Número 3 - setembro de 2013

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A publicidade no Brasil sempre foi reduto de

grandes artistas. Apesar das inúmeras pressões do

dia-a-dia de uma agência, sempre houve uma coisa

na publicidade que a ilustração editorial e os

quadrinhos jamais conseguiram oferecer: dinheiro.

Muitos artistas brasileiros buscaram um porto

seguro neste mercado em épocas turbulentas e

sempre foram muito bem recebidos, pois no

mundo da publicidade, quanto mais talentos

debaixo do mesmo teto, melhor.

Júlio Shimamoto, Flávio Colin, Antônio Euzébio

Neto, Getúlio Delphim, Jayme Cortez e

Luiz Saidenberg foram alguns dos quadrinistas

que acabaram indo parar na publicidade, em parte

por puro acaso, e acabaram tendo longas,

prósperas e premiadas carreiras como ilustradores

ou diretores de arte criando para grandes

anunciantes ao lado de outros grandes artistas

nativos da publicidade, sem nunca mais voltar aos

quadrinhos. Neste terceiro número da MeMo,

vamos acompanhar a trajetória de um deles.

Divirtam-se.

Toni Rodrigues

[email protected]

Memo número 3, setembro de 2013.

Redação e Direção de Arte: Toni RodriguesTexto final: Danilo RodriguesRestauração e tratamento de imagens: Laíse Rodrigues

Esta edição não seria possível sem a extraordináriamemória de Luiz Saidenberg.

Proibida a cópia, reprodução, utilização, modificação, venda,publicação e distribuição deste material na sua totalidade ou em parte em qualquer tipo de suporte sem prévia autorização por escrito de seus respectivos autores.

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Luiz Saidenberg é um dos grandes desenhistas que os quadrinhos

nacionais perderam para a publicidade nos anos 60.

Dono de um traço refinado, Luiz foi um dos protagonistas de

um movimento que queria nacionalizar a produção de quadrinhos

por força de lei, num tempo em que era viável se sonhar com algo

assim: o Brasil do comecinho dos tumultuados anos 1960.

Mais do que isso, Luiz Saidenberg é um arquivo vivo da

história urbana de São Paulo. Dono de uma invejável e prodigiosa

memória, além de extremamente articulado. É difícil não se deixar

levar pelos relatos que faz acerca dos lugares por onde passou e

das pessoas com quem conviveu.

Prepare-se para embarcar agora numa inesperada e agradável

viagem no tempo, prepare-se para conhecer melhor Luiz Saidenberg.

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O Instituto Agronômico de Campinas, fundado por Don Pedro II em 1887.

MeMo: Luiz, onde você nasceu e quando? De onde vem os Saidenberg? Qual é a origem da sua família? Alemã? Sueca?

Luiz Saidenberg: Nasci no dia 24 de fevereiro de 1940 em Piracicaba, estado de São Paulo. Mas, nunca morei lá de verdade. Meu irmão Ivan também nasceu nessa cidade. Meu pai era engenheiro agrônomo, formado pela Escola Luiz de Queiroz, e foi em Piracicaba que minha mãe e ele se conheceram e se casaram. Mas ele vivia sendo transferido. Como um bando de ciganos, estivemos em Bastos, Bauru, Tietê, Pindamonhangaba e até mesmo São Paulo, durante um ano. Só que sempre voltávamos à Campinas, sede do Instituto Agronômico. Minha ascendência? Um tanto paradoxal. Minha mãe, Lucilla de Camargo Simões, era de família quatrocentona, com raízes em João Ramalho e Bartira. Meu pai, Elias Saidenberg, imigrante ucraniano, sendo uma mistura de judeus alemães e russos. Mas não professava religião alguma, e deu à minha mãe plena liberdade em nossa instrução religiosa. Ela era católica fervorosa. Eu, como meu pai, sou um livre pensador.

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MeMo: Como foi sua infância?

Você me disse uma vez que seu pai

trazia quadrinhos para você e isso

o estimulou a desenhar. Mas, quais

quadrinhos? Seu pai gostava de

quadrinhos? Afinal, além de

você, seu irmão também acabou

trabalhando com isso.

Luiz Saindenberg: Como eu disse,

nós vivíamos nos mudando e

por conta disso, eu e meu irmão

mudamos muitas vezes de escola.

Com certeza por causa disso

não tivemos muitos amigos de

infância. Ivan e eu líamos muitos

livros, pois meu pai era um grande

leitor. O Tesouro da Juventude era

uma bela porta de conhecimento

universal. Júlio Verne, H.G. Wells,

Lewis Carrol, Lobato, a Coleção

TerraMareAr entraram rápidamen-

te em nossas vidas. Creio que meu

pai não lia gibis, mas sabendo de

minhas inatas habilidades como

desenhista, comprava todas

semanas revistas da época, Gibi,

Guri, Vida Infantil, O Tico-Tico, e

até algumas estrangeiras, como

Paperino e Topolino, (Donald e

Mickey italianos) onde tive um

precoce conhecimento da língua

italiana.

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MeMo: Você tinha algum personagem ou desenhista favorito?

Luiz Saidenberg: Eu só gostava, em quadrinhos, de personagens bem desenhados. Os “mal-feitos” nem lia. Então, gostava de Nick Holmes, Família Buscapé, Capitão César, Sobrinhos do Capitão, Sir Tereré, Brucutú, o fantástico Espírito, Principe Valente, Mandrake, Tarzan, Big Ben Bolt...Meu desenhista favorito era Alex Raymond e olhe que eu não havia visto, ainda, o seu fabuloso Flash Gordon do final dos anos 30, do qual tomaria conhecimento, deslumbrado, na Editora Outubro, no arquivo de Jayme Cortez.

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MeMo: Boa parte da infância da sua geração se deu sem televisão, mas com muito cinema e rádio. Você se lembra de algum filme, seriado ou programa de rádio de que gostava?

Luiz Saidenberg: Meu pai nos levava sempre às matinês de final de semana de um belo cinema campineiro, que não existe mais, que ficava na Praça Carlos Gomes. Víamos sempre O Gordo e o Magro, Os Três Patetas, muitos desenhos e filmes Disney e os seriados dos cowboys de então. Ouvíamos sim muito rádio, principalmente os programas da Rádio Nacional, no início dos anos 1950.

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MeMo: E como foi que você acabou se mudando para São Paulo?

Luiz Saidenberg: Bem, quando eu cursava o Científico, o Ensino Médio de hoje em dia, no Colégio Culto à Ciência de Campinas, meu pai sofreu um enfarte fulminante. Tinha 41 anos. Então, em 1955, aos quinze anos, vim com minha mãe e meu irmão para São Paulo, pois tínhamos tios e tias maternas aqui. Logo que nos mudamos comecei a estudar à noite e a procurar um emprego.

MeMo: Mas você só começou atrabalhar com quadrinhos na Editora Outubro, não? Antes você trabalhava em quê?

Luiz Saidenberg: Por conta da indicação de um tio, trabalhei por um mês numa pequena agência de publicidade, a London, que ficava na Rua Conselheiro Crispiniano, defronte ao Mappin. Apesar de um tema que desenvolvi ter sido até filmado, o dono não queria pagar-me. Saí sem nada receber, e o próximo emprego foi em um ateliê de criação de flâmulas, a Tur-Art, que ficava ali perto, na Rua Xavier de Toledo. O dono, Francisco Rafaelli indicou-me depois para uma pequena firma de animação. O desenho que fiz, bastante precário, chegou a passar na TV Tupi, acho, já que era a única da época. Mas ganhava muito pouco na Tur-Art, pois trabalhava meio período, por causa do estudo, precisava sair dali.

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O Colégio Culto à Ciência, fundado em 1874.

Foto da última sede doMappin, o mais paulistano

dos grandes magazines,na Praça Ramos de Azevedo

em frente ao Teatro Municipal de São Paulo.

Fundado como Mappin Stores em 1913, passou a ocupar esta sede a partir de 1937.

Foto de família nos anos 50.Luiz Saidenberg é este garoto

de paletó, ao centro.Este simpático indiozinho, criado por Mário Fanucchipara a TV Tupi, foi o primeiro de muitos mascotes de

emissoras de TV no Brasil. Ele estreou em 1951, uma época onde era impensável uma empresa não dar

uma flâmula como brinde a seus clientes.

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MeMo: E como você foi parar na Editora Outubro?

Luiz Saidenberg: Acontece que o Rafaelli também dava aulas de desenho e tinha um aluno, Almir Bortolassi, que já trabalhava para a Outubro. Foi ele quem me levou para falar com Jayme Cortez e Miguel Penteado. De modo geral, quem atendia os desenhistas era o Jayme Cortez, o diretor de arte da editora. Penteado apenas ocasionalmente. Sempre tratei direto com Cortez mas o Shimamoto preferia o Penteado, que muito o incentivou, e tinha certa bronca das gozações do Cortez.

O português pediu-me uma página de teste. Fiz, e quando a viu, ficou espantado: “mas, já trabalhastes nisto?”. Nunca, mas fui assim aprovado de primeira e em seguida recebi um roteiro de Gedeone, para ilustrar. A história se chamava “Esqueçam os Mortos”. Algum tempo depois passei a escrever eu mesmo ou a contar com a fantástica imaginação do Ivan.

MeMo: E como funcionava a Outubro? Como era trabalhar com Jayme Cortez e Miguel Penteado? E os outros sócios?

Luiz Saidenberg: Miguel Penteado era mesmo mais sério e gentil, e Cortez sempre mordaz e irreverente. Certa vez, um candidato a desenhista, muito fraco, mesmo, exibiu-lhe uns trabalhos. Ele olhava e ficava incomodado. Esfregando o polegar no indicador, murmurava: “Está faltando...está faltando...” e o ingênuo candidato: “Alguma coisa, seu Cortez?” e ele: “Falta tudo!!!”. No período em que trabalhei para a Editora Outubro, os sócios eram Jayme Cortez, Miguel Penteado, José Sidekerskis e Eli Lacerda. Mas eu tratava quase que o tempo todo

com o Cortez. Argumentistas, além do Gedeone, que também “desenhava”, havia o Hélio Porto que trabalhava bastante, mas depois desapareceu. Helena Fonseca não cheguei a conhecer. Só para esclarecer o caso do Gedeone, que era mais velho do que a gente e já tinha até sido editor (Editora Júpiter), ele na verdade não desenhava. Tinha um projetor instalado num quarto escuro que usava para projetar no papel os desenhos de outros desenhistas que ele recortava das revistas e depois fazia a arte-final. Mas dessa forma, ele produzia muito e acabava faturando mais do que todos nós.Trabalhar para a Outubro era legal, mas eu era muito jovem e inconsequente quando comecei lá, tinha apenas 19 anos, então não ligava para muitas coisas que poderiam ser importantes. Exemplo disso é que nunca me devolveram um original, aliás creio que pouca gente conseguiu seus originais de volta. Mas na época isso não me incomodava.

Jayme Cortez no final dos anos 1950.

História desenhada por Almir Bortolassi, com óbvia influência de Steve Ditko.História de apenas uma página, desenhada pelo grande Jayme Cortez.

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A primeira história de Luiz Saidenberg, com texto de Gedeone Malagola, saiu em Histórias do Além 1, com capa de Jayme Cortez, por volta Abril de 1960. Talvez por insegurança de iniciante, ele assinou seu nome em todas as páginas.

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MeMo: Haviam desenhistas que estavam em São Paulo, como você, Nico Rosso e Shimamoto, mas outros vinham do Rio, como Flávio Colin, Walmir Amaral e Getúlio Delphim, que inclusive eram funcionários da Rio Gráfica. Segundo relatos, os desenhistas só se encontravam no dia do pagamento e isso sempre virava uma festa.

Luiz Saidenberg: Nós, do estudio do Martinelli - eu, Waldir Igayara, Júlio Shimamoto e Lyrio Aragão - íamos pouco à Outubro. Geralmente, na data de entrega dos trabalhos e depois no dia de pagamento. Realmente nesse dia tudo virava uma festa. A editora fechava - ou, ao menos os sócios participavam da comemoração - e iamos todos tomar umas biritas num dos vários botecos vizinhos, com direito a cantoria e até violão. Do Rio, conheci Getúlio Delphim, Juarez Odilon, Manoel Ferreira e Aylton Thomaz. E até Ivan Wasth Rodrigues, ilustre figura. Colin não, eu o conheceria na propaganda, muito depois, pois ele não era chegado a esta viagem. E Walmir Amaral nunca vi.

MeMo: E como era a vida que você levava como desenhista?

Luiz Saidenberg: O dinheiro era curto, como sempre aconteceu nos quadrinhos nacionais. Mas dava para os custos, modestos daquele tempo. Sou um cinéfilo, ia muito a cinema. Lá no estúdio do Martinelli sempre pintavam umas garotas, que podiam servir também como modelos. Carro eu não tinha, mas naquela tranquila São Paulo, ônibus e bondes não faltavam. Como sempre comia na cidade, conheci alguns dos restaurantes tradicionais da época, O Leão, O Papai, A Salada Paulista, Dois Porquinhos, Quibelândia, o Dom na Rua Aurora. Lyrio Aragão, bom desenhista no estilo Caniff, que era muito pitoresco e generoso, serviu a mim e ao Shima, mais jovens e inexperientes, como guia para os restaurantes, bares e cafés do antigo centro da cidade. E nos deu lições de vida também, referentes às mulheres, no nosso estúdio do Martinelli. Aliás, ele e o Igayara eram os titulares do aluguel do estúdio. Os dois entraram no mundo dos quadrinhos através do Gedeone que, como eles, era também investigador de polícia. O Martinelli na época era um mundo à parte. Havia de tudo lá, de academias de judô a prostitutas, de sindicatos como o dos bancários e o da Polícia Civil a bares de sinuca, fotógrafos, dentistas, tudo enfim. Mas desenhistas, acho que éramos só nós. Nosso estúdio era básico: umas pranchetas, uns armários com gibis, sem telefone e sem cartão de visita.

Primeiro arranha-céu da América Latina,

o Edifício Martinelli (com o luminoso da Cica) foi

construido entre 1924 e 1929 pelo arquiteto húngaro William

Fillinger sob encomenda do Comendador Giuseppe

Martinelli, imigrante italiano pobre que chegou ao Brasil

em 1899 e enriqueceu trabalhando com

importação e exportação no porto de Santos.

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MeMo: Fale um pouco mais sobre o Lyrio Aragão e outros desenhistas da Outubro.

Luiz Saidenberg: Lyrio era uma pessoa boníssima, mas tinha mudanças imprevistas de humor. De eufórico e exaltado para melancólico e soturno. Creio ser um caso clássico de bipolaridade, que hoje em dia seria mais fácil de tratar. Seu suicidio em 1969, foi para mim incompreensível, pois estava em boa situação, tinha uma boa esposa, três filhos pequenos, havia comprado uma casa no Jardim da Glória e um Fusca, há pouco tempo. É que eu ainda não conhecia bem os poderes do Lado Negro da Força, a terrível depressão profunda, a qual vim a experimentar algumas vezes,infelizmente. Nico Rosso era muito mais velho que a maior parte da turma, sempre foi muito gentil. Pequeno e bem falante, era uma simpatia, e uma máquina de desenhar, em várias direções. No caso dele, não parecia haver o famoso choque de gerações. Conheci muito pouco Scudellari e Manoel Ferreira, o Malone. Minha maior afinidade era mesmo com o Shimamoto.

MeMo: Vocês chegaram a trabalhar juntos na mesma história algumas vezes não?

Luiz Saidenberg: Numa tentativa de agilizar o processo e ganhar um pouco mais, quisemos fazer uma linha de montagem: meu irmão escrevia, eu esboçava e Shima mandava o pincel. Pra mim, o resultado foi gozado, mas desastroso.

Na foto ao lado, Lyrio Aragão desenha uma página de uma história policial usando sua esposa Ana e Waldir Igayara

como modelos. Esta foto e os desenhos que compõe esta página foram publicados no livro A Técnica do Desenho de Jayme Cortez, editado

pela primeira vez em 1965 e reeditado recentemente

pela Editora Criativo.

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Esta é uma das histórias produzidas pelo trio Ivan Saidenberg, Luiz Saidenberg e Júlio Shimamoto (foto), publicada pela primeira vez

na revista Seleções de Terror número 47, de 1961.

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MeMo: Como foi que seu irmão começou nos quadrinhos?

Luiz Saidenberg: Haviam mais desenhistas do que roteiristas naquele tempo. O Ivan era bancário e frequentava o Sindicato dos Bancários no Martinelli e logo entrou no nosso esquema como roteirista e muito bem por sinal. Mas ele continuou como bancário, afinal a grana nos quadrinhos era muito pouca. Ele chegou a ser procurador do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, foi lá que conheceu sua esposa Teresa. Ele teve também uma firma de consórcio de autos, uma casa lotérica e também uma sociedade em uma empresa de artefatos de madeira. Nada deu certo, e depois de retornar a Campinas por volta de 1970, Mauricio de Souza apresentou-o a Cláudio de Souza, da Abril. Aí começou sua brilhante carreira de roteirista Disney. Meu irmão tinha grande imaginação, a ponto de considerar quase reais coisas que havia inventado, tal sua imersão.

Muito inteligente, falava, parece, nove línguas. Talvez por esse excesso de fantasia, perdia um pouco a objetividade, o que deve ter atrapalhado muito sua vida profissional. Era também temperamental, como eu, e, também como eu, brigou várias vezes - sem as vias de fato - com seus chefes. Não era chegado a fazer política, nem concessões. Ele era mais novo que eu, e faleceu há quatro anos.

MeMo: Vocês desenhavam só para a Outubro? Haviam outras editoras que publicavam quadrinhos nacionais, como a La Selva...

Luiz Saidenberg: Naquela época, ingênuo que era, eu só desenhava para a Outubro. Havia um substrato velado de que fazer algo para a La Selva seria “traição”. Mas, alguns toureavam bem o assunto, como Zezo, e desenhavam para as duas.

Ivan Saidenberg nos anos 70, quando se tornou um dos mais prolíficos roteiristas Disney no Brasil, criando entre outros, os famosos Morcego Vermelho e Morcego Verde.

Luiz Saidenberg e sua esposa Márcia no aeroporto com Thereza

e Ivan Saidenberg que partiam para uma temporada

de 16 anos em Israel.

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MeMo: E tinha também o Mauricio de Souza. Ele, você e o Shimamoto foram os líderes do movimento pela nacionalização dos quadrinhos em São Paulo, não?

Luiz Saidenberg: Nosso movimento de nacionalização foi liderado pelo Mauricio. Shimamoto, sempre devotado e “caxias”, como bom japonês, instou-me a “partir para a luta”. Passamos os dois a ser “o braço direito” do Mauricio. E a sede do movimento, por falta de outro espaço, acabou sendo no nosso estúdio. Isto foi seu fim, pois entre entrevistas e atendimento a desenhistas, não conseguíamos mais trabalhar. Até que fomos expulsos pelos incomodados Aragão e Igayara, que se sentiram, com razão, prejudicados. Afinal eram eles os titulares da locação.

MeMo: O movimento pela nacionalização dos quadrinhos chegou a ficar bem forte na época e vocês acabaram conseguindo fazer passar uma lei (que nunca foi cumprida, eu sei) que previa uma cota progressiva de quadrinhos nacionais que as editoras deveriam publicar até a proporção de dois terços do que publicavam. Ao que consta, os grandes editores (Ebal, Rio Gráfica, O Cruzeiro e Abril) se defenderam criando o tal Código de Ética, calcado no Comics Code americano e as editoras pequenas, que publicavam basicamente terror, perderam terreno. Vocês que faziam parte do movimento foram boicotados e muitos acabaram indo para a propaganda, como você, o Shima, o Colin, o Cortez e outros. Essa é mais ou menos a história que se conta em várias fontes, mas me corrija se eu estiver errado. O queeu gostaria de saber é se o mercado desandou mesmo, porque a Outubro virou Taika, o Miguel Penteado saiu de lá, mas abriu a Gep e ainda surgiram a Edrel, a Regiart, a Graúna além de outras menores, então o mercado continuou existindo apesar dos percalços. O que você acha?

Luiz Saidenberg: Não fomos reprimidos pelo tal Código de Ética, e sim pelo medo que os editores tinham de nossas reivindicações. Passaram a nos negar trabalho.O Shima e eu ficamos sem rendimentos (e se não fosse um generoso vizinho, Shoji Ito, sem local para trabalhar). Nunca se falou de “código de ética anti-terror”, tanto que o terror continuaria, anos afora. Os jovens, como eu, continuavam aamadurecer, a se refinar e a propaganda naquela época precisava de pessoas assim, então foram muitos os desfalques. E sim, o pagamento das agências era infinitamente maior que o do pobre quadrinho nacional.

MeMo: E como ficavam os desenhistas-policiais participando de um grupo que por conta de sua luta era visto como “de esquerda” naquela época?

Luiz Saidenberg: Aragão, Igayara e Gedeone não eram vistos como reacionários,e não eram mesmo, levavam a polícia mais como ganha pão seguro, não eram durões. Nem nós éramos tão esquerdistas assim, eu era práticamente apolítico. Só seria mais consciente e revoltado após o golpe de 64. Então, não tínhamos problemas com os policiais. Mas precisamos lembrar que tudo isto foi antes do golpe.

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A adaptação nacional do selo americano passou a aparecer em quase todas as

revistas em quadrinhos a partir de 1962, enquanto Maurício de Souza começava a

deslanchar em sua carreira e Waldir Igayara desenhava esta caricatura de seus amigos

Lyrio Aragão e Luiz Saidenberg.

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MeMo: E no meio de tudo isso teve a CETPA (Cooperativa Editora de Trabalho de Porto Alegre). Como foi que você, o Shimamoto e o Gedeone foram recrutados? Só vocês eram de São Paulo. José Geraldo, Flávio Colin e Getúlio Delphim eram do Rio e os demais eram gaúchos, não? E mais, a CETPA, mesmo que vocês fossem apolíticos, era um movimento político brizolista. Como ela começou? Qual o papel do José Geraldo, que era muito conhecido na época, principalmente no Rio, na origem da CETPA?

Luiz Saidenberg: A CETPA era brizolista e teve como presidente José Geraldo Barreto. Ele era de uma família importante, e assim conseguiu ser apresentado a Brizola. Apesar de sua fortuna, teve pouco estudo, e sem rumo definido, desenhou por algum tempo para o mercado carioca. Depois dedicou-se a outras coisas, entre elas venda de produtos químicos, comércio de autos e muito mais tarde, fabricação de móveis. Então, no início de 62 iniciaram-se as atividades da CETPA. Para esta, além dos gaúchos Canini, Flavio Luiz Teixeira e o argentino Bendatti, colaboraram Colin, Getulio Delphim e Fortunato Câmara de Oliveira (aviador e autor do logotipo “Senta a pua!” da FAB), além de Shimamoto, Gedeone e eu. Conheci José Geraldo no programa Brasil 61, de Bibi Ferreira, para o qual os quadrinistas foram convidados. Geraldo veio na turma do Rio com Aylton Thomaz, Getúlio Delphim, Juarez Odilon e Péricles, o pai do Amigo da Onça. No evento discursaram Mauricio e Geraldo, os líderes regionais. Depois disso, Geraldo procurou-nos no Martinelli, e encomendou-me uma história sobre o Movimento da Legalidade, resistência das tropas de Brizola, para empossar João Goulart. Levei a história, que jamais foi publicada, para Porto Alegre, na primeira vez em que lá fui com o Gedeone. Aliás essa foi a minha primeira viagem de avião. O Gedeone ficou apenas um dia, em que visitamos a paróquia do Padre Reus, de quem Gedeone faria a biografia. Eu fiquei morando em Porto Alegre por um bom tempo, bem como o Shimamoto que chegou algum tempo depois. Eu fazendo a História do Cooperativismo e o Shima a História do Rio Grande do Sul.

Bibi Ferreira comandava uma das maiores audiências da TV Excelsior, o programa Brasil 61, quando Leonel Brizola governava o Rio Grande do Sul e José Geraldo era um desenhista que trabalhava bastante no mercado carioca,sendo que um de seus trabalhos mais conhecidos era uma versão brasileira do detetive Charlie Chan.

As revistas desenhadas por Shimamoto e Gedeone para a CETPA não tiveram capas desenhadas por eles, mas sim pelo pintor gaúcho Thierry.

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MeMo: Colin fez Sepé, Getúlio Delphim os Aba-Largas, dessa você fez uma capa, além de Piazito do Flávio Luiz e Zé Candango com desenhos do Canini e textos do José Geraldo. Ah, e Gedeone a biografia do Padre Reus. As revistas venderam bem?

Luiz Saidenberg: Não tenho dados da venda das revistas, mas creio que a distribuição não passou das fronteiras do estado, venda quase só local, sem nenhuma possibilidade de competir, como se desejava, com os quadrinhos importados.

MeMo: Você acabou se desentendendo com o José Geraldo, não?

Luiz Saidenberg: Geraldo era pessoa prepotente e violenta. Seu egoísmo, e a constante repetição dos mesmos discursos cheiravam-me a demagogia. Não demorei a adquirir aversão a ele e seu trabalho, mas foi Shimamoto quem rompeu primeiro. Fazia uns três meses que estávamos instalados lá, e o Shima fazia uma árdua pesquisa para sua História do Rio Grande do Sul. Mas o pagamento era tão parco quanto o dos que só faziam charges rápidas. Houve um desacerto nas contas, e ele discutiu com o gerente financeiro. Geraldo tomou as dores do gerente e o bate boca foi feio. Geralmente, com seu físico intimidador, apesar da falta da mão esquerda, ele costumava desafiar pessoas para brigar na rua. Mas, desta vez foi Shima quem fez isto, e Geraldo recuou. Assim, Shimamoto retornou a São Paulo. Eu continuei por mais alguns meses, mas não suportava mais o ambiente e pedi demissão em dezembro de 1962. Ainda trabalhei algum tempo numa tentativa de agência de publicidade, formada por pessoas que também tinham saído da CETPA (a antipatia não era só minha). Não deu certo e quando já estava desesperado, meu irmão liga de São Paulo: Lyrio Aragão precisava de um dupla na feitura de story-boards, na McCann-Erickson de São Paulo. Assim iniciei-me numa verdadeira agência, ganhando, apesar de simples assistente de arte, quase o mesmo que Geraldo como presidente da CETPA. Esta teve seu fim com o golpe de 64. Muita gente foi presa, Aníbal Bendatti, o contato com o governo Brizola, Hamilton Chaves. Geraldo escapou por seu parentesco com militares. Ah, antes de sair de lá eu havia conhecido rápidamente João Mottini, grande desenhista gaúcho que tinha morado e feito uma bela carreira na Argentina, que terminou a História do Rio Grande do Sul, com a saída do Shima. Tenho uma foto do Shima, Canini e Flavio Luiz na CETPA. Eu não estou, talvez por tê-la batido.

Saidenberg desenhou a capa deAba Larga nº 2, que tinha histórias desenhadas por Getúlio Delphim.Logo abaixo, Lupinha de Aníbal Bendatti, Zé Candango de José Geraldo e Renato Canini e no centro da página, Piazito de Flávio Luiz Teixeira.

Júlio Shimamoto, Renato Canini e Flávio Luiz Teixeira.

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O texto volumoso e didático sem dúvida tirou boa parte da graça de A História do Rio Grande do Sul, desenhada por Júlio Shimamoto.

Flávio Colin teve muito mais liberdade com seu Sepé e fez,como sempre, um ótimo trabalho.

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MeMo: E como foi a história do original do Alex Raymond que você levou para Porto Alegre?

Luiz Saidenberg: Quando fui para Porto Alegre levei a página de Raymond enrolada na mala. Enorme, de duro cartão, e toda feita a pincel, uma página de Flash Gordon no Reino das Florestas, que Jayme Cortez havia emprestado à nossa tentativa de associação de desenhistas, a ADESP. A página estava com ele desde aquela exposição de quadrinhos que ele e o Alvaro de Moya, entre outros, tinham feito em São Paulo em 1951. Na ocasião eles escreveram aos syndicates pedindo originais de vários artistas, e eles mandaram! E eu, acabei levando a página comigo para o sul. Bem, todo mundo em Porto Alegre ficou entusiasmado com o lindo original, menos o José Geraldo. Com um muxoxo de desprezo, disse: “Ah, Alex...eu o conheci em Nova York. Era um baixinho...”, por aí você já vê o caráter da figura, que, aliás, deve ter acabado de completar 88 anos.

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Além da História do Cooperativismo, Luiz Saidenberg desenhou uma história de 7 páginas como complemento da revista Sepé nº 1, cujos desenhos eram de Flávio Colin.

A história foi escrita por um certo C. Lima, de quem pouco ou nada se sabe e éuma adaptação de uma lenda do folclore brasileiro.

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Sempre foi um sonho de quadrinistas brasileiros ver seu trabalho distribuido

nos moldes das grandes agências distribuidoras americanas, os syndicates,

como a King Features, a United Features ou o Chicago Tribune. No início dos

anos 1960, coincidentemente, surgiram no Brasil duas tentativas de se fa-

zer isso, a Mauricio de Souza Produções, que além do trabalho do próprio

Mauricio distribuía também O Gaúcho, de Júlio Shimamoto e Vizunga, de

Flávio Colin. A Barbosa Lessa Produções Artísiticas, distribuindo Gatinha

Paulista, de José Delbó, Capitão Tarumã, de Manoel Victor Filho, Jacaré

Mendonça e Amores Históricos de Rodolfo Zalla e ainda O Bandeirante de

Luiz Saidenberg, sua última tentativa de permanecer nos quadrinhos.

Luiz Carlos Barbosa Lessa foi um importante produtor cultural muito ligado

às tradições gaúchas. Folclorista, letrista, poeta, escritor, produtor e

apresentador de TV, publicitário e relações públicas, foi também Secretário

de Cultura de Porto Alegre e tem diversos livros publicados que versam sobre

assuntos variados, desde a história do chimarrão a casos de marketing.

Ele escreveu todas as histórias de sua distribuidora, que durou de 1963 a 1964,

sendo publicadas em jornais como Ultima Hora e O Diário Popular.

“ Ah, o Bandeirante? Você sabe que eu nem me lembrava mais dele? Tenho umas 3 tiras, que

me foram dadas pelo Zalla. Também não fiz muito mais que isso, já trabalhava em propaganda.

Foram feitas para o Barbosa Lessa, em 63. Não eram muito bem pagas, e eu tinha pouco

tempo. Não sei dizer muito mais sobre isso,o Barbosa pretendia montar uma distribuidora

como o Mauricio, que também estava se iniciando nesse gênero. Lembro que acabou de repente e que o Barbosa Lessa tinha um programa de TV com o Trio Farroupilha...”

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MeMo: Bem, então depois disso você voltou para São Paulo, mas direto para uma grande agência de propaganda chamado pelo Lyrio Aragão, não foi isso? E o Lyrio, como foi parar lá?

Luiz Saidenberg: Lyrio foi para a McCann-Erickson por conhecer o Zaé Jr., que também fez quadrinhos e era amigo do Cortez. Zaé chefiava o departamento de Rádio e TV da McCann. Hamilton de Souza era o diretor de arte, Aragão e eu os assistentes. Entrei lá no início de 1963. Tempos depois fomos para o estúdio da McCann (de certa forma, uma promoção). Cortez e Shima, uma dupla desconexa, tomaram nossos lugares. Então, em 1964 já não faziamos mais story-boards, mas ilustrações e layouts, lançando minhas bases para a direção de arte.

MeMo: E como era o ambiente da agência? Como era trabalhar numa agência de propaganda nessa época?

Luiz Saidenberg: Redatores e diretores de arte, ou layoutmen com eram conhecidos, nem se falavam nessa época. Os redatores faziam o texto dos anúncios e nos passavam. Por baixo da porta, eu dizia, brincando.

MeMo: Você veio dos quadrinhos, onde desenhava muito em preto e branco e teve que se adaptar ao desenho de propaganda, essencialmente em cores. Como foi isso?

Luiz Saidenberg: O estúdio da McCann tinha bons ilustradores como o Arcelino Julio, por exemplo. Peguei deles rápidamente o jeito da mancha a cores. E nessa época minha especialidade, e também o material mais usado pelo pessoal de propaganda, era o pastel seco. Era a época de grandes ilustradores americanos de publicidade como o Bob Peak. Minhas influências vieram por aí.

MeMo: Grandes diretores de arte passaram pela McCann nos anos 60, Francesc Petit, Oscar Gosso, Gerhard Wilda, Armando Moura…você conheceu algum deles?

Luiz Saidenberg: Não sou do tempo do Petit, mas conheci o Moura e Sadamu Tokunaga, que comandavam o estúdio. Wilda vim aconhecer na P.A. Nascimento, anos depois. Como era trabalhar naquela época? Dependia da agência. Algumas, multinacionais e estáveis, como McCann e Lintas eram muito tranquilas (e medíocres). Na Standard e Almap a coisa era bem outra, como fui saber quando transferi-me para esta última em 1967. Pauleira pura, mas lá conheci os nomes de ponta do mercado, o que foi muito bom. E também o estilo da DDB, super-criativo, de fazer anúncios e filmes. Era outro mundo, bem diverso da McCann.

Desenho de Arcelino Júlio, grande ilustrador publicitário brasileiro.

A propaganda americana nunca foi tão criativa quanto nos anos 60, graças à agências como a DDB.E nunca mais foi tão bonita também, pois naquela época, grandes ilustradores comoBob Peak (1927 - 1992) dedicavam todoo seu talento aos anúncios da Pepsi, daCoca-Cola, da Ford e da TWA como os quevemos nesta página. Bob Peak influenciouDiretores de Arte e Ilustradores do mundo todo com seu trabalho leve, colorido e enganosamente simples que chegava às agências em anúarios como os do Clube dos Diretores de Arte de Nova York e o The One Show, leitura obrigatória de inúmeras gerações de publicitários da era pré-internet.

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MeMo: O› Shimamoto então substituiu você no RTV da McCann, de certa forma vocês continuaram juntos então. Ele acabou indo morar no Rio e você também não?

Luiz Saidenberg: O Shima mudou-se para o Rio lá por 1972, 73. Deu sorte e foi trabalhar na agência mais criativa de lá, a Caio Domingues, e fez muito sucesso, que desprezaria anos depois para voltar aos quadrinhos. No Rio, visitávamos-nos frequentemente. Fizemos alguns pequeniques familiares na Floresta da Tijuca, também. Meu segundo filho nasceu no Rio, e logo depois o dele. Ele já tinha três meninas.

MeMo: Ele voltou aos quadrinhos e você também, não? Mais ou menos no final dos anos 70, começo dos 80?

Luiz Saidenberg: Sim, por indicação dele fiz alguns trabalhos para a Vecchi e Grafipar. No início, muito ruins. Há vários anos eu não desenhava quadrinhos e tive de ir reaprendendo. Também foi no Rio, por volta de 1978 que finalmente conheci o Colin pessoalmente. Ele tinha ido fazer uma ilustração para a MPM de lá, onde eu trabalhava. Não tínhamos intimidade e o papo foi rápido. Só voltei a vê-lo anos depois em um encontro de desenhistas em Mongaguá na casa do Miguel Penteado, que se escondeu, ou fugiu, ao ver o bando chegando. Eramos eu, Colin, Shimamoto, Getúlio e vários outros chegando. Bons chopes, frutos do mar, mas nada do Penteado, que faleceu pouco tempo depois disso.

Paulo Hamasaki, um artista não identificado, Fausto Kataoka, Júlio Shimamoto, Flávio Colin e Rodolfo Zalla numa foto tirada por Luiz Saidenberg na porta da casa de Miguel Penteado em Mongaguá, São Paulo, no começo dos anos 80.

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MeMo: Shimamoto treinava aikidô no Rio de Janeiro e soube que você também treinou, não? Algo que temos em comum…

Luiz Saidenberg: Treinei aikidô entre 1988 e 1994, bem depois do Shima. Não treinei com ele, embora na ocasião em que morei no Rio ele tenha me contado umas pará-bolas zen, que eu viria a entender melhor mais tarde. Mas sempre fui apreciador da arte e arquitetura japonesas, bem como os hai-kais do poeta Bashô. Treinei um pouco de kendô, karatê até deslocar um menisco e aikidô, que parei por falta de tempo.

MeMo: Voltando à sua carreira em propaganda…

Luiz Saidenberg: Como disse, comecei na McCann. Quatro anos depois, fui para a Almap, e, dois anos mais, para a Lintas. Mais quatro anos e aí P.A. Nascimento, dois anos. Então Salles - só cinco meses. Dali para dois anos de Publitec. Fui então para a recém-formada MPM/Casabranca, nos meus mais felizes dois anos de propaganda. Dela para dois anos também de Denison. Dali para o Rio, em 1978, primeiro nove meses de MPM, depois um ano de SGB. Voltei para São Paulo, e - outra vez! -

dois anos de Lintas, e então dois (!!!) anos de J. W. Thompson. Dali também dois anos de Almap, agora na Paulista, de onde voltei à MPM de São Paulo. E quebrei ali a regra dos dois anos. Estava lá há seis anos quando a agência foi comprada pela Lintas, numa “fusão” desastrosa. Nesse ambiente insuportável, resisti ainda três anos. Aí quiseram me demitir, mas estava a um ano e meio da aposentadoria e seria ilegal (na época, hoje não sei se ainda é assim). Assim, tiveram de me suportar nesse período, enquanto eu efetivamente trabalhava na Merit. Quando finalmente pude ser despedido, em 1996, o fui da Merit também, pois meu dupla, Jacob Cajaiba, havia falecido e eles estavam economizando. Logo depois fui contratado pelo Domingos Logullo, de quem tinha péssima impressão, no tempo da Salles, onde ele foi o Diretor de Criação. Mas demo-nos agora muito bem, e já aposentado há dois anos, saí de lá em inícios de 1999. Portanto, mais de trinta e seis anos dedicados à propaganda. Em 1970 eu havia passado de ilustrador e layoutman a diretor de arte. Como disse, meu melhor período na carreira foi o dos dois primeiros anos de MPM. Trabalhávamos muito, mas sempre nos divertindo, num ótimo ambiente que rendeu vários amigos até hoje, belas campanhas e muitos prêmios, alguns internacionais, como o Leão de Ouro de Veneza, em 1977.

Luiz Saidenberg na época em trabalhou na MPM e ganhou alguns dos maioresprêmios dos festivais de propaganda com alguns dos aúncios que aparecem nesta página.

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MeMo: Quando você se aposentou voltou aos quadrinhos, com “A trilha de Masamune” e até ganhou o Angelo Agostini com a obra…

Luiz Saidenberg: Não foi com Masamune. O que ganhei foi o Prêmio Angelo Agostini, no título de “Mestre dos Quadrinhos Nacionais”. E imagine, isso se referia, tardiamente, ao meu trabalho ainda de adolescente! Isto foi em 2002. Como não fazia há muito nada de quadrinhos, resolvi fazer Masamune, para a Opera Graphica, de Carlos Mann e Franco de Rosa. A história foi publicada em 2003. Foi, sempre é, difícil o retorno. Perde-se a mão, a técnica fraqueja e aos poucos vai se recuperando um pouco da velha forma, com melhorias diárias e constantes. Mas é um combate, contra si mesmo. Levei, talvez, três meses desenhando Masamune. Fiz muita pesquisa, de fatos e locais. Tentava fazer uma página por dia, mas nem sempre dava. Depois, um imenso trabalho de retoque. Nessa história pus muitos conhecidos, o Shima, Aragão, Joaquim Gustavo, Sylvio Lima, meu amigo Sampaio e até o Ivan me pediu para fazer uma ponta.

Júlio Shimamoto

Gilberto dos Reis

Silvio LimaIvan Saidenberg

Joaquim Gonçalves de Oliveira

Lyrio Aragão

Rubem Sampaio

Nas páginas deMasamune, amigosda publicidade edos quadrinhos.Na foto, recebendode Álvaro de Moyao Troféu AngeloAgostini em 2002.

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MeMo: E hoje, Luiz? Você escreve bastante para a internet. Estão no ar vários textos seus sobre a São Paulo de antigamente, sobre o Martinelli, etc. Você se diverte com isso, parece-me…Mas tenho visto pinturas e esculturas suas na internet…

Luiz Saidenberg: Sim, como você disse, tento divertir-me. Conheci Marcia, minha esposa, em 1976 e estamos juntos e muito bem, até hoje. Nosso dia começa cedinho - quase uma festa na roça, cuidar dos bichos, caminhada diária, fazer compras, internet, contas, às vezes exames médicos, que a idade não para...vida de aposentado é trabalhosa, disse um velho amigo. Tanta coisa que acaba sobrando pouco tempo para atividades artísticas. Mas, forço a barra e sempre estou inventando alguma coisa.

Com Álvaro de Moya, Rodolfo Zalla, Júlio Shimamoto e Edna Lopes, no Festcomix 2007.

Com a esposa Márcia em Sevilha.

Com a esposa Márcia e a filha Carolina.

Com os colegas de colégio.

Bacalhau no Tiroliro.

Saúde!

Em seu estúdio.

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Com Márcia, em Paris.

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Jayme Cotez pintou uma bela capa para a revista Clássicos de Terror nº 14, de 1961, que traz a melhor história de Luiz Saidenberg produzida para a Editora Outubro, uma adaptação da

obra de Edgard Allan Poe, O Gato Preto, em que ele fez tanto o texto quanto os desenhos.

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Como editor, Jayme Cortez encomendou a seus colaboradores histórias curtas, de apenas uma página, pois elas eram úteis na montagem final das revistas, para literalmente ocupar espaços vazios.

Muitas delas eram desenhadas pelo próprio Cortez. Outras por artistas como Lyrio Aragão, Júlio Shimamoto e Luiz Saidenberg, como esta aqui, que encerra este número de MeMo.

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No próximo número...

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