Nota Sobre Arte e Conceitos Históricos

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  • 8/18/2019 Nota Sobre Arte e Conceitos Históricos

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    Nota sobre arte e conceitos históricos

    Gregory Currie

    Universidade de Nottingham

     Num certo sentido, os nossos conceitos são, na sua maioria, históricos. Qualquer 

    conceito que tenha aplicação contingentemente é histórico no sentido de que, se ahistória do mundo tivesse sido diferente, aplicar-se-ia a coisas diferentes. O conceitode arte é histórico nesse sentido se !em"randt tivesse pintado mais um auto-retrato, oconceito de arte teria mais uma coisa na sua e#tensão. $lguns conceitos são históricosnoutro sentido o facto de o conceito se aplicar ou não a um o"%ecto nomomento t depende do que sucedeu com esse o"%ecto nos momentos anterioresa t . Auto-retrato de Rembrandt  aplica-se a este o"%ecto agora em virtude de ter a históriade produção apropriada. Note-se que daqui não se segue que para sa"er se algo é umauto-retrato de !em"randt tenho de verificar a sua história. &e todas ou quase todas ascoisas que ho%e se parecem com um !em"randt são !em"randt, posso conseguir sa"er se isto é um !em"randt com "ase na sua apar'ncia presente.

    O conceito de arte é histórico no primeiro destes sentidos e creio que tam"ém nosegundo. Nenhum deles levanta qualquer desafio a uma perspectiva tradicional so"reconceitos, segundo a qual os critérios para a aplicação correcta dos conceitos nos sãodados por refle#ão a priori. &e o conceito de referência é histórico no segundo ("emcomo no primeiro) destes sentidos e tem aplicação a s*m"olos em virtude das suashistórias, como afirmam os defensores de teorias causais, então sa"emos isto por refle#ão a priori  so"re o próprio conceito+ não h um facto a posteriori acerca domundo que decida o argumento. as nenhum dos dois sentidos esgota o que as pessoasquerem dier quando afirmam que o conceito de arte é histórico./ $lgumas, pelo menos,

     parecem querer dier que a própria identidade do nosso conceito de arte depende dahistória e que se a história da arte tivesse sido diferente, ter*amos um conceito de artediferente.0

    1 dificuldades com a afirmação de que se a história tivesse sido diferente,ter*amos um conceito de arte diferente. Uma ve que estoutro conceito 2 aquele queter*amos tido 2 não é o nosso conceito de arte, de onde tiramos a %ustificação paraafirmar que é um conceito de arte3 1 a suspeita de que nos est a ser tacitamenteatri"u*do um superconceito de arte que inclui como casos especiais o nosso conceito dearte efectivo e os conceitos que poder*amos ter tido. as nesse caso por que raão oconceito de arte que temos não é este superconceito3

    4recisamos de diversos ingredientes para dar força 5 afirmação de que oconceito de arte é histórico neste sentido forte. 4recisamos de um conceito de arte que

    se%a o nosso conceito efectivo, tal que o facto de ser o nosso conceito depende dealguma conting'ncia da história+ precisamos de um conceito, ou de alguns conceitos,que poder*amos ter tido, se a história da arte tivesse sido diferente+ e precisamos de umconceito a"rangente que os unifique todos 2 que mostre que todos são realmenteconceitos de arte. Não me proponho fornecer estes ingredientes porque, como sugiro nofinal do artigo, sou céptico quanto a este ser o procedimento correcto no caso queconsideramos o de arte. as para alguns conceitos temos de facto uma estrutura quenos d ingredientes deste género. 4elo que se o pro%ecto de definir a arte historicamentefracassar não ser porque o pro%ecto de encontrar conceitos históricos de género algum éimposs*vel. 6m te#tos anteriores, sugeri um uso para esta estrutura ao pensar em nomesficcionais, e outros filósofos aplicaram-na a diversas reas.7 8ou introduir este modo de

     pensar so"re conceitos por via de uma discussão de termos para categorias naturais,como 9gua:.; as não vou argumentar que, segundo os defensores da teoria histórica,

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    9arte: é um termo para categoria natural.

    ? frequente afirmar-se que as nossas decis@es acerca do que se su"sume, ou

    su"sumiria, no conceito de gua dependem de factos contingentes acerca do queefectivamente constitui aquilo que enche os nossos lagos e mares. 4oder*amosdesconhecer que a coisa l*quida que enche os nossos lagos e mares (9coisa aquosa:,como direi doravante) é constitu*da por 10O, mas sa"emos, ou pressupomos, que éconstitu*da por algo, pelo que estamos dispostos a a%ustar os nossos %u*os so"re o que égua nesta ou naquela situação hipotética 5 lu de informação nova acerca do queefectivamente constitui a coisa aquosa. 96fectivamente: aqui nomeia um operador queserve para tornar r*gida a refer'ncia de 9se%a o que for que constitui a coisa aquosa:.&em o operador efectivamente, 9se%a o que for que constitui a coisa aquosa: refere emqualquer mundo poss*vel se%a o que for que constitui a coisa aquosa nesse mundo. Nonosso mundo é 10O, noutro mundo ser o ABC de 4utnam, etc. as 9se%a o que for que

    efectivamente constitui a coisa aquosa: refere, em qualquer mundo poss*vel, 10O.4orque, nesta perspectiva, o nosso conceito de gua é o conceito isso que é constituído

     por seja o que for que efectivamente constitui a coisa aquosa, ter o conceito de guaque temos e#ige que tenhamos o conceito de coisa aquosa. Dsto ser crucial para umcomentrio que farei acerca de arte no final desta nota.

    &uponhamos que w é um mundo em que a coisa aquosa é constitu*da por ABCem ve de 10O. O mundo w não é o mundo efectivo+ é apenas um mundo poss*vel. asse wfosse o mundo efectivo, aplicar*amos correctamente o termo 9gua: 5 coisaconstitu*da por ABC. Eam"ém aplicar*amos correctamente o termo precisamente dessemodo a situaç@es puramente contrafactuais, e não meramente a w. 4odemos ilustrar istocom a seguinte ta"ela "aseada no pressuposto simplificador de que h apenas quatromundos poss*veis

    w/ w0 w7 w;

    w/

    w0

    w7

    w;

    O ei#o horiontal especifica o mundo que inspeccionamos do ponto de vista da pergunta 9qual é a e#tensão de 9gua: nesse mundo3: 4odemos chamar mundosavaliativos aos mundos que estão nesse ei#o. O ei#o vertical especifica o mundo queo"servamos do ponto de vista da pergunta 9o que constitui a coisa aquosa nessemundo3:. 4odemos chamar mundos de partida aos mundos que estão nesse ei#o. Nacai#a vaia (mas som"reada) do canto superior esquerdo especificamos a e#tensão de9gua: em w/, dado que w/ é o mundo de partida. Na cai#a imediatamente 5 direitaespecificamos a e#tensão de 9gua: em w0, dado, mais uma ve, que w/ é o mundo de

     partida, e assim sucessivamente para a primeira linha. $ segunda linha fa o mesmo

     para cada mundo no pressuposto de que w0 é o mundo de partida, e o mesmo nas linhasa"ai#o. Note-se que a principal diagonal (som"reada) avalia a e#tensão de 9gua: em

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    cada mundo no pressuposto de que esse mundo é o mundo de partida+ essa diagonalrepresenta o conceito de coisa aquosa. &upondo que w/ é o mundo efectivo, a primeiralinha representa o nosso conceito de 9gua: e cada uma das linhas a"ai#o dessarepresenta o conceito que usar*amos se wi fosse efectivo, para cada mundo wi.

     Note-se que ao passo que a primeira linha define o conceito de gua que

    efectivamente usamos (segundo esta teoria de como usamos o termo 9gua:), todas asoutras linhas especificam conceitos que nos são acess*veis 2 é perfeitamente intelig*vel para nós que se a coisa aquosa fosse constitu*da por ABC, então desco"rir*amos o queest na e#tensão de 9gua: desco"rindo que é constitu*da por ABC. 6 o conceitodefinido pela diagonal som"reada 2 o conceito de coisa aquosa 2 é tam"ém umconceito acess*vel+ algumas pessoas pensam que esse é o conceito que efectivamenteassociamos, ou pelo menos que outrora associvamos, ao termo 9gua:. 4elo que falar aqui em 9diferentes conceitos de gua: não tem quaisquer implicaç@es de acessi"ilidadeapenas a agentes em determinadas situaç@es especifiquem-me um mundo e posso dier-vos e#actamente que conceito de gua est associado ao uso do termo 9gua: nessemundo. 4elo que dispomos agora de ingredientes do género que considermos

    necessrios para construir um conceito genuinamente histórico. $ linha do topo é oconceito de gua que efectivamente temos, as linhas a"ai#o são conceitos que ter*amosse os factos fossem diferentes e a diagonal principal é o conceito decoisa aquosa 2 oconceito que liga todos os outros conceitos e fa deles genu*nos conceitos de gua.

    Fomo o diagrama indica, esta teoria afirma que o uso que damos ao termo9gua: torna-o um termo "idimensional um termo cu%o significado não pode ser especificado simplesmente especificando a sua e#tensão em todos os mundos poss*veis.$o invés, temos de especificar a sua e#tensão em cada mundo, dada uma escola demundo de partida. Nem todos os termos são assim. &ó é preciso especificar um mundode partida nos casos em que o conceito que temos depende de factos a posteriori, comoo facto de a coisa aquosa ser efectivamente constitu*da por 1 0O. 4ara conceitoscomoquadrado, a imagem em duas dimens@es redu-se a uma todas as linhas são amesma e portanto a diagonal principal é id'ntica a qualquer linha.

    O que dier, então, acerca da relação entre esta concepção de !gua e o conceitodearte3 &egundo a teoria dos termos para categoria natural que tenho usado, o que as

     pessoas vão reconhecer como pertencente 5 e#tensão de 9gua:, mesmo emcircunstGncias contrafactuais, depende de factos que só podem ser conhecidos a

     posteriori. 6videntemente, os factos a posteriori relevantes no caso da gua não sãoessencialmente factos históricos+ a desco"erta de que a gua é 10O não éapropriadamente descrita como uma desco"erta histórica. 4ode ser dif*cil dar umae#plicação geral do que fa uma investigação emp*rica ser histórica. as não temos de

    tentar. He modo a haver %ustificação para contar arte como um conceito histórico nosentido relevante, tem de se mostrar que usamos a nossa compreensão deste conceito aousar o termo 9arte: e que usamos esse termo de tal modo que D) é um termo

     "idimensional e DD) é tal que os factos emp*ricos relevantes para determinar a suae#tensão no mundo efectivo são factos históricos, se%a o que for um facto histórico. $satisfação da condição D d-nos os nossos ingredientes conceptuais, como vimos no casoda gua, e a satisfação da condição DD mostra que o nosso conceito de arte depende nãosó de factos a posteriori, mas de factos que são históricos.

     Não vou tentar decidir de que factos históricos se poder tratar. $o invés,comento "revemente o pro%ecto anterior de esta"elecer a condição D para o conceitode arte. Quem quer que acredite que a condição D é satisfeita tem de acreditar que h um

    conceito diagonal que corresponde ao nosso conceito de arte, do mesmo modo que oconceito coisa aquosa corresponde ao nosso conceito de gua. O conceito coisa

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    aquosa é o conceito daquilo que tem as propriedades superficiais da gua ser "e"*vel,ins*pida, encher os lagos e mares, etc. Erata-se de um conceito que não depende de ummundo espec*fico+ ao contrrio do nosso conceito de gua+ o uso que damos a esseconceito não é afectado por factos contingentes e possivelmente desconhecidos acercade que mundo é o efectivo. Forrespondentemente, o conceito de artiforme ser o

    conceito daquilo que tem as caracter*sticas, quaisquer que se%am, por meio das quaiscomummente reconhecemos algo como arte, sendo que a aplicação que damos aoconceito não é afectada por factos contingentes e possivelmente desconhecidos acercada história da arte. Fomo argumentei, não podemos ter o conceito de gua (na presentee#plicação desse conceito) a menos que tenhamos o conceito de coisa aquosa. 4elo que,se arte for um conceito estruturalmente anlogo ao conceito de gua, não podemos ter oconceito de arte a menos que tenhamos o conceito deartiforme.

    Dsto levanta uma dificuldade para o defensor da teoria histórica. O conceitodiagonalcoisa aquosa é o conceito que, antes dos argumentos de 4utnam e outros,

     pensvamos que fosse o conceito de gua. ? o conceito de 9aquilo que parece gua:. $afirmação de que o conceito de gua que efectivamente usamos não é este conceito não

    é a afirmação de que o conceito coisa aquosa não e#iste+ na verdade, tivemos de apelar a esse conceito de modo a especificar o que é o nosso conceito de gua, e portanto parasustentar o nosso argumento de que 9gua: é um termo "idimensional. 6 se 9arte: for um termo "idimensional, tem de se mostrar D) que temos um conceito do artiforme,

     paralelo ao nosso conceito de coisa aquosa e DD) que o conceito de arte queefectivamente usamos não é esse conceito. as ser dif*cil argumentar a favor deam"as. $s teorias históricas da arte adoptam como ponto de partida o nosso insucessoem encontrar qualquer conceito do artiforme+ isto é, qualquer conceito a que se possachegar por refle#ão a priori, e que se aplica precisamente 5quelas coisas que t'm ascaracter*sticas superficiais por meio das quais identificamos algo como arte. Naverdade, os defensores de teorias históricas, entre outros, afirmam frequentemente que alição a tirar das tentativas mal sucedidas de definir arte por refle#ão a prioriso"reconceitos é que tal conceito não e#iste. O que procurei mostrar aqui é que o Inico modode tornar intelig*vel a afirmação de que o conceito de arte é histórico é usando ummétodo que pressup@e que % temos um conceito do artiforme, por muito dif*cil que nosse%a articul-lo.

    !etirado de "ritis #ournal of Aestetics$ vol. ;J, n.K /, Laneiro de 0JJJEradução de 8*tor Muerreiro

    Universidade do 4ortoHispon*vel em httpcriticanarede.comcurrie.html

    $cesso em /J

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    cr*ticas destas propostas espec*ficas, ver, por e#emplo, Frispin &atell, 9$Fountere#ample to PevinsonVs 1istorical Eheor of $rt:, #ournal of 

     Aestetics and Art Criticism, vol. ;S (/RRJ), pp. /.;. &o"re as categorias naturais, ver &aul [ripYe, +aming and +ecessity (O#ford

    \asil \lacYell, /RSJ), e 1ilar 4utnam, 9Ehe eaning of 9eaning:9,em %ind$ /anguage and Reality (Fam"ridge Fam"ridge Universit 4ress,/R