Nos embalos de 2014

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Eleições 2014

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2013 começa a mostrar sua força como ano de lutas

A LUTA ANTIPATRIARCAL é o que unifi ca o feminismo. Mas sabe-mos que o patriarcado, isto é, a rela-ção de desigualdade social, política e econômica entre os gêneros, se ex-pressa na realidade sob diversas for-mas. Cada gênero, classe, raça, se-xualidade e geração vivencia os di-tames patriarcais com certas parti-cularidades. No feminismo, também se expressa uma diversidade de po-sições, análises, pautas, métodos, tá-ticas e formas organizativas que se desenvolvem de acordo com a con-juntura, espaço, referência política e identidades dos sujeitos que se or-ganizam.

Neste mês tão representativo da luta feminista, devemos também vi-sibilizar um grupo de mulheres por vezes deslocado do centro dos de-bates, pautas e políticas públicas: as mulheres lésbicas. Mulheres es-tas que vivenciam em seu cotidiano formas diferenciadas de opressão, marcadas pela violência em razão da orientação afetivo-sexual e/ou da performance de gênero desviante do padrão imposto de feminilidade.

As mulheres lésbicas vivenciam uma forma particular de opressão patriarcal, pois questionam em su-as vivências cotidianas o modelo de sexualidade que tem centralida-de no homem e na heterossexuali-dade compulsória. A lesbofobia, co-mo forma de opressão, discrimina-ção e violência contra as mulheres que vivenciam a lesbianidade, vem sempre carregada da afi rmação da necessidade de um homem na vida da mulher e da negação de qualquer forma de vivência afetivo-sexual en-tre mulheres.

A auto-organização das lésbicas no Brasil é datada do fi nal da década de 1970, marcada por confl itos e ruptu-ras tanto com o movimento homos-sexual como com os movimentos de mulheres. Nos dois movimentos, as lésbicas pautavam a visibilidade de suas lutas afi rmando a necessida-de de contraposição direta à lesbofo-bia e à heterossexualidade enquanto norma. Muitas eram as difi culdades

de garantir pautas que envolviam particularmente estas mulheres no feminismo e no próprio movimento LGBT, apesar de terem em comum a luta contra o patriarcado, a homo-fobia e o questionamento à família monogâmica-heterossexual.

O movimento lésbico-feminis-ta traz para o centro de suas lutas a contraposição à heterossexualidade obrigatória, além de alimentar a dis-cussão sobre a sexualidade e o direi-to das mulheres ao seu próprio cor-po. Outra contribuição foi o questio-namento ao modelo binário de gê-nero feminino e masculino, afi rman-do que existem outras formas de se construir a relação entre os sexos. Portanto, o movimento traz cotidia-namente a defesa do feminismo, di-ferenciando-se pela centralidade da pauta da liberdade sexual. Organi-za-se pelo reconhecimento da se-xualidade com uma dimensão pa-ra além da vida privada, afi rmando seu caráter público e político. Por is-so, a visibilidade lésbica tornou-se a

principal estratégia política do mo-vimento. A afi rmação da lesbianida-de tem se colocado como uma for-ma de contraposição às diversas for-mas de negação da sexualidade des-sas mulheres, que é marcada pela in-visibilidade (inclusive pelo lugar que a sexualidade feminina foi historica-mente colocada). Em suas bandei-ras específi cas, as lésbicas feministas têm contribuído na luta mais geral das mulheres e do movimento LGBT quando pautam o direito ao pró-prio corpo, afetividade, sexualida-de e prazer que envolve a luta por di-reitos sexuais amplos e contra a lés/homo/bi/transfobia.

Algumas pautas se destacam em suas lutas ao longo da história, como o pioneirismo na denúncia do estu-pro como crime (também a do estu-pro corretivo), a denúncia da propa-ganda heterossexual nos meios de comunicação, a pauta da saúde das mulheres (posteriormente, com foco na mulher lésbica) e a criação de es-tratégias de autodefesa.

O movimento lésbico-feminista tem avançado na articulação com os demais setores do feminismo e ou-tros movimentos sociais, mas ain-da é uma relação frágil e pontual e em alguns momentos marcada por tensões que limitam a construção de agendas em comum. Mas diante do avanço do conservadorismo temos o desafi o de fortalecer a relação e uni-dade na construção das lutas nos di-versos campos do feminismo.

Portanto, apresenta-se a necessi-dade de trazer para o centro do fe-minismo a luta pela liberdade sexu-al, compreendendo a ‘normatização’ do corpo e da sexualidade como um dos elementos centrais do patriarca-do, que se expressa na dominação, opressão e violência. Precisamos for-talecer as lutas, os sujeitos e a unida-de neste campo e envolver todos os setores do feminismo para a cons-trução do projeto feminista e popu-lar para o Brasil.

Larisse de Oliveira Rodrigues é militante da organização Consulta Popular.

Larisse de Oliveira Rodrigues

Uma diversidade de mulheres em luta

crônica Elaine Tavares

UM CONJUNTO de iniciativas uni-tárias pautando interesses populares mostram que 2013 vai se confi gu-rando como um ano de lutas, em que os trabalhadores apontam soluções concretas e viáveis que permitem ao Brasil enfrentar a crise mantendo e aprofundando seu crescimento.

A primeira delas é a marcha das centrais sindicais e dos movimen-tos sociais à Brasília. Exigindo “me-nos juros, mais produção, investi-mento, salário e emprego”, milha-res de trabalhadores das centrais sin-dicais e dos principais movimentos sociais do país mostram a força de uma ação unitária. A linha defi nida é bem clara. Para que o Brasil continue crescendo é fundamental que a con-quista de aumentos reais nas campa-nhas salariais e a valorização do salá-rio mínimo se mantenham como os elementos decisivos para o fortaleci-mento do mercado interno, que vem assegurando o enfrentamento da cri-se internacional. Eis por que con-quistas como a jornada de 40 ho-ras semanais sem redução de salário; Fim do fator previdenciário; Reforma agrária; Igualdade de oportunidades entre homens e mulheres; Política de valorização dos aposentados; 10% do PIB para a educação; 10% do Orça-mento da União para a saúde; Cor-

reção da tabela do Imposto de Ren-da; Ratifi cação da Convenção 158 da OIT – que impede a demissão imoti-vada; Regulamentação da Convenção 151 – que estabelece a negociação co-letiva no serviço público e a Amplia-ção do investimento público são os onze itens que compõem a pauta da Marcha.

A segunda iniciativa igualmente fundamental é a Jornada de Lutas da Juventude Brasileira, de 25 de março a 1º de abril. Com uma unidade sur-preendente, as principais forças que atuam na juventude brasileira se mo-bilizam em torno de propostas que apontam soluções para a educação e os principais problemas nacionais.

Também nestes dias, mais de 90 entidades de vários segmentos da sociedade civil assinaram a nota pú-blica do Fórum Nacional pela De-mocratização da Comunicação. O documento apoia o direito à comu-nicação a todos e rechaça a postu-ra do governo em não colocar em debate a democratização da comu-nicação no país. Unitariamente, os signatários iniciam a elaboração de um Projeto de Lei de Iniciativa Po-pular para um novo marco regula-tório das comunicações, que se con-verterá numa intensa campanha ao longo deste ano.

Recordemos que o 8 de março vai se consolidando em todo o país como uma data de mobilizações unitárias. Este ano o tema central é a luta con-tra a violência contra a mulher.

Outra questão decisiva, que tam-bém confere unidade às forças popu-lares é barrar a 11ª Rodada de Leilão do Petróleo.

Também é importante destacar que o Grito dos Excluídos, que vem se construindo como uma referência

de lutas em todo o país, defi niu como lema este ano “Juventude que ousa lutar, constrói o Poder Popular”

Como se vê, avançam as iniciati-vas de mobilização e o elemento novo é que apresentam reivindicações de uma pauta comum. Quem não perce-be isso e permanece com um discur-so sectário vai se isolando do proces-so de lutas. Estamos assistindo à re-tomada das lutas unitárias em que as organizações da classe trabalhado-ra, cada vez de forma mais autôno-ma, ingressam no debate sobre o de-senvolvimento enquanto projeto de nação.

Apresentam uma pauta viável, possível de ser conquistada e o que é principal, a única que possibili-ta um enfrentamento da crise eco-nômica internacional favorecendo as condições de vida do povo bra-sileiro.

O momento atual cria as condi-ções para debatermos a necessidade de um projeto nacional de desen-volvimento. O conteúdo desse pro-jeto passa pelas reformas estrutu-rais na sociedade; pela industriali-zação soberana, ou seja, uma indus-trialização fundada em tecnologia nacional e ao mesmo tempo de pon-ta, o que signifi ca pesados investi-mentos em educação, ciência e tec-

nologia; e, fi nalmente, o elemento da criatividade cultural.

Os setores organizados da clas-se trabalhadora vão percebendo que são necessárias mudanças mais profundas na política macroeconô-mica acompanhadas de reformas estruturais na sociedade e aumento considerável da taxa de investimen-to do Estado no setor produtivo pa-ra gerar milhões de empregos. Além disso, o que realmente poderia ga-rantir renda e emprego num mo-mento de crise profunda seria um conjunto de reformas nacionais, de-mocráticas e populares que depen-dem mais de um amplo movimen-to de massas do que de um governo de composição que concilia interes-ses de classes.

O impasse no crescimento econô-mico imposto pela crise capitalis-ta favorece essa proposta. O proje-to nacional de desenvolvimento é um componente fundamental do que te-mos chamado de projeto popular pa-ra o Brasil.

Com as iniciativas unitárias que es-tão sendo construídas teremos um ano bastante promissor, com lutas e mobilizações onde as forças popula-res podem avançar muito e superar o difícil período de descenso que mar-cou as últimas décadas.

de 7 a 13 de março de 20132editorial

Gama Transpondo o São Francisco

Com as iniciativas unitárias teremos um ano bastante promissor, com lutas e mobilizações onde as forças populares podem avançar muito

Hoje, pensando no destino do velho Chico lembrei-me daquela moleca, poucos anos mais velha que eu. Tão negra, tão linda, tão cheia do espírito do rio. Onde andaria?

Diante do avanço do conservadorismo temos o desafi o de fortalecer a relação e unidade na construção das lutas nos diversos campos do feminismo

opinião

APESAR DE TODAS AS VOZES que gritam contra mais um crime am-biental, o governo federal segue as obras de transposição do rio São Francisco, esse imenso manancial de vida e de beleza que percorre o norte de Minas e se vai até Pernambuco. O argumento para a obra é de que levará água para os pobres, mas, na verdade, o objetivo é ofe-recer água para o agronegócio, grandes fazendeiros e indústrias. Com a “mexida” nas águas, como dizem os sertanejos, o velho Chico corre risco de secar. As gentes ribeirinhas fi zeram sua luta. Foram derrota-das. A obra já está quase 50% terminada. Para aqueles que se debru-çam no cais do rio, espichando o olho para o profundo das águas, res-ta o medo de que tudo vire lenda, assim como as histórias de encanto que soem acontecer nas margens feiticeiras.

Eu mesma tenho a minha. Foi lá, na beira do rio, que conheci uma mulher que não era gente. Era orixá. Vivi minha adolescência na beira do São Francisco, na cidade de Pirapora (MG), bem no ponto em que o gigante aquieta suas quedas e permite o navegar. Naqueles dias – e ainda hoje – era comum, ao fi nal da tarde, as gentes passearem pelo cais, a ver o pôr do sol, coisa mágica. Assim, todos os dias eu pegava a magrela e, pedalando, percorria o cais, desde as duchas (pequenas ca-choeiras), onde fi cava o Xangô (um bar), até o fi nal, lá onde descansa-vam os “gaiolas”, grandes barcos que navegam o rio, ainda movidos a carvão. Bem no fi nal era a zona do meretrício, lugar proibido para as mocinhas “de bem”. Mas eu sempre fui curiosa e distraída. O rio me encantava e eu descia, descia, descia... Quando dava por mim, já esta-va em meio às pequenas casas de luz vermelha.

Foi lá que conheci Lucinha, uma linda negra pernalta, de riso solto e gestos largos. Era como uma fl or de manacá, fresca e cheirosa. La-vava roupa para fora e passava o dia inteiro nas pedras do rio. “Tem problema não, branquinha. A gente fortalece os músculos e não cria barriga. Olha só... É só encolher o estomago... Sempre. A barriga não se cria”. Não ligava de morar na zona e não dava bola para fuxico. “Me deito com quem eu quero. Ninguém me paga as contas”. Gostava de fi car na calçada, ao fi m do dia, com sua bacia de mangas ou tama-rindos, repartindo, generosa, com meninos e gurias curiosas. Depois, banhava no rio e secava ao sol, como as roupas que lavava. “Têm dias que eu queria deitar na água e ir até Juazeiro, boiando. Será que exis-te céu? Conheci minha mãe não, acho que sou fi lha do cão”.

Hoje, pensando no destino do velho Chico lembrei-me daquela mo-leca, poucos anos mais velha que eu. Tão negra, tão linda, tão cheia do espírito do rio. Onde andaria? Que teria sido feito de sua vida? Ainda posso ouvir sua risada de cristal enquanto corria pela areia da praia perseguindo um pássaro qualquer. Nossa amizade fugidia, de alguns minutos ao pôr do sol, de compartilhamento de frutas e peque-nos sonhos se quedou lá, na beira do grande rio. O bom e velho São Chico, forjador de belezas em mim. A Lucinha, orixá das águas, força viva da natureza, deve andar por lá, de músculos duros e barriga sara-da. Com certeza acompanhou as passeatas, os protestos, na luta pelo seu mundo. E espia o rio, assustada, todos os dias, com medo de per-dê-lo. Porque ela sabe...

Enquanto vejo as fotos das máquinas, rasgando a terra, criando ca-nais artifi ciais, desviando o rio, desfi gurando o gigante, assoma a tre-menda impotência de saber que o crime vai se dar. A despeito de toda a luta das gentes. O rio vai secar, e Lucinha nunca mais poderá ir boiando até Juazeiro.

Elaine Tavares é jornalista.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Renato Godoy de Toledo • Subeditor: Eduardo Sales de Lima • Repórteres: Aline Scarso, Michelle Amaral, Patricia Benvenuti • Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG), Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo

(Roma – Itália), Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela), Marcio Zonta (Peru) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP), Flávio Cannalonga (in memoriam),João R. Ripper (Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Leonardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ) • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Jade Percassi • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: S.A. O Estado de S. Paulo • Conselho Editorial: Angélica Fernandes, Alipio Freire, Altamiro Borges, Aurelio Fernandes, Bernadete Monteiro, Beto Almeida, Camila Dinat, Cleyton W. Borges, Dora Martins, Frederico Santana Rick, Igor Fuser,José Antônio Moroni, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Marcelo Goulart, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Pinheiro, Neuri Rosseto, Paulo Roberto Fier, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Rosane Bertotti, Sávio Bones, Sergio Luiz Monteiro, Ulisses Kaniak, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou [email protected] • Para anunciar: (11) 2131-0800

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de 7 a 13 de março de 2013

entidades que aprovam a medida tampouco têm força so-cial para mudar esta relação de forças, especialmente em ano pré-eleitoral. Nem há unidade em torno de um pro-grama que inclua alas empresariais não oligopólicas, co-mo na Argentina. E o PMDB tem força parlamentar para travar o governo.

Mas há o que fazer agora sem precisar mudar a Cons-tituição. Defender o programa Voz do Brasil, experiên-cia bem sucedida de regulamentação informativa. Pode e deve ser melhorada, expandida sua estrutura jornalís-tica para todo o território, deixando de ser só a Voz de Brasília.

Revitalizar a Telebrás estatal. E sem mexer na Consti-tuição pode-se formar uma grande cooperativa, com mi-lhares de sindicatos e entidades cotistas, para montar um jornal diário, nacional e popular, com tiragem inicial de 1 milhão exemplares, no mínimo. Ao invés da disper-são em milhares de jornais modestos, um jornal de mas-sas, distribuído a preços módicos ou gratuitamente. O campo progressista que elegeu 3 presidentes e colocou milhões para comer e vestir melhor, não pode montar um jornal popular? Argentina, Bolívia, Equador e Bolí-via já têm. E Vargas, montou o Última Hora.

O PT e a regulamentaçãoNOVAMENTE, O DIRETÓRIO Nacional do PT aprova resolução em favor da luta pela regulamentação da mí-dia. Demonstra a centralidade da comunicação na polí-tica e consciência sobre a atuação da mídia como partido principal da oposição conservadora. Resoluções são mui-to importantes, mas não resolvem o problema do PT não ter maioria no Congresso Nacional, sem o que é impossí-vel estabelecer regras democráticas para assegurar a plu-ralidade, a diversidade e a democracia na comunicação. Aliás, como está na Constituição desde 1988, mas, sem que o campo progressista tivesse força para regulamen-tar o que lá já está.

A novidade da resolução do PT está na convocação da militância para colher 1,5 milhão de assinaturas para um Projeto de Iniciativa Popular. Nos anos de 1990, a Fenaj também começou a colher assinaturas, abandonando por falta de força social. Hoje, após o PT ter eleito três presi-dentes, a relação de forças alterou-se. Mas não o sufi cien-te dentro do Congresso, onde o PT tem que ter juízo pa-ra não romper uma aliança com o PMDB – que preside as duas Casas – e não tem interesse em pautar a regulamen-tação da mídia. Sozinho, o governo pode até enviar uma proposta, mas com poucas chances de aprovação. As 90

iconoclasistas.com.ar

instantâneo

Beto Almeida

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O PAPA BENTO XVI, ao renunciar ao trono de Pedro a 28 de fevereiro, deu sinal verde à abertura do novo conclave, que em março reunirá o Colégio de Cardeais para eleger seu sucessor.

Serão 115 cardeais com menos de 80 anos a participar da eleição em Roma, mesmo que estejam sob censura ou tenham sido excomungados. Durante o tempo que durar a reunião fi carão isolados do mundo, recolhidos em apo-sentos especiais, próximos à famosa Capela Sistina, onde ocorrerá o processo eleitoral.

O conclave é aberto com missa solene celebrada na Ba-sílica de São Pedro. Cada cardeal faz o voto de manter a eleição em segredo, e todos rezam para que o Espírito Santo inspire suas escolhas. Em seguida, se recolhem.

O verdadeiro motivo do isolamento dos cardeais,ocorrido pela primeira vez em 1268, por ocasião damorte de Clemente IV, é apressar a decisão. Aquele con-clave esteve reunido durante quase quatro anos, semque as divergências políticas abrissem caminho às luzesdo Espírito Santo. Para apressar os cardeais a votar, foipreciso destelhar a sala em que se reuniam. Suas emi-nências temeram mais os rigores do frio que a claustro-fobia. Por fi m, em 1271, o conclave elegeu Teobaldo Vis-conti, que, aliás, era monge, mas não sacerdote. Adotouo nome de Gregório X.

Antes de os cardeais se recolherem, as salas e os apar-tamentos são examinados para detectar possíveis micro-fones; as entradas são seladas, as janelas vedadas, as cor-tinas, fechadas.

Na Capela Sistina, seis velas são acesas no altar, onde está o cálice sagrado. Nele serão colocados os votos. Os cardeais adentram à capela sem chapéu. As cabeças des-cobertas e os baldaquinos simbolizam que a autoridade suprema nasce apenas dessa reunião, e não pertence a ne-nhum deles, individualmente.

O voto é secreto. Duas sessões de votação são realizadas a cada dia, uma pela manhã e outra à tarde.

Cada cardeal deposita seu voto no cálice sobre o altar. Após cada sessão, os papéis da votação são queimados. Se a votação não foi conclusiva, uma substância química é adicionada aos papéis, para que produzam fumaça preta ao queimar. A fumaça que sai pela chaminé, no telhado do Palácio do Vaticano, é o sinal para a multidão que espera na Praça de São Pedro. Enquanto for preta, signifi ca que a Igreja permanece sem a sua principal fi gura.

Eleito o novo pontífi ce, com 2/3 dos votos, o decano ou o mais velho dos cardeais pergunta ao novo papa se acei-ta a eleição e por qual nome deseja se tornar conhecido. Esse costume vem desde o século 10. É uma lembrança de que Jesus mudou o nome daquele que viria a ser o primei-ro chefe da Igreja, de Simão para Pedro.

Nesse momento, todos os baldaquinos cor púrpura são levantados, menos o que cobre o assento do escolhido. Os papéis da votação são queimados e a fumaça branca avisa ao povo na praça e ao mundo que um novo papa foi elei-to.

O escolhido, conduzido a um quarto ao lado, veste as roupas de papa (os alfaiates as deixam prontas em três ta-manhos). Os cardeais prestam a ele sua primeira home-nagem. O decano vai até o balcão e proclama: “Habemus papam!” (Temos papa). E o novo pontífi ce aparece no balcão para abençoar a multidão.

Como o conclave que se aproxima é inusitado, pois cor-re paralelo a um papa renunciante que continuará mo-rando no Vaticano, não se sabe ainda em que momento o pontífi ce que se afastou saudará o eleito. O cerimonial da Santa Sé quebra a cabeça para criar rubricas que respon-dam a inúmeras questões: é o papa renunciante que de-verá ir ao encontro do eleito ou o contrário? Os dois per-manecem dotados de infalibilidade em questões de fé e moral ou apenas o novo pontífi ce? Já se sabe, porém, que Bento XVI perde o Anel do Pescador e os sapatos verme-lhos, embora permaneça com direito às vestes brancas, adotadas desde o pontifi cado de Pio V, entre 1566 e 1572, e inspiradas no hábito dos frades dominicanos, a cuja fa-mília religiosa ele pertenceu antes de ser ordenado bispo.

Enfi m, com dois papas vivos, a Igreja Católica será, ago-ra, foco das atenções por muito tempo. Tomara que sai-ba aproveitar para fazer transparecer melhor a mensa-gem de Jesus.

Frei Betto é escritor, autor de Conversa sobre fé e ciência(Agir), em parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão,

entre outros livros.

Frei Betto

Um conclave inusitado

Enfi m, com dois papas vivos, a Igreja Católica será, agora, foco das atenções por muito tempo

dentre os quais o ativista e fi lósofo Franco Berardi, a di-tadura fi nanceira é o maior perigo para a vida social da Itália, assim como para toda a Europa. O capitalismo fi -nanceiro está produzindo miséria, fascismo e está crian-do as condições para a violência. Os movimentos foram importantes para uma tomada de consciência coletiva, mas não modifi caram as políticas da classe fi nanceira da União Europeia. Ainda que o “5 estrelas” não seja ca-paz de criar as condições para uma transformação social igualitária e libertária, ele teria quebrado, pela primei-ra vez, a ordem ultraliberal privatista do núcleo duro do poder europeu (vide os baixos índices de votação do ex-primeiro ministro Mario Monti).

Berardi não tem dúvidas de que as eleições italianas brecaram o trem da ofensiva fi nanceira e abriram cami-nho para um processo de reconstrução social, que de-veria interessar diretamente aos movimentos sociais de dentro e de fora da Itália. De qualquer forma o embate que emerge com toda a força é entre os valores da demo-cracia representativa e a democracia direta. Em tempo: Beppe Grillo defi nitivamente não é o Tiririca italiano.

Votos nas estrelasNA ITÁLIA NÃO HOUVE um movimento como os indig-nados, nem algo como o occupy; muito menos alguma for-ma de “primavera árabe” ou manifestações semelhantes às da praça Syntagma, em Atenas. Por que? Intérpretes mais radicais, como o importante coletivo de escritores italia-nos Wu Ming, entendem que uma grande cota de indig-nação foi interceptada e capturada exatamente pelo come-diante Beppe Grillo e pelo marqueteiro Gianroberto Ca-saleggio, principais lideranças do “Movimento 5 Estrelas”, que surpreendeu a todos com uma votação de 25,5% na Câmara dos Deputados e 23,81% no Senado italiano.

Portanto para os críticos mais céticos desta ascen-são meteórica, o “5 Estrelas” seria uma força controla-da a partir de um vértice, que recicla reivindicações dos movimentos sociais, misturando-os com a visão de um capitalismo “light”, nem à direta, nem à esquerda. Um dos pontos fortes do seu programa é a reivindicação de uma cidadania digital com acesso gratuito à internet, as-sim como uma aposta nos referendos online (que mui-tos acham que é sinônimo de democracia direta). Pa-ra uma outra vertente de observadores da cena italiana,

Silvio Mieli

ONU discute estratégias para elimi-nar violência contra as mulheres

Com o tema “Eliminação e prevenção de as formas de violência contra as mulheres e meninas”, começou dia 4, na sede das Na-ções Unidas em Nova York, a 57ª Comissão sobre o Status da Mulher (CSW, na sigla em inglês). A cada ano, representantes dos estados membros, entidades da ONU, ONGs credenciadas no Conselho Econô-mico e Social (ECOSOC) e outros atores se reúnem na sessão anual da CSW. O evento deste ano irá até o dia 15 de março.

Universidades lançam mapa de confl itos ambientais em MG

Grupos de pesquisa de três universidades mineiras lançaram um mapa que fornece informações sobre os impactos ambientais causados por setores empresariais. Após quatro anos de investigação, o Mapa de Confl itos Ambientais de Minas, lançado

dia 1 de março, em São João del-Rei (MG), apresenta 541 casos que apontam mine-radoras, hidrelétricas e imobiliárias como principais autoras dos confl itos existentes no campo. Cada caso possui um relatório, elaborado através de pesquisa em fontes institucionais e entrevistas com os movi-mentos de resistência. Participaram da elaboração do mapa a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), a Universi-dade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

Caminhoneiros são as maiores víti-mas de acidentes de trabalho fatais

Os caminhoneiros são os trabalhadores que mais morrem nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Foi o que mostrou uma pesquisa inédita divulgada em feve-reiro sobre acidentes de trabalho fatais nos dois estados, relativa aos anos de

2006 a 2008. De acordo com o estudo, 15% dos 823 trabalhadores que morre-ram em decorrência da atividade laboral em Minas Gerais nesse período eram mo-toristas de caminhão; outros 5,7% eram serventes de obras e 3,7%, trabalhadores da agropecuária em geral. No estado São Paulo, a pesquisa revelou números seme-lhantes. Os caminhoneiros foram maio-res vítimas entre os 2.252 mortos equi-valendo a 11%, seguidos pelos serventes de obras (3,7%) e trabalhadores de linha de produção (3,1%). O estudo relaciona os dados de declarações de óbitos com as Comunicações de Acidentes do Trabalho (CAT) e foram divulgados em uma pes-quisa do órgão governamental Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), em parceria com a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) de São Paulo.

fatos em focoda Redação

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brasilde 7 a 13 de março de 20136

da Redação

CUT, Força e UGT participam da Campanha “Trabalho Decente”

Os presidentes da CUT, José Carlos Nu-nes, da Força, Alexandro Martins Costa, e da UGT, Ari George, no Espírito Santo, participaram, dia 4 de março, do lança-mento do vídeo da Campanha “Trabalho Decente Antes e Depois de 2014”, elabora-do pela Central Internacional dos Traba-lhadores da Construção e Madeira (ICM) – considerado o maior sindicato global do ramo no mundo -- na sede do Sindicato dos Trabalhadores da Construção do Espí-rito Santo, no centro de Vitória. Também foram convidados dirigentes de 27 sindica-tos das cidades-sede da Copa do Mundo.

Trabalhadores das indústrias de Alimentação defi nem estratégias

A Confederação Nacional dos Traba-lhadores nas Indústrias de Alimentação e Afi ns (CNTA Afi ns) realizou, dias 4, 5 e 6 de março, a 1ª Conferência do Secreta-riado Nacional da Alimentação, em Recife (PE). O objetivo do evento foi integrar os setores da categoria para defi nir estraté-gias de organização e fortalecer a mobili-zação de aproximadamente 1,6 milhões de trabalhadores em todo o país. A iniciativa prevê a busca constante de melhores condições de trabalho e salários para a categoria, com destaque para o setor fri-gorífi co, que apresenta o maior número de trabalhadores e ocorrências de doenças e acidentes ocupacionais.

Certifi cação Digital para os Sindicatos começará em abril

Em 22 de fevereiro de 2013, foi publica-do no Diário Ofi cial da União a Portaria nº 268, de 21 de fevereiro de 2013, que esta-belece, a partir do próximo dia 2 de abril, a obrigatoriedade da utilização da Certifi ca-ção Digital, emitida conforme a ICPBrasil, nas solicitações realizadas eletronicamente via internet no Cadastro Nacional de En-tidades Sindicais (CNES). De acordo com o secretário de Organização da CUT, Jacy Afonso, a iniciativa é positiva pois traz mais segurança e transparência para a tramitação de documentação referente a registro sindical no Ministério do Trabalho e Emprego, e já é parte das mudanças da nova portaria do MTE, que será publicada nos próximos dias.

Trabalhadores rurais e urbanos se reúnem em Brasília

Cerca de três mil trabalhadores do cam-po e da cidade estão reunidos em Brasília para a realização do 11º Congresso Nacio-nal de Trabalhadores e Trabalhadoras Ru-rais (11º CNTTR), que acontece de 4 a 8 de março no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Com o tema “Fortalecendo o Movimento Sindical para melhorar a qua-lidade de vida no campo”, o 11º CNTTR da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), tem como pro-pósito refl etir sobre a conjuntura de vida e trabalho da categoria, bem como se cons-titui em um espaço formativo, avaliativo e propositivo, apontando novos rumos para fortalecer a luta da classe trabalhadora rural.

MT fi xa nova regulamentação pa-ra registro de sindicatos

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) publicou, dia 4, no Diário Ofi cial da União, a portaria que institui novas regras para os pedidos de registro das entidades sindicais de primeiro grau (sindicatos). O objetivo, segundo o ministério, é dar maior agilidade à entrega dos registros e evitar irregularidades, tornando mais rígida a criação de sindicatos. Para a solicitação de registro sindical ou de alteração estatutá-ria, a entidade deverá possuir certifi cado digital e acessar o sistema do Cadastro Na-cional de Entidades Sindicais (Cnes), dis-ponível no site http://portal.mte.gov.br/cnes/ e seguir as instruções para a emissão do requerimento do registro. Após a trans-missão eletrônica dos dados, o interessado deverá protocolizar na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), ou nas gerências da unidade da federação onde se localiza a sede da entidade sindi-cal, os documentos necessários no prazo de 30 dias.

Marcha da centrais sindicais a Brasília

A classe trabalhadora, mais uma vez uni-fi cada e mobilizada por ‘Desenvolvimento, Cidadania e Valorização do Trabalho’, pressiona o Congresso Nacional e governo em defesa dos empregos, salários e traba-lho decente. Assim foi a Marcha das cen-trais e movimentos sociais, realizada dia 6 de março. Fundamental para o desen-volvimento do país, sendo um importante instrumento de distribuição de renda e mais oportunidades de trabalho, a redução da jornada para 40 horas semanais sem redução de salários encontra difi culdades em avançar no Congresso Nacional. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 393/2001 está parada na Câmara dos De-putados. “Esta Marcha é um momento pa-ra fazermos avançar o projeto no Congres-so, abrindo uma discussão na sociedade do que signifi ca a redução na jornada de tra-balho, uma oportunidade para gerarmos mais e melhores empregos. Trabalhador com renda signifi ca mais consumo e eco-nomia em movimento”, afi rmou Vagner Freitas, presidente nacional da CUT.

espaço sindical

Pedro Rafaelde Brasília (DF)

AS ÚLTIMAS semanas foram marcadas por episódios que acenderam o clima de disputa pelo governo federal, a mais de um ano da campanha presidencial de 2014. Entre atos públicos e declara-ções diversas, ao menos quatro dos pro-váveis protagonistas do próximo pleito movimentaram peças que podem infl uir no cenário eleitoral que apenas começa a se desenhar.

No último dia 16 de fevereiro, a ex-ministra e ex-senadora Marina Silva lançou seu partido, batizado de Rede Sustentabilidade. Para ter alguma via-bilidade eleitoral, a agremiação preci-sa reunir 556 mil assinaturas em nove estados até setembro. Todo esforço dos primeiros dias do novo partido é justa-mente a coleta das assinaturas, tarefa que tem sido executada pessoalmente por Marina, na tentativa de constituir a força política institucional que lhe per-mita entrar na disputa, ou pelo menos intervir nela.

Tucanos antecipamNo PSDB, a “agenda eleitoral” já ha-

via sido inaugurada no fi m do ano pas-sado, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou que o se-nador Aécio Neves é o nome da oposi-ção de direita que travará a disputa com Dilma Rousseff (PT). Aécio, desde en-tão, tem esboçado uma projeção nacio-nal ao incidir em debates sobre as medi-das do governo e, inclusive, assumir de-fesa do período tucano na presidência (1995-2002).

No projeto que tratou da redução nas contas de energia elétrica, por exemplo, o senador e também ex-governador de Minas Gerais posicionou-se claramen-te contra a medida. No embate mais re-cente, há dez dias, “elegeu” os 13 fracas-sos do PT no governo, para se contrapor à festa de 33 anos de fundação do parti-do governista, no último dia 20.

“Acho que Aécio e o PSDB estão fazen-do a coisa certa, do ponto de vista de-

les. Assumindo com clareza um deline-amento ideológico, que começa resga-tando a herança do governo FHC, pas-sa por estimular o antipetismo e se con-clui com a apresentação de um progra-ma de governo que é a volta do malanis-mo [em referência à política econômica do ex-ministro da Fazenda, Pedro Ma-lan]. Não se faz política sem núcleo duro de ideias. Eles têm força eleitoral, apoio institucional, uma candidatura compe-titiva e estão assumindo um programa claro. Um desastre total para a maio-ria do povo brasileiro, mas um progra-ma claro”, avalia Valter Pomar, membro do Diretório Nacional do PT.

O advogado Ricardo Gebrim, da Con-sulta Popular, entende que o movimen-to antecipatório serve, ao mesmo tem-po, para testar o potencial do pré-candi-dato do PSDB e consolidar a aliança de classe necessária ao enfrentamento elei-toral. “A parcela da burguesia que o PS-DB está tentando representar é o setor fi nanceiro, que tem interesse grande na área de energia, um elemento motiva-dor para a negativa dos governos tuca-nos em endossar a redução da eletrici-dade. É o setor que teria capacidade de bancar, juntar dinheiro”, argumenta.

Na opinião de Eliana Graça, assessora política do Instituto de Estudos Socioe-conômicos (Inesc), Dilma “foi mais lon-ge” que Lula no enfrentamento ao se-tor fi nanceiro, o que pode desencadear a conformação dos apoios para as elei-ções. “A presidenta mexeu com interes-ses muito poderosos, ao reduzir a taxa Selic, e evitando que os juros voltem a subir. Esse setor vai querer peitar o go-verno”, prevê.

Lula atiça a mídiaPara o vice-presidente nacional do

PSB, Roberto Amaral, coube a Lula o papel de insufl ar a mídia na antecipa-ção do debate eleitoral. “Podem juntar quem quiserem, vamos dar como res-

posta a reeleição [da Dilma]”, pronun-ciou o ex-presidente da República no ato que celebrou os 33 anos de fundação do PT. Presente à festa, Amaral não gos-tou do tom. “Lula detonou o clima elei-toral. Isto, a imprensa já vinha fazendo. Agora, por razões que ninguém sabe, só ele, o debate foi antecipado. Do meu ponto de vista, achei desnecessário, pois todo mandatário é candidato natural à presidência”, provocou, em entrevista ao Brasil de Fato.

Valter Pomar, da direção nacional do PT, reage à ideia de que o partido ace-lerou a própria sucessão. “Quem preci-sa antecipar a campanha eleitoral é a oposição. Marina precisa constituir seu partido, Aécio precisa ganhar seu parti-do e Eduardo Campos (PSB) precisa to-mar partido, entre ser situação e oposi-ção. Mas, para disfarçar seus problemas e fragilidades, a oposição acusa o gover-no de ter antecipado o debate eleitoral”, cutuca. Pomar lembra que a escolha pe-la reeleição havia sido deliberada ainda em 2010. “Nem o PT nem a Dilma po-dem ser proibidos de debater política com a sociedade. Nem podem nos privar do direito de reagir aos ataques. Quando eles nos atacam, dizem que é debate po-lítico legítimo, quando nós devolvemos, eles dizem que é campanha eleitoral an-tecipada”, complementa.

de Brasília (DF)

O PSB, um dos principais aliados na base de sustentação do governo, estu-da a possibilidade de construir candida-tura própria já em 2014, com Eduardo Campos, governador de Pernambu-co e presidente nacional da legenda. O discurso, porém, ainda é comedido. “Quando ponho a discussão presiden-cial na pauta, eu encurto o mandato da presidência, que ainda tem dois anos”, afi rma Roberto Amaral, vice-presiden-te nacional do partido. “Nós entende-mos que 2012 não foi um ano bom e na-da indica que 2013 será melhor. O mais importante é pensar o país e, portanto, apoiar a presidente Dilma”, indica.

No cenário atual, para Valter Pomar, as cartas estão marcadas. “A preços de hoje, o PSB já decidiu que terá candida-tura própria à presidência da República em 2014. E eles têm este direito. Agora, para justifi car de maneira mais palatá-vel a ruptura com o governo, é preci-so antes que a situação econômica pio-re. E, como pega mal torcer pelo quan-to pior melhor, eles têm adiado o anún-cio formal de uma decisão que todos sa-bem já tomada”, acredita. Pomar, que

é membro da direção nacional do PT, pondera que Campos pode até recuar da decisão de não sair candidato, mas vê uma tentativa de gradual de desco-lamento do PSB. “Campos está buscan-do ser uma alternativa ao PT e, para is-to, está assumindo um tipo de crítica ao PT e um tipo de programa que, a conti-nuar nesta toada, vão fazer de sua can-didatura um instrumento da direita”, aponta.

Roberto Amaral reconhece o corte-jo que setores da direita fazem em di-reção a Eduardo Campos, mas rejeita essa apropriação “conservadora”. “Co-mo a oposição não tem candidato viá-vel, há um desejo de que um eventual candidato do nosso partido correspon-da a uma candidatura do campo da di-reita. Eles querem fazer graça com cha-péu alheio”, critica.

O modo como a antecipação do de-bate eleitoral tem sido conduzido pe-la mídia indica a necessidade de um ra-cha na base aliada para que a oposição tenha chances reais de vitória em 2014. Surfando sobre uma popularidade que ultrapassa os 70% de aprovação, o go-

verno Dilma Rousseff tem, a seu favor, além de bons resultados na economia – o nível de desemprego é o menor da his-tória –, uma frente política ampla e di-versa de partidos e organizações.

Por essa razão, Eduardo Campos pas-sou a ser fi gura central no xadrez da própria oposição. É o que avalia o jor-nalista Altamiro Borges, do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé e do Blog do Miro, e membro da direção nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). “A primeira aposta da oposição é no quanto pior melhor, e a segunda aposta é romper o campo go-vernista para poder ter chance de ir ao segundo turno. Para a direita pensante, quanto mais se diluírem as candidatu-ras, melhor”, explica.

Altamiro reconhece a legitimidade do PSB em alçar candidatura própria à pre-sidência, mas ressalta a difi culdade in-terna do partido. “É visível que há cons-trangimento, a declaração dos irmãos Gomes, por exemplo, que não há mo-tivo para romper esse bloco que ocupa o Palácio do Planalto é um sinal. Mas a questão é que o crescimento do PSB e a liderança do Eduardo se deram muito nas mudanças que ocorreram no país. Tem uma dívida aí com o governo fe-deral. Lula apostou muito na revitaliza-ção do nordeste, no combate à desigual-dade social crônica, o que alavancou es-sas forças”.

Ricardo Gebrim, da Consulta Popu-lar, enxerga uma estratégia semelhante à de outros pleitos, em que candidatu-ras dissidentes compuseram um cená-rio de relativa fragmentação da esquer-da, viabilizando um segundo turno. “É um esforço para esvaziar o bloco que apoia o PT”, afi rma. (PR)

Roberto Amaral reconhece o cortejo que setores da direita fazem em direção a Eduardo Campos, mas rejeita essa apropriação “conservadora”

Oposição depende de racha na base aliadaVice-presidente do PSB rejeita cortejo para atrair partido à direita. Governistas acreditam que polarização ainda será a tônica

No embalo para 2014POLÍTICA Precipitação do debate eleitoral pela mídia testa as estratégias para barrar “favoritismo” de Dilma Rousseff

“A presidenta mexeu com interesses muito poderosos, ao reduzir a taxa Selic, e evitando que os juros voltem a subir”

“Lula detonou o clima eleitoral. Isto, a imprensa já vinha fazendo. Agora, por razões que ninguém sabe, só ele, o debate foi antecipado”

Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Lula discursa em evento realizado no Anhembi, em São Paulo, que comemorou os dez anos de governo petista

Page 7: Nos embalos de 2014

brasil 7de 7 a 13 de março de 2013

Na década de 1950, após a morte de Castro, a vila foi leiloada para o paga-mento de dívidas da tecelagem. Arre-matada por credores, duas décadas mais tarde o imóvel foi doado à Fundação Le-onor de Barros Carvalho.

Nessa mesma época, o conjunto, tom-bado pelo Conselho de Defesa do Patri-mônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Con-dephaat), ganhou seus primeiros planos de restauração. Em 1976, os arquitetos

Benedito Lima de Toledo, Cláudio Tozzi e Décio Tozzi desenvolveram um proje-to que previa a transformação da vila em um centro cultural.

Os moradores continuaram com seus contratos de locação até o início da dé-cada de 1990, pagando o aluguel regu-larmente a uma imobiliária que adminis-trava o espaço. Em 1997, porém, a imo-biliária parou de enviar os boletos de co-brança e a Fundação, que detinha o título de propriedade, deixou de se comunicar com os inquilinos. A partir do abandono, de acordo com os moradores, começa-ram a ocorrer problemas que levariam à deterioração da vila, como ocupações ir-regulares e construções improvisadas.

A vila também foi cenário da gravação de novelas e da passagem de persona-gens ilustres. Imagens de 1978 mostram Adoniran Barbosa e Elis Regina cami-nhando na Vila Itororó durante um pas-seio pelo Bixiga antigo. (PB)

Imagens de 1978 mostram Adoniran Barbosa e Elis Regina caminhando na Vila Itororó durante um passeio pelo Bixiga antigo

Uma vila cheia de históriasExtravagante, local ganhou o apelido de “Casa Surrealista”

Patrícia Benvenutida Reportagem

DEPOIS DE OITO décadas de vidas e histórias, a Vila Itororó está vazia. Em 20 de fevereiro, foram despejadas as últi-mas famílias que viviam no conjunto ar-quitetônico localizado no bairro do Bixi-ga, região central de São Paulo.

Uma das vilas urbanas mais antigas de São Paulo (leia abaixo), a Vila Itororó foi cenário, nos últimos anos, de uma bata-lha envolvendo prefeitura e governo do Estado de São Paulo, que queriam trans-formá-la em centro cultural, e morado-res, que lutavam para ter seus direitos re-conhecidos. Por fi m, venceu o poder pú-blico, e às famílias restou apenas sair do lugar onde viveram por tantos anos.

Luta antigaA disputa teve início em 2006, quan-

do a vila foi desapropriada pelo gover-no do Estado, por meio de um decreto de utilidade pública. Em seguida, o Es-tado repassou o imóvel à Secretaria Mu-nicipal de Cultura, que fi cou responsável por elaborar um projeto de restauração para o local.

Alegando que seria inviável manter os moradores depois da reforma, o poder público tomou as primeiras providên-cias para tirá-los da Vila. Por meio de um acordo de cooperação entre município e Estado, fi cou acertado que a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) seria responsável pelo atendimento provisório às famílias, e a Companhia de Desenvol-vimento Habitacional e Urbano (CDHU), por sua vez, pelo atendimento defi nitivo – construção e fi nanciamento de unida-des habitacionais.

Cerca de 80 famílias residiam na vila quando os primeiros moradores foram retirados, no fi nal de 2011. Com a reper-cussão do caso, eles conseguiram algo ra-ro em casos semelhantes: serem levados para prédios próximos de onde viviam, no próprio bairro.

RemanescentesNo entanto, ainda faltava atendimen-

to para algumas famílias, que deveriam ser levadas para o conjunto habitacional Bom Retiro C, também no centro, cuja entrega deveria acontecer em abril des-te ano.

Em dezembro do ano passado, os mo-radores foram surpreendidos com uma notifi cação de despejo, programado para aquele mês. Depois de mobilização das famílias e de acordos com as secretarias envolvidas, conseguiram evitar o despejo e permanecer em suas casas até a entrega dos imóveis da CDHU. Em fevereiro des-te ano, porém, a Justiça determinou a re-tirada das famílias, mesmo sem solução habitacional.

Despejo Eram seis e meia da manhã de 20 de

fevereiro quando os ofi ciais de Justiça foram à Vila Itororó cumprir a reinte-gração de posse do imóvel. A ação con-tou com forte aparato da Polícia Militar, que cercou todo o quarteirão e impedia o acesso ao imóvel.

Sob pressão da PM, os moradores reti-ravam o que podiam de suas residências e levavam seus pertences para a casa de parentes e amigos.

Segundo a Secretaria Municipal de Ha-bitação, seis das oito famílias cadastra-das no órgão recebiam auxílio-moradia no momento do despejo. A informação, porém, é contestada pelos moradores. Há 31 anos na Vila Itororó, Antonia Can-dido conta que o pagamento da primeira parcela da “bolsa-aluguel” no valor de R$ 300 mensais estava agendado para ocor-rer em 28 de fevereiro – oito dias depois do despejo. “Até lá ferem-se os direitos humanos, fere-se a Constituição, fere-se o Estatuto da Criança, do Idoso; fere-se tudo”, afi rma.

Em 25 de fevereiro, ao procurar a Sehab, Antonia foi informada de que o prazo para o pagamento da bolsa-aluguel havia sido prorrogado para 7 de março.

Segundo a Companhia de Desen-volvimento Habitacional e Urbano (CDHU), responsável pelas futuras mo-

radias, o conjunto Bom Retiro C, para onde serão encaminhadas seis famílias, será entregue em março. O órgão, no en-tanto, não especifi cou quando as famílias receberão as chaves dos apartamentos.

Enquanto isso, os antigos moradores da vila passam por difi culdades. A famí-lia de Antonia mudou-se para um hotel, mas não sabe até quando poderá pagar pela estadia. Seu neto mais velho, de três anos, perdeu a vaga na creche. “E a vila lá, fechada”, lamenta.

O caso mais crítico é o de Maria Hele-na Catarinhuque, 58 anos. Por morar há menos tempo na Vila Itororó, ela não foi inserida no cadastro da Sehab para re-ceber a bolsa-aluguel. Com problemas de saúde e sem ter para onde ir, Maria Helena foi levada na noite do despejo por voluntários para uma casa de aco-lhida na região central. Desde então, ela tem pernoitado por diferentes albergues e ainda aguarda uma solução defi nitiva.

Projeto elitistaCerca de 250 pessoas habitavam a Vi-

la Itororó, a maior parte formada por fa-mílias de baixa renda. Para o advogado Caio Rioei Yamaguchi Ferreira, do Es-critório Modelo da PUC-SP, que pres-tava assessoria jurídica aos moradores, a conduta do poder público só levou em conta o deslocamento das famílias.

“O Estado só os removeu de lugar, mas não foi prestar outro tipo de aten-dimento que dialogasse com as necessi-dades dessas pessoas. É um projeto eli-tista e insensível à questão da popula-

ção de baixa renda”, diz. “Pode ser até bom ter um centro cultural lá, mas o di-reito adquirido à moradia deveria va-ler mais”, afi rma João Sette Whitaker, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP).

Tramita na Justiça um processo de usucapião urbano (direito que um cida-dão adquire sobre um imóvel em decor-rência de seu uso por determinado tem-po) em favor dos moradores da Vila Ito-roró. De acordo com o Estatuto da Ci-dade, o instrumento dá direito de pos-se aos moradores que permaneçam em uma área por pelo menos cinco anos, utilizando-a para fi ns de moradia, sem contestação do proprietário. A tendên-cia, porém, é de que o processo demore anos até ser concluído.

HigienizaçãoA destinação da vila para fi ns estrita-

mente “culturais” sempre foi uma das principais críticas ao projeto da Prefei-

tura. Um projeto alternativo para a Vi-la foi proposto pelo Escritório Modeloda Faculdade de Arquitetura e Urba-nismo Mackenzie com o Grupo de Pes-quisa em Habitação Vida Associada. Aideia consistia em recuperar o patrimô-nio, mas previa a permanência dos mo-radores no espaço. No entanto, o proje-to nunca pode ser apresentado à Secre-taria Municipal de Cultura.

Para a arquiteta Aline Fidalgo, queajudou a elaborar o projeto alternativo, a preferência pela opção de centro cul-tural não se justifi ca, na medida em quea região é tradicionalmente marcadapor um grande número de atrações cul-turais. “Para mim, soa como uma des-culpa para esvaziar mais o centro e via-bilizar investimentos altamente lucrati-vos em uma quadra hipervalorizada da cidade”, afi rma Aline. E emenda: “Nin-guém ainda levou a público o que de fa-to, será o futuro da Vila Itororó”, alerta.

Segundo a Secretaria Municipal deCultura, o projeto de restauração estápronto, mas ainda não há previsão deinício das obras.

Ator e diretor da companhia teatralImpulso Coletivo, Jorge Peloso argu-menta que a própria vila sempre foi umpólo cultural. Em 2009, a companhialançou o espetáculo Cidade Submersa,baseado na história das famílias. Paraele, a Vila depende dos seus moradores.“É fato que ela [Vila] necessita de ma-nutenção e reparos, mas a história daItororó é indissociável dos moradoresque ali moraram por décadas”, diz.

Derrota da moradiaSÃO PAULO Para dar lugar a centro cultural, Vila Itororó perde seus últimos moradores; despejadas, famílias não recebem atendimento habitacional

“O Estado só os removeu de lugar, mas não foi prestar outro tipo de atendimento que dialogasse com as necessidades dessas pessoas”

da Reportagem

Era difícil passar pela Vila Itororó e não fi car impressionado com a imponên-cia de sua construção, que ocupa quase todo o quarteirão entre as ruas Martinia-no de Carvalho, Monsenhor Passaláqua, Maestro Cardim e Pedroso no bairro do Bixiga, região central de São Paulo.

Idealizada pelo tecelão português Francisco de Castro durante os anos 20, a vila foi concluída em 1929, dando ori-gem a um palacete cercado por 37 casas de aluguel. Ao todo, são cerca de 4,5 mil metros quadrados.

Em sua construção, foram utilizadas partes do antigo teatro São José (onde se situa hoje o Shopping Light, na Re-pública), incendiado em 1917, como car-rancas, brasões, vitrais circulares e dois grandes leões que guardam a entrada do palacete, que serviu de moradia para o tecelão português.

O palacete e algumas casas são as úni-cas edifi cações que podem ser vistas da rua Martiniano de Carvalho. Isso porque a vila foi construída em um desnível de dez metros – para acessar as outras ca-sas, é preciso descer uma longa escada-ria, que chega ao pátio central.

A vila também foi a primeira na cida-de a ter uma piscina residencial, utilizan-do-se do riacho do Vale Itororó, que pas-sava onde, atualmente, está a Avenida 23 de Maio. Toda a extravagância lhe ren-deu, na época, o apelido de ”Casa Sur-realista”.

Em seus tempos áureos, a vila sediava bailes, churrascos e outros eventos, que reuniam moradores e seus amigos.

“Para mim, soa como uma desculpa para esvaziar mais o centro e viabilizar investimentos altamente lucrativos”

Despejo das últimas famílias que viviam na Vila Itororó, na região central de São Paulo

Vista do palacete que permanecerá fechado por ordem da justiça

Milene Valentir

Viviane Ambrosio

Page 8: Nos embalos de 2014

brasilde 7 a 13 de março de 20138

Joana Tavaresde Belo Horizonte (MG)

PEDRO MARCIANO de Oliveira mo-ra há 27 anos no Aglomerado da Serra, na região do Novo São Lucas, com oito pessoas em sua casa, que já foi reforma-da várias vezes para acomodar a família que aumentava. Ele era um dos morado-res que participou de uma reunião pro-movida pela própria comunidade, em janeiro, para discutir a remoção de 120 famílias, para dar lugar a um parque.

“Não queria sair da minha casa, mas se fosse para me darem outra, eu acei-to. Mas ir pra prédio é muito difícil”, ex-plica, argumentando que já alargou tan-to seu espaço que seria complicado pa-ra ele comprar uma nova casa com o di-nheiro proposto como indenização.

A angústia não é só de seu Pedro. Já na sua segunda fase na Serra, o Pro-grama Vila Viva rende muitas dúvidas e questionamentos na comunidade, a maior da cidade e piloto de um proje-to que se espalha pela capital, chegando ao Morro das Pedras, Taquaril, Vila Ca-lifórnia, Vila São José, Pedreira Prado Lopes e Aglomerado Santa Lúcia.

Ali no alto da zona sul, no fi nal de 2005, começou o Programa Vila Viva 1, de pretensões louváveis e ousadas, co-mo “integrar as vilas à cidade” e “me-lhorar a qualidade de vida de 50 mil pessoas”, como é descrito na apresenta-ção ofi cial. Para isso, foi elaborado um Plano Global Específi co (PGE), baseado em um diagnóstico da situação de cada vila a ser atendida. “O plano é um estu-do aprofundado da realidade das vilas e favelas de Belo Horizonte, com partici-pação direta da comunidade”, apresen-ta a Companhia Urbanizadora de Habi-tação de Belo Horizonte (Urbel), órgão da prefeitura responsável pelo progra-ma. Apesar de ser “público e acessível a qualquer cidadão”, a Companhia argu-menta que o plano é muito volumoso e só pode ser consultado pessoalmente, através de visita agendada.

Segundo a assessoria de imprensa, “os principais problemas apontados no PGE foram a ausência de infraestrutu-ra básica, falta de saneamento básico, estrutura viária e habitações precárias, degradação ambiental, áreas de risco geológico, difi culdade de acesso à edu-cação e violência”.

A partir desse levantamento, foram planejadas obras de “saneamento, re-moção de famílias, construção de uni-dades habitacionais, erradicação de áreas de risco, reestruturação do sis-tema viário, implantação de parques e equipamentos para a prática de espor-tes e lazer”. Colocou-se também a pro-messa de emissão de escritura dos lotes aos novos ocupantes.

Participação?O primeiro ponto questionado pe-

los moradores é a “participação dire-ta da comunidade” na elaboração e im-plementação do programa. “O Vila Vi-va vem acontecendo sem a comunida-de saber, e a gente foi atrás de informa-ções, e eles não passavam. Só para al-gumas pessoas que foram reconheci-das pela prefeitura como lideranças co-munitárias que tinham acesso a alguma parte das informações, mas elas tam-bém não passavam para a comunida-de”, afi rma Floricena Estevam Carneiro da Silva, professora e moradora da co-munidade desde que nasceu.

A auxiliar de serviços Márcia de Sou-za, que foi removida para um dos pré-dios, conta que também procurou a Pre-feitura várias vezes, mas não encontrou as repostas que procurava: “No começo achei o programa bom, achei que eles iam nos atender se a gente precisasse, agora eu vi que não é bem assim, eles encobrem a parte negativa. A gente pro-cura solução, e não tem resposta de na-da”, reclama.

Essa difi culdade de se obter informa-ções é apontada também pelo profes-sor e um dos coordenadores do Progra-

ma Pólos de Cidadania da Faculdade de Direito da UFMG, André Luiz Freitas Dias: “Esse programa é pouco dialógi-co, é muito difícil conseguir o projeto. Isso não é só o Programa Pólos e os mo-radores que estão falando: é a Defenso-ria Pública, é o Ministério Público Fede-ral. Todos esses atores – todos – recla-mam da pouca transparência no forne-cimento de informações”, atesta André.

de Belo Horizonte (MG)

Apesar do amplo leque de ações pre-vistas, moradores questionam se a in-tenção de todo o programa não era ape-nas a construção de uma grande via, a Avenida Cardoso, que faz a ligação da avenida Mem de Sá, no Santa Efi gênia, na região leste, à rua Caraça, no bair-ro Serra.

“A avenida parte a comunidade no meio, e, em um lugar onde as pesso-as andam a pé, fi zeram uma avenida de trânsito rápido. Para colocar uma faixa de pedestre ali, foi uma briga de quase um ano. Então você vê que em momen-to algum eles fi zeram essa via pensando na comunidade. Pensaram no acesso de quem ia da zona sul à zona leste, e vice-versa”, avalia Floricena.

Floricena aponta que algumas famílias removidas realmente melhoraram de vi-da, mas questiona se o número elevado –2.231 apenas na primeira etapa do proje-to, segundo a Urbel – realmente teriam apenas essa opção para ter uma mora-dia mais digna. “A prefeitura justifi ca es-sa política como sendo de urbanização e melhoria das condições de vida dos mo-radores, mas estão expulsando as pesso-as. É o desfavelamento, uma política an-tiga no Brasil”, aponta.

Como nem sempre o preço pago pe-las indenizações – uma das opções ofe-recidas para quem é removido – permi-te a compra de uma casa do mesmo ta-

de reduzida e com horários que não aten-dem as mães da comunidade. Acabei defazer matrícula para meu fi lho de 3 anosna Umei Capivari e fui informada que elesó fi caria lá das 7 às 11h”, aponta Florice-na, que questiona ainda a efetividade deespaços de lazer como a Praça do Cardo-so, uma praça no meio da avenida, sem si-nalização, com chão concretado. “Não te-nho coragem de deixar meus fi lhos brin-carem ali”, diz.

Dos poucos postos de saúde presentesna comunidade, três (Posto Cafezal, Vi-la Fátima e São Miguel Arcanjo) ainda es-tão em obras, apesar de as reformas teremcomeçado há mais de dois anos, em locaisalugados fora do Aglomerado, aumentan-do o tempo de deslocamento e o gastocom transporte.

Em relação ao Baleião, o divulgadoestádio de futebol, os moradores recla-mam da distância e da burocracia parase marcar um jogo ali. A maioria dos ou-vidos na pesquisa do Pólos gostaria deter mais espaços de lazer e cultura nacomunidade, e reclamam da falta depreservação e manutenção, além da fal-ta de segurança.

Wesley de Souza Santos, de 10 anos,sequer conhece o estádio. Antes, ele ti-nha um campo perto da sua casa, que foitransformado em terreno para um pré-dio. “Pra jogar na bola, é no meio da ruamesmo. Mas é difícil passar pelo beco, émuito sujo”, conta o garoto, que preci-sa passar pelo beco atrás do prédio pa-ra onde foi removido para se encontrarcom amigos. (JT)

Moradores da Serra e pesquisadores do Pólos questionam, no entanto, a aplicação dos recursos, que não foram destinados a todas as obras previstas no PGE, que con-templava inúmeros equipamentos de saú-de e educação, além de ações de regulari-zação fundiária.

Um relatório de pesquisa do progra-ma Pólos, fi nanciado pelo Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científi co e Pesquisa (CNPq), denominado Os efei-tos do Viva na condição socioeconômica dos moradores afetados, demonstra que havia muitas obras previstas para a área da educação, como a construção de duas escolas, utilização de espaços ociosos nas escolas existentes para a realização de cursos de qualifi cação profi ssional, semi-nários e debates de combate à violência, transporte escolar para estudantes do curso noturno, criação de corredores de iluminação nas vias que circundam as es-colas e assinatura de convênios com enti-dades e projetos de educação para cursos de informática e alfabetização.

Algumas obras foram concluídas, mas pelo menos metade não, e não se sabe ao certo quais foram efetuadas com recursos do programa. O relatório demonstra que as propostas foram feitas de forma gené-rica, o que difi culta seu acompanhamento e monitoramento.

“Eles prometiam com esse programa que ia ter posto de saúde, Centro de As-sistência Social, centros de referência, vá-rios equipamentos públicos que simples-mente não foram feitos. As Umeis Capi-vari e São João funcionam com capacida-

Projeto com recursos e equipamentos públicosVila Viva conta com R$ 218 mi do governo federal

“O dinheiro captado para a cidade ‘informal’ é muito mais utilizado para atender os interesses da cidade formal, da especulação imobiliária”

Prioridade às grandes viasMoradores desconfi am que intenção do projeto era passar uma grande avenida no meio da comunidade

“Quando a comunidade é convidada a participar, é somente para legitimar um projeto, que não contou com sua parti-cipação na elaboração. Essas reuniões são informativas, não são participati-vas, o projeto já chega pronto, a comu-nidade tem pouco a opinar”, descreve.

A Urbel não informa quem são os mo-radores da comunidade que partici-pam da gestão do programa, nem qual

a associação de moradores represen-tante da sociedade civil. Lila Montei-ro Barbosa, presidente de três associa-ções na Serra, não sabe informar comprecisão se teve acesso ao Plano Globalou se faz parte do Grupo de Referênciado programa. “Estou em três associa-ções. Fundei uma em 1993, e a popula-ção não me deixou sair, fi zeram uma atacom prazo indeterminado, enquanto euviver eu sou presidente”, conta.

Dona Lila já é uma mulher idosa eafi rma que não tem condições de parti-cipar de reuniões com frequência, masdefende que o programa trouxe muitosbenefícios para a comunidade. Ela la-menta que os próprios moradores nãosabem cuidar do quem recebem, e porisso há tantos problemas nos aparta-mentos construídos para quem foi re-movido. Mas também reclama que aPrefeitura não atende aos chamados pa-ra recolher os entulhos das obras. “Temmuito apartamento aí que as pessoasmoram, mas as próprias pessoas anar-quizam, arrebentam tudo. Tem uns queforam feitos e depois não teve mais fi s-calização. Toda reunião que tem o pes-soal fala dos entulhos, mas não resolvenão. E vai fi cando aí, vai trazendo rato,escorpião, cobra”, descreve.

da Reportagem

Segundo a Companhia Urbanizadora de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), pa-ra as etapas 1 e 2 do Programa Vila Viva foram destinados R$ 218,1 milhões do go-verno federal. Destes, R$ 100 milhões via Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES), R$ 80, 7 mi-lhões da Caixa Econômica Federal e R$ 37,4 milhões como contrapartida da Pre-feitura. Outros R$ 19,7 milhões do pro-grama Pró-Moradia, do governo federal, serão para a construção das 112 unidades habitacionais do Vila Viva 2, que vai reas-sentar famílias como a de seu Pedro.

Entre os resultados da primeira fase do programa, a Urbel destaca: foram insta-lados 216 postos de iluminação públi-ca, construídos 62 km de rede de esgoto; 2.500 casas foram ligadas à rede de esgo-to; urbanizados 30 km de becos, 20 km de ruas, construída a Avenida Cardoso; cria-das seis áreas de preservação ambiental; construídos dois centros BH Cidadania; três Unidades Municipais de Educação Infantil (Umei), e um estádio municipal, o Baleião, com quadra poliesportiva. Co-loca ainda a diminuição da violência e do número de moradias em risco geológico.

manho e na mesma região, muitas pes-soas acabam se mudando de bairro oumesmo de cidade.

O professor da Faculdade de Direito da UFMG e um dos coordenadores do Pro-grama Pólos de Cidadania, André Luiz Freitas Dias, também questiona os obje-tivos por trás do Vila Viva. “É um progra-ma que diz ter como meta a melhoria das condições de vida das pessoas e coletivi-dades, trabalhando com populações em situações de vulnerabilidade, principal-mente em favelas e aglomerados. Para is-so, tem dois grandes eixos: urbanização e regularização fundiária. No aspecto de urbanização, vemos que a lógica que fun-damenta esses projetos privilegia a am-pliação de sistemas viários – aquela coisa do foco no automóvel – em detrimento a outros modelos e outras propostas de se pensar a cidade”, coloca.

“O dinheiro captado para a cidade ‘in-formal’ é muito mais utilizado para aten-der os interesses da cidade formal, da es-peculação imobiliária”, reforça, alertan-do que esse modelo está para se repetir no Santa Lúcia, onde uma grande aveni-da cortando a comunidade desde a Nossa Senhora do Carmo deve consumir de 40 a 50% dos recursos previstos no Vila Vi-va para a região. (JT)

Propostas, propaganda e dúvidasVILA VIVA Projeto piloto da prefeitura de Belo Horizonte e do governo federal, implementado no Aglomerado da Serra desde 2005, é questionado por moradores

“O Vila Viva vem acontecendo sem a comunidade saber, e a gente foi atrás de informações, e eles não passavam”

“Quando a comunidade é convidada a participar, é somente para legitimar um projeto”

Prefeitura BH

Obras do Programa Vila Viva no Aglomerado da Serra, região Centro-Sul de Belo Horizonte (MG)

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de 7 a 13 de março de 2013 9brasil

Marcio Zontaenviado a Palmas (TO)

A CRIAÇÃO do estado do Tocantins im-plementou as condições legais à implan-tação do agronegócio e à instalação de di-versas transnacionais na região. “Temos a Bunge e a Cargill, com cadeia de soja, e a Monsanto que produz semente trans-gênica. Tocantins hoje pode ser consi-derado o celeiro de semente transgênica do Brasil”, revela o professor do departa-mento de geografi a da Universidade Fe-deral de Tocantins (UFT), Elizeu Ribei-ro Lima.

No livro A Gênese de Palmas, Tocan-tins – A Geopolítica de (Re)Ocupação Territorial na Amazônia Legal, edito-ra Kelps, lançado em meados de 2012, o professor relata as nuances da formação desse novo estado e os confl itos desenca-deados nesse processo que, segundo ele, começa com os bandeirantes e reinicia-se com o primeiro e atual governador de Tocantins, José Wilson Siqueira Campos (PSDB-TO).

Contexto que vai desencadear no cres-cimento desenfreado do agronegócio e da construção de barragens no estado, marginalizando a população de ribeiri-nhos, indígenas, camponeses e quilom-bolas, constantemente deslocadas para um ambiente descaracterizado de suas culturas tradicionais. “Essas populações perderam sua função social, que era in-tegrada à natureza respeitando períodos sazonais para pesca, caça, plantio e co-lheita”, salienta Lima.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor aponta Palmas como a síntese de toda essa degradação social, econômi-ca e cultural de Tocantins. “Inclusive res-ponsável de descaracterizar a cultura da região com a ideia do agronegócio a qual-quer custo”, critica.

Brasil de Fato – Como surgiu o estado de Tocantins?Eliseu Ribeiro Lima – O estado de Tocantins vai acontecer em meio a uma disputa territorial entre diversos ato-res. Mas devemos esclarecer que é um processo histórico. Em 1821, por exem-plo, foi a primeira emancipação da re-gião que passa a se chamar província do norte, que durou apenas quatro anos de independência e passa novamente a ser anexada a Goiás. Mas desse proces-so nasce uma demanda histórica pela emancipação da região por diversos ato-res que pensavam uma organização so-cial capaz de governar Tocantins, que vai ser totalmente distorcida por José Wilson Siqueira Campos, na década de 1960, e que vai culminar na criação de Tocantins em 1988.

O que acontece a partir da aparição de Siqueira Campos?

Ele dá um contorno diferente na lu-ta de emancipação da região e começa a trabalhar isso nas esferas institucionais em Goiás e em Brasília. Quando ele ga-nha para deputado federal, cargo que vai exercer por quatro ou cinco mandatos, usa a bandeira da criação de Tocantins. Nesse espaço ele tem mais possibilida-des de manobras políticas e jurídicas pa-ra estruturar o novo estado, além de ocu-par outros cargos decisivos como a presi-dência da Comissão da Amazônia Legal. Eram nessas instituições que ocorria a disputa geopolítica de divisão territorial. Temos que recordar que ele é o primei-ro governador do estado de Tocantins e também o criador da capital Palmas.

Então, Tocantins foi criado conforme as pretensões econômicas e políticas do grupo de Siqueira Campos?

Claro! Esse grupo liderado por Siquei-ra Campos só criou Tocantins quando ti-veram certeza que seria um estado das elites agrárias desse país. São os mesmos que dominam o estado até hoje e que, durante esse tempo, ainda incorporaram a senadora Kátia Abreu (PSD-TO).

Qual a característica política desse grupo?

Primeiro abrir o estado de Tocantins para o capital internacional e retomar al-go que pensávamos que nunca mais vol-taria: os projetos dos militares para re-gião. Hoje são quinze projetos de barra-gens no rio Tocantins retomados por es-se grupo político que dirige o estado, sen-do dois realizados: as barragens nos mu-nicípios de Lageado e de Peixe, que inter-feriram em vários outros municípios. Só na cidade de Porto Nacional, a 160 km de Palmas, são aproximadamente 1800 fa-mílias afetadas diretamente.

Essas barragens benefi ciam a quem?

Justamente ao capital internacional, pois quem administra essa energia ge-rada são empresas de capital chinês, chileno, português, e um pouco de Fur-

nas. Todas essas transnacionais usufruí-ram de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção dos empre-endimentos de energia em Tocantins.

E o agronegócio?O agronegócio começa a ser fomentado

também na esteira dos chamados proje-tos de desenvolvimento a partir da déca-da de 1990 com a construção de barra-gens e a abertura de estradas. Começa a avançar pelo sudeste e norte do estado, com o plantio de soja.

Quais são as transnacionais implantadas na região?

Temos a Bunge e a Cargill, com a ca-deia de soja; e a Monsanto, que produz semente transgênica. Tocantins hoje po-de ser considerado o celeiro de semente transgênica do Brasil.

Como fi cou a situação do conjunto de indígenas, ribeirinhos, quilombolas e camponeses em meio ao avanço do capital sobre o rio Tocantins e as terras da região?

Os indígenas perderam consideráveis glebas de seus territórios. Os quilombo-las tiveram suas terras compradas pe-las empresas, assim como os campone-ses e os ribeirinhos expulsos de suas lo-calidades pela construção das barragens. Ou seja, uma alteração nas relações so-ciais do que chamamos de comunidades tradicionais. Grande parte dessa popula-ção foi deslocada para a periferia de Pal-mas vivendo de “bicos”, conformando uma “reinteorização” em outros territó-rios. Além disso, essas populações perde-ram sua função social que era integrada à natureza, respeitando períodos sazonais para pesca, caça, plantio e colheita.

E os grupos que foram atingidos indiretamente?

Muitos barqueiros viraram alcoólatras e sequer receberam indenizações. Essa é

mais uma problemática porque quem re-cebe apoio mínimo do Estado e das em-presas pelos danos sofridos pelos empre-endimentos são os que moram em áreas afetadas, mas existe uma cadeia de pes-soas vivendo nos arredores do rio que ne-cessitam dele.

Para este grupo, constituído principal-mente por barqueiros e pescadores, a so-lução para “salvar” a situação foi a pes-ca capitalista em reservatórios artifi ciais, organizada por colônia de pescadores.

Qual o prejuízo cultural e histórico?

Especifi camente falando da pesca ca-pitalista, é obvio que não deu certo, por-que é quebrado um ciclo de pesca natu-ral, um aprendizado de convivência com a natureza. Neste caso, esses pescadores têm difi culdade para entender e se adap-tar a essa nova lógica mecanizada. Fora que o rio vai sofrer uma alteração de ato-res, logo a moto aquática e grandes bar-cos vão tomando conta do cenário, logo a pesca simples vai ser trocada por barcos de motores e instrumentos de pesca dife-rentes e “profi ssionais”.

Ficou mais seleto o grupo de pessoas que frequentam o estado?

Não, na verdade mudam os atores so-ciais, vem outras pessoas de fora que já têm o costume de outros lugares. As pes-soas daqui mesmo desapareceram.

O que seu livro discute, professor?Contextualiza a gênese de Palmas e

Tocantins até aparecer mais uma cida-de planejada no meio do cerrado tan-to tempo depois de Brasília. E descubro que Palmas retoma todo o anseio militar dos grandes projetos. O próprio Siquei-ra Campos era amigo dos militares. Por-tanto, no meu estudo mostro que Palmas é o fechamento do ciclo da ocupação e da entrada do grande capital na Amazônia, que começa com os bandeirantes e rei-nicia-se com o grupo político de Siquei-ra Campos. Palmas é a síntese disso tu-do, inclusive responsável por descaracte-rizar a cultura da região com a ideia do agronegócio a qualquer custo. O exemplo é a vitória do colombiano Carlos Amas-tha (PP-TO) para a prefeitura de Palmas nas últimas eleições.

E de onde surge Amastha?Siqueira Campos o lança. Ele vem da

região sul do Brasil, é empresário do ra-mo da construção e administração de shoppings e resorts. Inclusive, Siqueira Campos vendeu uma universidade públi-ca para Amastha à qual parte dela foi re-tomada pelo Ministério da Educação.

Por falar nisso, qual o posicionamento das instituições públicas de ensino em Tocantins?

A universidade não está muito interes-sada em debater esses assuntos, justa-mente pela infl uência das transnacionais nesse universo universitário. Já tivemos um mestrado chamado Desenvolvimen-to Regional e Agronegócio,em que a co-ordenação de Aperfeiçoamento de Pesso-al de Nível Superior (Capes) mandou ti-rar agronegócio do nome. Vejo a univer-sidade com muita vontade de agarrar o dinheiro das multinacionais.

ENTREVISTA Para pesquisador tocantinense, a presença das transnacionais do agronegócio e de uma elite agrária permanente desde sua criação confi rmam a dominação territorial com vistas à Amazônia

“Claro! Esse grupo liderado por Siqueira Campos só criou Tocantins quando tiveram certeza que seria um estado das elites agrárias desse país”

“Essas populações perderam sua função social, que era integrada à natureza respeitando períodos sazonais para

pesca, caça, plantio e colheita”

“Todas essas transnacionais usufruíram de empréstimos do BNDES para a construção dos empreendimentos de energia em Tocantins”

“Vejo a universidade com muita vontade de agarrar o dinheiro das multinacionais”

Em TO, grandes empreendimentos Em TO, grandes empreendimentos e pouco desenvolvimentoe pouco desenvolvimento

Usina de açúcar e bioenergia da Bunge Brasil em Pedro Afonso, no Tocantins

O governador Siqueira Campos (PSDB)

Beto Monteiro/Secom-TO

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culturade 7 a 13 de março de 201310

Maria do Rosário Caetanode São Paulo (SP)

O CINEMA italiano viveu sua era de ouro de 1945, com a emergência do neo-rea-lismo (encabeçado por Rossellini-Zavat-tini-De Sica), até a década de 1960, quan-do Fellini, Visconti, Monicelli, Pasolini e Dino Risi, somados a atores da grandeza de Alberto Sordi, Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi, Sophia Loren, Marcello Mas-troianni e Claudia Cardinale encantaram o mundo. Depois dos anos da Dolce Vita, a Península viu seu espaço cinematográ-fi co defi nhar nas telas planetárias. E no Brasil, em particular.

Se hoje o cinema italiano não ocupa mais o espaço que lhe reservavam os exi-bidores brasileiros, isto não signifi ca que inexistam fi lmes peninsulares de exce-lente qualidade e obrigatórios a quem aprecia obras mais refl exivas. Está em cartaz, em nosso circuito, o melhor dos fi lmes dos Irmãos Taviani, desde Allon-sanfan e Pai Patrão: César Deve Mor-rer. Trata-se de registro originalíssimo de vigorosa encenação de Júlio César, um dos mais famosos textos de William Shakespeare, feita por detentos (assassi-nos, trafi cantes de droga e ex-integrantes da Máfi a) do presídio de segurança máxi-ma de Rebibbia, em Roma.

Os irmãos Taviani – Vittorio (de 83 anos) e Paolo (de 81) – encontraram em outro grande nome do cinema italiano contemporâneo, Nanni Moretti, o apoio necessário para difundir o trabalho dos presidiários transformado em fi lme. O ator e diretor de títulos memoráveis co-mo Caro Diário e Habemus Papam cui-dou, através da Sacher Filmes, da distri-buição do décimo-oitavo longa-metra-gem dos mestres toscanos. Um fi lme de orçamento modesto e rara síntese (ape-nas 76 minutos). Na Itália, César Deve Morrer foi visto por 740 mil espectado-res. Número dos mais expressivos para um fi lme sem atores famosos, sem tra-mas amorosas e sem efeitos especiais.

César Deve Morrer causou sensação no Festival de Berlim, ano passado. Saiu de lá com o Urso de Ouro de melhor fi l-me. E os octogenários Irmãos Taviani , que conquistaram a Palma de Ouro em Cannes (1977), com Pai Patrão, tiveram a satisfação de comemorar a conquista de mais um dos três prêmios mais im-portantes dos festivais internacionais (os outros são o Leão de Ouro, de Veneza, e a Palma de Ouro, de Cannes). Para com-pletar, César Deve Morrer ganhou vá-rios prêmios Donatello, o “Oscar” italia-no. Inclusive o de melhor fi lme.

Os presidiários que, sob o comando do encenador Fabio Cavalli, foram trans-formados em “atores”, são vistos em Cé-sar Deve Morrer em suas celas, nos cor-redores ou no pátio de Rebibbia. São fi l-mados, também, durante os ensaios do famoso texto de Shakespeare. Tudo em preto-e-branco. Quando a peça sobe ao palco do “teatro” da penitenciária, o fi l-me ganha cores fortes.

O “poder do discurso”O público ouvirá, ao longo dos enxu-

tos 76 minutos da narrativa, os magní-fi cos diálogos shakespereanos interpre-tados com paixão pelos detentos-atores. E reconhecerá duas expressões do texto que migraram para nossas falas cotidia-nas (e contemporâneas): “Até Tu, ó Bru-tus” (para expressar espanto com a trai-ção de alguém muito próximo”) e “idos de março” (que até batizou fi lme dirigido por George Clooney, em 2011: The Ides of March, no Brasil Tudo pelo Poder, re-fl exão sobre a luta pelo poder político nos EUA). O espectador ouvirá, inclusi-

ve, a defesa de Júlio César feita por Mar-co Antônio, no que é considerado o ápice da tragédia (escrita em 1599).

Marcus Brutus, um dos que conspira-ram contra Júlio César e coletivamen-te o mataram, está no centro da tragé-dia, famosa por mostrar o “poder do dis-curso”. O dramaturgo concentra-se em quatro personagens principais (além do grande general, destacam-se Marco An-tônio, que defenderá o legado de Júlio César, e os conspiradores Brutus e Cás-sio). Em papeis menores estão os sena-dores Cícero, Públio e Popílio Lena, além de outros conspiradores (Caska, Décio Brutus, Cinna, Címber, Trebônio e Li-gário), e de Otávio César e Lépidus, que – após a morte de Júlio Cesar – forma-riam um triunvirato com Marco Antônio. E mais tribunos populares e duas mulhe-res (Calpúrnia, esposa de Júlio César, e Pórtia, esposa de Brutus). As duas não estão no fi lme dos Irmãos Taviani, pois o encenador Fabio Cavalli, nome funda-mental na encenação que estrutura o fi l-me, só trabalha – no Júlio César carcerá-rio – com presos do sexo masculino.

Em certo momento da tragédia shakes-pereana, Marcus Brutus sofre ao perce-ber que alguns dos assassinos de Júlio César podem ter agido por interesses pessoais. Não em nome da justiça e con-tra a tirania:

“O grande Júlio não sangrou em nome da Justiça? Quem foi o vilão que lhe to-cou o corpo e o apunhalou se não por jus-tiça? Por que, se não para sustentar la-drões, iria um de nós, que atacamos o mais importante líder deste mundo, con-taminar os dedos com propinas infames e vender nossos altos cargos de largas honras por tão vil metal quanto pudes-sem as suas munhecas agarrar? Eu pre-feria ser um cachorro e latir para a lua que ser romano”.

Marco Antônio, por sua vez, ao defen-der a memória de Júlio César, pronuncia os mais belos (e retóricos) trechos da pe-ça e do fi lme. Um deles dá destaque ao manto do general morto, rasgado pelos punhais dos conspiradores:

Se os senhores têm lágrimas, prepa-rem-se para derramá-las agora. Todos co-nhecem este manto. Lembro-me da pri-meira vez em que César usou este manto: foi numa noite de verão, em sua barraca,

no dia em que ele derrotou os Nervii, os guerreiros belgas mais difíceis de vencer. Vejam, aqui entrou o punhal de Cássio. Vejam que rasgão fez Caska, pessoa mal-dosa. Aqui apunhalou o bem-amado Bru-tus, e quando ele puxou a maldita lâmina de volta, observem como o sangue de Cé-sar correu atrás, como saindo às pressas de casa para a rua, para verifi car se Bru-tus havia mesmo batido à porta de modo tão desumano, pois Brutus, como os se-nhores sabem, era o preferido de César. Julgai, ó deuses, o quanto César o ama-va. Esse foi o talho mais desumano de to-dos. Pois quando o nobre César viu Bru-tus apunhalá-lo, a ingratidão, mais for-te que o braço dos traidores, derrotou-o por completo. (...) Almas de bondade, por que choram os senhores, quando tu-do que estão vendo é o traje machucado de nosso César? Olhem aqui, ei-lo aqui, ele mesmo, desfi gurado, como os senho-res podem ver, por traidores”.

Figurinos brechtianos A Itália indicou César Deve Morrer

ao Oscar de melhor fi lme estrangei-ro. A Academia de Hollywood o pre-teriu. Todos sabem do peso do britâni-co Shakespeare junto aos acadêmicos.Mas sabem também que estes amamfi lmes de época, de alto orçamento ecom fi gurinos rebuscados e luxuosos.No fi lme dos Irmãos Taviani, a Romados Césares e seus generais, senado-res e conspiradores é vista com imensodespojamento.

Os “atores” trajam fi gurinos modestos, brechtianos. Um pano se faz de manto, uma espada de plástico ajuda a caracte-rizar este ou aquele personagem.

O que importa aos Taviani é o empe-nho de seus presidiários investidos nafunção de “atores”. Num texto teatralque discute poder, ambição, traição elealdade, os detentos encontram expe-riências intensamente vivenciadas emsuas trajetórias criminosas. Quandoeles se apoderam dos personagens quevão interpretar, saberemos, por legen-das, que estão cumprindo pena por as-sassinato ou tráfi co de droga. Duranteseis meses de ensaios, cada “ator” pôdeencontrar nos personagens de Shakes-peare questões que iluminavam mo-mentos-chave de suas existências.

Quem tem ojeriza a fi lmes “teatrais”não deve preocupar-se, nem fugir deCésar Deve Morrer. Afi nal, os Tavia-ni construíram narrativa cinematográ-fi ca, sintética e poderosa. Um dos pre-sidiários, Cosimo Rega, que interpre-ta Cássio, diz (no fi lme): “desde que euconheci a arte, esta cela se tornou umaprisão”. É isto – sensibilizar os presos,tirá-los, mesmo que temporariamente,da vida bruta de um presídio de segu-rança máxima – o que desejavam os ir-mãos cineastas, de trajetória marcadapelo humanismo.

Júlio César, de Shakespeare, em presídio de segurança máximaCINEMA Irmãos Taviani fi lmam obra de dramaturgo inglês em presídio

Serviço:César Deve Morrer (Cesare Deve Morire), de Vittorio e Paolo Taviani. Itália, 2012. Com detentos da Penitenciária de La Rebibbia. Duração: 76 minutos.

Júlio César, de William Shakespeare. In: Shakespeare – Obras Escolhidas. L&PM Editores (Porto Alegre, 2008)

Na Itália, César Deve Morrer foi visto por 740 mil espectadores. Número dos mais expressivos para um fi lme sem atores famosos

Um pano se faz de manto, uma espada de plástico ajuda a caracterizar este ou aquele personagem

O que importa aos Taviani é o empenho de seus presidiários investidos na função de “atores”

Fotos: Divulgação

Cena de César Deve Morrer, adaptação de Júlio César, de William Shakespeare, encenada por detentos do presídio Rebibbia, em Roma

Os irmãos Vittorio e Paolo Taviani

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cultura de 7 a 13 de março de 2013 11

Eduardo Campos Limade São Paulo (SP)

A PEÇA MORRO como um país – Ce-nas sobre a violência de Estado, da Kiwi Companhia Teatral, materializa pesquisas e refl exões feitas pelo grupo sobre as ditaduras do século 20, viola-ções de direitos humanos e autorita-rismo, relacionando tais elementos ao funcionamento padrão do modo de pro-dução capitalista.

A peça, que conta com a atriz Fernan-da Azevedo, defi ne como fundamental o conceito de estado de exceção perma-nente, a partir do qual todo um eixo te-mático é constituído. “Procuramos dis-cutir a suspensão de direitos que acon-tece em momentos considerados de normalidade democrática. É o caso, por exemplo, da Lei Geral da Copa: tra-ta-se de um quadro em que um pedaço do ordenamento jurídico entra em sus-pensão para atender a interesses econô-micos e políticos”, aponta o diretor Fer-nando Kinas. “São abordados, nessa ca-mada da encenação, aspectos da vio-lência de Estado contemporânea, como a repressão a movimentos sociais e os abusos policiais cometidos em nome da segurança”, como lembra Luiz Nunes, produtor e assistente de direção.

Outro bloco de assuntos é o da sus-pensão do regime democrático no senti-do clássico. “Aí falamos sobre nosso úl-timo período ditatorial, de 1964 a 1985 – mas também ampliamos o enfoque para modelos autoritários de outros lu-gares e outras épocas”, explica Kinas. Um texto-chave desse eixo da peça é o que dá nome à montagem, Morro Co-mo um País, de autoria do escritor gre-go Dimitris Dimitriadis, que se refere à ditadura dos coronéis, de 1967 a 1974, na Grécia. Igualmente importantes são os depoimentos de ex-presos políticos latino-americanos, como o do uruguaio Mauricio Rosencof, um dos fundados dos Tupamaros (ver quadro com tre-cho de seu depoimento incluído na en-cenação).

As ligações entre as ditaduras do pas-sado e as violações do presente – ou se-ja, entre suspensão do regime democrá-tico e estado de exceção permanente – são propostas por diferentes vias. Ao longo de toda a encenação, por exem-plo, os episódios são pontuados por de-núncias da histórica participação esta-dunidense no estabelecimento das dita-duras e das reverberações da presente hegemonia dos EUA. “Quando o públi-co entra no espaço, o primeiro impac-to que recebe é o de imagens relativas à invasão dos Estados Unidos ao Iraque. A projeção mostra o assassinato de vá-rios civis em Bagdá, no ano de 2007, em imagens captadas por helicóptero Apa-che que vazaram das Forças Armadas estadunidenses”, afi rma o diretor. “A presença dos Estados Unidos é central nesse modelo de violação de direitos.”

Em um plano mais profundo, a conti-nuidade entre regime autoritário e esta-do de exceção permanente deixa entre-ver uma questão central: por que as di-taduras e as violações contínuas de di-reitos humanos são necessárias? A pe-ça deixa claro que o funcionamento re-gular do modo de produção capitalista é garantido de todos os modos quan-do há qualquer sinal de que ele pode ser ameaçado – seja em um plano mais amplo, da sociedade como um todo, se-ja em um setor mais específi co, como um bairro de periferia, por exemplo. Tal mecanismo é isolado e exposto pe-la encenação.

Devido a essa leitura, o grupo cons-truiu parcerias com movimentos sociais que militam pela verdade, memória e

O estado de exceção permanente

TEATRO A continuidade entre regime autoritário e estado de exceção deixa entrever uma questão central: por que as ditaduras e as violações contínuas de direitos humanos são necessárias?

Trechos da peça Fala de Mauricio Rosencof

“Meu nome é Mauricio Rosencof, eu tenho 38 anos e sou um dos fundado-res dos Tupamaros, no Uruguai. Eu fui preso em Montevideo em 1973 – o ano em que eu, Fernanda, nasci [diz a atriz] – e fui torturado durante nove me-ses. Eu fi quei onze anos em solitárias. Em todos esses anos eu enxerguei a luz do sol, no máximo, durante oito ho-ras. Oito horas em onze anos. Eu soube do golpe militar chileno com três anos de atraso. Eu nunca vi o rosto de outro prisioneiro. Eu vivi em celas de três me-tros quadrados [vai até o espaço mar-cado no chão] e perdi a noção das co-res, muitas vezes eu tive que matar a sede com a minha própria urina. Eu re-sisti sonhando com passeios. Quando eu era levado para as sessões de tortura, eu me lembrava da minha fi lha, dos ju-deus do gueto de Varsóvia, e eu recita-va: “Eu sou os que foram”.”

Diálogo entre Geisel e Dale Coutinho

“Geisel: O Brasil hoje em dia é consi-derado um oásis.

Dale Coutinho: Ah, o negócio me-lhorou muito. Agora, melhorou, aqui entre nós, foi quando nós começamos a matar. Começamos a matar.

Geisel: Porque antigamente você prendia o sujeito e o sujeito ia lá para fora. Ó Coutinho, esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser.” (ECL)

ServiçoMorro como um país – Cenas sobre a violência de EstadoDe 1 de março a 28 de abril de 2013 – Sextas e sábados às 20h; domingos, 19hTeatro Grande Otelo, Sótão, Alameda Nothmann, 233, Bom Retiro, São Paulo SP (ao lado do Sesc Bom Retiro).

No palco, poucos objetos. Entre eles, um relógio de barbeiro e um projetor, que é operado ao longo da peça pela única atriz em cena. Ela entra em cena vestida de preto e usando várias camisetas sobrepostas e, logo no início, retira uma a uma, revelando a cada vez a fotografi a de uma vítima da repressão do Estado. Vemos, por exemplo, Vladimir Herzog e Alexandre Vannucchi Leme.A peça é composta por diversas cenas independentes. Ao longo delas, numerosas fontes e referências demonstram que a barbárie, assim como a história, é cíclica e contínua. Vemos uma grande diversidade de imagens projetadas no palco (que vão desde documentos da CIA apoiando a ditadura militar brasileira, passando por fotos do papa João Paulo II com o ex-presidente Fernando Collor, até imagens de negros escravizados), gravações de rádio, canções e, não só depoimentos de vítimas de ontem e hoje, como também a transcrição de conversas do ex-presidente Ernesto Geisel (veja o trecho). Todos esses elementos tecem a grande colcha de retalhos que fi gura um estado de exceção, de violência e extinção da liberdade, que se tornou regra. Liga o incêndio da UNE em 1964 com os das favelas da cidade de São Paulo, em 2012. Liga as histórias das mães de vítimas da ditadura às histórias das mães que perdem seus fi lhos assassinados nas periferias. E aponta que toda esta situação foi e é apoiada e patrocinada por grandes empresas como a Rede Globo e a Ultragaz.A circularidade da peça e da história é reforçada em seu fi nal. A atriz veste novamente as camisetas despidas no início da peça. E, assim como faz no início, diz que horas são e termina a peça afi rmando ser os que foram – unindo, novamente, o passado e o presente.

Maíra Malosso, pesquisadora de teatro

Morro Como um País faz uma importante investigação sobre a necessidade e a permanência da exploração e da opressão ao longo da história, a serviço de uma classe social.O espetáculo traz diversas referências verídicas e seus quadros são apresentados como em um jogo, de forma que todos os presentes sejam inseridos, convidados a uma refl exão mais ampla sobre a violência política. Através de suas cenas, dialoga com as inquietações que nos permeiam no exercício de análise crítica da realidade.

Depoimentos

justiça, como a Frente de Esculacho Po-pular, e com grupos nascidos de viola-ções contemporâneas, como o Movi-mento Mães de Maio. “Movimentos so-ciais contemporâneos que fazem refe-rência explícita ao período da ditadura,mesmo que se refi ram especifi camentea torturadores e empresários que foramconiventes ou apoiadores do regime, es-tão discutindo também qual sociedadequeremos criar hoje”, aponta Kinas.

O produtivo contato da Kiwi com es-ses parceiros extrapolou a simples trocade informações de pesquisa para a peça.“A partir de debates e refl exões conjun-tas surgiram pontos de discurso em co-mum, e isso é transposto para a cena”,defi ne o diretor.

“Procuramos discutir a suspensão de direitos que acontece em momentos considerados de normalidade democrática”

Vale lembrar que nos últimos anos a Kiwi Cia. de Teatro tem participado amplamente de inúmeras lutas da classe trabalhadora organizada e não poderia deixar de associar essa pesquisa às barbáries e perseguições que a nossa classe tem sofrido nos últimos tempos. Por isso, citamos uma excelente cena em que a atriz/militante denuncia os incêndios criminosos em favelas ocorridos nas áreas mais visadas pela especulação imobiliária nas grandes capitais.É por meio da não contextualização de algumas das referências, passíveis de identifi cação direta, que se dá a maior provocação do trabalho: a violação de direitos humanos e as estratégias de controle social tornaram-se intrínsecas à estrutura de Estado, seja em um regime autoritário, seja em um dito democrático de direito. Vivemos em um estado de exceção permanente.

Osvaldo Pinheiro e Paula Cortezia – Cia. Estável de Teatro

Somos convidados a viajar a um país de mulheres estéreis e de crianças que são criadas para virarem comida, a um país sem língua, porque ela deixou de ser falada, foi proibida. Um país sem nome, mas que poderia muito bem ser a Grécia dos coronéis, a Argentina, o Chile, ou o Brasil. O Brasil da escravidão, do Estado Novo, da Ditadura Militar. O Brasil do Pinheirinho, dos incêndios em favelas e dos esquadrões da morte de ontem e de hoje. É assim a nova peça da Kiwi Companhia de Teatro, que como no relógio ao fundo do palco – que gira ao contrário – nos leva a uma viagem através do tempo, oscilando entre passado e presente de forma quase que natural. Leva a um país detestável e, tristemente, nos abre os olhos frente uma dura verdade: esse país pode muito bem ser o Brasil de hoje. Na contracorrente do esquecimento, do silêncio e daqueles que querem nos fazer acreditar que o passado fi ca no passado, faz relações que de tão pungentes nos parecem óbvias. Não, “não estamos em paz” e o “passado abandonado jamais se torna passado”. Constrói uma narrativa simbólica e real mostrando como foi montado o estado de exceção em que vivemos hoje. Um estado de exceção que ousamos não aceitar. Imperdível, angustiante e essencial. Para quem, como nós, tem vergonha de viver em um país sem memória.

Paula Sacchetta, Frente de Esculacho Popular (ECL)

Paula Sacheta

A atriz Fernanda Azevedo em cena do espetáculo desenvolvido pela Kiwi Companhia de Teatro

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culturade 7 a 13 de março de 201312

Horizontais: 1.Zilda Arns foi uma das fundadoras da “(?) da Criança”, em 1983 – Um dos cinco pilares fundamentais da cultura hip hop – Por incrível que pareça este é o estado (sigla) pelo qual Sarney foi eleito senador. 2.Partido político brasileiro fundado em 1988 que tem um tucano como símbolo – “Ele”, em espanhol – Acrônimo de Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar. 3.Trabalho de conclusão de curso – Em alemão, diz-se “Mutter” – Confederação que convocou uma greve nacional para os dias 23, 24 e 25 de abril – “Ou”, em inglês. 4.Presidente do Senado recém-eleito que sofre uma cam-panha na internet pelo seu impeachment, que disse recentemente que criará uma trincheira sólida para defender os barões da mídia dos ares gelados que vêm dos Andes ao se referir aos marcos regulatórios dos meios de comunicação promovidos na Venezuela, Bolívia e Equador. 5.Do grego “sietemiun”, é um conjunto de elementos interconectados de modo a formar um todo organizado – Consentimento que implica aprovação. 6.Forma coloquial de dizer “está” – Partido brasileiro (si-gla) que de “progressista” só tem o nome; partido de Paulo Maluf. 7.Dê – Ato de ir – Despossuídos. 8.Remeter – Típica expressão mineira. 9.Desafi na – Em inglês, diz-se “river”. 10.Transpiro – Pronome pessoal de segundo grau. 11.Conjunto dos meios de comunicação social – Mudança brusca na estrutura econômica, social ou política de um Estado.

Verticais: 1.Em Minas Gerais, são os próximos alvos a serem entregues à iniciativa privada pelo governo do PSDB. 2.Pronto Socorro (sigla) – O primeiro dos números internos. 3.Outra forma de designar d.C. (depois de Cristo) – “Leste”, em espanhol – Machuca. 4.Sílvio Santos é o dono deste ca-nal. 5. Cerca de 175 mil é o número de crianças que não encontram vagas em (?) na capital paulista. 6. Um século é composto por (?) anos – Nota do tradutor (sigla). 7.Segunda nota na escala musical – Quando os portugueses invadiram Pindorama (terra a qual viriam a chamar de Brasil), já existiam por aqui 2 mil povos (?), num total estimado de 6 milhões de habitantes. 8.Para alguns, a parte imor-tal do ser humano – Posterga. 9.Agência Nacional de Águas (sigla) – Movimento de ajuda mútua internacional (sigla) fundado em 1935, em Ohio, nos Estados Unidos, para lidar com o alcoolismo. 10.Jornal (sigla), que circulou de 1963 a 2001, com a fama de que se fosse espremido sairia sangue – Desmoronar. 11.Segundo maior estado da região Nordeste (sigla) – A chamada Unidade de Polí-cia “Pacifi cadora” que tem ocupado os morros no Rio Janeiro. 12.Em inglês, diz-se “street”. 13.Aban-dono voluntário. 14.Vídeos que adquirem alto poder de circulação na internet. 15.Exata. 16.“Deus”, em italiano. 17.Divisão principal das peças de teatro. 18.Tática grevista.

Horizontais: 1.Pastoral – Rap – AP. 2.PSDB – Él – ROTA. 3.TCC – Mãe – CNTE – Or. 4.Renan. 5.Sistema – Anuência. 6.Tá – PP. 7.Doe – Ida – Privados. 8.Enviar – Uai. 9.Destoa – Rio. 10.Suo – Ti. 11.Mídia – Revolução.

Verticais: 1.Presídios. 2.PS – Um. 3.AD – Este – Dói. 4.SBT. 5.Creches. 6.Cem – NT. 7.Ré – Na-tivos. 8.Alma – Adia. 9.ANA – AA. 10.NP – Ruir. 11.MA – UPP. 12.Rua. 13.Renúncia. 14.Viral. 15.Precisa. 16.Dio. 17.Ato. 18.Paralisação.

PALAVRAS CRUZADAS

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Deni Ireneu Alfaro Rubbo

“VOCÊ ESTÁ PARA fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pe-sa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinquenta e oito anos que vivemos jun-tos, e eu amo você mais do que nunca”. É com essas palavras que André Gorz ini-cia o seu último livro, Carta a D. – Uma história de Amor, que escreveu para ho-menagear sua mulher, Dorine, que estava com um câncer incurável. Assim, no dia 22 de setembro de 2007, ambos comete-ram suicídio.

É inevitável comparar a história vivi-da entre Gorz e Dorine com a de Geor-ges e Anne, personagens do premiadíssi-mo Amour, de Michael Haneke. Em am-bos, velhice, amor, doença, suicídio são a tônica do “enredo”. Mas diferentemen-te da carta-testamento de Gorz, que tra-ça um balanço de seu longevo relaciona-mento, aliás, muito mais comovente do que milhares de poemas de “amor”, que

na maior parte das vezes nos arrematam de tédio, a narrativa de Amour prima por mostrar minuciosamente o cotidiano e a intimidade do casal a partir de uma enfer-midade terrível, dolorosa, dura, sem qual-quer rememoração de sua relação, decidi-damente “anti-poético”, por assim dizer. Amour opta pela lenta tempestade, não pela longa calmaria das águas.

“Isto é tudo emocionante”, confessa Ge-orges com a mudança radical da rotina. A partir de então, o apartamento tornar-se-á mais fechado, claustrofóbico, enclau-surante. O entrelaçamento de duas vidas sob alguns cômodos e portas. Pouco de-pois do primeiro derrame Anne senten-cia: “Não me explique nada, por favor”. É quase uma regra tácita não mencionar seu estado de saúde. Nem mesmo o alu-no favorito escapa de sua sentença quan-do a visita. Não tanto por perguntar, mas por insistir no tema através do bilhete que vem junto ao CD que presenteia sua pro-

fessora. As palavras de otimismo de um futuro melhor, aos seus ouvidos, soam co-mo piedade e, consequentemente, desafi -na o piano que toca. É como as pessoas in-sistissem em não entender sua real situa-ção. Anne tem uma compreensão terrivel-mente lúcida de que esta perdendo todas as suas básicas funções mentais e físicas. “Eu não quero mais”, dirá à Georges. O que assusta a todos – e me soa muito bem a hipótese da fi lha do casal ser uma metá-fora do público, com soluções sempre ins-titucionais – é a sua consciência simultâ-nea de tudo o que a vida pode docemen-te oferecer (lembre-se a cena das fotos, a única rememoração do fi lme, em que ela diz “É bela. A vida. A longa vida.”) e de encarar a morte de maneira franca, im-batível.

Não é preciso dizer que o comporta-mento de Georges comove, emociona, por sua dedicação, gentileza e delicadeza (“Eu lhe disse que você esta muito bonita ho-je?”). Mas sabemos que essa escolha não signifi ca que ele seja a encarnação de uma perfeição crística, um “príncipe encan-tado”. Basta ouvir as palavras de Anne: “Você é um monstro às vezes, mas gen-til”. Humanos, temos – todos nós – nossa parte de sombra, nossos traumas pessoais e nossas pulsões bizarras. Seja em “amo-res de cachos” ou em “amores de casais”, somos perfeitamente imperfeitos com nós mesmos e com os outros, correndo o risco de petrifi car as relações. Embora a princí-pio Georges reaja com negação à propos-

ta de Anne, sua escolha muda quando a imagina tocando piano. Ali, ele a enxerga como uma pessoa morta. Outros exem-plos evidenciam isso, talvez mais explici-tamente. Ele está a caminho de uma es-colha difícil – altamente subversiva. Mes-mo cada vez mais decrépita e senil, a roti-na de “estar juntos” não é quebrada: exer-citam-se, cantam, comem juntos. “Nada disso me cansa”, diz Georges. Ambos ain-da estão em um processo de se conhecer. Amour opta pelas águas quentes de rela-ções sociais qualitativas construídas his-toricamente e não pelas águas geladas do cálculo egoísta.

Talvez tudo isso seja uma má compre-ensão das escolhas e das decisões que cul-minaram em um ato profundamente co-rajoso, para uns e decididamente covar-de para outros. Não importa. É inegá-vel, contudo, que Haneke conseguiu fazer um estonteante fi lme de amor (mormen-te sempre banais) juntando amargura e ternura, aço e a leveza de uma borboleta, submetendo o mistério do amor à “pro-va de tudo”. Não seria, afi nal, o intransi-tivo amor isso, como anunciou melancoli-camente o poeta francês André Breton em seu livro Nadja: “Só o amor no sentido em que compreendo – ou seja, o misterioso, o improvável, o único, o confundível e indu-bitável amor – que não pode ser senão à prova de tudo, teria podido permitir neste caso a realização do milagre”.

Deni Ireneu Alfaro Rubbo é sociólogo.

RESENHA É inevitável comparar a história vivida entre Gorz e Dorine com a de Georges e Anne, personagens do premiadíssimo Amour, de Michael Haneke

É inegável que Haneke conseguiu fazer um estonteante fi lme de amor

juntando amargura e ternura, aço e a leveza de uma borboleta, submetendo o mistério do amor à “prova de tudo”

Filme de amor

Divulgação

Cena do fi lme Amour, do cieasta austríaco Michael Haneke

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américa latina de 7 a 13 de março de 2013 13

Osvaldo León

“OU MUDAMOS o país agora ou não o mudamos nunca”, visto que se impõe “tornar irreversíveis as mudanças nas relações de poder em função do ser hu-mano e das grandes maiorias”, e nestas perspectivas “construiremos uma pe-quena pátria – Equador – e uma grande pátria – América Latina – para deixar para os fi lhos de nossos fi lhos”.

Tais palavras fazem parte do agrade-cimento de Rafael Correa ao povo equa-toriano, que no dia 17 de fevereiro rati-fi cou nas urnas sua confi ança de manei-ra contundente, com 57.78% dos votos válidos, enquanto seu imediato segui-dor, o banqueiro Guilherme Lasso, al-cançou apenas 22.26% . Há tempos que se confi rma que a tenda governista con-tará com uma maioria qualifi cada na Assembleia Nacional.

Entre os êxitos indiscutíveis do presi-dente Correa em seus seis anos de man-dato destacam-se a sua decisão por re-cuperar a soberania nacional, que se ex-pressa no fechamento da base estaduni-dense em Manta; a reversão das divisas das petroleiras (agora, 80% para o Esta-do e 20% para estas); e redução de parte da dívida externa, com o distanciamen-to dos organismos fi nanceiros interna-cionais, por assim dizer. Do mesmo mo-do, coloca em sua agenda de prioridades a integração latino-americana.

Tanto é assim que, assumindo a fun-do a presidência pro tempore na nas-cente União de Nações Sul-Americanas (Unasul), contribui impulsionando pa-ra que tome a velocidade inicial; ques-tão necessária para qualquer tentativa coletiva ou pessoal.

Neste sentido, seu governo, com ím-peto para que nas dinâmicas integra-cionistas se contemple a necessidade de avançar rumo a uma nova arquitetu-ra fi nanceira regional, que entre outros componentes registra a criação do Ban-co do Sul e o estabelecimento do Sucre (Sistema Unitário de Compensação Re-gional de Pagamentos), como instru-mento monetário virtual no comércio na região. De forma que, em sua men-sagem, o mandatário equatoriano sina-lizou que a tarefa é seguir aprofundan-do essa integração (Alba, Unasul, Ce-lac), que “já não é um sonho”.

Após o triunfo eleitoral, Correa res-saltou a importância estratégica de avançar nos processos de integração para enfrentar as ameaças que pairam sobre a região. A respeito, em um in-tercâmbio com a imprensa internacio-nal ocorrido no país em 20 de feverei-ro, destacou que os países da região não têm força sufi ciente para incidir nas re-lações de poder em nível global – que estão sob o domínio do capital e, por-tanto, onde os mercados dominam a so-ciedade –, se não podem atuar para fre-ar nem os abusos do mercado transna-cional, quanto mais os tratados de pro-teção recíproca de aplicações.

“Se há um atentado aos direitos hu-manos em um país latino-americano te-mos que esgotar todas as instâncias ju-rídicas para, então, levar esse caso às instâncias internacionais. Mas quando é um “atentado” aos interesses do ca-pital, qualquer transnacional pode le-var um Estado soberano a estes tribu-nais, que são uma procuração, sempre em função das transnacionais. Estão aí para defender os interesses dos inter-vencionistas, do capital transnacional”,

assinala Correa, para logo apontar: “Frente a isso, a região pode responder, e por isso uma de nossas prioridades é a integração, já que estão destroçando nossos países”. E dá como exemplo a in-vestida da transnacional Chevron con-tra o Equador.

Chevron vs EquadorAlguns dias atrás, a Comissão das

Nações Unidas para o Direito Mercan-til Internacional (Cnudmi) defendeu a transnacional Chevron-Texaco, que exige do governo equatoriano a suspen-são da sentença emitida por um tribu-nal do país para que pague uma mul-ta de 18 bilhões de dólares por danos ambientais e à saúde da população na Amazônia equatoriana. Esta senten-ça corresponde a um processo que co-munidades indígenas amazônicas in-terpuseram contra a transnacional há 15 anos.

Nestas circunstâncias, declara Cor-rea: “A Chevron desencadeou uma cam-panha em nível mundial para despres-tigiar o país de forma impressionante, que somos corruptos, que o sistema de justiça não serve para nada, e nos pro-

cura ante ao tribunal das Nações Uni-das, invocando o Tratado de Prote-ção Recíproca de Aplicações escrito em 1998. A Chevron, nesse tempo Texaco, saiu do país em 1992, e invoca o Trata-do de 1998, e o pior de tudo é que o Tri-bunal se declara competente e nos or-dena suspender a sentença contra a Te-xaco, como se o presidente pudesse sus-pendê-la. Aí sim não teríamos seguran-ça jurídica nesse país”.

Neste momento, “está em cassação essa sentença e é terrível o que está fa-zendo esse Tribunal, que é só um men-sageiro destas transnacionais. Ante a isso, a América Latina pode se prote-ger. Sim, podemos fazer nossas pró-prias instâncias de arbitragem real-

mente equilibradas. Esses tratados sãotão assimétricos que as transnacionaispodem ordenar ao Estado, mas o Esta-do não pode ordenar às transnacionais.É um horror!”, aponta o recém-reeleitopresidente equatoriano.

Do mesmo modo, ressalta: “Estamosdenunciando todos esses tratados deproteção recíproca, uma das herançasmais letais da larga e triste noite neoli-beral, uma antologia do ‘entreguismo’,uma antologia do neocolonialismo”. Ese refere também ao caso da Oxy “quedescumpriu a lei equatoriana e o tribu-nal do Centro Internacional de Arran-jos de Diferenças Relativas às Aplica-ções (Ciadi) concede mais do que pediua petroleira e, reconhecendo que haviadescumprido a lei, o que faz é julgar alei, expondo que é muito dura, como seo intervencionista não conhecesse a leiequatoriana. Imaginem se o fariam nosEstados Unidos”.

Sintonia com MercosulO Mercosul se mostra como o epicen-

tro para consolidar a dinâmica de inte-gração regional autônoma. Isso porque,com as perspectivas integracionistas, oEquador terá que jogar em um cenárioque tende a ser mais complexo e desa-fi ador com o anúncio da negociação deum tratado de livre comércio entre osEstados Unidos e a União Europeia ecom o andamento da Aliança do Pacífi -co. Em um diálogo com a imprensa in-ternacional, a Alai perguntou ao presi-dente se o Equador vai formalizar suaintegração plena nesta instância.

“Nos dão o motivo porque se pode vi-ver sem tratados de livre comércio. Co-mo puderam se desenvolver sem ter es-se livre comércio? O livre comercio éuma grande falácia. Um dos grandes er-ros é o de tratar de fazer o que fazemos países desenvolvidos agora, que sãoos campeões mundiais da competitivi-dade, e não terem feito quando tinhamnosso nível de desenvolvimento. Todosos novos industrializados aplicaram po-líticas para proteger seu pleno empre-go e sua produção nacional. Quando co-meçam a empregar o livre comércio?Quando estão na fronteira tecnológicae ninguém os vence em produtividadee competitividade. Eu também o faria,mas é um absurdo que nossos paísesacreditemos nesses cantos de sereia”.

“E há uma razão para que haja um ei-xo do pacífi co para o livre comércio”,afi rma Correa, “e por isso a importân-cia do Mercosul, que tem uma visão to-talmente distinta, coincidente com a doEquador. Por exemplo, o Mercosul émuito reticente a estes tratados de livrecomércio e aos tratados de proteção re-cíproca de investimentos. O Eixo do Pa-cífi co é muito inclinado a essas coisas eo Equador está no meio disso e é o úni-co que o quebra, por isso o interesse émútuo: Equador se aproximar do Mer-cosul e Mercosul integrar o Equador”.

O Equador está analisando questõescomo deveres e outras medidas afi nspelo fato de não ter moeda nacional.Correa é enfático ao assinalar: “ratifi ca-mos nosso grande interesse de ingres-sar como membro do Mercosul porquea visão comercial do Mercosul se apro-xima muito mais da visão do Equador,que nada tem a ver, com todo respei-to, com a visão do Eixo do Pacífi co queé neoliberal; não nos enganemos, livrecomércio, esses tratados de proteção deinvestimentos, o ‘salve-se quem puder’.Respeitamos muito a visão destes paí-ses, mas não a compartilhamos, com-partilhamos a visão do Mercosul”.

Nas eleições, as propostas dos can-didatos da direita giraram em torno deum restabelecimento das políticas neo-liberais, para colocar o mercado comoeixo regulador e, portanto, reduzindo apresença do Estado: com a desregulari-zação econômica; a fl exibilidade traba-lhista; menos impostos aos ricos; aber-tura ao “investimento estrangeiro” e atratados de livre comércio; a saída deEquador da Alba; e um alinhamentoirrestrito com os Estados Unidos, nascircunstâncias de uma incorporação àAliança do Pacífi co.

Não cabe dúvida que com o triunfo deRafael Correa ganham os processos deintegração nas esferas governamentais.Mas multiplica-se o desafi o aos movi-mentos sociais no que tange à formula-ção de propostas e iniciativas, vale di-zer, para fazer realidade a proclama-ção: “passar do protesto à proposta”,e assim apontar para uma correlaçãode forças favorável à construção da Pá-tria Grande.

Osvaldo León é diretor da Alai.

Correa e sua aposta integracionistaEQUADOR Após o triunfo eleitoral, Correa ressaltou a importância estratégica de avançar nos processos de integração para enfrentar as ameaças que pairam sobre a região

Entre os êxitos indiscutíveis do presidente Correa em seus seis anos de mandato destaca-se a sua decisão por recuperar a soberania nacional

“Se há um atentado aos direitos humanos em um país latino-americano temos que esgotar todas as instâncias jurídicas”

“Frente a isso, a região pode responder, e por isso uma de nossas prioridades é a integração, já que estão destroçando nossos países”

“Respeitamos muito a visão destes países, mas não a compartilhamos, compartilhamos a visão do Mercosul”

O presidente equatoriano Rafael Correa

Ativista examina vazamento de óleo da Chevron-Texaco no Equador

Mauricio Muñoz E/Presidencia de la República

Rainforest Action Network

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internacionalde 7 a 13 de março de 201314

Carlos Tautz

AO LONGO DA 5ª reunião de chefes de estado dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que acontece em fi nais de março em Durban (África do Sul), deverá ser anunciada a decisão de fundar um novo banco de desenvol-vimento, o banco dos Brics. Tudo indi-ca que ali vão se iniciar os estudos fi nos sobre a nova instituição, com o anúncio ofi cial de criação fi cando para a 6a Cú-pula, a realizar-se no Brasil em 2014. Confi rmadas essas possibilidades, esta-rá aberta uma enorme janela histórica de oportunidade para incidência da so-ciedade civil internacional.

Afi nal, não é todos os dias que se criam instituições com essa natureza e missão, nem que organizações do cam-po popular podem se articular para ga-rantir que os critérios de fi nanciamento incluam a obediência a uma ampla ga-ma de direitos.

Não se teve oportunidade semelhante em 1945/6, na criação do Fundo Mone-tário Internacional, o FMI, e do Banco Mundial. Nem em 1950, quando o Bra-sil fundou o Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico e Social, o BN-DES. Agora, o cenário é outro. Há con-senso sobre a necessidade de tais ins-tituições incorporarem mecanismos de transparência e controle social, pa-ra garantir que os projetos por elas via-bilizados distribuam renda e respeitem culturas e o ambiente.

Além de nascer da crítica que os Brics fazem ao antidemocrático sistema que garante a hegemonia eterna dos EUA e da Europa no Banco Mundial e no FMI, o banco dos Brics, que nascerá com aportes totais de 50 bilhões de dólares (2 bi cash e 8 bi em garantias de cada sócio) é justifi cado pela nova realidade

econômica internacional, que possibi-lita maior raio de ação a essas nações. Desde o início dos anos 2000, com o aumento da demanda e dos preços in-ternacionais de commodities e demais matérias-primas, mercados em que os Brics são especializados, esses países acumularam expressivas reservas em moeda forte (cerca de 5 trilhões de dó-lares em dezembro de 2011).

CapacidadeAssim, capitalizadas, essas nações re-

cuperaram parte de sua capacidade de conduzir internamente políticas públi-cas e de transitar com razoável autono-mia no fechadíssimo clube das fi nanças internacionais, onde predominam, por ordem, o dólar (EUA), o euro (Europa) e o iene (Japão).

Uma cunha na hegemonia de EUA e EuropaA criação de um banco como o dos Brics não deve ser encarada como uma decisão

apenas da esfera econômica. Ela também se fundamenta no espaço político aberto pe-la fragilidade conjuntural de EUA e Europa diante das recentes crises cíclicas do capi-talismo globalizado. A mais recente delas, a de 2008/09, fragilizou esses dois gigan-tes diante de um momento relativamente privilegiado para as chamadas economias emergentes, em termos de balanço de pagamentos e de suas reservas geradas pela al-ta dos preços e da demanda nos mercados internacionais de produtos primários.

Nesse cenário, tanto instituições como o FMI, hegemonizado pela Europa, e o Ban-co Mundial, pelos EUA, quanto fóruns como o G-20, liderados pelos dois, tiveram sua existência e efi cácia confrontadas pela incapacidade de prevenir e de lidar com as fra-gilidades cíclicas de um modelo de desenvolvimento hegemônico que volta e meia se aproxima do abismo. Além, é claro, de não abrirem qualquer espaço efetivo para o au-mento da infl uência na governança dessas instituições por parte de novos e importan-tes jogadores no cenário internacional, como pleiteiam os Brics.

É nesse enquadramento que se precisa olhar a oportunidade e a decisão de os Brics criarem um novo banco de desenvolvimento que seja governado por um grupo espe-cial de países. Entre esses países estão dois com assento permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU e que também são grandes produtores, exportadores e con-sumidores mudiais de petróleo e gás natural (Rússia e China); outros três são plei-teantes históricos de inclusão no CS (Brasil, Índia e África do Sul); e três declarada-mente possuem armas nucleares (Rússia, China e Índia). Em seu conjunto, os cinco abrigam perto de 40% da população mundial.

Ainda que a economia dos Brics cresça abaixo do esperado, uma coalizão como es-sa coloca um ponto de interrogação para EUA e UE, pólos tradicionais de poder. Tu-do isso ainda não ameaça a hegemonia de estadunidenses e europeus, mas cria uma pertubadora cunha na geopolítica global. (CT)

Uma janela histórica para a sociedade civilEm se confi rmando a fundação de um banco com a escala e a nature-

za deste dos Brics, é urgente a intervenção articulada, propositiva e in-cisiva de organizações da sociedade civil para garantir que o banco se fundamente sobre pelo menos cinco critérios que caracterizariam al-gum lampejo de democracia no mundo das fi nanças.

Os critérios seriam: 1. uma ampla política de informação pública e adoção de normas internacionais de transparência; 2. critérios interna-cionais de controle e accountability; 3 anterior aos seus desembolsos, um processo aberto de discussão e decisão com as populações direta e indiretamente impactadas pelos projetos a serem fi nanciados; 4. um espaço público de deliberação geral sobre a nova instituição; e 5. a ado-ção de uma norma internacional contra violações de direitos humanos a ser respeitada por toda cadeia produtiva dos projetos apoiados.

No caso do banco dos Brics, a falta de acesso público e amplo aos do-cumentos sobre as negociações ofi ciais para sua criação demonstra a premente necessidade de ação cidadã sobre esta poderosa instituição que está prestes a ser fundada. Afi nal, se a criação do banco dos Brics se fundamenta, entre outras razões, em um défi cit de legitimidade do FMI e do Banco Mundial, o novo banco precisa, para ser legítimo, basear-se em critérios democráticos sobre a utilização de recursos públicos.

O Instituto Mais Democracia realizará, em articulação com a Funda-ção Heinrich Böell, uma ofi cina sobre o banco dos Brics, em março, na África do Sul, em paralelo à cúpula ofi cial para levantar questões críti-cas sobre o banco, como o respeito ao meio ambiente e direitos huma-nos, e, a partir daí, construir uma rede internacional de organizações da sociedade civil que monitore e incida sobre o banco. (CT)

Foi nesse cenário que nasceu a ideia, em 2010, na segunda cúpula dos Brics, realizada no Brasil, de criar um fundo de fomento ao desenvolvimento, quan-do a África do Sul ainda não integrava

o bloco. O acordo foi capitaneado peloBNDES, instituição que tem tido papelimportante na criação do novo banco.O fundo servirá para fazer reservas emmoedas próprias dos Brics, dispensan-do dólares e euros, e atender aos cincopaíses em caso de futuras crises do ca-pitalismo globalmente interconectado.

O banco teve sua ideia vocalizada pelaÍndia, que sediou a terceira cúpula dosBrics em 2011 e também integra a estra-tégia de isolamento diante das crises.Mas, está sendo desenhado para atuarespecifi camente no apoio às oportuni-dades comerciais abertas pela crise cli-mática, conforme paper dos economis-tas Nicholas Stern e Joseph Stiglitz quecircula entre governos do bloco des-de setembro de 2011 (ver a íntegra emwww.maisdemocracia.org.br).

SistemaOs estudos preliminares detiveram-se

até agora sobre o sistema de governan-ça e os esquemas comercial e fi nancei-ro do novo banco. O governo brasileiro,em consonância com o texto Stern-Sti-glitz, defende que a instituição tenha omenor número possível de funcionáriose não promova políticas públicas a se-rem exigidas dos tomadores de emprés-timos. O local da sede ainda não estádefi nido. O Brasil postula a adoção dosistema de cotas iguais, com direito avoto, para os fundadores principais, ca-bendo a diversos tipos de países parti-cipantes diferentes modos de aportare acessar os recursos, mas sem direitoa voto. A África é apontada como cam-po de interesse particular da nova ins-tituição, por deter grandes quantida-des de terras férteis, água e subsolo ri-quíssimo.

Carlos Tautz é jornalista e coordenador do Instituto Mais Democracia – Transparência e

controle cidadão de governos e empresas (www.maisdemocracia.org.br). Monitora políticas públicas para organizações da

sociedade desde 2001.

O banco dos Brics em marçoOPINIÃO Em Durban (África do Sul) deverá ser anunciada a decisão de fundar um novo banco de desenvolvimento

Não é todos os dias que se criam instituições com essa natureza e missão, nem que organizações do campo popular podem se articular para garantir que os critérios de fi nanciamento

Essas nações recuperaram parte de sua capacidade de conduzir internamente políticas públicas e de transitar com razoável autonomia no fechadíssimo clube das fi nanças internacionais

O Brasil postula a adoção do sistema de cotas iguais, com direito a voto, para os fundadores principais, cabendo a diversos tipos de países participantes diferentes modos de aportar e acessar os recursos, mas sem direito a voto

Fotos: Roberto Stuckert Filho/PR

Reunião dos Chefes de Estado e de Governo dos Brics em Los Cabos, no México, em junho de 2012, em encontro que antecedeu a cúpula do G20

Foto ofi cial da 4ª Cúpula do Brics, realizada em Nova Delhi, na Índia, em março de 2012

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internacional de 7 a 13 de março de 2013 15

Baby Siqueira Abrãode São Paulo (SP)

A MORTE do palestino Arafat Jaradat, 30 anos, na prisão de Meggido, em Is-rael, no dia 23 de fevereiro, foi a gota d’água num “copo até aqui de mágoa”, como na canção de Chico Buarque de Holanda. As autoridades carcerárias de Israel e o Shin Bet (serviço de seguran-ça interna do país) alegaram que a morte se deveu a uma parada cardíaca durante o interrogatório. Mas a autópsia revelou uma história muito diferente.

Realizado em Israel, com a presença de ofi ciais do governo palestino, o pro-cedimento mostrou que Jaradat foi víti-ma de tortura pesada. Ele tinha seis os-sos quebrados no pescoço, na coluna, nos braços e nas pernas, além de ferimentos na musculatura e manchas roxas na pele. “Isso corrobora nossas suspeitas de que a morte foi resultado de tortura”, disse o ministro palestino das Questões Prisio-nais, Issa Qaraque, numa coletiva de im-prensa em Ramala. “A autópsia mostrou que o sistema cardíaco de Jaradat era saudável, sem sinal de derrame, plaque-tas ou equimose, o que desqualifi ca a ale-gação inicial de Israel, de que ele morreu em função de um ataque cardíaco”.

Essas evidências levaram as autorida-des israelenses a mudar o discurso sobre as causas da morte. O ministro da Saúde de Israel apressou-se a explicar que os ferimentos descobertos na autópsia po-dem ter sido causados pela equipe mé-dica que tentou ressuscitá-lo. “Esse re-sultado inicial não é sufi ciente para de-terminar a causa da morte. É preciso fa-zer exames mais aprofundados”, decla-rou o ministro. Uma porta-voz da polí-cia israelense anunciou que a investi-gação sobre a morte de Jaradat – preso sob a acusação de atirar pedras que feri-ram um cidadão israelense – ainda está em andamento.

Kameel Sabbagh, advogado do Minis-tério das Questões Prisionais da Palesti-na, presente à última audiência de Jara-dat em 21 de fevereiro – adiada, naque-la data, em 12 dias – confi rma a hipóte-se de morte por tortura. “Quando entrei no tribunal, vi Jaradat sentado diante do juiz. Ele tinha as costas arqueadas e pa-recia doente, fraco. Sentei-me a seu la-do e ouvi suas queixas sobre fortes dores nas costas e em outras partes do corpo em consequência dos golpes que sofreu e por ter sido obrigado a fi car numa po-sição desconfortável durante muitas ho-ras”, disse o advogado.

Assim que o juiz decidiu adiar a au-diência, Jaradat “pareceu extremamen-te assustado”, declarou ainda Sabbagh. Seu estado psicológico era péssimo, e o advogado avisou o juiz que ele vinha sen-do torturado. O juiz, segundo Sabbagh,

ordenou um exame, que nunca ocorreu. Issa Qaraque, ministro palestino, acres-centou que os homens que interroga-ram Jaradat utilizaram técnicas de “esti-camento” do corpo (uma delas, a “bana-na”, consiste em manter as costas do pre-so no assento de um banquinho, com pés algemados de um lado e mãos de outro, o que obriga a pessoa a fi car de costas, com a cabeça para baixo) e de privação de so-no para torturá-lo, na prisão de Jalameh, um dia antes da morte.

Arafat Jaradat trabalhava num posto de gasolina em Hebron, era casado e ti-nha dois fi lhos: uma menina de 4 anos e um garoto de 2. O terceiro está a cami-nho, com nascimento previsto para ju-nho. O enterro, na vila de Sair, região de Hebron, onde ele nasceu, foi acom-panhado por milhares de pessoas. O nú-mero só não foi maior porque o exérci-to israelense cercou Sair e impôs seve-ras restrições à movimentação de pesso-as nas entradas de Hebron e dos vilare-jos próximos. Também em Gaza milha-res de manifestantes protestaram contra a morte de Jaradat.

Protestos de rua multiplicam-seOs palestinos não esperaram o resulta-

do da autópsia para sair às ruas. No do-mingo, assim que a notícia da morte se espalhou, os protestos começaram. Ou melhor, continuaram, porque manifes-tações diárias já vinham sendo realiza-das pela libertação de Samer Issawi, Ay-man Sharawneh, Jafar Azzidine e Tareq Qa’adan. Os dois primeiros estão há mais de seis meses sem ingerir alimentos sóli-dos. Em 22 de fevereiro, Samer também cessou de tomar água e vitaminas. Jafar e Tareq suspenderam a greve em 28 de fe-vereiro, depois de 93 dias, ao receberem garantias de que serão libertados em 21 de maio, quando termina a atual ordem de detenção.

Todos correm risco de morte. As au-toridades judiciárias israelenses, no en-tanto, têm negado sistematicamente a libertação dos grevistas, apesar da pres-

são interna e internacional. As audiên-cias nos tribunais de Israel indicam en-durecimento, a despeito de os juízes es-tarem cientes da deterioração acelera-da da saúde dos prisioneiros. Jafar e Ta-req estavam sob detenção administrati-va – isto é, sob acusação não formali-zada, sem direito a processo e, portan-to, sem direito a defesa. Samer e Ayman são acusados de violação dos termos do acordo que os libertou em outubro de 2011, na troca pelo soldado israelense Gilad Shalit, mas Israel se nega a dizer que violações foram essas. Os prisionei-ros negam a acusação.

Além disso, Samer e Ayman enfren-tam o artigo 86 da Ordem Militar 1651, de 2009, que permite a uma comissão militar israelense obrigar prisioneiros

de São Paulo (SP)

Receoso de uma revolta generalizada, o governo israelense ordenou à Autori-dade Nacional Palestina (ANP) a manter a população sob controle. Como “estímu-lo”, prometeu liberar o dinheiro palesti-no de janeiro – Israel coleta os impostos devidos à Palestina e depois os repassa à ANP, que não tem nem mesmo como sa-ber se os valores correspondem às taxas efetivamente pagas. O governo sionista congelou esses repasses em dezembro, em represália ao reconhecimento da Pa-lestina como Estado observador das Na-ções Unidas.

Embora obediente à ordem – mesmo porque não lhe resta alternativa –, Mah-moud Abbas, presidente da ANP, já de-clarou que o objetivo de Israel é “instau-rar o caos” no Estado palestino, e pediu à população que não faça o jogo do ocu-pante. Em outras palavras: que não res-ponda às provocações. Mas já houve en-frentamentos até mesmo entre soldados israelenses e a polícia palestina, um fa-to raro. E o próprio Fatah, partido de Ab-bas, apoia as novas ofensivas da resistên-cia não violenta, como a retomada de ter-

ras palestinas por meio de acampamen-tos e a postura mais ativa, com manifes-tações diárias pela libertação dos presos políticos, particularmente os que estão em greve de fome. A Brigada dos Már-tires de Al-Aqsa, ligada ao Fatah, já não descarta a resistência armada caso Israel continue a intensifi car a violação dos di-reitos do povo palestino.

A violência também vem de parte dasociedade israelense. Além dos colonos,cidadãos comuns de Israel se lançam ao ataque físico contra os palestinos. Há cerca de uma semana, uma palesti-na usando o hijab (lenço que cobre ca-beça e pescoço das muçulmanas) rece-beu socos e tapas de jovens mulheres is-raelenses enquanto esperava o trem, em Jerusalém, e teve o hijab arrancado. Ati-vistas internacionais que passavam pelolocal fotografaram a agressão, que ocor-reu às três da tarde da data em que osjudeus comemoram o Purim, relato bí-blico segundo o qual as artimanhas deEsther salvaram do extermínio a co-munidade judaica da Pérsia. De acordo com as testemunhas, um policial israe-lense que estava por perto apenas assis-tiu à cena, sorrindo.

Hamas e Fatah, que estão acertandoas bases do acordo para a união dos par-tidos e facções palestinos, embora enco-rajem a resistência não violenta, pedem para a população evitar a terceira Intifa-da. Temem as consequências de uma re-volta generalizada neste momento, poli-ticamente delicado. No entanto, a agen-da dos partidos não corresponde à dopovo palestino, farto de violência e re-pressão. (BSA)

Israel teme a terceira IntifadaGoverno israelense sinaliza com liberação de verba; Abbas pede para palestinos não fazerem “jogo do ocupante”

já libertados a voltar às celas para cum-prir a totalidade da sentença a que foram condenados antes da libertação. Isso afe-ta de perto as pessoas soltas pelo acordo fi rmado entre o governo de Israel e o Ha-mas quando da troca de Gilad Shalit por mais de mil detentos políticos palestinos. Samer, por exemplo, cumprira 10 dos 30 anos de sentença quando foi libertado pelo acordo de outubro de 2011. Especu-la-se que ele será obrigado a cumprir os 20 anos restantes – se suspender a greve de fome, evidentemente, algo que ele já anunciou que não fará.

Em 22 de fevereiro, apoiadores da cau-sa palestina e ativistas de direitos huma-nos fi zeram um jejum simbólico pela li-bertação dos quatro grevistas e dos mais de 4,8 mil prisioneiros políticos palesti-nos. O evento foi marcado e organizado pelas redes sociais, e envolveu milhares de militantes de todas as partes do mun-do. Em 23 e 24 de fevereiro, foi a vez de os presos palestinos suspenderem a ali-mentação por 48 horas. Em vários paí-ses, petições e manifestações são realiza-das semanalmente para pressionar o go-verno israelense a libertar Samer e seus companheiros, única maneira de salvar a vida do grupo.

No Brasil, a Frente em Defesa do Povo Palestino, composta por mais de 60 enti-dades sociais e populares – ONGs, sindi-catos, federações de trabalhadores, gru-pos pró-Palestina, partidos políticos – preparou um documento a ser entregue às autoridades brasileiras e israelenses. Em Gaza e na Cisjordânia, as manifesta-ções, diárias, são reprimidas pelo exérci-to de Israel com bombas de gás, grana-das, balas de metal maciço recoberto de borracha e balas comuns, letais.

São dezenas de feridos todos os dias, alguns – quase todos menores, muito jo-vens – gravemente. Mortes também já foram registradas. Segundo Ahmed Be-tawi, da Fundação Thadamon por Direi-tos Humanos, de Ramala, só em feverei-ro foram mais de 350 detentos, dezenas de feridos e dois mortos em toda a Pales-tina (Cisjordânia e Gaza).

Tensão crescente na PalestinaORIENTE MÉDIO Morte de Arafat Jaradat em cárcere israelense intensifi ca protestos de palestinos

“A autópsia mostrou que o sistema cardíaco de Jaradat era saudável, sem sinal de derrame, plaquetas ou equimose”

“Quando entrei no tribunal, vi Jaradat sentado diante do juiz. Ele tinha as costas arqueadas e parecia doente, fraco”

Milhares de palestinos foram às ruas protestar contra a morte do jovem Arafat Jaradat

Soldados israelenses disparam bombas de gás e balas de borracha em manifestantes

palestinesolidarityproject.org

International Solidarity Movement

O jovem palestino Arafat Jaradat

Reprodução

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áfricade 7 a 13 de março de 201316

U.S. Army Africa

Franklin C. Spinney

MUITOS ESTADUNIDENSES não ve-em o quão profundamente os EUA es-tão se envolvendo militarmente no tur-bilhão de confl itos que varrem a África Saariana e Subsaariana.

Embora relatos recentes tendam a se concentrar na tentativa dos france-ses para expulsar do Mali a Al Qaeda no Magreb Islâmico [Al Qaeda in Isla-mic Maghreb] Aqim - esforço que po-de já estar se convertendo em complexa guerra de guerrilhas, a operação fran-cesa não passa de versão, em pleno sé-culo 21, de disputa, à maneira do sécu-lo 19, pelos recursos da África. É políti-ca que, do ponto de vista dos EUA, re-laciona-se, bem provavelmente, ao “pi-vô em direção à China”, dado o cresci-mento do mercado e a presença chinesa na África na área de ajuda humanitária. Juntos, a disputa feroz e o “pivô” basta-rão para desencadear no Pentágono um movimento de sequestro, no curto pra-zo, de todos os confl itos, com a corres-pondente cascata de dinheiro antevista no longo prazo.

Ano passado, Craig Whitlock, do Wa-shington Post, ofereceu um mosaico do envolvimento dos EUA na África. Pu-blicou uma série de excelentes reporta-gens. É uma espécie de resumo das ma-térias de Whitlock (e outros), com in-formes para serem distribuídos às po-pulações muçulmanas na África Cen-tral. Considerem-se as distâncias en-volvidas nesse enxame de bases (os pontos vermelhos): só a distância en-tre as bases distribuídas no eixo no-roeste-sudoeste no continente africa-no é maior que a distância entre No-va Iorque e Los Angeles. Considerem-se as diferenças étnicas e tribais entre Burkina Faso e Quênia, sem contar as diferenças internas, dentro desses paí-ses. E lembrem que praticamente todo o norte da África, do Marrocos ao Egi-to, é mais de 90% muçulmano.

Por mais que a correlação entre po-pulações muçulmanas e as atividades de intervenção estadunidense nesse mosaico de diferenças culturais sugira um leque de diferentes mensagens pa-ra diferentes públicos, só uma genera-lização é absolutamente garantida, da-da a história recente das intervenções dos EUA: a presença continuada e o en-volvimento crescente do Comando dos EUA na África (Africom), só fará infl a-mar cada vez mais o relacionamento dos EUA com o Islã militante e, talvez, também, com o número imensamente maior de islamistas moderados.

Mas consideremos outras possibili-dades, para que a loucura se generali-ze. Por exemplo: considerado o resulta-do da recente aventura líbia, os islamis-tas de mentalidade conspiracionista do norte da África (e, por que não, também muitos moderados), com inclinações para ler tendências a partir do forma-to das nuvens, bem poderão interpretar a corrente de bases do Africom na Áfri-ca Subsaariana como os tijolos iniciais de um covil gigante, que lá estará pa-ra acomodar uma nova geração de neo-colonialistas europeus, que atacarão do norte, obedecendo à doutrina do presi-dente Obama que manda “liderar pela retaguarda”. Claro, dadas as distâncias envolvidas e a porosidade que aquelas distâncias implicam, tais divagações de mentes paranóicas não passam de toli-ces, de um ponto de vista militar.

Mas, se se considera a trilha de men-tiras assassinas que os EUA deixaram no Iraque; de incompetência, no Afe-ganistão; e de arrogante indiferença à sorte dos palestinos, que os EUA com-provaram, ao construir processos de paz que só facilitaram o crescimento de colônias israelenses ilegais, num roubo continuado de terras por Israel, que se

arrasta já por 40 anos, esse tipo de ca-racterização será moída no moinho da propaganda, como reles fulminações de mentes paranoicas. E, lembre: você é paranoico, mas, nem por isso, os EUA deixarão de sair, armados até os den-tes, para acabar com você.

Fronteiras artifi ciais Outro sentido da natureza metastáti-

ca do envolvimento dos EUA na África pode ser inferido da carregada, terro-rista-cêntrica, embora cuidadosamen-te construída verborragia das “respos-tas preparadas” que o general de exér-cito David M. Rodriguez entregou à Co-missão dos Serviços Armados do Sena-do, como material de apoio ao que dis-se, dia 12 de fevereiro deste ano, ao ser confi rmado como novo comandante do Comando dos EUA na África, Africom.

As “ameaças” terroristas na África Subsaariana, evidentemente tão tenta-doras para os neoimperialistas do Afri-com, não existem isoladamente. Todas são intimamente conectadas à insatis-fação étnico/tribal na África – tema ao qual Rodriguez alude, mas que abso-lutamente não analisa; nem o general nem seus ‘sabatinadores’ senatoriais, naquele jogo cuidadosamente coreo-grafado de perguntas e respostas.

Muitas dessas tensões, por exem-plo, são, em parte, legado das frontei-ras artifi ciais criadas pelos intervencio-nistas europeus no século 19. Aqueles intervencionistas deliberadamente tra-çaram fronteiras para misturar grupos étnicos, tribais e religiosos; assim con-tavam facilitar as políticas coloniais de “dividir para governar”. Os colonialis-tas do século 19 seguidamente exacer-baram deliberadamente as animosida-des locais, impondo grupos minoritá-rios em posições política e economica-mente vantajosas, o que fazia crescer as ondas de descontentamento e revide. Stálin, aliás, usou a mesma estratégia nos anos 1920 e 1930 para controlar as repúblicas soviéticas muçulmanas, na região antes conhecida como Turques-tão, na Ásia Central. Na URSS, o posi-cionamento dessas fronteiras artifi ciais entre aqueles novos “-stões” era ampla-mente conhecido como “pílulas de ve-neno” de Stálin.

A crise dos reféns na usina de gás no leste da Argélia, em janeiro passa-do, ilustra algumas dessas complexida-des de profundas raízes culturais que sempre há nesses confl itos. Akbar Ah-med escreveu sobre isso, em mais um de uma série de ensaios fascinantes pu-blicados pela Al-Jazeera. Essa série de matérias – que considero muito impor-tantes – baseiam-se nas pesquisas pa-ra seu novo livro, no prelo, The Thistle and the Drone: How America’s War on

Terror Became a War on Tribal Islam [O cacto e o drone: como a Guerra ao Terror dos EUA converteu-se em guer-ra contra o Islã tribal], a ser publica-do em março, nos EUA, pela Brookings Institution Press.

Inimigos multiplicados O embaixador Akbar Ahmed é ex-alto

comissário do Paquistão no Reino Uni-do, e ocupa agora a cátedra, apropria-damente batizada Cátedra Ibn Khal-dun de Estudos Islâmicos da American University, em Washington, D.C. Con-siderado um dos pais da moderna his-toriografi a e das ciências sociais, Ibn Khaldum é um dos especialistas mais infl uentes, no campo da historiogra-fi a, da natureza espontânea do triba-lismo e de seu papel na construção da coesão social. O núcleo duro do traba-lho do professor Ahmed acompanha essa inspiração. Visa a explicar por-que a insatisfação espalha-se tão am-plamente em todo o antigo mundo co-lonial, e como, parcialmente, tem raí-zes numa complexa história da opres-são de grupos étnicos e em rivalidades tribais, em toda aquela região. Assim se criou uma teia de tensões entre os fra-cos governos centrais dos países ex-co-lônias e os grupos e tribos minoritários que os cercam.

Ahmed diz que essas tensões foram exacerbadas pela resposta militar que os EUA deram ao 11/9. Explica por que as intervenções militares pelos EUA e outras potências europeias ex-coloniais só farão crescer a tensão que já existe entre os governos centrais daqueles países e os grupos oprimidos.

Dentre outras coisas, Ahmed, talvez inadvertidamente, constrói uma crítica devastadora ao fracasso dos EUA, que não souberam respeitar os critérios de qualquer grande estratégia sensível, na reação ao 11/9. Ao confundir um cri-me horrendo com ato de guerra, e de-clarar guerra global ao terror, sem fi -nal previsto; e ao conduzir aquela guer-ra nos termos de uma grande estraté-gia classicamente falha, que assumia que “quem não está conosco está con-tra nós”, os EUA não apenas criaram inimigos que se multiplicam mais de-pressa do que seria possível matá-los; também, ao fazê-lo, os EUA, sem ava-liar qualquer consequência, exacerba-ram confl itos locais altamente voláteis, incrivelmente complexos, de raízes lo-cais profundíssimas; assim, os Esta-dos Unidos contribuíram para deses-tabilizar porções gigantescas da Ásia e da África.

Sem avaliar consequências? É dizer pouco. Considere, leitor, o seguinte: muitos aqui já ouviram falar de Aqim e, provavelmente, também dos tuaregues. Mas quantos algum dia ouviram falar dos berberes cabila e de sua história na

Argélia? (Eu, nunca.) Pois, como ensina o professor Ahmed, os berberes cabilasão os fundadores da Aqim – fundação que tem raízes profundas nos seus pa-decimentos históricos. Assim sendo, aAqim é mais do que simples ‘desdobra-mento’ da Al-Qaeda.

Nada disso aparece nas respostas dogeneral Rodriguez, apesar de fazer re-petidas referências à Aqim e à Argé-lia. Tampouco se aprenderão essas coi-sas daqueles senadores, ou de suas per-guntas. Pode-se confi rmar pessoalmen-te, em casa.

Faça uma pesquisa de palavras no“pacote de perguntas e respostas” dogeneral Rodriguez: ninguém jamais en-contrará ali nem vestígios da complexahistória que Ahmed explica em seu en-saio para Al Jazeera, The Kabyle Ber-bers, Aqim, and the search for peacein Algeria [Os berberes cabila, Aqim, ea busca de paz na Argélia].(Tente, porexemplo, encontrar as palavras Aqim,Kabyle, Berber, history, Tuareg, tri-be, tribal confl ict, culture, etc. Ou usea própria imaginação).

Além de perceber o muito que não sediscutiu, observe também como o con-texto centrado em ameaças que cercatodas as palavras sempre salta à vista.Compare a esterilidade de tudo que Ro-driguez diz e a riqueza da análise de Ah-med. E tire suas próprias conclusões. Elembre: “Aqim” é apenas um dos ver-betes, no portfólio de ameaças com queo Africom trabalha. E o quanto nós nãosabemos, sobre os outros verbetes?

Como Robert Asprey mostrou em seuclássico War in the Shadows [Guer-ra nas sombras], em que estuda 2000anos da história das guerras de guerri-lha, o erro mais frequente, sempre co-metido por quem pretenda intervir,vindo de fora, numa guerra de guer-rilha, é sucumbir à tentação de deixarque a “arrogância da ignorância” mo-dele seus esforços militares e políticos.

Apesar de a arrogância da ignorânciajá afi rmada e reafi rmada no Vietnã, noAfeganistão, no Iraque e na Líbia... jácomeça a parecer que a conclusão in-temporal de Asprey será mais uma vezreafi rmada na África. (Counterpunch)

Franklin “Chuck” Spinney é ex-analista militar do Pentágono,

autor incluído na coletânea Hopeless: Barack Obama and the politics of

illusion [Sem esperança: BarackObama e a política da ilusão].

Neoimperialismo e a arrogância da ignorânciaOPINIÃO A presença continuada e o envolvimento crescente do Comando dos EUA na África só fará infl amar cada vez mais o relacionamento dos EUA com o Islã

Bem poderão interpretar a corrente de bases do Africom na África Subsaariana como os tijolos iniciais de um covil gigante

As “ameaças” terroristas na África Subsaariana, evidentemente tão tentadoras para os neoimperialistas do Africom, não existem isoladamente

Muitas dessas tensões, por exemplo, são, em parte, legado das fronteiras artifi ciais criadas pelos intervencionistas europeus no século 19

Assim se criou uma teia de tensões entre os fracos governos centrais

dos países ex-colônias e os grupos e tribos minoritários que os cercam

Assim sendo, a Aqim é mais do que simples ‘desdobramento’ da Al-Qaeda

O envolvimento crescente do Comando dos EUA na África (Africom), só fará infl amar cada vez mais o relacionamento com o Islã