Normalidade Ou Anormalidade Domada

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OPINIÃO Normalidade ou anormalidade domada? SANTANA CASTILHO 23/09/2015 - 05:30 Será normal que os professores portugueses estejam coagidos a semanas de trabalho com duração superior às 48 horas? Tópicos 1. Sindicatos 2. Ministério da Educação 3. Professores 4. Escolas 5. Educação 6. Alunos 7. questões sociais A imagem que perdura neste início de ano lectivo é de “normalidade”. Pelo menos, como tal se vai falando na comunicação social, na ausência dos escândalos que marcaram o ano passado. Em plena campanha eleitoral, a Educação parece ser um grande tabu, protegida por um qualquer acordo entre os protagonistas, de referir pouco, de aprofundar ainda menos. Domados, os professores regressaram aos seus postos, tristes, desmotivados e descrentes. Será normal que um professor possa ser contratado por uma escola, sem submissão a um concurso, quando a lei fundamental diz “que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” (artº 47, nº 2 da CRP)? Será normal que um professor, acabado de sair da escola de formação, ocupe um posto de trabalho numa escola, quando outro, do mesmo grupo de recrutamento, com dezenas de anos de contratos consecutivos com o ministério da Educação, fica no desemprego? Será normal que a um professor com 30 anos de serviço num quadro de escola seja recusado um lugar em benefício de um colega recém-vinculado, em pleno período probatório, ou seja, sem sequer ter ainda um vínculo confirmado? Será normal termos acabado de assistir a dezenas de casos de professores que, tendo um lugar de quadro e tendo concorrido para se aproximarem da residência, foram miseravelmente ludibriados, sem reacção adequada por parte dos sindicatos, por, afinal, a “vaga” para que concorreram não existir? O Tribunal de Justiça da União Europeia tomou há dias uma decisão que visa impedir que, no espaço comunitário, se ultrapassem 48 horas de trabalho semanal. Diz a decisão que as

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OPINIÃO

Normalidade ou anormalidade domada?

SANTANA CASTILHO

23/09/2015 - 05:30

Será normal que os professores portugueses estejam coagidos a semanas de trabalho com

duração superior às 48 horas?

Tópicos

1. Sindicatos

2. Ministério da Educação

3. Professores

4. Escolas

5. Educação

6. Alunos

7. questões sociais

A imagem que perdura neste início de ano lectivo é de “normalidade”. Pelo menos, como tal se

vai falando na comunicação social, na ausência dos escândalos que marcaram o ano passado.

Em plena campanha eleitoral, a Educação parece ser um grande tabu, protegida por um

qualquer acordo entre os protagonistas, de referir pouco, de aprofundar ainda menos.

Domados, os professores regressaram aos seus postos, tristes, desmotivados e descrentes.

Será normal que um professor possa ser contratado por uma escola, sem submissão a um

concurso, quando a lei fundamental diz “que todos os cidadãos têm o direito de acesso à

função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” (artº 47,

nº 2 da CRP)?

Será normal que um professor, acabado de sair da escola de formação, ocupe um posto de

trabalho numa escola, quando outro, do mesmo grupo de recrutamento, com dezenas de anos

de contratos consecutivos com o ministério da Educação, fica no desemprego?

Será normal que a um professor com 30 anos de serviço num quadro de escola seja recusado

um lugar em benefício de um colega recém-vinculado, em pleno período probatório, ou seja,

sem sequer ter ainda um vínculo confirmado?

Será normal termos acabado de assistir a dezenas de casos de professores que, tendo um

lugar de quadro e tendo concorrido para se aproximarem da residência, foram miseravelmente

ludibriados, sem reacção adequada por parte dos sindicatos, por, afinal, a “vaga” para que

concorreram não existir?

O Tribunal de Justiça da União Europeia tomou há dias uma decisão que visa impedir que, no

espaço comunitário, se ultrapassem 48 horas de trabalho semanal. Diz a decisão que as

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deslocações de casa para o local de trabalho, sempre que esse local seja variável, passam a

contar para o cômputo final a considerar no horário. Ora parece-me bem que os sindicatos

estejam atentos ao precedente estabelecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e

inquiram, junto dos tribunais nacionais, se a norma se aplica aos professores itinerantes, cujos

locais de trabalho são vários.

Será normal que os professores portugueses estejam coagidos a semanas de trabalho com

duração superior às 48 horas, que o Tribunal de Justiça da União Europeia definiu como linha

vermelha? Exagero meu? Então façamos um exercício, que está longe de configurar as

situações mais desfavoráveis.

Tomemos por referência uma distribuição “simpática” de serviço, nada extrema, (há muito pior)

de um hipotético professor com 6 turmas, 25 alunos por turma e 3 níveis de ensino (7º, 8º e 9º

anos). Tomemos ainda por referência as 13 semanas que estão estabelecidas no calendário

escolar oficial, como duração do 1º período lectivo de 2015-16. Continuemos em cenários que

pequem por defeito: as turmas do mesmo nível são exactamente homogéneas, não

necessitando de aulas diferentes, e o professor tem os mesmos alunos duas vezes por

semana. Então, este professor terá que preparar 6 aulas diferentes em cada semana. Se

pensarmos numa hora de trabalho para preparar cada lição (o que é mais que razoável),

estaremos a falar de 6 horas por semana. Nas 13 do período, resultarão 78 horas.

O nosso hipotético professor vai fazer 2 testes a cada turma. Nas 13 semanas lectivas fará 12

testes. Voltemos a considerar apenas uma hora para conceber cada teste (concebê-lo

propriamente, desenhar a grelha de classificação e digitar tudo requer mais tempo). Claro está

que os testes têm que ser corrigidos. Se o nosso professor cobaia for razoavelmente

experiente e despachado, vamos dar-lhe meia hora para corrigir cada um dos 300 testes.

Feitas as contas, transitam para a soma final 162 horas.

O que se aprende tem que ser “apreendido”. Os exercícios de aplicação e de pesquisa são

necessários. Então agora, com a “orientação para os resultados” com que o assediam em

permanência, o nosso professor não pode prescindir dos trabalhos de casa e de outros tipos de

práticas. Imaginemos que apenas pede um trabalho em cada semana e que vê cada um deles

nuns simples 5 minutos. Então teremos de contabilizar mais 162 horas e meia, relativas a todo

o período.

Se este professor reservar 2 escassas horas por semana para cuidar da sua formação contínua

e actualização científica, são mais 26 que devemos somar no fim.

Acrescentemos, finalmente, as horas de aulas e as denominadas horas de componente não

lectiva “de estabelecimento”. São mais 318 horas e meia. Somemos tudo e dividamos pelas 13

semanas, para ver o número de horas que o professor trabalhou em cada semana: 57 horas!

Além disto, há actividades extracurriculares, visitas de estudo, conversas com alunos e pais,

reuniões que não caem dentro das horas não lectivas de estabelecimento e, em anos de

exames, pelo menos, algumas aulas suplementares.

Professor do ensino superior ([email protected])