Nutrição de Animais Hospitalizados

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Revista da FZVA. Uruguaiana, v.15, n.1, p. 172-185. 2008

NUTRIÇÃO CLÍNICA EM ANIMAIS HOSPITALIZADOS: DA

ESTIMULAÇÃO DO APETITE À NUTRIÇÃO PARENTERAL

CLINICAL NUTRITION IN HOSPITALIZED ANIMALS: FROM

APPETITE STIMULATION TO PARENTERAL NUTRITION

Juliana de Oliveira1 Maristela Silveira Palhares2 Júlio César Cambraia Veado3

RESUMO

A nutrição clínica é atualmente uma área de crescente interesse em Medicina

Veterinária. Não diz respeito somente à nutrição de pacientes com insuficiências orgânicas

específicas, mas também ao suporte nutricional de animais hospitalizados. Por meio da

extrapolação de pesquisas humanas sabe-se dos diversos benefícios oriundos de uma nutrição

adequada, principalmente em indivíduos convalescentes, cuja manutenção das necessidades

nutricionais é fundamental para o processo de recuperação. Desse modo, a nutrição

direcionada a pacientes hospitalizados ou criticamente enfermos tem sido foco de inúmeros

estudos em caninos e felinos, sendo que esta revisão visa esclarecer aos clínicos e estudantes

de medicina veterinária, os principais aspectos relacionados ao emprego do suporte

nutricional enteral e parenteral em pequenos animais.

Palavras-chave - nutrição clínica, suporte nutricional, caninos, felinos.

ABSTRACT

Up to date, clinical nutrition is a growing interesting area in Veterinary Medicine. Not

only to respect for nutrition in patients with specific organs failures, but also referring to

nutritional support in hospitalized animals. By human researches extrapolations, we know

today there are a kind of benefits from an adequate diet, mainly in convalescent individuals,

whom nutritional requirements maintenance is fundamental for recovering process. This way,

nutrition directed to hospitalized or critical ill patients have been foccus of various canine and

feline researches. The goal of this review is to show to veterinans and veterinary students the

1 Méd. Vet. Icaraí – Niterói – RJ. 2 Prof. Associado – Depto. Clínica e Cirurgia Veterinária – UFMG. 3 Prof. Adj. Depto. Clínica e Cirurgia Veterinárias – UFMG.

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mainly aspects related to nutritional support enteral and parenteral when applied in small

animals.

Key words - clinical nutririon, nutritional support, canine, feline.

INTRODUÇÃO

A aplicação da nutrição clínica em

caninos e felinos sob hospitalização visa

atender necessidades nutricionais

específicas destes pacientes, cujo principal

objetivo é prevenir a subnutrição ou

desnutrição. O suporte nutricional

terapêutico fornece, via enteral ou

parenteral, os nutrientes necessários para

manutenção e recuperação do paciente. A

inapetência, hiporexia e anorexia são

condições comuns em animais enfermos,

principalmente naqueles em ambiente

hospitalar e, muitas vezes, acarretam

severos quadros de desnutrição com

conseqüente agravamento da enfermidade

primária (MICHEL, 1998; VEADO, 2000).

O suporte nutricional adequado

favorece o estado metabólico na doença,

otimiza a resposta a tratamentos clínico-

cirúrgicos, impede a deterioração da função

imune, minimiza a perda de massa corpórea

magra, favorece a cicatrização e reparação

tecidual, conseqüentemente, diminuindo o

tempo de permanência em ambiente

hospitalar (ABOOD, 1998; HAND et al.,

2001).

O tipo de intervenção nutricional a

ser aplicado depende da condição clínica

específica de cada indivíduo, levando-se em

consideração a doença primária, evolução

do quadro clínico e possíveis complicações.

Deve-se procurar causar o mínimo de

estresse ou trauma adicional ao paciente,

iniciando-se o suporte nutricional com

métodos de estimulação do apetite,

evoluindo, quando necessário, para técnicas

de nutrição enteral e/ou parenteral (HILL,

1994; LEWIS et al., 1994).

Esta revisão objetiva levar aos

clínicos de caninos e felinos, informações

básicas sobre a importância do emprego do

suporte nutricional terapêutico em animais

hospitalizados, quando e como utilizá-lo,

além de citar as regras gerais para se evitar

as possíveis complicações deste

procedimento.

Metabolismo e anorexia

Variações no consumo alimentar e

períodos de jejum não prolongado podem

ser bem tolerados por um indivíduo, devido

a um balanço metabólico dinâmico, capaz

de ajustar-se às diversas mudanças na

ingestão de nutrientes. A ausência de

alimentação conduz o organismo à

utilização dos seus “estoques” energéticos,

sob a forma de glicogênio hepático, e de

acionar vias alternativas para obtenção de

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energia e manutenção da glicemia, pela

neoglicogênese e lipólise (SMITH et al.,

1985; BRODY, 1994). Estes eventos são

comuns no estado de jejum simples,

caracterizado por uma resposta adaptativa

para economia de substratos (GRANT,

1996).

Diferentemente do que acontece no

jejum simples, quando há estabelecimento

de enfermidade, associada ou não à

inapetência ou anorexia, ocorre aumento da

necessidade energética para manutenção e

reparação tecidual. O desgaste físico e

estresse levam o organismo a uma condição

inicial de curta duração, hipometabólica,

seguida por uma fase prolongada

hipermetabólica, na qual as reservas

orgânicas são rápida e precocemente

exauridas (CROWE, 1988; DONOGHUE,

1992b; LIPPERT E BUFFINGTON, 1992;

DONOGHUE, 1994).

Em pacientes hipermetabólicos,

inapetentes ou anoréxicos, em menos de 24

horas o estoque de glicogênio hepático é

consumido, levando tecidos que consomem

obrigatoriamente glicose, tais como sistema

nervoso central e periférico, células

sangüíneas, fibroblastos e células da região

medular renal, a serem providos de energia

resultante da neoglicogênese (CROWE,

1988; SMITH et al., 1985; LIPPERT E

BUFFINGTON, 1992).

Com prolongamento da anorexia,

além da proteólise para a realização da

neoglicogênese, ocorre também lipólise,

fornecendo ácidos graxos que serão

utilizados diretamente, ou convertidos em

corpos cetônicos pelo fígado, embora o

consumo de corpos cetônicos pelo sistema

nervoso central canino não seja eficiente

como no homem (BILBREY E

BUFFINGTON, 1996). Dessa maneira,

ácidos graxos e corpos cetônicos são uma

fonte alternativa de energia para a maioria

dos tecidos, diminuindo a degradação da

proteína corporal (SMITH et al., 1985;

BILBREY E BUFFINGTON, 1996).

O estresse orgânico resulta também

em liberação de catecolaminas, glucagon e

glicocorticóides. Estes hormônios, mesmo

estando envolvidos em mecanismos de

defesa e sobrevivência, podem agravar a

condição clínica do paciente, pois são

promotores de reações catabólicas

(LIPPERT E BUFFINGTON, 1992;

DONOGHUE, 1994; BILBREY E

BUFFINGTON, 1996).

Naqueles pacientes que não se

alimentam, ou não retornam rapidamente à

alimentação, ou que não têm suas

necessidades nutricionais supridas

adequadamente, o hipermetabolismo

associado à doença levam à desnutrição.

Esta condição pode chegar a níveis críticos

de sobrevivência, nos quais a taxa

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metabólica finalmente declinará, na

tentativa de poupar substratos

remanescentes para manutenção das

funções vitais celulares. Nesta fase, porém,

a perda de massa magra tecidual pode

atingir proporção tamanha, a ponto de haver

depleção da musculatura esquelética, lisa e

cardíaca levando ao colapso e falência

sistêmicos (SMITH et al., 1985; BILBREY

E BUFFINGTON, 1996).

A tentativa de realimentação nessas

condições, isto é, animais que tiveram perda

de peso de cerca de 40% ou mais, por

qualquer que seja a via, normalmente não

conseguirá reverter o quadro instalado e o

óbito comumente sobrevém (CROWE,

1988; BILBREY E BUFFINGTON, 1996).

Estimulação do apetite

Existem alguns recursos clínicos, de

certa simplicidade, dos quais pode-se lançar

mão com o objetivo de fazer com que o

animal retorne a ingestão oral de alimentos,

antes de submetê-lo a técnicas específicas

de suporte nutricional (ARMSTRONG E

LIPPERT, 1988; LIPPERT, 1992;

ABOOD, 1998). O primeiro passo é

estabelecer a causa da anorexia e as

limitações da alimentação oral, se não

houver contra indicações, a estimulação do

apetite deve ser iniciada (LEWIS et al.,

1994).

Caninos e felinos sob internação,

invariavelmente, sofrem com algum grau de

estresse, e podem deixar de ingerir

alimentos quando hospitalizados. Alguns

animais voltam a comer pela simples

presença do proprietário, por insistência do

clínico, pelo oferecimento de “pratos

favoritos” ou alimentos com alta

palatabilidade (geralmente aqueles com

maiores teores de gordura, proteína e sal).

O aquecimento moderado da comida e,

algumas vezes, a limpeza das narinas ou a

colocação de uma porção do alimento na

boca do paciente, podem servir de estímulo

para o início da alimentação. Uma vez que

o cão ou gato tenha ingerido alimento,

comumente, o apetite prossegue

voluntariamente (LIPPERT, 1992;

DONOGHUE E KRONFELD, 1994; HILL,

1994, LEWIS et al., 1994; SIMPSON E

ELWOOD, 1994; ABOOD, 1998).

Caso a anorexia persista, o apetite

também pode ser estimulado com alguns

medicamentos. Derivados benzodiazepí-

nicos, como o diazepam e o oxazepam, têm

sido utilizados com sucesso, além de outras

drogas como corticosteróides e esteróides

anabólicos (TAB. I). Contudo, estas drogas

têm seu uso limitado, pois podem causar

efeitos colaterais indesejáveis. O emprego

da estimulação química do apetite deve

servir apenas para motivar o início da

alimentação, devendo o consumo voluntário

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prosseguir sem a utilização contínua de

medicamentos para este fim.

Se as alternativas anteriormente

citadas falharem, e a inapetência prosseguir,

técnicas especiais de suporte nutricional,

como a alimentação enteral ou parenteral,

devem ser iniciadas (HILL,1994; LEWIS et

al., 1994).

TABELA I – Drogas empregadas para estimulação química do apetite em caninos e felinos

Droga Posologia em caninos e felinos

Diazepam 0,025 – 0,10 mg/kg IV

Oxazepam 2 mg/gato e 0,3-0,4mg/kg cães PO

Ciproheptadina 2-4 mg/gato e 5-20 mg/cão PO

Metilprednisolona 0,5 – 1,0 mg/kg PO

Cianocobalamina 1000 µg/ cão ou gato

Estanozolol 1-2 mg/ cão ou gato PO

Fonte: BRETAS et al. (2006).

Seleção do paciente

Em medicina humana são realizadas

diversas análises bioquímicas, físicas,

imunológicas e morfométricas, bem como

medida da energia consumida e balanço

nitrogenado (DONOGHUE, 1989;

DONOGHUE, 1992a; DONOGHUE,

1992b; DONOGHUE, 1994).

Em medicina veterinária, muitos

desses exames não podem ser realizados

rotineiramente. O médico veterinário

precisa confiar nas informações fornecidas

pelo responsável do animal que, muitas

vezes, não são suficientemente precisas.

Apesar disso, uma boa avaliação, por meio

do histórico e exame clínico, é possível,

podendo-se adotar as seguintes orientações

sugeridas por LIPPERT E BUFFINGTON

(1992), DONOGHUE (1994), ELLIOT e

BIORGE (2007) e MICHEL (2007).

1º - Seleção pelo histórico: são

candidatos ao suporte nutricional

terapêutico, pacientes que apresentarem:

perda de peso aguda (menos de cinco dias)

maior do que 10% do peso corporal em

animais adultos, ou maior do que 5% em

filhotes; ingestão alimentar diminuída há

mais de cinco dias; ingestão alimentar

menor do que 85% da necessidade

energética de manutenção; fluidoterapia nos

últimos 10 dias, sem ingestão de alimentos;

uso de medicamentos como

imunossupressores, antineoplásicos,

antibióticos ou outros que podem levar a

inapetência ou anorexia.

2º - Seleção pelo exame clínico: o

exame clínico indica para o suporte

nutricional os animais que apresentarem:

peso anormal ou escore corporal igual ou

menor que dois; presença de caquexia ou

emaciação; presença de

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subdesenvolvimento ou crescimento

retardado; atrofia das papilas linguais;

observação de úlceras de decúbito –

cicatrização retardada de feridas; presença

de atrofias musculares, flacidez muscular,

deformidades flexurais; fraqueza

generalizada, apatia e prostração.

3º - Seleção por exames

laboratoriais: pode ser efetuada para

confirmação de quadros de subnutrição ou

desnutrição, sendo os achados comuns:

anemia, leucopenia, linfopenia e diminuição

das proteínas totais.

Regras básicas

1º - Cálculo de calorias: a

necessidade energética de um paciente está

relacionada com o peso metabólico e

atividade física, devendo ser ajustada

individualmente e diariamente

(PALHARES, 2005). Perdas energéticas

também dependem da severidade da injúria

física (TAB. II), e são somadas a

necessidade energética basal (NEB) ou de

repouso (NER). A NER pode ser calculada

pela fórmula (ELLIOT E BIORGE, 2007):

NER = 70 x PV 0,75, onde PV = peso

corporal em quilogramas.

2º - Seleção da dieta e vias de

administração: consiste basicamente em

optar-se pelo tipo de alimentação, e se a

mesma será fornecida via enteral ou

parenteral. Como regra geral, sempre que

há possibilidade de alimentação enteral,

esta deverá ser escolhida, pois é a forma

que mais se aproxima da fisiologia

digestiva normal (LIPPERT, 1992; HILL,

1994; SIMPSON E ELWOOD, 1994;

CHAN, 2007; ELLIOT e BIOURGE,

2007).

TABELA II - Fatores de correção para a necessidade energética de repouso em caninos e felinos doentes

Condição (Donoghue, 1989 e 1994) (Crowe, 1988)

Coma 1,1 x NER 0,5 a 0,7 x NER

Paralisia 1,1 x NER 0,5 a 0,9 x NER

Cirurgias 1,35 x NER 1,0 a 1,2 x NER

Fraturas - 1,0 a 1,5 x NER

Traumatismos 1,35 a 1,50 x NER 1,0 a 1,5 x NER

Sepse 1,50 a 1,75 x NER 1,2 a 1,5 x NER

Queimaduras 1,75 a 2,0 x NER 1,2 a 2,0 x NER

Trauma craniano - 1,0 a 2,0 x NER

Onde: NER é a necessidade energética de repouso.

Fonte: CROWE (1988), DONOGHUE (1989) e DONOGHUE (1994).

3º - Início do programa de suporte

nutricional e monitorização: ao administrar

uma fonte exógena de energia a um

organismo doente, em inanição, diminui-se

o catabolismo da massa corpórea, da

gliconeogênese e da oxidação de gorduras.

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Aumenta-se a insulina sérica e a utilização

de glicose pelos tecidos. Essas adaptações

demandam tempo, por esta razão,

aconselha-se a aplicação de somente 50%

da dose total calculada, no momento da

primeira administração. A dose total

calculada deve ser fornecida após este

período de adaptação, que pode ser a partir

do segundo ou terceiro dias, isto é, 48 a 72

horas após o início. Alguns animais,

entretanto, devido ao seu estado geral,

requerem um período mais longo para sua

adaptação. O paciente deverá ser

acompanhado com freqüência, avaliando-se

a resposta à terapia e fazendo-se as

modificações necessárias (DONOGHUE,

1989; DONOGHUE, 1992a; DONOGHUE,

1992b; LIPPERT E BUFFINGTON, 1992;

DONOGHUE, 1994; PALHARES, 2005).

4º - Retorno à alimentação oral:

assim como no início, a interrupção do

suporte nutricional enteral ou parenteral

deve ser, preferencialmente, gradual, até o

paciente estar ingerindo a quantidade total

necessária de nutrientes via oral,

espontaneamente (LIPPERT, 1992; HILL,

1994; LEWIS et al., 1994; SIMPSON E

ELWOOD, 1994; ABOOD, 1998).

Nutrição Enteral

Quando a anorexia persiste, ou o

animal não ingere quantidades suficientes

de alimento para sua manutenção, um

programa de suporte nutricional enteral

poderá ser iniciado. Este tipo de

alimentação é preconizado para pacientes

que, apesar da inapetência, apresentam o

trato gastrintestinal, ou pelo menos parte

dele, capaz de digerir e absorver os

alimentos (LIPPERT, 1992; LEWIS et al.,

1994; SIMPSON E ELWOOD, 1994).

Por se tratar de fornecimento dos

nutrientes através de sondas, posicionadas

no interior do trato gastrintestinal, é o

método que mais se assemelha à fisiologia

digestiva normal. É considerada mais

simples que a alimentação parenteral, mais

rápida, de fácil execução, menos onerosa e

mais segura, sendo, portanto, sempre a

primeira escolha (CHAN, 2007).

Existem diversos métodos de

nutrição enteral, os quais estão descritos na

TAB. III, bem como suas principais

indicações e contra indicações. A escolha

do melhor método baseia-se na enfermidade

primária apresentada pelo paciente, no

tempo requerido e na disponibilidade de

pessoal treinado para a realização do

procedimento (LIPPERT, 1992; HILL,

1994; LEWIS et al., 1994; SIMPSON E

ELWOOD, 1994; ABOOD, 1998;

VALADARES et al., 2006).

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TABELA III - Métodos de nutrição enteral, indicações e contra indicações.

Técnica Indicações Contra-indicações

Sondagem

nasogástrica ou

nasoesofágica

Indicada para curtos períodos (2 a 3 dias)

de alimentação

Animais comatosos, lesões

neurológicas, na cavidade oronasal

ou outras porções do trato

gastrintestinal e vômito ou diarréia

crônicos.

Faringostomia ou

esofagostomia

Indicada para períodos prolongados de

alimentação, em geral, animais com

doenças, lesões ou cirurgias na cavidade

oral ou região.

Recebe as mesmas contra-indicações

anteriores com exceção de lesões na

cavidade oronasal.

Gastrostomia Indicada para períodos longos de

alimentação, onde a cavidade oronasal,

faringe ou esôfago precisam ser

ultrapassados.

Pacientes com lesões ou cirurgias

gastrintestinais, vômito ou diarréia

crônicos.

Jejunostomia Indicada para períodos prolongados de

alimentação, onde as estruturas anteriores

devem ser ultrapassadas.

Recebe as mesmas contra-indicações

que a gastrostomia.

Fonte: adaptado de HAND et al. (2001).

As dietas para utilização via enteral

são diversificadas. São utilizadas rações

comerciais caninas ou felinas específicas,

ou e até mesmo alimento caseiro, desde que

todos sejam adequadamente preparados,

isto é, devem atender as necessidades do

paciente, e serem oferecidos sob forma

líquida, para evitar a obstrução das sondas.

Ainda podem ser fornecidos produtos

específicos humanos (dietas líquidas

enterais), desde que seja observada sua

composição básica (LEWIS et al., 1994;

SIMPSON E ELWOOD, 1994; MICHEL,

2007).

As complicações da nutrição enteral

podem ser de origem mecânica,

gastrintestinal, metabólica ou séptica.

Problemas mecânicos comuns referem-se à

colocação e manutenção da sonda, como

obstruções luminares ou a retirada precoce

da mesma pelo paciente. Alterações

gastrintestinais e metabólicas referem-se a

esofagite de refluxo, vômitos ou

intolerância a algum componente da

alimentação. Já as complicações sépticas

estão relacionadas à contaminação e

infecção do procedimento cirúrgico, quando

este é necessário (LIPPERT, 1992; LEWIS

et al., 1994; SIMPSON E ELWOOD, 1994;

ABOOD, 1998; VALADARES et al.,

2006). Em todas as situações, a ocorrência

de complicações pode ser evitada com o

emprego das regras básicas citadas

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anteriormente e da monitorização constante

do paciente.

Nutrição Parenteral

A nutrição parenteral total (NPT)

trata-se de um recurso terapêutico, pelo

qual são administrados nutrientes essenciais

diretamente na corrente sangüínea,

fornecendo principalmente a energia

necessária à manutenção do organismo

através de fontes de carboidratos,

aminoácidos e lipídeos (ARMSTRONG e

LIPPERT, 1988; DONOGHUE, 1989;

LIPPERT e BUFFINGTON, 1992;

HACKET, 1998). Pode ainda fornecer

eletrólitos e vitaminas, quando o tempo

requerido de tratamento for prolongado

(DONOGHUE, 1989; LIPPERT e

BUFFINGTON, 1992; CAMPBELL,

2007).

A nutrição parenteral parcial (NPP)

supre apenas uma porção das necessidades

nutricionais de um animal. Comumente, é

utilizada apenas uma solução de

aminoácidos a 3%, associada a eletrólitos,

sendo por isso, também chamada de

“fluidoterapia poupadora de proteínas”

(HACKET, 1998; CAMPBELL, 2007).

A administração de alimento

parenteral é indicada em qualquer condição

que resulte em anorexia ou que impeça o

animal de ingerir alimento via oral, ou

ainda recebê-lo via enteral (TAB. IV)

(CROWE, 1988; CARNEVALE, 1991 E

BORGES e NUNES, 1998).

O suporte nutricional endovenoso

apresenta como constituintes essenciais:

Carboidratos: a solução de glicose

50% é a mais empregada, pois tem baixo

custo e é rapidamente metabolizada além de

ser compatível com as outras soluções.

Outras fontes também são utilizadas, como

a dextrose, galactose, sorbitol, xilitol,

glicerol e etanol (RENEGAR, 1979;

LIPPERT e BUFFINGTON, 1992).

TABELA IV - Condições que indicam a necessidade de nutrição parenteral.

Dificuldade para ingerir alimentos Ingestão de alimentos contra-indicada

Fraturas de maxila ou mandíbula Cirurgias extensas na cavidade oronasal

Defeitos congênitos Cirurgias no trato gastrintestinal

Cirurgias na cavidade oronasal Diarréia crônica

Estomatite e/ou faringite Vômito incontrolável

Condições neurológicas Condições neurológicas

Disfagia grave

Lesões esofágicas

Fonte: adaptado de DONOGHUE, 1994.

Aminoácidos: são soluções

cristalinas, fonte de proteínas e nitrogênio.

Podem ser adicionadas ou não de

eletrólitos. As soluções padrões pediátricas

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humanas contêm todos os aminoácidos

essenciais, com exceção da taurina que é

importante para felinos. Produtos

específicos para nutrição parenteral em

determinadas insuficiências orgânicas,

como nefropatias ou hepatopatias, também

estão disponíveis no mercado (RENEGAR,

1979; LIPPERT e BUFFINGTON, 1992;

MATHEWS, 1998).

Lipídeos: utilizados como fonte de

ácidos graxos e, como os carboidratos,

como fonte de energia. São soluções

isotônicas que podem ser administradas em

veias periféricas, diferentemente das

soluções de glicose e aminoácidos, as quais

são hiperosmóticas (TAB. V). As soluções

lipídicas não contêm ácido araquidônico,

essencial para felinos, porém, deficiências

nestes animais, manifestam-se somente a

longo prazo (RENEGAR, 1979; LIPPERT

e BUFFINGTON, 1992; MATHEWS,

1998).

Eletrólitos, elementos traços e

vitaminas podem ser adicionados a solução

de nutrição parenteral. Geralmente, só são

administrados quando a terapia ultrapassar

duas semanas, ou se o paciente apresentar

deficiências específicas (LIPPERT e

BUFFINGTON, 1992; HACKET, 1998).

As soluções para nutrição parenteral

são concentradas de um único nutriente e

não há apresentações mistas. Portanto, é

necessária a mistura adequada dos

nutrientes em uma solução do tipo “três em

um”. A mistura deve ser feita apenas no

momento do uso, sendo que esta pode ser

armazenada sob refrigeração por 12 a 24

horas, no máximo. Para compor a mistura

são normalmente utilizados aminoácidos a

10%, glicose a 50% e lipídeos a 10%,

sempre nesta determinada ordem de adição.

A quantidade de cada nutriente depende da

necessidade energética do paciente, sendo

que a proporção empregada de 25% a 45%

em aminoácidos, 30 –35% em glicose e até

60% em lipídeos (VEADO, 2000;

CAMPBELL, 2007).

TABELA V - Osmolalidade e densidade energética de algumas soluções para uso parenteral.

Solução Densidade energética Osmolalidade

Aminoácidos 8,5% 0,34 kcal/ml

Aminoácidos 10% 0,40 kcal/ml 939 mOsm/L

Glicose 50% 1,71 kcal/ml 2775 mOsm/L

Emulsão lipídica 10% 1,1 kcal/ml 310 mOsm/L

Emulsão lipídica 20% 2,0 kcal/ml

Fonte: adaptado de GRANT, 1996.

Preferencialmente, a NPT deve ser

administrada através de cateterismo de

veias centrais (ARMSTRONG E LIPPERT,

1998; DONOGHUE, 1992a; LIPPERT e

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BUFFINGTON, 1992; DONOGHUE,

1994; HACKET, 1998). Contudo, veias

periféricas podem ser utilizadas para NPP e

casos de NPT administradas em infusão

lenta de curtos períodos (DONOGHUE,

1994). Cuidados com anti-sepsia são de

extrema importância, como também o

treinamento de pessoas para a realização

dessa prática (ARMSTRONG e LIPPERT,

1988; DONOGHUE, 1994; LIPPERT e

BUFFINGTON, 1992; HACKET, 1998).

Com a evolução da técnica de

nutrição endovenosa, tanto na confecção

dos produtos utilizados, quanto para os

procedimentos de preparo e aplicação nos

animais, as citações de complicações,

mencionadas por diversos autores sofrem

modificações ao longo dos anos, como se

pode observar pela análise da literatura.

Trabalhos mais recentes apresentam

anotações de raras e poucas situações de

complicações, diferentes daqueles

publicados há cerca de vinte anos atrás

(VEADO, 2000).

Complicações mecânicas, em geral,

são pequenas, discretas e raramente

resultam em morbidade ou mortalidade dos

pacientes. Incluem inadequada remoção do

cateter, sua oclusão ou desconexão da linha

de infusão. A ocorrência desses problemas

é evitada por meio do monitoramento

cuidadoso dos pacientes (ARMSTRONG e

LIPPERT, 1988; LIPPERT e

BUFFINGTON, 1992).

Complicações sépticas envolvem

contaminações que podem ocorrer no

momento do preparo da solução;

inadequada assepsia no local de

implantação do cateter; manipulação

indevida do material utilizado para o

procedimento ou durante a administração

da solução. Um quadro de sepse pode

instalar-se (septicemia clínica),

caracterizada por febre e leucocitose, onde

outro foco séptico não é localizado

(ARMSTRONG e LIPPERT, 1988;

LIPPERT e BUFFINGTON, 1992;

MATHEWS, 1998).

Quanto às alterações metabólicas, a

principal complicação em pacientes sob

NPT é intolerância a glicose, que pode ser

observada pela glicosúria. Causas primárias

podem decorrer de diabetes, pancreatite,

hiperadrenocorticismo e peritonite séptica.

A dose de glicose pode ser então reduzida

para metade. Na persistência da glicosúria

poderá iniciar-se terapia com insulina

(ARMSTRONG e LIPPERT, 1988). Outra

complicação possível é a hipocalemia, que

pode ocorrer pela aceleração do movimento

de potássio intracelular, causado pela

presença de insulina ou glicose endógenas

ou exógenas. Nesses casos, pacientes

diabéticos ou com vômitos persistentes

apresentam maior risco, devendo ser mais

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Nutrição clínica...

Revista da FZVA. Uruguaiana, v.15, n.1, p. 172-185. 2008

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bem acompanhados durante o procedimento

(ARMSTRONG e LIPPERT, 1988;

DONOGHUE, 1992b; LIPPERT e

BUFFINGTON, 1992).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O suporte nutricional oferece aos

animais hospitalizados benefícios que

melhoram sua capacidade de resposta,

otimizam o tratamento e,

conseqüentemente, diminuem o período de

permanência em ambiente hospitalar. O

suporte nutricional não se trata de

tratamento emergencial e a tentativa de

fornecer “hiperalimentação” poderá

acarretar distúrbios metabólicos graves,

com risco à vida do paciente. É importante

levar em consideração que o tempo

decorrido sem ingestão de alimento,

dependendo da severidade da injúria, pode

ser fatal.

Os avanços tecnológicos nesta área

favoreceram a redução dos custos finais dos

produtos, o que tem permitido sua

aplicação, sem que este seja um fator

limitante. Mesmo com a realização da

nutrição enteral ou parenteral e os

benefícios advindos desse procedimento,

outras terapias de suporte não devem ser

abandonadas, uma vez que é o conjunto de

terapias que contribui para a recuperação do

paciente.

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