notícias da AFAP · ao Monumento da Serra dos Carvalhos/ Poiares, onde aconteceu o maior acidente...

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BOLETIM notícias da AFAP ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA N.º 53 • JULHO • AGOSTO • SETEMBRO • OUTUBRO • NOVEMBRO • DEZEMBRO / 2014

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BOLETIMnotícias da

AFAP

ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA

N.º

53

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BOLETIM DA AFAP N.º 53 • JULHO • AGOSTO • SETEMBRO • OUTUBRO • NOVEMBRO • DEZEMBRO / 2014 TIRAGEM 1500 EXEMPLARES

PROPRIEDADE Associação da Força Aérea Portuguesa • Av. António Augusto de Aguiar, n.º 7 - 3º Dto. • 1050-010 LISBOA Tel.: 21 357 40 02 Telemóvel: 938 606 224 SITE AFAP:http://www.emfa.pt/afap

[email protected][email protected]É-IMPRESSÃO/IMPRESSÃO/ACABAMENTO Alves&Albuquerque, RAL - SINTRA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITAISENTO DE REGISTO NA ERC AO ABRIGO DO DECRETO REGULAMENTAR DE 08/99, ART.º 12º N. 1-a-

Os nossos Associados ..................................... 3

Editorial ............................................................ 5

Actividades da AFAP ........................................ 6

Ases da Aviação de Combate ........................ 13 TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

Notas soltas relativas à transição da aeronáutica militar (5.ª arma do exército) para a Força Aérea ......................................... 15 General Pil Av José Lemos Ferreira

A minha Força Aérea – Alferes Rica ............... 18 Comte. Gabriel Cavaleiro

O Canalisador Encantado .............................. 23 Ten. Cor.(r) Luís Morais Pequeno

Uma Vida que valeu a pena ........................... 25 Ten. Cor.(r) Luís Morais Pequeno

Os nossos Poetas .......................................... 37 Domingos Segão Alves Cor. Adm. Aer. Abílio Joaquim Patinho

Primeira viagem da Ponte Aérea a Timor ....... 40 Cor. PilAv(r) João Ivo da Silva

O Cantinho do Cardosão ............................... 43 Maj. Pil(r) Adelino Cardoso

Retalhos da Vida com Aviões ......................... 47 Cor. PilAv(r) João Ivo da Silva

Duas lições, para uma sociedade doente ...... 48 TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

O Coronel António Perestrelo ......................... 50 Cor. PilAv(r) João Ivo da Silva

Aqueles que partindo permanecem na nossa memória ................... 51

ÍNDICE

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OS NOSSOS NOVOS ASSOCIADOS

GALERIA DOS ANTIGOS E NOVOS ASSOCIADOSQUE SÃO BEM-VINDOS À VOSSA CASA

Sócio nº 336Cor. Manuel Fernando

Morais Duarte

Sócio nº 748Cmdt. José Luís

Sampaio Tinoco de Faria

Sócio nº 958TCor. José António

Brás

Sócio nº 1003Cor. José Manuel Carvalho Araújo

Sócio nº 1129TCor. José Eusébio Cordeiro de Araújo

Sócio nº 1296TCor. José da Rosa

Repolho

Sócio nº 1548TCor. Óscar Ferreira

Catarino

Sócio nº 1624Cor. Carlos Manuel

Ribeiro Macário

Sócio nº 1628Cor. José Francisco

Lopes Fragoso

Sócio nº 1658Maj. Amílcar Carlos

de Oliveira

Sócio nº 1817Dr. Joaquim Cardoso

Martins

Sócio nº 1870Cor. Atílio Marques Gaspar da Chica

Sócio nº 1877Cor. José Augusto de

Barros Ferreira

Sócio nº 1961Cor. José Albino Soeiro

Arada

Sócio nº 1984Eng. Rui Manuel

Esteves de Carvalho

Sócio nº 1987Augusto Raul

Pimenta de Castro

Sócio nº 2408Alberto Afonso

Martins

Sócio nº 2239MGen. Olegário Tavares Mendes

Patrício

Sócio nº 2409Raul Ferreira da Silva

Sócio nº 2259Dr. Armando Manuel

de Almeida Braz

Sócio nº 2419Maj. António Pedro Salgueiro Martins

Sócio nº 2283Cor. Carlos Barata

Santos

Sócio nº 2447Rui de Brito Alves

Sócio nº 2386MGen. Joaquim

Gonçalves Coelho Lopes

Sócio nº 2448Rui Manuel Martins da

Encarnação

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4 AFAP

Para que seja possível a inclusão da sua fotografia no próximo Boletim, desde já agradece-se aos prezados associados que ainda não enviaram uma, do tipo passe, PARA A secretaria da afap, que o façam com a brevidade possível

Sócio nº 2519Paulo Jorge Simões

Dias

Sócio nº 2527António Júlio Corredeira

Sócio nº 2535MGen. Francisco Manuel Sampaio

Hilário

Sócio nº 2548Cor. José António Prazeres Soares

Sócio nº 2549Carlos José Faim

Pessoa

Sócio nº 2551TCor. Jorge Manuel

Rosa Manteigas

Sócio nº 2552Cmdt. Gabriel António

Brandão Cavaleiro

Sócio nº 2553Cor. Jorge Manuel da

Silva Braz

Sócio nº 2554Eng. Miguel Maria

Guimarães Pestana

Sócio nº 2559Dr. António João

Terra Esteves

Sócio nº 2560MGen. Rui Jorge

Évora Soares

Sócio nº 2561Cor. José Nunes de

Brito Oliveira

Sócio nº 2562TGen. Alfredo dos

Santos Pereira da Cruz

Sócio nº 2563Joaquim Lucio

Sócio nº 2568Cor. Vitor Manuel

Rebelo Caria

Sócio nº 2569TCor. David José

Gaspar

Sócia nº 441 EMaria José Ferreira

de Almeida

Sócia nº 2570Lina Constança de Almeida Fernandes

Sócia nº 442 EMaria Herminia

Madeira

Sócio nº 319 EEng. Manuel do

Carmo Rodrigues

Sócia nº 443 EFlora Garcia Lopes

da Silva

Sócio nº 401 EMário Nuno Cadete

Madeira

Sócio nº 444 EErnesto Chitiche

Sócia nº 440 EMaria Elisa Nogueira

Fernandes

Sócio nº 447 EMGen. Victor Manuel

Domingos

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EDITORIALCaríssimo Associado

Um outro ano está a completar-se, impulsionado pela imparável dinâmica do tempo, desde o momento em que o Universo foi criado.

Mais um ano em que predominou a palavra crise e em que, em cada um de nós, os seus maléficos efeitos, foram sentidos dia após dia.

A estas perturbações cíclicas que induzem na vida da comunidade profundas alterações e condicionalismos, convencionou-se chamar crise e, infelizmente, ela faz parte da história do nosso país. De facto, muitas páginas da história de Portugal estão repletas com a descri-ção de crises, cujas resoluções consumiram dezenas de anos e muitos sacrifícios por parte de quem nunca as criou: - o Zé Povo!

Esta última, que estamos sentindo, fruto da irresponsabilidade política no controlo do despesismo, tem apenas meia dúzia de anos e a sua resolução não se perspectiva para os próximos horizontes, se tivermos em conta o longo período de tempo que se verificou na resolução das que a antecederam.

Significa isto, que o novo ano não nos irá trazer melhorias sensíveis em relação ao tipo de sacrifícios que têm sido exigidos aos portugueses, muito particularmente no da pesada car-ga fiscal que assegura o despesismo desmesurado do Estado, que a classe política parece não querer reduzir.

Este tem sido o cenário em que a nossa AFAP, como é óbvio, também tem vivido mas, apesar do número de associados estar muito aquém do valor que poderá assegurar a sus-tentabilidade financeira da nossa associação, a actual Direcção tem procurado não se des-viar do rumo que traçou para melhorar o seu ambiente, nas vertentes do requinte e da dignidade, que são devidas a quem serviu, ou serve, a Causa do Ar.

Esta será a nossa postura que vai continuar no ano 2015 e atendendo à época em que este Boletim vai chegar até si, não poderia concluir este Editorial, sem formular ao Senhor associado e à sua Exma. Família, votos amigos e sinceros, para que tenham um Feliz Natal e um Novo Ano pleno de boa saúde, de muita sorte e com poucos (se possível, nenhuns) efeitos da crise.

O Presidente da Direção José Armando Vizela Cardoso Ten-General PilAv

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ATIVIDADES DA AFAP

Desde a publicação do Boletim ante-rior, na nossa Associação destacaram-se as seguintes actividades:• Dia 06jul2014, a AFAP esteve representa-

da na Missa de sufrágio e cerimonial junto ao Monumento da Serra dos Carvalhos/Poiares, onde aconteceu o maior acidente na história da aviação de combate, em que perderam a vida 8 jovens pilotos a voarem o seu F-84G. O Presidente da Direcção da AFAP, também esteve presente, por esta altura, nas comemorações do 62º Aniver-sário da Força Aérea Portuguesa;

• Dia 11JUL2014, decorreu nas instalações da AFAP, na Av, Gago Coutinho 129-Lx, mais um almoço/conferência incluído no ciclo que periodicamente a nossa associa-ção leva a cabo em coordenação com a Academia “Mama Sumé”. Desta vez, esta conferência foi proferida pelo Senhor Dr. João Salgueiro, ilustre economista, que abordou o tema “Reflexão sobre o sistema Político e Económico português”;

• Também em Julho 2014, o Núcleo de Orientação da AFAP, participou nos cam-peonatos desta modalidade (ver as activi-dades do Núcleo de Orientação da AFAP mais à frente neste Boletim).

• Dia 04OUT29014, o EX-CEMGFA, Gene-ral Luis Esteves Araújo, colaborou com a AFAP e a Academia “Mama Sumé”, ex-pondo em mais um almoço/conferência,

o tema “Reflexão sobre a Estrutura Militar portuguesa”;

• Dia 08OUT2014, decorreu no Clube AFAP o torneio de “bridge” de Outono, onde se disputaram 4 troféus. Também, no início deste mês de Outubro, conforme divulgado no “site” da AFAP, começaram a ser minis-tradas aulas deste peculiar jogo de cartas;

• No dia 18 OUT2014 a Associação da For-ça Aérea Portuguesa realizou a cerimónia comemorativa do seu 31º Aniversário. A cerimónia foi presidida por Sua Exª. o Tenente-General Mora de Oliveira, Vice-Chefe de Estado Maior da Força Aérea em representação do Exmo. CEMFA.Tratou-se de uma efeméride que, cumprin-

do uma honrosa tradição, reuniu a grande fa-mília da AFAP, nas nossas instalações na Av. Almirante Gago Coutinho nº 129 Lisboa, para um fraterno e cultural convívio. A cerimónia teve como um dos pontos mais significati-vos a apresentação do tema “Crise na Ucrâ-

Cerimónia comemorativa do 31º Aniversário da AFAP

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nia”, apresentada pelo Senhor Cor. António Joaquim Almeida Tomé, que despertou o inte-resse da audiência e suscitou questões muito interessantes sobre o tema. Seguiu-se a en-trega de diplomas de homenagem aos sócios que completaram 10 e 25 anos de filiação.

No fim da cerimónia realizou-se um al-moço de confraternização dos sócios presentes, em que foi cortado o bolo de aniversário.

Dia 15NOV2014, reactivou-se o tradi-cional “magusto” de S. Martinho, no Clube AFAP, onde alguns sócios puderam confra-ternizar amizades e companheirismo, à pala de um copito de água-pé e de uma ou duas castanhas;

Dia 25NOV2014, a nossa Associação le-vou a cabo, em coordenação com a Acade-mia “Mama Sumé”, um Encontro/Palestra sobre o tema ”Trincheiras - Reflexão sobre a 1ª Guerra Mundial, 100 anos depois”, tendo por Orador Convidado o Cor. “CMD” José Henrique, Professor Universitário.

Dia 19DEZ2014, o Presidente Grupo Je-rónimo Martins, Senhor Soares do Santos, em mais um almoço /conferência no Clube AFAP, expôs o tema “a Gestão Empresarial em Portugal; Presente e Futuro”.

RESUMO DA PALESTRA PROFERIDA PELO CORONEL PILAV (PROF.DOUTOR) ANTÓNIO J.V. DE ALMEIDA TOMÉ

A SITUAÇÃO NA UCRÂNIA, COMO PEÇA DO PUZZLE DO ATAQUE DE VLADIMIR PUTIN À EUROPA

Considerações iniciais

- O fenómeno Guerra tem sido uma cons-tante da História das Civilizações ao longo do tempo e desde há mais de 4.000 anos. Daí o surgir da autonomia das Relações Internacio-nais (Ris) como Área multidisciplinar do ensino Superior Universitário. Conceptualmente defi-ne-se como um acto político de violência física entre os Estados, ou Organização de Estados, com o emprego de Sistemas de Armas, desti-nado a obrigar o adversário a executar a nos-sa vontade. Esta é a definição Clássica.

- Mas a concepção e a conduta da Guerra têm vindo a sofrer profunda evolução, desde o final da IIGM. Com efeito, a “Guerra Fria” representou uma nova faceta específica da guerra tradicional, contendo situações conflituais pontuais em que a violência era apenas potencial; ou adoptada de forma in-directa, através de terceiras vias.

» Dela derivaram, devido aos “espaços vazios”, a guerra subversiva, associada ou não à guerra de guerrilha; a guerra insur-reccional; e as guerras de área cinzenta estreitamente associadas aos grupos crimi-nosos internacionais, aos cartéis da droga multinacionais e ao novo tipo de terrorismo transnacional capaz de desferir golpes de-

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vastadores ao nível estratégico a mais de 14.000 kms.

- Actualmente e na senda dos teorizadores das RIs ditos clássicos, Vladimir Putin recriou o conceito de Guerra Hibrida, aplicando-o.

Com efeito, vive-se um tempo de choques políticos ideológicos, religiosos e culturais, que muitos teorizadores apelidam de civili-zacionais, que integram elementos de con-frontos étnicos, politico-ideológicos e reli-giosos de índole fracturante.

- Nesta conjuntura em permanente trans-formação, a Europa das Democracias vive hoje uma situação de preocupante letargia face ao crescendo de ameaças, traduzido num estado de ilusão utópica desfasada da percepção multifacetada da Ameaça que se perfila; num estado de miopia quanto à Se-gurança em geral, traduzido numa fraqueza político-militar, com sucessivos cortes na Defesa, resultante de um seu progressivo desarmamento, assim descurando a defesa do Interesse Nacional dos seus Países.

» Hoje, a falta de percepção da tripla Amea-ça que se perfila (a leste, a sul e no extremo--oriente), tende a assemelhar-se de forma pe-rigosa àquela que se vivia nos meios políticos europeus de há 70 anos e antes da II GM, com o radicalismo de Hitler. Então, a ingenuidade pacifista e de fraqueza militar viria a contribuir

para incentivar e provocar o seu ataque à Eu-ropa e ao posterior deflagrar da IIGM.

No momento presente, devido à debilidade e à corrupção política dos Partidos e à acção de-sagregadora e de minagem a cargo dos Movi-mentos pacifistas esquerdistas, as Democracias estão a repetir os mesmos erros estratégicos, limitando-se ao exercício irrealista da aplicação de sansões e esperando que os encontros di-plomáticos parem o novo “Czar” russo! Não se apercebendo também, que os fomentadores do “fim da velha Ordem” apenas mudaram de Es-tratégia, mas mantendo intactas a Doutrina e os Pactos que celebraram contra o alvo de sempre: as Democracias Ocidentais.

- A Europa democrática parece como que deslumbrada com a paz e paralisada no Tem-po, descurando cada vez mais a Segurança e a Defesa do velho continente e das comunida-des de origem que juraram defender e parece seguir uma política perigosa; como a energé-tica, de cedência em toda a linha dos trunfos de que dispõe ao Kremlin, que assim poderá asfixiar o Ocidente, onde e quando quiser.

A substituição da Velha Ordem pela Nova Ordem de Putin

- Tudo começou com a entronização de Vladimir Putin como poderoso Czar da nova Rússia sob a capa de Presidente; ele um an-tigo homem do KGB e das forças especiais de combate SPETNAZ. Os primeiros ensaios do que viria a seguir tiveram lugar de imedia-to a pretexto, tal como Hitler para as minorias alemãs, de defender as minorias russas exis-tentes, com os três distintos mas sequenciais ataques de exploração quanto à reacção do Ocidente: a invasão e as incursões na Geórgia com a ocupação e a anexação das suas pro-víncias da Ossétia do Sul e da Abkázia, a ciber-guerra desencadeada contra a Estónia através de um ataque informático generalizado e que geriu como quis paralisando durante um mês toda a estrutura orgânica do Estado; e final-

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mente, por agora, o ataque contra a Ucrânia, através do seu novo conceito de guerra difusa materializado no emprego de tropas especiais da SPETNAZ sob o disfarce de “voluntários” russos oriundos da “pátria mãe” e de protec-ção às minorias russianas.

- Consumada a anexação da Crimeia, ter-ritório integrante de uma Ucrânia indepen-dente, o novo senhor do Kremlin passou a fomentar a instabilidade insurreccional e o ressurgir de velhos ódios étnicos em toda a Região leste do País, prosseguindo a sua ofensiva, desde Luhansk a norte até Mariu-pol a sul com o centro de expansão em Do-netsk capital da província de Donbas; o que lhe permite consumar o acesso terrestre di-recto à estratégica península. Putin visa um novo Clash of Civilizations e a imposição de uma Nova Ordem intercontinental politico-i-deológica invocando a condição de Grande Potência detentora do heartland.

- Conhecedor da visível fraqueza e desunião da Europa quanto à tomada de decisões polí-ticas e estratégicas, Vladimir Putin experimenta em módulo directo e em módulo subversivo a falta de vontade dos Europeus e dos “bons americanos” para se lhe oporem, política e mili-tarmente, visando explorar os sucessivos cortes nos Orçamentos de Defesa do Ocidente. No que se refere ao módulo subversivo, este desde há muito que se encontra materializado na acção insidiosa dos PCs europeus, dos movimentos pacifistas e da acção tendenciosa e corrosiva de certos jornalistas e de outros “intelectuais”. Putin aderiu assim e sem reservas à política ideológica pura e dura de Estaline e à sua Estratégia de mé-dio e longo prazo para o assalto á Europa, adop-tando a sua máxima: “a conquista da Europa passa pela subtracção da África aos europeus”. Mas o ponto fulcral da adaptação da doutrina à presente conjuntura centra-se no Médio Oriente, através da acção revolucionária de dois Estados satélites que a URSS e a RPC apoiam sem limi-tes: o Irão e a Síria, onde detêm bases militares, que por sua vez apoiam os dois movimentos ra-

dicais extremistas que rodeiam Israel: o Hamas em Gaza e o Hezbolah no Líbano, que por sua vez sustentam a “luta” da Irmandade Muçulma-na radical do Egipto. O Objectivo geoestratégico será o de manter a Europa sob pressão, sub-traindo-lhe as suas naturais fontes de abasteci-mento de petróleo, gás e de recursos minerais. A Finalidade será a de exercer sobre a Europa uma Ameaça permanente de Guerra que a limi-tem, não apenas de cariz militar mas conjugada com acções terroristas e ataques suicidas dos radicais fundamentalistas da Al’Qaeda e do “Es-tado” Islâmico; e ainda desviar a atenção dos EUA para o extremo Oriente, mas agora ser-vindo-se das pretensões hegemónicas do seu parceiro ideológico indefectível: a RP da CHINA e as suas pretensões hegemónicas sobre o Su-deste Asiático.

Conclusão

- Putin é um homem que segue de forma calculista a estratégia estalinista. Beneficiando da desunião demonstrada pela inepta lideran-ça política instalada nos Poderes de topo em Bruxelas, liderança fracionada e mais preocu-pada com votos partidários e minada pela ex-trema-esquerda europeia, o novo Czar segue a Estratégia de estilhaçar as parcerias políticas, económico-financeiras e militares do Bloco Eu-ropeu, e deste com o Norte-Americano, atacan-do em várias frentes e explorando as regiões ou continentes onde os interesses dos dois gi-gantes económicos entram em competição ou são antagónicos. Visa enfraquecer ainda mais o Ocidente, cuja sansões económicas não estão a resultar, por serem desconexas e atingirem as políticas económicas de alguns Estados euro-peus; e ainda porque a Rússia é auto-suficien-te em tudo, excepto em alimentação Mas ali a fome, durante séculos, tem sido “a regra”.

- Assim, continuará a seguir de forma impla-cável a sua política hegemónica, em defesa do regresso em força da velha Rússia Imperial ou das pretensões expansionistas da URSS. Nes-

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te contexto, prosseguirá a sua ofensiva político-militar contra a Ucrânia e todas as outras regiões onde houver minorias russas que requeiram a sua “protecção”. Disposto a restaurar as “tra-dicionais fronteiras” do Estado russo, o senhor do Kremlin prosseguirá a sua intervenção mi-litar contra o leste daquele País, onde poderá sempre invadir de forma camuflada milhares de homens em poucas horas, prosseguindo a expansão das fronteiras russas para o Oeste. Anexando a Crimeia, Moscovo passará a do-minar toda a área Norte do Mar Negro, assim limitando a soberania Turca e tornando o Mar de Azov num lago russo. No prosseguimento desta ofensiva, que conta com a passividade da Europa, tudo indica que consumará a ocu-pação e a anexação de toda a faixa leste da Ucrânia, ligando a Península até às cercanias de Karkiv a norte; estabelecerá assim fronteiras móveis de segurança através da amputação da Ucrânia em mais de um terço, condicionando a sua economia e limitando-a no acesso ao Mar Negro. E aqui perfila-se o seu terceiro objecti-vo estratégico: o importante porto de Odessa como via vital de abastecimento marítimo a todo o território ucraniano.

- A Europa não poderá esquecer, sob pena de colapsar como tal, que todas estas ofensivas constituem afinal um “balão de ensaio” das pressões experimentais levadas a cabo pelo senhor do Kremlin, exploran-do em força as fraquezas e as debilidades europeias, sobretudo no plano militar, e for-çando os “trincos” do Bloco europeu.

No momento, a Europa Ocidental consti-tui de novo um alvo potencial das tentações hegemónicas de Putin. E embora já seja tar-de, acabará por ser obrigada a reagir.

Será que ainda lhe resta um mínimo de brio político, de coerência e de vontade po-lítica para se opor aos desígnios do “Czar” no poder em Moscovo?

Cor. PilAv(r) António J. V. De Almeida Tomé

Docente Universitário e Doutorado em RIs.

NÚCLEO DE ORIENTAÇÃO DA AFAP

A Orientação é uma modalidade despor-tiva que consiste na realização de um per-curso com pontos de passagem obrigatória, com recurso a um mapa e tendo como único meio auxiliar a bússola magnética. Pode ser realizada em diversos ambientes: floresta, zonas urbanas e até no meio aquático. A principal disciplina, em Portugal, é a orienta-ção pedestre mas existem outras variantes com outros meios de locomoção, como se-jam o esqui, a bicicleta de montanha e o ca-valo. Recentemente, e alargando o conceito de prática a qualquer tipo de individuo, teve enorme evolução a orientação de precisão que conta com uma variante para pessoas com limitações físicas ou mentais. Esta mo-dalidade é essencialmente individual.

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O núcleo de Orientação da AFAP, durante o ano de 2014, tem participado em diversas provas com alguns resultados de destaque (idas ao pódio) principalmente o nosso atle-ta Escada da Costa.

Para os clubes é sempre de destacar o Campeonato Nacional de Estafetas pois é nesta prova que os clubes “competem” entre si como colectivo. Este campeona-to decorreu nas Dunas de Cantanhede no último fim-de-semana de Maio.

O clube da AFAP durante o ano corrente organizou mais um evento — VI MOri AFAP — em Abril e a contar para o Campeonato Nacional Ur-

bano, desta vez na cidade de Sacavém onde contou com a participação de mais de 140 atletas, o que é de realçar numa prova deste género onde é costume estarem presentes cerca de 60 a 70 pessoas.

Tivemos o “privilégio” de ter um dos “atle-tas” mais novos que já passaram pelas nos-sas provas e que mostrou que esta modali-dade é mesmo para todas as idades.

Como curiosidade refira-se que contá-mos ainda com a participação de 3 atletas da seleção de Israel, que já estavam em estágio no nosso país para participarem, na semana seguinte, no Campeonato da Europa de Orientação, que se realizou na zona de Palmela e onde a AFAP também “participou” mas na qualidade de organi-zador.

ALMOÇO COMEMORATIVO DO 62º. ANIVERSÁRIO DO CURSO DE PILOTOS DE 1952

Realizou-se nas instalações da AFAP o al-moço comemorativo do 62º aniversário do Curso de Pilotos de 1952.

Este curso tem uma história curiosa, pois teve início em Espinho no GIAC (Grupo Inde-pendente da Aviação de Caça), no âmbito da Aeronáutica Militar (Junho de 1952) e termi-

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nou em Sintra (BA1) em 1953, já no ramo in-dependente das Forças Aéreas Portuguesas.

O curso começou com 52 alunos pilotos e 14 instrutores de voo, sendo seu Director o então Capitão Piloto Aviador Armando Correia Mera.

Este elevado número de alunos deveu-se à necessidade de Pilotos para “alimen-tar” as duas Esquadras de aviões a jacto, F-84G, que chegariam brevemente a Portu-gal (BA2). Dos alunos que foram brevetados, quase todos foram para a BA2.

Hoje restam 13 “Carcaças” com mais de oi-tenta anos, dos quais só estiveram presentes sete – Perestrelo, Mário Santos, Pardal, Barros, Dias, Avelino e Malveiro, pois os outros seis a saúde não ajudou. Esperemos melhores dias…

Ten.Cor Pil (r) Jerónimo Perestrelo

SITE DA AFAP

Para mais informação sobre a AFAP e suas actividades, visite o SITE da AFAP em:

http://www.emfa.pt/afap

DONATIVOS

A AFAP recebeu donativos em dinheiro das Empresas ANA, Aeroportos de Portugal, S.A. e DELTA CAFÉS , bem como de alguns dos nossos Associados, que com generosi-dade deram o seu contributo.

A todos a AFAP agradece reconhecida.

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O TENENTE-CORONEL W.A.(BILLY) BISHOP

Tendo nascido no Canadá , Billy Bishop alistou-se como voluntário nas Forças Britâ-nicas envolvidas na 1ª Guerra Mundial.

No seu primeiro combate, Billy Bishop abateu um avião de caça, monolugar, Al-batroz e, seis dias depois, a 31 de Março de 1917, este jovem canadiano abatia um segundo Albatroz alemão, do mesmo tipo do anterior. Entre esta data e 07 de Abril de 1917, Billy Bishop abate mais quatro aviões alemães e um balão de observação e de controlo de tiro da artilharia.

Billy Bishop era um piloto de caça nato! As horas do dia solar, passava-as a voar na busca do inimigo. Com isto, em menos de dois meses, Billy Bishop conseguia vinte vi-tórias confirmadas e era, por isso, promovi-do a Capitão.

A 02 de Julho de 1917, Billy Bishop des-colou sozinho, antes do crepúsculo matinal, antes da noite se despedir das trevas. Após

a descolagem, Billy Bishop dirigiu o seu avião NIEUPORT 17 para lá das linhas ale-mãs, onde havia uma Base Aérea de linha da frente do inimigo.

Quando chegou ao seu objectivo, Billy Bishop não se fez rogado e, aproveitando o efeito de surpresa, começou a varrer com a metralhadora do seu NIEUPORT 17 os aviões alemães que ainda estavam aparca-dos, bem como os mecânicos que os esta-vam a preparar para irem voar, e os pilotos que se preparavam para a actividade aérea daquele dia.

No solo, com uns aviões alemães criva-dos de balas e outros a arder, a confusão era

geral entre os pilotos e mecânicos que ainda não estavam mortos ou feridos.

Entretanto Billy Bishop apercebeu-se de que três Fokker D-III alemães já tinham os motores em funcionamento e que um deles, até já começava a movimentar-se para ini-ciar a corrida de descolagem.

Sem hesitar, Billy Bishop manobrou o seu NIEUPORT 17 de modo a ter o avião inimigo

ASES DA AVIAÇÃO DE COMBATE

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na sua mira e, quando o Fokker D-III alemão tirava as rodas do chão, abateu-o.

Enquanto Billy Bishop estava empenhado a abater este Fokker D-III e o intrépido piloto alemão que o pilotava, dois outros aprovei-taram para descolarem e posicionarem-se no ar com ligeireza. Billy Bishop apercebeu-se rapidamente do posicionamento destes dois Fokker D-III e depois de um rápido “dog fight” (combate aéreo), em que os ale-mães ficaram surpreendidos com a agressi-

vidade do jovem piloto canadiano, este não lhes deu hipóteses e abateu-os.

Por causa desta brilhante acção aérea, Billy Bishop recebeu a Vitória Cross e foi promovido a Major.

Quando a 1ª Cuerra Mundial acabou, Billy Bishop era o 2º da lista dos “Ases” entre os pilotos-aviadores britânicos, com 72 vitórias confirmadas.

TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

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A história das instituições baseia-se em registos e documentos oficiais e também em relatos individuais por parte de quem te-nha vivido os acontecimentos.

Em relação ao tema sobre o qual irei teste-munhar, já não serão muitos os que vivemos o período, pelo que julguei que poderia ser útil um contributo meu que desde já escla-reço que não visa apoucar quem quer que seja, ou melindrar a Instituição que procurei servir o melhor que sabia durante várias de-zenas de anos.

PRIMEIRA PARTE

Contrariamente ao ocorrido em muitos outros países europeus, em Portugal só tar-diamente foi criado o Ministério da Defesa Nacional e, subsequentemente, uma Força Aérea autónoma mas enquadrada no todo das Forças Armadas.

No período iniciado em 1952 e que abran-ge o começo das operações militares em África em 1960/61, muita coisa aconteceu desde a intenção, nem sempre concreti-

zada, de nos integrarmos militarmente na OTAN, e paralelamente procedermos à re-visão da organização da Força Aérea em termos funcionais, doutrinais, operacionais, equipamento aéreo, infra-estruturas, etc.

Foi um período muito fértil em aconteci-mentos que então vivi, alguns até algo cari-catos mas que no seu conjunto farão parte deste meu primeiro escrito sob o rótulo de “Notas Soltas”.

O meu curso de pilotagem frequentado na então Escola do Exército, E.E., entre 1948/51, foi o primeiro a ser enviado para os Estados Unidos para formação profis-sional na U.S.A.F. (United States Air Force) segundo um Curso Básico a que se seguia o Curso Avançado, totalizando cerca de treze meses fora do País.

Por razões que nunca nos foram ditas, eu e outro camarada de curso fomos nomeados, após completarmos o curso avançado, para a frequência de um Curso de Instrutores de Tiro Aéreo e Bombardeamento na então de-signada Fighter Weapons School localizada na Base de Nellis no Estado do Nevada.

NOTAS SOLTAS RELATIVAS À TRANSIÇÃO DA AERONÁUTICA MILITAR (5ª ARMA DO EXÉRCITO) PARA A FORÇA AÉREA

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Na época ainda a Guerra da Coreia era fonte de grandes preocupações para o Go-verno e Congresso dos Estados Unidos, pelo que a U.S.A.F. estava muito mais inte-ressada em formar pilotos americanos do que perder tempo e despender esforço com aliados na OTAN e, pior um pouco, com ele-mentos duma pequena e débil Força Aérea como era a nossa.

Consequentemente, quando nos apre-sentámos na Escola em Nellis A.F.B., o Co-mandante desta, um tenente-coronel que tinha feito comissões na 2ª Guerra Mundial e na Coreia, disse-nos de imediato que não podíamos frequentar o curso de instrutores por não possuirmos os requisitos exigidos em horas de voo, experiência profissional e experiência de combate, o que era tudo verdade. Consequentemente ele iria contac-tar Washington informando a sua decisão e disse-nos que fossemos para a piscina da base enquanto não vinha a confirmação da nossa rejeição!

No decorrer dos cursos anteriores já tí-nhamos sido sujeitos a grande pressão psi-cológica porque por onde tínhamos passa-do, nos breves discursos de apresentação dos comandantes das bases e dos grupos de voo, a jeito de introdução, era-nos dito e para toda a classe de mais de 100 alunos, que só passariam uma parte numa percen-tagem baixa e que a “washing machine” cedo começaria a expurgar as “nódoas” que eram os alunos menos capazes.

Tínhamos resistido a este tipo de “lava-gem” mas o expurgo imediato era para nós uma “novidade” até então não vivida.

Passados dois ou três dias, fomos de novo chamados à presença do Comandante da Escola que, com cara de poucos amigos, nos informou que Washington, que deveria ser al-guém da chefia da U.S.A.F., tinha determina-do que fossemos admitidos ao curso e que ele, Comandante da Escola, tinha a certeza que não iriamos conseguir terminá-lo.

ATC-T-33 training Jets

USAF Fighter Weapons School F-80

USAF Fighter Weapons School F-84E Thunderjet

O curso tinha uma parte teórica que nos era acessível, mas na parte prática, que eram missões de voo, nas primeiras duas ou três semanas não foi fácil cumprirmos o que nos era exigido, até porque os instruto-

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res em nada nos facilitavam a vida, possivel-mente porque tinham recebido instruções nesse sentido.

Com a duração de cerca de três meses acabámos por passar o curso com boas no-tas, até melhores do que muitos dos outros alunos que incluíam, além dos pilotos da U.S.A.F., um capitão canadiano e dois ca-pitães americanos dos Marines que tinham passado por Lisboa aquando da visita por uns dias de uma Esquadra da U.S.Navy e em que tinham aprendido algumas palavras portuguesas, entre elas “Bairro Alto”, “Vinho Tinto” e prostitutas na sua versão mais po-pular!

Para comemoração do termo do curso, a Escola organizou um “Party” num dia à tarde onde tivemos a grande satisfação de assis-tir à retractação do Comandante da Escola, que publicamente reconheceu que se tinha enganado a nosso respeito e enalteceu a forma digna e muito satisfatória com que tínhamos correspondido às exigências do curso.

Passados poucos dias, habilitados com o diploma de pilotos da U.S.A.F. e de “Instru-tores de Tiro e Bombardeamento”, recebe-mos guia de marcha de regresso a Portugal após cerca de 18 meses vividos nos E.U.A., em várias bases aéreas e Estados, onde ti-vemos bastantes alegrias e não menos an-gústias.

Em Lisboa mandaram-nos apresentar num prédio sito na Avenida António Augus-to de Aguiar, onde fomos recebidos por um tenente-coronel Pil.Av. mal-humorado, que começou por perguntar-nos por que é que tínhamos chegado em Outubro quando os outros camaradas de curso se tinham apre-sentado em Lisboa no início de Julho de 1952?! Esclarecemos que tínhamos sido en-viados para frequentar um curso de Instru-tores de Tiro e Bombardeamento e face às perguntas “porquê nós” e “quem nos tinha mandado” que tiveram repostas negativas

da nossa parte foi dada por terminada esta fase da “recepção às nossas pessoas”.

De seguida, o “nosso tenente-coronel” tendo visto que tínhamos no uniforme as asas de piloto da U.S.A.F., devidamente au-torizadas, entendeu por bem dizer-nos que aquele símbolo não valia nada e que ele também tinha (ou tinha comprado nos Aço-res ou lhe tinham dado, presumo eu).

Finalmente e quase já de saída, atrevi-me a inquirir quanto ao gozo da nossa licença disciplinar, questão que enfureceu o “ nosso tenente-coronel” que nos elucidou que ele não tinha tido licença (soube mais tarde que o então Ministro da Defesa estaria zangado com a novel Força Aérea e que, por isto, não tinha autorizado o gozo da licença!) e que era o que faltava se os recém-chegados as-pirantes a oficial iriam agora ter tal regalia!

Mas sendo quinta-feira à tarde, o “nosso tenente-coronel” achou por bem dar-nos a sexta-feira de folga (!), devendo nós apre-sentarmo-nos na OTA na 2ª feira, isto após cerca de 18 meses de ausência no estran-geiro!

Este nosso primeiro contacto com a Força Aérea da época em nada se revelou promis-sor quanto a instalações, relacionamento de superior para subordinados e conhecimento das questões de serviço…

Fim da Primeira Parte

General Pil.AV. José Lemos Ferreira

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UMA HOMENAGEM A UM JOVEM CAMARADA PREMATURAMENTE PERDIDO

A gabardina em Terylene forrada a espu-ma sintética, bege clarinho, a última moda e muito cara, era à estreia... Tinha-a compra-do nesse dia e estava agora transformada num instrumento de degranhar o milho, de subelar as espigas, tanto que batia com ela furiosa e repetidamente no chão.

O jantar mensal da Esquadra 51, dos pi-lotos de F-86 em Monte Real, tinha corrido como sempre muito bem, demasiado bem, digo eu… e ali estávamos nós agora no Bar da Messe dos Oficiais da Base Aérea Nº 5 para o grande rescaldo do costume...

Estas coisas passaram-se em 1965/66, em ambiente de preparação de pilotos para a Guerra do Ultramar, num país fortemente condicionado para tal. Em ditadura. E onde ser militar era ainda um bem precioso para a Nação.

Já era a segunda ou terceira vez nessa noite que voltava a malhar milho, depois de os meus camaradas me terem metido à for-ça na cama várias vezes por causa de uma minha enorme incapacidade para me man-ter na vertical…

Enquanto desfazia a gabardina à estreia contra a calçada frente à Messe, na ausên-cia de milho verdadeiro, chorava copiosa-mente e todos os meus camaradas sabiam o que me estava a acontecer.

Muito poucos dias antes o Alferes Rica tinha sido vítima de um fatal acidente de via-ção no seu pequeno Morris vermelho, des-capotável.

Na Força Aérea sempre me senti um pri-vilegiado. Fiz alguma coisa por isso, claro, mas fui sempre muito amparado, muito pro-tegido, beneficiando de muitas oportunida-des que agarrei avidamente.

Comecei por ter sido brevetado em T-6 pela Força Aérea Espanhola em Salamanca.

Só depois o fui em Sintra, há meio Século... a comemorar este ano, no Palácio da Base Aérea de Sintra.

Convidaram-me depois a frequentar o Curso de Piloto de Caça, em aviões a jacto T-33 na Ota. Foi o primeiro curso na nossa Força Aérea em moldes totalmente Ameri-canos. E no fim… o F-86 onde cheguei à Esquadra dos Falcões, acabado de ser pro-movido a Furriel.

Aqui, depois de me ter sido dado o curso ficaram à espera que digerisse o resto que me cabia estudar, sozinho, o tempo que eu considerasse necessário. O camarada ante-rior tinha sido devolvido ao remetente ao fim de 6 meses de boa vida e nenhum empenho.

Pois eu, em 15 dias, apresentei-me ao meu Comandante de Esquadra, Major Mo-reira e declarei-me pronto a voar naquele avião, o F-86, que era supersónico (em con-dições especiais) e monolugar ou seja teria de o voar sozinho sem ninguém a ensinar-me ao meu lado, dentro do avião…

Foi grande o seu espanto e logo ali ele, sentado à secretária e eu de pé à sua frente, me fez um exaustivo exame sobre um varia-do leque de matérias. Técnicas, de seguran-ça e outras.

Nessa mesma tarde aprendi a manobrar aquele fantástico avião nas manobras no chão, com o instrutor encavalitado em cima da asa e eu a executar o que ele me dizia aos gritos. Um grande instrutor, o Carvalhão!

E no dia seguinte estava a fazer o meu primeiro voo num avião que poucos dias depois me levou a bater a Barreira do Som!

Eu, o Ary e o Leite da Silva, o cocó o ra-nheta e o facada, a ordem dependia das asneiras que fazíamos, já andávamos nisto desde 1962 e chegar aqui foi um grande fei-to para nós, tão pouco graduados no meio de gente tão ilustre. Que olhava para nós com alguma natural desconfiança e expec-tativa, mas com toda a solidariedade.

A MINHA FORÇA AÉREA – ALFERES RICA

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Os senhores Tenentes pilotos nossos superiores pareciam-nos de outra galáxia. Os Sargentos-Ajudantes, mais próximos, tinham sempre um dedo apontado a nós: “Portem-se bem, senão…”

E tudo corria muito bem até que somos informados que uma nova leva de pilotos estava a chegar.

Pilotos da Academia Militar.Imaginámos o que nos iria caber, agora

que já estávamos encaixados naquela es-trutura, com jovens Oficiais da Academia Militar a confrontarem-se connosco, nós mais antigos na Base, mais experientes mas de uma condição militar muito inferior.

Mas isto passava-se num tempo e num lugar que hoje parece mais ficção que rea-lidade.

Nós os três, abaixo de Sargentos, fomos encarregues de dar instrução àqueles jo-vens pilotos Top Gun, acabados de sair da Academia.

Ao mesmo tempo que nos divertíamos imenso a ensiná-los a voar Chipmunk e Su-per Cub (é melhor não falar muito no que se fazia…) também íamos para o ar, em pare-lhas de F-86, para lhes dar a qualificação de Comandantes de Parelha.

Ou seja, à chegada à Esquadra, de ma-nhã, batíamos a pala aos nossos superiores e depois íamos para o ar, eles a obedecerem às nossas instruções como mais qualifica-dos que nós éramos. No fim do debriefing saía mais uma palada nossa de despedida.

Este era o ambiente em Monte Real, anos 60 do Século XX.

O autor e o F-86

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Um dia cabe-me levar o Alferes Rica num voo de instrução que acabaria com mano-bras de aproximação e aterragem à pista da Base, às cegas, só com apoio radar, até ao chão.

No briefing delineámos todas as mano-bras que se iam executar, estudou-se o qua-dro meteorológico, não muito famoso, em que iríamos voar, a quantidade de combustí-vel necessária e todos os itens pertinentes a uma missão que teria de ser executada com todo o rigor.

Nesse dia cabia ao meu aluno, o Alferes Rica, fazer de chefe e executar todas as ma-nobras comigo no outro avião ao seu lado mas um pouco mais atrás, como se eu fosse o nº2 da parelha.

Como instrutor eu tinha o dever de lhe mi-nistrar tudo o que sabia mas nunca descu-rando a segurança, ou seja, se algo corresse mal a responsabilidade era só minha e eu podia e devia assumir o comando da pare-lha em qualquer altura que entendesse.

E lá fomos para o ar, o Rica todo ufano no avião da frente, ele era o “chefe” e eu expec-tante mas confiante nele.

A missão compreendia umas quantas ma-nobras iniciais em voo para apurar as capa-cidades de chefia de parelha e ao mesmo tempo descontrair antes das complicadas manobras de aproximação e aterragem sob controlo de radar, GCA (Ground Controlled Aproach) na nossa Base.

Já a grande altitude a situação meteoroló-gica, contrariamente ao briefing que nos ti-nham dado, alterou por completo os nossos planos.

Num instante a nossa Base “fechou” me-teorologicamente e fomos encaminhados para pistas mais a sul, na zona de Lisboa.

Pouco depois, para nosso espanto, fui também informado que as Bases de Tancos e da Ota, bem como Alverca e Lisboa esta-vam abaixo dos mínimos, impedindo qual-quer tentativa de aproximação.

E como os homens só são postos ver-dadeiramente à prova quando tudo pare-ce fugir do nosso controlo, as frequências rádio começaram a falhar. À medida que os minutos passavam fomos progressi-vamente ficando sem contactos rádio ao mesmo tempo que nos dirigíamos para Norte, confortáveis quanto ao combustí-vel nos depósitos, mas sem saber onde aterrar…

Lembro-me que só tinha uma frequência rádio funcional de um qualquer interlocutor que tentava ser prestável mas que pouco podia fazer.

Entretanto eu como responsável pelo de-senrolar dos acontecimentos começava a ter outro problema que para mim era não menos grave.

O meu aluno, que tinha o comando provi-sório do voo em si, estava a ficar nervoso. Quando falava eu ouvia perfeitamente a res-piração alterada dentro da máscara de oxi-génio, equipamento obrigatório neste tipo de aviões.

Não sei se as minhas palavras denotavam ou não o meu stress mas esforcei-me para lhe falar calmamente sem nunca o perder de vista, antes quase colado a ele, a 10km de altitude e a quase 500km/h.

E aí comecei a pensar que o melhor seria eu tomar os comandos reais da parelha…

Era fácil. Eu é que era ali o responsável pe-rante o Comandante da Base e da Esquadra.

A Meteorologia impedia-nos de aterrar fosse lá onde fosse. As frequências rádio reduziam-se a uma única e não era de uma torre de controlo sequer. O meu aluno es-tava a ficar nervoso. Faltava o quê para eu assumir o comando?

Faltava o respeito pelo meu aluno. Faltava saber realmente se ele era ou não capaz de chefiar uma parelha numa situação de emer-gência.

E se eu assumisse o comando o que seria da sua auto-estima?

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Estaria a ajudá-lo? A formá-lo como piloto?E se ele pensasse que eu queria pôr-me

em bico dos pés perante ele? Não ajudaria ao reconhecimento da sua hipotética inca-pacidade de gestão da situação.

A 500km/h e sem pista onde aterrar não há lugar para grandes divagações.

O Rica tem de seguir à frente, decidi.Enquanto isto se passava eu tentava falar

com mais alguém capaz de nos ajudar.Já perto de Monte Real consegui contacto

com o GCA mas não conseguia falar com os outros responsáveis do controlo da Torre ou da aproximação da nossa Base.

Ficou decidido que o Radar ia tentar levar-nos à pista que não estava operacional devido às condições meteorológicas. Mas a descida para o encontro da capacidade de alcance do Radar teria de ficar por nossa conta.

O Rica continuava a respirar com algum nervosismo mas ia cumprindo o seu papel e eu seguia-o que nem galgo a uma lebre, controlando “à distância” o que ele supunha não estar a acontecer.

Quando o GCA finalmente nos apanha no Radar e dá início a uma tentativa de apro-ximação à pista, o Rica aumenta os níveis de stress e eu baixo a voz uns tons a ver se consigo simular uma normalidade que de todo não existia.

Era talvez a nossa única oportunidade de colocar aquelas preciosas máquinas e os seus dois ocupantes no chão, em segurança.

Asseguro-me de que o Rica cumpre es-crupulosamente as instruções do radar e si-multaneamente vou tentando ver se encon-tro algum vislumbre de terra, eu que estava confortável quanto à capacidade do Radar

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em nos guiar até a um ponto de decisão. Conseguir ou não ver a pista era um assunto para mais à frente…

Agora estamos já a chegar à nossa hora da verdade e o Rica continua a cumprir a sua função de futuro Comandante de Pare-lha e de súbito vejo finalmente a pista!

Mas como nunca a tinha visto! Parecia que metade do Pinhal de Leiria tinha “ater-rado” nela, tal era a quantidade de ramos de pinheiro por ali poisados como que em visita ao vizinho do lado.

Pedi ao Rica para não travar muito forte-mente (uma tentação nestas emergências em que finalmente se vê a salvação à frente e o que se quer é parar aquilo rapidamente) e aterrei atrás dele como me competia.

Missão cumprida! O meu aluno cumprira in-tegralmente o que seria de esperar de um chefe e eu cumprira bem o meu dever de o levar a assumir as suas futuras responsabilidades.

Estas coisas, quando se corre grande pe-rigo e tudo acaba bem porque nós fazemos bem o que deve ser feito e ainda mais em

equipa, levam a um grande aproximação en-tre as pessoas.

Quando finalmente nos encontrámos no chão, os aviões intactos e nós melhor do que nunca, as lágrimas a cair no meio de um forte abraço, em silêncio, percebemos que os nossos caminhos estavam inexora-velmente ligados.

Foi por isso que naquele jantar, poucos dias depois, eu não aceitei a ausência do meu Amigo Rica.

Foi por ele que naquela noite malhei tanto milho. Foi por ele que não consegui ficar na cama as vezes que tentaram deitar-me lá.

E é em sua memória que escrevo isto.

Comte. Gabriel Cavaleiro

No seu Blogue “Rio dos Bons Sinais”Rio dos Bons Sinais foi o nome que Vasco

da Gama deu ao rio que o levou a Quelima-ne, no dia 24 de Fevereiro de 1498. Porque lhe pareceu ter aí bons sinais viagem, mar fora, até à Índia.

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Esta é uma história que começa mal, mas acaba bem. Tem como primeiro persona-gem o nosso amigo Cor. Mário Garrido que, há uns tempos atrás, se começou a quei-xar de cansaço e de dores nas pernas, por vezes também de alguma insensibilidade nos membros inferiores. Preocupado, foi à procura de observação e conselho médicos para resolver o seu mal-estar. A ortopedia do HFA receitou-lhe fisioterapia, mas não sentiu efeitos positivos. Tendo ido ao Hos-pital da Cruz Vermelha Portuguesa (HCVP), onde em tempos fora operado ao coração com grande sucesso, a uma consulta de ro-tina, e tendo contado ao cardiologista o que se estava a passar, ele resolveu fazer-lhe um cateterismo que mostrou uma obstrução significativa ao longo da artéria femoral, o que impedia o fluxo normal de sangue em direcção às pernas e pés.

No dia seguinte ao seu internamento, logo após a realização dos exames cardiovascu-lares, recebeu a visita de um médico que, depois de o cumprimentar, lhe disse: - Eu sou o “canalizador” e estou aqui para o in-formar que o seu estado aconselha que seja operado para substituir a sua artéria obstruí-da, por uma outra, de plástico, que lhe irá

repor a circulação no membro inferior, neste momento gravemente afectado e que o im-pede de andar sem dor.

A maneira humana e descontraída, mas também técnica e profissional com que de-correu o resto da conversa serviu, por um lado, para instilar no doente a confiança ne-cessária a que se entregasse nas mãos do médico e, por outro, para o nascimento de uma grande empatia entre os dois homens. A intervenção cirúrgica foi um êxito e o nos-so amigo Garrido passou a “usar” uma arté-ria de plástico (“bypass”), debaixo da pele, ao longo do corpo, desde o ombro até à re-gião pélvica.

Mas a que propósito é que esta história tem interesse para a generalidade dos só-cios da AFAP? Aconteceu que aquela em-patia embrionária entre médico e doente se desenvolveu durante o período de convales-cença e começou a estender-se ao campo da amizade. Vai daí o nosso amigo Garrido ter convidado o “canalizador” para ir almo-çar à AFAP, aproveitando para dar um “brie-fing” sobre a técnica utilizada durante a ope-ração de substituição da artéria. A ideia era também levá-lo ao convívio do GRELU (Gru-po dos Reformados do Lumiar) que almo-

ça na Av. Gago Coutinho todas as quintas-feiras. E lá apareceu o Dr. João Franklim (assim se chama o nosso novo amigo), in-teiramente disponível para a explicação e para se in-tegrar num grupo de “se-niores” que ele nunca vira mais gordos.

E a coisa não podia ter corrido melhor. O Doutor achou piada às nossas his-tórias, interessou-se pelos nossos cabelos brancos (ou pela falta deles), deu valor à nossa autenticida-

O CANALISADOR ENCARTADO

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de e aos nossos princípios e sentiu que es-tava rodeado de “gente boa”. E nós vimo-lo sorrir, ouvimo-lo contar histórias da sua vida académica e da sua prática profissional na África do Sul e nos Estados Unidos como cirurgião vascular. Foi um almoço delicioso, onde as conversas se entrecruzaram cheias de interesse e de graça; de tal maneira que abandonámos a mesa já passava das qua-tro da tarde.

Mas antes das despedidas o Dr. João Franklim aceitou o convite para estar pre-sente num segundo almoço e, “em troca”, ele prontificou-se a dedicar uma manhã in-teira para analisar, por meio de ecografia, o estado de saúde das carótidas de todos os que estivessem presentes.

Na quinta-feira aprazada foi grande a ex-pectativa à espera do Doutor. E lá chegou ele, ajoujado com os equipamentos portá-teis necessários para o exame ecográfico e pronto para trabalhar cerca de duas horas e meia, tempo que levou a observar os mais de vinte possíveis doentes. Um de cada vez, de tronco nu, alguns mostrando protube-râncias que a idade e as gorduras fizeram dilatar, deixou que a sonda do ecógrafo procurasse sinais de obstrução nas artérias carótidas, o que vai dificultar a irrigação do cérebro e facilitar a libertação de coágulos que podem originar acidentes vasculares cerebrais (AVC).

No fim dos exames foram detectados cer-ca de 50% de situações a precisarem de uma atenção médica posterior mais cuidada e os doentes em causa foram aconselhados a proceder nesse sentido. Tudo terminou em bem e, já de camisa vestida, sentámo-nos à mesa para mais um simpático almoço. Lembro-me que o Dr. João Franklim comeu uma cabidela de galinha que lhe soube mui-to bem.

Mas, mais do que qualquer prato sabo-roso, o que sempre sabe melhor nestes almoços é o ambiente de amizade, são os

abraços trocados, são as histórias que jun-tos vivemos e que juntos recordamos, são as anedotas que, embora já conhecidas, são sempre motivo para uma risada sonora e sincera.

Resta dizer que todos e cada um deste grupo ficaram profundamente reconhecidos a este “canalizador” encartado que, depois de ter tratado um dos nossos, de maneira tão amiga e tão franca se aproximou de nós e mostrou claramente que ainda pode haver no mundo dádiva sem interesse, amizade sem cálculo, humanismo. Esta relação com ele deve e tem que continuar e uma maneira de isso acontecer é fazê-lo sócio honorá-rio do GRELU e convidá-lo para ser sócio efectivo da AFAP, sendo nós responsáveis pelo primeiro ano de pagamento de quotas. Bem-haja Doutor João Franklim.

Ten. Cor. (r) Luís Morais Pequeno

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CORONEL PILOTO-AVIADORORLANDO JOSÉ SARAIVA GOMES DE AMARAL

INTRODUÇÃO BREVE

Nunca como agora olhara para aquele ho-mem com olhos de ver. Tinha ao peito o Colar da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito e no rosto um sorriso afá-vel, quase de criança, que inspirava confiança e respeito. Conhecia-o há já bastante tempo, mas nunca como naquele 10 de Junho me apetecera tanto aproximar-me e conhecê-lo melhor. Estávamos ambos a participar na ce-rimónia de homenagem aos combatentes que, por um ideal de Portugal em que acreditavam, deram todo o seu esforço, deram a própria vida. Em que pensaria ele naquele momento? Porquê eles? Porque não eu? Tudo vale a pena quando a alma não é pequena? Estava ali um homem sereno, com a consciência do dever cumprido, distribuindo abraços e simpatia por todos os mil amigos que o cumprimentavam. Olá Amaral! Como está meu Coronel? Estás cada vez mais jovem, meu malandro! Depois de ter feito as honras devidas a quem tem o nome gravado nas pedras atrás do Monumen-to aos Combatentes do Ultramar, vim para casa a pensar no Amaral, no Coronel e no malandro cada vez mais jovem. Quem seria realmente este homem? Que sonhos e dramas abrigara dentro de si ao longo da vida? Quais as suas ambições e utopias?

Passados meses – as coisas acontecem sabe-se lá porquê? – vieram ter comigo per-guntando se eu gostaria de fazer uma es-pécie de biografia do Coronel Orlando de Amaral. Iluminaram-se-me os olhos; é claro que teria muito gosto, vinha aliás ao encon-tro dos meus desejos. Esta a razão porque aqui estou e oxalá as Musas me ajudem a abrilhantar a minha prosa. O que merece ser feito, merece ser bem feito e espero a sua ajuda para esta nobre missão.

TODOS OS JOVENS DEVIAM SER FELIZES

Fez já oitenta anos (1933) que as terras de Trancoso, viram nascer um menino a quem foi posto o nome de Orlando José Saraiva Gomes de Amaral. Nascido numa família de proprietários rurais abastados da aldeia, teve uma infância despreocupada. Ainda menino ouviu falar de Jesus Cristo e afeiçoou-se à sua doutrina do bem e do bom, manual de vida que ainda hoje norteia os seus pensa-mentos e acções. Nunca lhe faltou um pião para jogar e era um miúdo popular no meio dos colegas com os quais pontapeou bolas de trapo. Fez contas de multiplicar e de divi-dir na ardósia antracite arrancada à terra e, eis senão quando, saiu de casa para ir fazer o exame de Admissão aos Liceus na sede do concelho, já que os ensinamentos lá na terra não iam além da terceira classe.

Por esta altura sofreu a primeira grande comoção da sua vida: a morte do pai dese-quilibrou os seus arrimos familiares. Esta fal-ta da referência masculina foi violenta para um rapazola à procura do seu norte, mas havia que arranjar novos equilíbrios.

Com o primeiro diploma da sua vida debai-xo do braço, ruma à capital do Distrito, a fria e farta cidade da Guarda, para iniciar o ensi-no secundário. Estava pela primeira vez longe dos carinhos familiares, num colégio interno, cujo director, o sábio e pedagogo Dr. Alberto Dinis da Fonseca, muito iria marcar o seu es-pírito jovem com conceitos e exemplos muito positivos. Todavia, a gaiola que era o internato sempre lhe provocou alguma claustrofobia e ei-lo a experimentar a liberdade dando um sal-to para o externato de Viseu onde conheceu o Professor Santiago. Este professor era conhe-cido por ter um avião no aeródromo e por ter umas atitudes pouco conformes ao juízo que se espera de um mestre-escola. Um dia esse professor convidou-o para voar. A resposta do nosso herói foi rápida e conclusiva:

UMA VIDA QUE VALEU A PENA

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- Nem pense nisso; eu nunca na minha vida irei voar; se Deus quisesse que o ho-mem voasse tinha-lhe dado asas.

E por aqui ficou a sua recusa juvenil de se tornar um Ícaro português.

Nos últimos anos do secundário come-çou a pensar no futuro e sentiu-se chama-do pelas engenharias; era bom aluno, não tinha dificuldades com as matemáticas e seria uma carreira bonita e compensadora. Mas certo dia, em conversa com um fami-liar, este perguntou-lhe porque não fazia o curso de engenharia na Escola do Exército. Há momentos em que a vida dá voltas in-suspeitadas; a gente julga que é uma coisa de somenos, mas vai-se a ver e todo o fu-turo se alterou. Aceitou a ideia e foi inaugu-rar as velhas instalações do quartel onde se instalara o 1º ano da Escola do Exército, na Amadora, em 1951. Quis o destino que este curso tivesse três pilotos, um dos quais o Esteves, com quem passou a dar-se muito bem. Conversa puxa conversa e, sem nunca ter pensado nisso e sem saber como, de re-pente estava convencido a ir para a aviação.

No fim do ano lectivo, ao fazer os testes, o médico de clínica geral que lhe examinou os olhos pôs em causa a sua capacidade visual de um dos olhos. Quem resolveu a questão foi o Coronel Costa Macedo, então coman-dante de Sintra, que disse ao médico:

- Oh doutor. Os pilotos não vêem com um olho de cada vez, olham para as coisas com os dois olhos.

Este passo em frente fez com que a sua Mãe tivesse uma grande fúria, se zangasse com o filho e tivesse deixado de lhe escre-ver durante uns tempos. Eram tempos da “heróica” onde ser piloto era sinónimo de desastre iminente.

ACABOU-SE O RECREIO

Até este momento a vida fora risonha e franca, mas a partir de agora ia começar a

ser homem; tinha acabado de ser garoto e surgiam as responsabilidades da vida adul-ta. Nas férias de 1952 esteve pela primeira vez cara a cara com um avião:

- Tiger Moth este é o cadete Amaral, se-nhor cadete Amaral este é o Tiger Moth. E fez-lhe uma festa, como só se faz a bichos em quem se confia. Mas no dia seguinte ele deu-lhe uma dentada: logo no primei-ro voo o 2º Sarg. Tércio, seu instrutor, fez uma sessão de cambalhotas e reviravoltas sobre a Praia das Maçãs (onde ele tinha a namorada) no fim da qual só faltou sair-lhe o estômago pelo nariz. Desorientado e mal disposto logo ali depôs as luvas: aquilo era de gente maluca e ele não queria morrer cedo. Logo depois de aterrar “decidiu” que não ia voar mais. No dia seguinte o Tércio, com cara séria e um livro de psicologia de-baixo do braço, lá o convenceu; que aquilo tinha sido uma brincadeira, uma espécie de praxe, e que hoje ia ser muito diferente. E se bem o disse, melhor o fez; os voos se-guintes foram normais, calmos, instrutivos e muito agradáveis. Entusiasmava-o aquela sensação de conseguir fugir à gravidade!

Acabado o curso em 1954, logo foi no-meado para ir para os EUA aprender inglês e tornar-se um piloto militar. Voou Cub, T-6, T-28, T-33 e foi brevetado em Agosto de 1955. Depois de um curso de tiro aéreo e ter voado F-84, era finalmente um piloto operacional “combat ready”. E aí, talvez pela primeira vez na sua vida, teve um sen-timento misto de orgulho e humildade; era um aviador completo, tinha conquistado as suas asas com esforço e dedicação. Encheu o peito de ar e teve uma sensação de pleni-tude, sem esquecer, no entanto, que con-tinuava a ser um homem e que o céu tinha amplitudes e humores insuspeitados.

Regressado a Portugal foi colocado na Base da Ota, nos F-84 que constituíam a Esquadra 20. Três meses depois foram-lhe entregues funções de instrutor nos T-33 da

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Esquadra 22 (Escola Avançada de Aviões de Reacção) e, logo depois, fez as malas para Tancos seguindo os T-33 que para lá foram transferidos. E vem a propósito dizer que nesta circunstância teve oportunidade para pôr em prática uma pequena vingança: ten-do como seu aluno o então Alferes Tércio (lembram-se da praxadela sofrida anos atrás num voo de Tiger Moth) o T-33 lembrou-se de fazer todas as piruetas já inventadas e por inventar; o Tércio, no final, acabou por concordar que “cá se fazem, cá se pagam”.

Tudo corria bem até que um dia (há sem-pre um dia) deixou-se tentar pelos cantos maviosos das Deusas da Pardalice. No meio de um voo de instrumentos com um aluno foi atraído pelos cheiros da sua aldeia na-tal e resolveu ir lá fazer umas passagens baixas. Com o motor nos copos apontou às torres da igreja e …lá vai disto. Até os poucos cabelos do Sr. Prior se puseram em pé e as galinhas poedeiras da aldeia pa-raram a postura durante quinze dias! Aqui d’El Rei que alguém tinha que fazer alguma coisa e lá seguiu uma participação para Lis-boa. Uma desgraça nunca vem só e assim aconteceu que, nesse mesmo dia, um ou-tro piloto, seu camarada de curso, foi voar F-84 para a região de Sousel, ultrapassou os seus limites e enfiou-se pelo chão den-tro morrendo de imediato. Estes escândalos públicos não podiam passar incólumes e o então Secretário de Estado Kaúlza de Ar-riaga determinou que todos os Oficiais que fossem para além dos limites da missão e da segurança seriam punidos com 10 dias de prisão. O Mau-Mau (indicativo de guerra do nosso herói) foi o primeiro a beber desse cálice.

Promovido a Tenente em 1957 prestou serviço na Esquadra de Instrução Comple-mentar de Pilotagem (EICP) que, entretanto, passara a designar-se Esquadra de Instru-ção Complementar de Pilotagem de Aviões de Caça (EICPAC) (os Caracóis). Movido

pelo espírito de curiosidade e para descon-trair um pouco, começou a voar os lentos e enrugados três tetas, os JU-52.

Com três galões nos ombros em 1959, logo em 60 assume o comando da Esqua-dra e, conforme ordens superiores, faz a transferência dos T-33 para a Ota, a eles se juntando os F-84 que restavam para cum-prir missões de instrução operacional. Com mais de 50 aviões esta foi a maior Esquadra que jamais existiu em Portugal. Esta inte-gração pretendia também que estes últimos pudessem começar a ser abatidos, já que os F-86 cumpriam a missão de caça. Esta decisão chocou o nosso Mau-Mau: pois se os F-84 estavam a voar sem problemas, se havia em Alverca sobressalentes em quan-tidade, incluindo 35 motores novos, porquê decidir o seu abate? E começou a fazer “re-sistência passiva” atrasando o processo o mais possível.

Pensou também que, para integração dos pilotos das duas Esquadrilhas (F-84 e T-33) seria bom fazer uma viagem conjun-ta à Alemanha, país com o qual nós fazía-mos intercâmbios regulares. Expôs a ideia ao Comandante Base que de imediato lhe respondeu:

- Oh Amaral, está à vontade. O Senhor é que sabe a melhor maneira de gerir a sua Esquadra!

Ainda hoje lembra com saudade esta con-versa. Nas mãos de um Capitão era posta uma capacidade de decisão, uma confian-ça e uma responsabilidade enormes; olhou ufano para os seus galões e garantiu-se que estava obrigado a merecê-las.

Nessa viagem a canopy de um dos F-84 rebentou ao aterrarem na Alemanha. Se não conseguisse arranjá-la o avião teria que lá ficar e seria abatido. Um engenheiro alemão prontificou-se a rebitar uma chapa no bura-co da canopy e o avião poderia voar, embo-ra não aguentasse pressurização. A ideia foi avante, o avião foi experimentado em voo e

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veio para Portugal em voo baixo, à asa de um T-33.

Valeu a pena a “resistência”: em 1961 foi revogada a ordem de abater os F-84 que deviam seguir para a Guiné. Foi feito IRAN a todos os aviões utilizando os mecânicos da própria Esquadra (por proposta e insistência sua) e acabaram por ir voar para terras de Angola, já que a Guiné fora destinada aos F-86. Sentiu ter contribuído para a operacio-nalidade da Força Aérea em tempo da guer-ra que se iniciava.

DUAS PEQUENAS HISTÓRIAS DE COMANDO E LIDERANÇA

A abertura da canopy do F-84 era feita por deslizamento ao longo de calhas. Se fosse necessária uma ejecção, a canopy era atirada fora pela acção de oito pequenos artefactos explosivos incrustados nessas calhas, sendo que bastava um deles funcio-nar para provocar a ejecção. Acontece que todos os existentes eram velhos e fora do prazo de garantia. Mas era preciso e urgente

continuar a voar. Então o Mau-Mau, Coman-dante de Esquadra, fez várias experiências com esse material à frente dos pilotos e nem um falhou. Perguntou então aos pilotos se tinham alguma dúvida de que aquilo funcio-nava e de que podiam continuar a voar; a adesão foi unânime e a operação manteve-se, mostrando a sua liderança e dando um pontapé na burocracia.

Havia só cinco instrutores para 36 alunos recém-chegados. Feitas as contas, os cur-sos (um do quadro e outro de milicianos) iam demorar uma eternidade o que não era admissível. Sabendo que em Espanha havia uma Base perto de Badajoz onde havia mui-tos instrutores sem alunos, tomou a inicia-tiva de ir a Lisboa propor a ida de metade dos alunos para Espanha. A ideia foi aceite e este intercâmbio internacional foi um suces-so, acelerando a operacionalidade dos nos-sos pilotos. Ainda se lembra, como curiosi-dade, que destes cursos saíram dois Chefes de Estado-Maior: Gen. Corbal e Gen. Vaz Afonso. Afinal um Capitão tinha poder para influenciar as coisas!

Liderando uma nova geração de pilotos

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VEM AÍ A GUERRA

De repente tudo entra em grande alvoro-ço; os F-84 são enviados para Angola e todo o pessoal da Esquadra se voluntariou. Tudo preparado para embarque, veio um rádio a dizer que afinal o Cap. Amaral devia man-ter-se na Ota com a missão de experimentar todos os aviões que iam acabando os seus IRAN em Alverca. Quando terminou essa missão e ficou só nos T-33 refilou porque se queria juntar à Esquadra em Luanda. Não lhe fizeram a vontade e foi convencido a ir para os plurimotores, com destino aos DC-6. Ao fim de três voos em Dakota apareceu na Base um oficial americano da MAAG que, ao vê-lo sair do DC-3 lhe disse com ar de gozo:

- Olhe, amigo Amaral, nos EUA diz-se que se pega num piloto de caça, tira-se-lhe o cérebro e fica um belíssimo piloto de trans-portes.

Riram-se da brincadeira, mas isso fê-lo pensar que o voo em aviões de reacção lhe dava tanto prazer e tanta “pica” que seria um desgosto abandoná-los. Algum tempo depois (1962) estava colocado na Base 5 pronto para o F-86. Iniciou de imediato a adaptação e antes de a ter acabado já era Comandante da Esquadra dos Falcões, porque o anterior foi nomeado para Ango-la. Quando chegou a sua vez avançou para uma diligência de três meses na Guiné. Nes-ta nova experiência, em ambiente de traba-lho tão difícil e clima de guerra, era preciso manter o rigor e a disciplina. Reparou que havia pilotos que não voavam aviõesT-6 operacionalmente. Pôs toda a gente a voar e a todos deu cursos de tiro numa carreira de tiro improvisada no rio Mansoa. Toda a “malta” ficou operacional.

Regressado ao Continente, e estando noi-vo de uma menina brasileira que conhecia e “namoriscava” desde os 13 anos, tentou acelerar as muitas burocracias e obstáculos

que repetidamente foram criadas à consu-mação do enlace. Requerimentos, certidões e atestados juntavam-se num nó górdio difícil de desatar. Pouco tempo depois era nomeado para Bissau para uma comissão de serviço (1963) e, tendo vindo ao Estado--Maior fazer um relatório sobre uma ejecção de F-86, acabou por desabafar com os Ge-nerais presentes:

- Já meti vários requerimentos que têm sido indeferidos por razões sem razão.

- Ah foram? Respondeu um deles. Pois vou de imediato deferi-lo.

- Ainda por cima a minha noiva é brasileira o que, parece, põe questões diplomáticas.

- Oh Senhor Alferes (jurista, do gabine-te do CEMFA, hoje figura conhecida que foi dirigente do CDS e Presidente da Cruz Vermelha, Dr. Nogueira de Brito), quero este problema resolvido em três tempos!

Não foi em três tempos, mas foi em três dias que todas as dificuldades foram apla-nadas. Realizado o casamento, entregou a esposa aos pais e voou para a Guiné (vida difícil e às vezes anti-natura a de um militar).

Aí chegado, logo no seu primeiro dia ocorreu um acidente com um Auster no qual morreram dois pilotos de helicóptero que andavam a fazer voltas de pista com um outro piloto instrutor. Foi um choque que o entristeceu profundamente e o alertou para o clima de guerra. Para além das suas mis-sões fazia o que fosse preciso como por exemplo largar correio em acampamentos isolados. Um dia, sentindo as dificuldades desses soldados, em vez de largar o correio, como estava maré baixa, deixou-se tentar por um lameiro em Guadamel e resolveu aterrar. Foi uma grande festa, com copos e mariscos, mas quando quis descolar a maré tinha subido e cobria as rodas do avião. Teve que esperar pela próxima maré baixa, mas a alegria que lhes deu por finalmente terem podido mandar o seu correio para as famílias, tudo compensou. Passaram a fazer

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esta entrega e recepção de correio tendo em consideração a tabela de marés forneci-da pela Marinha.

Quando dava instrução no T-6 ensinava sempre a fazer tiro picando a 45º de dentro da mata para fora e, no fim do passe, a pu-xar em volta apertada outra vez para dentro da mata. Houve um dia em que se distraiu e puxou para o lado que não dava cobertura; viu logo que tinha feito asneira e encolheu-se todo à espera de ser atingido. Foram oito buracos que ainda tem na memória; não pode haver distracções nem erros porque se podem pagar muito caros.

No dia seguinte o Furriel Vidal ofereceu-se como voluntário para ir ao mesmo sítio fazer um reconhecimento no DO-27. Foi e convi-dou o 2º Sar.Piloto Rocha para ir com ele. Durante a operação o Furriel Vidal foi atin-gido e morreu de imediato. Como era muito corpulento, o 2º Sar. Rocha não o conseguiu tirar do seu lugar (o avião não tinha duplo comando) e teve que voar o avião até à Base em circunstâncias dramáticas. Apesar de não ter acesso aos pedais aterrou normal-mente com uma pequena saída de pista. Foi um feito de pilotagem. Era a guerra com as suas tragédias. Isto valeu ao Vidal uma Cruz de Guerra, que o pai recebeu no dia 10 de Junho, e o Capitão Amaral enviou ao pai o capacete do filho como recordação.

Foi uma comissão de serviço com traba-lho intenso, sem um dia de descanso e preo-cupações permanentes com homens e com máquinas. Às tantas recebeu uma extensa bibliografia para começar a preparar-se para o curso de promoção a Major. Os livros indi-cados somariam talvez um metro de altura, tal a extensão da bibliografia. Mandou para Lisboa uma exposição em que dizia:

- Quero lembrar que aqui estamos em guerra, com trabalho 24 horas por dia. Além disso os livros indicados só poderão ser consultados na “biblioteca dos Bijagós”. Se insistirem, desde já desisto do curso, com

as consequências que a lei prevê (que era a passagem à reserva).

Esta exposição nunca teve resposta. Mas ao fim de nove meses de comissão foi con-vidado para o Curso de Comando e Esta-do-Maior, nos EUA. Exigiu que previamen-te fosse feito um convite público e, desse modo, foram nomeados o Maj. Madeira e ele mesmo. E assim foi: veio para Lis-boa para receber a Medalha de Valor Mili-tar, Prata, com Palma no dia 10 de Junho, pela acção de comando e de operacional exemplar na Guiné e seguiu para Montgo-mery, nos EUA, onde se interessou por tirar o máximo proveito do Curso de Comando e Estado-Maior daquela Universidade Militar americana. Ainda hoje exibe com orgulho o diploma de Cidadão Honorário daquela ci-dade, distinção que só foi atribuída a ele e a um Oficial sul-coreano, entre dezenas de Oficiais estrangeiros!

O ESTADO-MAIOR – UM INTERVALO ENTRE GUERRAS

Com mais um canudo debaixo do braço ei-lo que aterra no Estado-Maior da Força Aérea, Chefe da Secção de Operações da 3º Repartição. Mas quis o destino que esta situação evoluísse rapidamente: os Chefes das outras duas Secções morreram num acidente de avião e o Chefe da Repartição foi transferido. Viu-se de repente à frente de uma das mais trabalhosas áreas do Estado--Maior em tempo de guerra. Até as coisas mais incríveis teve que despachar como a autorização para funcionamento da refinaria de Matosinhos ou o licenciamento de todas as novas bombas de gasolina em todo o país!

Cumulativamente foi nomeado professor efectivo no Instituto de Altos Estudos Mili-tares e no Instituto de Altos Estudos da For-ça Aérea introduzindo pela primeira vez em Portugal ensinamentos de PERT, ferramenta

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utilizada na gestão e controlo de projectos, técnica que tinha aprendido nos EUA. Ainda conseguiu tempo para se matricular no 1º ano do ISEF (curso de economia) e concluiu nesse ano todas as cadeiras.

Por aquela altura os EUA tinham-nos proi-bido de utilizar os F 86 em operações na Guiné, uma vez que nos haviam sido cedi-dos no âmbito da NATO. Havia que encon-trar rapidamente um avião substituto. Um dia às 09H00 recebe um telefonema do Di-rector do Serviço de Material:

- Amaral, acabo de lhe mandar todos os documentos e TO’s referentes ao FIAT G-91. Gostava muito que os estudasse até ao fim da tarde para me dar uma opinião.

Nem almoçou e já o sol se punha quando respondeu:

- Teoricamente, no papel, parece-me uma solução adequada. Contudo não gostaria de dar um parecer vinculativo sem voar o avião.

Foi decidido comprá-los e “nomeou-se” para ir à Alemanha fazer a adaptação. Foi com mais oito pilotos e vários mecânicos de primeira qualidade. Tanto que os alemães ficaram boquiabertos com as qualificações de uns e outros.

Quando chegou foi a Alverca fazer uma demonstração para entidades civis e milita-res, incluindo o Presidente da República, fez depois experiências com configurações de armamento não previstas na TO. Mais tarde a fábrica aceitou essas alterações e passou a inclui-las nas TO. Logo em seguida deu a adaptação ao Fiat aos então Cor. Diogo Neto, TCor. Brochado Miranda e Hugo Damásio.

Entretanto soube que estavam a pensar nomeá-lo para ir com os FIAT para Moçam-bique mas, como nunca mais se despacha-vam, acabou por ir para Sintra comandar o Grupo Operacional. Deste período tem inte-resse contar uma pequena história. O Cap. Teixeira (por alcunha Teixeira Bombardeiro) andava triste e zangado porque gostaria de ser Chefe de Manutenção do T-37. O Ma-

jor Amaral sentiu esse mal-estar, pensou e resolveu a questão. Havia na Base um Dra-gon Rapid a cair de podre, pronto para a sucata. Encarregou o Cap. Teixeira de pôr esse avião a voar; passados uns meses ha-via na BA1 um Capitão MMA muito feliz e orgulhoso da sua obra e um avião “novinho em folha” com os motores pintados de cor azul Força Aérea. Este avião faz hoje parte do acervo do Museu do Ar.

Dragon Rapid

DE NOVO NO ULTRAMAR, DE NOVO A GUERRA

Em 1969 foi para a Guiné fazer a 2ª Co-missão de Serviço, sendo responsável pelo Grupo Operacional com 12 FIAT G-91, 20 DO-27, 20 Alouette III, 20 T-6 e 2 Dakota. Embora o trabalho preenchesse as 24 horas diárias, a experiência e o bom enquadra-mento do pessoal permitiram o equilíbrio psico-físico. Muitas horas de voo nas mais variadas missões (incluindo helicóptero e helicanhão) e muito armamento capturado foram o fruto do trabalho conjunto. Ainda hoje lembra como esfrangalhou as antiaé-reas colocadas no corredor de Guileje; mon-tou nos FIAT cargas de profundidade, usa-das pelos P2V na guerra anti-submarina, e despejou-as nos ninhos escavados no chão para protecção das antiaéreas. Ainda hoje estarão a chover estilhaços…

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Com tamanha actividade aérea tão bem cumprida e com o espírito de liderança que a todos comprometia, teve obviamente di-reito a uma condecoração que premeia os corajosos: uma Cruz de Guerra de 1ª Clas-se. Estamos em Outubro de 1970 e regressa a terras europeias, mais uma vez para a sua amada BA3, em Tancos.

O POUCO DESCANSO DO GUERREIRO

Ali chegado, logo começa a magicar em melhorar a organização dos meios ao seu dispor. Para isso transformou em Grupo Aé-reo uma Esquadra composta por uma esco-la de helicópteros e diversos aviões como JU-52, T-6 e DO-27. Em acumulação com o Grupo (operações) assumiu também as fun-ções de 2º Comandante (papéis). Conseguiu fazer que saíssem de Alverca os Nord Atlas que lá estavam sem operar desde 1967 os quais vieram a cumprir missões de grande polivalência como lançamento de pára-quedistas, escola de navegação, escola de plurimotores e transporte de material de e para a Guiné e várias Bases europeias.

Com uma proposta para vir a receber a mais alta condeco-ração militar, a Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, grau Oficial, viu essa honra ser diferida para o ano seguinte pelo então Presidente do Conselho de Ministros, Prof. Marcelo Caetano, em razão de ter ocorrido nesse ano uma ac-ção de sabotagem no hangar dos helicópteros em Tancos. No 10 de Junho de 1971 foi-lhe entregue a Cruz de Guerra de 1ª Classe e, só em 1972, viu brilhar no seu peito a estrela de cinco pontas e os castelos da Torre e Espada. Sentiu-se mais

do que nunca um português e soube-lhe bem ver reconhecido o esforço e dedicação que sempre usou para com a Pátria.

Nessa altura assumiu o Comando da BA3 (Tancos) onde trabalhou muito para dar mais vida à parte operacional e melhorar as con-dições de trabalho e de conforto dos milita-res e das instalações, fazendo importantes benfeitorias utilizando verbas próprias da Unidade.

Neste período ocorreu uma pequena his-tória exemplar. Um homem é constituído por vários ossos, vários músculos, vários nervos e diversas outras peças; mas não é uma pessoa se não tiver, para além disso, uma alma que lhes dê vida e individualidade. Pois a história reza que ia realizar-se em Tancos um concurso público para preenchimento de vagas para os quadros de pessoal civil da Força Aérea, destinado a pessoas com a escolaridade obrigatória e menos de 35 anos. Havia na Base uma senhora que fazia limpezas, funcionária trabalhadora e eficien-te, que queria concorrer, mas era analfabeta

e tinha mais de 35 anos. O Cor. Amaral olhou para este caso com o coração e decidiu ultra-passar a burocracia: meteu a senhora nas Escolas Regimen-tais e, passado algum tempo, ela estava a fazer exame da 4ª Classe e a ser aprovada (com uma cunha ao examinador); no que toca à idade, o Cor. Amaral fez uma exposição ao Tribunal de Contas defendendo a “sua dama” invocando que ela já era funcionária da Base desde os 18 anos, justificação que foi aceite. Quando há coração e justiça, estes podem sobrepor-se aos regulamentos.

Outra história deste período está ligada aos aviões; a convi-te de uma grande empresa dos

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EUA deslocou-se a uma fábrica de “linktrai-ners” para dar a sua opinião sobre um pro-jecto de simulador de voo de helicóptero. Durante a experiência constatou que a pla-taforma onde se sentava, que representava a aeronave, estava fixa e o que mexia era o horizonte à sua frente. Quando emitiu o seu parecer fê-lo nos seguintes termos:

- Um “instrumento” muito importante para a pilotagem é o rabo, as nádegas que estão assentes na cadeira! Essa parte do corpo do piloto sente com objectividade os G’s positivos, negativos e transversais. Este vosso projecto não dá importância ao rabo e, portanto, não se aproxima um pouco da realidade. Por mim este projecto deve ser abandonado.

Os americanos deram-lhe razão, o projec-to foi descartado e agradeceram-lhe a opi-nião que lhes pouparia milhões de dólares caso o projecto não fosse abandonado na-quele estádio.

VEM AÍ UMA REVOLUÇÃO

Um dia recebeu uma carta do então Ma-jor Hugo dos Santos que o intrigou; havia ali algo de sigiloso. Convidou-o para almoçar e soube nessa altura dos preparativos do 25 de Abril. Foi mesmo convidado para as-sumir posição de relevo, já que era pessoa importante no controlo de meios da Força Aérea. Respondeu que compreendia a si-tuação, que considerava inevitável que algo fosse feito, mas não se sentia preparado para assumir responsabilidades numa área em que não estava familiarizado. Mais tar-de o Cor. Rafael Durão disse-lhe que o Gen. Spínola exigia a sua adesão ao Movimento para alterar a situação política, ao que ele disse que sim. Por isso se manteve sempre a par dos movimentos que desembocaram no Grândola Vila Morena através do Capi-tão Mira Godinho, seu elo de ligação com o MFA.

Na madrugada do 25 de Abril foi alertado eram 3 horas da manhã e, tendo-lhe sido pedidos para transportar os pára-quedistas para se opor ao Movimento, ele e o Coman-do dos Páras foram protelando o cumpri-mento da ordem que acabou por não ser cumprida. Pode pois dizer-se que colaborou activamente no início da revolução. Logo no sábado seguinte foram todos os Coman-dantes chamados à Cova da Moura. Aí che-gado encontrou o Cap. Costa Martins, que tinha sido seu aluno, que lhe disse:

- Olhe, meu Coronel, o nosso principal problema é travar os comunistas, senão eles põem-nos a pata em cima!!!

Quando o General Spínola, Presidente da República, visitou a Região Militar de Tomar, houve um almoço no RI 15 no qual o Cor. Amaral ficou sentado entre o Cor. Vasco Gon-çalves e o Cap. Costa Martins. Qualquer deles já tinha tido problemas psiquiátricos graves e a sua linguagem era estranha, mas muito se-melhante. Quando o Vasco Gonçalves foi no-meado 1º Ministro faltava-lhe um Ministro do trabalho e, tendo visto o Costa Martins num corredor, apontou-lhe o dedo e disse:

- Costa Martins, o Senhor é que vai ser o Ministro do Trabalho!

E assim aconteceu, sem esquecer que o Dr. Carlos Carvalhas foi nomeado Secretário de Estado do Trabalho! O homem certo no lugar certo!

Logo em seguida o Major Mariz Fernandes, à época Director da RTP, travou um programa asqueroso que denegria o Cardeal Cerejeira. O então Cap. Dinis de Almeida telefonou para a RTP dizendo que queria o programa no ar senão ia lá com duas chaimites e partia aqui-lo tudo. Quando o Cor. Amaral encontrou o Dinis de Almeida disse-lhe:

- Sabe, Sr. Capitão, é melhor não ir por esses caminhos; o programa é um nojo e também eu concordo que não deve ir para o ar. E se você tem chaimites, eu tenho helica-nhões; se é esta a vossa maneira de actuar,

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eu oponho-me e digo abertamente que vou reagir, que vou ser reaccionário.

Noutra ocasião em Sintra, estando pre-sente o Major Melo Antunes, foi decidido que os desertores poderiam regressar de imediato e que não sofreriam quaisquer dis-sabores. Em suma, aconteceram uma série de coisas que o puseram de pé atrás e lhe disseram que algo estava a correr mal. Mais tarde quiseram criar os Pólos, centros de poder que controlavam o poder institucio-nal, à guisa de sovietes. Um deles era o Pólo de Tancos. Ao saber disso reuniu todos os Oficiais e disse-lhes que enquanto ele fosse Comandante não haveria qualquer duplica-ção da cadeia de comando; ele é que era o Comandante. E pôs isto à votação tendo tido aprovação por unanimidade.

O dia 28 de Setembro apanhou-o em Es-panha onde tinha ido, com mais pilotos e mecânicos, buscar os novos aviões AVIO-CAR. Quando cá chegou soube que se ti-nham demitido alguns dos membros da Junta de Salvação Nacional (Gen. Spínola, Gen. Galvão de Melo, Gen Silvino Silvério Marques e Gen Neto) o que fez aumentar o seu descontentamento e desconfiança face ao andamento da situação.

E tão triste ficou com esta surpreenden-te deriva dos seus ideais democráticos que decidiu passar à situação de reserva, como haviam feito os membros da Junta. E assim aconteceu em Outubro de 1974. Deixava a Força Aérea e os aviões, seus amores de toda a vida; levou a consciência de um de-ver bem cumprido, ia-se embora porque a “namorada” passou a usar uma máscara que lhe era desconhecida. Voou cerca de 40 aeronaves diferentes, desde o bissónico F-104 até ao estacionário helicóptero.

UM CIVIL PRONTO PARA A ACÇÃO

De imediato pensou mudar-se para Coim-bra, centro de um triângulo em que tinha

interesses (Lisboa, Porto, Viseu) e, também, porque queria acabar o seu curso de Econo-mia. Comprou um andar e preparou-se para fazer a mudança.

Ao mesmo tempo podia assistir a movi-mentos de “pessoas normais” que preten-diam acabar com as loucuras do PREC e não aceitar as comissões e os planos de controlo psicológico impostos às popula-ções. No dia 8 de Março foi convidado para um jantar de despedida ao então Major Firmino Miguel que ia para Angola. Quan-do chegou ao local do jantar achou estra-nho que os convivas fossem só majores do Exército. Sentiu que havia algo no ar, mas chegou ao fim do jantar sem saber porque é que o tinham convidado.

Na manhã do dia 10 foi acordado por três Oficiais (2 da FAP e 1 da Armada) que lhe mostraram a lista da “matança da Páscoa”, na qual constava o seu nome. Foi então “in-timado” a fazer parte da liderança de uma acção para travar o descalabro político-so-cial que estava a acontecer. Informaram-no que essa acção seria chefiada pelo Gen. Spínola e perguntaram-lhe o que poderia fazer.

- Vou de imediato falar com o Comandan-te da Região Militar e de seguida vou a Lis-boa auscultar e influenciar os meus amigos da Força Aérea.

Quando se deitou no dia 10 estava longe de pensar na volta que a sua vida ia levar. Foi acordado à meia-noite ficando a saber que o General Spínola já estava em Tancos e pretendia a sua presença. Foi de imediato para casa do então Major Martins Rodrigues onde estavam também o Comandante Al-poim Calvão, o Cor. Rafael Durão e vários outros Oficiais que seriam importantes para o controlo de diversos meios militares como o Exército, os Pára-quedistas, a PSP, a GNR e os Comandos. Foi o Cor. Amaral, na si-tuação de Reserva, quem fez o plano de operações e, à partida, o RALIS era a única

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unidade considerada inimiga. Isto resolvido, o Cor. Amaral dirigiu-se à BA5 (Monte Real) onde estavam os F-86 que vieram a Lisboa “fazer barulho”, com ordem de só fazerem fogo em resposta a fogo inimigo. Também os T-6 de Tancos vieram a Lisboa com o ob-jectivo de apoiarem os Páras na sua acção contra o RALIS.

Mas, devido à falta de um Estado-Maior centralizado e às muito deficientes comu-nicações, o Comando e Controlo falharam desde cedo e “os cordelinhos” começaram a falhar. Tudo se desmoronou em poucas horas e acabou por ser o Cor. Amaral a de-cidir que era preciso reagir à adversidade e encontrar uma escapatória; a solução era ir para Espanha. E lá foram de helicóptero para Badajoz onde foram muito bem recebi-dos pelo Comando da Base Aérea.

O Cor. Amaral comunicou para Tancos que podiam ir buscar os helis e Espanha perguntou-lhes para onde queriam ir. O des-tino escolhido foi o Brasil e para lá foram a bordo de um Boeing 747 da Ibéria. Aterra-dos em S. Paulo verificaram que o assunto não tinha sido tratado convenientemente e tiveram que ir “passear” à Argentina en-quanto as burocracias relativas ao pedido de asilo político eram despachadas (se saís-sem do avião o Governo Espanhol deixaria de assumir as suas responsabilidades pe-rante o grupo). A única pessoa que saiu do avião durante este périplo foi o Cor. Amaral, porque tinha dupla nacionalidade devido ao seu casamento com uma cidadã brasileira.

UM ASILADO POLÍTICO

E lá estava no Brasil como asilado polí-tico. Na sequência disso, e do PREC que por cá continuava a grassar, foi expulso das Forças Armadas, juntamente com todos os seus companheiros de exílio. Pior do que esta pena só a condenação à morte e gos-ta de pensar que, sendo dos militares mais

condecorados em Portugal, é talvez dos Ofi-ciais da Forças Armadas mais punidos de sempre. Punições de que muito se orgulha, aliás!

Tendo passado pelo Rio de Janeiro, es-tabeleceu-se em Santos, cidade onde tinha considerável património pessoal. Conta o episódio engraçado de, certo dia, duran-te um almoço social, o terem convidado a cumprimentar o Cônsul de Portugal, simpá-tico português nascido em Goa, ao que ele respondeu:

- Muito obrigado, mas não estou interes-sado em cumprimentá-lo porque “ele agora representa o inimigo”.

Cerca de um ano depois esse mesmo Cônsul solicitou a sua presença no consu-lado e disse-lhe que já havia condições para voltar a Portugal quando quisesse. Impôs então duas condições: a certeza de que não seria preso à chegada, e nunca antes do en-tão Presidente da República Costa Gomes deixar de ocupar este cargo. Voltou no pri-meiro avião depois de ter tomado posse o novo Presidente Gen. Eanes.

UMA NOVA VIDA PELA FRENTE

Lembra-se com prazer da chegada a Lis-boa; abriu-se a porta do avião e lá fora havia ar português para respirar e caras conheci-das para abraçar. A Pátria, mesmo quando é injusta e nos trata mal, continua a ter o peso dos séculos de costumes e vivências, dos sabores das nossas avós e dos cheiros dos rosmaninhos pelo S. João. Foi neste rega-ço doce e maternal que se sentiu acolhido e outra vez confiante.

Apesar de ter, juntamente com todos os outros exilados, pedido um julgamento para ter uma oportunidade de justificar as suas acções, os meandros do poder não lho con-cederam. Também não aceitou uma hipo-tética amnistia, pois só é amnistiado quem comete um qualquer crime. Acabou por

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ser reintegrado nas Forças Armadas Por-tuguesas, com todas as honras de que era merecedor. Mais tarde foi nomeado vogal do Conselho das Antigas Ordens Militares, como representante da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, fun-ções que desempenhou durante oito anos.

A vida e o futuro estavam à sua frente e, terminou a licenciatura em Economia, em 1982, com alta classificação. Era seu pro-jecto permanecer em Coimbra depois do curso acabado. Mas reparou então que não se encontrava bem integrado na sociedade coimbrã; vivera muito bem no meio acadé-mico, mas nunca se misturara na socieda-de civil. Os colegas foram à sua vida para outras terras e ele sentiu que seria melhor voltar para Lisboa.

CONCLUSÃO

Ao longo desta vida activa o Coronel Piloto-Aviador Orlando José Gomes do

Amaral não se limitou a deixá-la passar, mas sempre a convidou para dançar com ele as partituras que ela impunha: e foram sinfonias heróicas, sonhos de uma noite de Verão, marchas de pompa e circuns-tância e também tentou dançar as mar-chas fúnebres. Isto tudo sem esquecer o fado e o fandango, o vira e o bailinho de roda bem portugueses, sendo estes últi-mos os compassos que ele mais amou e que vai continuar a amar.

Nunca se esqueceu de procurar a felici-dade junto da família e dos amigos e tem sempre um sorriso bem-disposto para abra-çar quem dele se abeira. Olá Amaral! Como está meu Coronel? Estás cada vez mais jo-vem, meu malandro! É um orgulho ser amigo deste homem grande, de enormes convic-ções, que nunca virou a cara à verdade e à justiça, que sempre usou a cabeça para deixar falar o coração.

Ten. Cor. (Ref) Luís Morais Pequeno

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DEDICATÓRIA

Eu não fui um Bravo AviadorMas fui um Bom AmanuensePor isso servi com muito AmorEsta Pátria que me pertence

Estive sempre pronto e ZeladorAquando eu era sempre chamadoPor isso obtive excelente LouvorPelo bom serviço assim prestado

Assim mantive sempre uma boa relaçãoE também bons laços de muita AmizadePor isso pertenço a esta AssociaçãoIsso honra-me e dá-me Dignidade

Eu servi no Conselho AdministrativoOnde conheci muito boa e nobre genteFicou bem vinculado esse objectivoQue ainda hoje recordo e estou contente

Pois tive eu isso como bom condãoIsso faz parte dos meus cadilhosHá muita Força Aérea no coraçãoTambém te serviram os meus filhos

Hó Pátria que tanto e bem me honrastesAssim como também te honrei eu a tiHó minha Pátria amada se o precisaresPodes crer que ainda hoje estou por aqui

Por isso para todos quanto bem me conhecemMais do que um abraço forte e xicoraçãoOs verdadeiros amigos nunca se esquecemViva a nossa Força Aérea honra desta Nação

Termino enviando saudações fortes e cordiaisPara todos, mesmo para todos em geralSerão assim os meus mais profundos ideaisE com todo o esplendor VIVA PORTUGAL

Domingos Segão Alves

OS NOSSOS POETAS

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REFORMADO

REFORMADO:Inquietude.Retrato da juventudeAlegria do passado…Futuro de quemCerto dia foi alguém,Que antecedeuOutro, (outrem)Nasceu Cresceu E viveuE que não Sendo ninguémPara nós?! Nunca morreu

REFORMADO: É simpatia, É reviver alegria É lutar pela esperança Ter força Ter confiança De poder sobreviver Num sorriso de criança Levando para o passado As rugas de reformado.

REFORMADO:É sonho É vida É passado!...É viver de longe Pertoaquilo que se enxergaÁrvore que cresce e não verganuma estepenum deserto…É tudo o que é passado!É no futuro, o mais certo!

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REFORMADO: É experiência é dureza é cansaço!... É sofrer vida vivida Abraçar num só abraço Janela aberta, em terraço, sobre o deserto da vida! REFORMADO:É herança; é história é memória é esperança:virtudes que Deus lhe deu.É esforço, labor, suor;É sonho, aventura, dor;É recordar fantasiano viver de cada diatanta amargura e amor…

REFORMADOÉ juventude!

REFORMADO: É alegria! É tudo aquilo que um dia alguém em sonho encontrou ao saber que conquistou no Mundo, tudo o que queria ao ver da noite ser dia!...

Coronel Adm. Aer.(r) Abílio Joaquim Patinho

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PRIMEIRA VIAGEM DA PONTE AÉREA A TIMOR

Após o 25 de Abril, foi decidido iniciar o transporte das nossas tropas para Timor por via aérea.

A utilização intensa dos B-707 da Força Aérea nos teatros de operações das Pro-víncias Ultramarinas de África (Guiné, An-gola e Moçambique), de cerca de 11 horas/dia/avião, foi reduzida, pelo que se tornou possível o aproveitamento destes meios de transporte aéreo estratégico para destinos mais longínquos.

O planeamento foi feito com muito rigor, havendo o cuidado de efectuar as escalas técnicas em Bases Militares da USAF, a fim de garantir o apoio em caso de avaria e o suporte em comunicações e alojamento se necessário.

Assim, a descolagem para a primeira via-gem foi planeada para o dia 05 de Janeiro de 1975, seguindo a rota pelo ocidente, via Andrews A.F.B.(Air Force Base) em Washin-gton, Travis A.F.B. em S. Francisco, Hickam A.F.B. em Honolulu, Guam A.F.B. e finalmen-te Baucau em Timor.

O regresso seria pela rota inversa.Dada a grande extensão do voo, optou-se

por, no percurso de ida, posicionar tripulações simples em duas escalas intermédias da rota.

Uma tripulação parava em Washington, e outra em Honolulu, aguardando o regresso da aeronave.

A tripulação reforçada (dois comandantes, um primeiro piloto, um navegador, um rádio telegrafista, dois mecânicos de bordo, qua-tro assistentes de cabine e pessoal de apoio de manutenção) que ia até Timor tinha uma área do avião, anexa à cabine de pilotagem, preparada para descanso durante o voo e pernoitava em Honolulu, por um período de 6 horas, após o que seguia para Guam (cer-ca de 07:30 horas de voo), de onde, após uma escala técnica de uma hora prosseguia para Baucau numa etapa aproximada de 04:00 horas de voo.

A informação aeronáutica de Baucau era muito escassa e, apesar de ter um rádio fa-

rol (NDB), não tinha aproximação por instru-mentos publicada.

Também não tinha combustível e lubrifi-cantes, nem equipamentos de apoio de terra.

Em Timor, foi fabricado um escadote de madeira para o desembarque e embarque dos passageiros.

O arranque dos motores seria autónomo, utilizando apenas as baterias do avião e as duas garrafas de ar de alta pressão com que o avião estava equipado.

As informações sobre o aeródromo de Baucau foram obtidas no departamento de engenharia da Direcção Geral da Aviação Civil (que foi responsável pela construção do Aeródromo), complementadas pelo Ca-pitão Rodrigues Pereira, comandante dos Transportes Aéreos de Timor.

Um pormenor com graça:A mensagem via telex do Comandan-

te Rodrigues Pereira, após as informações sobre a pista de Baucau, terminava com a seguinte palavra:

• CastanhasSeria algum código especial?Lembrámo-nos de um episódio da se-

gunda Guerra Mundial em que, na inva-são da Rússia, as forças alemãs tentaram por todos os meios, sem êxito, decifrar os códigos de comunicações das forças russas.

Finalmente veio-se a saber que as mensa-gens eram transmitidas em claro!

Assim lá seguiu uma saca com castanhas.Chegou finalmente o dia do início da mis-

são com o avião B707 com o número de matrícula 8802.

Os voos decorreram com normalidade, muito embora as condições meteorológicas de Honolulu para Guam se apresentassem de grande instabilidade, com nuvens de de-senvolvimento vertical.

O apoio nas Bases Americanas foi muito bom, e em Honolulu as tripulações ficaram alojadas na própria Base.

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Finalmente, após 30 horas e 20 minutos de voo, chegámos a Timor.

Dirigimo-nos inicialmente a Díli, onde fi-zemos uma passagem a 1500 pés sobre a cidade, mostrando a Cruz de Cristo que as nossas caravelas em tempos idos ostenta-vam nas suas velas.

Em seguida prosseguimos para Baucau onde aterrámos sem dificuldade na pista com 2500 metros de comprimento.

A aterragem foi feita pelo comandante mais antigo, comandante do avião, o sau-doso coronel António da Costa Faria.

Recebemos as Boas vindas do Coman-dante Rodrigues Pereira através do rádio do

seu avião dos Transportes Aéreos de Timor.O Controlador de Tráfego Aéreo, Sr. Eduar-

do Massa, mais tarde controlador de Tráfe-go Aéreo e supervisor da ANA E.P. e NAV e do Aeroporto de Macau, forneceu-nos as informações e a autorização de aterragem.

O desembarque foi feito com o escadote de madeira que se pode ver nas figuras da página seguinte.

Mais tarde, após o nosso alojamento da pousada de Baucau, o meu amigo Eduar-do Massa acompanhou-nos até à praia, onde tomamos um banho de sol repara-dor, já que não levávamos fato de banho para nadar.

Voo sobre o Oceano Pacífico Atóis coralinos com-

pletamente arborizados perto da Nova Guiné

Aeroporto de Baucau

Sobrevoo de Dili

O B707 8802 em Baucau junto ao avião Dove

dos Transportes Aéreos de Timor

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Houve um membro da tripulação que ain-da nadou em “slips” naquelas águas trans-parentes e maravilhosas.

No dia seguinte de manhã cedo, foi inicia-do o regresso.

O arranque dos motores sem equipa-mentos de apoio, o que nos dava uma certa preocupação, correu sem inciden-tes pelo que prosseguimos de novo para Guam e Honolulu onde a tripulação que lá estava estacionada tomou conta do avião e fez o percurso para São Francisco e Washington onde foi novamente substituí-da pela terceira tripulação que operou o avião até Lisboa.

Esta viagem provou o alto nível das tri-pulações dos Transportes Aéreos Militares, quer pilotos navegadores, mecânicos de voo, radiotelegrafistas e pessoal de apoio de manutenção e assistentes de cabine.

Quando chegámos a Lisboa no dia 9 de Janeiro, após 57 horas e 10 minutos de voo e com um descanso mínimo, senti um can-saço enorme, tendo ficado com a sensação que flutuava.

Estes voos foram repetidos seguindo ou-tras rotas mais curtas, sendo de realçar a rota de Lisboa- Karachi- Jacarta- Baucau, em que as limitações no regresso impostas

pela hora de descolagem em Karachi (só podia ser efectuada antes do por do sol) nos obrigavam a descolar de madrugada de Baucau.

O tempo de voo de Karachi para Lisboa (cerca de 12 horas de voo), limitava bastante a carga útil para permitir aumentar o peso em combustível.

Neste troço que era feito, logo que a tem-peratura do ar e o peso do avião o permitis-se, a 41000 pés de altitude, haviam vários pontos de decisão para prosseguir para um aeroporto alternativo no caso de os ventos serem adversos e o combustível ser insufi-ciente para chegar a Lisboa (nunca foram necessários).

É de realçar o eficiente apoio do navega-dor e do mecânico de bordo para a realiza-ção destes voos, muito perto dos limites do avião.

Num mês foi feita a viagem pelo ociden-te e depois pelo oriente, completando duas voltas ao mundo.

Descolamos, aterramos, não partimos, foi um sucesso!

Coronel PilAv (r) João Ivo da Silva

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O CANTINHO DO CARDOSÃO

TANGO NOCTURNO EM MUEDA

A presente crónica baseia-se nos voos de acção psicológica (psico) realizados em Moçambique, durante a Guerra do Ultramar, utilizando alguns dos aviões Douglas C-47 Dakota atribuídos à Esquadra 801 do Aeró-dromo Base N.º 8, situado na então Cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo.

Os leitores com muito boa memória lem-brar-se-ão que o Boletim da AFAP n.º 61/98 – Janeiro, Fevereiro, Março – inseriu um tex-to da minha autoria, no qual é referido um episódio ocorrido num voo de psico. Acon-tece que as diversas peripécias ocorridas nesses voos não se esgotam numa única crónica. Por isto, o mesmo tema volta à bai-la. E tornará a voltar, penso eu.

* * *Em 1970, o C-47 Dakota com a matrícu-

la da Força Aérea Portuguesa 6159 foi pre-parado para missões de acção psicológica (psico), recebendo equipamento apropria-do, do qual fazia parte um painel com três dezenas de pequenos altifalantes colocado no lugar habitualmente ocupado pela porta de carga. O equipamento funcionava com vulgares leitores de fita magnética, que da-vam voz aos altifalantes.

Mais tarde, o C-47 número 6158 recebeu também equipamento com a mesma finali-dade, dispondo de dois enormes e potentes altifalantes, tal como os utilizados nos C-47 da Força Aérea Rodesiana, que, em conjun-to connosco, executaram bastantes mis-sões de acção psicológica. As gravações dos textos difundidos eram da responsabili-dade do Exército.

Na execução destas missões, o avião era conduzido à velocidade mais baixa possível, com os motores regulados para debitarem não mais que a potência suficiente para o avião se manter a voar. A verdadeira ra-zão para reduzir ao máximo a potência dos

motores, era abafar o barulho. As missões típicas nesta modalidade de acção, prolon-gavam-se por três ou quatro horas a voar em círculos sobre os alvos determinados, a cerca de três mil pés acima do terreno.

Embora se tenham executado missões de psico a partir do Aeródromo de Base N.º 7, Tete, a grande actividade centrou-se no Pla-nalto dos Macondes, com base no Aeródro-mo de Manobra N.º 51, Mueda, conhecida por Terra da Guerra. A actividade diária dos C-47 Dakota nas missões de psico levou a que, fazendo jus ao humor lusitano, fos-sem alcunhados de BOCAS. Na realidade, o termo então muito em voga naquelas pa-ragens, era adequado à realidade: passáva-mos horas e mais horas a mandar bocas.

Quando um muito idoso e escavacado ve-nerado chefe gentílico da etnia Maconde – será aqui designado por LK - se entregou às autoridades portuguesas, ficou aos cuida-dos dos militares da Acção Psicológica que exuberaram com a posse de tão excelente trunfo propagandístico, assim ele anuísse discursar em dialecto indígena, aliciando as populações para se entregarem aos milita-res portugueses.

Ele anuiu. A primeira missão envolvendo-o directa-

mente foi planeada para ele ir a bordo do Bocas e dirigir uma mensagem directamen-te ao seu povo, falando do avião.

Já se deixa adivinhar que a missão acer-tou em mim!

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A missão iniciou-se em Porto Amélia. O velho LK estava muito degradado, pele-e--osso, com o esqueleto prestes a romper a pele encarquilhada, mal conseguia andar. Mete-lo dentro do avião utilizando a estreita escada portátil, foi uma trabalheira inenar-rável. Observei-o a alguma distância e não tive dúvidas que o digníssimo LK estava petrificado com a ideia de voar metido nas entranhas daquela ave de lata. Com mui-tos cuidados para não o estragarem mais do que já estava, lá se conseguiu sentá-lo num dos desconfortáveis bancos metálicos laterais. Hostilizou firmemente a colocação do cinto de segurança. Por mais que lhe explicassem, não entendeu a finalidade do cinturão. Como eu não estava em dia de contrariar ninguém e como me parecia que o digníssimo passageiro já tinha contrarie-dades que lhe chegavam e sobravam, deixei que fosse à solta.

Pusemos os motores a trabalhar e desco-lámos. Passado muito pouco tempo após a descolagem, o jovem oficial dos Serviços de Acção Psicológica do Exército destacado para acompanhar e cuidar do insigne pas-sageiro, poisou o queixo no meu ombro di-reito e, com mal contida aflição, pediu-me para aterrar sem demora, porque o nosso VIP estava com um fanico tão terrível que parecia estar a ir desta para melhor. Demos meia-volta e aterrámos. Após a aterragem confirmei que o homem estava num farrapo. Como um filme a rodar de trás para a frente, a cena da entrada no avião foi repetida na saída.

Posto isto, pensei que as missões com o LK eram assunto definitivamente arrumado na prateleira dos fracassos. Qual quê! Nem nada! Dois ou três dias depois estava a exe-cutar missões psico emitindo gravações de palestras do LK na pureza da língua in-

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dígena, sem acordo ortográfico, o que me causava algum desconforto por não fazer a mínima ideia se estaria a dizer bem ou mal de nós. Por ser da minha máquina que saía a tonitruante voz artificial de LK com os ser-mões dirigidos aos seus súbditos, os meus camaradas aviadores atribuíram-me o inve-jável e honroso título de Porta-voz do LK!!

A certa altura, os voos de psico passaram a serem executados de dia e de noite, a par-tir de Mueda. Não era um trabalho de Sol-a-Sol, mas sim de Sol-a-Lua!

Se os voos diurnos eram uma monotonia ensonada e bocejante, os voos nocturnos, devido à espessa escuridão que se apega-va a tudo que nos circundava, ao céu e à terra, ao ar e à floresta, eram supliciantes. Valia-nos a concentração nos instrumentos de voo para nos mantermos a voar e vivos. Também nos ajudavam a espevitar da pas-tosa sonolência os brilhantes (e inquietan-tes…) rastos vermelhos das balas tracejan-tes que corriam velozes à nossa volta. Não só nos espevitavam, como traziam à me-mória os deslumbrantes artefactos pirotéc-nicos dos arraiais saloios, santos populares e afins.

O impacto psicológico das missões noc-turnas nos ouvintes, foi-me descrito por um camarada oficial pára-quedista, que, com o seu grupo de combatentes, foi manda-do instalar-se na região do Muére, um sítio onde, antes de lá chegarem, não havia nada nem ninguém, para além de umas estúpidas árvores que, por serem esguias e esqueléti-cas, nem sombra faziam. Esta soberania ter-ritorial valeu-lhe o baptismo de Latifundiário do Muére. Quando passou uns dias na Ci-dade de Mueda, durante uma conversa que sustentámos com uísques made in Sacvém, disse-me a propósito do trabalho nocturno do Bocas, que, ouvir, sem mais nem menos, um vozeirão saído do denso negrume noc-turno onde não se vislumbrava coisa alguma para além dos astros que sinalizam a abó-

bada celeste, provocava um terror infantil de criança que come a sopa toda com medo do tenebroso papão, muito embora fosse sabi-do que a sua origem era o Bocas.

Com ou sem balas tracejantes, o cer-to é que a repetição supliciante dos voos nocturnos, noite após noite, aborrecia-me e acabrunhava-me. Estava a precisar de agitação. Comecei então a congeminar um buliçoso plano para subverter a pachorrenta calmaria dos fanáticos jogadores de cartas que, lá em baixo, nas messes e nos bares, agitavam freneticamente cartas de jogar com coloridos reis barbudos e esvaziavam copos de gim tónico, enquanto que nós, no Bocas, rompíamos a escuridão através do canavial vermelho das tracejantes.

Para a execução do plano, conjurei-me com o mecânico de bordo – um alentejano valente e bem disposto nascido no Alan-droal. Uma bela noite levámos para o voo uma cassete gravada com música. O equi-pamento da psico funcionava com cassetes vulgares.

Quando terminámos a missão de psico, dirigi o fiel Bocas, sorrateiramente, para a vertical de Mueda. O conjurado mecânico introduziu a cassete pirata no equipamento sonoro e, à vertical do Aeródromo/Aquarte-lamento de Mueda, pusemos os altifalantes a emitir, não a arenga intraduzível do LK, mas sim o famoso tango La Cumparsita (Por

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secretas razões pessoais, este tango faz parte do rol das minhas angústias de esti-mação).

Muito embora, por contingências de guer-ra, a iluminação dos arruamentos fosse pau-pérrima e tísica, era suficiente para, lá de cima, nos apercebermos que a quietude do sítio estava alterada, sendo evidente a mo-vimentação de gente nos arruamentos mal iluminados, normalmente desertos.

Confesso que nos divertimos e descon-traímos com a gracinha.

Depois de aterrados e estacionados, quando saímos do avião tivemos uma boa recepção de gente da casa, também eles exuberantes com o nosso musical. Enquanto arrumámos a tralha de apoio ao voo, foi-nos chegando a informação que no Aquartela-mento do Exército, a primeira ideia foi que a música estava a ser inopinadamente emitida pelos altifalantes espalhados pela Unidade. E soubemos que o nosso concerto musical provocou uma barafunda tremenda, com todas as patentes (altas, médias, baixas e assim-assim) a mandarem desligar imedia-tamente os altifalantes. E também soube-mos que foram vociferadas promessas de férias no Presídio Militar da Ilha de Xefina para o engraçadinho que animou o sítio com música de tão boa qualidade. Entretanto, a música foi sugada pela escuridão celestial e o pessoal apercebeu-se do que tinha acon-tecido e serenou. Constou-me que muitos militares acharam que foi uma boa acção digna de escuteiros, que contribuiu para trancar os fantasmas da guerra - e da cerve-ja - nos cofres das saudades. Pouco depois estava desmacarado o irreverente terrorista engraçadinho, que era o piloto-comandante do Bocas, o que demolia qualquer hipótese correctiva de efeito instantâneo.

Nós, os tripulantes do Bocas Cantante, discutimos falsas justificações para a canto-ria, como a necessidade de ensaiar o siste-ma de som. Achei isto tonto, ridículo e indig-

no. Assumi a responsabilidade, como não podia deixar de ser. Assim, divertidos e bem dispostos, fomo-nos deitar, cantarolando a La Cumparsita até adormecermos em paz.

Na manhã seguinte, quando estávamos a preparar o novo voo, o Comandante do Aeródromo apresentou-me a um coronel e a dois ou três tenentes-coronéis do Exército, habitantes temporários de Mueda, que se deslocaram ao Aeródromo para conhecer o responsável pelo alvoroço da noite anterior.

- Sim senhores, sou eu! Seguiu-se a cena habitual de continências

para lá e para cá, dos dispensáveis apertos de mão de conveniência, dos sorrisos auto-colantes pespegados nos lábios. Quiseram também dar uma vista-de-olhos ao equipa-mento de som.

- Sim senhores, aqui está ele. Depois de uns tantos é curioso e muito

interessante, os distintos visitantes partiram para o seu território, porque todos tínhamos muito para fazer, pois que, lá fora, na mata, a guerra continuava e a música era outra. Pela nossa parte tínhamos, na mata, os fiéis ouvintes do Bocas de ouvido à escuta.

Conservando o sorriso e a fineza de trato habitual entre pessoas educadas, o senhor coronel disse-me que «o concerto musical nocturno foi muito divertido e original, mas, no seu (no meu!) interesse, aconselho-o a não repetir a graça, para não se meter em sarilhos”.

Ouvi, agradeci, fiz as continências devidas e bati os tacões das botas, registei e cumpri.

Cumpri…mais-ou-menos! O Bocas voltou a tocar a La Cumparsita, longe de Mueda, em exclusivo para o amigo Latifundiário do Muéra!

Major Pil (r) Adelino Cardoso

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1. NO AEROPORTO DE LISBOA

Dada a origem francesa da minha avó pater-na, tínhamos família em França nomeadamen-te um tio francês que residia em Compienhe.

Normalmente, de dois em dois anos vinha passar as férias com os irmãos e assim, lá íamos esperá-lo ao Aeroporto de Lisboa.

Teria eu uns 5 anos de idade, portanto em 1949, e era uma delícia estar na recém-construída esplanada do terraço do Aero-porto a ver os aviões a descolar e a aterrar.

Nunca consegui desvendar um mistério:Por que razão os aviões após a des-

colagem diminuíam o seu tamanho, e depois começavam a crescer durante a aproximação e aterragem.

No meu imaginário via os passageiros a transformarem-se em liliputianos, e depois a crescerem rapidamente antes da aterragem.

Será que este processo poderia um dia fa-lhar e teríamos que levar o meu tio no bolso para não se perder?

2. NO PRIMEIRO VOO DO MEU CURSO EM AVEIRO

Como sabemos, o primeiro voo do curso elementar de pilotagem tem por finalidade uma adaptação ao voo, e uma verificação do comportamento dos alunos em termos de orientação espacial.

O meu instrutor, o Comandante Rendeiro actualmente reformado da SATA Regional, após umas voltas suaves e depois aperta-das, dirigiu o Chipmunk para a área de Ca-cia e perguntou-me se me sentia bem.

Embora fosse a primeira vez que voava, sentia-me maravilhosamente por ver que se iria realizar a minha grande aspiração:

- Ser PilotoQuando o meu instrutor me perguntou

onde ficava a Base de Aveiro, imediatamen-te apontei a direcção correcta, e disse:

- Fica no enfiamento daquele rebanho de ovelhas.

Ele ficou um pouco confuso, e por fim per-cebeu o que se estava a passar, dizendo:

- Onde estão as ovelhas? Não vê que aquilo são vacas?

Imediatamente recordei as minhas cogita-ções sobre os liliputianos quando esperava o meu tio no Aeroporto de Lisboa!

Afinal as coisas em terra também dimi-nuem de tamanho quando voamos!

Coronel PilAv (r) João Ivo da Silva

RETALHOS DA VIDA COM AVIÕES

Varanda do Aeroporto de Lisboa Avião Chipmunk

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DUAS LIÇÕES, PARA UMA SOCIEDADE DOENTE!

No dia 02 de Novembro de 2014, foi a cre-mar o Comandante do Corpo de Fuzileiros da Marinha Portuguesa, Guilherme Almor

Alpoim Calvão.

Portugal perdeu um filho que amava ar-dentemente a sua Pátria, a quem nunca he-sitou servir com respeito e abnegação, mes-mo que a sua vida corresse elevados riscos.

Nós, camaradas de armas e seus admi-radores, que ainda cá ficámos, perdemos a vivência de mais este insigne Herói, que pe-los seus abnegados actos de bravura, ainda em Vida, há muito se havia libertado da Lei da Morte.

Comandante Alpoim Calvão

Sabemos que nada é Ser Vivo, sem que cumpra as três fases:- Nascer, Viver e Morrer.

Por muito incongruente que tudo isto nos pareça, a Morte faz afinal, parte do ciclo da vida do Ser Vivo.

Foi dentro deste ciclo que o Comandante Alpoim Calvão, combatente pela defesa dos

Valores da Pátria e da moral, que asseguram uma sociedade livre, justa e de progresso, deixou este Mundo.

Dum modo natural, toda a pujança, va-lentia, determinação, humildade e outras virtudes e, porque não, alguns defeitos as-sociados à imperfeição do Homem, que marcavam o nobre carácter do Comandan-te Alpoim Calvão, se esfumaram num fumo negro, que a chaminé do crematório lançou ao Céu!

Foi ainda natural ver uma Companhia do Corpo de Fuzileiros a prestar as Honras Mili-tares que eram devidas ao corpo, ainda que inerte, do Comandante Alpoim Calvão.

Também foi natural ver ali camaradas de armas e admiradores a deixarem a este no-bre militar, um singelo Adeus.

Entre eles estava presente outra grande figura, que a nossa História militar nunca poderá esquecer, mais não seja pela ma-neira dedicada com que ele serviu Portugal. Entre eles estava o bravo militar do Exército português, Marcelino da Mata que, sabendo

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bem a linguagem digna dos Heróis, ali fora com um ramo de flores, dizer Adeus ao seu camarada de armas, Comandante Alpoím Calvão.

Fotografia actual do Cmte. Alpoim Calvão

Numa sociedade onde, após o 25 de Abril, as políticas da governação têm leva-do à descaracterização dos valores éticos e daquilo que era nobre e doce no povo por-tuguês, é extremamente sensibilizador ver este Homem simples, que nunca pediu nada para ele pelo elevado serviço que fez pelos outros, levar um ramo de flores ao Amigo, que partiu para sempre.

Dois Heróis, dois exemplos que funda-mentam duas lições, que esta sociedade doente e perdida não quer assimilar, para pôr em prática como e quando necessário.

Ten-General PilAv(R) José Armando Vizela Cardoso

Ten. Cor. Marcelino da Mata Ten. Cor. Marcelino da Mata com a filha no funeral do Comte.

Alpoim Calvão

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Faleceu no dia 7 de Outubro o nosso ca-marada associado Coronel TPAA António Henrique Trigo Perestrello da Silva (Alarcão).

Para além de Ilustre Oficial da Força Aérea foi um grande poeta, e acima de tudo um amigo cuja vida devotou à Causa do Ar.

Este nosso camarada, para além das suas actividades militares a que se entregou com alma e coração, dedicou as horas vagas a dar asas à veia poética para quem a sua musa foi magnânima, sendo de sua autoria os hinos da Força Aérea e da Academia da Força Aérea.

Deixou bastante obra escrita, nomeada-mente na Antologia de Poesia Aeronáuti-ca publicada pelo Estado Maior da Força Aérea.

A sua biografia pode ser consultada no site da AFAP.

Que Deus o guarde e lhe dê descanso nesta sua derradeira viagem.

Deixamos como recordação um dos seus últimos poemas, “O GAMA”, assinado pelo seu punho e dedicado ao Grupo dos Amigos do Museu do Ar.

O CORONEL ANTÓNIO PERESTRELLO

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TGen. António da Silva Cardoso1928-02-03 – 2014-06-11

TGen. Manuel Joaquim Ramos Lopes

1933-10-09 - 2014-07-17

Cor.Manuel BessaRodrigues de Azevedo

1938-06-21 – 2014-10-30

Cor. António Henrique Trigo Perestrelo da Silva

1936-12-13 – 2014-10-07

Maria Leonor Mora de Oliveira

1928-09-12 - 2014-07-23

AQUELES QUE PARTINDO PERMANECEM NA NOSSA MEMÓRIA

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ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESAAv. António Augusto de Aguiar, n.º 7 - 3.º Dt.º • 1050-010 LISBOA

A pobreza do presépio

Dos Céus à Terra desce a mor Beleza. Une-se à nossa carne e fá-la nobre: E sendo a humanidade antes pobre. Hoje subida à mor alteza

Busca o Senhor mais rico a mor pobreza Que ao mundo o seu amor descobre. De palhas vis o corpo tenro cobre E por elas o mesmo céu despreza.

Como? Deus em pobreza à terra desce? O que é mais pobre tanto lhe contenta. Que este somente rico lhe parece.

Pobreza este presépio representa: Mas tanto por ser pobre já merece. Que mais o é, mais lhe contenta

Camões in Poesias Coleccionadas