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Número 2144 - Novembro 2017 - Ano 90 Versão digital: www.idefran.com.br 90 anos, edição comemorativa Vicente Leporace O tipógrafo de A Nova Era Em artigo de Realindo Júnior e Memória de Maria Aparecida Bernardes Tasso, homenagea- mos o radialista Vicente Lepo- race que iniciou sua carreira no Jornal A Nova Era no final da década de 1930. Em julho de 1971, Vicente Leporace beija as mãos de Chico Xavier no final do pro- grama Pinga-Fogo da extinta TV Tupi, ca- nal 4, de São Paulo. Guerino Leporace, pai de Vicente Liporace, foi o primeiro viajante para contatos e vendedor de assinaturas do Jornal. Nesta foto histórica usada para identificar-se como correspondente, exibe um exemplar do jornal. Em foto inédita, ao fundo, ternos claros, os dois fundadores do Jornal A Nova Era, José Marques Garcia e Martiniano Francisco de Andrade. Nesta edição homenageamos o tipógrafo Joaquim Lopes Bernardes em artigo de Nadia Marcondes Luz, recuperando a carta convite escrita por José Marques Garcia, em 1928 convidando o tipógrafo. Pág. 7 Pág. 4 Fundado em 15 de novembro de 1927, A Nova Era comemora seus 90 anos de publicação initerrupta

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Número 2144 - Novembro 2017 - Ano 90Versão digital: www.idefran.com.br

90 anos, edição comemorativa

Vicente Leporace

O tipógrafo de A Nova Era

Em artigo de Realindo Júnior e Memória de Maria Aparecida Bernardes Tasso, homenagea-mos o radialista Vicente Lepo-race que iniciou sua carreira no Jornal A Nova Era no final da década de 1930.Em julho de 1971, Vicente Leporace beija

as mãos de Chico Xavier no final do pro-grama Pinga-Fogo da extinta TV Tupi, ca-nal 4, de São Paulo.

Guerino Leporace, pai de Vicente Liporace, foi o primeiro viajante para contatos e vendedor de assinaturas do Jornal. Nesta foto histórica usada para identificar-se como correspondente, exibe um exemplar do jornal.

Em foto inédita, ao fundo, ternos claros, os dois fundadores do Jornal A Nova Era, José Marques Garcia e Martiniano Francisco de Andrade.

Nesta edição homenageamos o tipógrafo Joaquim Lopes Bernardes em artigo de Nadia Marcondes Luz, recuperando a carta convite escrita por José Marques Garcia, em 1928 convidando o tipógrafo. Pág. 7Pág. 4

Fundado em 15 de novembro de 1927, A Nova Era comemora seus 90 anos de publicação initerrupta

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Editorial

AÓrgão mensal de divulgação espírita

Intermunicipalde Franca- Adolfo Mendonça Jr.Responsabilidade editorial:USE

Conselho Editorial: Mario Arias Martinez, Felipe Salomão, Euripedes B. Carvalho, Fernando A. P.Falleiros, Ademir G. Pinheiro, Marcos A. Faleiros, Maria Consuelo Aylon, Jaime B. Silva e João B. Vaz

Propriedade: Fundação Espírita Allan Kardec

Realização e responsabilidade editorial: Idefran - Instituto de Divulgação Espírita de Franca

Rua Major Claudiano, 2185, Centro, CEP: 14.400-690 - Franca ( ) - Tel.: 16 3721.8282SPwww.idefran.com.br - [email protected]

Fundado por José Marques Garcia e Martiniano Francisco de Andrade, em 15 de novembro de 1927

A Nova Era, o nonagenário!Há coisas que fazem história pelo

que significam no seu momento, mas há outras que se perenizam no obje-tivo que alcançam. A história de A Nova Era não encerra apenas o de-curso do seus 90 anos de existência, mas continua projetando-se na fir-meza de seus propósitos.

O nosso homenageado, em 15 de novembro de 1927, não nasceu da maneira como geralmente nascem os institutos do conhecimento, mas de um idealismo sentimental. Reunião para decidir sobre questões adminis-trativas da Fundação Espírita “Allan Kardec”, em que se consubstanciava a então Casa de Saúde “Allan Kar-dec”, categoria a que se erigira o, antes, Asilo “Allan Kardec”, fez-se aurora para a efetiva divulgação do Espiritismo em Franca. Anos depois de haver fundado o “Asilo”, com o caridoso propósito de acolher doen-tes mentais relegados à própria sorte, o pioneiro do Espiritismo na região, José Marques Garcia, fundou tam-bém o periódico cujo nome lhe veio por sugestão de O Evangelho segun-do o Espiritismo que, no seu capítu-lo I, reporta-se à vinda da Nova Era preconizada por Jesus, tendo sido esta justamente a página aberta ao acaso, na busca de algo que inspi-rasse o nome do mensário que surgia sob a proposta de fazer luz nas cons-ciências. Noventa anos depois, con-tinua inabalável, e cujo manuseio se garante tanto pelos leitores de sua idade, quanto pelos novos, acorda-dos para a realidade do espírito.

E o “Asilo”? Este também ven-ceu a voragem do tempo e, oficiali-zada a condição de Fundação Espíri-ta “Allan Kardec”, e haver transitado pela categoria de “Casa de Saúde”, promoveu-se a Hospital Psiquiá-trico, que enverga a qualidade de modelo no tratamento de distúrbios mentais.

É verdade que, como instituição de saúde, o esforço da Fundação Espírita “Allan Kardec”, na ativida-de hospitalar na área da Psiquiatria, acaba por ser vencido por legislação que institui a desospitalização psi-quiátrica, o que, contudo, não abala seu decidido propósito de continuar

acolhendo e tratando pacientes do gênero.

Que se louvem os corações e bra-ços que, igualmente operários do bem, tanto na divulgação do Espi-ritismo, quanto na atividade hospi-talar, a par de significativo caráter assistencial espírita, que se cumpre pelo Departamento de Assistência Espiritual (DAE), continuam o ide-alismo de Marques Garcia, cumprin-do-nos, aqui, alinhar as seguras e produtivas direções dele próprio, de José Russo, Djalvo Braga, Antônio Alberto de Almeida, Eurípedes Ma-rini, Dr. Eliseu Florentino da Mota Júnior, Dr. Cleomar Borges de Oli-veira, Wanderley Cintra Ferreira e, atualmente, Mário Arias Martinez, para citarmos apenas os presiden-tes, deixando de fazê-lo com relação a muitos e valorosos colaboradores – não só por faltar-nos espaço, mas para não incorrermos em possíveis, injustas e involuntárias, omissões.

Todavia, quanto à sustentação do jornal A Nova Era, uma citação se faz impositiva, porque trata-se de nome que, desde os primeiros mo-mentos, além da cofundação, outor-gou apoio e colaboração firmes, para que José Marques não se deixasse abalar pelas dificuldades próprias de empreendimentos do gênero. É o igualmente saudoso Martiniano Francisco de Andrade que, como Marques, era respeitado expoente da assistência fraterna e do Espiritismo francano e regional.

Lembremos que o nosso homena-geado nonagenário, o jornal A Nova Era, desde o ano de 2015, passou a ser de responsabilidade editorial do Idefran – Instituto de Divulga-ção Espírita de Franca, continuan-do propriedade da “Fundação”. E, como marca indelével a expressar a Franca espírita e fraterna, continua a carregar consigo a sempre lembrada recomendação do seu fundador, se-gundo a qual, se, um dia, por falta de recursos, a Casa de Saúde, tiver que ser fechada, que os que o sucederem envidem todos os esforços possíveis para continuarem cumprindo a subli-me tarefa de divulgar a Doutrina que ilumina e consola.

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Fora da caridade não há salvaçãoO Evangelho segundo o Espiritismo

Eurípedes B. Carvalho

Com muito discernimento e inspi-ração, com a frase que nos serve de título, Kardec define, sem maiores rodeios e de forma definitiva, que a caridade é o único caminho que en-curtará nossa caminhada em busca da perfeição. O significado desse abran-gente vocábulo ainda é muito confun-dido com esmola, assistência social, ajuda financeira, etc. Assim fosse, como ficariam aqueles que carecem do mínimo de recursos para sua pró-pria sobrevivência? Como a pratica-riam sem essas condições?

O campo de ação da caridade é muito mais amplo, infinito mesmo, pois que pode estar sendo praticada por todos em qualquer tempo e em qualquer parte do Universo. Ela é a síntese de todas as outras virtudes. Não há caridade onde não existam a humildade, a benevolência, a tolerân-cia, a compreensão, a bondade, a fra-ternidade, o perdão e a cordialidade.

Opõem-se a ela, com tenacidade, o orgulho e a vaidade.

Kardec, em seu “Discurso III –Lyon e Bordeaux”1, assim a classifi-ca: (...) “Ora, o móvel da abnegação e do devotamento é a caridade, isto é, o amor ao próximo”. Refletindo, enten-demos que essa definição se resume em três palavras: “Caridade é Amor.” É esse estado de espírito que carac-teriza os eleitos de Deus. Francisco de Assis, Cura D´Ars, Irmã Dulce, Madre Tereza de Calcutá, Chico Xa-vier, viveram em permanente estado de caridade. Espargiam seu perfume de amor por onde passavam. Isso sem falar de Jesus, que foi a personifica-ção do Amor/Caridade.

Sendo o orgulho e a vaidade a an-títese dessa virtude, o total desprendi-mento das coisas e dos bens materiais era natural e espontâneo em todas as suas atitudes. Chico Xavier, pela psicografia de Carlos A. Baccelli, nos lega duas frases preciosas como exemplo de sua humildade e singe-leza. Primeira: “Do ponto de vista material, quase nada tive na vida, mas ainda hei de reencarnar, para ter menos ainda!...”. Segunda: “Quando eu era jovem, a minha única preocu-pação era a de não ter nenhuma uti-lidade na Vida. O Senhor se compa-deceu de mim e, do Nada, fui promovido a Cisco.”2 Parafrase-ando Paulo, em sua Epístola aos Corín-tios, diríamos: esses citados heróis da ca-ridade falavam a língua dos homens e dos anjos, tinham o dom da profecia, conheciam todos os mistérios e ten-do fé a ponto de transpor montanhas, mesmo considerando-se nada, foram tudo, pois que vivenciaram em toda plenitude a Caridade.

Esses raros baluartes da beneficên-

cia passam de tempos e tempos pela história da humanidade. Suas traje-tórias lembram fulgurantes cometas deixando em seus rastros o brilho in-tenso de suas luzes, as mais eloquen-tes lições no exercício da verdadeira caridade. São lídimos paradigmas para todos nós, que queremos, com esforço próprio, alcançar esse estágio de evolução.

A frase do Codificador, que dá título ao cap. XV do ESE, “Fora da Caridade Não Há Salvação”, eviden-cia a importância dessa virtude maior, condição sine qua non para o impres-

cindível crescimen-to moral do Espírito. Citando novamente o seu Discurso III, eis o que ainda nos diz Kar-dec sobre essa virtude: “Há que se considerar

quatro princípios básicos para a ver-dadeira caridade: a benevolência, a indulgência, o sacrifício e o devota-mento.”3.

Semelhantes princípios são corro-borados pela resposta dos Instrutores Maiores da Codificação, na questão 886, de O Livro dos Espíritos, quando

indagados sobre o verdadeiro sentido da Caridade. Responderam: “Bene-volência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, per-dão das ofensas.”4. A genial frase do venerável sacerdote druida teve ainda o condão de se contrapor ao imperati-vo da dogmática sentença católica de caráter exclusivista: “Fora da Igreja não há salvação.” Assim ele conclui: ela é exclusivista, absoluta; não une, separa; contraria o sentimento de fra-ternidade: condena o que está fora dela, não considerando como irmão; provoca conflitos; discrimina; pode punir o filho e salvar a mãe definiti-vamente; ignora a igualdade perante o túmulo e condena o resto da huma-nidade não católica. Já a frase, “Fora da caridade”, tem sentido universalis-ta, está ao alcance de todos; prega a igualdade perante o túmulo e perante Deus; para ela o tribunal que condena ou salva é o da consciência. Enfim: caridade é amor e “O amor é uma força que transcende todas as forças do Universo. A Criação é um ato de Amor. É o Amor de Deus que sus-tenta a Vida. Se o amor acabasse, a Vida se extinguiria. Onde ele não se faz presente, o que existe é caos e de-solação.”5

Bibliografia:

1 e 3 - KARDEC, Allan, Viagem es-pírita, (1862).2 e 5 - BACCELLI, C.A./XAVIER, Chico, 5. ed. O Espírito de Chico Xa-vier.4 - KARDEC, Allan, O Livro dos Es-píritos, A.Kardec (questão 886).

“Fora da caridade não há salvação”, evidencia

a importância dessa virtude maior

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to da Casa de Saúde com déficit de 6:927$380 (seis contos, novecentos e vinte e sete mil e trezentos e oitenta réis) enquanto este jornal, gerenciado pelo tipógrafo, fechara o mesmo ano com superávit de 2:922$150 (dois contos, novecentos e vinte e dois mil, cento e cinquenta réis). Com siste-ma contábil independente, sobrevi-vendo com as vendas de assinaturas e publicidade, pode então o jornal, acudir as despesas do hospital. Na-quele período, no ano de 1936, a 5 de

julho, faleceu um dos fundadores, Martiniano Fran-cisco de Andrade. Para em seguida, quase ao final da segunda guerra mundial, estando o hospital repleto em sua capacidade de acolhimento de pa-cientes, entre ita-lianos, espanhóis,

franceses, japoneses, em 1942, vir a falecer o outro fundador, José Mar-ques Garcia. Dificuldades econômi-cas se apresentaram.

Cogitou-se encerrar a publicação desta folha. Reunidos, membros da diretoria e associados, após balanço geral das condições dos maquinários da gráfica e jornal, almoxarifado, mercadorias, tipografia, instalações prediais, levantamento da quantidade de tipos de todas categorias, decidi-ram constar em ata de 19.09.1942: “Que se ponha em concorrência pú-

O tipógrafo do jornal A Nova Era:Contribuição para a história da tipografia no Brasil

Nadia Marcondes Luz

Letra por letra, tipo por tipo, pa-lavra por palavra, aos pouquinhos surgiam as frases inteiras formando sentido. Leitores, aqui e ali, aguarda-vam a chegada do jornal mensal, por estradas empoeiradas rumo aos cen-tros urbanos, às fazendas, a pequenos povoados do vizinho sertão das Mi-nas Gerais, passando rumo a Goiás, Mato Grosso e por aí afora. Muito auxiliava a Companhia Mogiana. Por meio deste transporte, seguia o cor-reio, levando o amontoado de letras, reunidas em papel jornal que o tipó-grafo Joaquim Lopes Bernardes, com mãos sujas de tinta, organizara, espa-lhando os ensinamentos da doutrina espírita. Anos a fio, assim trabalhou o tipógrafo.

Por meio da mesma Mogiana, chegavam à Franca, pacientes muitas vezes sozinhos para serem internados na Casa de Saúde Allan Kardec. O jor-nal, ao seguir seu trajeto, cumprindo a missão não apenas de divulgar, como também de defender o espiritismo, prestava contas e informava sobre os feitos da Casa de Saúde Allan Kardec, acolhendo então, doentes mentais. O jornal, em mão dupla, noticiava in-clusive, a possibilidade de amparo para que familiares mandassem seus parentes doentes para Franca. Hábito comum, pendurar uma placa feita em papelão e cordinha no pescoço com os dizeres “Allan Kardec” para que o condutor e funcionários da Mogiana aqui descessem a carga humana. Mas, o tipógrafo, inseparável de José Mar-ques Garcia, o fundador, vivenciava tudo daquele universo espírita que se formava: o Centro Espírita Esperança e Fé, o jornal A Nova Era e a Casa de Saúde Allan Kardec. Mês a mês divulgava o tipógrafo, notícias sobre a necessidade de doações de gêneros alimentícios para suprir a cozinha da instituição filantrópica.

É neste contexto que este jornal, na edição de aniversário, de 90 anos, homenageia a memória do tipógrafo Joaquim Lopes Bernardes. Na atua-lidade, quando os cursos de designer gráfico, inserem, em algumas univer-sidades a disciplina de História da Tipografia no Brasil, professores e autores mencionam a importância de recuperar-se para a memória histórica nomes, maquinários e métodos em-pregados por aqueles profissionais. Responsáveis que foram pela história da imprensa brasileira, tanto quanto os autores e escritores que assinavam artigos em periódicos espalhados por nosso extenso território.

Este jornal francano, praticamente iniciou suas atividades na oficina da rua Campos Salles, local onde tam-bém foi o tipógrafo residir com a fa-mília, ao lado da residência de José Marques Garcia, em cômodos do

centro espírita, contiguo à oficina.Contratado em 1928, a princípio

para ser o tipógrafo do jornal e auxiliar com a correspondência, com o passar dos anos, tornou-se praticamente in-separável na rotina de José Marques Garcia. Ao tipógrafo Joaquim, não cabia apenas montar ou diagramar o jornal. Morando suas famílias quase sob o mesmo teto, usando o mesmo quintal, acompanhava José Marques Garcia na administração do sítio onde plantações e víveres eram cutivados com a finalidade de alimentar pacien-tes psiquiátricos moradores da en-tão Casa de Saúde Allan Kardec, ou-trora Asilo e, pos-teriormente, como prossegue na atu-alidade, Hospital de mesmo nome. Atuava o tipógra-fo, ainda como voluntário, junto à diretoria do hos-pital, do centro espírita e da gráfica, entre companheiros descendentes de imigrantes, sem nos esquecermos da importante contribuição dada a este jornal, bem como ao hospital, pelos semitas, associados e contribuintes.

Na década seguinte à chegada do tipógrafo ao jornal, em período entre as grandes guerras mundiais, consul-tando os livros contábeis, observamos o fato de que no ano de 1933, sob sua gerência administrativa, o registro de balanço geral, aponta o fechamen-

Na década de 1930, Joaquim Lopes Bernardes a direita, ladeado por Diocesio de Paula e José Russo em frente a Gráfica e Jornal A Nova Era na Rua Campos Sales, onde hoje se encontra o Centro Espírita Esperança e Fé (A Nova Era).

blica o arrendamento das oficinas da A Nova Era, por tempo de um ano, com direito a rescisão contratual com denúncia de sessenta dias antes, por parte do arrendatário[...] Que se exa-mine antes a proposta do sr. Joaquim Lopes Bernardes, para arrendamento das oficinas e quanto ao custo da edi-ção do jornal A Nova Era, com tudo a seu custo, inclusive expedição da fo-lha, tinta, empregados, etc, subordi-nado à contra proposta[...]Que o con-trato de arrendamento das oficinas da A Nova Era seja reduzido a escritura pública, assinado pelas partes contra-tantes e devidamente registrado, com clausula de multa”. E assim foi, ami-gos à parte, seriedade e responsabili-dade na administração.

Para nós pesquisadores, nada me-lhor que encontrar atas bem escritas, documentos completos que permitam deixar rastros que delineiem o cará-ter moral e as propostas ou os feitos de personagens pesquisados. Era, na ocasião, o tipógrafo Joaquim Lopes Bernardes, além de gerente da oficina gráfica e jornal, também tesoureiro da Casa de Saúde Allan Kardec. Encon-tramos em ata de 09.05.1943, a notí-cia do contrato de arrendamento da A Nova Era, pelo período de um ano, entre o então provedor Jose Russo, ali representando a diretoria e Joaquim Lopes Bernardes, já demissionário da instituição, rompendo qualquer vín-culo de modo a firmar com clareza a nova relação a ser constituída. Na va-cância do cargo do gerente, assumia, após eleição, Miguel Sábio de Mello, o qual, por mais de uma década seria reeleito para aquele cargo administra-tivo. Arnulpho Lima, na ocasião, Ofi-cial do Cartório de Registro de Imó-veis e membro da diretoria da Casa de Saúde Allan Kardec, solicitou que se registrasse em ata, sua clara concor-dância em se dar continuidade à pu-blicação deste jornal, parabenizando Joaquim Lopes Bernardes pela dispo-sição em arrendar as oficinas gráficas. Transcorrido um ano, encerrado o contrato de arrendamento, registrou--se em ata que a nova diretoria já se encontrava em condições de prosse-guir administrando as oficinas do jor-nal, tendo à frente mais uma vez, o tipógrafo, agora contando com ajuda enriquecedora de Vicente Richinho. Na mesma ata, o tesoureiro, Miguel Sábio de Mello, leva aos demais membros associados a proposta para inovação. O industrial calçadista, co-nhecedor dos tramites de importação, sugeriu e foi acolhida sua proposta em se comprar e instalar maquinário mais moderno para as oficinas, regis-trando em ata que “mandará trazer dos Estados Unidos da América”. A história destas máquinas, das lino-tipos e das offsets em nossa região,

Leitores aqui e ali, aguardavam a chegada do jornal mensal, por estradas empoeiradas

rumo aos centros urbanos, às fazendas e pequenos

povoados

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para onde foram vendidas, quem as trocou, se ainda estão em uso ou se foram sucateadas, enfim, persegui--las em seu trajeto de vida útil desde a importação, ainda está por ser feita, assim como é fato a dura realidade de que no Brasil os tipos, letras usadas nas linotipos, em maioria tenham sido vendidos a ferro velhos. Só recente-mente pequeno grupo vem reunindo esforços para remontar essa memória gráfica brasileira.

Encerrando, não seria demais, transcrevermos aqui o trecho de uma ata de 1933, em que José Marques Garcia, agradece ao tipógrafo, em meio às grandes guerras mundiais, em nossa região paulista tão próxima à divisa com Minas Gerais, quando ainda era recente o conflito que a his-tória marcou como revolução de 32: - “Devido à grande crise econômica por que atravessa o país, a instituição tem lutado com ingentes dificuldades para poder levar avante sua elevada missão. Não fosse a sublimidade do sacerdócio que exercemos, e não fos-se por isso mesmo amparados pelas forças do Alto, por certo em dados momentos fracassaríamos na nossa missão, tais são as dificuldades com que temos que lutar[...] Cumpre-nos particularmente, notar que o nosso jornal A Nova Era, proficuamente di-rigido pelo tesoureiro da instituição, o nosso confrade Joaquim Lopes Ber-nardes, além das enormes vantagens de ordem moral que nos vem pro-porcionando há anos ininterruptos, favorecendo-nos na propagação de nosso elevado ideal, apresenta tam-bém o resultado econômico promis-sor de 2:922.150. A esse nosso com-panheiro de lutas, portanto, e aos seus dignos auxiliares os nossos votos de louvor.” Para, finalmente, incluirmos a expressão de Agnelo Morato em seu Subsídios para a História do Espiri-tismo em Franca (Franca: SP, 1986, p. 67), ao referir-se ao tipografo e ge-rente do jornal pelo período de 1928 a 1942: “Colaborador inestimável de José Marques Garcia, que lhe tinha em grande consideração a camara-dagem mais íntima. Profundo conhe-cedor da arte gráfica se tornou muito útil à divulgação doutrinária por esse veículo da doutrina espírita nos pagos francanos”.

De nossa parte, como partícipe que fomos da história deste jornal, pe-dimos licença para deixar aqui, ainda nossa homenagem e gratidão ao valo-roso Flávio Richinho, continuando o ideal de seu pai Vicente Richinho, foi responsável por mais de uma déca-da pela edição desta folha, auxiliado sempre na diagramação por Letícia Gonçalves Facioli. Foi com Flávio, grande memorialista, que aprende-mos a gostar de ouvir e ler, para em seguida rastrear documentação sobre a história do jornal A Nova Era. Den-tre elas, aqui seguimos a compartilhar de seu respeito pela dedicação do ti-pógrafo Joaquim Lopes Bernardes, a ser um nome para a História da Tipo-grafia no Brasil.

Ainda na Chácara Água Limpa, Joaquim Lopes Bernardes com as filhas M. Aparecida e Ulda, Diocesio de Paula e José Marques Garcia em Sítio da Casa de Saúde Allan Kardec

Joaquim Lopes Bernardes e José Marques Garcia entre amigos na Chácara Água Limpa

Declaração assinada por José Marques Garcia em favor de Joaquim Lopes Bernardes onde destaca-se A Nova Era como Órgão de Defesa e Propaganda da Doutrina Espírita

Da direita para esquerda, dr Antonio Matias Vieira, dr. Tomaz Novelino, José Marques Garcia e Martiniano Francisco de Andrade, fundadores do jornal, seguido por Joaquim Lopes Bernardes; em frente, dr. Alpheu Diniz da Silva e José Engracia de Faria.

Franca, 1 de novembro de 1928Ilmo. Sr. Joaquim Lopes BernardesUberabinhaSaudaçõesPrezado Irmão

Por informação do nosso Ari Guerino Leporaci, viajante em propa-gando do nosso jornal A Nova Era, a quem eu havia incumbido de ar-ranjar um tipógrafo, para trabalhar na nossa tenda. E ele disse-me que combinaria com o Ari, no sentido de vir trabalhar conosco. E seguindo suas informações fiquei satisfeito, e peço o Ari, sendo possível, vir só para combinarmos, e trabalhando aqui uns dias. Se gostar daqui, faremos então contrato e virá a família, pois preciso arranjar casa o que aqui não é muito fácil, e na expectativa de suas novas ordens, sou,

De V. (ilegível)José Marques GarciaAs suas despesas, será por nossa conta.A quanto essa viagem sua?

Carta de José Marques Garcia convidando Joaquim Lopes Bernardes para traba-lhar como tipógrafo do jornal A Nova Era, escrita em 01.11.1928, um ano após a fundação do jornal. Papel timbrado, onde se le com a finalidade de informação histórica: Centro Espírita Esperança e Fé, fundado em 1911; Asylo Allan Kardec, fundado em 1922 com endereço de Jose Marques Garcia, diretor, na rua General Carneiro, 1360.

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Maria Aparecida Bernardes Tasso, filha de Odete Gonzaga e de Joaquim Lopes Bernardes, que foi o primeiro tipógrafo do jornal A Nova Era, além de advogada, foi professora responsá-vel pela alfabetização de dezenas de adultos, professora de geometria, pe-dagoga, militante da causa de prote-ção aos animais, exímia pianista, mãe e avó muito querida.

Esclarecemos que, ao buscá-la como fonte histórica, optamos por usar a técnica da transcrição do grava-dor na fala corrida, ou seja, evitamos interrompê-la com perguntas, obje-tivando que venham à tona informa-ções obtidas no exercício introspecti-vo da fala repleta de sentimentos, na possibilidade em nos descrever fatos vivenciados. Usando como metodo-logia a história oral, nosso conceito de memória esbarra em Maurice Hal-bwachs, ao esclarecer o sentido de memória coletiva. Maria Aparecida Bernardes Tasso:

“Sou a filha mais velha, nasci em Araguarí, Minas Gerais, no dia 10 de março do ano de 1928. Meu pai Jo-

aquim Lopes Bernardes, nasceu na fazenda Sobradinho, que ficava perto de Uberlândia, que naquela época era chamada por Uberabinha. Ele nasceu em 24 de maio de 1905 e minha mãe, Odete Gonzaga, em 6 de março de 1910. Eles se casaram em 1927, ela com 17 e ele com 22 anos de idade. No ano seguinte ao do casamento, 1928, o Sr. José Marques Garcia, que nós chamamos de vovô Marques, en-viou uma carta daqui de Franca, con-vidando meu pai para trabalhar como tipógrafo no jornal A Nova Era. O Sr. Guerino Leporace foi quem entregou a carta e combinou tudo para que meus pais se mudassem para Fran-ca. Tenho aqui nos meu guardados a carta assinada pelo vovô . Você quer ver? espere que vou pegar no armário aí atrás.”

Assim que a carta nos foi entre-gue, apreciamos muito e solicitamos permissão para publicá-la, diante do que, de imediato e com muita sa-tisfação, permitiu-nos e prosseguiu então: “Cheguei aqui bebezinho, de meses. Fomos morar provisoriamen-te nos cômodos onde funcionava a oficina do jornal e, à noite, faziam as reuniões espíritas. Vovô colocou uma divisória lá. Minha mãe era de família muito católica, tinha muitos padres na família. Ainda tem! Cresci ouvindo de minha mãe o fato de que logo no começo, quando aqui che-gou, tinha medo das comunicações e me carregava no colo para passe-ar. Ficava andando na rua. Só volta-va quando a sessão espírita acabava. Coitada, devia ser difícil, mas não tínhamos a nossa casa ainda. Ela ti-nha que aguentar as dificuldades. Já imaginou? Mas com o tempo, acostu-mou, passou a entender mais, a parti-cipar das reuniões, a estudar. Depois ficou uma espírita firme! Imagine só,

ela tinha 18 anos e meu pai começou no jornal já com família, aos 23 anos de idade. Moramos ali por anos e o que era provisório foi ficando. Mi-nha irmã Ulda nasceu lá, dentro do centro espírita, ali mesmo em nossa casa, junto com a oficina onde meu pai fazia o jornal. Tinha a parteira, que esqueci o nome, daqui a pouco eu me lembro. Todo mundo chamava e ela ia nas casas, coitada. Para você ver por quanto tempo moramos ali, chegamos em 1928 e ela nasceu em 1930. Só depois fomos morar na rua Irmãos Antunes, que depois da morte do vovô, passou a se chamar rua José Marques Garcia para homenageá-lo, porque é a rua do Hospital “Allan Kardec”. Não havia nada construído por ali. Era um pasto só. Tenho fotos, vou procurar para te mostrar.”

Para nossa surpresa, vimos mui-tas fotografias lindas e sempre de Jo-aquim Lopes Bernardes, seu pai, ao

lado de José Marques Garcia, funda-dor deste jornal. Fizemos este comen-tário, sobre a amizade entre os dois, o companheirismo. Passamos a apre-ciar algumas fotos tiradas de avião, vista aérea, comum naquele período quando pelo interior, pequenos aviões combinados com fotógrafos, taxia-vam para este tipo de serviço. Graças à iniciativa desses profissionais, mui-to se preservou da História de nosso país. Chamou-nos a atenção o fato de ainda não haver nenhuma construção nas redondezas da casa do tipógrafo, no então recém criado bairro Cidade Nova, especificamente por ser distan-te apenas alguns metros da principal avenida, a Getúlio Vargas. Foi então que Aparecida nos contou: “ Só de-pois veio o casal Novelino a construir a escola Pestalozzi bem aqui em fren-te à nossa casa. O Sr. Guerino morava ali na esquina. De frente onde hoje tem o relógio do Pestalozzi, esquina com a rua Afonso Pena.”

Retomando em seguida nossa conversa inicial, sua memória des-vela lembranças afetivas, mostrando--nos em seu depoimento a liberdade e a beleza do vai e vem da memória inspirativa. –“ Quando menina, aju-dava papai a fazer a tinta para passar nos tipos, para sair as letras no pa-pel do jornal. Mas era a mamãe que fazia esta parte e a gente só ajudava um pouco. Mamãe fazia as tintas no

fogão de lenha, eram dois rolos e ela ficava lá mexendo a tinta no fogão. O Vicente, filho do Sr. Guerino, você sabe quem é. É aquele que mais tarde se tornou jornalista, o Vicente Lepo-race, que fazia o noticiário na rádio Bandeirantes. Era O Trabuco! Então, como eu estava contando, o Vicente Leporace menino e até mocinho, tra-balhava no jornal. No começo, aju-dávamos nossos pais a dobrar o jor-nal, deixar prontinho para entregar e, depois, fui estudar e o jornal já tinha gente empregada que fazia diversos serviços. O Vicente era funcionário. Papai colocava a gente para passar as páginas do jornal na máquina. Aque-las folhas grandes de papel. Vicente e eu segurávamos as folhas para não deixar cair da máquina. Meu pai era o responsável, fazia contato com os anunciantes, o Sr. Guerino viajava vendendo assinaturas, propaganda e também trazia contribuições para ajudar o hospital, o povo tinha dó dos doentes e também queria participar ajudando, porque o hospital era de graça, atendia todos sem cobrar. Tra-zia sacas de arroz, café, comida para os doentes. Vinha ajuda de todos os lados. Dona Mariana Gramani era a esposa do Guerino, mãe do Vicente. Era uma mulher baixinha, italiana amorosa. A gente vivia almoçando na casa dela, ela fazia a massa do macar-rão em casa. Tinha também o Sebas-tião, irmão do Vicente que também foi radialista da rádio Cultura. Ah! Me lembrei de uma coisa importan-te!! Quando foi para o Vicente Le-porace se aposentar, ele telefonou e conversou com meu pai que já esta-va de idade. Precisava de declaração afirmando seu tempo de serviço para somar e contar para aposentadoria. Meu pai fez tudo. Deu certo. Acredi-ta que logo em seguida, quando saiu a aposentadoria dele, ele ligou feliz dizendo: - ‘Aparecida, agradeça a seu pai porque minha aposentadoria chegou!’ E no dia seguinte, acredita? Papai faleceu! Teve um infarto. Era 11 de abril de 1978. E por ironia do destino, logo em seguida veio a no-tícia de que o Vicente também havia falecido!!!. Ele morreu com edema pulmonar no dia 16 de abril de 1978, cinco dias depois do papai!! Ele tra-balhou muitos anos na rádio Clube Hertz daqui de Franca. É assim... a turma do jornal vai se reencontrando por lá... papai faleceu cinquenta anos depois de haver chegado a Franca para ser tipógrafo do jornal A Nova Era. Ele chegou em 1928 e morreu em 1978!”

Ela procurou e nos entregou uma foto de Guerino Leporace, comenta-mos um pouco mais, falamos sobre os filhos radialistas do Guerino e foi

História oral/Memória Maria Aparecida Bernardes TassoNadia Marcondes Luz

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então que ela com alegria prosseguiu: “Agora, quero te contar do piano. To-quei piano contratada na rádio PRB5 que ficava ali na praça 9 de Julho. Como fomos criadas ali junto com o casal José Marques Garcia, sempre por lá ficávamos, mesmo depois que nos mudamos porque a oficina do jor-nal era junto com a casa dele. Tinha entrada pela rua General Carneiro e Campos Salles. Fui estudar piano, menina ainda e a professora Lídia Va-lério falou para o papai que eu preci-sava de um piano para poder treinar. Decerto ela viu que eu era dedicada. O vovô José Marques soube que a Dona Odete, esposa do professor Sa-bino Loureiro tinha um piano para vender. Comprou e me deu de presen-te. Era um Neulfeld. Está na casa da minha filha que é médica e mora aqui em Franca. Quem sabe alguém puxa a avó? Nossa casa ficava no cami-nho para o hospital e todos paravam ali. Imagine, era como uma chácara e devia ser bonito o som do piano. Vi-nha muita gente tocar e cantar aqui. Vinham Camparini, Fagione, Luis Puglia, Conjunto Francano, Mauri-lio e muitos outros. Vovô vinha todos os dias em casa. Carregava o guarda chuvas. Certo dia chegou em nossa casa trazendo de presente o Pequira, o cavalinho que puxava a carroça do hospital. Inclusive em enterros, vinha o Pequira trazendo na carroça o corpo de doentes que morriam no hospital. Tinha maioria de indigentes. Era o carro fúnebre. Mas o cavalo gostava tanto da gente, a casa cheia de crian-ças que o agradavam, e que sempre parava lá em frente. Nós morríamos de medo porque víamos o defunto debaixo da cortina improvisada que cobria parte do corpo, mas nunca os pés. Era uma correria só! Saíamos gri-tando. De noite a gente nem dormia! Olha que coisa! Criança não mede as consequências do que faz!! Quando o vovô deu o cavalo para a gente, foi quando comprou o automóvel, o for-dinho. Ele comprou uma charrete, já nem lembrávamos da carroça do car-ro funeral, aí sim passeávamos. Ou-tras vezes íamos passear na chácara do hospital que ficava abaixo do hos-pital, atravessando o córrego dos ba-gres, na chamada Ponte Preta. Cháca-ra Água Limpa. Retiro Alegre, criava porcos, vacas de leite, tinha frutas no pomar e diversas plantações. Tudo para abastecer de mantimentos o hos-pital. Vou mostrar as fotos.”

Vimos fotografias que bem mos-traram a excelência da administração do hospital filantrópico. Bovinos, suínos, equinos, víveres, sabíamos de tal empreitada administrativa, por meio da atas e livros caixa, no entan-to, nunca havíamos tido oportunidade de ver as fotos. Encerrando, prosse-guiu: “Mas era assim nossa vida era feliz. Vinha muita visita importante para o jornal. Somos em seis irmãs, todas mulheres, então sempre está-

vamos por ali ajudando a servir café, arrumando a mesa. Com o passar dos anos, faziam reuniões com sessões espíritas em nossa casa. O Sr. Arnul-pho Lima, do cartório, era quem or-ganizava. O doutor Antonio Petraglia não saia de casa e também gostava das reuniões. Mas nós, crianças, gos-távamos mesmo era de ficar no co-mércio, na loja do vovô, junto com a vovó Mariquinha. Ah! Você quer sa-ber como ela era? De corpo devia pesar entre uns 60 a 70 quilos, não era muito alta, baixa até pos-so dizer, gos-tava de vestir roupa clara com rendinha nos punhos. Era vaidosa, se arrumava, gostava muito de usar anéis. Sempre ouvi que era de família do Rio de Janeiro com posses. Não sei se era mesmo. Tinha uma funcionária, a Dóia, que havia sido escrava de alguém. Era ela que fazia tudo na casa. Ela já estava de meia idade. Era boazinha conosco e a vovó gostava muito dela. Era com-panheira da vovó. Tenho ainda umas toalinhas de crochê que ela fez e me deu, quer ver? Vou buscar para você ver, espere um pouco.”

Vimos o crochê de Dóia. Linha fi-níssima, de carretel igual linha de co-ser, trabalho minucioso, inigualável, trabalho de quem, ponto por ponto,

Franca é uma cidade de gran-de tradição. São quase dois séculos desde a fundação do Arraial e Vila Franca do Imperador. A tradição e o conceito vêm justamente da presença e do trabalho de pessoas muito espe-ciais, que fizeram da cidade a referên-cia e tratamento pelas autoridades do passado como a Atenas da Mogiana.

A Capital do Calçado, do Basque-te e do Café é também a cidade do Rádio no interior brasileiro. Afinal,

O jornalista Vicente Leporace, que ini-ciou seu trabalho no jornal A Nova Era em foto da década de 1950

sabia que estava fazendo naquele cro-chê, dentre tantas outras, uma única que ficaria materialmente como lem-brança. Aparecida me descreve Dóia e eu procuro visualizá-la por meio não apenas da imaginação. Apareci-da acha graça de alguma ocorrência que a memória lhe traz e nos conta: “ Vovó Mariquinha se chamava Maria Marques Freire. Ela era negociante, tinha um armário que parecia, para

nós crianças, uma espé-cie de gaiola, onde ela colo-cava salgados para vender. Como não gostava de cozinhar, ela comprava ou mandava fa-zer. Colocava

ali e ganhava seu dinheirinho. Aque-le cantinho da mercearia era só dela. Criança que éramos, gravamos na memória a beleza que achávamos em apreciar aquelas mãos cheias de anéis que ela usava. Os filhos adoti-vos eram tratados com muito carinho. Vovô era muito sistemático e ela ti-nha muita paciência com ele. Imagi-ne se não! Ele levava doentes para cuidar em casa! No quintal da casa da vovó tinha dois pés de caju, onde brincávamos. Os doentes ficavam por ali, pelo quintal. Depois, quando nos mudamos, o vovô já passava em casa e pegava a gente. Íamos com ele com muita naturalidade, para o hos-

pital, onde brincávamos em meio aos doentes. A casa nossa foi construída pelo Benedito Maniglia. Ele foi o construtor e o pintor. Bonaventura Cariolato auxiliou nos desenhos, deu muitas ideias. Os doentes que já esta-vam recuperados, como muitos eram abandonados pelos familiares, o vovô chamava para ajudar na construção. Eles acabavam por se profissionalizar e dali passavam a ter serviços para seguir adiante com a vida. O vovô já fazia este serviço de ressocializa-ção, pensava na dignidade de se ter um trabalho ou uma profissão para se manter. Daqui, da nossa casa, an-tes da construção do Pestalozzi, nós acompanhávamos a chegada e saída dos trens da Mogiana. Aqui é alto e lá também, no hospital, então dava para ver o trem chegando, ouvir os apitos. Era uma beleza! Nós almo-çávamos sempre no hospital, juntos, todos os doentes e a gente. Vovô era muito festeiro e adorava fazer festa e servir coisa boa de comer aos pacien-tes. Éramos uma grande família, tudo era muito natural para a gente. Nossas idas ao hospital, brincadeiras, não ha-via essa ideia que depois surgiu de se-parar os doentes porque todos podiam ser perigosos. Lá, havia gente de todo tipo, com tristeza, abandonada, de-pressiva, essas coisas. Vovô passa-va em casa e íamos com ele brincar no hospital, enquanto papai cuidava do jornal, da gráfica, acompanhava o vovô ao sítio, os dois eram muito amigos e unidos, confiavam um no outro.

Vicente Leporacehá quase um século, via ser fundada a terceira emissora do País, a PRB-5, Rádio Clube Hertz. E este prefixo foi marcante, pois possibilitou o surgi-mento de grandes personalidades da época, cujo trabalho ecoou durante décadas, projetando Franca.

Vicente Leporace foi um destes nomes mais expressivos, com tra-balho marcante e sempre lembrado. Nascido em janeiro de 1912 na mi-neira Santo Tomás de Aquino, Vicen-te veio para Franca ainda jovem, com os pais Guerino e Mariana Leporace. O pai trabalhou no jornal A Nova Era, outra referência tradicional da cidade. Vicente iria buscar justamente outro veículo de comunicação para traba-lhar. Aos 16 anos, já estava na antiga e, ora, extinta PRB-5, como respon-sável por cuidar da discoteca da emis-sora. Mais seis anos e foi promovido a Locutor. Nessa época, trabalhavam na PRB-5 grandes nomes do rádio, como Xisto Guzzi.

O trabalho de Vicente logo ganhou destaque. E ele chegou a tradicionais emissoras da época como Tupi de São Paulo, Atlântica de Santos, Record,

América e finalmente, Bandeirantes, onde teve grande destaque, a partir de 1962, quando lançou “O Trabuco”, programa de jornalismo que ficou no ar até seu falecimento, em abril de 1978.

Mas, antes do Rádio, Vicente Le-porace teve destaque também como participante da Revolução de 1932, depois no cinema, ao lado de Fran-cisco Cuoco, Mirian Meller e Ma-zzaroppi. Era um conceituado show man. Com Reali Junior, Hélio Fabri, Almir Guimarães, Gonçalo Parada, Luiz Monteiro e outros nomes de expressão na época, participou com destaque do programa Pinga Fogo, da extinta TV Tupi, a maior audiência da época, com as entrevistas de Chico Xavier. Outro trabalho marcante.

Ao falecer, em abril de 1978, foi homenageado pelo prefeito da época, Mauricio Sandoval Ribeiro, que deu seu nome ao maior bairro da cidade, então inaugurado no mesmo mês, o “Parque Vicente Leporace”.

Foi a forma encontrada pelos fran-canos para devolver-lhe com gratidão tudo que fez para projetar Franca.

Realindo Mendonça Júnior

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