Novo Código Processo Penal
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FDVMESTRADO EM DIREITOS E GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS
SRGIO RICARDO DE SOUZA
COLISO ENTRE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANAINVESTIGADA E A LIBERDADE DE INFORMAOJORNALSTICA: PROPOSTA DE SOLUO LASTREADANO CRITRIO DA PONDERAO DE VALORES, ATRAVSDA APLICAO DO PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADE.
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SRGIO RICARDO DE SOUZA
COLISO ENTRE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANAINVESTIGADA E A LIBERDADE DE INFORMAOJORNALSTICA: PROPOSTA DE SOLUO LASTREADANO CRITRIO DA PONDERAO DE VALORES, ATRAVSDA APLICAO DO PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADE.
Dissertao apresentada Banca Examinadora daFDV, como exigncia parcial para obteno do titulode Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais,sob a orientao do Prof. Dr. Angel Rafael MarioCastellanos.
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SRGIO RICARDO DE SOUZA
COLISO ENTRE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANAINVESTIGADA E A LIBERDADE DE INFORMAOJORNALSTICA: PROPOSTA DE SOLUO LASTREADA
NO CRITRIO DA PONDERAO DE VALORES, ATRAVSDA APLICAO DO PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADE.
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________
Prof. Dr. Angel Rafael Mario Castellanos
Orientador
__________________________________Prof. Dr.
__________________________________Prof. Dr.
Vitria,___de ______________de 2004.
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"A liberdade de imprensa no um fim em si mesma,mas um meio para a obteno de uma sociedade
livre.
Felix Frankfurte, Ex-juiz da Suprema Corte dos EUA.
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A Lili e aos meus filhos Srgio Ricardo e MichelleCristina, na expectativa de poder compensar osmomentos de lazer, de dilogo e de presena,dedicados presente pesquisa, e com a esperanade que compreendam essa ausncia como anecessria decorrncia da busca peloaperfeioamento profissional e humano, com vistas acontribuir para a formao de um mundo melhordestinado s futuras geraes.
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AGRADECIMENTOS
Ao Professor-Doutor Angel Rafael MarinoCastellanos, pela rdua luta em prol da indicaode novos paradigmas para a pesquisa jurdica,alm dos estreitos horizontes do formalismopositivista.
Ao saudoso Professor-Doutor Renato Pacheco,por ensinar que sempre h tempo para sonhar epara realizar e que as realizaes intelectuais soeternas.
Especial manifestao de apreo aos ProfessoresDoutores Alosio Krohling, Carlos Henrique BezerraLeite, Daury Csar Fabris, Erly Euzbio dos Anjos,Geovany Cardoso Jeveaux e Jos Roberto dosSantos Bedaque, sempre prontos a espraiar asluzes dos seus vastos conhecimentos cientficos,sem descurar da simplicidade e docompanheirismo.
Diretoria, ao Corpo Docente e Coordenao
de Mestrado da FDV, pela dedicao e incentivo.
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RESUMO
Com o advento da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, querepresenta a sntese do pensamento e dos valores dominantes em diversossegmentos da sociedade brasileira que se faziam representar entre os constituintes,o ordenamento jurdico ptrio foi enriquecido pela incluso de diversos princpios, osquais, em certas situaes, entram em rota de coliso quando exercidossimultaneamente, como se verifica em relao ao tema ora desenvolvido, queaborda a prtica que vem se tornando comum nos meios policiais e de imprensa,consistente na divulgao do nome ou da imagem da pessoa humana apontadacomo suspeita da autoria de uma infrao penal, seja durante ou mesmo antes dainstaurao do respectivo inqurito policial, sob a alegao de que esta prtica
encontra-se amparada pela Liberdade de Informao Jornalstica. Entretanto, essadivulgao pode se mostrar afrontosa dignidade da pessoa humana doinvestigado, medida que no esteja presente o relevante interesse pblico nadivulgao desses dados componentes da personalidade do investigado,instaurando-se uma verdadeira coliso entre valores protegidos por princpiosinseridos na Constituio de 1988, que encontra soluo na utilizao no critrio daPonderao de Valores, atravs do Princpio da Proporcionalidade, nos moldesdesenvolvidos pela jurisprudncia do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha eteorizada naquele pas principalmente por Karl Larenz, Roberty Alexy e no EstadosUnidos da Amrica por Ronald Dworkin. Concluindo-se que, presente o interessepblico na divulgao, prevalecer a Liberdade de Informao Jornalstica, mas,
caso ausente esse interesse, dever prevalecer a proteo Dignidade Humana daPessoa Investigada, propiciando-se a divulgao do fato, sem referncia aos dadosqualificativos do suspeito, na forma preconizada no art. 143 da Lei n 8.069 de 1990,com vistas a garantir o ncleo essencial do princpio afastado e a evitar o seusacrifcio total.
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ABSTRACT
With the arrival of the Brazil Federative Republic Constitution of 1988, that representsthe knowing synthesis and the dominant values in several brazilian society segmentsthat were representative to the representatives, the patriotic juridical ordering wasriched by the inclusion of several principles that in some situations enter in collisionroute, when they are practiced in the same time, as can be verified in connection withthe developed theme that focuses the practice in which is becoming more and moreusual nowadays by both members of the Police force and the press. It refers toexposing the name and/or the image of Citizens, still during the process ofaccomplishment of the formalities in law, or even before the establishment of a policeinquiry, under the allegation that this practice is dully supported and granted by the
freedom rights of the Press and the journalistic information. Nevertheless, thisexposure can be offensive to the accused person' dignity, because in same cases,there is no proof of relevant public interest in the disclosing and exposition of thoseinformation that deals with the defendant personality. This matter carries a realcollision with what is worth (people's values, protected by constitutional principlesinserted on the 1988 Brazilian Constitution (The Citizen Constitution), that founds thesolutions to give guarantee to people rights with the utilization of values ponderation,through Weighing of Values, based on the Principle of Proportionality, developed andsupported by the German Constitutional Court precedents and theorized in thatcountry, mainly by Karl Larenz and Roberty Alexy and in the United States ofAmerica by Ronald Dworkin, therefore allowing to the conclusion that, when there is
evidence of public interest in the propagation, then Liberty for JournalisticInformation must prevail. On the other hand, when this interest is not properly shown,protection to Human Being Under Investigation's Dignity will prevail, and thetreatment which ought to be given is to allow the divulgation of the fact, without anyreference to any characteristics or personal data of the indict, or suspected, asprovided and determined by Law number 8.069, from 1990.
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SUMRIO
INTRODUO.............................................................................................................................. 111 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA................................................................................... 181.1. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA VISO FILOSFICA OCIDENTAL .......... 181.2. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA GRCIA ANTIGA ..................................... 221.3. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA FILOSOFIA CRIST ................................ 271.4. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA VISO FILOSFICA MODERNA ............ 32
1.4.1. A Dignidade da Pessoa Humana no Pensamento Kantiano......................... 331.5. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NAS DECLARAES INTERNACIONAIS
DOS DIREITOS HUMANOS .......................................................................................... 371.5.1. A Contribuio da Magna Charta Libertatum para a Institucionalizao
dos Direitos Humanos........................................................................................ 391.5.2. A Contribuio do Bill Rigths para os Direitos Humanos............................. 411.5.3. A Contribuio das Declaraes de Direitos Norte-Americanas para o
Reconhecimento da Dignidade da Pessoa Humana...................................... 431.5.4. A Contribuio da Declarao Francesa para o Reconhecimento da
Dignidade da Pessoa Humana.......................................................................... 461.5.5. A Contribuio da Declarao Universal dos Direitos Humanos para o
Reconhecimento da Dignidade da Pessoa Humana...................................... 481.6. A CONSTITUCIONALIZAO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO
DIREITO COMPARADO ................................................................................................ 511.7. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA
CONSTITUIO FEDERAL DE 1998 ........................................................................... 561.8. DIREITO A PROTEO AO NOME, A IMAGEM E A HONRA, COMO REFLEXOS
DA PERSONALIDADE DA PESSOA HUMANA ............................................................ 591.8.1. O Nome do Elemento da Personalidade.......................................................... 61
1.8.2. O Direito Imagem como Elemento da Personalidade................................. 631.8.3. O Direito Honra como Elemento da Personalidade..................................... 69
2 ORIGEM DA INVESTIGAO CRIMINAL E A SITUAO JURDICA DO SUSPEITOOU INVESTIGADO................................................................................................................ 742.1. A INVESTIGAO CRIMINAL NA GRCIA E EM ROMA ........................................... 79
2.1.1. Do Sistema Inquisitrio Romano ao Medieval................................................ 822.2. O SISTEMA INQUISITRIO E AS INVESTIGAES EM PORTUGAL E NO
BRASIL COLNIA ......................................................................................................... 842.2.1. A Investigao Criminal no Sistema Processual Penal do Imprio
Brasileiro.............................................................................................................. 882.3. A ORGANIZAO DA POLCIA BRASILEIRA ............................................................. 922.4. A ORIGEM LEGISLATIVA DO INQURITO POLICIAL NO BRASIL ........................... 93
2.4.1. Definio e Finalidade do Inqurito Policial.................................................... 942.4.2. Atuao da Autoridade Policial........................................................................ 962.4.3. Indiciamento no Inqurito Policial.................................................................... 972.4.4. O Sigilo e suas Dimenses............................................................................. 102
3 O PAPEL DA LIBERDADE DA IMPRESSA....................................................................... 1063.1. CONTEXTUALIZAO DO SURGIMENTO DO ESTADO SOCIAL E DA
EVOLUO DOS MEIOS DE COMUNICAO ......................................................... 1083.2. A ORIGEM DA LIBERDADE DE COMUNICAO E EXPRESSO.......................... 1103.3. O DESENVOLVIMENTO DOS MEIOS DE COMUNICAO E A LIBERDADE
DE INFORMAO JORNALSTICA NO BRASIL ....................................................... 1123.4. AS DIMENSES DA LIBERDADE DE INFORMAO JORNALSTICA ................... 1173.5. O EXERCCIO DA LIBERDADE DE INFORMAO JORNALSTICA E A
RELAO COM O PODER JUDICIRIO ................................................................... 1193.5.1. Prticas da Mdia que Afrontam a Dignidade da Pessoa Humana............. 125
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4 A COLISO ENTRE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA INVESTIGADA E ALIBERDADE DE INFORMAO JORNALSTICA............................................................ 128
4.1. FISIONOMIA DA COLISO ......................................................................................... 1284.2. SITUAO COLIDENTE E SUA CLASSIFICAO ................................................... 1304.3. PRICPIOS, NORMAS E REGRAS ............................................................................. 132
4.4. CONSEQNCIAS DOS CONFLITOS ENTRE REGRAS E DAS COLISESENTRE OS PRINCPIOS ............................................................................................. 137
5 A PONDERAO COMO SULUO PARA DIRIMIR A COLISO APONTADA........... 1425.1. A ORIGEM DA TEORIA DA PROPORCIONALIDADE ............................................... 149
5.1.1. O Princpio da Personalidade e a sua Positivao no OrdenamentoConstitucional Brasileiro................................................................................. 150
5.2. O PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO INSTRUMENTO DESOLUO ENTRE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LIBERDADE .......... 154
5.3. A INTERVENO DO PODER JUDICIRIO PARA A SOLUO DA COLISO ..... 1615.3.1. Tutela Jurisdicional no se Confunde com Censura Prvia....................... 165
CONCLUSO............................................................................................................................. 175RECOMENDAES................................................................................................................... 178
REFERNCIAS ........................................................................................................................... 179
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INTRODUO
A escolha do tema tratado na presente pesquisa deve-se situao de perplexidade
do autor, diante das constantes matrias divulgadas pela mdia, relativas a fatos que
envolvem as mais diversas pessoas, na condio de suspeitas ou indiciadas,
expondo de forma clamorosa o nome, a imagem e a pela prpria honra, terminando
por, no raro, afrontar os direitos humanos vinculados personalidade do
investigado.
O sensacionalismo utilizado por grandes programas jornalsticos de alcance
nacional, como servem de exemplo o Cidade Alerta, da Rede Record, o Reprter
Cidado, da Rede TV, o Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, dentre outros,
mostram a violncia como um espetculo cotidiano que pode gerar entretenimento e
audincia, no hesitando em dar uma nfase espetacular a fatos relativos a furtos,
roubos, homicdios, trfico de substncias entorpecentes e outros, preferencialmente
com uma abordagem direta do suspeito no momento da priso, submetendo-o a um
interrogatrio prvio e transmitido, via satlite, para milhes de pessoas, com ousem o seu consentimento.
Em face da proliferao desse modelo de programa jornalstico, ganha relevncia a
necessidade de discusso do tema da Dignidade Humana da Pessoa Investigada
entendida esta como a pessoa que se apresenta como suspeita ou mesmo
indiciada, haja vista que o nosso Cdigo de Processo Penal se vale dessas formas
para designar, indistintamente, essas duas espcies do gnero investigado - dianteda Liberdade de Informao Jornalstica, com vistas a se alcanar o objetivo de
manter em alerta a Comunidade Jurdica contra esse descalabro, propiciando a
constante aluso ao tema e o seu aperfeioamento.
A designao Liberdade de Informao Jornalstica merecer a preferncia para
designar essa espcie derivada do direito de liberdade, com vistas a propiciar um
alcance mais abrangente do que liberdade de imprensa e de menor latitude do que otermo mdia, para evitar possveis crticas ou mesmo confuses terminolgicas
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reducionistas, propiciando, tambm, submeter ao crivo do debate a programao da
televiso, alm da forma tradicional de imprensa, que vem a ser a divulgao de
notcias por meio de jornais, revistas e similares, procurando-se, com esse mtodo
de anlise da liberdade de informao em sentido lato, enfatizar as matrias que,
sob o manto da cobertura jornalstica, utilizam-se de marketing sensacionalista para
alcanar um maior ndice de audincia ou de vendas.
Releva observar que esse tipo de exposio feita pelos meios de informao
jornalstica, no raro se faz acompanhar de um juzo de valor acerca do fato
praticado, transmitindo aos leitores e telespectadores, uma opinio j formada
acerca da culpa ou da inocncia do investigado, isso j no limiar das investigaes,onde muitas vezes a pessoa no ultrapassa a mera condio de suspeita, o que
propicia a formao de juzos equivocados acerca do apressado "julgamento", com
considerveis prejuzos para os direitos humanos da pessoa investigada, sujeita a
sofrer uma injusta acusao, principalmente quando esta no se confirma ao final da
apurao preliminar, ou mesmo durante a persecuo judicial.
Alguns casos se apresentam como paradigmticos como o famoso caso queenvolveu a massiva divulgao de que os proprietrios da Escola de Base, em So
Paulo, estariam promovendo abusos sexuais contra as crianas que estudavam
naquele estabelecimento, sendo que, com o aprofundamento das investigaes,
concluiu-se pelo total equvoco daquela suspeita inicial, o que levou ao
arquivamento os autos do inqurito policial, a requerimento do Ministrio Pblico e
com o aval do Poder Judicirio, mas no apagou a ndoa moral imposta honra
daquelas pessoas humanas apontadas como culpadas pelos meios de informaojornalstica.
Situao, tambm, difundida em nvel nacional, foi a suposta utilizao de areia
retirada da praia, na construo dos edifcios que ruram, na Barra da Tijuca, Rio de
Janeiro, no denominado caso Naya, informao esta que aps ganhar destaque
especial, na fase inicial das investigaes, quando ainda se buscava apurar a
existncia de possvel delito criminal e sua respectiva autoria, ou seja, na fase
inquisitorial ou de investigao extrajudicial, terminou por no se confirmar ao final
das investigaes e na fase judicial ou processual, pelo menos no que diz respeito
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responsabilidade criminal do ento Deputado Federal e proprietrio da construtora
responsvel pela obra.
Situaes tais, por atentarem diretamente contra os direitos humanos do investigado
e constiturem uma real e constante ameaa a todos, pois qualquer indivduo est
sujeito a ser confundido com o autor de uma suposta ao criminosa, esto a
merecer um estudo mais aprofundado, em nvel acadmico, visando apresentar
sugestes e solues que auxiliem a por cobro a esse estado de coisas, que
culmina em desrespeito dignidade da pessoa humana, a qual se constitui em
fundamento da Repblica Brasileira (CF, art. 1, III) e, antes disso, foi erigida a um
dos valores essenciais da prpria existncia do Estado Brasileiro, no prembulo daConstituio Federal de 1988, j que no possvel se alcanar um Estado
Democrtico, cuja destinao assegurar o exerccio dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e
a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, sem que haja efetivo respeito dignidade da pessoa humana.
Nesta pesquisa, direciona-se o foco para a questo especfica do investigado nafase pr-processual, no Sistema Processual Penal Brasileiro, ou seja, delimita-se o
enfoque para aquela pessoa em relao a quem se tem a suspeita ou mesmo
indcios de ser o autor de uma possvel conduta delituosa, mas que ainda no foi
denunciado pelo Ministrio Pblico ou acionado pelo Querelante - e que tratada
indistintamente pelo Cdigo vigente como indiciado, no obstante se trate de
situao em que o inqurito sequer tenha sido ainda instaurado - e, mesmo assim,
tem a sua imagem e o seu nome divulgados pela mdia, tornando pblica aquelasuspeita ento existente contra ele, sem observar a garantia constitucional nsita no
princpio da no culpabilidade, previsto no artigo 5, inciso LVII da Constituio
Federal.
Os meios responsveis por tais divulgaes, mesmo quando reconhecem a
ocorrncia de certos excessos, buscam amparo na Liberdade de Informao
Jornalstica, para justificar a divulgao dos fatos que entendem ser delituosos, bem
como da imagem ou de dados caractersticos daquela pessoa indicada como
suspeita que s possivelmente se tornar indiciada - no aceitando a limitao de
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suas atividades, sob a argumentao de que esto agindo em benefcio da
Sociedade, contribuindo na investigao e na indicao do culpado.
Prope-se esta pesquisa a demonstrar que em vrias situaes, havendo o integral
exerccio da Liberdade de Informao Jornalstica, prejudicada restar a Dignidade
Humana da Pessoa Investigada, ao passo em que tambm o ilimitado exerccio da
proteo aos direitos inerentes personalidade do investigado, poder, em
determinados casos, importar na limitao abusiva daquela liberdade, necessria se
fazendo a interveno Jurisdicional, com o intuito de estabelecer, com base no
Critrio da Ponderao, atravs da Proporcionalidade, qual o valor que deve ser
preservado no caso concreto, que configura a denominada coliso de valores.
Assim, a pesquisa direciona-se a verificar a possibilidade dogmatica de se alcanar
a justa soluo para a coliso entre a Dignidade da Pessoa Humana Investigada e a
Liberdade de Informao Jornalstica, nos casos relativos a investigao pr-
processual de fatos de natureza criminal, atravs da utilizao do critrio da
Ponderao, valendo-se do Prncipio da Proporcionalidade, com vistas a no se
permitir o uso abusivo de um dos valores reconhecidos Constitucionalmente etampouco o cerceamento desnecessrio dos mesmos.
Em um enfoque subsidirio, pretende-se tambm apresentar soluo para a
tormentosa crtica feita por parte dos profissionais da imprensa, os quais acusam o
Poder Judicirio de estar afrontando a Liberdade de Informao Jornalstica e
impondo uma injustificvel censura, quando, a pedido da parte interessada, concede
tutela proibitiva da divulgao de fatos, imagens ou dados que possam nodoar osdireitos de personalidade da pessoa humana investigada, o que se apresenta como
um sub-problema dentro do debate principal, a coliso entre o valor decorrente da
Dignidade da Pessoa Humana e aquele valor vinculado Liberdade, dos quais
derivam a Dignidade Humana da Pessoa Investigada que tem a proteo de sua
personalidade afetada no aspecto honra e a Liberdade de Informao Jornalstica.
Diversos autores brasileiros e estrangeiros j trataram do tema envolvendo a
Liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade, mas esses pesquisadores
no fizeram a abordagem com o foco especfico na pessoa investigada na fase pr-
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processual, ou seja, a fase delimitada entre a ocorrncia do fato delituoso e o
trmino das investigaes preliminares, ocorridas fora do mbito judicial, com o
objetivo de apurar a autoria e reunir elementos que permitam demonstrar a
ocorrncia ftica e material do evento, para o posterior ajuizamento da ao penal
respectiva, estando esta pesquisa dirigida exatamente a essa questo to relevante,
mormente porque nela que mais se afiguram os abusos dos chamados programas
jornalsticos e reportagens sensacionalistas, que sobrevivem atravs do desrespeito
dignidade dos seres humanos que se encontram sob suspeita da prtica de
infraes penais.
Apresenta-se, assim, um problema relevante que consiste em analisar anecessidade de proteo Dignidade Pessoa Humana Investigada, quando esta se
v diante da possibilidade de ter o seu nome ou a sua imagem divulgados pelos
meios de comunicao de massa e, no mesmo contexto, proteger-se tambm a
Liberdade de Informao Jornalstica, vista como um reflexo do valor Liberdade e
que no deve, a princpio, sofrer cerceamento desnecessrio.
A proposta de soluo desse problema passa pela utilizao do critrio deponderao de valores, vinculado ao princpio da proporcionalidade, na forma
desenvolvida por tericos como Robert Alexy1 e Ronald Dworkin2, dentre outros,
utilizando-se inclusive a experincia da Jurisprudncia alem e tambm da
brasileira, como forma de alcanar uma soluo razovel para a identificao, no
caso concreto, de qual dos valores deve ser preservado, diante desse fenmeno que
os doutrinadores j citados identificam como sendo uma coliso de princpios.
A metodologia utilizada baseou-se em estudos dogmticos presentes no direito
comparado e tcnica de revises documentais e especificamente em jornais,
revistas e textos publicados na Internet, bem como a bibliogrfica, que permitiu uma
ampla viso doutrinria sob o tema, bem como a anlise das propostas de soluo
para a coliso de princpios constitucionais apresentadas pela doutrina brasileira e
pela estrangeira j referenciada, com nfase ainda para a obra de Jos Joaquim
1 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de EstudiosConstitucionales, 1997.2 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Srio.Traduo Nelson Boeira. So Paulo: MartinsFontes, 2002.
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Gomes Canotilho3.
A abordagem dar-se- em cinco captulos, sendo que no primeiro captulo faz-se
uma incurso pelo princpio da dignidade da pessoa humana e o seu alcance como
princpio-base do regime democrtico brasileiro e, embora sem a inteno de
esgotar o assunto - que se mostra complexo e cada vez mais empolgante medida
em que se aprofunda a pesquisa - procura-se demonstrar que os direitos da
personalidade do investigado no sistema processual penal brasileiro, em particular o
seu nome, a sua imagem e a sua honra, recebem proteo constitucional e so
reflexos diretos da sua prpria dignidade enquanto pessoa humana.
O segundo captulo encontra-se reservado demonstrao da origem histrica da
investigao criminal e de sua evoluo, permitindo essa perspectiva histrica uma
melhor compreenso acerca dos fatores que influenciaram no modelo atual de
investigao brasileira o inqurito policial - cuja implementao ocorreu no final do
sculo XIX, atravs da Lei 2.033, de 1871 e dali migrou para o atual Cdigo de
Processo Penal, sem grandes mudanas conceituais.
O terceiro captulo se destina a demonstrar a origem da Imprensa e a evoluo dos
meios de comunicao, alm do reconhecimento das liberdades que hoje so
vinculadas a ela, bem como o relevante papel que os meios de comunicao
desempenham no regime democrtico, exercendo uma atuao que tem levado
alguns setores a considerar a Mdia em um sentido geral, como um verdadeiro
Poder, o qu, embora sem uma sustentao na Teoria do Estado, termina por
influenciar diretamente na formao da opinio pblica e tambm na atuao dosPoderes estatais propriamente ditos e decorrentes da tripartio das funes
proposta por Montesquieu.4
No quarto captulo avalia-se o entrechoque do princpio da Dignidade da Pessoa
Humana, no que concerne especificamente a pessoa humana investigada na fase
pr-processual vigente no Brasil e a Liberdade de Informao Jornalstica, quando
3CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituio.5. ed.Coimbra: Livraria Almedina, 1997.4MONTESQUIEU. O Esprito das Leis.2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1996.
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esta exercida no sentido de divulgar o nome ou a imagem daquele, atravs de
jornais escritos, de revistas e de programas transmitidos pela televiso.
No quinto captulo apresentada a ponderao de valores como meio de
equacionar a referida coliso, por meio da proporcionalidade, como preconizado
pelos juristas estrangeiros j referenciadosilho ambm pelos brasileirros Daniel
sarmento5, Gilmar Ferreira Mendes6, Luis Roberto Barroso7, Paulo Bonavides8, Willis
Santiago Guerra Filho9, dentre outros que se aprofundaram no estudo do tema e
constam das citaes da das referncias.
A parte final destina-se s concluses desta pesquisa, com o precpuo objetivo deagregar ao espinhoso estudo da matria, mais esta pesquisa acadmica, ampliando
e incentivando o debate desse rido tema, que por versar sobre valores da maior
importncia para o desenvolvimento do ser humano, seja enquanto indivduo, seja
enquanto membro de uma coletividade, dentro deste Pas, que amarga lembranas
de um passado recente tenebroso no que concerne aos direitos humanos de seu
povo.
Encontra-se consignado nas concluses que o critrio da Ponderao, atravs da
Proporcionalidade eficaz na tarefa de solucionar a coliso entre a Dignidade da
Pessoa Humana Investigada e a Liberdade de Informao Jornalstica, podendo
dele valer-se o Poder judicirio, ao enfrentar tais situaes, desde que o faa sem
olvidar de que a restrio dever ser aplicada nos estritos limites em que se fizer
necessria, sendo acompanhada sempre de fundamentos de fato e de direito que
lhe dem sustentao.
5 SARMENTO, Daniel. A Ponderao de Interesses na Constituio Federal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2003.6MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade.SoPaulo: Celso Bastos Editor, 1998.7BARROSO, Lus Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas.Limites e
Possibilidades da Constituio Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.8BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.12. ed. So Paulo: Malheiros, 2002.9GUERRA FILHO, Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 3. ed. So Paulo: CelsoBastos Editor, 2003.
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1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
1.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA VISOFILOSFICA OCIDENTAL
rdua se apresenta a tarefa de apresentar uma definio ou conceito do que venha
a ser dignidade da pessoa humana, mas desde j possvel perceber que essa
definio no ser til se no deixar clara a convergncia existente entre a noo de
dignidade, de vida e de humanidade, onde a vida do (ser) humano s obtmverdadeiro sentido se desfrutada com dignidade, j que o homem no somente um
ser dotado de liberdade em seus diversos aspectos, mas tambm e principalmente
uma pessoa dotada de individualidade e de necessidade de respeito aos valores
alusivos a prpria condio.
Apesar dessa sua caracterstica essencial, de ser dotado de valores individuais
nsitos sua natureza humana, o homem um ser gregrio e no prescinde daconvivncia em grupo, conforme se apura ao longo da existncia da raa humana,
razo pela qual, nessa convivncia com os seus semelhantes, para alcanar a sua
auto-realizao, o homem precisa ter respeitados aqueles valores nsitos sua
dignidade, sob pena de ver usurpada essa sua condio essencial de existncia
com dignidade e passar a viver como um ser de somenos importncia perante si
prprio e a seus semelhantes, pois quando um ser humano no pode desenvolver-
se singularmente enquanto indivduo vem a ser violentado em relao ao ncleoessencial de sua humanidade e personalidade.
Dentro dessa percepo, onde o ser humano apresentado como detentor de
individualidade, mas tambm como membro necessrio de uma comunidade de
outros seres detentores de igual individualidade, possvel apresentar como
definio de dignidade da pessoa humana, uma idia, passvel de crticas e de
aperfeioamento, onde o termo significaria o respeito a um conjunto de valores que
propiciem a cada ser humano conviver em sociedade usufruindo dos direitos
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inerentes a sua personalidade, at o limite em que o exerccio desses direitos
venham a colocar em risco a possibilidade dessa convivncia harmnica.
Apresentada, ento, como definio de dignidade da pessoa humana essa sua
condio de ver considerado um conjunto de valores que propiciem o respeito a sua
personalidade e individualidade, at o limite em que o exerccio dos direitos
vinculados a esses valores no coloquem em risco a convivncia harmnica com os
seus semelhantes, tm-se que reconhecer que a dignidade da pessoa humana
representa um conjunto de valores inerentes a todos os membros da raa humana e
que essa a dimenso em que deve ser concebida, para viabilizar uma proteo
que abranja a relao indivduo-indivduo e tambm Estado-Indivduo.
Diante dessa concepo, a prpria dignidade da pessoa humana se coloca como um
valor superior, servindo mesmo para justificar o reconhecimento de diversos outros
valores e garantias que juntos formaro a armadura dos direitos humanos
destinados proteo individual e coletiva e previstos de forma especializada, como
forma de proteo dignidade em seus diversos aspectos, como a vida, a liberdade
e a honra.
Essa concepo, entretanto, nem sempre esteve presente na Sociedade, eis que se
apresenta como produto de uma lenta e gradual evoluo experimentada em
diferentes momentos histricos, pelos diversos agrupamentos humanos - divididos
sociolgica e geograficamente - tendo por premissa as particularidades culturais de
cada povo, embora com uma evidente preferncia pela designao de Sociedade
Ocidental, Sociedade Oriental, Sociedade Africana, dentre outras, utilizadas para
separar aquilo que em verdade se constitui em uma s e grande sociedade, a raahumana.
Nesta abordagem, estar-se- utilizando a evoluo histrica e filosfica apresentada
pela chamada cultura ou sociedade ocidental, no s pela especial particularidade
de o Brasil ter sido influenciado em sua formao jurdica e cultural,
predominantemente pelas idias encontradas na civilizao ocidental, como tambm
pela maior facilidade para se identificar os traos iniciais da idia de dignidade da
pessoa humana hoje predominante neste pas, j na antiguidade grega e romana,
que despontam como beros da cultura ocidental e que, enriquecidas pelos ideais
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do Cristianismo e do Judasmo, terminaram por influenciar praticamente toda a
Europa e os povos conquistados e colonizados por pases do velho continente,
como ocorreu na relao de Portugal com o Brasil.10
Nem por isso est se negando a importncia das chamadas demais culturas, com
relevncia para a oriental, na formao da idia universal de Dignidade da Pessoa
Humana, at porque reconhecida historicamente a inter-relao entre os povos
ocidentais e os do oriente. Apenas evidencia-se que, na formao jurdica brasileira,
houve predominncia da influncia direta do conquistador europeu e, como isso se
repete em relao cultura e religio, o tema da Dignidade da Pessoa Humana
no pode fugir aos influxos da anlise sob a gide da cultura ocidental e da evoluoexperimentada a partir da antiguidade greco-romana e dos movimentos filosficos
experimentados por esses povos.
Em que pese chamada dignidade da pessoa humana poder ser identificada j nos
primrdios da civilizao, tendo experimentado evolues e retrocessos compatveis
com os vrios estgios do desenvolvimento histrico, filosfico e sociolgico dos
povos, evidencia-se que a preocupao com a normatizao e com a popularizaoda idia de Direitos Humanos aflorou com o estabelecimento da ordem burguesa,
associada idia de liberdade e igualdade, retirados da filosofia humanista e do
racionalismo, que inspiraram os movimentos iluministas dos sculos XVI, XVII e
XVIII.
Os Estados Unidos se apresentam como os precursores da formulao de uma
declarao de direitos do homem, a Declarao de Virgnia (1776), em que peseesta no ter alcanado a dimenso e importncia histrica da Declarao dos
Direitos do Homem e do Cidado, de 1789, a qual veio ser incorporada pelo texto
constitucional francs de 1791, servindo de paradigma para as constituies dos
mais variados povos, nos sculos XIX e XX, verificando-se no bojo de ambas as
declaraes uma preocupao em difundir aqueles direitos humanos vinculados ao
Liberalismo, e em particular o combate ao Absolutismo.
10NAVARRO CORDN, Juan Manuel; CALVO MARTINEZ, Tomas. Histria da Filosofia: dos pr-socrticos idade mdia. Traduo Armnio Rodrigues. Rio de Janeiro: Edies 70, 1983, p. 19-23.
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A perspectiva liberal dos Direitos Humanos, consagrada nas constituies
burguesas, baseava-se numa concepo imutvel, idealista, da natureza humana,
de onde derivam os direitos de todos os homens, mas um longo perodo decorreu
at a incorporao dos Direitos Humanos ordem internacional. O positivismo,
reafirmando o primado dos Estados, contribuiu para impedir a admisso do indivduo
como pessoa de Direito Internacional. Paulatinamente, os Estados comearam a
estabelecer normas internacionais que, embora no reconhecessem a
personalidade, pretendiam proteger a pessoa humana, fase esta considerada como
a pr-histria dos Direitos Humanos na ordem internacional, que se evidencia com
maior relevncia nos sculos XVIII, XIX e primeira parte do sculo XX.
Somente a partir do trmino da Segunda Guerra Mundial, com a criao da
Organizao das Naes Unidas, e por influncia dos horrores praticados dentro e
fora dos campos de batalha, os Direitos Humanos passaram a integrar de maneira
universal a agenda do Direito Internacional, principalmente com o advento da
Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948), que veio a propiciar elementos
para a universalizao do daqueles Direitos, os quais passaram a integrar a pauta
de discusso de diversos Estados e Organismos.
Conforme j salientado, a noo de dignidade da pessoa humana possui sentido
variado, consoante sua anlise seja feita em distintos tempos e culturas, razo pela
qual, neste estudo, teve-se preferncia pela sua variao histrica, cultural e
filosfica, tendo em vista a percepo da civilizao ocidental, seguida pela maioria
dos Estados Modernos, os quais a tm por base dos seus textos fundamentais sobre
Direitos Humanos, e mesmo a Declarao Universal dos Direitos Humanos, de194811, deixa clara a sua viso de que os direitos humanos so a expresso direta
da dignidade da pessoa humana, consistindo obrigao dos Estados de
assegurarem o respeito que decorre do prprio reconhecimento dessa dignidade.
Esta noo de dignidade como caracterstica comum a todos os seres Humanos, e
que inspirou a designao dignidade da pessoa humana, em um sentido genrico
de qualquer ser humano, relativamente recente, sendo por isso difcil fundament-
11 A Declarao Universal dos Direitos do Homem foi aprovada na Assemblia-Geral das naesUnidas em 10 de dezembro de 1948.
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la seno como reconhecimento coletivo de uma herana histrica da civilizao e
produto de uma lenta e gradual evoluo dos valores humanos, situao que, na
cultura ocidental, apresenta-se perceptvel a partir da antiguidade grega e romana.
Visando uma melhor compreenso do desenvolvimento da dignidade da pessoa
humana, embora sob o prisma perfunctrio do resumo, buscar-se- formalizar uma
viso panormica dessa evoluo da dignidade da pessoa humana, abordando os
principais momentos de sua evoluo histrica e os movimentos filosficos que
influenciaram na formao e consolidao do valor dignidade.
1.2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA GRCIA ANTIGA
Na cultura ocidental, desponta a Grcia clssica, e em particular a Cidade-Estado de
Atenas, centro cultural helnico construdo com o tesouro da Liga de Delos12, como
o bero onde primeiramente se acalentou a idia de humanidade, inicialmente de
forma pouco racional e mstica, atravs da abordagem de valores que realavam a
pessoa humana cultuando-a e enaltecendo-a13como personagem de tragdias, namente criativa dos maiores poetas, dramaturgos, filsofos e historiadores de ento,
os quais no utilizavam o termo, como na atualidade, para designar um
acontecimento doloroso, catastrfico, acompanhado de muitas vtimas, ou ainda
para descrever o desenlace de uma paixo qualquer que redundou num horrvel
assassinato.14
Ao contrrio, na Grcia antiga tragiks (tragdia)possua significado bem diverso,definindo uma forma artstica, ou algo que somente ocorria entre os grandes e, as
tragdias gregas, principalmente do chamado perodo da Idade de Ouro, retratam
aquela postura de procurar valorizar o ente humano, como se extrai da feliz frase
atribuda a Protgoras (485-411 a.C.) o homem a medida de todas as coisas.15
12PARMENIDES. Da Natureza. Trad.Jos Trindade Santos. So Paulo: Edies Loyola, p. 30-37.13FERRAZ JNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: reflexes sobre o poder, aliberdade, a justia e o direito. So Paulo: Atlas, 2002, p. 142.14LUFT, Celso Pedro. Minidicionrio Luft, 20. ed. So Paulo: tica, 2000, p. 645.15MAGGE, Bryan. Histria da Filosofia. 3. ed. So Paulo: Edies Loyola, 2001, p. 18.
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No obstante esse avano, j percebido sculos antes da chamada Era Crist, no
alcanaram os gregos uma percepo de pessoa, com o sentido e alcance que hoje
se atribuiu, at porque, em um sentido etimolgico, pessoa deriva de persona, que
era a mscara utilizada pelos atores teatrais da antiguidade, no estando vinculada
diretamente com a idia de cidadania e direitos, impondo-se lembrar que entre os
antigos, no havia uma concepo de sujeito de direito, em relao a qualquer
indivduo. Na Grcia antiga, somente o cidado era detentor de direitos na polis, eis
que at ento, a desigualdade era vista como nsita prpria natureza humana,
mesmo na fase urea da Filosofia.
Plato16, refletindo a realidade de seu tempo, bem como a particular situao dasCidades-Estado com a sua organizao scio-poltica, onde a uns poucos era
reconhecido governar, a outros guerrearem e maioria, gerar produo para o
sustento de todos, na qualidade de servo e, chegou a afirmar a condio de bem ou
objeto do escravo, afirmando que qualquer pessoa, desde que goze de perfeita
sanidade mental, poder tomar, se o desejar, seu prprio escravo e empreg-lo para
qualquer finalidade legal.
Apesar dessa viso ainda incompleta da magnitude do ser humano, j as obras
deixadas j pelos dramaturgos gregos da antiguidade, possvel entrever que
quela poca no lhes era totalmente estranha.a noo de dignidade humana, prova
disso sendo Antgona, criao de Sflocles, datada do Sculo V a.C., que retrata a
tragdia da personagem que contrariando as leis do Estado, enterra o irmo que
deveria ficar entregue aos abutres e, aps enterr-lo, diante do questionamento feito
por sua irm, Ismene, sobre o porqu de ela ter desobedecido lei, responde queno nasceu para o dio, mas sim para o amor17 e, respondendo a idntico
questionamento feito pelo rei Creonte, Antgona completa o raciocnio afirmando que
obedeceu a uma lei que no de ontem nem de hoje, mas de sempre.
O fato de Antgona terminar a sua frase com a palavra amor, determina o
reconhecimento de uma condio fundamental na espcie humana, o amor pelo
16PLATO.As Leis: Da Legislao ou Epaminomis. Traduo Edson Bini. Bauru-SP: EDIPRO, 1999,p. 439.17ROSENFIELD, Kathrin Holzermayr. Sflocles & Antgona. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2002, p. 38.
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prximo, ao passo em que a afirmativa de obedincia a uma lei eterna, gera a idia
de que h valores superiores que condicionam a existncia humana, os quais se
encontram disseminados entre as pessoas e recebem uma valorao compatvel
com a cultura que os alimenta.
Ao se referir a dignidade da pessoa humana, torna-se necessrio refletir no sentido
de que esse um valor inerente prpria condio de ser humano, no se podendo
falar em direitos humanos sem ter a dignidade como ponto nevrlgico, merecendo
recordar que ao se tomar por base o curto perodo em que a histria da Civilizao
Ocidental18 se permite conhecer que no ultrapassa a 2600 anos j nos
possvel verificar, mesmo em seus primrdios, a preocupao intelectual emreconhecer certos direitos que extravasam a vontade do homem e aos quais este
no pode se opor.
Essa viso de um direito superior vontade do homem, aparece como a raiz daquilo
que no futuro viria a ser considerado fonte do chamado direito natural19 e para o
efetivo reconhecimento da dignidade da pessoa humana e dos prprios direitos
humanos to tardiamente concebidos no se podendo desprezar que ela j sefazia perceber mesmo no perodo nebuloso entre a seduo do mito e o incio do
pensamento racional, ou seja, ao perodo inicial do conhecimento filosfico, que
desponta por volta do sculo VI a.C., at porque um dos modos mais consistentes
de caracterizar a filosofia atravs da histria, podendo-se considerar tal
caracterizao praticamente como uma unanimidade.20
No limiar desse florescimento da filosofia ocidental, j possvel vislumbrar a
preocupao do intelecto humano com o reconhecimento de valores superiores a
reger a relao entre os homens, extrapolando a prpria vontade e o poder do
homem, sendo referncia desse perodo os textos dos poetas e dos historiadores, os
quais se valiam do mito como forma de explicar e difundir os fenmenos que
intervm ativamente nos acontecimentos csmicos e humanos, sendo paradigmtica
18NAVARRO CORDN, Juan Manuel; CALVO MARTINEZ, Tomas. Histria da Filosofia: dos pr-
socrticos idade mdia. Traduo Armnio Rodrigues. Rio de Janeiro: Edies 70, 1983, p. 9.19GUSMO. Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 35.20MARCONDES, Danilo. Iniciao Histria da Filosofia: dos pr-socrticos a Wittgenstein. 6. ed.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 19.
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a referncia que sempre se faz obra de Sfocles, que pela boca de sua Antgona
fez ecoar a superior importncia de um Direito Divino, sobre aquele concebido pelo
homem.21
No texto, o teatrlogo ateniense Sfocles22, deu vida personagem Antgona, que
expressou a sua indignao em respeitar a proibio imposta pelo edito de seu tio, o
tirano Creonte, sendo que ao ser indagada pelo rei se conhecia o teor da proibio
por ele imposta e do porqu de mesmo assim resolver desobedec-la, no exitou em
responder afirmativamente e ainda acrescentar que a dita proibio no havia sido
promulgada por Jpiter, concluindo por afirmar que:
a Justia, a deusa que habita com as divindades subterrneas, jamaisestabeleceu tal decreto entre os humanos; nem eu creio que teu dito tenhafora o bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas,que nunca foram escritas, mas so irrevogveis.23
Ao assim proceder, Sfocles foi capaz de deixar registrado para a posteridade a
importncia do reconhecimento de alguns valores essenciais para a existncia do
homem em sociedade, fazendo-o de forma simples, atravs de uma personagemque no detinha o poder dos tits mitolgicos, possuindo, entretanto, a sensibilidade
necessria para extrair da natureza das coisas a explicao para a sua pretenso de
respeito queles valores, os quais so expressos de forma singela, mas profunda,
no dilogo entre Antgona e Creonte, acerca do direito de a famlia conceder um
enterro decente a Polinice na tumba- mesmo contra o decreto de Creonte que
determinara que o cadver ficasse ao relento.
Antgona questionou esse ato de Creonte, consubstanciado em um edito que previa
a punio com morte para quem o desobedecesse, sob o argumento de que aquela
determinao do rei ia de encontro ao direito inerente natureza e decorrente da
existncia, ao qual atribua uma origem divina, de dar um enterro decente ao seu
falecido irmo Polinice, colocando-o em uma tumba, como mandava a tradio de
21 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Direitos Humanos Fundamentais. 5. ed. So Paulo:Saraiva, 2002, p. 9.22ASSMANN, Selvino Jos. As Razes do Pensamento Filosfico. Disponvel em:. Acesso em 09 abr 2004.23Ibidem.
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seu povo e o seu argumento tem servido, atravs de uma lenta evoluo surgida ao
longo dos sculos, para alertar sobre a existncia desse direito chamado natural,
cujo principal papel tem sido o de reconhecer que o ser humano dotado de alguns
valores que transcendem a vontade do homem.
O texto de Sfocles serviu de inspirao, assim, para a defesa da existncia de um
Direito maior, cuja validade e existncia se sobrepem aos interesses mundanos, e
que durante o perodo clssico se apresentou como o Direito Natural ditado pela
Divindade e que por isso no poderia ser objeto de afronta pela Lei humana, no
necessitando sequer ser escrito ou positivado para ser cumprido, dada a sua
natureza superior e inquestionvel, muito embora esta no tenha sido a percepofilosfica clssica, a qual no vislumbrava uma supremacia do direito natural sobre o
positivo, mas apenas distinguia o primeiro como o direito comum e o segundo
como aquele criado e reconhecido pelo homem, tanto que na prpria pea em
anlise, o edito de Creonte triunfou sobre o direito natural suscitado por Antgona.24
Essa percepo da existncia de um Direito distinto daquele formulado pelo homem,
pode ser identificado tambm no pensamento filosfico grego que concebeu oprimeiro como decorrncia de uma idia de justia universal e independente da
vontade humana, ao passo que o segundo foi idealizado como aquele decorrente da
vontade humana e formulado segundo as suas deliberaes.25
Naquele perodo histrico-filosfico a questo entre o direito natural e o direito
positivo era, ainda, uma bipolaridade mais filosfica e tica do que tcnico-jurdica,
pois carecia de elementos reais e concretos, de uma sociedade plural ediversificada, em que essas noes de direito natural pudessem florescer e frutificar,
o que se concretiza com o florescimento de Roma26, ao tornar-se metrpole mundial
e dominar militarmente a Grcia, incorporando parte dos valores culturais helnicos
24BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurdico: Lies de Filosofia do Direito. So Paulo: Icone, 1995,p. 25.25 BOBBIO, Norberto.Locke e o Direito Natural. 2. ed. Braslia: Editora Universidade de Braslia,1997, p. 33.26GILISEN, John. Introduo Histrica ao Direito. 3. ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian,2001, p. 80-99.
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e, dentre eles, a distino entre um suposto direito natural ou superior e o direito
civil, de criao humana.27
Lembra Bobbio28que os romanos, embora ainda inspirados no pensamento grego,
formularam, tambm, o seu conceito de direito natural, tal como se v expresso em
um fragmento do jurisconsulto Paulo, que foi registrado e inserido no Digesto D. 1, 1,
11, permitindo concluir serem dois os critrios em que se baseia a distino entre
direito natural e direito civil:
a) o direito natural universal e imutvel (semper) enquanto o civil particular (no tempo e no espao);b) o direito natural estabelece aquilo que
bom (bonum et aequum), enquanto o civil estabelece aquilo que til: ojuzo correspondente ao primeiro funda-se num critrio moral, ao passo queo relativo ao segundo baseia-se num critrio econmico ou utilitrio.29
Na passagem da cultura romana para a medieval, houve uma profunda
transformao que merece ser assinalada, devido ao cristianismo, que estabeleceu
radical discrepncia entre as esferas da poltica e da religio, reservando para si a
autoridade religiosa e deixando a potestasnas mos dos prncipes, muito embora o
chamado Direito secular sofresse influncia direta da religio ento predominante, a
catlica.
1.3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA VISO
FILOSFICA CRIST
O conjunto do pensamento e da evoluo cultural greco-romana serviu para lanar
as bases para uma nova viso acerca do ser humano, no que concerne a sua
racionalidade e valor. No entanto, na orientao judaico-crist, que posteriormente
influenciou toda a cultura ocidental, que a idia de dignidade humana passa a
experimentar o primeiro grande surto de desenvolvimento, lastreado este na idia do
27NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 114-116.28BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurdico.Lies de Filosofia do Direito. So Paulo: cone, 1995,p. 19.29Ibidem, p. 19.
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homem como criatura detentora da qualidade de ser a imagem e semelhana de seu
Criador, consistindo, assim, o pice da criao Divina e portador de livre arbtrio.30
Essa contribuio, trazida pela ideologia judaico-crist, apresentando o homem
como um ser criado imagem e semelhana de Deus, aps os animais, tornando-se
o coroamento da criao divina, fortaleceu-se atravs da patrstica de Santo
Agostinho, defensor, em sua obra A Cidade de Deus, de que os dias da criao
representam fases ascendentes de complexidade da interveno criadora do Todo-
Poderoso. Assim, o homem bblico, criado no ltimo dia, seria o ser que, na terra,
revelaria com maior nitidez o poder e a glria de Deus. O homem estaria situado em
um plano intermedirio entre os animais irracionais e a Divindade, ao contrrio daviso Aristotlica que o definiu por baixo, ao dizer que ele era um animal racional ou
animal poltico.31
O Cristianismo tem como fatores histricos, em primeiro plano, a religio israelita, e
em segundo lugar, o pensamento grego e o direito romano. De Israel o Cristianismo
toma o tesmo e o rigor moral, elementos essenciais de sua estrutura doutrinria.
Quanto ao pensamento grego, pode-se afirmar que contribuiu com o Cristianismoespecialmente para justificar-lhe os pressupostos metafsicos, ao passo em que o
direito romano, por sua vez, teve o condo de contribuir para sistematizar o novo
organismo social oriundo do Cristianismo, que consistiu na Igreja Catlica, herdeira
da herana espiritual e poltica de Roma.32
A partir dessa sistematizao, tornou-se possvel a formao de um quadro
constitudo de telogos que vo moldar e influenciar a postura da Igreja e de seusseguidores, formando esses pensadores cristos dois grandes movimentos que
atuaram desde o incio da organizao daquela poderosa instituio (Igreja Catlica)
at o fim da Idade Mdia, lanando sua influncia sobre todos os pensadores
30 FERRAZ JNIOR, Tercio Sampaio. Introduo ao Estudo de Direito: tcnica, deciso,dominao. 2. ed. So Paulo, Atlas, 1994, p. 62-64.31MAGALHES FILHO, Glauco Barreira. Hermenutica e Unidade Axiolgica da Constituio. 2.ed. Belo Horizonte:Mandamentos, 2002. p. 139.32 FERRAZ JNIOR, Tercio Sampaio. Introduo ao Estudo de Direito: tcnica, decisodominao. 2. ed. So Paulo, Atlas, 1994, p. 64-65.
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daquele perodo e do perodo posterior, sendo esses movimentos denominados de
Patrstica33e Escolstica.34
Mesmo no se vislumbrando na Patrstica uma contribuio direta para o
reconhecimento da dignidade da pessoa humana, apresenta-se perceptvel que ela
contribuiu para firmar a idia do Direito Natural e de sua superioridade em relao ao
direito positivo e, assim, colaborou para a difuso dos ideais da filosofia Crist, no
experimentando uma maior contribuio at mesmo por ter nascido e perecido em
um perodo histrico conturbado por guerras e pelo esfacelamento da organizao
estatal e o fortalecimento do sistema feudal, poca onde os valores humanos foram
sufocados pelas crendices msticas e religiosas, pela concentrao de poder nasmos de uma casta dominante (a nobreza) e por um acentuado servilismo, que
advieram queda de Roma no Ocidente.
No que se refere Escolstica, teve ela importante papel na definio do papel
desempenhado pelo homem, a comear pela posio reservada lei, que segundo
o seu principal representante -Santo Toms de Aquino - pode ser eterna, natural e
humana (lex aeterna, lex naturalis et lex humana"), tendo tambm o condo demarcar a introduo do pensamento racional aristotlico na fase da Baixa Idade
Mdia, adaptando-o filosofia Crist, em um processo de substituio parcial do
pensamento platnico pelo de Aristteles.35
A lei eterna a prpria razo divina, provinda de Deus, que dirige todos os atos e
movimentos ("Ratio divinae sapientia e quod est directiva omnium actum et
motionum"). apenas parcialmente cognoscvel, sendo apreendida atravs deDeus. A segunda categoria - a lei natural - vem a ser conhecida diretamente atravs
da razo humana, consistindo na participao do homem na lei eterna, adequada
sua prpria capacidade de compreenso, de apreenso36 ("ex naturalis, nihil aliud
33Denomina-se de Patrstica ao movimento que representa o pensamento dos Padres da Igreja - osmestres da doutrina crist - o qual se estende entre os sculos II e VIII e tem como maior pensadorSanto Agostinho (354-430).34Relativamente a Escolstica, ultimo perodo do pensamento cristo medieval, que vai do sculoXII at ao fim do sculo XIV, era a filosofia ensinada nas "escolas da poca, pelos mestres,
chamados, por isso, escolsticos.35MAGGE, Bryan. Histria da Filosofia. 3. ed. So Paulo: Edies Loyola, 2001, p. 59.36NAVARRO CORDN, Juan Manuel; CALVO MARTINEZ, Tomas. Histria da Filosofia: dos pr-socrticos idade mdia. Trad. Armnio Rodrigues. Rio de Janeiro: Edies 70, 1983, p. 117-140.
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est quam participatio legis aeternal in rationali creatura, secundum proportionem
capacitatis humanae naturae.") Finalmente, a terceira categoria , a lei humana,
princpio que normatiza a ao dos homens, inveno social, a utilizar-se da lei
natural por duas maneiras:a) "Per modum conclusionum" - representa concluses
silogsticas deduzidas de premissas fornecidas pela lei natural. Assim, a lei natural
fornecia as premissas maiores e menores para que a razo humana conclusse
construindo as leis positivas justas; b) "Per modum determinationis" - consistente
numa mais completa especificao do preceituado genericamente pela lei natural.37
To decisiva foi a influncia exercida por Santo Toms de Aquino e seus seguidores,
que a sua filosofia o Tomismo - de vis aristotlico, chegou a ser considerada adoutrina oficial da Igreja catlica por vrios sculos38 e, mesmo com as omisses
encontradas na obra e no pensamento tomista, no se pode negar que graas a sua
efetiva atuao e de vrios outros pensadores cristos, ainda quando a humanidade
mergulhou no obscurantismo da Idade Mdia, no se apagaram por completo as
luzes da racionalidade, que reacenderam j na baixa Idade Mdia, com a concepo
de Toms de Aquino do direito de resistncia, que buscou fundamentar no
reconhecimento da dignidade humana, entendendo a ordem jurdica deveriarespeitar esse valor, sendo que o desrespeito a tal exigncia consistia-se em motivo
para o surgimento do direito de resistncia a favor daqueles beneficirios da
ordenao.39
Percebe-se que o princpio material subjacente prpria idia de dignidade da
pessoa humana o princpio antrpico que acolhe a idia pr-moderna e moderna
introduzida por Pico Della Mirandola, ou seja, do indivduo conformador de si prprioe da sua vida segundo o seu prprio projeto espiritual, agindo em racionalmente,
orientado por seu livre-arbtrio.40
37DEL VECCHIO, Giorgio.Lies de Filosofia do Direito.Armnio Amado Editores, Coimbra: 1972,
p. 81.38MARCONDES, Danilo. Iniciao Histria da Filosofia: dos pr-socrticos a wittgenstein. 6. ed.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 127.39MAGALHES FILHO, Glauco Barreira. Hermenutica e Unidade Axiolgica da Constituio. 2.ed. Belo Horizonte: Mandamentos, p. 143-144.40CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1997, p.225.
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Essa mesma concepo crist, acerca da hegemonia humana sobre as demais
criaes Divinas, inspirou Giovanni Pico Della Mirandola41, quando, j no
renascentismo, deixou extravasar para o papel a sua percepo sobre o homem,
com a sugestiva citao discurso sobre a dignidade do homem, atravs do qual
ficam expressas as palavras que o Criador teria dirigido a Ado ao coloc-lo no
Paraso, afirmando a ele [...] No te fiz nem celeste nem terrestre, nem mortal nem
imortal, para que tu, livremente, tal como um bom pintor ou um hbil escultor, ds
acabamento forma que te prpria.
Apesar do efetivo contributo Cristo para a formulao da teoria dos Direitos da
Pessoa Humana e para o reconhecimento contguo da Dignidade da PessoaHumana, inevitvel a constatao de que ele permeou mais o campo das idias do
que o mundo real, at porque durante todo o perodo de influncia da Patrstica e da
Escolstica, a Igreja esteve atrelada ao Poder Secular que governava os Estados e
compactuou ou pelo menos tolerou a adoo de polticas efetivamente danosas para
a raa humana, tais quais a adoo da pena de morte, as torturas somente
condenadas expressamente no Sculo XIII e mesmo a escravido, que no
encontraram resistncia por parte desses pensadores catlicos que teceram aideologia da Igreja at o Sculo XV.
Atente-se para o fato de que mesmo o Doutor Anglico como era conhecido
Santo Toms de Aquino -, embora defendendo a dignidade da pessoa humana, no
adotou uma postura ideolgica contra a escravido, preferindo, tambm nesse
delicado tema, aderir parcialmente ao pensamento de Aristteles, o qual expressara,
em conformidade com o contexto social e histrico de sua poca que dista mais dequinze sculos da poca tomista - que na espcie humana havia indivduos
inferiores aos outros, estando destinados ao trabalho bruto e escravido.42
41DELLA MIRANDOLA, Giovanni Pico. Discurso sobre a Dignidade do Homem.Edio Bilingue.Lisboa: edies 70, 1989, p. 49, 51 e 53, Apud, Acessado em 19 de maro de 2004.42ARISTTELES. A Poltica. Traduo de Nestor Silveira Chaves. Bauru-SP: EDIPRO, 1995, p. 19.
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1.4 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA VISO
FILOSFICA MODERNA
Atendo-se s perspectivas deste trabalho, importa ressaltar que houve,
principalmente a partir do advento do Renascimento e do desenvolvimento da teoria
racionalista, uma inegvel contribuio filosfica para o desenvolvimento da idia de
dignidade da pessoa humana, com destaque para os filsofos Contratualistas, pela
capacidade de demonstrar que o ser humano antecedia ao Estado e era detentor de
direitos inatos.
43
Entretanto, dada a impossibilidade prtica de inserir nesta pesquisa, mesmo que
sumariamente, o pensamento de cada um dos importantes filsofos que deixaram
gravada a sua contribuio para o tema da Dignidade da Pessoa Humana, opta-se
por apenas fazer uma aluso a pensadores jesutas como Francisco Vitria44 e
Francisco Suares45 e aos contratualistas Tomas Hobbes46, John Locke47, Jean-
Jacques Rousseau48, pela importncia do conjunto de suas obras, mas escolhe-se
para representar o resultado do pensamento filosfico Ocidental do perodo posterior
ao Renascimento e que se esgota com o advento do Estado Moderno, a figura mpar
de Immanuel Kant, pela clareza e pela profundidade com que enfrentou o tema da
dignidade da pessoa humana, sedimentando o caminho para o trfego seguro dos
defensores das liberdades individuais, particularmente contra a prtica da escravido
humana, situao ento comum no Continente Americano, sob patrocnio dos
colonizadores europeus.
43 Denomina-se renascimento, ao grande processo de renovao literria, artstica, cientfica efilosfica que se verificou na Europa, nos sculos XV e XVI, florescendo no seu contexto, omovimento humanstico.44RAVINOVICH-BERKMAN, Ricardo David. Hola, Histria del Derecho. Buenos Aires: EdicionesDunken, 1999, p. 44.45CRETELLA JNIOR, Jos. Curso de Filosofia do Direito.Rio de Janeiro: Forense, 1999.46BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Traduo Carlos Nlson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,
1991.47MAGEE, Bryan. Histria da Filosofia. So Paulo: Edies Loyola, 2001, p. 102.48ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social.Traduo Edson Bini. Bauru,SP: EDIPRO, 2000.
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1.4.1 A Dignidade da Pessoa Humana no Pensamento Kantiano
Tendo vivido no perodo de 1724 a 1804, Kant foi contemporneo das revolues de
vis liberal que surgiram no Sculo XVIII, com destaque para a Independncia dos
Estados Unidos da Amrica (1776) e a Revoluo Francesa (1789) e a sua obra
pode ser dividida em duas fases distintas, uma pr-crtica que se encerra com a
sua Dissertao de 1770, e a outra, a crtica, que se inicia com a publicao da
Crtica da Razo Pura (1781), sendo que naquela 1 fase ele pode ser considerado
um representante tpico do chamado racionalismo dogmtico, com forte influncia
da filosofia racionalista inspirada em Leibniz e desenvolvida por Christian Wolff, ao
passo em que a segunda fase, do racionalismo crtico, teve inspirao em Hume e
a pretenso de superar a dicotomia ento existente entre racionalismo e empirismo,
sempre sem perder a perspectiva da liberdade da racionalidade como as
caractersticas principais da humanidade.
Torna-se imperioso se reportar a Kant na abordagem do tema, porque a concepo
ainda hoje adotada, sobre a dignidade da pessoa humana, advm daquela por eleidealizada no Sculo XVIII, a qual mereceu, inclusive, a preferncia da Declarao
Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em (1948), bem como da
prpria doutrina jurdico-constitucional e filosfica, destacando-se que no contexto
da obra do aclamado filsofo ressaltam-se dois problemas fundamentais, o primeiro
dizendo respeito aos limites e possibilidades de aplicao do conhecimento,
enquanto que o segundo que interessa diretamente a esta abordagem relativo
ao humana e aos problemas morais nela envolvidos.49
A contribuio de Kant, em sua obra "Fundamentao da Metafsica dos
Costumes"50, foi um passo fundamental para que a dignidade da pessoa humana
deixasse de ser, como na filosofia Crist, uma mera concepo formal, para se
tornar concepo idealizvel materialmente e com uma justificava terica amparado
no racionalismo, isso porque o filsofo de Konigsberg, foi capaz de perceber e
49 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais naConstituio Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 25-61.50 OS PENSADORES Kant (II). Trad. Paulo Kintela. So Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 103-162.
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expressar que o homem o nico ser deste mundo capaz de orientar suas aes a
partir de objetivos racionalmente concebidos e livremente desejados, a partir do que
a dignidade do ser humano consistiria em sua autonomia , que a aptido para
formular as prprias regras de vida, ou seja, sua liberdade individual ou livre arbtrio.
Na viso Kantiana o bem supremo a boa vontade, da qual a liberdade
propriedade. O filsofo alemo define vontade (que no outra coisa seno a razo
prtica) como a faculdade de escolher s aquilo que a razo, independentemente da
inclinao, reconhece como praticamente necessrio, quer dizer, como bom, ou
ainda, como a faculdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com
a representao de certas leis, extraindo-se tambm de sua concepo, quesomente sob a idia de liberdade um ser racional pode ter vontade prpria. No que
respeita vontade humana, ele diz haver um imperativo categrico cujo fundamento
est no princpio objetivo da vontade, segundo o qual a natureza racional existe
como fim.
Todo imperativo se exprime pelo verbo dever, e pode ser hipottico ou categrico.
Os hipotticos representam a necessidade prtica de uma ao possvel como meiode alcanar qualquer outra coisa que se quer (ou que possvel que se queira).
Distingue-se do imperativo categrico porque neste a ao representada como
boa em si, e no como meio para qualquer outra coisa, que caso do imperativo
hipottico.51
Essa filosofia Kantiana fundamentou o avano dos direitos humanos e se constituiu
na grande marca da dignidade da pessoa humana e que permitiu uma efetivaevoluo de seu conceito enquanto reconhecimento de que a condio pessoa
humana um valor intocvel, pois o ser humano sujeito consciente e capaz de
pensar a si mesmo a as coisas que o cercam como objeto, sendo que o imperativo -
que prtico - derivado deste princpio : Age de tal maneira que uses a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio, da derivando idias
51KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Trad. Edson Bini. So Paulo: cone, 1993, p. 5-43.
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de valorizao do ser humano como condio de sua prpria natureza de
humano.52
Referindo-se ao problema tico na viso de Kant e sintetizando o seu imperativo
categrico que tanto contribuiu para o avano da idia de dignidade da pessoa
humana, Bertrand Russel53afirmou que: Esse pronunciamento um tanto austero ,
na realidade, um modo pomposo de dizer que devemos agir para com os outros da
mesma maneira que queremos que os outros ajam para conosco.
A partir da viso Kantiana permitida a concluso de que no bastante agir de
modo a no prejudicar a outrem, o que seria uma mxima apenas negativa, sendonecessrio tambm buscar, na medida do possvel, a satisfao do outro,
realizando-se no s a prpria felicidade, mas tambm a dos semelhantes, desde
que isso se apresente como possvel.54
No obstante se reconhea alguma pertinncia nas crticas feitas idia de que o
ser humano dotado de dignidade, como decorrncia de sua racionalidade
excluindo-se, a contrrio senso, a dignidade dos demais seres vivos essa questoencontra-se fora do mbito deste trabalho e no ser aqui analisada, at porque,
abstrada essa crtica ao antropocentrismo Kantiano e, j antes, a filosofia estica e
crist, que seguiam a mesma linha, no pode ser desprezado que foi o efetivo
repdio a qualquer tentativa de se tratar o ser humano qualquer humano como
uma coisa ou objeto sujeito a preo, a idia que frutificou e possibilitou que se
extirpasse o verdadeiro cncer social (a escravido) que manchou a humanidade,
inclusive e principalmente o Brasil, por vrios sculos.
Essa e outras idias insertas por Kant em sua obra Fundamentao da Metafsica
dos Costumes, deixam explcito que nem toda relao entre dois seres racionais
pode ser entendida como uma relao jurdica, somente merecendo essa
designao aquelas relaes estabelecidas entre dois seres plena e igualmente
52KANT, Immanuel. Apud Weffort, Francisco C. et al. Os Clssicos da Poltica. 10. ed. So Paulo:Editora tica, 2003, p. 96-98.53 RUSSEL, Bertrand. Histria do Pensamento Ocidental: a aventura dos pr-socrticos aWittgenstein. Trad. Laura Alves e Aurlio Rebello. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 348.54COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao Histrica dos Direitos Humanos. So Paulo: Saraiva,1999, p. 20-23.
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livres, pois somente nelas que se d uma relao real entre o dever de uma
pessoa que corresponda a um direito de outra, razo pela qual pode-se deduzir que
as relaes estabelecidas entre o homem e seres irracionais, entre o homem e
escravos ou entre o homem e Deus no so, para Kant, relaes jurdicas.55
Ademais, se no fosse o acolhimento dessa teoria, ou seja, caso a teoria da
dignidade como atributo da racionalidade humana no tivesse vingado, seja na sua
concepo estica, religiosa ou, principalmente na formatao secular apresentada
por Kant, por certo no se estaria, no limiar do sculo XXI, discutindo a possibilidade
de reconhecimento de dignidade a outros seres vivos, pois se a humanidade no
tivesse sido capaz de perceber a necessidade de proteger a sua prpria dignidade pelo menos no aspecto jurdico dessa proteo - por certo no teria sensibilidade
para reconhec-la em relao a outros seres.
A contribuio Kantiana restou, assim, configurada principalmente nessa nova
perspectiva que sua filosofia trouxe, em um momento especialmente importante para
a Civilizao Ocidental o da incorporao e divulgao das idias do iluminismo
atravs da Declarao Universal dos Direitos do Homem, que se seguiu RevoluoFrancesa de 178956 ajudando a abrir caminho para a consagrao da idia de
dignidade da pessoa humana como uma ordem universal e aplicvel a todos os
seres humanos, no importando sequer que estejam sob a gide de seu Estado
natal ou de um Estado estrangeiro, levando-se em conta apenas o fato de serem
membros da raa humana e se essa condio ainda no foi infelizmente
alcanada pela raa humana, nem por isso h que se negar o grande mrito de Kant
e de sua teoria.
55GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e Diferena: Estado democrtico de direito a partir dopensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 97.56No se est a afirmar que Kant tenha influenciado o pensamento dos revolucionrios franceses,mas sim, que a sua teoria surgiu em um momento contemporneo ao da Revoluo Francesa e
conseqente divulgao dos ideais dela, atravs da Declarao Universal dos Direitos do Homem, oque, no aspecto que toca a esta parte do trabalho, relacionado com a dignidade da pessoa humana,foi positivo e contribuiu, posteriormente para a fixao daqueles ideais comuns em relao aosdireitos humanos.
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1.5 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NAS
DECLARAES INTERNACIONAIS DOS DIREITOS
HUMANOS.
A Idade Moderna caracteriza-se, logo em seu limiar, pela ruptura do direito natural
com a religio, haja vista que tal direito passa a figurar no plano da racionalidade,
sendo considerado produto da razo humana e no mais como uma ddiva do
Criador. Assim, fixa-se a idia de que o direito emana da razo humana, sendo um
produto dos valores culturais de uma determinada comunidade, passando a ser esseo perfil do pensamento jus naturalista, que teve o mrito de cogitar a ordem jurdica
baseada na idia de um Direito Natural formatada com base no homem e no de
origem divina.57
A partir dessa viso racional, formou-se o cenrio ideal para que se concebesse anecessidade de que mesmo aqueles direitos tidos por fundamentais fossem objetos
de institucionalizao ou inscrio em lei, de molde a ser possvel a sua imposiocontra o prprio Estado, que na concepo iluminista ento reinante, se apresentavacomo o grande algoz das liberdades pblicas e da autonomia do indivduo eprecisava ser limitado, apresentando-se como a melhor forma a sua submisso sLeis.
Nesse perodo o Estado j no mais visto como algo externo ao querer humano,
mas como produto da unio de muitas vontades individuais, ou seja, da vontade
coletiva e com finalidades definidas, isso a partir da concepo das teoriascontratualistas que ganharam preeminncia a partir de ento, como forma de
justificar a criao do Estado e da submisso dos indivduos aos comandos dele
emanados.58
Essas idias que germinaram no iluminismo h muito vinham sendo semeadas e
disseminadas, a partir de movimentos que contestavam o modelo de Estado
Absoluto e de que os governantes atuassem por vontade divina, forando a uma57NADER, Paulo. Filosofia do Direito.12. ed. Rio de janeiro: Forense, p. 131.58MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituio. Rio de Janeiro: 2002, p. 44.
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reconceituao do Estado e das idias relativas a soberania e liberdade, tendo
favorecido a essa nova concepo a secularizao, que levou separao entre o
Estado e a Igreja, passando aquele a ser visto como algo ligado criao humana,
terrestre, e no divina.59
A secularizao afastou a autoridade poltica da eclesistica e possibilitou que o
indivduo percebesse que o governante tinha a condio de comando do Estado,
no por ter sido galgado quele cargo por determinao de um deus, ou porque
fosse naturalmente superior aos demais membros de sua raa, mas sim, porque os
indivduos que integravam aquele Estado, houveram por bem de criar os meios
necessrios para que pudessem gozar de vrios direitos decorrentes de sua
condio humana, sem serem molestados por outros indivduos, do mesmo ou de
outro Estado.
V-se, ento, que a partir dos acontecimentos vinculados aos movimentos filosficos
identificados como Contratualismo, Individualismo e Iluminismo, foi possvel a
difuso de idias como as de que o governante agia em nome de todos e de cada
um e de que no poderia desrespeitar aqueles direitos inerentes condiohumana, o que pode ser percebido atravs da leitura dos textos das principais
declaraes em que fez inserir tais direitos, a comear, at mesmo pelo simbolismo
nela contido, pela Magna Carta inglesa imposta ao rei Joo Sem Terra.
Em verdade, as declaraes de direitos tm o grande mrito de traduzir a vontade
de determinados agrupamentos sociais, os quais, em um dado momento histrico,
detm fora suficiente para estabelecer os valores bsicos que sustentaro o Estadoao qual pertencem e mrito ainda maior foi o de registrar tais valores por escrito,
possibilitando assim a sua difuso entre outros povos e esse um dos mritos
principais da prpria Magna Carta, que prestes a completar oito sculos de
existncia, ainda aclamada como paradigma de diversos direitos humanos, em
particular aqueles vinculados a valores que se expressam em garantias individuais.
59CRETELA JNIOR. Curso de Filosofia do Direito. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 133-140.
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1.5.1 A Contribuio da Magna Charta Libertatum para a
Institucionalizao dos Direitos Humanos
O primeiro documento histrico originado na sociedade e que se apresenta como
uma limitao ao poder do Estado, data do sculo XIII (1215) e foi batizado de
Magna Charta Libertatum, consistindo em uma declarao de direitos - muitos deles
expressamente direcionados a limitar o poder de o soberano cobrar impostos que
os bares, apoiados pelo alto Clero, impuseram ao enfraquecido rei Joo Sem Terra,
da Inglaterra, sendo possvel localizar em seu bojo as razes de vrios direitosrelacionados com a liberdade e que somente vieram a se concretizar e efetivar,
sculos aps.
A Magna Carta guarda importncia significativa, no pela forma como foi imposta ou
mesmo pelo seu alcance popular, eis que os direitos nela consignados no visavam
a beneficiar a grande massa da populao inglesa de ento, que era composta
principalmente por servos, aos quais ela no visava resguardar, j que elaborada eimposta como forma de garantir os direitos da elite daquela poca, mas aquela
Declarao serviu para documentar a idia de que o Estado e o soberano no
estavam acima das leis e que deviam respeitar certos direitos do povo.60
V-se, pois, que alguns direitos inseridos naquela primeira Declarao escrita
podem ser considerados como a semente que veio a germinar nos sculos
seguintes, principalmente no reino ingls, propiciando o nascimento de importantesteorias e direitos que radicaram para novos textos, desta feita com alcance mais
generalizado, possibilitando o desenvolvimento do ser humano enquanto sujeito de
direitos e, alm disso, prpria idia de dignidade da pessoa humana, eis que
naquela Carta encontram-se previstos os rudimentos de princpios como o da
liberdade e do devido processo legal.61
60GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 5 ed. So Paulo, Saraiva, 1996, p. 27.61SCHWARTZ, Bernard. Os Grandes Direitos da Humanidade. Trad. de A.B. Pinheiros de Lemos.Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1977, p. 16.
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Emblemtico no texto de 1215 o vis garantidor, que embora estivesse
direcionado apenas aos homens livres que eram minoria absoluta permitiu que
ficasse registrado, por escrito, em uma sociedade cuja tradio o direito
costumeiro, uma pliade de direitos que nos sculos seguintes vieram a ser
reivindicados no em favor da nobreza, mas sim, contra os privilgios dela, como
veio a ocorrer na Revoluo Gloriosa de 1689 e que at os nossos dias serve para
ilustrar o bero desses direitos que se disseminaram pelos mais diversos
Continentes, a ponto de o termo Magna Carta servir de mesmo de sinnimo para a
denominao de Constituio.62
As Constituies modernas inserem, praticamente como regra, nos seus textos, umaDeclarao de Direitos Fundamentais do Homem, o que perceptvel, inclusive, em
todas as Constituies Brasileiras e essa prtica se iniciou na Magna Carta, de onde
migrou para a Petition of Rights (1628), para o Habeas Corpus Amendment Act
(1679), para o Bill of Rights (1688), ingleses e tambm, dentre outroa para a
Declarao de Direitos do Bom Povo de Virgnia, de 1776.63
V-se, portanto, que a Magna Carta serviu como uma espcie de germe e smbolode garantias vinculadas liberdade, principalmente pelo mrito de haver sido escrita,
possibilitando que os valores nela introduzidos -em que pese nos sculos iniciais
tenham permanecido restritos nobreza e ao clero se difundissem por
praticamente toda a Europa a partir do Renascimento, influenciando na elaborao
de outras declaraes, nas quais vieram a ser reconhecidos outros valores e
extenses dos direitos a eles relacionados, at se alcanar aqueles diretamente
vinculados dignidade do ser humano em geral, como a prpria garantia de habeascorpus, que embora j existente antes do advento dela, em seu texto foi
institucionalizada como uma garantia para a proteo da liberdade de locomoo
que posteriormente se universalizou, ressaltando-se que a liberdade uma das
formas de se externar a dignidade da pessoa humana.
62FIZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Direito Constitucional Comparado. 3. ed. Belo Horizonte: DelRey, 1997, p. 52.63SILVA, Jos Afonso da. Manual da Constituio de 1988. So Paulo: Malheiros, 2002, p. 23.
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Apresenta-se patente esse mrito da Magna Carta, de ter deixado a sua
contribuio, ao fixar valores como a liberdade individual, atravs de uma forma
escrita, permitindo que as futuras geraes tivessem acesso queles ideais, dentre
eles a divulgao do habeas corpus como instrumento de garantia da liberdade de
locomoo, pois os princpios essenciais dessa garantia encontram-se no 29 da
Magna Charta Libertatum .64
1.5.2 A Contribuio do Bill Of Rights para os Direitos
Humanos
Em que pese existncia de outros documentos de defesa dos direitos, como a
Petition of Right e o "Habeas corpus Act, a preferncia de abordagem pelo Bill of
Rights (1689) se deve a sua importncia como o ato culminante do processo
iniciado em 1215, com a Magna Carta, direcionado a reduzir os poderes do rei e,
tambm, do Estado, como resultado da chamada Revoluo Gloriosa (1688), como
os ingleses denominam o conjunto de atos polticos e jurdicos que os deixou livres
das idias absolutistas65 - s quais o povo ingls sempre se ops -, instaurando a
monarquia limitada por uma natural separao de poderes entre as casas
parlamentares, o rei e os juizes, separao essa que ocorreu em um ambiente
poltico conturbado, mas sem a marca dos anteriores conflitos armados e do
derramamento de sangue e por isso a denominao de gloriosa.
Esse documento, que no chega a possuir as caractersticas de uma declarao de
direitos, eis que contm apenas trs direitos individuais expressos: a liberdade
pessoal; a segurana e a propriedade, teve o grande mrito de, alm de concretizar
os direitos pleiteados desde a Revoluo Inglesa iniciada em 1640 e que gerou
desde a decapitao de um rei, at mesmo um longo conflito armado interno,
possibilitar, com a deposio do rei Jaime II e a ascenso de Guilherme e Maria, que
64
MIRANDA, Pontes. Histria e Prtica do Habeas Corpus. 8 ed. So Paulo: Saraiva, 1979, p. 3.65COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao Histrica dos Direitos Humanos, So Paulo: Saraiva,1999, p. 78.
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sucedem a ele, a aceitao pacfica da reduo do poder do monarca e a
transposio do verdadeiro governo para o Parlamento, que embora ainda no
tivesse a feio democrtica que hodiernamente se conhece, era escolhido de forma
mais democrtica do que o sistema dinstico ento vigente.
A marca desse documento a sua condio de prova real do resultado do longo
perodo de conflitos entre a Coroa e o Parlamento, controlados, respectivamente,
pela dinastia dos Stuarts e seus seguidores defensores do absolutismo e a
burguesia ascendente partidria do liberalismo - onde estes saram vencedores e o
Parlamento alcanou a sua to almejada supremacia sobre o monarca, situao esta
preservada mesmo na atualidade, onde a realeza inglesa apresenta-se mais comoum smbolo, uma tradio, do que como um rgo detentor do poder estatal.66
Merece ser reconhecido, tambm, a esse Documento, o crdito de fixar a idia da
existncia de direitos que no derivavam da vontade do Estado, mas que
acompanham o indivduo cidado ingls desde o seu nascimento, uma vez que
no necessitou sequer da chancela do rei, para garantir a sua validade,
apresentando-se em verdade como uma imposio dos representantes do povo,contra o Estado e o governante, que no era mais concebido como detentor de um
direito divino, mas sim, como algum que governava por vontade do povo e que por
isso estava sujeito, em suas aes, a respeitar a dignidade dos governados.
Alm dos mritos j mencionados, o Bill of Rights serviu para divulgar, na
qualidade de um documento de natureza oficial, produzido por um dos mais
poderosos Estados daquele perodo histrico, as idias que j estavam sendodisseminadas pela doutrina anti-absolutista, com nfase em Edward Coke67 e no
supremo liberal John Locke68 cuja obra floresceu exatamente nesse perodo -
que inclusive encontrava-se exilado na Holanda e retornou justamente com a queda
de Jaime II, ainda em tempo de irradiar sua doutrina para o alm-mar, alcanando e
66WEFFORT, Francisco C.(Org.) et al. Os Clssicos da Poltica. Vol. 1, 10. ed. So Paulo: Editoratica, 2003, p. 82