Normas Indutoras No Federalismo Fiscal

225
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito Normas Tributárias Indutoras no Federalismo Fiscal Antônio Roberto Winter de Carvalho Belo Horizonte 2011

Transcript of Normas Indutoras No Federalismo Fiscal

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE MINAS GERAIS Programa de Ps-Graduao em Direito

    Normas Tributrias Indutoras no Federalismo Fiscal

    Antnio Roberto Winter de Carvalho

    Belo Horizonte 2011

  • Antnio Roberto Winter de Carvalho

    Normas Tributrias Indutoras no Federalismo Fiscal

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Direito da Pontifcia Universidade Catlica, Mestrado Interinstitucional-Minter, como exigncia parcial para obteno do grau de Mestre em Direito.

    Orientador: Professor Flvio Couto Bernardes.

    Belo Horizonte 2011

  • FICHA CATALOGRFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais

    Carvalho, Antnio Roberto Winter de C331n Normas tributrias indutoras no federalismo fiscal / Antnio Roberto

    Winter de Carvalho. Belo Horizonte, 2011. 223f. .

    Orientador: Flavio Couto Bernardes Dissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais,

    Programa de Ps-Graduao em Direito.

    1. Poltica tributria. 2. Investimentos pblicos. 3. Federalismo. 4. Tributos. I. Bernardes, Flvio Bernardes. II. Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Programa de Ps-Graduao em Direito. III. Ttulo.

    CDU: 336.2.011

  • ANTNIO ROBERTO WINTER DE CARVALHO

    Normas Tributrias Indutoras no Federalismo Fiscal

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Direito da Pontifcia Universidade Catlica, Mestrado Interinstitucional-Minter, como exigncia parcial para obteno do grau de Mestre em Direito, sob orientao do Professor Flvio Couto Bernardes.

    ________________________________

    Prof. Dr. Flvio Couto Bernardes (orientador)

    ________________________________

    Prof. Dr. Jos Alfredo Baracho Junior

    ________________________________

    Prof. Dr. Andr Mendes Moreira

    Belo Horizonte, 12 de dezembro de 2011.

  • Este trabalho dedicado a todos que estiveram ao meu lado durante esse perodo; aos meus amados e estimados pais, Antnio Roberto e Conceio, por todo apoio oferecido durante toda vida.

    Dedico, ainda, a Daniela, meu amor, pela pacincia, por entender a dedicao quase exclusiva ao presente trabalho.

    Neither a wise man nor a brave man lies down on the tracks of history to wait for the train of the future to run over him.

    (Dwight Eisenhower)

  • AGRADECIMENTOS

    Grandes objetivos no se conquistam sozinhos, por isso gostaria de agradecer a todos que participaram da realizao desta conquista.

    Meus sinceros agradecimentos Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais e Universidade de Montes Claros por me receberem neste programa.

    Especial agradecimento aos professores Jos Alfredo Baracho Junior, Giovanni Clark, Edimur Ferreira de Farias, Mariela Machado, Marciano Seabra de Godi e Marcos Incio de Oliveira, nos quais me inspirei e aprendi muito na academia.

    Agradeo duplamente ao professor doutor Flvio Couto Bernardes pelos ensinamentos, pela orientao precisa e inestimvel, e ao professor Eduardo Tupynaba pelos reconhecidos esforos empreendidos na viabilizao desta empreitada.

    Novamente Dani e ao Gud, por estarem por perto todo o tempo, me apoiando.

    Por fim, aos colegas de escritrio pela colaborao e auxlio durante os perodos de ausncia, aos meus irmos (Thiago e Ayala) pelo apoio e aos colegas de mestrado pelos prazerosos momentos de convvio.

  • A justa distribuio da carga fiscal total a cada um dos cidados um imperativo da tica...

    A mais nobre misso de um Estado de Direito velar por regras justas e execut-las, proteger seus cidados da injustia.

    Klaus Tipke

    Die Steerrechutsordnung, 1993, p.261.

  • RESUMO

    O Estado prescinde da funo de atuar como fomentador do desenvolvimento econmico e social, especialmente aps a Constituio de 1988, em que se atribui a esse ente o dever de instituir a integrao dialgica de toda a sociedade como forma de assegurar a isonomia de oportunidades em consonncia com a promoo do crescimento econmico, cominado com a garantia do respeito aos direitos fundamentais dentro da federao, onde o tributo desponta como importante ferramenta de ao estatal sobre os vrtices do problema: de uma forma atua como financiador das atividades estatais e de outra se mostra como eficaz mecanismo de induo comportamental na economia. A ao indutiva tributria elaborada por meio de medidas de extrafiscalidade indutora, permeando caminhos muito sensveis diante da elevada carga tributria, a ser manuseada com percia e cautela sob pena de ofensa dos princpios que norteiam o pacto federalista e os direitos fundamentais, com especial destaque a propriedade e os direitos individuais. A induo tributria, seja ela comissiva ou omissiva, deve se desenvolver respeitando os princpios democrticos e constitucionais, de onde sobressai a inexistncia da supremacia do poder pblico sobre o privado no federalismo fiscal hodiernamente institudo. Nesse paradigma pretende-se dissertar sobre a norma tributria indutora no federalismo fiscal.

    Palavras-chaves: norma tributria indutora, extrafiscalidade, limites interventivos da ao estatal, federalismo fiscal.

  • ABSTRACT

    The State has dispensed with the essential function of acting as promoter of economic and social development, especially after the 1988 Constitution, when this entity was assigned the obligation to institute the dialogical integration of all society as a form of ensuring the isonomy of opportunities along with the stimulation of economic growth, combined with the guarantee that fundamental rights are respected within the federation, where taxes emerge as an important state action tool in relation to the problem vertices: in one way, to act as state activity financer, and in another, to show itself as an effective behavioral induction mechanism in the economy. The tax inductive action is prepared by means of inductor extrafiscality, permeating sensitive paths, in the face of the high tax burden, to be handled with expertise and caution under penalty of contradicting the principles that guide the federalist agreement, and fundamental rights, with special emphasis on property and individual rights. Tax induction, whether commissive or omissive, must be developed while respecting democratic and constitutional principles, where the inexistence of public authority supremacy over private in present day fiscal federalism stands out. Within this paradigm, the aim of this paper is to discuss the inductor tax norm in fiscal federalism.

    Key words: inductor tax norm, extrafiscality, intervention limits of state action, fiscal federalism.

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    Apud (latim) citado por, conforme; indica fonte de uma citao indireta. Art. Artigo Cf. Conforme / Confira (usada em notas bibliogrficas) Cit. Obra citada (usada para notas bibliogrficas) ed. Edio Ed. Editor Ex. Exemplo Idem Idntico (usada para notas bibliogrficas) Org. Organizador p. Pgina (pg.) v. Designa volume (vol.) de livro (usado em notas bibliogrficas)

  • LISTA DE SIGLAS

    AgR Agravo Regimental AI Agravo de Instrumento CF Constituio Federal CF/88 Constituio Federal de 1988 CIDE Contribuio de Interveno no Domnio Econmico COFINS Contribuio para Financiamento da Seguridade Social CPMF Contribuio Provisria sobre Movimentao CSLL Contribuio Social sobre Lucro Lquido CTN Cdigo Tributrio Nacional DF Distrito Federal DJ Dirio da Justia EC Emenda Constitucional ED Embargos de Declarao IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBPT Instituto Brasileiro de Planejamento Tributrio ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios IDH ndice de Desenvolvimento Humano IE Imposto sobre Exportao II Imposto de Importao IOF Imposto sobre Operaes Financeiras IPRF Imposto de Renda das Pessoas Fsicas IPRJ Imposto de Renda das Pessoas Jurdicas IPTU Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana IPVA Imposto sobre Propriedade de Veculos Automotores IR Imposto de Renda ISSQN Imposto sobre Servios de Qualquer Natureza (o mesmo que ISS) ITBI Imposto de Transmisso de Bens Imveis ITCMD Imposto de Transmisso Causa Mortis e Doao (mesmo que ITCD) IVA Imposto de Valor Agregado LC Lei Complementar MG Minas Gerais PIB Produto Interno Bruto PIS Programa de Integrao Social PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PR Paran RE Recurso Extraordinrio RESP Recurso Especial SP So Paulo STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justia

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .......................................................................................................12 2 O ESTADO, OS TRIBUTOS E A ECONOMIA.......................................................18 2.1 Histrico da atuao estatal e a economia .....................................................19 2.2 A poltica fiscal e o desenvolvimento econmico no Brasil aps 1988 .......24 2.3 Do papel desenvolvimentista da extrafiscalidade..........................................29 3 O FEDERALISMO FISCAL....................................................................................32 3.1 Das origens do federalismo .............................................................................32 3.2 Da funo do tributo dentro do federalismo...................................................39 3.3 Do federalismo e o desenvolvimento econmico ..........................................47 3.4 O princpio da subsidiariedade e o federalismo fiscal...................................50 3.5 Da induo tributria e o federalismo .............................................................52 4 DA TEORIA DE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES .........................................59 4.1 Das diversas formas de igualdade de oportunidade para Rawls..................66 4.1.1 Igualdade formal de oportunidades..............................................................62 4.1.2 Igualdade substantiva de oportunidades.....................................................62 4.1.3 Igualdade democrtica de oportunidades....................................................63 4.1.4 Outras formas de igualdade ..........................................................................64 4.2 A meritocracia e a igualdade de oportunidades.............................................66 4.3 Anlise da igualdade de oportunidades e os princpios de justia ..............68 4.4 Da legitimidade das aes governamentais de Dworkin...............................69 4.5 Da igualdade de oportunidades aplicadas no federalismo fiscal .................73 5 AS LIMITAES DO PODER DE TRIBUTAR E A NORMA INDUTORA.............75 5.1 Dos princpios e das regras .............................................................................77 5.2 O princpio da capacidade contributiva sob o aspecto indutor ....................85 5.3 Da aplicao do princpio da isonomia na norma tributria indutora ..........92 5.4 Dos princpios da razoabilidade e da proporcionalidade ..............................96 5.5 Os princpios da seletividade, no cumulatividade e no confisco .............98 5.6 Os princpios da progressividade, da generalidade e da universalidade................................................................................................104 5.7 Os princpios da segurana jurdica (no surpresa), da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade ......................................................................107 5.8 O princpio da liberdade de trfego ...............................................................112 5.9 Isenes, imunidades e figuras sui generis .................................................115 5.9.1 Figuras sui generis.......................................................................................120 6 DA INEXISTNCIA DA SUPREMACIA DO INTERESSE PBLICO SOBRE O PRIVADO COMO PRECEITO LIMITADOR DA NORMA TRIBUTRIA INDUTORA...............................................................................................................124 6.1 Da unicidade da Constituio ........................................................................124 6.2 Da inexistncia do prevalecimento do pblico sobre o privado.................127 7 DA NORMA TRIBUTRIA INDUTORA COMO FORMA DE ATUAO ESTATAL NO FEDERALISMO FISCAL ..................................................................................131

  • 7.1 O sistema tributrio e a extrafiscalidade.......................................................137 7.1.1 Da importncia do aspecto finalstico da norma tributria dentro do paradigma extrafiscal ...........................................................................................140 7.2 A extrafiscalidade como gnero da espcie indutora..................................144 7.2.1 A extrafiscalidade e as multas tributrias..................................................150 7.3 Das diversas formas de atuao da norma tributria indutora...................154 7.3.1 Induo tributria comportamental positiva..............................................156 7.3.2 Induo tributria comportamental negativa.............................................158 7.3.3 Da materializao da extrafiscalidade indutora.........................................160 7.3.3.1 Tributos federais .......................................................................................164 7.3.3.2 Tributos estaduais.....................................................................................172 7.3.3.3. Tributos municipais .................................................................................175 7.4 Da norma tributria indutora no direito comparado.....................................177 7.4.1 Estados Unidos da Amrica ........................................................................177 7.4.2 Alemanha ......................................................................................................180 7.4.3 Espanha ........................................................................................................182 8 CONCLUSO ......................................................................................................183 REFERNCIAS.......................................................................................................195

    ANEXOS ................................................................................................................210

  • 12

    1 INTRODUO

    A delimitao do tema crucial para entendermos a presente dissertao, na qual se pretende estabelecer a correlao entre o federalismo fiscal1 e as normas tributrias indutoras2 compromissadas com a promoo do desenvolvimento econmico nacional, por meio de uma poltica de preservao da propriedade, das liberdades e da igualdade de oportunidades dentro do federalismo fiscal.

    A tributao moderna no est mais adstrita ao oramento fiscal ou seja, no simplesmente um meio de obter recursos para o Estado e sim constitui hoje um dos principais instrumentos de repartio de riquezas e desenvolvimento econmico (SPAGNOL, 2002, p.17-8.)

    A justificativa da eleio do tema alicerada na importncia de se entender quais os melhores caminhos a seguir, especialmente se analisados os novos paradigmas institudos com o estgio de desenvolvimento econmico em que se encontra o Brasil neste incio de sculo XXI, passando o pas a ocupar posio de destaque no cenrio mundial.

    O cenrio econmico mundial inquestionavelmente favoreceu o pas; contudo, no se pode esquecer que o desenvolvimento hodiernamente atravessado decorre em grande parte dos ainda novos paradigmas institudos aps a Carta de 1988, onde se asseverou a criao de um modelo de Estado federalista comprometido com a promoo do desenvolvimento em consonncia com a resoluo dos problemas sociais, respeitados os princpios fundamentais, por meio de uma poltica de isonomia de oportunidades.

    O problema posto se divide em diversos aspectos que obrigatoriamente devem interagir, de onde se destaca a elevada carga como entrave ao crescimento, a escassez de recursos para os investimentos necessrios; a necessidade de promover uma poltica de igualdade de oportunidades, garantindo a todos o mnimo necessrio para o desenvolvimento de suas potencialidades bsicas; a necessidade

    1 Federalismo fiscal em nosso entendimento representa uma correlao das providncias

    constitucionais direcionadas ao financiamento e manuteno dos entes federados, seus rgos, servios e polticas pblicas com vistas satisfao de suas demandas nas respectivas esferas de competncias (Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios). 2 No se pode desconsiderar a importncia das funes extrafiscais e fiscais do tributo.

  • 13

    de se criar um ambiente federativo com o desenvolvimento linear e harmnico entre os entes estaduais e municipais.

    Prescinde o Estado do dever de instituir polticas que visem fomentar a integrao de toda a sociedade em prol de uma teoria de igualdade de oportunidades, como aquela apregoada por John Rawls (2008), permitindo aos indivduos o desenvolvimento de suas potencialidades respeitadas suas diferenas de escolhas, de modo que preliminarmente essas diferenas decorram to somente do fruto dessas escolhas e no de situaes alheias sua verdadeira vontade.

    A criao de uma poltica paternalista de igualdades absolutas no nos parece a mais adequada medida, eis que tal posicionamento se mostra to nefasto ao desenvolvimento das potencialidades do indivduo quanto a prpria omisso do ente pblico para com seus concidados, uma vez que estimula o cio do indivduo e, , por conseguinte, desestimula o trabalho, acabando por gerar improdutividade e dependncia eterna da ajuda do Estado.

    Dentro de um curto lapso temporal, as polticas de bolsa estatais demonstram-se extremamente eficientes, eis que promovem a circulao de renda para uma camada da populao antes desprovida desse recurso. Contudo, a longo prazo as polticas de renda consubstanciadas em bolsas estatais eternas no oferecem uma poltica de igualdade de oportunidades, uma vez que retiram o estmulo ao indivduo para desenvolver suas prprias potencialidades, diante do incondicional fornecimento dessas benesses, no resultando desse processo nenhum desafio para o autodesenvolvimento desses beneficiados.

    Em outro giro, a poltica de bolsas conduz ao maior endividamento do Estado, e por consequncia retira da economia parcela de investimentos que antes estaria destinada ao financiamento das atividades essenciais do Estado, como aquelas vinculadas educao e sade, quesitos hodiernamente relegados a segundo plano pelo modelo estatal vigente; por via de consequncia, sero necessrios cada vez mais recursos diante do natural aumento de seus dependentes.

    O resultado de uma poltica eterna de bolsas obvio: o esvaziamento de recursos para outros investimentos, necessrios aos outros setores estratgicos (sade, educao, segurana e infraestrutura), transformando o Estado em mero distribuidor de recursos pblicos para indivduos dependentes e desestimulados.

    Por outro lado, no h que se permitir a inrcia do Estado em assegurar a dignidade do indivduo, o que de fato defronta com o ordenamento constitucional,

  • 14

    uma vez que este apregoa a garantia de direitos fundamentais e individuais, sobrelevando a garantia sade, educao, ao estmulo ao desenvolvimento econmico e preservao da propriedade.

    Significativo quinho dos recursos pblicos hoje existentes se encontra comprometido com o financiamento da pesada mquina administrativa, que se v obrigada a constantes aumentos de tributos, causando mais entraves produo, o que gera por via de consequncia obstculos ao desenvolvimento e gerao de empregos.

    A presente dissertao tem como objetivos gerais a realizao de profunda reflexo acerca da utilizao das normas tributrias indutoras no federalismo fiscal como forma de promover o desenvolvimento econmico.

    Os tributos, entendidos como sustentculo do sistema fiscal, devem ser consubstanciados na manuteno das aes estatais bsicas; por consequncia, se faz necessria a adequada aplicao desses recursos de modo a estruturar a promoo do desenvolvimento econmico como forma de efetivar a garantia de direitos dentro de uma teoria de igualdade, com a qual somente assim ser possvel a melhoria de vida de seus concidados, por meio de estmulos ao desenvolvimento de suas potencialidades.

    A soluo desse complexo quebra-cabea passa pela implantao de polticas pblicas estacadas profundamente na integrao dos trs vrtices do problema, de modo a solucionar a questo da carga tributria como entrave ao crescimento econmico, institudo sob um paradigma comprometido com a gerao de igualdade de oportunidades bsicas em consonncia com a meritocracia e com a garantia da propriedade em seu sentido amplo dentro do modelo de federao.

    Nesse cenrio, tm-se como objetivo especfico da presente dissertao a anlise do federalismo fiscal na utilizao da funo do tributo como norma tributria indutora, considerada esta uma espcie na qual o gnero a extrafiscalidade, dentro de uma concepo na qual inexiste a primazia da supremacia do interesse pblico sobre o privado.

    O dueto formado composto pelo desenvolvimento e pelas polticas fiscais representa um norte para a delimitao das normas tributrias indutoras do Estado, com a conjugao de condies e fatores para promover o desenvolvimento econmico regional, dentro do modelo federativo sob o paradigma da criao de uma poltica de igualdade de oportunidades primrias.

  • 15

    As ponderaes expostas ganham destaque com o desenvolvimento econmico do Brasil enfrentado aps a crise econmica de 2008, destacando-se como economia emergente.

    O crescimento econmico consistente preserva correlao direta com a questo estrutural, destacada no texto da Constituio de 1988, onde se representou significativa evoluo da conscincia do dever e da necessidade do Estado de promover o desenvolvimento nacional, por meio da utilizao do tributo como instrumento de induo comportamental, institudo com base em ponderaes estabelecidas como de forma a consubstanciar determinados efeitos socio econmicos.

    Necessrio se faz o aprofundamento do tema, eis que a atuao extrafiscal por meio das normas tributrias indutoras se apresenta como mecanismo preponderante para o fomento do desenvolvimento econmico macrorregional no federalismo, estimulando a propagao de seus reflexos nas polticas de igualdade de oportunidades como forma de promover a reduo das desigualdades sociais e regionais.

    Nesse cenrio a sociedade ser mais justa quanto as diferenas de riquezas forem decorrentes de diferenas nas ambies e escolha das pessoas, e tanto mais injusta quanto as diferenas de riquezas forem decorrentes de circunstncias no escolhidas pelos indivduos (GODOI, 1999, p.107).

    Nesse paradigma as polticas pblicas devem se comprometer com a integrao do problema, de modo a solucionar a questo da carga tributria como entrave ao crescimento econmico, transformando-a em aliada para a induo de comportamentos comissivos ou omissivos que fomentem o desenvolvimento dentro da isonomia de oportunidades no federalismo fiscal, delimitado pelos limites ao poder de tributar impostos pelos princpios constitucionais tributrios.

    A criao de tributos indutores extrafiscais deve ser obrigatoriamente precedida da anlise de que inexiste a supremacia do interesse pblico sobre o privado, fator anteriormente justificante para inmeras arbitrariedades cometidas contra os direitos fundamentais, em especial a propriedade privada e a capacidade contributiva.

    A extrafiscalidade significa o uso dos tributos para finalidades diversas da arrecadao de recursos para os cofres pblicos; nesse sentido instrumento para polticas sociais, econmicas, culturais e outras desejveis pelo legislador. Este o caso da tributao de produtos suprfluos ou

  • 16

    danosos sade pblica, tais como: cigarro, bebidas, jogos, carros esportivos, entre outros (CALIENDO, 2008, p.283),

    A adequao da utilizao da extrafiscalidade na forma indutora perpassa caminhos que muitas vezes representam a adequao de conceitos tradicionais s necessidades impostas pelo texto da Constituio e ao modelo de Estado institudo, tal como ocorre na questo da pseudo supremacia do interesse pblico, bem como nas questes que envolvem a aplicabilidade do princpio da igualdade.

    A garantia de uma igualdade de oportunidades, instituda como uma igualdade/desigualdade valorativa que no se esgota neste juzo de forma ftica parcial de modo que implica a consequncia jurdica de se determinar o mesmo tratamento (no em todos os aspectos, mas em determinados aspectos para dois indivduos ou duas situaes) (GODOI, 1999, p.131), conforme destaca Klaus Tipke, para quem:

    A igualdade, que no se distingue da identidade, sempre relativa. O que completamente igual idntico. O princpio de que o igual deve ser tratado igualmente no quer dizer idntico, mas relativamente igual (TIPKE, 1984, p. 515).

    Dessa feita, tem-se que a presente dissertao tem como hiptese a utilizao da norma tributria indutora no federalismo fiscal como meio de consubstanciar a atuao do Estado, que detm a precpua funo de atuar como fomentador do desenvolvimento econmico e social, criando uma integrao dialgica de toda sociedade.

    O tributo, nesse corolrio, ocupa posio de destaque, frente sua influncia no cenrio nacional e frente a possibilidade de sua utilizao no s como mecanismo fiscal, mas tambm na sua forma utilitria extrafiscal indutora como meio de promover o desenvolvimento econmico conjugado com a instituio de polticas de igualdade de oportunidades em toda a federao, consubstanciadas no respeito dos direitos fundamentais e delimitadas pelos princpios constitucionais tributrios.

    Dessa forma pretende-se debater as normas tributrias indutoras no federalismo fiscal, que ter como embasamento terico a pesquisa de doutrinas, jurisprudncias e legislaes nacionais e estrangeiras que possam constituir pressupostos orientadores da tese posta, realizando em determinados pontos do

  • 17

    trabalho utilizao do direito comparado para demonstrar o funcionamento desses institutos em alguns outros Estados.

    A linha de pesquisa adotada permeia o Estado, a Constituio e a sociedade no paradigma democrtico de direito, com foco central no federalismo fiscal e na utilizao de normas tributrias indutoras, no qual dois tipos de pesquisa se mostram necessrias, utilizando-se de diversas fontes, quais sejam: a pesquisa bibliogrfica, constituda principalmente de artigos cientficos, doutrinas e legislaes, e a pesquisa jurisprudencial, constituda principalmente de alguns julgados de diversos tribunais nacionais e estrangeiros.

  • 18

    2 O ESTADO, OS TRIBUTOS E A ECONOMIA

    A tributao sempre representou para o Estado a principal fonte de financiamento de suas atividades, variando conforme o perodo e seus respectivos governantes, que comumente se utilizavam desse instrumento como fonte de renda para financiamento de suas atividades finalsticas e a garantia de direitos constitucionais

    Aos poucos, com a alternncia de governos, foram implantadas novas polticas econmicas, que passaram a se utilizar do tributo com o propsito maior do que a mera arrecadao, revelando utilizao com a finalidade extrafiscal, muitas vezes utilizada de forma dissociada da funo indutora do tributo, ou seja, sem o fito de criar comportamentos comprometidos com o desenvolvimento econmico e social.

    Neste sentido, Paulo Caliendo (2008) destaca a importncia da anlise econmica da tributao:

    O estudo econmico da tributao possui uma longa histria onde podemos citar os estudos de David Ricardo sobre o dficit pblico (1817); de Cournot (1838) sobre a incidncia da tributao nos mercados imperfeitos; de Edgeworth (1925) sobre os efeitos os efeitos nas firmas e em Pareto (1909) nos fundamentos das decises sociais. praticamente certo em termos econmicos que nenhuma economia pode operar sem a existncia de uma base mnima de organizao institucional e que, por sua vez, esta base requer ser financiada (... laws cannot be policed free of costs). Portanto, desse fato duas ordens de preocupao tm sido desenvolvidas na teoria econmica: equidade e eficincia. De um lado, o Estado deve implementar suas polticas com o mnimo de efeitos para a sociedade (minimum loss to society). Minimizar seus efeitos uma das exigncias da eficincia econmica. Por outro lado, o Estado deve agir para obter a mais equitativa distribuio de bens na sociedade, especialmente, perante o fato de vivermos em uma sociedade em que o mercado imperfeito e existem motivaes decorrentes de vontade de promoo de polticas publicas de bem estar social (welfare-motivated policies). Este pode ser considerado o aspecto da equidade nas polticas de finanas publicas (CALIENDO, 2008, p.17-8).

    As mais diversas formas de interveno estatal na economia, dissociadas de polticas de eficincia econmica e de medidas indutoras para a promoo do desenvolvimento econmico, se mostraram to temerrias como ineficincia estatal e o comprometimento do federalismo fiscal com a tredestinao do produto arrecadado com os tributos, no contribuindo para a efetivao das finalidades

  • 19

    originariamente postas como a garantia de uma igualdade de oportunidades e a reduo das desigualdades regionais.

    2.1 Histrico da atuao estatal e a economia

    As economias nacionais no sculo XX, mais precisamente na dcada de 1930, no perodo compreendido entre a I e a II Grande Guerra Mundial, de onde sobressaem grandes acontecimentos, como a queda da Bolsa de Nova York, smbolo da grande depresso de 1930, viram-se mergulhadas em um verdadeiro colapso financeiro, responsvel pela crise econmica global em propores nunca vistas, geradora de uma histeria generalizada entre todos os governantes dos Estados nacionais, obrigando-os a institurem mecanismos de maior interveno na economia para minimizar esse colapso.

    Nesse cenrio, as mudanas na economia passam a ser compreendidas e estudadas por diversos autores intervencionistas, dentre eles John Maynard Keynes por meio da obra O Fim do Lassez-faire (1978) e Richard Musgrave por meio da obra A Teoria das Finanas Pblicas: um Estudo de Economia Governamental (1974), inaugurando uma viso crescente acerca de uma maior interveno estatal insurgindo com novos pressupostos econmicos (BERCOVICI, 2005, p.45), atribuindo ao Estado novas funes econmicas.

    As idias intervencionistas apregoadas por Keynes (1978) e por Musgrave (1974) representaram um importante contraponto s idias liberais defendidas por autores de relevo como Adam Smith (1776) e Alexis de Tocqueville (1832).

    Na obra La democratie in Amrique (1832), Tocqueville apregoa que aos cidados devem ser assegurados direitos individuais consubstanciados de forma a equilibrar a atuao estatal; por sua vez, o enfraquecimento desses direitos permite a maior expanso da concentrao dos poderes do Estado, persistindo um eterno conflito.

    Em contraponto, Keynes, em sua obra O fim do laissez-faire 3, passou a prescrever uma maior atuao interventiva do Estado, de modo que a doutrina intervencionista passou a classificar a atuao estatal sob trs formas distintas: a) a 3 Publicada a primeira vez em 1926.

  • 20

    alocativa, tendo como objetivo principal promover ajustes na alocao de recursos; b) a estabilizadora, destinada manuteno da estabilidade por meio de planejamento de polticas pblicas; c) a distributiva, encarregada de buscar a adoo de instrumentos de distribuio de renda dentro de uma poltica de respeito aos direitos adquiridos e propriedade.

    Ao Estado, sob a tica intervencionista, foi imbuda a tarefa de instituir polticas pblicas de promoo do desenvolvimento econmico em conjunto com o compromisso de buscar a soluo de problemas sociais e de garantir o pleno exerccio da cidadania dos indivduos menos favorecidos de recursos.

    A valorizao de uma maior atuao estatal para a promoo do desenvolvimento econmico e social foi materializada na evoluo do ordenamento jurdico constitucional brasileiro e positivada pela primeira vez no texto constitucional nos anos 1930, perpetuando-se em todas as demais Constituies, galgando significativas evolues at os dias atuais, quais sejam:

    a) na Carta Constitucional de 1934, ao inserir o captulo referente ordem econmica, social e os direitos trabalhistas, fazendo meno proteo da concorrncia entre as empresas como forma de fomentar a economia popular; b) em 1937, ao equiparar os crimes contra a economia popular aos crimes contra o Estado; c) aps o Estado Novo, em 1946, ao destacar a implantao de polticas econmicas para a reduo dos desequilbrios regionais e assegurar a interveno estatal para atenuar os desequilbrios gerados pelos mercados, inaugurando a era do Estado empresrio, que passa a gerir segmentos antes desprezados pela iniciativa privada; d) durante a ditadura militar, de 1967 e 1969, ao adotar medidas de maior intervencionismo na iniciativa privada, por meio da estatizao, pela formulao e implantao dos chamados Planos Nacionais de Desenvolvimento e ao incentivar a instalao de grupos transnacionais no Brasil.

    Na dcada de 1930 foi fortificado o conceito acerca da necessidade de se implantar polticas de desenvolvimento econmico, atreladas s solues de

  • 21

    problemas sociais enfrentados principalmente pela grave crise mundial que refletia no Brasil seus efeitos.

    Essa assuno se materializou de modo mais significativo no Brasil no sculo XX e foi manifestada inicialmente na Constituio Federal de 1934; contudo, suas origens remontam a aes polticas na Europa do sculo XVI.

    No inicio do sculo XVI observa-se claramente o impacto poltico-econmico causado pela queda do absolutismo concentrador e pouco eficiente em todas as reas, em virtude das Revolues Burguesas, Gloriosa (1525), que avanam at o sculo XVIII, alcanando a Revoluo Francesa (1789), aliceradas em ideais iluministas, cujas repercusses consagraram o modelo de Estado liberal ou abstencionista, como o chama Odete Medauar (2006, p.24), caracterizado pelo distanciamento estatal em relao vida social, religiosa e econmica do indivduo.

    poca o modelo intervencionista procurou combater o modelo anterior, caracterizado pelas garantias ao indivduo para o exerccio pleno de seus direitos, preservando-o das injunes estatais e consolidando uma concepo econmica prpria, cujo princpio bsico residia na completa absteno do Estado sobre as relaes socioeconmicas, sociais e polticas.

    A transio do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro, a partir da segunda metade do sculo XIX, atrelada segunda fase da Revoluo Industrial, aumentou de tal maneira a produo de bens na Inglaterra, na Frana e nos Estados Unidos que desde 1870 configuraram-se crises do sistema, das quais a Grande Depresso de 1929 foi o pice.

    O modelo liberal se mostrou frgil frente crise mundial, uma vez que o prprio mercado se encontrava fragilizado e o Estado demonstrou sua ineficincia para solucionar os graves problemas econmicos, que lanaram seus nefastos efeitos nas reas da sade, educao, segurana, dentre outras, causando um descompasso na lei da oferta e da procura.

    Frente ao descompasso entre a lei da oferta e da procura, a poltica do New Deal, aplicada por Roosevelt na economia americana, nada mais foi do que a clara interveno estatal na economia para socorrer o capital interno, facilitar o crdito, restringir as importaes e trazer de volta para os EUA capitais americanos at ento investidos em pases europeus.

    Enquanto a economia interna americana, como resultado do New Deal, se recuperou, a grave crise poltico-econmica instalou-se em pases europeus como

  • 22

    Itlia, Alemanha, Portugal e Espanha, que no possuam economias to fortes quanto a francesa e a inglesa, que garantiram uma economia independente das importaes e do capital norte-americano.

    Outras feies da ao intervencionista por parte do Estado so observadas no fascismo italiano, no nazismo alemo, no franquismo espanhol, no salazarismo portugus e no governo de Vargas no Brasil.

    No obstante esse cenrio, observam-se a existncia de aes intervencionistas diversas, como aquelas em pases recm-sados de uma estrutura feudal, tal qual a Rssia, que optaram por abandonar o sistema capitalista e criar num novo sistema, o socialismo, com a interveno estatal exacerbada na economia, vislumbrando a criao de uma sociedade igualitria e com a supresso dos direitos polticos, at ento garantidos pelos princpios liberais.

    A crescente mobilizao das massas populares e o medo de que o proletariado internacional se deixasse seduzir pelos ideais revolucionrios do Leste Europeu ensejou a evoluo do sistema capitalista para o Estado social, o welfare state, caracterizado pela interveno estatal na economia e pela busca em realizar a justia social utpica e muitas vezes impraticvel.

    Com maestria, destaca Paulo Bonavides:

    (...) quando o Estado, coagido pela presso das massas, pelas reivindicaes que a impacincia do Quarto Estado faz ao poder poltico, confere no Estado Constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdncia, da educao, intervm na economia como distribuidor, dita o salrio, manipula a moeda, regula os preos, combate o desemprego, protege os enfermos, d ao trabalhador e ao burocrata a casa prpria, controla as profisses, compra a produo, financia as exportaes, concede o crdito, institui comisses de abastecimento, prov necessidades individuais, enfrenta crises econmicas, colocando na sociedade todas as classes na mais estreita dependncia de seu poderio econmico, poltico e social, em suma, estende sua influncia a quase todos os domnios que dantes pertenciam, em grande parte, rea da iniciativa individual, nesse instante o Estado pode com justia receber a denominao de Estado Social (BONAVIDES, 1999, p.205).

    Posteriormente ao colapso enfrentado na dcada de 30, novas turbulncias ocasionaram o ressurgimento dos ideais liberais, sob nova forma de constituio e de pensar, inaugurando o pensamento neoliberal, doutrina poltico-econmica que pretendia adaptar o modelo liberal s novas condies do capitalismo do sculo XX, fazendo o Estado mnimo, o contraponto ao Estado social.

  • 23

    Segundo Bonavides (1999, p.2002-12), o neoliberalismo inaugurado passou a defender a menor interveno do Estado na economia, ressalvadas as medidas necessrias manuteno da ordem econmica de livre concorrncia, evitando as tendncias monopolsticas, o que caracteriza a ruptura do pensamento de Keynes4 e o surgimento de um novo modelo de liberalismo econmico com a fixao de uma hierarquia de legitimidade das despesas pblicas, por referncia a um discurso sobre as necessidades sociais.

    Esse pensamento neoliberal que passou a primar pela maior liberdade econmica e pela flexibilizao laboral visando ao bem-estar social tambm se mostrou ineficaz, afinal, tornou-se tarefa rdua conciliar lucro, eficincia e bem-estar social dentro de um mundo globalizado.

    Observa-se que a internacionalizao dos mercados econmicos gerou resultados contraditrios, manifestados pelo grande desenvolvimento da economia capitalista e consequente repercusso nos sistemas financeiros internacionais, mas tambm trouxe mostra o problema social manifestado pelos baixos investimentos em educao, sade e segurana, o que por sua vez conduziu a formao de uma gerao de uma camada da populao excluda e despreparada para enfrentar o mercado de trabalho.

    Na dcada de 1980, pases como o Brasil, detentores de pouco capital e com elevadas taxas de juros, aumentaram a atratividade pelo investimento nos setores financeiros, gerando como efeitos colaterais o desestmulo aos investimentos, produo e a baixa competitividade nos mercados internacionais.

    O novo cenrio mundial impulsionou fortes mudanas insurgindo a necessidade de se criar um ambiente propcio ao indivduo para que este possa desenvolver todas as suas potencialidades e, ao mesmo tempo, exista a prevalncia do respeito propriedade em harmonia com o desenvolvimento econmico.

    Ao Estado cabe a instituio de uma poltica com o objetivo de garantir o pleno exerccio da cidadania, o fornecimento de um padro de vida mnimo e decente a todos os membros da sociedade, conforme asseveraram Murphy e Nagel:

    H ainda os que alegam, em nome da igualdade de oportunidade, que todos deveriam ter acesso a um mnimo de educao escolar e de sade. Ora, isso extremamente desejvel, mas no por configurar uma maior igualdade de oportunidade, mas por aumentar a competio. Numa

    4 Pensamento defendido por KEYNES, John Mayanard, na obra O Fim do laissez-faire.

  • 24

    sociedade livre, a melhoria da qualidade do estoque humano aumenta a produo, a qualidade de vida, o respeito s regras. A questo a ser colocada , qual deve ser esse mnimo? (MURPHY: NAGEL, 1999, p.124).

    Nesse contexto, cristaliza-se o entendimento que se faz necessrio efetiva atuao estatal como forma de garantir uma igualdade relativa de oportunidades para garantir direitos individuais necessrios ao desenvolvimento econmico no sistema federalista.

    2.2 A poltica fiscal e o desenvolvimento econmico no Brasil aps 1988

    Na Constituio Dirigente5 de 1988 foi inserido o dever de a administrao pblica atuar na ordem econmica e social como promotora do desenvolvimento responsvel pela reduo das desigualdades, conforme previsto em seu prembulo: o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar e o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (BRASIL, 1988).

    O Estado, sob a gide da Constituio de 1988, possui como objetivos precpuos garantir o desenvolvimento nacional e ao mesmo tempo buscar a reduo das desigualdades sociais6, a erradicao da pobreza e da marginalizao social, dentro de um contexto focado na reduo das desigualdades regionais.

    O desenvolvimento econmico na Constituio de 1988 foi inserido dentro de uma dissociao terica com a erradicao das desigualdades sociais e com o dever de garantir o pleno exerccio da cidadania, como fundamentos do Estado Democrtico Brasileiro, conforme prescreve o texto constitucional:

    Art. 170. A ordem econmica ser fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existncia

    5 Para a Teoria da Constituio Dirigente, a Constituio no s garantia do existente, mas

    tambm um programa para o futuro. Ao fornecer linhas de atuao para a poltica, sem substitu-la, destaca a independncia entre o Estado e a sociedade: a Constituio Dirigente uma Constituio estatal e social (BERCOVICI, 2005, p.35). 6 Art. 3: Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil: I) construir uma

    sociedade livre e solidria; II) garantir o desenvolvimento nacional; III) erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao (Constituio Federal, 1988).

  • 25

    digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: I - soberania nacional; II - a propriedade privada; III - funo social da propriedade; IV - livre concorrncia; V - a defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente (...); VII - reduo das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constitudas sob as leis nacionais, cuja sede e administrao sejam no Brasil (BRASIL, 1988).

    Ressalte-se que tanto o desenvolvimento quanto a dignidade da pessoa humana so direitos fundamentais e que o direito ao desenvolvimento ora tratado no apenas em relao ao econmico, mas ao desenvolvimento intelectual, poltico e social do indivduo.

    A Constituio Brasileira de 1988, dentro de um posicionamento dirigente e efetivo na seara econmica, assume o papel de agente responsvel pelo planejamento e instituio de polticas pblicas de desenvolvimento econmico, em conjunto com a garantia de uma igualdade bsica de oportunidades.

    Para Eros Roberto Grau (2003), a ordem econmica constitucional possui uma configurao peculiar, uma vez que adotou como modelo econmico o sistema capitalista, e postula um modelo de bem-estar social que dever ser alcanado por meio das polticas pblicas institudas pelo Estado.

    Destarte, foi positivado pelo Direito brasileiro o dever de o Estado, e consequentemente do administrador pblico, buscar o desenvolvimento econmico e ao mesmo tempo atuar de forma de reduzir as desigualdades sociais existentes, por meio de aes que visem a garantir ao indivduo o desenvolvimento de suas potencialidades bsicas dentro do modelo federalista vigente.

    notria a dificuldade prtica em compatibilizar esses dois objetivos no Estado democrtico: primeiro porque os interesses econmicos e o mercado, na maioria das vezes, conduzem para uma estrutura de menor interveno estatal e, por sua vez, as polticas sociais exercem maior presso por uma ao em sentido contrrio, exigindo cada vez mais investimentos maiores, refletindo-se, portanto, no aumento da carga tributria.

    O equilbrio dessa equao consiste em atuar promovendo o desenvolvimento e garantindo a propriedade de modo a estimular o aumento da renda, assegurando a prosperidade e a diminuio da desigualdade social, por meio de polticas de igualdade de oportunidades institudas em todas as regies da federao.

  • 26

    Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o Brasil da entrada do sculo XXI se posiciona entre como um pas de grandes desigualdades scias ao atribuir a 1% dos mais ricos da populao a mesma riqueza que os outros 50% mais pobres, onde os 10% mais ricos ganham 18 vezes a mais do que os 40% mais pobres.

    Apenas 10% dos brasileiros detm 50% do total da renda de toda a populao e os outros 50% dos brasileiros detm apenas 10% da renda nacional.

    A desigualdade nacional no enfrentada apenas em relao aos indivduos, mas tambm em relao aos entes federativos, uma vez que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (2002), apenas uma regio (Sudeste) do Brasil detm mais de 60% do produto arrecadado, ficando as outras quatro regies com o restante.

    Nesse contexto, o Estado, na condio de maestro (administrador), assume a precpua funo de promover o desenvolvimento econmico e social como forma de promover o crescimento econmico e a igualdade de oportunidades dentro do pacto federativo brasileiro.

    Dentro da nova perspectiva inaugurada pela Constituio de 1988, a promoo do desenvolvimento econmico como forma de criar a prosperidade do indivduo surge no s como uma necessidade, mas tambm como um poder-dever do Estado, imbudo de larga autonomia para a definio de suas polticas pblicas, de onde sobressaem as questes de ordem tributria como ferramenta imprescindvel obteno dessa finalidade.

    Prioritariamente, o tributo deve ser considerado com dever patritico, manifestado sob a forma de encargo indispensvel ao financiamento das atividades do Estado comprometido com a promoo do desenvolvimento econmico, com a manuteno da segurana, da propriedade, da sade e da educao como meios de assegurar aos indivduos igualdade de oportunidades para que eles possam desenvolver suas escolhas.

    O jurista portugus Jos Casalta Nabais (2003) destaca que o contribuinte tem o dever fundamental de pagar impostos, uma vez que possui a obrigao solidria de contribuir para o custeio da mquina estatal, sem o qual no possvel ao Estado o desenvolvimento de suas atividades.

    Ricardo Lobo Torres (TORRES apud GODOI, 1999, p.183) ressalta que o tributo nasce no espao aberto pela autolimitao da liberdade, constitui o preo da

  • 27

    liberdade, pois o instrumento que distancia o homem do Estado. Prioritariamente, o tributo deve ser considerado como dever patritico, manifestado sob a forma de encargo indispensvel ao financiamento das atividades do Estado comprometido com a instituio de polticas sociais.

    A economia capitalista de mercado o melhor meio que dispomos para gerar empregos, criar riquezas, empregar o capital na produo e distribuir bens e servios. Por outro lado, ela inevitavelmente gera grandes desigualdades econmicas e sociais, que frequentemente se tornam hereditrias e que, a menos que se tomem medidas especiais para combater esses efeitos, deixam um segmento significativo da sociedade em condies de privao no s relativa como absoluta (MURPHY: NAGEL, 2008, p.249)

    As polticas fiscais se posicionam como elo de funo inversamente proporcional entre o desenvolvimento econmico, onde assumem a postura de encargo necessrio, e as polticas sociais, com a funo de financiadoras das atividades.

    Desde os primrdios da criao do Estado, os tributos tornaram-se uma eficiente ferramenta de arrecadao para a manuteno desse sistema, demonstrando que, quanto maior o Estado, maior ser naturalmente seu custo; a questo naturalmente remonta questo do equilbrio, uma vez que tributos em excesso acabam por limitar e privar de recursos as atividades empreendedoras e retiram do mercado significativa parcela de recursos que antes poderiam estar sendo empenhadas em atividades produtivas.

    Segundo estudo promovido pelo Programa para Desenvolvimento (PNUD) das Organizaes das Naes Unidas (ONU, 2011) 7, o qual avaliou em 2010 o ndice de desenvolvimento humano (IDH), o Brasil ostenta a 73 posio no ranking de pases, no qual Noruega, Austrlia, Nova Zelndia, Estados Unidos e Irlanda ocupam as primeiras posies. Destaca-se que, dentro do no to desenvolvido continente latino-americano, o Brasil encontra-se atrs de pases como Argentina, Chile, Uruguai, Panam, Mxico, Costa Rica e Peru.

    Nesse contexto, a lgica desafiadora, eis que a carga tributria brasileira ocupa mais de um tero do produto interno bruto (IBPT, 2011), composta por 61 tributos (taxas, impostos, contribuies), maior inclusive do que a japonesa (35%), a

    7 Vide o Anexo II a este estudo, onde analisado o ndice de Desenvolvimento no Mundo.

  • 28

    norte-americana (34%) e a chinesa (18%), o que antagonicamente no se reflete em melhoria de igualdade de oportunidades, diante do inexpressivo posicionamento brasileiro no IDH.

    A carga tributria brasileira compromete atualmente mais de 1/3 da participao do produto interno bruto nacional e insere o Brasil na lista8 dos 14 pases com as mais elevadas cargas fiscais do mundo, ao lado de Frana, Alemanha e Sucia, sem conduto promover o mesmo retorno para a populao que esses pases proporcionam.

    Os indicadores relacionados com a participao dos impostos dentro do produto interno bruto (PIB) nacional atingem nmeros alarmantes, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributrio (2011): durante o Plano Sarney (meados de 1996), a participao no PIB era 22,39%, atingindo nos dias atuais algo prximo de 35,21% (IBPT, 2010), alcanando uma arrecadao de R$ 817.936.000,00 e sinalizando forte tendncia de crescimento para 2011, uma vez que a curva de crescimento nominal da relao tributo/economia se mostra ascendente.

    Merece destaque nesses nmeros a importncia dos tributos indiretos, incidentes sobre todos os contribuintes de modo disfarado, escondidos nos preos, onerando inclusive os mais miserveis e exercendo significativo impacto na atribuio da carga tributria do Brasil.

    Diante desses nmeros, possvel inferir que no Brasil os tributos possuem elevada participao no PIB, nmeros esses compatveis com os nveis dos pases desenvolvidos e incompatveis com a baixa qualidade da contraprestao estatal oferecida, em especial no mbito social. Essa explcita dicotomia, obtida pela anlise do produto da arrecadao em relao contraprestao estatal, conduz inequvoca concluso de que a elevada arrecadao tributria nacional se perde antes de atingir a sua finalidade.

    A arrecadao tributria atinge anualmente recorde; em contraponto, os investimentos na contraprestao estatal dos servios e projetos sociais experimentam uma estagnao dos valores investidos, percorrendo o caminho 8 Segundo a Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE apud IBPT) em

    relatrio divulgado em 2010 referentes ao ano de 2009, os pases com as maiores cargas tributrias so: (1) Dinamarca - 48,20%, (2) Sucia - 46,40%, (3) Itlia - 43,50%, (4) Blgica - 43,20%, (5) Finlndia - 43,10%, (6) ustria - 42,80%, (7) Frana - 41,90%, (8) Noruega - 41,00%, (9) Hungria - 39,10%, (10) Eslovnia - 37,90%, (11) Luxemburgo - 37,50%, (12) Alemanha - 37,00%, (13) Repblica Tcheca - 34,80%, (14) Brasil - 34,50%.

  • 29

    inversamente proporcional ao crescimento se comparado ao que arrecada e ao aumento populacional.

    A utilizao do tributo sem a imposio de limites e como simples meio de arrecadao perigosa, causa efeitos nefastos e opostos ao ideal de desenvolvimento, uma vez que retira de circulao recursos, desestimulando o exerccio da atividade produtiva, tornando o produto nacional menos competitivo e interferindo negativamente no vis de crescimento da economia e na abertura de novos postos de trabalho.

    2.3 Do papel desenvolvimentista da extrafiscalidade

    O texto da Constituio de 1988 atribuiu diversas obrigaes ao Estado, dentre elas o dever de atuar como promotor do desenvolvimento econmico nacional, com polticas comprometidas com a reduo da desigualdade social por meio da igualdade de oportunidades.

    Nesse sentido, a atuao meramente fiscal por parte do Estado lhe garante meios para a realizao de funes essenciais; contudo, essa atuao tem se comprovado ineficaz frente s demandas existentes, despontando a necessidade de se criar uma poltica tributria que permita a induo de comportamentos e em conjunto com a finalidade arrecadatria, inaugurando assim a figura da extrafiscalidade9.

    Conforme destaca Roque Antonio Carrazza em sua obra Imposto sobre a Renda:

    A extrafiscalidade justamente o emprego dos meios tributrios para fins no fiscais, mas ordinrios isto , para disciplinar comportamentos virtuais de contribuintes, induzindo-os a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa. A fazer, bem entendido, o que atende ao interesse pblico; a no fazer o que, mesmo sem ser ilcito, no til ao progresso do pas (CARRAZZA, 2006, p.131).

    9 Extrafiscal ou extrafiscalidade quando seu objeto principal a interferncia no domnio

    econmico, buscando um efeito diverso da simples arrecadao de recursos financeiros (MACHADO, 2002, p.68).

  • 30

    O desenvolvimento pode e deve ser estimulado por meio de uma espcie de induo comportamental tributria, assegurando a estabilidade econmica em conjunto com a soluo dos problemas sociais, promovendo investimentos em situaes que demonstrem resultados efetivos.

    O tributo revestido da funo extrafiscal passa a desempenhar um importante papel na poltica de estabilizao econmica, uma vez que possui fora indutora geradora de desenvolvimento econmico e social, fomentando investimentos diretos em habitao, sade, previdncia, na gerao de empregos, dentre outros.

    O papel desenvolvimentista da poltica fiscal deve representar um aliado para a soluo dos problemas sociais, atuando diretamente na diminuio da desigualdade social, na gerao de renda e no aumento de postos de trabalho, dentre outros.

    A criao de polticas fiscais de desenvolvimento econmico, de vis social, deve iniciar-se pelo fomento da economia de modo a gerar renda e desenvolvimento individual e regional.

    O princpio da igualdade aqui delineado no se encontra como uma forma de igualdade absoluta de pessoas, mas como uma forma de isonomia, onde todos na mesma condio devem ser tratados com relativa igualdade, destacando-se como um dos principais alicerces do sistema tributrio em conjunto com a capacidade contributiva e com a legalidade.

    A apregoada reduo das desigualdades sociais, tratadas sob o paradigma institudo pelo princpio da isonomia, encontra na capacidade contributiva uma espcie de parceiro ideal, eis que a prescrio do tratamento encontra-se limitada dentro do potencial de contribuio do indivduo.

    Nessa orquestra, os princpios constitucionais da proporcionalidade10 devem estar aliados s questes relacionadas progressividade da alquota, em conformidade com a seletividade11 e o potencial econmico considerado (DEODATO, 1983, p.71).

    10

    Uma clara manifestao do princpio da progressividade se encontra materializada no imposto de renda, instituindo a progresso das alquotas conforme cresce a base de clculo. A ideia dessa progresso de alquotas se baseia no fato de que a propenso para consumir uma parcela maior da renda tende a ser inversamente proporcional renda. 11 Leciona Zelmo Denari (1998, p.280) ao esclarecer sobre a seletividade (...) suas alquotas so fixadas em funo da essencialidade dos produtos (art. 48 do CTN), de tal sorte que os produtos essenciais (alimentos, medicamentos etc.) recebem menor carga tributria e os produtos suprfluos (cigarro, bebidas) so onerados pela tributao.

  • 31

    Os princpios constitucionais atuam como delimitadores do poder de tributar e como forma de se estabelecer o equilbrio entre os direitos protegidos, como comumente ocorre em relao aos ideais de igualdade e liberdade, uma vez que comumente esses institutos entram em conflito entre si, conforme destaca Welford ao citar Tocqueville:

    (...) os povos democrticos tm um gosto natural pela liberdade, entregam a si mesmos, eles a buscam, a amam e sempre julgam doloroso serem dela privados. Mas eles tm uma paixo ardente, insacivel, eterna e invencvel pela igualdade, desejam a igualdade na liberdade e, se no h, podem obt-la, desejam-na ainda na escravido (TOCQUEVILLE apud WELFFORT, 1996, p.175).

    Por isto, os princpios tributrios constitucionais desempenham a precpua funo de delimitar a ao tributria em relao aos indivduos abarcados por sua influncia como forma de garantir direitos essenciais dentro de uma sociedade sistmica onde justia e eficincia caminham em paralelo dentro de um sistema nico onde a norma tributria indutora desempenha a precpua e importante funo de nortear comportamentos desejados dentro do federalismo fiscal comprometido com o desenvolvimento econmico em conjunto com a reduo das desigualdades sociais regionais.

  • 32

    3 O FEDERALISMO FISCAL

    3.1 Das origens do federalismo

    O federalismo no Brasil surgiu embrionrio na ocasio da promulgao da Repblica Federativa do Brasil, em 15 de novembro de 1889, nascendo efetivamente em 24 de fevereiro de 1891, com a promulgao da Constituio da Repblica, ocasio em que se efetivamente se implantou o sistema federalista brasileiro.

    O federalismo se confundiu por dcadas com o mais puro e simples patrimonialismo, acomodando diferenas regionais e culturais, por meio de estruturas embrionrias de representao poltica que o federalismo tratou de construir.

    O modelo federalista vigente no Brasil derivou da evoluo do modelo republicano, criando um modelo hbrido, eis que durante o processo de consolidao desse instituto o pas acabou sofrendo influncias de intervenes promovidas por governos autoritrios e centralizadores.

    O federalismo como engenharia poltica ficou margem da agenda poltica nacional por muito tempo, por meio da prtica do intervencionismo federal, encobrindo experincias autoritrias e populistas, muitas vezes decorrentes da hipertrofia do ente federal.

    No Brasil, ao contrrio dos Estados Unidos, onde primeiro havia unidades territoriais autnomas para posteriormente formarem a Unio, ocorreu o inverso, ou seja, formou-se a Unio antes de ter Estados, tivemos o todo antes das partes (TORRES, 2001, p.20)12, o que na prtica, conforme destaca o professor Jos de Oliveira Baracho (1996, p.21), para esse fenmeno acabou criando uma maior centralizao do poder no ente federativo, atuao condutora de um processo de desfederalizao, o que por sua vez inegavelmente contribui para a formao de Estados unitrios. 12 Para Silvia Faber Torres (TORRES, 2001) a diferenciao entre o federalismo brasileiro e o americano se inicia por esse ponto. Segundo a autora, disse Rui Barbosa: No somos uma federao de povos at ontem separados e reunidos de ontem para hoje. Pelo contrrio, da Unio que partimos. Na Unio nascemos.

  • 33

    Historicamente avaliado, possvel auferir que o federalismo brasileiro fruto de um esprito nacionalista, motivado pelo descontentamento das provncias com o Imprio Portugus, de modo que, por meio do Decreto n 1, de 15 de novembro de 1899, as provncias do ento Imprio foram transformadas nos Estados da Repblica, formando a federao brasileira, conforme apregoado por Manoel Gonalves Ferreira Filho (1997, p.55).

    Para Abrucio (2002, p.47) esse modelo de Estado persistiu na Primeira Repblica, quando as oligarquias privadas e ruralistas imperaram, transformando-a em um reino do patrimonialismo, dirigido nico e exclusivamente para os interesses desses grupos, o que denota seu retrato antirrepublicano.

    Na poca da chamada Repblica Velha, a transio do modelo poltico vigente para o federalismo surgiu como soluo centralizadora com o fito de reduzir as fortes tenses regionais, de uma economia fortemente agrria em transio para uma nova cultura industrialista.

    Essa situao sofreu significativa alterao com a Primeira Guerra Mundial, quando ento a Unio passou a centralizar parte das decises, com um melhor aparelhamento das Foras Armadas e com a reforma constitucional de 1929, com a qual se permitiu maior interveno da Unio nos demais entes federados.

    Com o Estado Novo, inaugurado por Vargas em 1937, funcionou o federalismo como um instrumento institucional de acomodao na passagem do velho regionalismo para o novo regionalismo domesticado, passando da cumplicidade com a hegemonia oligrquica para a intimidade com o autoritarismo centralista, com Foras Armadas fortes e influentes.

    O ente federal exerceu fortemente seu raio de influncia, com a centralizao das receitas tributrias, a manipulao e um maior controle oramentrio, com concentrao do planejamento administrativo na Unio, dentre outros fatores, de modo que somente na Segunda Repblica os Estados recuperaram sua relativa influncia.

    O governo federal no s assumiu o relativo e indireto controle poltico e financeiro dos outros entes federados, mas tambm criou mecanismos administrativos que pretendiam harmonizar e planejar a atuao destes, aumentando ainda mais o controle das atividades administrativas por eles geridas, assim criou-se uma espcie de subordinao.

  • 34

    Fernando Abrucio (2002) reflete sobre tal subordinao dos entes federados, destacando:

    (...) o enfraquecimento quase completo da autonomia poltica dos Estados, a centralizao da maior parte dos recursos financeiros nas mos da Unio e a vigncia de uma viso administrativista antipoltica por natureza da elite do governo militar, que concebia as formas de integrao entre as esferas de governo como essencialmente administrativas (ABRUCIO, 2002, p.48).

    O modelo unionista-autoritrio utilizou-se da expanso dos rgos da administrao direta federal para influenciar os demais entes federados, criando escritrios regionais dos ministrios; os rgos da administrao indireta igualmente foram utilizados, criando-se representaes estaduais e municipais deles; criou-se um modelo de convnio, no qual o governo federal escolhia entre os demais entes aqueles que melhor preenchiam os requisitos para receber as verbas federais, insurgindo que era condio imprescindvel que adotassem modelos de gesto pblica federal.

    O compromisso com o federalismo manteve-se presente mesmo naqueles perodos em que regimes de fora no pretendiam lev-lo a srio, contrastando com a infidelidade exagerada s Constituies.

    Nos perodos mais recentes, as elites industriais e sindicais, segmentos intermedirios, deram tonalidades modernas ao federalismo, modificando seu velho arranjo patrimonial, configurando o neopatrimonialismo, que passou a combinar, em um mesmo tipo de rede de trocas, os interesses regionais oligrquicos e as demandas profissionais de tipo corporativo.

    Na dcada de 1980, renasceu no Brasil um novo esprito de federalismo, impulsionando o processo de redemocratizao com a idia e fora da descentralizao poltica inspirado em novos paradigmas.

    O novo ideal federalista, tido como federalismo democrtico, passa a apregoar maior estabilidade dos processos polticos, institucionalizando melhores mecanismos de repartio de competncias e recursos pblicos, com o fito de garantir maior autonomia e cooperao entre os entes federativos dentro um ambiente de transparncia e accountability13 em relao aos atos governamentais. 13

    Accountability: segundo usado em lngua inglesa, designa responsabilidade dos membros de determinado rgo administrativo, por isso comumente usado como responsabilizao de prestar conta de seus atos a instncias controladoras.

  • 35

    Analisando o modelo de federao hoje vigente, Roque Antnio Carrazza (2006) destaca em sua obra Direito constitucional tributrio:

    (...) a federao uma forma de Estado, um sistema de composio de foras, interesses e objetivos que podem variar, no tempo e no espao, de acordo com as caractersticas, as necessidades e os sentimentos de cada povo (CARRAZZA, 2006, p.112).

    Atualmente o federalismo brasileiro se mostra assimtrico, de modo que os trs Estados mais ricos detm a maior parte da renda nacional.

    O federalismo, com sua maleabilidade e seu efeito sanfona, sua capacidade de centralizar e descentralizar no limite, inclusive, de sua prpria ilegitimidade, acabou sendo importante instrumento de construo do Estado nacional e de acomodao de tendncias centrfugas e centrpetas, inspiradas nos modelos americano e alemo, conforme destaca o emrito professor Raul Machado Horta:

    Inspirando-se no modelo alemo, a Constituio de 1988, mantendo a legislao de competncia privativa, introduziu na repartio de competncias a tcnica da legislao concorrente da Unio, dos Estados e do Distrito Federal, abrandando da legislao privativa da Unio (HORTA, 2003, p.728).

    Apesar da inspirao em modelos muito bem definidos de federalismo, o modelo vigente no Brasil deve ser objeto de profunda reflexo especialmente diante da perda de foras dos estados e Municpios pela concentrao de recursos na esfera federal, criando uma relao de dependncia em relao a este poder.

    O modelo vigente de federao brasileiro foi inspirado no modelo alemo e no modelo federalista norte-americano do sculo XVII; este ltimo fecundou as inspiraes para a criao de um sistema de tripartio vertical de poderes, atuando como instrumento de limitao do poder estatal, de onde sobressai a criao de trs entes federativos distintos, respectivamente Unio, Estados e Municpios, conforme destaca Celso Ribeiro Bastos, para quem:

    (...) a federao nada mais do que a transplantao para o plano geogrfico da tripartio de poderes de Montesquieu (BASTOS, 2003, p.216).

    O modelo federativo norte-americano denota a importncia de se assegurar a autonomia dos entes da federao, observada, contudo, a importncia de se assegurar a

  • 36

    congregao de todos sob uma nica bandeira, destacando-se a importncia da repartio de competncia entre estes mesmos institutos, conforme afirma Valmir Pontes Filho:

    (...) no suficiente que essas entidades federadas sejam dotadas de autonomia poltica, quer dizer, de capacidade governativa (e legiferante, em consequncia). imprescindvel que a repartio de competncias entre esses ncleos dotados de capacidade legislativa prpria (a central e as regionais ou locais) se opera pela via constitucional, e no meramente legal. A Constituio, como regra suprema da ordem jurdica e fundamentante de todas as demais manifestaes normativas, que distribuir essas competncias entre as pessoas polticas federadas, de modo que lei alguma, ainda que oriunda da esfera central de governo (a da Unio, no caso), pode modificar tal distribuio em detrimento das unidades regionais locais (PONTES FILHO, 2001, p.138).

    Nesse entendimento a diviso do poder estatal em trs entes federativos distintos representa uma forma da poltica de freios e contrapesos (checks and balances) transplantada da teoria da tripartio dos poderes de Montesquieu para o modelo federalista, instituindo um modelo de democracia cuja diviso de poderes passa a ser realizada tambm de forma verticalizada entre os entes pblicos municipais, estaduais e federais, representando uma forma de aperfeioamento da democracia e um mecanismo de proteo das liberdades individuais, nas palavras de Tocqueville:

    Ningum poderia apreciar melhor as vantagens do sistema federativo. Vejo nele uma das mais poderosas combinaes em favor da prosperidade e das liberdades humanas. Invejo a sorte das naes que puderam adot-lo (TOCQUEVILLE, 2001, p.192).

    Diferentemente do modelo brasileiro, o modelo federalista norte-americano assegurou a todos os entes federados uma maior autonomia, reservando, contudo relativa exclusividade s matrias reservadas esfera federal, instituindo um modelo genuinamente cooperativo e dualista, cujas origens remetem a quatro de julho de 1776, com a proclamao da independncia das Treze Colnias inglesas em relao Coroa Britnica.

    Com a independncia obtida aps rdua luta com a Coroa Britnica, os estados livres (antigas colnias) se organizaram por meio de um modelo de confederao que se mostrou ineficaz, inaugurando assim o modelo federativo com o fito de criar um ambiente de liberdade, segurana e respeito propriedade, conforme destaca Henriques:

  • 37

    Diante da constatao da ineficincia do modelo confederativo para manter a prosperidade poltica dos estados americanos, da necessidade de criao de uma Constituio adequada realidade desses estados e do receio da ameaa externa, surgiu, na Amrica do Norte, no final da segunda metade do sculo XVIII, o ambiente propcio ao surgimento do federalismo (HENRIQUES, 2011, p.35).

    O federalismo criado na Amrica do Norte foi marcado por um modelo de grande autonomia poltica e administrativa para os Estados-membros e uma rgida discriminao de competncias entre os entes federativos, com capacidade inclusive para instituir, fiscalizar e arrecadar determinados tipos de tributos, alm de naturalmente proporcionar a criao da Bill of Rights, carta de direitos fundamentais do indivduo contra a onipotncia do poder estatal.

    A rgida discriminao de competncias tributrias apregoadas no federalismo americano sempre deteve um forte trao de preservao dos estados-membros, destacando-se a uniformidade dos direitos e tributos em todos Estados Unidos.

    A Suprema Corte dos Estados Unidos da Amrica, ao interpretar o federalismo vigente, vem privilegiando a chamada Commerce Clause como forma de expresso do federalismo fiscal norte-americano.

    O Justice Soutier, da Suprema Corte Americana, esclarece que esse dispositivo contm mais que um comando negativo do que positivo, conhecido como Commerce Clause, (...) pois probe a criao de tributos no uniformes em todo pas, evitando, assim, que um Estado se retraia dentro de um isolamento econmico ou fragilize o bem-estar da nao ao instituir encargos sobre o fluxo comercial de suas fronteiras (HENRIQUES, 2011, p.38).

    Credita-se ao federalismo americano, inspirado no federalismo alemo, a grande obra de engenharia poltica liberal que permitiu maximizar, j no sculo XIX, os ganhos da economia de mercado, da competio e da iniciativa, com a flexibilidade e a competio democrtica na ordem pblica.

    Nesse sentido, os Estados Unidos superaram competidores e mantiveram sua hegemonia poltica graas desregulamentao de sua economia e de seu mercado de trabalho, flexibilizaram as instituies e a competio entre os Estados, o que acabou permitindo rapidamente a implantao de uma nova economia.

    Para Aspsia Camargo (2001, p.69-94), o federalismo alemo surgiu da inspirao social e religiosa, que se consubstanciou sob a hegemonia do Partido

  • 38

    Democrata Cristo e de seu lder, Konrad Adenauer, que teceram um modelo federativo inteiramente original, baseado na cooperao e no princpio da subsidiariedade.

    O dualismo federativo norte-americano, para Hesse, diferente do modelo alemo, foi calcado no regime presidencialista e na autonomia dos poderes, tanto quanto na competio e na autonomia dos Estados Federados. Esse federalismo competitivo muito diferente do federalismo cooperativo alemo, baseado em mecanismos de integrao e de interpenetrao e no princpio da subsidiariedade.

    Na Alemanha, por sua vez, a estrutura federalista tem como uma das suas principais funes a de garantir a homogeneidade socioeconmica dos Lnder (estados alemes), por meio de vrios mecanismos de redistribuio de recursos. Por esta razo, a literatura comparativa comumente classifica o caso alemo com um paradigma tpico do chamado federalismo cooperativo. Mas existe uma outra caracterstica importante: a existncia de uma Cmara Legislativa especfica dos Lnder (Bundesrat) com a prerrogativa de barrar qualquer modificao contrria aos interesses dos governos subnacionais, o que reala a difuso do poder dentro do federalismo alemo (ABRUCIO: COSTA, 1998, p.22).

    O federalismo alemo, por sua vez, para Hesse (1998), possui diversas diferenas do modelo norte-americano, destacando a inexistncia de separao rgida entre os entes pblicos, imperando o princpio da subsidiariedade, no qual o ente situado no nvel superior complementa aes no nvel inferior; dessa feita, prevalece um ambiente de redistribuio e compensao entre os entes federados, criando inclusive um mecanismo de cooperao no somente vertical, mas tambm horizontalizado, existindo elevado nvel de homogeneidade social e econmica.

    Francisco Segato (2003) destaca:

    (...) el federalismo es la garanta de libertad, de desarrollo democrtico y de eficacia en La gestin administrativa de territorios tan enormemente extensos como son los de los Estados federales del reas (SEGATO, 2003, p.81).

    O modelo federalista de Estado permite maior proximidade e identificao dos cidados com os representantes dos governos locais, por consequncia promove melhor controle desses representantes eleitos, o que por sua vez mitiga localmente as polticas de deturpao e abuso de poder; por conseguinte, permitem maior qualidade de aplicao de polticas pblicas, especialmente aquelas relacionadas

  • 39

    com a reduo das desigualdades sociais entre as diversas regies da federao, como realizado no passado pelo Estado alemo.

    3.2. Da funo do tributo dentro do federalismo

    A federao, tal como as liberdades individuais, uma clausula ptrea, e como tal representa uma forma de exerccio da cidadania dentro de uma verdadeira soberania popular. Entretanto, a federao sofreu influncias e transformaes que transmutaram esse modelo de organizao do Estado, insurgindo com uma forma de federalismo fiscal transmutado, responsvel pelos maiores entraves efetivao do princpio federalista em sua mxima acepo da palavra, eis que no basta ao Estado-membro a possibilidade de auto-organizar-se, (...) imprescindvel a existncia de autonomia financeira (REIS, 2000, p.45).

    O encargo financeiro de arcar com o tributo enfrentado como uma contribuio solidria de natureza econmica e patrimonial, realizada pelo contribuinte em prol de toda sociedade, como forma de permitir ao Estado14 o desenvolvimento de suas potencialidades, implanta mecanismos de contraprestao de servios eleitos como fundamentais e essenciais pela Constituio, tais como a segurana, a educao, a sade, o estmulo liberdade de iniciativa e ao trabalho.

    O tributo, por outro lado, vem desempenhando papel negativo no modelo de federalismo vigente, eis que a distribuio de receitas vem sendo camuflada por meio de artificialidades criadas pelo prprio Estado, conforme muito bem define Hugo de Brito Segundo:

    Um dos meios utilizados para embaar, e at mesmo abolir completamente, o princpio federativo a tributao, ou mais propriamente, a modificao na partilha de rendas tributrias, ou seja, no conjunto formado pelas regras que cuidam da atribuio de competncias e da distribuio de receitas em matria tributria. Isso porque, sem recursos com que desempenhar as faculdades polticas outorgadas pela Constituio Federal, os entes perifricos tm sua autonomia reduzida a nada, e, com isso, a nada fica

    14

    O Estado no o dono de seus cidados nem estes so donos uns dos outros. Mas os cidados individuais s podem ser donos de alguma coisa quando existem leis promulgadas e impostas pelo Estado. Por isto, a tributao no uma questo de como o Estado deve tomar e redistribuir algo que os cidados j possuem, mas de como dever terminar os direitos de propriedade (NAGEL, Thomas. p.242).

  • 40

    tambm reduzido o princpio federativo, porquanto a autonomia dos governos perifricos intrnseca e essencial a qualquer federativa de Estado (MACHADO SEGUNDO, 2005, p.9).

    Nesse sentido, no intuito de assegurar a efetividade da federao se faz necessria a promoo de polticas de repartio de competncias tributrias e de receitas, evitando que a partilha destas se torne moeda poltica do ente federal com os demais entes federativos, provocando um verdadeiro vilipndio ao sistema tributrio nacional.

    O federalismo fiscal originrio acabou sofrendo distores, uma vez que as receitas e os encargos dos entes pblicos foram alterados, quebrando as atribuies e competncias de cada um deles, quebrando a autonomia financeira, portanto distorcendo o conceito do federalismo fiscal, conforme assevera Luiz Guilherme Oliveira (2000):

    No federalismo fiscal, como so chamadas as relaes de distribuio de receitas e atribuies no regime federativo, o sistema tributrio deve ser estruturado de forma a distribuir as receitas pblicas entre vrias unidades e esferas administrativas, visando proporcionar condies para atender s demandas que lhes so exigidas. Desta maneira se caracteriza a necessidade da existncia de uma estrutura capaz de gerar um efeito distributivo entre os grupos que fazem parte da federao, alm de um agente intermediador capaz de evitar possveis atritos entre os membros federados (OLIVEIRA, 2000, p.38).

    O ente pblico federal, gradativamente ignorando o modelo de distribuio de competncias tributrias constitucionalmente previstas, aumentou a carga tributria, utilizando-se dos mais diversos artifcios, o que acabou gerando seu beneficiamento e a consequente estagnao das receitas dos demais entes federativos, ignorando o chamado federalismo de cooperao e aumentando a dependncia de estados e Municpios para com o poder central.

    O administrativista Alexandre de Moraes (2005) destaca a importncia de que o ente federativo possua uma esfera de competncia tributria que lhe garanta renda prpria (MORAES, 2005, p.270), alm naturalmente de assegurar a indissolubilidade da federao, o livre trfego por meio da proibio de discriminao em razo da origem ou destino de bens e pessoas, bem como a prevalncia do tratamento tributrio uniforme de todos os demais entes federativos.

    Em tese a repartio de receitas seria uma garantia para assegurar a autonomia dos entes administrativos, eis que o ente central receberia o produto da

  • 41

    arrecadao e promoveria a distribuio conforme previsto no texto da Constituio, colaborando para a reduo das desigualdades regionais, conforme leciona Pinto Ferreira (1999), em regra, quem dispe de supremacia financeira dispe inegavelmente da supremacia poltica, econmica e jurdica (FERREIRA, 1999, p.553).

    (...) para un pas que reconoce diferencias regionales de desarrollo econmico, y dando su sentido redistributivo, este es el mecanismo de mayor inters (ASENSIO, 2000, p.95).

    A Constituio de 1988, visando a assegurar maior autonomia aos entes federados, forneceu meios para obteno de recursos a cada um deles, permitindo que esses entes possam instituir e cobrar tributos, a rigor de seu artigo 145.

    Art. 145. A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios podero instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razo do exerccio do poder de polcia ou pela utilizao, efetiva ou potencial, de servios pblicos especficos e divisveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposio; III - contribuio de melhoria, decorrente de obras pblicas. 1 Sempre que possvel, os impostos tero carter pessoal e sero graduados segundo a capacidade econmica do contribuinte, facultado administrao tributria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimnio, os rendimentos e as atividades econmicas do contribuinte. 2 As taxas no podero ter base de clculo prpria de Impostos (BRASIL, 1998).

    Em princpio os entes federados somente podem instituir impostos quando expressamente previstos na Constituio Federal, dentro, bvio, de sua parcela de competncia; contudo, existe uma exceo, chamada de competncia residual, reservada Unio, desde que respeitada a no cumulatividade e que esse imposto seja diverso dos demais tributos j preexistentes, nos termos do artigo 154 da Constituio de 1988:

    Art. 154. A Unio poder instituir: I - mediante lei complementar, impostos no previstos no artigo anterior, desde que sejam no cumulativos e no tenham fato gerador ou base de clculo prprios dos discriminados nesta Constituio; II - na iminncia ou no caso de guerra externa, impostos extraordinrios, compreendidos ou no em sua competncia tributria, os quais sero

  • 42

    suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criao. (BRASIL, 1988).

    A Unio imbuda das atribuies conferidas pela competncia residual, no pode se valer dessas prerrogativas para instituir impostos de competncia dos demais entes federados, sob pena de ruptura do princpio federativo.

    A tcnica originalmente projetada pela Constituio de 1988 prestigiou a repartio vertical (de cima para baixo) de rendas tributrias entre os diversos entes federativos de modo que necessariamente parte do produto arrecadado pela Unio deve ser partilhado com os demais entes federativos diretamente vinculados a origem da arrecadao; nesse sentido, os Estados-Membros igualmente devem repartir percentual arrecado com os Municpios.

    Hugo de Brito Segundo (2005) complementa nosso entendimento, ao analisar as contribuies sociais no federalismo:

    Trata-se do chamado federalismo participativo, no qual as diversas entidades associam-se no para resolver problemas comuns a todas elas, mas tambm para reduzir as desigualdades verificadas internamente. No dizer de Aliomar Baleeiro, est superada a antiga viso de federalismo isolacionista. A Constituio brasileira de 1988 adotou expressamente essa forma de federalismo, o que se percebe no apenas da determinao da partilha das receitas arrecadadas, mas, sobretudo de uma srie de dispositivos que preconizam, de modo expresso, a reduo das desigualdades regionais (MACHADO SEGUNDO, 2005, p.78).

    O texto da Constituio assegurou, no artigo 157, inciso II, vinte por cento do produto da arrecadao do imposto que a Unio instituir no exerccio da competncia aos estados e ao Distrito Federal, bem como tambm assegurou aos Municpios uma parte de sua arrecadao conforme disposto no artigo 158.

    Art. 158. Pertencem aos Municpios: I - o produto da arrecadao do imposto da Unio sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte sobre rendimentos pagos, a qualquer ttulo, por eles, suas autarquias e pelas fundaes que institurem e mantiverem; II - cinquenta por cento do produto da arrecadao do imposto da Unio sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imveis neles situados; III - cinquenta por cento do produto da arrecadao do imposto do Estado sobre a propriedade de veculos automotores licenciados em seus territrios;

  • 43

    IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadao do imposto do Estado sobre operaes relativas circulao de mercadorias e sobre prestaes de servios de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicao. Pargrafo nico. As parcelas de receita pertencentes aos Municpios, mencionadas no inciso IV, sero creditadas conforme os seguintes critrios: I - trs quartos, no mnimo, na proporo do valor adicionado nas operaes relativas circulao de mercadorias e nas prestaes de servios, realizadas em seus territrios; II - at um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territrios, lei federal. (BRASIL, 1988).

    O artigo 159 da Constituio do Brasil de 1988, em consonncia com os tambm artigos 157 e 158, colaborou para asseverar que a Unio tem a obrigao legal de entregar aos demais entes federativos uma significativa parcela do produto da arrecadao, de modo a manter preservado o equilbrio financeiro da federao.

    No modelo federativo ptrio, efetivamente praticado, ao contrrio do ideal apregoado na Constituio de 1988, as foras centrpetas atuam centralizando a significativa parcela de poder poltico e econmico na Unio, inviabilizando as autonomias dos demais entes da federao, por conta da supresso das receitas tributrias passivas de compartilhamento.

    A supresso de receitas vem ocorrendo por meio da atuao da Unio que institui os tributos, no abarcados nos conceitos de impostos, com os quais se apropria exclusivamente do produto arrecadado, conforme destaca Jos Marcos Domingues de Oliveira (2006):

    (...) a concentrar recursos na Unio Federal, violando o projeto constitucional de 1988 de descentralizao democrtica do Poder Poltico, em evidente contradio ao pacto federativo ento concebido, ao mesmo tempo em que faz atravs do estratagema da manipulao direta dos elementos essenciais do tributo (base de clculo e alquotas de impostos e contribuies) (OLIVEIRA, 2006, p.73).

    Em sentido diverso aos impostos, o texto constitucional no apregoa a partilha das receitas oriundas das contribuies, sejam elas destinadas seguridade social ou aquelas destinadas interveno no domnio econmico (CIDE), eis que esses tributos em tese no possuem finalidade arrecadatria; pelo contrrio, possuem natureza de financiar a seguridade social ou de atuar intervindo no domnio econmico, possuindo marcante caracterstica extrafiscal.

  • 44

    A instituio das diversas formas de contribuies no pode ser simplesmente caracterizada como utilizao da chamada competncia residual constitucional, eis que nesse formato a Unio encontraria obrigada a participar da partilha tributria quando o produto da arrecadao destinado fosse para o caixa nico do Tesouro Nacional.

    Hugo de Brito (2005) Segundo destaca:

    Diversamente do que ocorreu com os impostos, notadamente os partilhados, inmeras contribuies foram criadas, e majoradas, pela Unio Federal, aps 1988. No s as contribuies destinadas seguridade social, que seguramente foram objeto de macias majoraes, mas, ultimamente, tambm contribuies de interveno no domnio econmico, e at mesmo contribuies sociais gerais (MACHADO SEGUNDO, 2005, p.19).

    No bastasse a criao de tributos, ora denominados contribuies institudas sobre as mais diversas hipteses de incidncia (folha de salrio, faturamento, lucro, empregados, receita de concursos e prognsticos, dentre outros), a Unio determinou Secretaria da Receita Federal que realize a administrao, fiscalizao e arrecadao.

    Com a administrao da Secretaria da Receita Federal, as contribuies passaram a ser mantidas no caixa nico do Tesouro, de modo que passou a inexistir a administrao em separado desses tributos, que por sua vez passaram a ser destinados a outras finalidades que no aquelas que motivaram a criao das referidas contribuies, provocando o verdadeiro desvio do produto da arrecadao, conforme destaca Ives Gandra da Silva Martins (2003):

    (...) o desvio na destinao das receitas fere o esprito dos trs segmentos da lei oramentria, cuja administrao em separado foi considerada uma vitria do contribuinte no sentido de moralizar a administrao do dinheiro pblico (MARTINS, 2003, p.353).

    Segundo estudo realizado em 2010, pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributrio (IBPT, 2010), a arrecadao das contribuies sociais previdencirias representa cerca de 1,6 vezes o arrecadado com os impostos federais, destarte que essa parcela do produto arrecadado no se destina a qualquer forma de partilha entre os demais entes da federao.

  • 45

    As distores criadas no sistema trib