magna; e c) nos dispositivos concernentes ao provimento dos recursos necessários à consti-tucional oferta de educação, com destaque para o surgimento dos fundos especiais, resultantes da aplicação de percentuais mínimos da receita de impostos (10% pela União e 20% pelos Estados e Municípios) na manutenção e no desenvolvimento do ensino.

Escoimadas as variáveis atinentes à metodologia de alocação e aplicação de recursos financeiros, bem como de preparação e remuneração dos recursos humanos, a tese de, municipalização de Anísio Teixeira parece sustentar-se no seguinte núcleo:

"Com efeito, estabelece a Constituição a competência da União para fixar as diretrizes e bases da educação nacional, a competência dos Estados para organizar os seus sistemas de educação e fixar bases e diretrizes suplementares e, depois de assim determinar a compe-tência (federal e estadual) em relação a objetivos do ensino e a de organização (estadual), deixa à compe-tência das três ordens de governo a manutenção das escolas e a ministração do ensino, que será, portanto, definido pela União, organizado pelos Estados e man-tido pelos Municípios, pelos Estados e pela União. Está claro, assim, que seriam permitidas a duplicação e triplicação das escolas, pelas três ordens autônomas de governo, mas a própria natureza conjugada e mu-tuamente complementar das competências legislativas da União, dos Estados e dos Municípios está a reco-mendar, não a duplicação nem a triplicação de siste-mas escolares, mas a implantação de um só regime conjugado e integrativo como o das competências legislativas. Tal regime seria o de escolas locais, administradas por autoridades locais, de órbita municipal, sujeitas à organização da lei estadual e conformadas aos obje-

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tivos das leis de bases e diretrizes federais. Tais escolas seriam mantidas com recursos municipais, completa-dos por meio de recursos estaduais, ampliados, suple-tivamente, por meio de recursos federais. Isto quanto ao ensino primário, básico, obrigatório e gratuito a ser oferecido a todos os brasileiros". Os fundos especiais, de que se falou anteriormente,

pertencentes "(...) às crianças e aos educandos dos Municípios, dos Estados e do Brasil (...) " devem ser administrados, por motivo de economia e de garantia de sua real destinação, por Conselhos de Educação nas respectivas esferas de governo.

Quanto à validade e oportunidade da administração mu-nicipal, argumenta:

"Parece evidente que a escola primária, pelo menos, deve ter administração local, em virtude de ser custea-da, primariamente, pelo Município e complemen-tarmente pelo Estado e, somente, supletivamente pela União. Mas se essa razão, de natureza por assim dizer lógica, não bastasse, deveria ser ela administrada pelo Conselho Municipal de Educação, por motivos de eco-nomia. Com efeito, somente dando-lhe o caráter de instituição local poderemos fixar para o seu custeio o critério dos salários regionais, o que viria tornar muito mais produtivos os recursos destinados a essa escola". A par da economia de recursos, outras vantagens são

arroladas em favor do efetivo gerenciamento municipal da educação. S ão elas as de ordem:

a) administrativa, ou seja: "(...) quanto menor a unidade de serviços a admi-

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nistrar, tanto melhor será a administração, e tanto mais se evitarão os males irremediáveis do processo de mecanização das macro-organizações "; b) social: "A escola, hoje, está sendo concebida corno uma comunidade integrada dentro da comunidade maior da cidade, da vila ou do povoado. A administração local concorrerá para tornar possível essa integração, passando a escola a ser a instituição fundamental da comunidade, servindo-a e dela se servindo para a vitalidade e riqueza de seus processos educativos. O professor, de nomeação local e lealdade local, deixará de ser o estranho, a autoridade consular e passageira, um quase hóspede da comunidade, para se sentir responsável e integrante dessa comunidade"; c) pedagógica: "A integração da escola na comunidade não consiste, porém, apenas nesses laços administrativos entre uma e outra, mas, na identificação da escola, pelo seu cur-rículo, com as atividades, as características e as con-dições do meio e da cultura local. Sendo a escola de responsabilidade local, sendo o professor tanto quan-to possível um elemento da região, toda essa identi-ficação se poderá muito mais facilmente processar, se a escola for uma escola local em vez de uma escola do centro, administrada à distância e representativa de um esforço remoto, tantas e tantas vezes alienado das condições peculiares do meio a que eleve a escola servir. E deste modo é que também vantagens pedagógicas -no melhor sentido desta palavra- advêm para a administração local das escolas". Pois bem, a tese de municipalização, proposta por Anísio

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Teixeira, já completara o seu vigésimo sétimo aniversário de defesa em abril de 1984 e a questão que se formulava, à época, não poderia deixar de ser a seguinte: como evoluíram -se é que evoluíram- a teoria e a prática da municipalização do ensino, de maneira que a educação formal de base, pelo menos, não perdesse a chance histó-rica da promissora aurora de descentralização poMco-administrativa que se vislumbrava em todos os setores e patamares da vida nacional?

Essa chance ou oportunidade histórica vinha sendo ges-tada pela sociedade brasileira no decurso de longo e intenso período de centralização. Importa frisar que uma descentralização meramente paliativa, do ponto de vista jurídico e prático, poderia acarretar desde então descrédito ainda maior do que o vigente nas situações de centralização declarada e das conseqüências sociais e econômicas imprevisíveis dos períodos anteriores de nossa história23.

2 3 Em 1992 escrevi outro livreto denominado Municipalização qualitativa para o desenvolvimento (Campo Grande-MS: PREG/UFMS) e lá registrava que o que estava acontecendo na área da municipalização da educação, pelo menos, era aquela a rolo compressor, regida pela lei natural da gravidade, em virtude da qual os problemas mais pesados em patamar político-administrativo superior tendem normalmente a se despencarem para baixo no sentido da União (mais em cima) para Estados (no meio) e Municípios, onde realmente as coisas acontecem. Isso quer dizer que à descentralização de receitas tributárias, da Constituição de 1988 à dita Lei-Kandir n° 87/96, não correspondeu eficiente descentralização também de capacidades e competêncais de gestão dos serviços sociais básicos ao nível das comunidades municipais. Como já foi comentado na nota 21, a essa situação acrescenta-se a da falta de recursos para tudo e em todos os âmbitos, isto é, dos Municípios, dos Estados, inclusive os mais ricos como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, e outros, e da União, às voltas com a multiplicação das dívidas externa e interna do país face às crises econômicas que vêm se multiplicando, principalmente de 1997 para cá em decorrência da especulação globalizada.

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T Ó P I C O 6

EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DA MUNICIPALIZA ÇÃO DO ENSINO NO

PERÍODO DE 1932A 1957

A tese de municipalização do ensino, defendida por Anísio Teixeira em 1957, representou significativo avanço doutrinário em relação ao que se admitia oficialmente como descentralização, concernente .especificamente ao setor da educação, na década de 30. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova24, do qual Anísio Teixeira figura como um dentre os vinte e seis proeminentes signatários, registrou repúdio geral ao "(...) centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográphicas do paíz e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências regionaes ".

Esse brado em favor da descentralização não ultrapassou, todavia, os limites de ação dos Estados quando se tratou da definição de competência das esferas administrativas:

24 Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília: INEP, 65 (150), maio/ ago. 1984.

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"À União, na Capital, e aos Estados, nos seus res-pectivos territórios, é que deve competir a educação em todos os grãos, dentro dos princípios geraes fixados na nova constituição, que deve conter, com a definição de attribuições e deveres, os fundamentos da educação nacional". O Município, nem mesmo nomeado nas perspectivas de

descentralização da educação, contidas no aludido Manifesto (...), passou a constituir, em 1957, a referência estrategicamente mais importante de todo o processo de desconcentração administrativa do então ensino primário.

Teria Anísio Teixeira repensado isoladamente a omissão do Município no Manifesto de 1932? Ter-se-ia engajado no movi-mento municipalista da Constituinte de 1946? A segunda hipótese parece mais plausível face à estupenda comparação, formulada por Arruda Vianaem 1956, e já citada, de que o movimento municipalista tem (ou tinha) as mesmas dimensões da abolição da escravatura e da proclamação da República, acrescentando:

"É o Brasil a adição algébrica dos seus Municípios. Será rico, se os Municípios o forem; terá a alimen-tação, saúde e instrução, se as tiverem os Municípios. Assim, estou ser axiomático que sem a interiorização da cultura (isto é, sem que se leve ao interior os recursos da ciência, da técnica, da civilização) não poderemos, jamais, dar solução aos nossos problemas fundamentais, nem lograremos destruir o injusto desequilíbrio entre a cidade e o campo (,..)"25. De acordo com a pesquisa do 1B AM/S AREMMunicipa-

liz.ação: educação e saúde, mencionada várias vezes neste estudo,

2 5 BUENO, Antônio Sylvio Cunha. Op. cit., p. 7 (prefácio).

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"No Brasil, a idéia de municipalização coincide com os movimentos municipalistas do final da década de 40 e dos anos 50. Mas, sem dúvida, entre nós a litera-tura a respeito do assunto é escassa. De acordo com os poucos documentos disponíveis, constata-se que a municipalização tem dois sentidos mais ou menos distintos: em um é encarada como um processo de incorporação, pelo Município, de atividades que se encontram em mãos dos empresários particulares; em outro é vista como a transferência de encargos do Estado ou da União para o Governo local" (p.13). "Entre os autores que consideram a municipalização como processo de transferência de encargos do Estado ou da União para o governo local está Anísio Teixeira, em seu estudo Municipalização do Ensino Primário (...). Transferir encargos para o Município significa transformar o Município em centro de determinadas atividades, atividades essas que estavam anteriormen-te a cargo dos dois outros níveis de Governo" (p. 14). Ainda na linha desse conceito geral de municipalização,

Anísio Teixeira propôs, no núcleo de sua tese, um esquema rígido e amarrado de competências para as três esferas administrativas, con-cernentes à organização e ao funcionamento do ensino, "(...) que será, portanto, definido pela União, organizado pelos Estados e mantido pelos Municípios, pelos Estados e pela União (...)".

Os destaques dos termos definido e organizado constam do texto publicado e autorizam a interpretação de que a municipalização do ensino restringia-se, segundo a tese do ilustre educador, à participação dos Municípios na execução administrativa do que fosse definido pela União e organizado pelos Estados. Levada a rigor tal interpretação, os Municípios ficariam alijados de qualquer co-participação e co-responsabilidade em termos de

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definição e organização. Seriam, de acordo com a lógica do esquema de competência, meros executores do ensino.

Como se vê, 1957 representou um marco essencial e oficial na história da descentralização daquilo que se convencionou chamar, hodiernamente, educação formal. Mas a proposta operacional oferecida tornar-se-ia inviável justamente porque o Município, o principal interessado, deveria compôrtar-se como segmento organizacional passivo num processo que, além de lhe negar a efetiva participação nas decisões, propunha transferir-lhe, inclusive, encargos e serviços criados e organizados segundo as condições, características e determinações próprias dos Estados e, por vezes, até da União.

Essa inviabilidade operacional não desfigura, contudo, o fato e o mérito de Anísio Teixeira ter feito registrar a idéia da municipalização do ensino na história do relacionamento dos três níveis .da administração pública do sistema federativo brasileiro. A sua tese representou o primeiro passo no sentido de despertar as administrações federal e estadual para um ovo de Colombo: dentre os três níveis de administração, o municipal é o que mais tem a ver com a teoria e a prática organizacional e funcional do ensino básico de toda população brasileira, sem se dispensarem, evidentemente, a orientação, o apoio e a supervisão dos poderes públicos estadual e federal, compatíveis com as suas verdadeiras finalidades e nos limites de suas posição e função reais.

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T O P I C O 7

ESTAGNAÇÃO DOUTRINÁRIA DE 1957A 1984

Em termos de conteúdo, a tese de Anísio Teixeira permane-ceu praticamente inalterada de sua defesa até 1984. Coincidência ou não, a posição dos Municípios, no esquema de competência das três esferas administrativas, proposto por Anísio Teixeira, corres-pondia ao que estabelecia o ainda vigente Decreto-lei no 200/67: as funções de coordenação e planejamento ficavam a cargo do Governo Federal e as tarefas de execução deveriam ser descentralizadas.

A diferença entre a proposta de Anísio Teixeira e o Decreto-lei residia fora da área municipal, ou seja, o Decreto-lei vedava também aos Estados a função de coordenação, admitida por Anísio Teixeira, no que respeitava a todo o programa de trabalho do governo federal. Isso significa que a doutrina federal de descen-tralização em vigor no ano de 1984 era ainda mais centralizadora do que aquela proposta pela tese em estudo, para efeito da municipalização do ensino.

Aos menos avisados poderá parecer que o fato de se tratar de uma doutrina federal, ou seja, concernente à ação programática

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e à aplicação dos recursos da União, implicaria, logicamente, a completa liberação de decisão e ação nas áreas dos Estados e dos Municípios. Parece apenas, porque: primeiro, uma doutrina federal costuma repercutir diretamente nas doutrinas dos escalões estadual e municipal, por vezes, até copiada ou adaptada por esses escalões; e, segundo, todos os Estados e Municípios brasileiros, uns mais e outros menos, dependiam, em 1984, de recursos sobretudo finan-ceiros da União, com critérios de aplicação ou transferência definidos em consonância, evidentemente, com a doutrina federal.

Essa dependência chegava a ser quase total no caso dos Estados (e Municípios) das regiões Norte e Nordeste -e muito acentuada na Centro-Oeste-, considerando-se que tais Estados, apesar da necessidade de expansão dos serviços de base para atendimento às suas populações, mal conseguiam custear a infra-estrutura e a folha de pessoal existentes, ficando todo o investimento ou fomento sujeito aos recursos federais.

Acresça-se ainda, como método e meio de subordinação doutrinárias, a exigência da contrapartida de recursos estaduais e municipais, maciçamente empregada na década de 70 e ainda não desativada por completo em 1984. Aliás, o uso da contrapartida tem sido exigido inclusive da União, quando entram em jogo as operações de crédito externas, como no caso dos empréstimos do BED (Banco Iteramericano de Desenvolvimento) e BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento). A obrigatorie-dade de contrapartida, em escala e volume significativos, constitui uma das formas mais práticas e eficientes de subordinação de decisões, recursos e procedimentos no relacionamento beneficiário/ beneficiente.

Talvez mereça registro, como instrumento de subordinação no contexto da rei ação beneficiárío/beneficiente, a forma como se instituiu, regulamentou e operacionalizou o Orçamento-Programa no

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Brasil, a partir da Lei federal n° 4320, de 17/03/64, que "(...) estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal". Sem nenhum intuito de aprofundamento em matéria tão complexa, alguns pontos podem ser citados na linha da subordinação há pouco mencionada. A Lei n° 4320/64, no seu artigo I o , determinou que: "A Lei de Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa deforma a evidenciar a política econômico-fi-nanceira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade, universalidade e anualidade ".

O Decreto-lei n° 200, de 25/02/67, institucionalizou, de maneira explícita, o Orçamento-Programa anual (art. 16) como mecanismo fundamental e estratégico de aplicação dos recursos orçamentários e extra-orçamentários da União e de concretização das políticas e diretrizes do Governo Federal (contexto de todo o Título m).

A segunda parte da década de 60 foi marcada, como se vê, pela tentativa de substantivação dos Orçamentos dos Poderes Públicos, liderados pelo Federal. Mas, em 1974, a Portaria de n° 25 da Secretaria de Planejamento da Presidência da República deu mais um passo no sentido da regulamentação e operacionalização desse complicado processo. Instituiu e implantou a Classificação Funcional Programática, decomposta verticalmente em funções, programas, sub-programas, projetos ou atividades e subprojetos ou subatividades.

Tecnicamente falando, a adoção do Orçamento-Programa representou medida muito positiva, mesmo porque já era praticado normalmente nos países desenvolvidos, quando de sua implantação no Brasil. Mas há dois fatos que acabaram por fazer que a recém-institucionalizada metodologia orçamentária viesse a desempenhar papel de estímulo à subserviência na relação

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beneficiário/beneficiente: a) o absoluto despreparo das administrações estaduais e,

principalmente, municipais que deviam ajustar-se à lin-guagem e à metodologia da União para a obtenção dos recursos federais, as quais se sentiram compelidas a adotar, também nos seus níveis, essa linguagem e meto-dologia, copiando-as sem condições crítico-analíticas de entendê-las e aplicá-las;

b) extrapolação das fronteiras de utilidade e conveniência do projeto, enquanto instrumento de programação, inaugurando longa fase de verdadeiro modismo projetista ou, talvez mais apropriadamente, de projetismo; fazia-se ou exigia-se projeto para qualquer coisa que se intencionasse fazer como também para qualquer quantia de recursos que se pretendesse aplicar ou transferir; e como poucos dirigentes e técnicos nos Estados e Municípios entendiam dessa então complicada prática de elaboração de projetos, os roteiros com instruções metodológicas por vezes minuciosamente detalhadas já consistiam matéria pré-elaborada, em consonância perfeita com a ideologia e os requisitos do decisor central; a aprovação se dava projeto a projeto, isoladamente e/ou reunidos em grupos relativamente homogêneos, favorecendo ou causando a dispersão e a pulverização de esforços, recursos e resultados.

Tem-se a impressão de que tais considerações represen-tam divagação geral, se confrontadas com o título deste tópico Estagnação Doutrinária de 1957a 1984, relativa à tese de muni-cipalização do ensino. É, todavia, por esse tipo de análise que se entende o fato de sobreviver, ainda em 1984 e a duras penas, um projeto isolado, o PROMUNICÍPIO, como testemunho explícito

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da adesão institucional do Governo Federal ao espectro da tese de municipalização em âmbito nacional. Outros projetos, que surgiram no contexto de uma política social mais comprometedora com as regiões, populações e comunidades carentes (concebidos pratica-mente em função do III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desportos 1980-85, como o PRONASEC e o PRODASEC) já se encontravam em fase de desativação progressiva.

Houve, no entanto, um acontecimento que marcou época na história da municipalização do ensino no Brasil, o da inserção da idéia dessa tese na Lei n° 5692 de 11/08/71. Representou grande passo, justamente porque a simples defesa de uma tese num Con-gresso Nacional de Municipalidades, em 1957, evoluiu para a ado-ção pelo menos de sua idéia básica, em 1971, pelo próprio Con-gresso Nacional, passando a constar das Diretrizes e Bases para o Ensino de Io e 2o Graus em nível institucional e em escala nacional.

É de se frisar, porém, que tal passo ou avanço se caracterizou como de natureza histórico-jurídica e não de cunho doutrinário. Em termos de conteúdo descentralizado^ os registros sobre a municipalização do ensino inseridos na Lei n° 5692/71 não trouxeram inovação alguma em relação ao que já constava da tese de Anísio Teixeira:

I o ) O conceito fundamental, qual seja, o dàtransferência ao Município de encargo e serviços, permaneceu similar, carregado apenas de maior responsabilidade (porque Anísio Teixeira referia-se ao ensino primário e a Lei o estendeu para todo o I o grau) e de certas limitações, comentadas a seguir. O parágrafo único do artigo 58 determinou a "(...) progressiva passagem para a responsabilidade municipal de encargo e serviços de educação,

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especialmente de Io grau, que pela sua natureza possam ser realizados mais satisfatoriamente pelas administrações locais, visando (...) a tornar mais eficiente a aplicação dos recurso públicos destinados à educação" (caput do artigo, Mesmo em relação à transferência de encargo e ser-viços à administração municipal, o dispositivo legal parece bem mais restritivo que a proposta de Anísio Teixeira: "(...) progressiva passagem (...)", sem alusão à infra-estrutura humana e física existente ou a ser criada nos Municípios, destacada na proposta de Anísio: - "(...) encargos e serviços (...) que pela sua natureza

possam ser realizados mais satisfatoriamente (o negrito foi acrescentado como recurso de destaque) pelas administrações locais", deixando à adminis-tração estadual a definição dos quê e quando o Muni-cípio pode realizar "mais satisfatoriamente " que o próprio Estado, supõe-se, enquanto Anísio foi cate-górico em afirmar que a administração local será sempre mais satisfatória;

-visando "(...) a tornar mais eficiente a aplicação dos recursos públicos (...)"; além da vantagem de ordem tipicamente financeira, Anísio Teixeira detectou as de cunho administrativo mais abrangentes, bem como as de natureza pedagógica c social.

2 o) A esmagadora maioria dos Municípios brasileiros, inclusive das regiões Sudeste e Sul, sobrevivia, em 1984, às custas de auxílios financeiros estaduais e federais. E a "(...) progressiva passagem para a responsabilidade municipal de encargo e serviços de educação (...)" implicava, conseqüentemente, maior e mais significativa

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dependência desses auxílios, ou seja, no que respeitava aos auxílios federais, a regra do jogo era: "A concessão de auxílio financeiro aos programas de educação dos Municípios, integrados nos planos estaduais, far-se-á mediante convênio, com base em planos e projetos apresentados pelas respectivas administrações e aprovados pelos Conselhos de Educação" (§3° do art. 54).

Pelo que se sabe, naquela época só os Conselhos Estaduais e Federal de Educação tinham foro legal de existência e competência, embora a Lei n° 5692/71 se tenha referido a Conselhos Municipais. Assim dispunha o art. 71: "Os Conselhos Estaduais de Educação poderão delegar parte de suas atribuições a Conselhos de Educação que se organizem nos Municípios onde haja condições para tanto".

Foquem-se as duas expressões "(...) delegar parte de suas atribuições (...) onde haja condições para tanto (...)" e se percebe, nitidamente, que os Conselhos Municipais de Educação que existissem, nos termos desse artigo de lei, constituiriam exten-sões dos Conselhos Estaduais a menos que a "(...) a legislação estadual supletiva (...) ", conforme o enunciado do caput do art. 58, prevesse a criação de Conselhos Municipais mais autônomos.

De qualquer forma, tanto a existência quanto as competências dos aludidos Conselhos Municipais de Educação dependeriam da esfera estadual, ou seja, poderiam variar de um Estado para outro, de acordo com a ideologia político-administrati va de cada um. Isso significa, em termos gerais, que, existindo ou não os Conselhos Municipais de Educação -no contexto da Lei n° 5692/ 71-, a definição de validade, oportunidade, exeqüibilidade, etc., da programação municipal de educação, objeto dos "auxílios " fede-rais e estaduais, continuaria sendo da competência dos Conselhos

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Estaduais, inclusive nos níveis de "planos eprojetos". Coerentemente com o Decreto-lei n° 200/67, o conteúdo

doutrinário da Lei n° 5692/71 manteve o Município na condição de mero executor do que fosse aprovado pelo Estado e ratificado pela União (se dependesse de recursos federais) no âmbito do seu território, em matéria de educação custeada com auxílios dessas duas esferas administrativas.

Acontece, porém, que a maioria absoluta dos Municípios brasileiros já dependia, também quase totalmente, desses auxílios para manter as suas atividades educacionais. A municipalização, entendida como "(...) passagem progressiva de encargo e serviços (...)" à administração municipal, a partir de um núcleo de decisões tomadas preferencialmente -senão unilateralmente- pelos Estados, implicaria a concessão dos auxílios correspondentes, porque tais encargos e serviços somar-se-iam aos já existentes em cada Município.

Um processo de municipalização assim concebido tornar-se-ia totalmente condicionado pelo Estado e, o que é pior, funda-mentado mais em critérios administrativos de aplicação de recursos, não importando se obsoletos ou não, do que no próprio potencial que cada Município tem, se devidamente apoiado pelo Estado e pela União, de se mobilizar em torno dos problemas e respectivas soluções, compatíveis com as condições municipais. São os Municípios que têm mais facilidade de envolver direta e indiretamente as comunidades locais nos processos decisório e operacional.

De certa maneira, a Lei no 5692/71 institucionalizou a idéia de que cabe aos Poderes Públicos, com ênfase para o estadual e o federal, resolver os problemas da educação brasileira, sobretudo ao nível do I o grau (hoje denominado Ensino Fundamental), ficando essas duas esferas encarregadas de administrar o processo de soluções, portanto não se limitando às funções de incentivadores, apoiadores, coordenadores, avaliadores e realimentadores dos

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Municípios, visando a que estes envolvam tantos quantos possam contribuir para a busca e o aviamento dessas soluções.

Essa foi a doutrina básica, referente à municipalização da educação ou do ensino, vigente até 1984, como também de 1984 a 1999. E, enquanto doutrina, nada mudou em relação à tese de Anísio Teixeira, defendida em 1957. Pelo contrário, tornou-se mais restritiva do que a anisiana, o que pode ser explicado inclusive pela forma documental em que as duas versões ,adel957eadel971, foram apresentadas. Uma descritivo-analítica e assertiva, como convém à proposta e defesa detalhada de um ponto de vista (tese) e outra extremamente sintética, objetiva e imperativa (lei).

A par da estagnação doutrinária é necessário que se ressalte, no entanto, a institucionalização da idéia da municipalização do ensino em 1971, mesmo que ainda sob a forma de processo demasiadamente centralizado nos Estados, cujo poder de controle começava pela tomada de decisão e perpassava toda a fase de operacionalização, pela via dos critérios de aplicação dos recursos financeiros, como se viu anteriormente.

Seja como for, as leis não são necessariamente imutáveis e devem ajustar-se aos diferentes estágios da sociedade em mutação. Além disso, não se deve esperar que surjam leis certas e detalhadas para fenômenos complexos e ainda não experimentados em escala, como o caso da municipalização do ensino. Seria até mais interessante que leis mais precisas sobre a matéria surgissem em decorrência de experiências que demonstrassem a viabilidade de sua aplicação, o que ainda não ocorreu até este início de 1999.

O que há de positivo, basicamente, é que a idéia foi institucionalizada, difundida e posta ao crivo das condições reais de execução. Deu resultado prático? Não deu resultado prático? -Esse é o assunto do próximo Tópico.

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T Ó P I C O 8

BASTANTE DEBATIDA /I MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO APÓS A

LEI N°5692/71

Sem dúvida alguma, a estação da municipalização do ensino passou a constituir parada obrigatória para quantos se interessavam pelo ensino de I o grau no país a partir de 1971. Tomou-se matéria de citação compulsória nos Planos de Educação, Cultura e Desporto da esfera federal, nos Planos Estaduais de Educação -foi eleita pela Região Sul como prioridade integrante do EI Plano-, em encontros, ciclos de estudos, seminários e outros eventos de relevância municipal, estadual e federal.

Dentre os eventos de cunho nacional que trataram desse tema, destacaram-se:

- VII Encontro de Secretários de Educação e Represen-tantes de Conselhos de Educação (Petrópolis, de 21 a

- 25 de outubro de 1974), cujo debate girou em torno de documento-base, elaborado pelo então Departamento de Ensino Fundamental-DEF, juntamente com a Secretaria-Geral do MEC, intitulado Ensino de Io Grau e Art. 58 da Lei 5692/71\

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- Ciclo de Estudos sobre Municipalização do Ensino de Io Grau, promovido pela SEPS/MEC e realizado em Brasília no mês de junho de 1982;

- Encontro Nacional de Dirigentes de Educação, Cultura e Desporto -Painel B- Administração Municipal do Ensino, promovido pelo MEC, em Brasília, de 27 de setembro a I o dé outubro de 1982;

- O Que Municipalizar no Ensino de Io Grau? Seminário promovido pela Fundação CENAFOR/MEC nos dias 8,9 e 10 de maio de 1984, em São Paulo.

Além dos eventos encabeçados pelo Ministério da Educa-ção, Cultura e Desporto, o Instituto Brasileiro de Administração Municipal-IB AM esforçou-se no sentido de que as municipalidades brasileiras fossem tocadas pelo preceito legal da "(•••)progressiva passagem de encargo e serviços (...)" à sua responsabilidade. Podem ser citados, a título de exemplo desse esforço, pelo menos três acontecimentos:

- Edição, 1972, e reedição atualizada, 1977, do manual de Atuação do Município no Ensino de IoGrau, contando a I a edição com sugestões do Centro Nacional de Recur-sos Humanos-CNRH da Secretaria de Planejamento da Presidência da República-SEPLAN/PR e do Departa-mento de Ensino Fundamental-DEF/MEC; também a 2 a

edição incorporou contribuições da Secretaria de Articulação com os Estados e Municípios-S AREM da SEPLAN/PR e do DEF/MEC.

- Realização de Cursos dQ Administração do Ensino de 1 ° Grau: foram realizados pelo menos quatro cursos com duração de 240 horas para representantes dos Municí-pios, em 1972/73, com a colaboração da SAREM/

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SEPLAN/PR, visando à implantação da reforma preconizada pela Lei n° 5692/71.

- Pesquisa sobre Municipalização'. educação e saúde, em convênio com a SAREM/SEPLAN/PR em 1977 (já citada várias vezes no decorrer do presente estudo)26.

2 6 Os debates continuaram depois de 1984. Exemplos só de eventos em que tive alguma participação mais significativa: - Seminário Nacional sobre Gestão Municipal e Educação na Nova República, Secretaria de Educação do Estado de Alagoas, Maceió, 13-14/ junho de 1985. - IV Seminário Maranhense de Tecnologia Educacional sobre Municipalização da Educação, Associação Brasileira de Tecnologia Educacional e Associações dos Municípios do Estado do Maranhão, São Luís 17-20/junho de 1986. - Encontro Estratégico sobre Autogestão Municipal a Partir do Enfoque Educacional, Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, 23-24/julho de 1986. - Escola Básica: Municipalização e Acesso Democrático (Curso), como tópico da programação do XX Seminário Brasileiro de Tecnologia Educacional, Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, 24-28/outubro de 1988. - O Município Face à Constituição Brasileira: Questão da Municipalização do Ensino Fundamental, painel do Encontro sobre o Estado Frente à Municipalização do Ensino Fundamental, promovido pela Secretaria de Educação Básica-SEB/MEC, realizado em Florianópolis-SC, de 4-6/dezembro de 1989. - De 1989 a 1993, mantive relacionamento muito estreito com a Secretaria de Educação e o Conselho Estadual de Educação do Estado do Ceará, de cujos esforços originaram o Decreto n° 20620, de 12/03/90, que institui o Programa de Municipalização do Ensino Público no Estado do Ceará e vários eventos posteriores de dinamização do contido no Decreto, razão pela qual escrevi o opúsculo Municipalização para o Desenvolvimento, publicado pela PREG/ UFMSem 1993, tendo sido enviados 200 exemplares para o CEE-CE. (continua...)

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Tem-se, por aí, rápida amostra da importância que o tema municipalização do ensino assumiu no cenário nacional, em termos de documentos è debates, após a vigência da Lei n° 5692/71. E apesar de reforçar apenas o destaque histórico-jurídico conferido à institucionalização da idéia de municipalização do ensino na Lei n° 5692/71, registrado ao final do Tópico anterior, não se esvazia, de maneira alguma, o que se afirmou sobre a Estagnação Doutrinária de 1957 a 1984. Uma passagem do manual de Atuação do Município no Ensino de IoGrau, contendo o pensa-mento do Instituto Brasileiro de Administração Municipal, assim como dos órgãos especializados da SEPLAN/PR e do MEC, deixa claro que o papel do Município no pretendido processo de munici-palização limitava-se ao de mero executor, resguardando-se ao Estado e à União a responsabilidade pelas definição e decisão. Diz a referida passagem: "O planejamento municipal do ensino de Io grau, além de permitir ao Município exercer deforma mais

(...continuação) - XXVI Seminário Brasileiro de Tecnologia Educacional sobre O Ensino Municipalizado e a Sociedade Tecnológica: Novo Desafio da Tecnologia Educacional, Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, 20-23/setembro de 1994. - No primeiro semestre de 1996 debati essa questão de municipalização com técnicos atuantes em planejamento de quase todos os órgãos da estrutura básica do governo estadual de Mato Grosso do Sul, surgindo daí o artigo Repensando a relação estado/municípios (Série-Estudos - Periódico do Programa de Mestrado em Educação da UCDB, Campo Grande-MS: UCDB, n.4,nov. 1996). - A Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, de Campo Grande-MS implan-tou, em 1998. Programa de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu em Desenvolvimento Local (cfr. início da Apresentação), no qual esta tese de fundo da municipalização vem sendo debatida permanentemente (coor-deno um Grupo de Estudos nesse sentido).

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racional os serviços de sua competência, tem como finalidade implantar as metas e objetivos dos planos elaborados nos níveis federal e estadual" (Capítulo III - O Planejamento Municipal do Ensino de I o Grau, p. 25).

É de se observar que no Capítulo I desse manual foram recordadas as competências do Município na área do ensino de I o

grau, constantes do Projeto de Coordenação e Assistência Técnica ao Ensino Municipal (PROMUNICÍPIO), de 1975. Tais competências não ultrapassavam os limites de atividades ou mesmo tarefas de cunho simplesmente executivo. Eram elas, em essência:

- levantamento da população em idade escolar; - chamada para matrículas; - fiscalização da freqüência; - manutenção de rede escolar (para atender principalmente

a zona rural) com tendência à absorção das escolas estaduais;

- construção e manutenção de prédios escolares; - aproveitamento de recursos ociosos da comunidade; - ensino supletivo (através de projetos ou programas com

assistência técnica do Estado e do DEF/MEC); - serviços de assistência ao educando:

• distribuição de material, pelo menos do material escolar; • transporte; • vestuário (para os alunos carentes); • administração da alimentação escolar; e • assistência médica e dentária.

A impressão que fica, no que tange ao conteúdo, é a de

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que a municipalização do ensino de I o grau, tal como foi tratada de 1971 a 1984, constituía uma questão que interessava muito mais ao Estado e à União do que ao próprio Município. Só teriam direito a participar das decisões -que lhe dissessem respeito- se recebessem delegação ou convite expresso do Estado. Tinham, ao contrário, o dever de executar o que fosse decidido com ou sem a sua participação.

Mais do que a falta de recursos financeiros e técnicos, a ausência de participação do Município no processo decisório talvez explique a aparente contradição de a municipalização do ensino ter-se deparado com seu maior e mais importante foco de resistência justamente na administração municipal. Pode ser que explique, ainda, porque toda a valorização discursivo-documental não haja surtido efeito prático, ou seja, muito se falou e se escreveu sobre a matéria, mas pouco ou quase nada se fez de concreto.

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T Ó P I C O 9

DESCRENÇA EM RELAÇÃO À MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO

O testemunho de autoridades conhecedoras da situação do ensino de I o grau no país, em função de cargos que ocuparam, favorece significativamente a objetividade da análise da descrença em questão. Vale a pena, portanto, registrar o que o ex-Ministro da Educação e Cultura, Abgard Renault, e a então Secretária de Ensino de I o e 2 o Graus do MEC, Anna Bernardes da Silveira Rocha, documentaram sobre o assunto27.

Participando, como expositor, da Mesa-Redonda sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, promovida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP/ MEC, no dia 13 de março de 1984, o ex-Ministro Abgard Renault revelou-se pessimista com relação à.municipalização do ensino no contexto da descentralização. Disse o ex-Ministro:

"E justo reconhecer que numerosos pontos lançados em relevo no grande documento ora em estudo só

2 7 Abgard Renault foi Ministro da Educação e Cultura de 24/11/55 a 31/01/56. Anna Bernardes da Silveira Rocha era a Secretária da SEPS/MEC em 1984, tendo assumido o cargo em 17/01/83.

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vieram, infelizmente, a ser objeto de trasladação para a realidade, longos e longos anos após 1932. Assim, por exemplo, o grave problema da descentralização -uma das preocupações capitais dos pioneiros de 1932-só veio novamente a ser cogitado e, afinal, resolvido em 1962, isto é, 30 anos depois, pela Lei de Diretrizes e Bases. Não sou, nunca fui pela centralização, mas confesso ter dúvida sobre os benefícios de tal provi-dência, isto é, sobre as vantagens reais para a educa-ção, para a solução dos problemas didáticos em si, para a vida nas salas de aula, a começar pelas aulas destinadas à preparação de professores. O caso tão debatido da fiscalização federal nos estabelecimentos de ensino secundário deve ser examinado. Era ineficaz, sem dúvida nenhuma. Será eficaz, hoje, tão só por haver-se descentralizado? A ineficiência não provinha da centralização em si que, aliás, não é boa norma administrativa, mas da incompetência do pessoal utilizado. Do ponto de vista administrativo, ou melhor, apenas burocrático, não há dúvida de que houve progresso, mas esse afigura-se a mim à só coisa verda-deiramente útil que se conseguiu. Portanto, não creio que a descentralização do ensino primário, isto é, a sua municipalização venha a dar resultados, e não creio por não crer na competência educacional, adminis-trativa e econômica da maioria dos nossos Municípios. Somente por exceção conseguiremos algo realmente à altura das nossas tremendas necessidades "2S.

O ex-Ministro destacou os três tipos de competência que faltam à maioria dos Municípios brasileiros e que justificaram a sua descrença na municipalização do ensino: educacional, adminis-trativa e econômica. 28 Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília: INEP, 65 (150): 431, maio/ago. 1984.

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Importa, agora, ver se a Secretária de Ensino de I o e 2 o

Graus do MEC, a professora Anna Bernardes da Silveira Rocha, era mais otimista que o ex-Ministro Abgard Renault. Em sua exposição sobre Currículos e Programas Municipalizados? no Seminário O que Municipalizar no Ensino dei" Grau ? promovido pelo CENAFOR/MEC, em São Paulo, no período de 08 a 10 de maio de 1984, a Secretária assim se expressou sobre a situação da prática da municipalização do ensino no país, em 1984:

"A operacionalização dos dispositivos da Lei n" 5.692/ 71, em relação às obrigações municipais e estaduais na oferta de ensino, manifesta algumas distorções decorrentes da interpretação pouco fiel do que se pretende com a municipalização do ensino de Io grau. E sabido que a criação de Municípios, no país, não considera possibilidades de manutenção do ensino de Io grau e que grandes disparidades de desenvol-vimento e de capacidade econômica, maior que a verificada entre os Estados, constatam-se entre os Municípios, sejam eles considerados do ângulo inter ou intraestadual. Essas disparidades eliminam qualquer pretensão a uma regra comum orientadora da ação municipal em educação. Apesar dessa realidade, ou em desconsideração a ela, alguns Estados usaram a oportunidade que a lei abria para se libertarem de encargos que foram passados aos Municípios, alguns deles sem condições mínimas de assumi-los. Isto se deu com o uso indiscriminado de diretrizes do tipo: - o Estado constrói as escolas e os Municípios as

mantêm; — o Estado passa à responsabilidade dos Municípios

todo o ensino da zona rural;

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- o Estado transfere aos Municípios os encargos de I o grau sem transferir os recursos financeiros correspondentes;

- o Estado inibe ações de expansão de sua própria rede, deixando ao Município o encargo da expansão do Io grau.

Claro está que os casos indicados constituíram exceções à regra de o Estado adotar cautelas no trabalho de gradativa inserção do Município na manutenção do Io grau, providência em que o apoio técnico e financeiro são indispensáveis. O Estado de Rondônia é um bom exemplo. Dadas as dificuldades reais de administrar o ensino, estando a sede da Secretaria de Educação em Porto Velho, partiu-se para a municipalização"29. Só uma passagem do texto da professora Anna Bernardes

não ficou muito clara. Ela disse que as distorções citadas constituíram "(...) exceções à regra de o Estado adotar cautelas no trabalho de gradativa inserção do Município na manutenção do Iograu (...)", mas aludiu tão-somente ao caso do estado de Rondônia em defesa de sua afirmação.

De fato, o estado de Rondônia representa exceção em tudo o que respeita à municipalização do ensino. Isso porque, ao contrário da maioria dos Estados brasileiros mais antigos, o Território ao evoluir para a condição de Estado (pela Lei Complementar n° 41 de 22/12/81), contava apenas com dez Municípios. O novo Estado, ao invés de estadualizar o ensino, preferiu adotar a estratégia de fortalecimento dos Municípios já existentes e dos que

2 9 Texto extraído de uma cópia xerox da exposição, distribuída aos participantes juntamente com o material de Apresentação do Seminário.

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foram surgindo (15 em 1984), de forma que eles absorvessem os serviços do ensino à medida que as necessidades e os problemas fossem aparecendo. Em outras palavras, não houve municipalização do ensino no Estado. Houve, sim, a feliz determinação de não estadualizar o ensino desde o momento em que o Território foi elevado à condição de Estado. Aliás, o caso da relação Estado/ Município em Rondônia, visto em contexto de exceção e não de regra geral, é tão importante que merecerá outras considerações no próximo Tópico.

Como se pôde perceber, o ex-Ministro Abgard Renault se pronunciou totalmente pessimista e a professora Anna Bernardes não pareceu otimista em relação à aplicação dos dispositivos legais, referentes à municipalização do ensino, de acordo com o que dispunha o art. 58 da Lei n° 5692/71, em vigor havia já treze anos.

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APESAR DA DESCRENÇA ALGUMAS EXPERIÊNCIAS

Em que pese o ceticismo, como o visto no Tópico anterior, sobre ^municipalização do ensino, injusta seria a atitude de não registrar o esforço que algumas administrações estaduais encetaram no sentido de se tentar aplicar a determinação legal, mesmo que de modo obviamente parcial. Exemplos:

- A Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul chegou a formular um programa de Ações Básicas 1980/83 com vista à Municipalização do Ensino de I o Grau, refletindo a preocupação da Região Sul com a questão inserida no III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto como prioridade dessa Região. A experiência de administração municipal de Passo Fundo-RS sempre mereceu significativo comentário.

- Sabe-se que os Estados de Santa Catarina e Paraná mantiveram pelo menos a intenção de fortalecer os Municípios para absorverem os encargos e serviços de I o grau. A experiência de administração municipal do

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ensino, em Lages-SC, com a participação ativa da comunidade local, foi bastante elogiada naqueles anos.

- Destacava-se a descentralização da administração da merenda escolar no Estado do Rio de Janeiro. O Estado apenas apoiava os Municípios.

- A Secretaria de Educação do Estado do Maranhão parecia conseguir paulatinamente o envolvimento e a participação dos Municípios na administração, inclusive do pessoal e da rede física estadual neles localizados. A Secretaria fornecia apoio técnico e financeiro mas solicitava que a administração se fizesse ao nível das prefeituras municipais.

Houve, no entanto, duas experiências que merecem desta-que, porque mostraram que os Municípios assumiram, de fato, a gerência do ensino básico. A primeira foi a do Estado de Rondônia, jámencionada, e a segunda não poderia deixar de ser a do Município de Boa Esperança, do Estado do Espírito Santo, que -embora pe-queno, pobre e abandonado- ergueu-se e mostrou que a capacidade de vencer depende fundamentalmente da autodeterminação, da mo-bilização e da união de uma população, por mais humilde que seja.

O Secretário de Educação e Cultura de Rondônia, Álvaro Lustosa Pires, e o Prefeito de Boa Esperança, Amaro Covre, fizeram parte da equipe de convidados a prestar depoimentos aos participan-tes do Ciclo de Estudos Sobre Municipalização do Ensino de Io

Grau promovido pela SEPS/MEC, Brasília, nos dias 7 e 8 de junho de 1982.0 que eles fizeram foram exatamente comentários sobre a municipalização da educação ou ensino no âmbito das respec-tivas administrações.

Ao invés de tecer ponderações sobre o que o Secretário de Rondônia e o Prefeito de Boa Esperança relataram, julgou-se

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mais lógico selecionar e ordenar as passagens de suas falas, gravadas e posteriormente transcritas, que possibilitassem certa compreensão do processo de municipalização do ensino nos Estado e Município referidos. Daí o tom bastante informal dos textos transcritos.

10.1 REFERÊNCIAS SOBRE A EXPERIÊNCIA DE MUNI-CIPALIZAÇÃO DO ENSINO EM RONDÔNIA30

a) Características gerais: "O estado de Rondônia é pouco menor do que o estado de São Paulo; o estado de Rondônia dispõe de 244 mil e zero 44 quilômetros quadrados, com uma população estimada hoje, por dados da Secretaria de Planejamento, em torno de mais de 1 milhão de habitantes.

A nossa população, quase toda ela é oriunda de outras Unidades Federadas (...) constituída de oriundos do Paraná, do Espírito Santo, de Minas Gerais, do Rio Grande, de São Paulo, do Nordeste e de Mato Grosso do Sul. E é neste Estado que tem muitos problemas, que é um Estado novo, um Estado que tem tudo por ser feito, é neste Estado que nós podemos dizer que nasceu uma das experiências do ponto de vista administrativo muito

3 0 Os textos foram extraídos da exposição do Secretário de Educação de Rondônia no Ciclo de Estudos sobre a Municipalização do Ensino de 1" Grau, promovido pela SEPS/MS em Brasília-DF, de 7 a 8 de junho de 1982 (transcrição de gravação).

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rápida, que nós chamamos a municipalização.Tecni-camente não houve a municipalização porque inclu-sive os Municípios não estavam estruturados para tanto, os Municípios não discutiram doutrinariamente a capacidade de recepção desses serviços, os Municípios estabeleceram apenas uma condição: que seu Estado mantivesse os custos financeiros desses serviços, e eles assumiriam (...). Isso porque no caso tanto da Educação, quanto da Saúde, quanto da promoção social e pàrte da Secretaria de Obras, hoje municipalizados, são serviços que o Estado arca desde o processo, em si, a todas as despesas com pessoal.

Em 1979, em Rondônia, a Educação era patrimônio basicamente exclusivo dos grandes centros, ou, mais precisamente, dos dois Municípios: o da capital, Porto Velho e o de Guajará-Mirim, porque ambos tinham Câmaras de Vereadores e, por conseguinte, eram também os dois únicos Municípios do Estado".

b) Iníeio do processo de municipalização (1980): "O que municipalizar? Primeiro, os estudos deter-minaram que a municipalização se processasse em caráter experimental pelo município da Capital, pelas escolas periféricas, chamadas escolas rurais porque fazem parte das colônias agrícolas. Ao procedermos esse trabalho, em que o Estado encampou, pagando todos os ônus dessa transferência (teve, inclusive, re-cursos para o pagamento do pessoal), o prefeito entu-siasttiou-se e pediu a ele que passasse também o filet mignon da Educação que, no entendimento dele, con-sistiria na transferência das Escolas de Io e 2° Graus da zona urbana da Capital".

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c) Ação administrativa conjunta: "Do ponto de vista administrativo, foi definido que a municipalização seria uma absorção das antigas representações regionais da Educação em alguns Municípios. E os Municípios que não dispunham dessa representação, teriam uma estrutura constituída de imediato como suporte de apoio técnico-pedagógico e administrativo para que as prefeituras pudessem implementar essas atividades. Foi então permitido, por um ato de delegação do Governador, numa portaria, que os prefeitos dos Municípios contratassem, rescin-dissem, movimentassem pessoal. Os encargos financeiros da construção, equipamen-tos, reformas, contratação de pessoal e implemen-tação das atividades pedagógicas correriam à con-ta do Estado. Por conseguinte, os Municípios recebe-ram a gerência, mas não os encargos financeiros; receberam a gerência administrativa e não tiveram as dificuldades, até porque os nossos Municípios também -com exceção da Capital: Porto Velho e Guajará-Mirim, que têm Câmaras de Vereadores- os demais se sentiam com dificuldades porque não participavam de nenhum recurso das quotas federais. Então, esses Municípios não tinham e não dispunham de condições para arcar com uma des-pesa face à municipalização. O Estado até hoje -e é uma orientação- continuará mantendo todo o processo de transferência das responsabilidades dos serviços da Educação, da Saúde e da Promoção Social".

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10.2 EXPERIÊNCIA DE AMPLA MUNICIPALIZAÇÃO EM BOA ESPERANÇA-ES31

a) Características gerais: "Para que vocês tenham uma idéia, não vou falar de um Município que já nasceu grande, mas de um Município que representa, hoje, 3 mil Municípios brasileiros, de um Município que acabou, que teve sua economia reduzida apenas a 18 mil cabeças de gado, 3 lojinhas, 1 bar e 1 posto farmacêutico, sendo que a pecuária ocupava, com essas 18 mil cabeças , uma área de cerca de 95% do território do Município. As pequenas e médias propriedades estavam desaparecendo, tendo em vista a aquisição das mesmas pelos pecuaristas por quantias irrisórias. Saíam, do Município, cerca de 10 caminhões 'pau de arara' por mês, conduzindo as famílias para os Estados do Paraná, Rondônia, Goiás, Mato Grosso, Pará, e assim sucessivamente. Inclusive, creio que em Rondônia há mais capixabas do que no Espírito Santo.

O Tribunal de Contas do Estado já havia aconselhado ao Governador da época a extinção do Município e que ele voltasse às condições de distrito devido à in-viabilidade econômica. O Fundo de participação reti-do em Brasília há 10 meses, as portas das Secretarias de Estado já se haviam fechado para o Município

3 1 Trancrição de textos gravados durante o evento referido na nota anterior. A municipalização, com base no trabalho comunitário, teve início em 1977. Cfr. COVRE, Amaro. Remédio para o municipalismo - a comunidade no poder-experiências do município de Boa Esperança-ES, 1977 a 1980. 31 p. (folheto).

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que havia perdido a sua expressão econômica e eleitoral. O nosso trabalho, sendo um Município de vida agrícola, partimos do rural para o urbano, procurando salvar as pequenas e médias propriedades da ambição dos grandes, através da conscientização e da recuperação econômica. Levamos para o meio rural toda a infra-estrutura necessária para que o rural pudesse atrair o urbano e, com isso, conseguimos estancar e inverter o pro-cesso migratório. Com a recuperação econômica do rural, nos é permitido, hoje, fazer em 6 meses o que nós não teríamos condições de fazer em 6 anos se tivéssemos partido do urbano para o rural, mesmo porque nós jamais iríamos conseguir fazer esse homem retornar ao rural".

b) Administração comunitária: "Como nasceu a administração comunitária? Para resolver o problema econômico do Município, criamos um Conselho Municipal de Desenvolvimento, que é composto por todas as lideranças, órgãos e entidades existentes no Município, constituindo, assim, um órgão máximo das iniciativas e das decisões, encarregado de elaborar o plano de trabalho que viria atender a todas as comunidades, os centros e o Município, ele é o responsável pelo planejamento municipal. Para equacionar o problema de Educação, criamos, através cia comunidade, a Sociedade Beneficente de Educação e Ensino, que mantinha o Ensino de 5a à 8a

e o 2o Grau. Hoje, transferimos isso para o Estado e o Município está assumindo de Ia ã 4a séries.

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Para resolver o problema de Saúde, criamos uma fun-dação, através também da comunidade, e, para resol-ver o problema social, criamos o Serviço de Assistência Social Rural, também com o apoio das lideranças. Criamos ali as comunidades em um raio de 3 em 3 km e um centro de irradiação onde as comunidades mais próximas pudessem convergir para o seu respectivo centro, constituindo, assim, as regiões administrativas. Em seguida, tiramos o poder e o planejamento do gabinete e os delegamos à população, através de uma sociedade organizada, que é o Conselho Municipal de Desenvolvimento, isto porque entendemos que é o planejamento que dimensiona o modelo e uma socie-dade nada mais é do que o conjunto de interesses. É o Conselho Municipal de Desenvolvimento que diz ao prefeito e aos órgãos técnicos de crédito que necessita, pois ninguém melhor do que eles para nos dizer quais são as suas reais necessidades. Esse trabalho evitou que o planejamento municipal fosse direcionado aos interesses dos egoístas e gananciosos que exigem do prefeito esse tipo de planejamento em forma de permuta de favores. Tiramos também o poder e o planejamento do gabinete e os delegamos à população, através do Conselho, que é uma sociedade organizada. O Conselho é responsável pelo planejamento(...)".

c) Equilíbrio dos interesses das diferentes classes: "Com a inclusão dos interesses de todas as camadas sociais em nosso plano de trabalho, nasceu um mode-lo sem conflitos, sem polêmicas e sem choques de clas-ses, porque, nesse trabalho olhamos as dificuldades

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do grande proprietário, (...) do meeiro, enfim, do trabalhador, do professor (...) de todas as categorias de camadas sociais — são, todos incluídos em nosso plano de trabalho e, com isso, conseguimos acabar com esses choques de classes".

d) Vantagens da municipalização: "Essas vantagens são de ordem econômica, social, administrativa e pedagógica. Vamos evitar, ainda, o descongestionamento e reduzir a burocracia. A vantagem da municipalização permite soluções apropriadas aos interesses e realidades locais, facilita a interiorização e a execução de projetos de desenvolvimento. Então, quero crer que tenho um trabalho organizado, não há outro caminho a seguir a não ser a municipalização do ensino. O que estamos tentando fazer em Boa Esperança é isso. Praças de esportes, temos seis; salões sociais do meio-rural, temos quatro; e assim sucessivamente. Sei que ninguém anda mais de 4 km no meio rural para habilitar-se aos primeiros socorros, controle de pressão, medicina preventiva, ensino até a 8a série do Io grau, praça de esportes, salões, sociais (...) e o Município onde pega dinheiro? Aí é que está o proble-ma. Não falta nada, absolutamente. Não temos estra-das em todas as propriedades, mas em todas as lavou-ras, porque em todos os Municípios agrícolas, a estra-da só vai até à sede da fazenda, mas mais ainda: vai até às lavouras, porque tem que dar escoamento às produções, e, então, a exigência é ainda muito maior do que nos Municípios de vida pecuária".

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e) Situação da Educação em 1982: "Quanto à Educação, tínhamos apenas 53 pedaços de carteiras e alguns prédios caindo. Hoje, estamos com 48 prédios, 82 salas de aula e, por incrível que pareça, um terço da população está dentro das escolas. Escolas de 5a à 8a do Io grau temos seis -cada sede tem uma; escolas de 2o grau, temos duas. Escolas de Io grau até a 8a série, temos mais de 70; bibliotecas, temos uma; carteiras escolares em todas as escolas; ônibus, transportando alunos para os centros de irradiação, vindos da zona rural- tenho centro de irradiação que funciona de 5a à 8a série; 100% dos alunos do meio rural, percorrendo aquelas comunidades, drenando para aquele centro de irradiação. Temos já ônibus fazendo dois centros de irradiação e temos, ainda, via-turas da prefeitura levando ao meio rural a mesma qualidade de ensino ministrada na sede; três vezes por dia, duas viaturas conduzem os professores. Agora, só para as escolas de 1° grau, de 5a à 8a séries".

f) Situação do setor saúde em 1982: "No setor de Saúde, temos um hospital com 32 leitos e três médicos e unidades sanitárias, uma parte de saúde e assistência social rural, quatro ambulatórios, um am-bulatório sindical rural, dois laboratórios de análises clínicas, quatro farmácias, três serviços de abasteci-mento d'água em todas as vilas, rede de esgotos que deverá estar terminada este ano, distribuição de filtros a todas as famílias carentes (não há nenhuma família, no Município, sem seu filtro). E, agora, estamos implan-tando um trabalho de saúde, porque não levamos a Saúde apenas ao interior, mas, principalmente, ao inte-rior do homem, que é muito mais importante".

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g) Repercussão da experiência de Boa Esperança: "Temos recebido, em Boa Esperança, a visita da Alemanha, da França, da Guatemala, de Costa Rica, El Salvador e temos feito, também, palestras na Funda-ção Getúlio Vargas, no Congresso Latino Americano e, mesmo aqui no Programa Educacional do Ministério do Interior/Jornal do Brasil, há algum tempo. Já per-corri quase todas as universidades do Brasil, levando o fogo simbólico. Tenho recebido uma média de 30/ 40 cartas diárias de todo o Brasil e espero que esse trabalho possa levar uma boa contribuição a todos".

h) Três mil Municípios brasileiros podem aprender a dar a martelada:

"(...) Gostaria de dizer que, certa vez, havia uma gran-de indústria parada devido a problemas de instalação de água. Mandaram chamar muitos especialistas no assunto, mas não conseguiram resolver o problema. Depois de uma semana, mandaram chamar o encana-dor da cidade. Ele percorreu as instalações, deu uma martelada e tudo funcionou normalmente. Passou no escritório para receber pelo seu serviço e, chegando lá, o gerente disse que não podia pagá-lo se ele não desse um recibo especificando o trabalho que havia prestado. Ao que ele disse, coloque aí no recibo: uma martelada, um dólar; saber onde dar a martelada, 99 dólares. "Então, o problema não está em dar marteladas, mas em saber onde dá-las. Foi isso que fizemos em Boa Esperança: a nossa é uma experiência válida para cerca de três mil Municípios brasileiros. Sabemos que ela não se encaixa, não é de acordo com a realidade

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direta desses Municípios, porque depende de um planejamento também de acordo com os problemas que aquela comunidade enfrenta, mas a forma de organização é a mesma".

10.3 RÁPIDAS LIÇÕES DAS DUAS EXPERIÊNCIAS

As experiências tanto do Estado de Rondônia quanto do Município de Boa Esperança mostram que a municipalização da educação formal, e até de outros serviços de base para as comu-nidades locais, não representabicho-de-sete-cabeças. Basta que Estado e Municípios entrem em efetivo acordo. Que um não se poste na arrogante posição dcdecisore, coordenadora os outros não se alijem à mera condição de executores. Que Estado e Municípios, cada um no seu âmbito, decidam, coordenem e trabalhem para que a população participe da busca de soluções e de sua operacionalização, visto que nem a administração estadual e nem a municipal são mais interessadas em resolver os problemas educacionais e sociais, em geral, do que as próprias populações que compõem a razão de ser dessas esferas administrativas.

A experiência de Rondônia mostra que a municipalização funciona quando o Estado não assume meias medidas em relação à ação do Município, mas incentiva, apóia, orienta, supervisiona, confia, valoriza e divulga por inteiro. Se o Estado adota a postura permanente de patriarca em relação ao Município, este jamais assumirá a administração da parte que lhe toca -ou deveria tocar-da grande família que integra o próprio Estado.

A experiência de Boa Esperança vai mais longe, embora só no âmbito de um Município. Prova que um Município

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economicamente pobre e até abandonado pelo Estado, tem energia mais do que suficiente para se erguer e resolver não só os eternos problemas do ensino obrigatório, como também vários outros, da saúde, do bem-estar, dos transportes e do aumento da renda de toda a população.

A proposta de gestão integral da educação formal no Município, de que se ocupam os próximos Tópicos deste estudo, tem muito a ver com as experiências de Rondônia e de Boa Es-perança, embora o seu autor já a tivesse delineada ao longo dos anos que mediaram 1966 e 1984. Coincidências desse tipo mostram que o caminho certo pode ser trilhado por mais de uma pessoa ou entidade e que cada um pode contribuir para que a viagem se tome mais agradável e produtiva; se não, pelo menos viável32.

3 2 Aliás, seria muito interessante avaliar como essas duas experiências evoluíram de 1984 a 1999; eis aí uma questão digna de investigação.

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MUNICIPALIZAÇÃO PELA GESTÃO INTEGRAL DA EDUCAÇÃO FORMAL NO

MUNICÍPIO

O desenvolvimento da gestão integral da educação formal, mesmo que limitada aos níveis de pré-escolar, I o e 2 o graus (hoje denominados Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio pela LDBEN n° 9394/96), deverá constituir, na verdade, objetivo a ser perseguido continuamente. Mas, sua consecução se alcançará dentro de correta percepção e dinâmica de trabalho que se ajustem à idéia e ao funcionamento de processo bem ordenado e envolvente. Este envolvimento deve abranger tanto a administração pública municipal quanto as forças vivas e ativas aí existentes, capazes, por um lado, de representar as aspirações da população do Município e, por outro, de influir (liderar, coordenar, orientar, avaliar, reconduzir, etc) no comportamento dessa mesma população ao longo da execu-ção de estratégias de ação que garantam o direcionamento deesforços, recursos e resultados no sentido do objetivo consensu-almente almejado.

Trata-se simplesmente de desenvolver, ou mais complexa-mente, de despertar e desenvolver, de modo ordenado e sistemático,

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a potencialidade que o Município tem de gerir, de fato, todo o processo educacional que envolve a educação formal nos níveis pretendidos, segundo a complexidade específica de cada segmento do trabalho da gerência integral: planejamento/programação (com todos os seus componentes básicos) e execução; acompanhamento e avaliação do planejamento/programação da educação formal, incluindo-se a adoção de medidas estratégicas referentes à organi-zação e ao funcionamento de infra-estruturas essenciais, assim como à administração de recursos humanos, sociais, físicos e financeiros.

A idéia acima permite que se mude, em concreto, o enfoque tradicional da municipalização como simples transferência, do Estado ao Município, de encargos, serviços, recursos e até de outras vantagens já existentes na esfera do Estado mas criados a partir das condições próprias do Estado, portanto não ajustados às características específicas da realidade municipal. A mudança de enfoque consiste exatamente em o Estado começar a pensar e a agir a partir do princípio de que qualquer tipo de transferência, no sentido Estado-Município, deverá ser entendido como conse-qüência: a) do desenvolvimento da capacidade de gerenciamento do fenômeno educacional formal no âmbito do Município; b) das condições de absorção que resultarem do próprio desenvolvimento dessa capacidade de gerenciamento.

Cômodo para o Estado seria a atitude extremamente oposta, a de dar ao Município liberdade de se virarem matéria do desen-volvimento de sua própria capacidade de gerenciamento integral. Isso seria tão inoportuno quanto a pura transferência de ônus e vantagens, mesmo que se referisse tão-somente k transmissão de conhecimentos sobre gestão na área da administração, como um todo, ou até no âmbito de uma de suas funções básicas, a do plane-jamento de modo particular.

O Município, sobretudo o mais pobre de recursos humanos

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e materiais, como qualquer outra entidade de similar complexidade, só desenvolverá a sua capacidade de gerenciamento se sentir envolvido, engajado no ato concreto e verdadeiro da gestão oü gerência da educação formal de modo integral. Frisa-se o de modo integral, porque até hoje a municipalidade tem cumprido papel parcial e quase insignificante nesse contexto. Isto porque, mesmo administrando a rede municipal, as grandes decisões da educação formal básica são tomadas fora de suas fronteiras, como no caso de diretrizes curriculares tão detalhadas por algumas Secretarias de Estado da Educação que chegam a interferir até na ação didática dos professores, não importando a rede escolar a que pertençam. A idéia do currículo pleno, enfatizada pela lei n° 5692/71, que em teoria deveria ser completado ao nível de cada escola, nunca logrou êxito visto que outros fatores (como os livros didáticos, os pacotes estaduais/federais para treinamento de professores e as normas também estaduais e federais quanto à construção e ao equipamento de instalações escolares, à habilitação de professores, à centraliza-ção de parâmetros quantitativos e qualitativos de aprovação e repro-vação, etc) de fato têm feito que a ação municipal, em matéria de gerenciamento dos níveis básicos da educação formal, incluindo-se o pré-escolar, fique restrita quase exclusivamente à administração de instalações físicas e pessoal da rede municipal.

Acresça-se a isto a permanente atitude de disponibilidade do Município perante o Estado e a União, para tudo o que julgarem necessário, conveniente ou interessante. Tal atitude pode influenciar, inclusive, no torturante processo de captação de recursos financeiros, principalmente dos previstos para chegarem ao Município pela via da transferência intergovernamental. Parece vi slumbrar-se aí um cír-culo vicioso: o Estado não deve transferir ônus e serviços e o Municí-pio não os pode absorver (sem a ajuda do Estado). Trata-se apenas de uma situação aparente, porque ambos podem trabalhar conjun-tamente, e com respeito mútuo, visando ao desenvolvimento da

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gestão integral pelo menos da Educação Infantil e do Ensino Funda-mental no Município. Se ao Estado tem sido reservado o chute inicial em termos de organização e funcionamento da educação formal básica, por que não lhe caberia, também, tomar a iniciativa da proposta conjunta de ação integrada Estado/Município no que concerne ao desenvolvimento da gestão (ou gerenciamento) integral no Município epelo Município ?

Ainda assim, é de se levar em conta os riscos que poderão ocorrer de o Estado passar ao Município o controle externo da situação (responsabilidade administrativa por pessoal, rede física e cumprimento de preceitos legais de direito à escolarização por parte da clientela), ficando ele, o Estado, com a gerência interna do processo pelo trato das minúcias que comandam a dinâmica do ensino-aprendizagem e da estandardização dos registros escolares que podem influir, por via direta ou indireta, até nos critérios de promoção ou retenção dos alunos no Sistema.

Observa-se, com ênfase, que o desenvolvimento da gestão integral da educação formal no Município não conflita, em nada, com as funções básica e complementar do Estado em relação ao Município. O Estado pode e deve posicionar-se como superego de cada um e de todos os Municípios por ele compreendidos, exer-cendo: a garantia da unidade fundamental, sobretudo física e cultural, do seu território; o cuidado para que se minimizem as disparidades entre os seus Municípios; a motivação e o apoio para que todos e cada Município em particular deslanchem o desenvolvimento integral (social, cultural e econômico) nos seus limites, que, somados, compõem o universo do próprio Estado, e assim por diante.

Continuando a parafrasear as figuras da psicanálise, é necessário que esse grande id da realidade nacional, o Município, desabroche o seu ego, com o apoio e a ajuda, se necessária, do Estado, pelo menos em matéria de educação formal básica, ou seja,

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deixe de assumir unilateralmente a posição inconsciente e irracional de vivência e convivência com a situação de sua própria realidade, passando a encaminhá-la volitivamente por objetivos e ações que -ajustando-se aos objetivos e diretrizes maiores e gerais do Esta-do, da União, e assim como da humanidade presente e prospectada no futuro- se submetam ao crivo primeiro de sua capacidade própria' de gerenciamento.

Repisando, a transferência de ônus e serviços do centro para a periferia, isto é, do Estado ao Município, tão enfatizada nos estudos sobre a municipalização da educação formal, em qualquer nível, deverá constituir uma resultância ou conseqüência da capaci-dade de absorção, desabrochada pela via da gestão integral, que o Município vier a desenvolver no seu próprio seio, com o evidente incentivo e apoio do Estado. Só transferência, mesmo que de van-tagens, terá sempre conotação pejorativa no contexto da munici-palização da educação formal (paternalismo, desvencilhamento, transplante), que esvaziará qualquer carga de boa intenção que se procure atrelar à concepção e ao desencadeamento do processo.

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v4 GESTÃO INTEGRAL REQUER PLANEJAMENTO MUNICIPAL

ENVOLVENTE

Intentando passar da teoria geral, abordada no Tópico anterior, à prática da organização e dinamização da gestão integral da educação formal no Município, necessário se faz destacar alguns pontos considerados vitais para a operacionalização e o êxito do processo. E o primeiro deles diz respeito à organização e implemen-tação de sistemática de planejamento envolvente e dinâmico no próprio Município. Outros pontos são analisados nos Tópicos que se seguem. Mas, antes de tecer considerações sobre a aludida siste-mática de planejamento envolvente e dinâmico, algumas referências concernentes à organização estrutural do planejamento parecem oportunas.

O processo de planejamento compõe-se de três dimensões básicas, ou seja: a) a que vai da situação derestudo da problemática geral e específica (tradicionalmente tida como diagnostica) até a programação das ações que se pretenda realizar; b) a execução programática propriamente dita, decorrente, portanto, da primeira; e c) o acompanhamento, a avaliação e arealimentação, permeando

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cada uma das dimensões anteriormente mencionadas e permitindo a realização de balanços, correções, reformulações ou reorientações no decurso do processo (sem interromper o seu funcionamento normal e/ou após cada fase ou etapa vencida), considerando-se os esforços déspendidos, as estratégias adotadas e os resultados obti-dos face aos objetivos pretendidos a curto, médio e longo prazos. Resumindo, o processo de planejamento é composto de: progra-mação, execução programática e acompanhamento/avaliação/ realimentação. Este último componente, além de permear tanto a programação quanto a execução programática, deve oferecer subsí-dios para a reorientação, se necessária, das sucessivas fases e eta-pas que garantem a continuidade orgânica e dinâmica do processo.

Disso decorre que a atividade de programação constitui também uma constante ininterrupta no eficiente processo de planeja-mento, assumindo diferentes formas e denominações: alimentação, realimentação, reformulação, correção, revisão, reorientação e con-gêneres. Sob essas formas e denominações, o fenômeno da progra-mação continua, ou pelo menos pode continuar, no decurso inclusive da execução programática, subsidiado, evidentemente, pelo efetivo e permanente trabalho de acompanhamento e avaliação. Esse tra-balho de acompanhamento e avaliação deve confrontar, con-tinuamente, a reciprocidade existente entre objetivos almejados e ações programadas, estratégias de execução adotadas, resultados obtidos, evolução ou modificação da realidade em função da qual se tomaram as decisões pelos objetivos institucionalizados.

Daí a importância de se frisar que o essencial, apriori, não consiste na instalação formal de um si stema rígido de planej amento, no Município, em termos de infra-estrutura física e de sofisticação tecnológica. Importa, em primeira mão, organizar o próprio processo de planejamento sob o prisma da função que ele exerce no contexto da realidade e das condições da administração municipal. Em vista

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disto, algumas sugestões são oferecidas para que o processo de planejamento da educação formal se organize e se implemente no Município, de maneira simples, envolvente e dinâmica: a) Conscientização dos dirigentes municipais de que a estratégia fun-

damental consiste na tomada de decisões operacionais a partir de subsídios cujo fluxo de convergência se oriente no sentido periferia —> centro, ou seja, as soluções para os problemas locais podem ou devem ser encontradas com a participação das respectivas populações beneficiárias, de maneira organizada e permanente.

b) Adoção do princípio de que ideal, em planejamento, significa o quê produz melhores e maiores resultados com menor sofisticação e custo, de um lado, e, de outro, maior participação e realização pessoal e social. Em termos práticos, isso quer dizer: • Por quê construir uma ponte onde os habitantes necessitam,

ainda por algum tempo, de pinguela? • Por quê partir para o asfaltamento de uma estrada, quando

persiste a necessidade de leito que possibilite o trânsito de charretes e carroças?

• Por quê azulejar instalações onde sequer existem salas de aula? • Por quê contratar uma firma para construir uma instalação

quando o recurso aí dispendido seria suficiente para construir várias coma participação das comunidades locais?

• Por quê padronizar carteiras escolares sofisticadas para populações que nem mesmo aprenderam a serrar tocos e tábuas rústicas de madeira para assento e apoio?

• Por quê sofisticar o material de apoio didático para as populações rurais, por exemplo, que têm o próprio instrumental de trabalho diário e toda a natureza a ser explorada como

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vasto manancial de subsídios para o processo ensino-aprendizagem? Por quê não explorar a metodologia elementar da produção agrícola de subsistência como veículo de aprendizagem nas primeiras séries do Ensino Fundamental, na zona rural, integrando os objetivos instrucionais aos da melhoria da subsis-tência do próprio aluno, de seus familiares e de todos os que se situam no seu raio de influência? -Não seria o caso de se ensinar matemática através de receitas alimentícias verdadeiras, de bolo, de sucos, etc, confeccionadas com matérias-primas produzidas pela família do aluno ou ao seu alcance diário? Por quê não procurar descobrir as verdadeiras razões que levam alguns professores a continuarem lecionando, embora pagando para isso, ao invés de se manterem disso? -Não haveria outras formas de compensação por esse trabalho dedicado que a só justa remuneração financeira? Por quê não organizar um fundo municipal de recursos financeiros para a manutenção e o desenvolvimento da educação formal, com a participação da iniciativa comunitária e empresarial local em reforço à dotação do orçamento municipal e às transferências oriundas do Estado e da União? Por quê (além de inúmeras questões congêneres) não organizar a participação direta de segmentos populacionais no processo de gerência da educação formal, no Município? -Não são os próprios pais (e familiares) que mais interesse têm pela educação dos seus filhos? -Tal interesse não reflete diretamente, na maioria dos casos, os próprios destinos familiares, inclusive localização de residência, preferência de negócios, procura de trabalho e distribuição da renda familiar? -Será que os governos são mais interessados do que os pais no que concerne

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à escolarização das crianças e da juventude? -Em caso negativo, por que a população, que é a principal interessada, deve ficar à margem do processo de busca de solução para as suas ne-cessidades educacionais, a partir de suas condições reais?

c) Participação das bases e das forças ativas (de sensibilização, de manutenção e de penetração) no processo da gestão integral.

A facilidade (ou dificuldade) desse trabalho de efetivo envolvimento dependerá exclusivamente da postura que os gerentes municipais da educação formal adotarem e assumirem para organizar e implementar o processo no Município. Se desenvolverem a prática da liderança, da coordenação e da condução de grupos com participação heterogênea, o trabalho será consideravelmente facilitado.

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COMITÊ DE VITALIZAÇÃO DA GESTÃO INTEGRAL

Sugere-se a organização de representativo e expressivo comitê municipal que participe ativamente de todo o processo de gestão integral da educação e, quiçá, até de outros serviços sociais básicos33: a) com representantes de todos os bairros estratégicos do

Município: - dos pais e dos professores (por bairro); - dos diretores das escolas abrangidas; - das classes empresariais; - da EMATER (onde tiver escritório);

3 3 Mais interessante ainda seria a criação de Conselho Municipal de Desen-volvimento Integral, como no caso do Município de Boa Esperança-ES, quando a gestão não se restringir apenas à educação mas abranger todo o desenvolvimento municipal. Tratei dessa questão no opúsculo Munici-pailzaçãopara o desenvolvimento (Campo Grande-MS: PREG/UFMS, 1993).

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- da Câmara de Vereadores; - da Igreja Católica (vigário de preferência) e/ou de outras confis-

sões religiosas (pastores) que tenham expressão no Município; - dos clubes de serviço ou filantrópicos; - dos produtores rurais (agricultura e pecuária), etc;

b) exercendo as funções de: - assessoramento: diagnosticando permanentemente a situação

em cada bairro e em todo o Município; apontando sugestões de soluções compatíveis com as necessidades -a começar das básicas- e condições humanas, físicas e financeiras reais; envolvendo as comunidades de bairro nas ações em que essa participação seja necessária ou oportuna;

- acompanhamento e avaliação da ação gerencial: verifican-do se as ações estão sendo executadas conforme os parâme-tros da programação; propondo alternativas para a correção das distorções e/ou realimentação dos segmentos mais fracos e lentos da programação; auscultando, em cada localidade, os pequenos e grandes impactos e efeitos que a execução progra-mática produzir nas respectivas comunidades; mantendo o clima de desenvolvimento constante dos pais, das comunidades, das empresas, das crianças, da juventude e das forças ativas (de sensibilização, manutenção e penetração, como igrejas, clubes, associações, cooperativas e entidades de classe); preocupan-do-se permanentemente com a busca de recursos alternativos, de toda ordem; verificando se o desenvolvimento do currículo respeita e aproveita as características e as potencialidades de cada bairro, em particular, e do Município, como um todo; e assim por diante;

c) funcionando de maneira bastante intensiva durante as fases iniciais (as da diagnose e programação) e passando logo após a

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reunir-se em sessões (ou assembléias) mensais ou bimestrais, em caráter formal, e tantas vezes quantas necessárias, de acordo com as condições e as conveniências do próprio grupo e dos dirigentes da administração pública;

d) presidido pelo próprio dirigente municipal da educação ou pelo seu designado;

e) assessorado pela equipe de auxiliares da direção municipal, corroborada pela cooperação que o Estado vier a oferecer, sempre em ação conjunta Estado/Município, lembrando-se de que o comitê deverá ser informado sobre toda a capacidade e as limitações reais do Município, principalmente em termos de finanças, contingente humano preparado ou qualificado e infra-estrutura física existente ou possível (situação e mapeamento das escolas das redes escolares municipal, estadual e particular, condição e distribuição das vias de acesso e dos transportes, tais como ônibus, caminhão do leite e outros);

f) liderado no sentido de tomar-se comitê de participação e contribuição e não mero instrumento de reivindicação e pressão organizada; tratar-se-á naturalmente de grupo de pessoas que participarão concretamente do processo de gestão da educação formal no Município, também por isso enfatizado como de gestão integral, tomando parte das definições e decisões, acompanhando (verificando e influindo de diferentes maneiras) a execução e avaliando permanentemente, e de modo sis-tematicamente ordenado, o trabalho de gerenciamento como um todo nas dimensões do contexto histórico presente e da perspectiva de futuro próximo e remoto.

Os inconvenientes que poderiam afetar a organização e o funcionamento desse comitê seriam: a falta de habilidade na fase de recrutamento dos seus integrantes; a incompetência no sentido do

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seu engajamento no processo de tomada de decisões e de tradução dessas decisões em ações exeqüíveis, respeitadas a potencialidade e as limitações reais do Município, como um todo, ou de cada loca-lidade em particular; o seu direcionamento no sentido de grupo or-ganizado de reivindicação e pressão, descaracterizando sua função precípua de assessoramento, acompanhamento, avaliação e per-manente participação das deliberações bem como da ação gerencial do poder público municipal; a manipulação do comitê, ou parte dele, para propósitos e finalidades alheios à gestão educacional; e a sua redução à situação defigura djecorativa para respaldar decisões unilaterais de dirigentes e/ou políticos municipais influentes.

Assegurado o correto funcionamento do comitê, em ação cooperativa com os dirigentes municipais da educação, tem-se a certeza de que os problemas da educação formal serão resolvidos paulatinamente e sem traumas, ganhando o Município a condição de autoconfiança de que tanto necessita (sobretudo o mais pobre), até para o caso da sempre reivindicada maior participação na receita arrecadada pela União e pelos Estados, conferindo-lhe, inclusive, mais responsabilidade quanto à competência para a solução dos problemas que lhe afetam diretamente.

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ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL E RECURSOS FINANCEIROS

Há duas categorias de variáveis a serem consideradas no tocante à administração do pessoal: a) Eficiência, harmonia e agilidade quanto ao cumprimento

das atividades tipicamente administrativas. Referem-se à estruturação e ao funcionamento do sistema de pessoal (compreendendo funcionários e docentes) verdadeiramente orientado para a consecução dos objetivos educacionais realmente pretendidos, resultantes do trabalho que se fizer no âmbito de sistemática de planejamento envolvente e dinâmico. Trata-se, em princípio, de questão relativamente simples, tendo em vista que as mencionadas eficiência, harmonia e agilidade poderão emergir da evolução da própria potencialidade do Muni-cípio, de um lado, ou, de outro, da ação conjunta Estado/ Município que vier a se estabelecer na linha do assessoramento técnico.

b) Desenvolvimento de habilidades, pelos dirigentes mu-nicipais e por seus auxiliares imediatos, em matéria de

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liderança, no trato principalmente com os seguintes grupos de que depende o êxito do processo: comitê de vitalização da ação gerencial, docentes, diretores, assessores de direção, técnicos e auxiliares administrativos.

Todos esses grupos, além de outros que surgirão indubita-velmente no percurso -o de empresários, por exemplo- deverão assimilar e assumir o processo, cada um no séu âmbito, de modo participativo e construtivo, o que somente se viabilizará mediante o exercício inteligente e correto de certas habilidades de liderança. A importância da prática dessas habilidades prende-se ao fato de que toda e qualquer consulta/reunião, além de produtiva, deverá aumentar o clima de confiança e o efetivo envolvimento de quantos dependerem da organização e da implementação do processo.

Também no que concerne à implementação de iniciativas no campo da administração de recursos financeiros, dois aspectos são de capital relevância: o da captação e o da aplicação.

Captação de recursos Tem sido enorme a expectativa suscitada pelo sempre

empolgante tema da reforma tributária, visando tornar justa a participação dos Estados e Municípios na receita tributária nacional. Há, mesmo, técnicos, dirigentes e políticos que colocam a reforma tributária na privilegiada situação de condição sine que non para início de qualquer conversa sobre autogestão, principalmente no patamar dos Municípios. Esse tema foi objeto de acirrada discussão sobretudo no período de 1984-88, intensificando-se na Constituinte que se findou em 5 de outubro de 1988.

Alienado, evidentemente, seria aquele que não reconhe-cesse a importância da reforma tributária para a autogestão nos

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níveis tanto dos Municípios quanto dos Estados brasileiros. Mas a irracionalidade da alienação estende-se igualmente àqueles que posicionam a mencionada reforma como ponto absoluto de partida para a autogestão municipal ou estadual. Isso, porque: I o ) A existência do dinheiro, em termos quantitativos, não implica,

automaticamente, a capacidade e as condições de geri-lo corre-tamente, sobretudo numa área não muito objetiva, sem retorno econômico direto e imediato, como a do desenvolvimento social.

2 o) Da falta de iniciativa durante a escassez de recursos poderá resultar a brusca transformação da abundância em escassez, caso ocorra algum prodígio relacionado com fartura de recursos sem muito esforço e muita iniciativa nos próximos decênios, es-tigmatizados como nos encontramos por crises de cunho global, hemisférico, nacional, regional e local34.

3 o) A participação justa dos Municípios na receita tributária nacional dependerá indiscutivelmente de critérios para sua formulação e aplicação. Se um dos critérios fosse o da proporcionalidade da arrecadação em cada território, tanto municipal como estadual, os Municípios e Estados que recolhessem menos tributos ficariam cada vez mais pobres, enquanto os que arrecadassem mais também sempre mais aquinhoados se tomariam. Esse tipo de raciocínio é importante porque serviu de base para a centralização, que se tornou exagerada, da arrecadação, retenção e manipulação dos tributos nacionais pela União, assim

3 4 O que de fato vem ocorrendo desde 1997 com as crises asiáticas e o alastramento de seus efeitos primeiro para a Rússia e em seguida para o Brasil e a América Latina, já quase batendo às portas dos países ricos, a começar pelos Estados Unidos, apesar de até o momento serem esses os países que de fato têm lucrado com nossas crises.

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como permanecerá sempre atual não importando a proposta de reforma tributária que ocorrer, necessariamente, nos próximos anos. Isto por causa da própria disparidade do desenvolvimento econômico brasileiro em termos nacionais, inter-estaduais e intermunicipais.

4 o) O essencial da reforma tributária -necessária, como já se mencionou anteriormente- incidirá primeiramente na determinação de critérios que, levando em conta as disparidades inter-regionais, interestaduais e intermunicipais, permitam o aumento da participação estadual e municipal na receita tributária nacional arrecadada. Incidirá, ainda, na deter-minação de critérios e métodos que simplifiquem a liberação dos recursos cujos processos de transferência ficarem a cargo da União (transferência a Estados e Municípios ou só a Estados) e dos Estados (transferência a Municípios). Tanto a União quanto os Estados permanecerão com a incumbência -sempre criticada mas impossível de ser eliminada pelo menos até médio prazo-de administrar a transferência da parte dos recursos provenientes da receita tributária que, de direito, já será dos Estados e dos Municípios. Essa parte será de todos os Estados da Federação e/ou de todos os Municípios da Federação, mas sem a especi-ficação de quais dentre eles, exatamente por causa das dispari-dades econômico-sociais entre regiões, Estados e Municípios.

Trata-se de luta a ser travada em tomo dos seguintes pontos: - os Estados e os Municípios defenderão unanimemente a

diminuição da fatia da União no bolo da receita tributária, fatia essa destinada aos compromissos do Governo Federal;

- os Municípios defenderão, também unanimemente, a diminuição da fatia destinada aos compromissos dos governos estaduais; os Estados e os Municípios de onde provém o maior volume

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arrecadado defenderão a proporcionalidade arrecadação/ participação e a menor ingerência possível da União no processo de equacionamento das disparidades inter-regionais e inter-estaduais; os Estados e os Municípios mais pobres lutarão pela inversão proporcional arrecadação/participação, ou seja, menor arrecadação/maior participação; exigindo, conseqüentemente, que a União assuma, de maneira incisiva, o seu papel de árbitro nacional no que se refere ao equacionamento das disparidades inter-regionais e interestaduais;

- no âmbito das negociações Municípios x Estados, as defesas comuns e contrárias assumirão idênticas características às mencio-nadas anteriormente para o caso Estados+Municípios x União;

- os Estados e Municípios em relação à União e os Municípios em relação aos Estados defenderão unanimemente a desburocrati-zação e a conseqüente agilidade no que respeita à administração das transferências dos recursos, já pertencentes de direito aos Estados e aos Municípios (mas a pertença de fato só começará a existir a partir da respectiva liberação).

Até hoje, o processo de transferência tem sido muito mais arbitrário que arbitrado: a legislação pertinente não contém critérios operacionais básicos; a administração das transferências, nos níveis federal e estadual, é feita segundo parâmetros que variam de acordo com as equipes de direção e assessoramento que passam pelo poder a cada período administrativo; os administradores de transferências sentem-se demasiado responsáveis pelos detalhes de aplicação na área de competência dos beneficiários (embora não se trate de beneficiários mas de simples destinatários, visto que os recursos já lhes pertencem de direito), ao invés de se preocuparem mais com o acompanhamento e a avaliação do impacto que o produto da aplicação de todos os recursos (federais, estaduais e municipais) exerce na própria evolução da realidade

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econômico-social e cultural; e assim por diante. Essas considerações já são suficientes para se ter noção

bem clara de que a propalada mas sempre imperfeita reforma tributária, mesmo que muito bem idealizada e formulada, não será a varinha de condão para a solução dos problemas da autogestão municipal. É um tema complexo, devido à diversidade de características e interesses, que se resolverá a partir da evolução do que já existe pelo menos como mal necessário, ou seja, levando em conta os diferentes tipos e níveis de disparidades existentes por todo o território nacional. Além disso, demandar-se-á tempo para que as idéias e o processo evolutivo se concretizem, permitindo que a reforma tributária venha de fato a representar papel significativo no trabalho da autogestão municipal. Jamais represen-tará, porém, condição sine qua non para que.se tomem iniciativas na linha da autogestão ao nível dos Municípios. Pelo contrário, é mais lógico pensar que também a reforma tributária mais adequada venha a surgir ou emergir do trabalho conjunto Município/Estado/ União voltado séria e objetivamente para o desenvolvimento da autogestão municipal, visto ser o Município a unidade administrativa em contato direto com as bases humanas e físicas do progresso social, cultural e econômico.

Todo esse raciocínio, descartando a reforma tributária como condição sine qua non para a tomada de iniciativas que conduzam ao desencadeamento do processo da autogestão municipal, aplica-se ao caso do desenvolvimento da gestão integral da educação formal no Município, visto ser esta parte ou dimensão daquela.

Que fazer, então, enquanto não vem a reforma tributária ou se a que vier não corresponder às expectativas salvadoras a ela atribuídas? -Obviamente a lógica do bom-senso recomenda que se tomem, de imediato, iniciativas alternativas no tocante à descoberta e

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à arrecadação de recursos. Nesse sentido, merece consideração a realização de estudo sobre a viabilidade da organização de fundo municipal de recursos para a manutenção e desenvolvimento da educação, com características como as que se seguem: possa rece-ber e administrar os recursos constantes do orçamento do Município e os que venham a ser transferidos pelo Estado e pela União; possa receber e administrar as contribuições tradicionalmente prestadas pelas comunidades e empresas, principalmente as locais; promova estudos sobre viabilidade e estratégias de alargamento das fontes de captação junto a pessoas tanto físicas como jurídicas, dentro e fora do Muni-cípio (exemplo: ajudas dedutíveis da renda bruta para efeito de cálculo do imposto de renda devido e similares); saiba incentivar e administrar os bens advindos por doação e estimular a prestação de serviços pelas famílias e comunidades, de forma que eles se convertam em recursos (ou em substitutivo de recursos) financeiros.

Importa, enfim, pesquisar alternativas de arrecadação que viabilizem a sustentação e o desenvolvimento de toda a programação da educação formal no âmbito do Município. Pode-se afirmara priori, não faltará o mínimo de recurso necessário à realização da programação que resultar de decisões tomadas com a participação efetiva da população e dos segmentos populacionais organizados. O comitê de vitalização da ação gerencial constituirá excelente mecanismo de participação das bases na tomada de decisões, inclusive no que se refere ao provimento dos recursos destinados à execução da programação definida em processo participativo de co-responsabilidade.

Aplicação de recursos financeiros Já se falou que não basta existirem os recursos. É preciso

saber administrar bem a sua aplicação. A boa administração da

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aplicação funciona quase sempre como crédito para o carreamento de mais recursos, devido justamente ao fato de propiciar agilidade e eficiência na linha da obtenção de resultados.

Como o Município aplica recursos oriundos pelo menos do seu orçamento e das transferências estadual e federal, torna-se necessário que a área financeira se familiarize com as normas e os procedimentos relativos à execução orçamentária e financeira dessas três esferas.

Mais uma vez o Estado poderá prestar a sua colaboração ao Município, dando ele mesmo o treinamento e a assistência necessários e, se for o caso, buscando também a cooperação da União. O Estado terá condições até de programar a preparação do pessoal que cuida das finanças no Município -mediante consenso mútuo- utilizando o princípio e a metodologia do efeito multiplicador, através da cooperação intermunicipal. Um Município bem preparado poderá ou deverá participar da preparação de outros que venham a se integrar no processo.

Aliás, a cooperação intermunicipal, sobretudo no âmbito do mesmo Estado, deverá ser ativada e aproveitada ao máximo, porque propiciará a transferência e o intercâmbio de conhecimentos e experiências vivenciados no próprio campo de trabalho.

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PESSOAL E REDE FÍSICA MANTIDOS PELO ESTADO

O fato de a educação formal ser gerida pelo Município não implica a obrigatoriedade de ele assumir, de imediato, a adminis-tração tanto do pessoal como da rede física mantidos pelo Estado. Enfatizo várias vezes, neste trabalho, que a transferência de serviços e ônus do Estado ao Município só poderá ser entendida como conseqüência do desenvolvimento da capacidade e das condições próprias do Município. Além disso, haveria alguma contradição em o Estado manter o pessoal e a rede física, atualmente administrados por ele, se coubesse realmente ao Município a elaboração, a execução e a realimentação do planejamento de toda a educação formal em seu território?

A passagem de tais ônus ao Município, assim, como dos recursos correspondentes, poderá acarretar vantagens: a da elimina-ção desse elo de dependência administrativa; a da ampliação de oportunidades de emprego (sobretudo no que respeita à adminis-tração do pessoal); a do reforço indireto dos salários do pessoal absorvido (devido à economia de viagens, correspondência, telefone-mas, etc, que oneram osprofessores e técnicos lotados distantemente

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das capitais); e assim por diante. Mesmo assim, é preciso estar sempre atento para o princípio-base: transferir só o quê (e quando) contar com condições e interesse de absorção pelo Município.

O que deve preocupar a todos, em primeiro lugar, é o aumento progressivo e ordenado da efetiva capacidade de o Município absorver o aspecto fundamental da gestão educacional, que consiste em poder conceber e assumir medidas compatíveis com as condições locais quanto ao planejamento global da educação no seu âmbito, em termos de processo decisório e executório, contando, evidentemente, com o apoio político e administrativo do Estado. O resto será resolvido em decorrência disso, mediante entendimento mútuo, ou seja, Município/Estado.

No caso da absorção da rede física pelo Município, as coisas se apresentam teoricamente muito simples. Basta que o Estado a transfira, juntamente com os recursos que dispende para sua manutenção, no exato momento em que o Município estiver preparado e motivado para assumi-la e administrá-la.

No que respeita à questão da absorção do pessoal mantido pelo Estado, a situação é muito mais complexa porque entram em jogo variáveis de difícil controle no decurso do processo administrativo, como as que se seguem:

- ao Município que, de acordo com a maioria dos Municípios brasileiros, pagar menos que o Estado ao seu pessoal docente, técnico e administrativo estará criada a situação de impasse: não poderá, por um lado, elevar os vencimentos (acrescidos das vantagens) de todo o seu pessoal ao nível do que é garantido pelo Estado e, por outro, não terá como fazer que o pessoal transferido pelo Estado se contente com vencimentos compatíveis com as condições do Município;

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- mesmo havendo equiparação entre os níveis de vencimen-to do Município e do Estado, a preferência recairá na permanência do vínculo com o Estado devido à tradição de maior garantia e de resguardo do status funcional;

- poderá ocorrer dificuldade de entrosamento do pessoal oriundo do Estado com os demais companheiros de tra-balho, pelo sentimento de perda do espaço conquistado na esfera estadual, ao longo de anos, e o conseqüente risco da formação de grupos de oposição permanente no seio do próprio sistema municipal; além de outras.

Diante de tal complexidade, o caminho mais acertado talvez seja o de o Estado continuar mantendo (isto é, apenas administrando a folha de pagamento) o seu pessoal alocado no Município, mas deixando ao próprio Município a reposição das vagas criadas por óbitos, aposentadorias, desligamentos, etc. Dessa forma, a absorção administrativa do pessoal do Estado deixaria de constituir problema, vez que esse pessoal atuaria de acordo com o planejamento organizado e agilizado ao nível do Município, limitando-se o Estado à administração apenas do seu vínculo empregatício. Pro-gressivamente e sem traumas, o sistema de pessoal do Município ampliaria o seu quadro até o limite exigido pela gestão integral da educação formal.

Mesmo que se adotasse essa estratégia, continuaria, sem dúvida, a necessidade do apoio técnico e financeiro do Estado ao Município, o que constituiria assunto para mútuo e permanente entendimento.

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LEIS MAIORES E GESTÃO INTEGRAL NO MUNICÍPIO55

As leis vigentes, antes e depois de 1985, quando da primeira publicação deste estudo, nemoficializavam/oficializamenem vetavam/ vetam a gestão integral da educação no âmbito municipal, da maneira como vem sendo conceituada e delineada neste trabalho, daquela época para cá, dado que o essencial desse processo de gestão integral diz respeito ao efetivo gerenciamento, pelo Município, da organização, da substantivação e da dinâmica concernente ao que é educação formal para a realidade de cada Município e aos como e quando ela se operacionaliza, com eficiência e qualidade, respeitando, aproveitando e capitalizando as próprias peculiaridades dessa viva e ativa realidade.

Isso implica que o Município precisa formular e assumir política educacional própria, em evidente articulaçãocom diretrizes políticas estaduais e federais, mas não se limitando a mero executor 3 5 Este Tópico foi reescrito em quase a sua totalidade, pelos fatos da nova Constituição de 1988 e da substituição da Lei n° 5692/71 pelaLDB n° 9394/96, só permanecendo os parágrafos finais da vesão publicada em 1985.

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em relação a elas. Em outros termos, não importa se os recursos financeiros, a rede física, os professores e os funcionários, os móveis, etc, se vinculem patrimonial e/ou empregaticiamente àUnião, ao Estado e ao âmbito privado, já vimos isto em Tópicos anteriores. O que efetivamente conta é que a educação da população vá bem qualitativa e quantitativamente, e quanto mais melhor! A gerência da educação, lá onde de fato ela se operacionaliza, pode e deve ser realizada com infra-estrutura e recursos públicos, privados e comunitários, venham de onde vierem em termos de fontes ou até de vinculação de origem, isto é, sejam eles locais, estaduais, nacionais ou internacionais, assim como dos orçamentos públicos e das contribuições empresariais.

As querelas legais normalmente têm assumido o centro das discussões e até dos desentendimentos, porque nossa preocu-pação e interesse têm-se voltado muitíssimo mais para o domínio administrativo de patrimônios e recursos pessoais, materiais e financeiros do que para a efetiva e eficiente gestão do próprio fato educacional. Nenhum dispositivo legal impede que se promova a boa educação, o bom ensino. Pelo contrário, todos tentam cercar aqui e acolá no sentido de que se garanta e consiga ainda só o mínimo nesse sentido. Até à época da ditadura, a legislação perse-guia esse mínimo, embora os procedimentos metodológicos para isso fossem vigiados, censurados e cerceados, o que felizmente não acontece mais neste nosso final de século. E porque não descolamos a sola de nossos sapatos das misérias e mediocridades educacionais da sofrida mas esperançosa realidade brasileira? -Talvez porque continue a prevalecer nossa cultura de aproveitarmos das cautelas legais, em relação ao mínimo acima aludido, para algum tipo de dividendo sobre: quem detém mús poder junto à população (poder público federal, estadual ou municipal?); quem fica com as melhores chances de influência na base do eleitorado (poder público federal, estadual ou municipal?); quem tem mais poder de manipulação de

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bens patrimoniais, assim como de recursos humanos, materiais e financeiros (poder público federal, estadual ou municipal?); e assim por diante.

Portanto, a dinâmica educacional no âmbito de cada Município não é, sobretudo neste findar de milênio, uma questão legal mas de pura e simples capacidade e competência endógena local de gestão, em regime cooperativo com a própria comunidade municipal.

As leis maiores, no caso a Constituição Federal de 1988 -artigos 205 a 214- e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação n° 9394/96, enfatizam, por um lado, que a educação é direito subjetivo, portanto de cada cidadão(ã) brasileiro(a) independen-temente de quaisquer condições e circunstâncias e, por outro, que sua garantia de real oferta se concretize em processo de efetiva cooperação e interação entre o poder público, a família e a socie-dade. Em realidade, é isso que interessa e importa, tendo-se pre-sente, evidentemente, que também as três esferas de poder público (as federal, estadual e municipal) se cooperem e integrem, ao contrário de disputarem fatias e espaços de poder e influências junto à população em suas áreas de vivência cotidiana. É bem verdade que, por vezes, ocorre de dispositivos legais maiores deixarem margem a ambigüidades, que acabam por favorecer a manipulação de ações e ingerências como as da Lei n° 9394/96 concernentes à configuração dos sistemas federal (art. 16), dos Estados e do Distrito Federal (art. 17) e municipais (art. 18) de ensino, visto que a caracte-rística básica de cada um deles é apenas a de compreender as instituições e os órgãos de ensino por eles criados e mantidos, bem como aquelas da iniciativa privada que lhes são juridicamente subordinadas, ou seja: ao sistema federal se acoplam todas as instituições (reiterando, criadas e mantidas pela iniciativa privada) de educação superior; aos sistemas estaduais e do Distrito Federal as de ensino fundamental e médio; e aos sistemas municipais as

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de educação infantil. E por quê o Ensino Fundamental não integra os sistemas municipais, já que a maior responsabilidade pela observância de sua obrigatoriedade recai sobre os Municípios? E, mesmo assim, em momento algum a Lei explicita a que instância cabe a coordenação conjunta de todos os esforços e ações lá no território municipal, para que respeitem, aproveitem e capitalizem as peculiaridades da realidade local. Pela lógica, acoordenação e o próprio gerenciamento dessa ação conjunta deveria ser da alçada municipal, vez que é aí que as coisas acontecem, que a vida se cotidianiza. Se isso ocorresse, ou vier a ocorrer, com eficiên-cia, agilidade e qualidade, de modo algum importará que as escolas pertençam a este ou àquele.sistema, a esta ou àquela rede (federal, estadual, particular, cooperativa, etc) pois todas conjugarão esforços para os mesmos objetivos e todos os meios constituirão insumos de multiplicação de progresso para a realidade local, indepen-dentemente de suas origens e vinculações administrativo-legais.

Entretanto, e apesar dessa não explicitação sobre gestão e coordenação real de todos os serviços educacionais oferecidos no Município, a legislação vigente não impede que isso seja feito, só dependendo de entendimentos que gerem estratégias voltadas para o bem-comum da população como destinatária real desses serviços e não para interesses próprios das esferas administrativas consideradas em função delas mesmas.

Aliás, não resta dúvida quanto à necessidade de contínuo aperfeiçoamento inclusive da legislação vigente, como também é evidente que as leis não são,per se, causas que geram efeitos auto-maticamente. As verdadeiras causas são a inteligência, a vontade e o agir humanos que, amparados pela legislação, buscam e conseguem os produtos e objetivos almejados. Ademais, será benéfico para todos que o aperfeiçoamento da legislação venha em decorrência da experiência, visando a que sua validade e exeqüilidade já se encontrem pelo menos testadas, não se pretendendo, já de início,

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regulamentar até os detalhes das experiências que estarão por vir. Mas a mentalidade brasileira parece incrível nesse campo, o da legislação x experimentação. Há generalizado receio de se tomar iniciativas, em matéria de experiências, sem que elas estejam previstas ou de preferência regulamentadas nos mínimos particulares em lei. Na verdade, o que importa saber a esse respeito é se elas não serão contra as leis vigentes ou se as leis vigentes não são contra elas.

Como se sabe, as leis constituem referenciais dedutivos, porque se aplicam a tudo o que estiver compreendido no seu universo conceituai. Mas a sistematização desses referenciais, fora dos limites das evidências, gesta-se indutivamente, ou seja, a partir da observação, da experimentação e da constatação, não importando se os métodos e procedimentos que acionam o processo são de natureza concreta ou abstrata. Faz-se indução lógica também no mundo abstrato! Dessa maneira, também as experiências na área do desenvolvimento da gestão integral da educação formal no Município não se encontram e nem jamais se encontrarão detalhadamente regulamentadas por legislações prévias. Trata-se de fenômeno não circunscrito ao universo da evidência e esperar por legislação que o especifique em detalhe seria pretender que o legislador se transformasse prodigiosamente em vidente.

Mas o que importa para essa área é que as experiências não serão contra a legislação e nem a legislação as impede ou dificulta, visto que, ao contrário, lhes dá abertura e apoio suficientes para que os destemidos as ponham em prática, evidentemente com as responsabilidades, seriedade e organização que a educação brasileira merece e requer. Aliás, em nenhum país ou momento histórico deste planeta houve leis ideais que resolvessem problemas sociais agudos como os que ora vivemos no Brasil. Em verdade, as leis são neces-sárias à solução desses problemas, mas apenas como referenciais societários para que não se cometam exageros, omissões, distorções

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e injustiças no curso do processo de solução. Todavia, a construção e dinamização do real processo de

solução são questões que só se concretizam efetivamente por capacidade, competência e habilidade de gestão da coisa pública. Este tem sido o maior problema de nossa administração pública, da federal à municipal: maquinação de leis e fórmulas fisiológico-casuísticas sem investimento e cobrança no tocante à capacidade, competência e habilidade de gerenciamento da vida pública, com o envolvimento ativo da população em tudo o que lhe concerne (já falamos disso no Tópico 1 deste trabalho). A palavra de ordem tem sido reforma (educacional, administrativa, política, etc) até daquilo que nunca teve forma alguma justamente por incompetência e inabilidade de gestão que arregimente a participação direta do próprio público interessado. Por exemplo, do começo dos anos sessenta para cá quatro reformas jurídicas foram feitas na área educacional (a da Lei de Diretrizes e Bases da Educação n° 4024/61, a da Lei de reorganização do Ensino ou Educação Superior n° 5540/68, a da Lei de reestruturação da Educação Básica ou Ensino de I o e 2 o Graus n° 7692/71 e a atual Lei de Diretrizes e Bases n° 9394/96, esta abrangendo todos os níveis de educação), além da Lei n° 7044/82 que, alterando a Lei n° 5692/71, tornou as habilitações profissionalizantes de 2 o grau optativas, de certo modo restaurando a tradição anterior a 1971 de o Ensino Médio funcionar preponderantemente como ponte para o Ensino Superior.

Em suma, se as reformas legais de fato funcionassem gerencial e operacionalmente, o Brasil já ostentaria a condição de superpotência educacional. Entretanto, nunca funcionaram e jamais funcionarão enquanto não houver capazes, competentes e hábeis gestores que, a partir de cada escola, de cada Município e de cada Estado, mobilizem, liderem e dinamizem a população para a autoconstrução e operacionalização de seus próprios destino e processo educacionais.

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CUIDADOS PARÁ O ÊXITO DA GESTÃO INTEGRAL NO MUNICÍPIO

Depois de visto o processo sob os prismas conceituai e organizacional-funcional básicos, três cuidados, dentre aqueles que se classificam como gerais mas essenciais, merecerão atenção especial tanto na fase preparatória como durante todo o funcionamento do processo. São os que se seguem.

17.1 DECISÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA BILATERAL

Importa que a decisão político-administrativa de se partir para o efetivo trabalho, no Município, seja tomada em conjunto Estado/Município, isto é, de cada Estado/Município, depois de o processo ter sido ampla e profundamente discutido, compreendido e desejado pelas autoridades municipais que terão envolvimento direto ou indireto, vertical ou horizontal, em todas as suas fases.

O município será impotente para desencadear e conduzir todo o processo à revelia do Estado, assim como o Estado se

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considerará impostor se não programar e agir conjuntamente com o Município, e de tal forma que este desenvolva e absorva progressivamente as condições da autogestão educacional nos níveis combinados. Não se deve deixar margem à alimentação do complexo de mais inferioridade e, portanto, de maior dependência do Município em relação ao Estado no que concerne ao universo e às condições para a tomada de decisão e para o desencadeamento e controle da ação.

17.2 MOTIVAÇÃO POLÍTICA

O desinteresse político, em esfera tanto estadual quanto municipal, poderá constituir o principal responsável pelo aborto de idéias e estratégias que visem à convergência de esforços para o desenvolvimento da gestão integral no Município, mormente no que respeita ao domínio da educação formal. A autogestão municipal representa significativa ameaça à manipulação político-administrativa, a que se prestam os primeiros níveis de ensino, no atual contexto de se pensar e fazer política.

A questão principal, no entanto, reside no fator de que o modo de se pensar e fazer política deve evoluir pelo menos no mesmo ritmo de evolução da própria sociedade e de que a autogestão municipal, voltada diretamente para o bem-estar da população em seu habitai concreto, será, sem dúvida alguma, o maior ponto a ser creditado em prol dos políticos e administradores que a ela aderirem. Terão seus nomes e realizações propagados em dimensões municipal, estadual, regional, nacional e até internacional, visto que a passagem do discurso à prática e do mítico ao real, em matéria de municipalização harmônica dos primeiros níveis da educação formal no Brasil, permanece relacionada com a idéia de

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crença nos valores humanos, requerendo tanto visão quanto tenacidade na redefinição e condução de políticas e estratégias de ação orientadas para o desenvolvimento social das populações localizadas nas menores e, portanto, mais homogêneas unidades administrativas de poder público nacional, os Municípios.

Paralelamente, para a motivação político-administrativa existem certos limites quantitativos e qualitativos. Assim: a) Não se pode pretender motivar a todos os políticos do Estado e

do Município para só depois encetar o trabalho. Além de impos-sível, basta que apenas as autoridades relacionadas com o assun-to, e que tenham o poder decisório, sejam cativadas de início. O processo terá que conquistar lugar privilegiado entre as grandes ambições daquelas autoridades que já as tenham, ou deverá tomar-se uma grande ambição para aquelas outras que ainda não tomaram consciência dele. Fora disso, será sempre oportuno esperar que os resultados, quando possíveis de serem colhidos, constituam a principal matéria-prima de propaganda e convencimento.

b) Entender que a não-aceitação unânime e imediata mesmo da parte das autoridades, e respectivas assessorias diretamente envolvidas, poderá ser salutar para o amadurecimento teórico do processo face às pré-disposições, disposições e condições reais tanto do Município quanto do Estado. O consenso positivo e imediato de todos poderia até fundamentar suspeitas no sentido de que não entenderam todo o alcance do processo ou, ainda, de que o interpretaram segundo as suas próprias conveniências. A regra geral tem sido a de que só há consenso unânime e ime-diato em grupos e assuntos não propensos a desestabilizarem a continuidade do status quo de seus integrantes. Certamente não é o que se cogita com relação ao desenvolvimento da gestação integral, mesmo que limitada à educação formal, ao nível de Município.

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c) O proselitismo eufórico, fora dos meios interessados, assim como a exploração político-emocional do processo, anterior ao surgimento de resultados concretos, além de demonstrarem falta de compreensão profunda da matéria em questão, acarretarão a sua falência pelo desgaste ou distorção de tudo o que com ela se relacionar.

Tem-se por certo, em resumo, que a motivação política será indispensável e deverá ate infiltrar-se no quadro de ambições das autoridades e assessorias técnicas a serem envolvidas na tomada de decisão e na execução do processo. Far-se-á necessário, todavia, o cuidado de,primeiro, investir nos riscos do plantio para, depois, beneficiar-se da qualidade e competitividade da colheita, com conhecimentos e experiência evidenciados.

17.3 POSICIONAMENTO EXPERIMENTAL

A ênfase no tratamento do desenvolvimento da gestão integral da educação formal no Município, em regime de experiência e não de institucionalização precipitada, já teve sua importância reiterada neste trabalho. Isso, porque dois riscos extremos de fracasso deverão ser evitados: o de se ter que esperar pela modificação das legislação e normas vigentes, para que se crie o tom formal da institucionalização do processo como um todo e de cada detalhe seu, em particular, e, ainda, o de que alguma autoridade executiva ou legislativa exaltada queira decretá-lo para um, mais de um ou todos os Municípios de determinada unidade da Federação. Já se falou que as condições e a eficiência da ação gerencial neste caso não dependem intrinsecamente das leis. Na verdade, as leis também têm sua relevância no processo gerencial, mas como suporte, limite e não essência.

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Qualquer proposta, em termos de desenvolvimento do processo de gestão integral, principalmente na área da educação formal, que não se posicionar modesta e flexivelmente ao nível de experiência em permanente processo de aperfeiçoamento, com resultados a serem aferidos pela própria sociedade, estará fadada ao fracasso, dado ao anêmico, estéril e inevitável debate sobre a exeqüibilidade legal que ela provocará. Enquanto se discutir demasiadamente a legalidade da municipalização da educação formal, pela via da gestão integral, o tempo passará, como já aconteceu ao longo da história brasileira, sem que a sua concretização se efetive.

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CONCLUSÃO 1: GESTÃO MUNICIPAL INTEGRAL NÃO SE FAZ POR

DESCENTRALIZAÇÃO DEMOLINETE56

Embora encerre opinião de cunho pessoal, tenho a mais firme convicção de que este estudo-proposta delineia uma estratégia a ser trilhada -ou pelo menos a ser exaustivamente discutida- para a solução do grave problema da Educação Básica para todos os brasileiros e com aco-responsabilidade de todos os cidadãos, situan-do-se o Estado (poder público) como ponto de apoio, garantia, animação e equilíbrio de sua concretização.

A proposta não é perfeita, mas chega de coisas perfeitas que nunca são produzidas ou que nunca produzem resultados. A questão se situa na busca de um ponto de partida, de uma estratégia abrangente, cuja operacionalização independa de tempo e estilos, assim como mobilize, oriente e apóie processualmente a população 3 6 Na versão publicada em 1985, este Tópico se situava logo no início da publicação, sob o título geral Nota Sobre o Estudo-Proposta, mesmo tendo sido escrito depois de pronta toda a redação do trabalho; daí tê-lo preferido agora efetivamente como Conclusão 1.

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a se organizar e a agir para a conquista de resultados, em consonância com a dinamicidade de seu estágio de engajamento social, bem como de suas aspirações pessoais, tendo o bem comum como farol de orientação do bem pessoal.

Acho mesmo que a municipalização, como desenvol-vimento da capacidade de gerenciamento integral no município, não deverá se restringir à educação formal de base. Por que não se utilizar dos mesmos princípios e estratégias para o tratamento dos serviços de saúde, do desenvolvimento da agropecuária e similares? Por que os poderes públicos centrais (da União e dos Estados) não investem, sem meio-termo e controlismo (a menos que se trate de eficaz processo de acompanhamento e avaliação para a reorientação ou correção participativa de rumos e esforços) na capacidade gerencial do poder público+sociedade municipal para que planejem, decidam e acionem meios e instrumentos que equacionem os seus próprios problemas, necessidades e aspirações?

Descentralização, nesse sentido, conflita essencialmente com mera desconcentração aplicada, atualmente inclusive, por ditas ousadas iniciativas. Trata-se da pseudo-descentralização em que a União e os Estados seguram a vara dotada de um mecanismo macete (o molinete) de atirar a linha o mais longe possível para que o peixe tenha, também, maior espaço para se bater, cansar e acomodar-se até que, no momento aprazado, seja puxado para onde quer o pescador. Na melhor das hipóteses, os pescadores (União e Estados) se precavêm de medidas que os possibilitem utilizar-se da carretilha quando julgarem que o peixe, no caso o Município, já tenha suficiente linha e prerrogativa de espaço. E a descentrali-zação ou municipalização de molinete.

Encher o Município de dinheiro não será por si só uma solução. Sem o desenvolvimento da capacidade gerencial do poder público municipal, em ação conjunta com a sociedade localizada

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nessa esfera administrativa, cuja função de liderança (mais do que de administração em sentido estrito) lhe compete, o Município (poder público + população) estará sempre preso à linha dos pescadores, em troca de iscas embutidas em programas de pré-escolar, educação comunitária, ensino fundamental, ensino supletivo, ensino médio e tudo o mais que os pescadores (União + Estados) pensarem que é bom para ele, Município, humana, social, territorial e administrativamente falando, independentemente das peculiaridades próprias de sua realidade.

Na base de tais problemas situam-se: a oferta da educação formal a toda população; o direito à educação que não se restrinja à mera passagem pela escola; a educação como fator de competência endógena para o desenvolvimento de um povo, para o fortalecimento de uma nação; a educação que integra um processo de formação arraigado à base mesma do ser humano, pessoal e socialmente engajado, aquela formação que, no conceito de Lhotellier37, deve ser entendida como "(...) um ato existencial de busca da verdade, ato que transforma os acontecimentos da vida em experiência, com a ajuda da reflexão" ou, mais explicitamente, como "(...) capacidade de transformar os acontecimentos cotidianos, os vivenciados de maneira geral, em experiência significativa no horizonte de um projeto pessoal e coletivo ". Situa-se, ainda nessa base de problemas, a competente habilidade de se fazer que a ação conjunta do poder público com a sociedade municipal na gestão da educação formal constitua processo eminentemente educativo, tanto da sociedade quanto do poder público no que se refere à admi-nistração de soluções societárias e comunitárias locais, sem a perda de perspectiva do necessário núcleo de unidade estadual e nacional.

3 7 LHOTLLIER, Alexandre. La formation en question. In: Formation 1 -quelle formation? Paris, Petite Bibliothèque Payot, n° 234,1974.

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Entretanto, há ainda muito o que estudar em relação a tudo isto. Os subsídios históricos constantes deste trabalho, por exemplo, não exauriram todo o campo de levantamento e pesquisa daquilo que envolve o passado e o presente da municipalização do ensino no Brasil. O que se procurou foi antepor-se apenas ao que se considerou essencial para a compreensão da doutrina e dos fatos numa perspectiva histórica. Muita coisa há, todavia, para ser pesquisada, analisada e mais amplamente divulgada, sobretudo quanto a iniciativas que nem mesmo foram aludidas. Sabe-se, a título de ilustração, que já no final da década de 70 e começo da de 80 o Estado de Minas Gerais também desenvolvia esforços de municipalização; que a experiência de Lages-SC merecia ser conhecida, e que a Prefeitura Municipal de Pelotas "(...) ouve a comunidade para decidir prioridades do orçamento (...)" de 1985, conforme noticiou o Jornal do Brasil em sua edição de 8 de setembro do ano de 1984, além de muitas outras iniciativas poste-riores. Isso significa que o campo é rico e continua a merecer a atenção de pesquisadores e estudiosos. Novas correntes ideológicas que estão conquistando os governos estaduais e municipais, neste final de século, estão começando a se arriscarem nessa direção.

No que concerne à gestão integral da educação formal no Município, segundo as linhas esboçadas neste estudo, tudo se encontra ainda em posição de começar. Começar, quem sabe, pelo debate nacional de revitalização da tese de municipalização sob ângulo novo: a municipalização a partir do investimento na capacidade endógena de absorção de toda a gestão da educação no âmbito do Município, com base nos direitos, deveres, aspirações e envolvimento educacionais da sociedade aí localizada, com orientação e supervisão geral de cada Estado e da União.

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CONCLUSÃO 2: RETOMANDO A HISTÓRIA DE VIDA

Mesmo que não tivesse outro proveito, este trabalho já se caracterizaria como tributo de reconhecimento a um homem, a uma mulher e a uma família. Um homem que nasceu em 1894 e morreu em 1983. Que, analfabeto na acepção atual do termo, casou-se com uma analfabeta e constituíram numerosa família potencialmente analfabeta se tivessem esperado pela iniciativa do poder público, não importa de que esfera.

A mulher morreu analfabeta, mas criou seus numerosos filhos e deixou pelo menos a impressão de que a educação pode ser entendida também como processo de conquista e irradiação de equilíbrio; de que o educador é também aquele que apóia, promove e dignifica o relacionamento da pessoa consigo mesma e com a sociedade que se evolui e na qual cada um tem seu espaço e papel a exercer.

Nenhum dos doze filhos criados ficou mergulhado no analfabetismo. Os mais velhos só puderam cursar até a 3a série do então Primário. Dentre eles, três moças repartiram o pouco de instrução com a vizinhança, o bairro, porque lá não havia escola.

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Uma, depois de aposentada, foi procurada por pesquisadores estaduais para explicar como conseguiu, por mais de vinte anos -sendoprofessora leiga, lecionando em plena zona rural e em sala única para quatro séries-, fazer que seus alunos concluíssem a I a

série sabendo ler e escrever o essencial. Os outros, os mais novos, alcançaram os níveis de graduação e até da pós-graduação universitária e mantêm compromisso com quantos ficaram praticamente isolados no interior dos Municípios brasileiros.

E quanto ao homem de que se falou no início? -Tornou-se autodidata. Estudou à luz de tição de fogo e sozinho porque, em nome do trabalho -a par dos laços afetivos normais, a quantidade de filhos numa família era muito valorizada como investimento em mão-de-obraou bem produtivo-, era-lhe negada lamparina a querosene ou candeia a óleo de mamona. Chegou até a dar aulas aos seus companheiros mais próximos. Progrediu consideravelmente. Exerceu, durante mais de 40 anos, aprofissão de agrimensor, que não se limitava unicamente à medição correta de sítios e fazendas. Avaliava, conciliava herdeiros e interessados, media, mapeava e dava os rascunhos das escrituras prontos para a transcrição do escrivão. Conheceu por alqueires, hectares, ares, centiares e metros quadrados toda a região do pequeno Município de Alterosa, no sul do Estado de Minas Gerais, onde morava com sua família, bem como as municipalidades circunvizinhas. Aprendeu sem escola, foi professor sem mestre e profissional sem ser profissionalizado. Morreu desconhecido, mas deixou o exemplo.

E aqui, como em trajetória bumerangue, reencontro-me com os rastros de minha história de vida, assinalados no Tópico 1, pois todas as pessoas mencionadas acima constituíram a família em que nasci e me criei até a adolescência, à qual dedico carinhosamente esta publicação, inclusive admemoriam de meus pais e irmãos já falecidos.

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OUTRAS PUBLICA ÇÕES DO /l UTOR SOBRE O TEMA

No município a educação básica do Brasil: considerações gerais e arcabouço de proposta de ação. Revista Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro : Associação Brasileira de Tecnologia Educacional - ABT, ano XVI, n. 75/76, mar./jun. 1987.

Considerações sobre gestão integral de educação e outros serviços básicos no município. Revista Brasileira de Administração da Educação, Porto Alegre : Associação Nacional de Profissionais de Administração da Educação - ANPAE, v. 5, n. 2, jul./dez. 1987.

Escola básica: municipalização e acesso democrático. Revista Pro-Posições, Campinas-SP : UNICAMP (Fac. de Educação)/ Cortez, n. l,mar. 1990.

Municipalização para o desenvolvimento. Campo Grande-MS : UFMS/PREG, 1993.

Municipalização do ensino: da falácia utópica ao realismo competente. Revista Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro: ABT, n. 199/120, jul./out. 1994.

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Repensando a relação estado/municípios: uma sugestão para o governo de Mato Grosso do Sul. Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB, Campo Grande-MS : UCDB, n. 4, nov. 1996.

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