O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A...

67
11 Introdução Um embrião, qualquer embrião, é, no campo das ciências biológicas, a forma corporal mais simples de todo o ser vivo que se reproduz pela conjugação de um corpo masculino com um corpo feminino, conjugação que permite o encontro e a fusão dos gâmetas que cada corpo produz - espermatozóide e ovócito. Antes da Ciência nos ensinar esta verdade, já o senso comum das pessoas simples o sabia: “vendo como dos ovos, aquecidos no ninho, sai, passado algum tempo, uma ave, a conclusão era a de que o ovo era o princípio do corpo vivo que saía da casca partida, já pronto para tratar da sua vida”(GOLDIM, 2007, pesquisa Biossegurança). No caso dos humanos as coisas eram mais difíceis porque o ovo, resultante da união de homem e mulher, pelo encontro e fusão dos gametas não é posto num ninho, mas vai ele próprio, deslocar-se da trompa, na qual foi constituindo até ao útero da mulher onde vai nidar (fazer ninho) e desenvolver-se, até ter condições mínimas de sobreviver no mundo exterior. Este desenvolvimento era, assim, ocultado e invisível. O senso comum das pessoas simples não podia conhecê-lo com rigor, mas os muitos mitos populares sobre a gravidez mostram que havia uma forte convicção de ali se estar a criar um corpo, que depende de sua genitora para nascer ou ter este nascimento interrompido, por questões, motivos e formas que serão tratadas nas páginas seguintes. Cabe à mulher grávida esta magnífica oportunidade de exercer, com toda a dignidade biológica e ética, um papel radical e radicalmente humano que é o de defender o novo ser vivo da espécie humana, que nela vive e se desenvolve, contra tudo e contra todos os que contrário pensam, ou contrário fazem diante do código penal brasileiro, com exceção à algumas hipóteses, que a mulher (mãe) poderá por meio de uma ação, interromper está gravidez, resultando no que conhecemos como ABORTO, que será o tema de estudo e reflexão deste trabalho. O Aborto é um tema polêmico e causador de discussões. Estas páginas foram elaboradas para informar seus leitores acerca de como acontecem os abortos, quais são os tipos de aborto, como a religião enxerga este assunto, como o aborto é tratado pela lei Brasileira, como o aborto é visto em alguns países, bem como relatos à favor e contra o Aborto. Mais a frente, teremos algumas estatísticas a respeito do aborto, métodos, complicações e outros que contribuíram para a formação deste trabalho. Acerca do aborto, há posições das mais diversas ciências como: Medicina, Filosofia, Jurídica e Sócio-política.

Transcript of O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A...

Page 1: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

11

Introdução

Um embrião, qualquer embrião, é, no campo das ciências biológicas, a forma corporal mais

simples de todo o ser vivo que se reproduz pela conjugação de um corpo masculino com um corpo

feminino, conjugação que permite o encontro e a fusão dos gâmetas que cada corpo produz -

espermatozóide e ovócito. Antes da Ciência nos ensinar esta verdade, já o senso comum das pessoas

simples o sabia: “vendo como dos ovos, aquecidos no ninho, sai, passado algum tempo, uma ave, a

conclusão era a de que o ovo era o princípio do corpo vivo que saía da casca partida, já pronto para

tratar da sua vida”(GOLDIM, 2007, pesquisa Biossegurança).

No caso dos humanos as coisas eram mais difíceis porque o ovo, resultante da união de

homem e mulher, pelo encontro e fusão dos gametas não é posto num ninho, mas vai ele próprio,

deslocar-se da trompa, na qual foi constituindo até ao útero da mulher onde vai nidar (fazer ninho) e

desenvolver-se, até ter condições mínimas de sobreviver no mundo exterior. Este desenvolvimento

era, assim, ocultado e invisível. O senso comum das pessoas simples não podia conhecê-lo com

rigor, mas os muitos mitos populares sobre a gravidez mostram que havia uma forte convicção de

ali se estar a criar um corpo, que depende de sua genitora para nascer ou ter este nascimento

interrompido, por questões, motivos e formas que serão tratadas nas páginas seguintes.

Cabe à mulher grávida esta magnífica oportunidade de exercer, com toda a dignidade

biológica e ética, um papel radical e radicalmente humano que é o de defender o novo ser vivo da

espécie humana, que nela vive e se desenvolve, contra tudo e contra todos os que contrário pensam,

ou contrário fazem diante do código penal brasileiro, com exceção à algumas hipóteses, que a

mulher (mãe) poderá por meio de uma ação, interromper está gravidez, resultando no que

conhecemos como ABORTO, que será o tema de estudo e reflexão deste trabalho.

O Aborto é um tema polêmico e causador de discussões. Estas páginas foram elaboradas para

informar seus leitores acerca de como acontecem os abortos, quais são os tipos de aborto, como a

religião enxerga este assunto, como o aborto é tratado pela lei Brasileira, como o aborto é visto em

alguns países, bem como relatos à favor e contra o Aborto. Mais a frente, teremos algumas

estatísticas a respeito do aborto, métodos, complicações e outros que contribuíram para a formação

deste trabalho.

Acerca do aborto, há posições das mais diversas ciências como: Medicina, Filosofia, Jurídica

e Sócio-política.

Page 2: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

12

Este trabalho tem como principal objetivo esclarecê-los a cerca deste tema, tentando ao

menos, responder ou amenizar muitas dúvidas que surgem quando este tema é solicitado.

Para estas questões foram utilizados livros, revistas, artigos e textos já existentes sobre este

tema, textos esses que foram revistos e aperfeiçoados com o estudo que envolveu este trabalho.

A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

polêmica, complexa e envolve aspectos da mais alta indagação, já que, a discussão engloba campos

sociais distintos, tais como: a ética, a moral, a religião, os costumes e a filosofia e outros.

Esperamos que, a intenção deste trabalho seja alcançado em cada página lida e estudada e

algumas vezes revisadas, para a compreensão do Crime de Aborto, suas conseqüências positivas e

negativas e, até mesmo, podendo ser feita uma análise interpretativa do que deveria mudar em

nosso ordenamento jurídico, o que já está ultrapassado, o que a sociedade já não entende mais como

crime, o que as religiões tem a propor para defender a questão do aborto e, mais do que isso, será o

correto deixar que a mulher escolha o melhor a ser feito?

Page 3: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

13

Seção 1 - Conceito Filosófico de Vida e a Constituição Federal

A Constituição Federal inicia seu texto com seus princípios fundamentais e, um dos

fundamentos do Estado é justamente a dignidade da pessoa humana (artigo1º, III). Logo depois, o

artigo 5º, caput, assevera que o direito a vida é inviolável. O ordenamento brasileiro, assim, é

amparado sobre dois pilares: dignidade da pessoa humana e vida humana. (IBAIXE, 2006, 29 e 60)

Segundo o autor, um questionamento inicial se faz necessário: “investigar o que seja vida e

como ela se manifesta em sua forma humana, para que se possa compreender o alcance dos

dispositivos constitucionais”.

Neste mesmo sentido, quando se fala em vida, ao se olhar apenas o texto legal e os princípios

constitucionais, podem-se chegar à conclusão de que há a possibilidade de vários conceitos.

Permanece-se, contudo, limitado a duas linhas de interpretação diante de cada caso concreto, das

quais, em síntese, a primeira provém do texto de eventual lei para chegar ao da Constituição e a

segunda, dos princípios constitucionais para a incidência destes sobre os preceitos normativos.

Como se pode conceituar vida? Pela atividade cerebral? Pelo batimento cardíaco? Pela formação da

consciência ou pela possibilidade de autoconsciência? Residirá a vida na possibilidade de fruição

política ou de cidadania? Estará a vida atrelada a um conceito de padrão social ou econômico que,

se não atingido, não permite a realização desta mesma vida? Será a vida medida, calculada,

estimada pelo tempo de sua duração, sendo válida aquela que apenas perdurar por determinado

decurso?

Na década de 40, o físico austríaco SCHODINGER (1997, 20 à 25) estudou o tema a partir de

conceitos tirados da física e da biologia. O mérito de seu trabalho, em que pese não ter alcançado a

definitiva solução, foi adotar a noção de organização, a qual veio a superar a de evolução por

seleção natural, ao combiná-la com a de estabilidade genética e dinâmica celular.

Com isto, a idéia de organismo integrou-se à de organização. Reconhece-se, então, um

sistema, ou seja, um conjunto de elementos (componentes) e um conjunto de regras que determinam

ou orientam as relações entre tais componentes fornecendo sua estrutura. Num sistema, os seus

elementos relacionam-se e, assim, adquirem uma organização, uma totalidade que revela a regra do

sistema. Organização de um sistema é a disposição (padrão) de relações entre componentes que

produz o próprio sistema.

Page 4: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

14

Para o autor, com relação aos seres vivos, a característica básica é a auto-organização

(também denominada autopoiese, decorrente do grego, criar ou produzir a si mesmo) a permitir

uma rede contínua de interações. Sistema vivo é deste modo, um processo dinâmico de auto-

organização das estruturas, respeitando-se sempre o mesmo padrão. Deste modo, o processo de vida

é a atividade abrangida na contínua incorporação das relações de organização do sistema, uma

organização autopoiética.

Neste sentido, tem-se aí a diferença entre um sistema vivo e um sistema não-vivo. Em ambos

encontra-se presente a organização de estruturas padronizadas de componentes; em ambos há o ser

e o fazer. Todavia, no primeiro, o ser e o fazer são realizados autonomamente, pelo próprio ser,

enquanto se faz a si mesmo e, no sistema não-vivo, embora haja o ser (do próprio sistema), o fazer

ocorre por força externa, ou seja, o sistema não-vivo é feito por outro; precisa ser construído. A

unidade sistêmica viva é um ser que se faz e a não-viva é um ser que é feito.

Defendia o autor, que o ser vivo tem a faculdade, a capacidade, a potencialidade de se fazer a

si mesmo e, por isto, tem consciência de si. A expressão consciência é empregada aqui com a idéia

de cognição, ou seja, o sistema vivo, ao fazer-se, acaba por realizar um processo de cognição, um

modo de relação, com o meio no qual interage.

Para o Físico, a complexidade da consciência, ou seja, a ciência do processo cognitivo

descrito é diretamente proporcional à complexidade presente no sistema. Na natureza, o ser vivo

humano tem sua vida natural no decorrer da duração de sua autopoiese, a permitir a decorrência

temporal de sua existência. Enquanto houver possibilidade de autopoiese, haverá vida. Quando

aquela, por qualquer motivo organizacional ou estrutural não for mais possível, a vida se encerrará.

A vida humana baseia-se, assim, no seu ser cognitivamente autopoiético, variável de ser para

ser, sem uma qualidade mensurável comum, salvo a passagem do tempo, a qual não possui a mesma

duração para todos. Isto significa que a vida natural de um ser humano é o seu existir enquanto

unidade autopoiética, enquanto contínua a sua possibilidade de se auto-fazer, a qual não tem uma

unidade de medida comum a todos. O ser humano realiza-se a si mesmo, tendo o maior grau de

possibilidade cognitiva desta situação, o que também não é o mesmo comparativamente entre os

seres, podendo existir aqueles, mesmo humanos, que não reúnem as condições biológicas para disto

tomarem ciência, não se excluindo a responsabilidade cognitiva dos demais que as possuem.

(SCHODINGER, 1997, 37 à 42)

Page 5: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

15

“Todo ser humano tem alguma capacidade cognitiva que não é igual em todos, havendo

apenas semelhanças cuja classificação permanece em outro âmbito que não o da vida natural”

(SCHODINGER, 1997, 65).

Segundo Schodinger, cabe a lembrança feita de que os gregos, na Antiguidade, não possuíam

um termo único para expressar o que se hoje diz com a palavra vida. Serviam-se eles de dois termos

semântica e morfologicamente distintos:

O primeiro deles zoe, o qual exprimia o simples fato de viver, aquele viver inerente a todos

os seres vivos, a vida sem qualquer qualificativo, a vida natural de todo ser vivente sem nenhum

predicado a atribuir-lhe qualquer qualidade, sendo que, no humano, seu grau de possibilidade

cognitiva é maior que os demais seres.

O outro termo era biós, o qual por sua vez indicava a forma ou a maneira de viver própria ou

qualificada de um indivíduo ou grupo, a vida com um atributo, fosse civil, político, nacional,

cultural, social, jurídico ou econômico.

Antes de qualquer coisa, antes de ocupar um espaço relativo à sua cidadania, antes de ocupar

um espaço social, antes de ocupar um espaço político, é o homem um ser vivente e, por isto,

existente. A consciência de sua existência, de seu ser no mundo se faz presente, mesmo que de

maneira limitada, mesmo que de modo distinto, mesmo que diverso de qualquer padrão de

normalidade. A consciência de ser existente integra-se em todos os seres vivos e também no

homem, numa só finalidade: Viver - “unicamente no homem há a perfeita mistura, a relação

verdadeiramente dialética entre a vida natural e a vida qualificada”. (SCHODINGER, 1997, pág.72)

“Ao garantir a inviolabilidade da vida e a dignidade da pessoa humana, a Constituição

pretende proteger toda e qualquer possibilidade de vida natural e com este significado deve ser

interpretada” (IBAIXE JR., 2008, artigo). A reforçar este entendimento a própria redação do texto

constitucional, que claramente distingue o fenômeno vida como inviolável, no caput do artigo 5º, e,

depois, no decorrer dos incisos e subseqüentes artigos, dispõe sobre a vida com suas qualificações

individuais, sociais, políticas e, até mesmo, ecológicas, posto normatizar questões referentes ao

meio ambiente. Neste sentido, o Estado Brasileiro é guardião da vida desde sua singela

potencialidade alcançando seus níveis de complexidade mais desenvolvidos até prescrever sobre a

vida em sua ambiência ecossistêmica.

Page 6: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

16

Seção 2 - O que é a Vida?

A pergunta “O que é a Vida” não permite respostas simples, pois, não se pode definir a vida

por um único critério.

Para a Professora Mariana de Senzi Zancul, podem identificar-se várias propriedades comuns

a todos os seres vivos. Assim, pode considerar-se que todos os seres vivos:

a) são formados por células;

b) são estruturas complexas e altamente organizadas, com a capacidade de desenvolver uma

grande variedade de atividades;

c) recebem e transformam energia do ambiente, seja diretamente do Sol (produtores), seja a

partir de outros seres (consumidores), através de fenômenos como a fotossíntese e a respiração;

d) executam uma grande variedade de reações químicas, com a intervenção de

biocatalizadores (enzimas);

e) são homeostáticos relativamente a variáveis do meio, como o PH, temperatura, salinidade,

etc.;

f) reagem a estímulos (as plantas inclinam-se para a luz, os animais deslocam-se em direção

ao alimento ou fogem do perigo);

g) reproduzem-se, fazendo cópias de si próprios com grande fidelidade;

h) crescem e desenvolvem-se;

i) adaptam-se a condições ambientais variáveis;

j) contém em si próprios, toda a informação necessária à sua organização e replicação.

(ZANCUL, 2000, 33 à 37)

Page 7: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

17

Seção 3 - Quando se inicia o processo denominado vida?

Para a medicina é pacífico que tal fenômeno se inicia no processo da fecundação. A

fecundação corresponde à união do óvulo (célula reprodutora feminina) com o espermatozóide

(célula reprodutora masculina). Esse processo se dá, via de regra, no terço distal da trompa uterina

(trompa de Falópio) podendo, entretanto ocorrer ectopicamente em outros locais como no ovário ou

no abdome gerando, por conseguinte, as denominadas gravidezes ectópicas. (MOSER, A. Soares,

2006, pag. 14)

Neste sentido, ao ocorrer o processo da fecundação surge a célula ovo também denominada de

zigoto. Essa célula, também conhecida como células - tronco, por ser uma célula totipotente e poder

originar quaisquer outros tipos de células humanas, corresponderia, in tesis, por uma corrente

jurista, à potência de um ser humano. Portanto, quando se discorre sobre o tema vida humana, o seu

início é tido, pela ciência médica, como sendo na fecundação não importando onde tal fenômeno

ocorra.

Já para o direito, ou seja, juridicamente tem-se na doutrina que o início da vida civil se dá

com o nascimento o que proporciona ao indivíduo nascido vivo a sua personalidade. Determina o

artigo 2° do Código Novo Civil:

Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a

salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Ao se analisar o artigo supra depara-se com a afirmativa que a personalidade civil da pessoa

se inicia com o nascimento com vida, o mesmo era previsto no artigo 4° do Código Civil brasileiro.

a) Como interpretar a vida diante desses dois artigos?

b) O direito entende que existe vida antes do nascimento; ou a vida só existe após o

nascimento?

Entende uma linha de doutrinadores, como por exemplo Luigino Coletti “que o indivíduo

intra-útero não é mais que potência de vida, visto que só será pessoa após o nascimento com vida”.

(COLETTI, 2006, pág 15). Ainda citando o autor, ao se interpretar o termo “potência” (se poder,

vigor, faculdade, capacidade de realizar) verifica-se ser o mesmo indefinido, ou seja; não diz, de

forma concreta se é ou não é. No entanto, estudando a finco, entende-se que o tema “potência” não

exclui a vida existente naquele ser. Entendendo, verifica-se que quando o legislador, nos artigos

Page 8: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

18

supracitados, afirma que a personalidade se inicia com o nascimento com vida, esta já existe

podendo pelas mais variadas causas, ser interrompida antes do indivíduo “receber a luz”.

Para ele, é exatamente em decorrência desse tema e da possibilidade que há em interromper a

vida antes do seu nascimento, que juridicamente, o crime de aborto é previsto dentro dos crimes

contra a pessoa e contra a vida. Assim pode-se entender que a vida, juridicamente, como também

clinicamente, se inicia na concepção visto que o artigo supracitado, in fine, afirma serem

resguardados desde concepção os direitos do nascituro.

Page 9: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

19

Seção 4 - O que é o aborto?

DEFINIÇÃO: “O aborto é a morte de uma criança no ventre de sua mãe produzida durante

qualquer momento da etapa que vai desde a fecundação (união do óvulo com o espermatozóide) até

o momento prévio ao nascimento”. (MAGUIRE, 2001, pág.05)

Para a autora, abortar é o ato de interromper a gravidez antes que o feto atinja a capacidade de

viver fora do organismo da mãe. É a expulsão de um embrião ou de um feto antes do final do seu

desenvolvimento e viabilidade em condições extra-uterinas.

No sentido etimológico, aborto quer dizer privação de nascimento. Advém de ab, que

significa privação, e ortus, nascimento.

Neste sentido, a palavra abortamento tem maior significado técnico que aborto. Aquela indica

a conduta de abortar; esta, o produto da concepção cuja gravidez foi interrompida.

Etimologicamente a palavra aborto, é o termo “ab-ortus”, que traduz a idéia de privar do

nascimento, vez que, “Ab” equivale a privação e “ortus” a nascimento. Entretanto, o termo aborto

provém do latim “aboriri”, significando “separar do lugar adequado”, e conceitualmente é:

“a interrupção da gravidez com ou sem a expulsão do feto, resultando na morte do

nascituro”. (MAGUIRE, 2001, pág.07)

Segundo o Prof. Sergio Habib: “termo “aborto”– ou abortamento – seria a expulsão do

concepto antes da sua viabilidade, seja ele representado pelo ovo, pelo embrião ou pelo feto. Então,

é a interrupção da gravidez antes da prematuriedade – abortamento; durante – parto prematuro;

completada – parto a termo e ultrapassada – parto serotino”. (HABIB, 2004, pág.174)

Para Nelson Hungria, existem dois tipos de abortos:

Aborto Espontâneo: Quando a Morte é produto de alguma anomalia ou disfunção não

prevista nem desejada pela mãe;

Aborto Provocado: Quando a morte do feto é provocada intencionalmente e é procurada de

qualquer maneira: doméstica, química ou cirúrgica.

O bem jurídico principal a ser tutelado no crime de Aborto é a vida. (HUNGRIA, 1955,

pag.75)

Page 10: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

20

Seção 5 - O que é Crime?

Em um sentido vulgar, crime é um ato que viola uma norma moral.

Definido legalmente como a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de

detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. A doutrina

define crime como o "fato proibido por lei sob ameaça de uma pena"

O próprio conceito de crime evoluiu no passar dos séculos. Como muito bem lembra o Prof.

Heleno Fragoso: "a elaboração do conceito de crime compete à doutrina". (FRAGOSO, 1987, pág.

112)

Citando o mesmo autor, o próprio Código Penal vigente, com suas alterações oriundas da Lei

nº 7.209/84 que reformulou toda a Parte Geral do Código de 1940, não define o que é "crime",

embora algumas de nossas legislações penais antigas o faziam. O Código Criminal do Império de

1830 determinava em seu artigo 2º, parágrafo 1º: Julgar-se-á crime ou delito toda ação ou omissão

contrária às leis penais, e o Código Penal Republicano de 1890 assim se manifestava em seu artigo

7º: Crime é a violação imputável e culposa da lei penal.

O crime passou a ser definido diferentemente pelas dezenas de escolas penais e, dentro destas

definições, haviam ainda sub-divisões, levando-se em conta o foco de observação do jurista.

Surgem então os chamados conceitos, tais como:

1. Formal

2. Material

3. Analítico

Essas expressões são mais significativas, dentre outras de menor expressão.

O conceito formal corresponde a definição nominal, ou seja, relação de um termo a

aquilo que o designa;

O conceito material corresponde a definição real, que procura estabelecer o conteúdo

do fato punível; e

O conceito analítico indica as características ou elementos constitutivos do crime,

portanto, de grande importância técnica.

Page 11: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

21

Segundo o Prof. Everaldo da Cunha Luna, os seus elementos são:

a) ação ou omissão: Significa que o crime sempre é praticado através de uma conduta positiva

(ação), comissiva, ou através de uma conduta negativa (omissão). É o não fazer. A inércia.

Dentro destas condutas positivas (ação) e negativas (omissão) pertencentes a estrutura do

crime, sem olvidar os crimes comissivos por omissão, ou seja, aqueles que são praticados através de

uma conduta negativa (omissão), mas que produz um resultado positivo (um fato visado e desejado

pelo agente).

b) típica: Significa que a ação ou omissão praticada pelo sujeito, deve ser tipificada. Isto é,

descrita em lei como delito. A conduta praticada deve se ajustar a descrição do crime criado pelo

legislador e previsto em lei. Pois, pode a conduta não ser crime, e, não sendo crime, denomina-se:

conduta atípica (não punida, tendo em vista que não existe um dispositivo penal que a incrimine).

Mas, cumpre lembrar, que uma conduta atípica como crime pode ser tipificado como

contravenção penal. Não se pode confundir de modo algum, crime com contravenção penal. Esta,

como definia o mestre Hungria, é um "crime anão", é menos grave que o delito (ou crime) e possui

legislação própria (Decreto-lei nº 3.688/41), com tipificação e características próprias. (HUNGRIA,

1955, pág.262)

c) antijurídica: Significa que a conduta positiva ou negativa, além de típica, deve ser

antijurídica, contrária ao direito. É a oposição ou contrariedade entre o fato e o direito. Será

antijurídica a conduta que não encontrar uma causa que venha a justificá-la. Nas palavras do Prof.

Damásio de Jesus: "A conduta descrita em norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica

quando não for expressamente declarada lícita. Assim, o conceito de ilicitude de um fato típico é

encontrado por exclusão: é antijurídico quando não declarado lícito por causas de exclusão da

antijuridicidade” (CP, art. 23, ou normas permissivas encontradas em sua parte especial ou em leis

especiais, 1988, pág.213)

A conceituação jurídica do crime é ponto culminante e, ao mesmo tempo, um dos mais

controversos e desconcertantes da moderna doutrina penal, segundo o pensamento do mestre Nelson

Page 12: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

22

Hungria, afirmando ainda que "o crime é, antes de tudo, um fato, entendendo-se por tal não só a

expressão da vontade mediante ação (voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária

abstenção de movimento corpóreo), como também o resultado (effectus sceleris), isto é, a

consequente lesão ou periclitação de um bem ou interesse jurídico penalmente tutelado”. (1956,

pág 301)

Page 13: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

23

Seção 6 - Dignidade da Pessoa Humana

Embora muitos doutrinadores considerem o direito à vida antecedente necessário de todos os

demais direitos fundamentais, esta análise é de natureza puramente cronológica. O direito à vida, de

nosso ponto de vista, é conseqüência lógica da dignidade da pessoa humana.

A Constituição Federal considerou a dignidade da pessoa humana fundamento do Estado

Democrático de Direito (art. 1º, III), sendo o princípio-valor fundamental segundo o qual devem ser

interpretados todos os demais diretos.

O conteúdo da dignidade da pessoa humana, por sua vez, segundo Ingo Wolfgang Sarlet

(2004, pág.60) implica em "um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a

pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe

garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover

sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão

com os demais seres humanos".

A dignidade da pessoa humana, justamente por se tratar de uma crença social, jamais poderá

ser conceituada de maneira fixista, o que não se harmonizaria com o pluralismo e a diversidade de

valores que se manifestam nas diversas sociedades contemporâneas e ao longo do tempo. Trata-se,

pois, especialmente em relação ao seu conteúdo, de um conceito em permanente processo de

construção e desenvolvimento.

No Brasil, a dignidade da pessoa humana constitui fundamento do Estado democrático de

Direito, previsto no artigo 1.º, inciso III da Constituição Federal. O constituinte de 1988, assim a

posicionando, alçou a dignidade da pessoa humana à condição de princípio e valor fundamental.

Page 14: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

24

Seção 7 - Evolução Histórica do Aborto

Os mais remotos apontamentos de que se tem notícias da prática de métodos abortivos foram

descobertos na China, ainda no século XXVIII antes de Cristo. No desenrolar da história da

humanidade inúmeros povos estudaram e discutiram a problemática do aborto.

A verdade é: “que os povos primitivos não previam o aborto como um ato criminoso, no entanto,

posteriormente, quando o faziam atribuíam a ele severas punições. A aceitação do aborto como

exceção à regra geral da proibição esta revestida de norma oral ou legal - surgindo com extrema

raridade em algumas legislações antigas, mas impreterivelmente vinculadas ao preenchimento de

rigorosos requisitos, já previamente determinados”. (AGAMBEN, 2004)

Segundo o autor, doutrinadores desta época chegaram ao extremo de aconselhar, a prática

ilimitada do aborto. Esta orientação logo foi reprimida através da intervenção do Poder Legislativo,

que atuou no âmbito de criar leis que salvaguardassem os interesses do pai (que na maioria das

vezes desconhecia o fato a gravidez) e da sociedade como um todo. No entanto, ressalta-se que

quando a gestação acorresse fora do matrimônio, ambos os povos mencionados continuaram a

aconselhar a gestante a realizar o aborto.

Ultrapassada a fase das severas discussões, chegou-se a conclusão de que o feto merecia

proteção desde a sua concepção, existindo a obrigatoriedade de se resguardar o nascituro e seu

direito a vida, pois sua alma já existiria desde o instante da união do masculino com o feminino.

Nos dias atuais há poucos países onde o aborto é terminantemente proibido. O número de

legislações mais brandas vem crescendo com rapidez, principalmente nas duas últimas décadas.

7.1 Aborto no mundo e nos dias atuais

O Autor Jorge Tadeu (Legalização do Aborto, 2004), relata e explica como está o aborto no

mundo, como segue abaixo:

Page 15: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

25

7.1.1 China

Nos dias atuais na China, o aborto é realizado gratuitamente para a mulher que o solicitar, até

o terceiro mês de gestação. Esta prática é utilizada, também como controle demográfico. Constata-

se que a China, embora seja um país desenvolvido, parou no tempo em relação a esta questão, pois

mesmo nos dias de hoje, pensa conforme Aristóteles e Platão pensavam ainda na Antigüidade.

7.1.2 Estados Unidos

Nos Estados Unidos o aborto foi legalizado em 1973. Devendo ser realizado somente com o

consentimento da gestante e nas primeiras vinte e quatro semanas de gestação. Essa lei, porém

sofreu mudanças, sendo adequada por cada Estado-membro a sua situação fática.

7.1.3 Japão

Em 1948, o aborto foi liberado no Japão, sendo considerado um método contraceptivos.

Entretanto, só é autorizado nas primeiras vinte e quatro semanas de gestação e em casos de riscos à

saúde da mãe, ou ainda por razões físicas e econômicas. Os custos de todo este procedimento será

arcado pela interessada. Ressalta-se, porém, que algumas empresas arcam com este ônus em favor

de suas operárias.

7.1.4 França

Na França, é permitido o aborto às mulheres desamparadas, cuja gravidez não ultrapasse a

décima semana de gestação, é também igualmente permitido o aborto em qualquer fase da gestação,

Page 16: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

26

quando apresentar riscos de vida a materna. Sendo os custos parcialmente reembolsados pelo

Estado. Esta lei vigora desde 1975.

7.1.5 Dinamarca

Na Dinamarca, a legalização que versa sobre o aborto data de 1939, sendo ampliada em 1973.

Desde que praticado até a décima segunda semana de gravidez em casos de risco à saúde física e

mental da gestante. Os custos aqui são totalmente reembolsados pelo Estado.

7.1.6 Suécia

Na Suécia, o aborto é legalizado desde 1938, ampliado em 1975, em casos quem que a

gravidez ameace a saúde da mãe. Na questão do prazo e do reembolso equipara-se a Dinamarca.

7.1.7 Inglaterra

Na Inglaterra, admitia-se o aborto por um período mais longo, de até vinte e oito semanas de

gestação, desde que se possuía o aval de um médico e que fosse realizado em um hospital, onde não

teria custo algum a paciente. Todavia, este prazo foi reduzido para vinte e quatro semanas, em abril

de 1990, já no tocante as condições e os custos a legislação fora mantida.

7.1.8 Portugal

Em Portugal a legislação sobre o tema vigora desde 1984, e concede direito a gestante de

praticar aborto até a décima segunda semana, se a gravidez for resultado de estupro ou lhe trouxer

riscos de saúde e até a décima sexta semana se o feto apresentação má-formação genética.

Page 17: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

27

Entretanto recentemente a Câmara dos Deputados de Portugal aprovou um projeto de lei, de autoria

do Partido Socialista do país, permitindo a realização de abortos em hospitais públicos, com até dez

semanas de gestação.

A Deputada Federal Marta Suplicy em uma entrevista à TV Record em março de 2006,

elogiou publicamente a iniciativa portuguesa, narrando que "Portugal é um país religioso, mas que

segue a tendência internacional de delegar à mulher o direito de optar ou não pela gestação".

7.1.9 Brasil

No Brasil, segundo o Código Penal de 1940, que trata do aborto no Titulo I (Dos crimes

contra a vida), criminalizando em todas as hipóteses, toda conduta que resulte na interrupção da

gestação, exceto quando se tratar de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resultar de

estupro, extinguindo nos dois últimos a punibilidade, ou seja, o direito que o Estado tem de punir a

pratica do aborto executado pelo médico, daí serem considerado aborto legal.

O crime de aborto só é admitido na forma doloso, pois não há tipificação na forma culposa.

Há uma série de projetos que circulam no Congresso quanto o Aborto, sendo que um (01)

deles, proposto em 2004 pela Comissão Tripartite, formada por representantes do governo federal,

entidades de trabalhadores e entidades empresariais, prevê a descriminalização do aborto até a 12ª

semana de gestação ou em qualquer idade gestacional quando a gravidez implica risco de vida à

mulher ou em caso de má-formação fetal incompatível com a vida. Há matérias que tramitam no

Congresso há 17 anos e visam, além da descriminalização, assegurar que o SUS realize a

interrupção da gravidez. O texto também revogaria os artigos do Código Penal que tratam o aborto

como crime. Ambos foram rejeitados pela da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara.

(Revista Veja, Ano 2008).

Page 18: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

28

Seção 8 - O Aborto e o Código Penal Brasileiro

O aborto é considerado dentro do Código Penal Brasileiro, de 1940, prática criminosa, salvo

exceções permissivas (excludente de antijuridicidade) e, é tratado nos artigos 124 ao 128 do Código

Penal Brasileiro. (TADEU, 2004)

Para o autor, é considerado crime doloso contra a vida, não havendo a forma culposa,

portanto, a interrupção da gravidez, dolosamente, com a conseqüente morte do feto é considerada

como aborto, e, como tal, prática criminosa sujeita a sanções.

Para elucidar melhor a intenção do sistema, colocamos abaixo explicações a cerca da

sistemática do Aborto, segundo Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, Código Penal Comentado,

2004, pg.317 à 365)

8.1 Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena - detenção, de um (01) a três (03) anos.

8.2 Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três (03) a dez (10) anos. Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um (01) a quatro (04) anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Obs: Também responderá pelo art. 124, supramencionado, no caso de consentimento.

Page 19: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

29

8.3 Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

8.4 Aborto necessário

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

8.5 Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

I - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

8.6 O aborto pode ser:

ESPONTÂNEO (natural) - Fala-se de aborto espontâneo quando a morte é produto de alguma

anomalia ou disfunção não prevista nem desejada pela mãe;

ACIDENTAL – nos casos de atropelamento, quedas etc.;

PROVOCADO – Aborto provocado (que é o que costuma ser entendido quando se fala

simplesmente de aborto) quando a morte do feto é procurada de qualquer maneira: doméstica,

química ou cirúrgica - é o previsto como crime.

Page 20: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

30

Seção 9 - Objetividade Jurídica

Ainda citando o mesmo autor, a objetividade jurídica é a vida em formação (vida intra-

uterina), entretanto, o produto da concepção não pode ser considerado como pessoa. Nos casos do

aborto praticado por terceiro a proteção se estende a gestante.

9.1 Sujeito Ativo

No auto-aborto e no aborto consentido é a gestante (crime de mão própria); no aborto

provocado por terceiro o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.

9.2 Sujeito Passivo

O sujeito passivo – no auto-aborto ou no aborto consentido é o ovo, embrião ou feto; no

aborto provocado por terceiro é o feto e a gestante. “O produto da concepção, qualquer que seja o

grau de desenvolvimento, é objeto material da ação” (HELENO, 1987, pág. 210).

Page 21: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

31

Seção 10 - Adequação Típica Subjetiva

Para o autor Nucci, o elemento subjetivo é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de

interromper a gravidez, matando (dolo direto) ou assumindo o risco de matar (dolo eventual) o

produto da concepção. A lei não prevê a modalidade culposa. O terceiro que pratica aborto

culposamente, responde por lesões corporais culposa. (NUCCI, 2004).

Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano § 1º - Se resulta: I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. § 2º - Se resulta: I - incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável; III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V - aborto. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos

Page 22: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

32

Seção 11 - Meios de Execução

Ainda no mesmo autor, vemos que trata-se de crime de forma livre, qualquer meio de

execução é admissível, desde que tenha idoneidade para produzir o resultado. Em regra o crime é

praticado através de meios mecânicos diretos ou indiretos e de ingestão de substâncias abortivas.

Page 23: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

33

Seção 12 - Consumação e Forma Tentada

O Aborto consuma-se com “a morte do ovo, embrião ou feto, dentro ou fora do ventre. É

necessário que haja comprovação que o ovo, embrião ou feto estava vivo e foi a ação dolosa do

agente que motivou a morte”. Já a forma tentada expressa quando o ato não se concretizou, seja por

motivos do agente ou de terceiros. (NUCCI, Código Penal comentado, 2004)

Page 24: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

34

Seção 13 - Excludente da Ilicitude

Para Guilherme de Souza Nucci, o aborto pode ser:

13.1 - Aborto Necessário

Diz o artigo 128 que “não se pune o aborto praticado por médico: se não outro meio de salvar

a vida da gestante” é também chamado de aborto terapêutico que na verdade é uma forma de estado

de necessidade, pois os seus requisitos são: perigo atual ou iminente de vida da gestante e a

inexistência de outro meio para salvá-la, dentro desse contexto, admitimos que o chamado aborto

necessário, na falta de médico, poder ser realizado por qualquer pessoa, nos termos do artigo 23, I e

24 do CP.

13.2 - Aborto Humanitário

Diz o artigo 128 que “não se pune o aborto praticado por médico: se a gravidez resulta de

estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu

representante legal”, também conhecido como aborto ético ou sentimental.

Não é necessário ordem judicial ou instauração de procedimento criminal, o que se exige é

prova inequívoca de que houve o estupro e que haja o consentimento da gestante ou do

representante legal.

É recomendável que o médico exija o consentimento por escrito e procure se inteirar da

situação do estupro, deixando arquivado no prontuário da paciente, o consentimento e qualquer

outro tipo de prova que serviu para convencer o médico que houve o estupro.

Por fim, o aborto somente ocorre antes do início do parto, diferentemente do infanticídio que

ocorre durante ou logo após o parto.

Page 25: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

35

Seção 14 - Da Competência para julgar o crime de Aborto

A Competência para julgar o crime de aborto é o Tribunal do Júri.

A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de

função, estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual.

O crime de aborto é um crime doloso contra a vida - Parte Especial do Código Penal - Título

I, Capítulo I - Dos crimes contra a vida (Anexo A).

Segundo a Constituição Federal artigo 5°, XXXVIII: É reconhecida a instituição do júri, com

a organização que lhe der a lei, assegurados:

“d” a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

Fazendo um estudo um pouco mais aprofundado, podemos encontrar no Código de Processo Penal

em seu art. 74 que: A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização

judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

§ 1º - Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º,

122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.

Page 26: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

36

Seção 15 - Métodos de interrupção da Gravidez:

Para Diniz existem diversas formas de se interromper a gravidez, algumas são:

15.1 Interrupção Voluntária da Gravidez:

Como a prática é ilegal em muitos países (podendo ser mesmo considerado crime), muitas

mulheres, movidas por diversos motivos (econômicos, vergonha, medo da reação dos parentes mais

próximos, ou por outras razões), procuram abortar clandestinamente usando métodos perigosos que

põe em risco a sua própria vida.

Os defensores do aborto procuraram maquiar sua natureza criminal mediante a terminologia

"interrupção voluntária da gravidez" ou sob conceitos como "direito de decidir" ou "direito à saúde

reprodutiva".

15.2 Por envenenamento salino:

Extrai-se o líquido amniótico dentro da bolsa que protege o feto. Introduz-se uma longa

agulha através do abdômen da mãe, até a bolsa amniótica e injeta-se em seu lugar uma solução

salina concentrada. O feto ingere esta solução que lhe causará a morte em 12 horas por

envenenamento, desidratação, hemorragia do cérebro e de outros órgãos.

Esta solução salina produz queimaduras graves na pele do feto. Algumas horas mais tarde, a

mãe começa "o parto" e da à luz a um bebê morto ou moribundo, muitas vezes em movimento.

Este método é utilizado depois da 16º semana de gestação.

Page 27: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

37

15.3 Por Sucção:

Insere-se no útero um tubo “oco” que tem uma ponta afiada. Uma forte sucção (28 vezes

mais forte que a de um aspirador doméstico) despedaça o corpo do bebê que está se desenvolvendo,

assim como a placenta e absorve "o produto da gravidez" (ou seja, o bebê), depositando-o depois

em um balde. O abortista introduz logo uma pinça para extrair o crânio, que costuma não sair pelo

tubo de sucção. Algumas vezes as partes mais pequenas do corpo do bebê podem ser identificadas.

Quase 95% dos abortos nos países desenvolvidos são realizados desta forma.

15.4 Por Dilatação e Curetagem:

Neste método é utilizada uma cureta ou faca proveniente de uma colher afiada na ponta,

com a qual se corta o feto em pedaços com o fim de facilitar sua extração pelo colo da matriz.

Durante o segundo e terceiro trimestre da gestação o feto, já está bem desenvolvido e grande demais

para ser extraído por sucção; então utiliza-se o método chamado dilatação e curetagem.

A cureta é empregada para desmembrar o bebê, tirando-se logo em pedaços com ajuda do

fórceps.

Este método está se tornando o mais usual.

15.5 Por "D & X":

Este é o método mais espantoso de todos, também é conhecido como nascimento parcial.

Costuma ser feito quando o bebê se encontra já muito próximo de seu nascimento na 32ª semana.

Depois de ter dilatado o colo uterino durante três dias e guiando-se por ecografia, o abortista

introduz algumas pinças e agarra com elas uma perninha, depois a outra, seguida do corpo, até

chegar aos ombros e braços do feto. Assim extrai-se parcialmente o corpo do feto, como se este

fosse nascer, salvo que deixa-se a cabeça dentro do útero. Como a cabeça é grande demais para ser

Page 28: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

38

extraída intacta; o abortista enterra algumas tesouras na base do crânio do feto que está vivo, e as

abre para ampliar o orifício. Então insere um catéter e extrai o cérebro mediante sucção.

Este procedimento faz com que o feto morra e que sua cabeça se desabe. Em seguida extrai-se

a criatura e lhe é cortada a placenta.

15.6 Por Operação Cesárea:

Este método é exatamente igual a uma operação cesárea até que se corte o cordão umbilical,

salvo que em vez de cuidar da criança extraída, deixa-se que ela morra.

A cesárea não tem o objetivo de salvar o feto, mas sim de tirá-lo a vida.

15.7 Mediante Prostaglandinas:

Esta droga provoca um parto prematuro durante qualquer etapa da gravidez. É usado para

levar a cabo o aborto à metade da gravidez e nas últimas etapas deste. Sua principal "complicação"

é que o feto às vezes sai vivo. Também pode causar graves danos à mãe. Recentemente as

prostaglandinas foram usadas com a RU- 486 para aumentar a "eficácia" destas.

15.8 Pílula RU-486:

Trata-se de uma pílula abortiva empregada conjuntamente com uma prostaglandina, que é

eficiente se for empregada entre a primeira e a terceira semana depois de faltar a primeira

menstruação da mãe. Por este motivo, é conhecida como a "pílula do dia seguinte", que age

matando de fome o diminuto feto, privando-o de um elemento vital, o hormônio progesterona. O

aborto é produzido depois de vários dias de dolorosas contrações.

Nota: Os métodos mais comuns utilizados por profissionais para provocar o abortamento são

a curetagem e a aspiração uterina. (Diniz D., Aborto e inviabilidade fetal)

Page 29: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

39

Seção 16 - O que é Aborto Eugênico ou Eugenésico?

Para Glauco Cidrack do Vale Menezes, é considerado aborto piedoso, praticado quando o feto

é portador de anomalia grave e incurável.

Alguns doutrinadores e médicos apontam que a Medicina, com sua contínua evolução,

permite identificar e diagnosticar, com precisão, as anomalias das quais o feto é portador. O

diagnóstico destas anomalias é feito pela análise de células fetais, obtidas no líquido amniótico ou

das células da placenta, e as anomalias anatômicas são diagnosticadas por ultra-sonografia.

Assim, não obstante detectadas as anomalias consideradas graves e incuráveis, a mãe poderia

optar em levar até o fim esta gestação, “mesmo correndo o risco de ter sua saúde física e

principalmente psíquica gravemente abalada”. (MENEZES, 2004).

16.1 - Legalização do Aborto Eugênico

Para o autor, as questões que pesam sobre o tema, são justamente aquelas a acerca do fato

relevante para o aborto, em que dependendo do grau da anomalia, podemos considerar o aborto.

16.2 – O que seria de fato considerado anomalia do feto?

Ainda Citando Menezes, o legislador deverá dizer expressamente e de maneira clara quais os

tipos de anomalias que darão ensejar a tal providência. Se a previsão legal não especificar as

anomalias, de conseqüências graves e irreversíveis, qualquer tipo de “defeito” poderá ser

considerado anomalia e o aborto encarado como única, ou melhor solução encontrada pela

sociedade para eliminar este ser; o que poderá significar prejuízo social.

Muitos entendem que, o aborto eugênico é aquele implementado para eliminar fetos com

anomalias graves e irreversíveis, e não se presta para fazer nenhum tipo de “seleção”. Como

exemplo, podemos falar a respeito do feto anencefálico. “Estudos demonstram que o feto

Page 30: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

40

anencefálico sofre inúmeras convulsões, o que, além do sofrimento do próprio ser, pode ocasionar

um desgaste emocional à mãe e ainda lhe causar danos à saúde. Esta mãe está condenada a uma

gravidez complicada, e certamente, ao trauma de ter gerado um filho que não sobreviverá mais do

que alguns dias”. (MENEZES, 2004)

Se realmente há um diagnóstico que atesta a anencefalia, para alguns, nada mais justo que

poupar mãe e filho de um sofrimento como este, considerando que, se o feto possui sensibilidade à

dor e às emoções da mãe, certamente permitir que uma gestação como esta se complete é como

castigar mãe e filho, cruelmente, por um ato que não cometeram. (MENEZES, 2004)

Neste mesmo raciocínio, explica que com o passar dos anos os Juízes já estão chegando a

considerar o direito da mãe de optar em completar a gestação ou não, como superior aos direitos do

nascituro, e acabam autorizando a retirada do feto portador de anomalias, sem que sofram nenhum

tipo de punição por este ato e como o Direito, a Medicina também evoluiu, devendo o intérprete na

aplicação da lei adaptá-la à realidade cultural e social.

Como leciona o penalista argentino Luiz de Asúa, “o juiz não pode mostrar-se alheio às

transformações sociais, jurídicas e científicas. Por isso, a vontade da lei não deve ser investigada

somente em relação à época em que nasceu o preceito, mas sim tendo em conta o momento de sua

aplicação. O magistrado adapta o texto da lei às evoluções sofridas pela vida, da qual, em última

consideração. Daí ele ajustá-la a situações que não foram imaginadas na hora remota de seu

nascimento”. (Asúa, 2005, artigo revista década´s)

Quando da elaboração do Código Penal, até mesmo quando Hungria escreveu o que antes foi

relatado, não se poderia imaginar que a evolução da medicina chegaria ao ponto de logo detectar

que o feto seria portador de anencefalia, lesão incompatível com a vida extra-uterina.

Para Hungria não se trata de um charlatanismo. O fato está medicamente comprovado. O feto

não tem qualquer possibilidade de vida fora do ventre materno. É diferente do caso do feto possuir

tara física ou doença psíquica. Neste caso, haverá vida. No caso da anencefalia, não há chance de

vida face à ausência de cérebro. Este feto, sem qualquer possibilidade de vida extra-uterina, não é o

objeto jurídico protegido no crime de aborto. (HUNGRIA, 1955, pág. 189)

Para muitos, o que o Direito tutela a vida – intra e extra-uterina –, nunca a morte nem a mera

possibilidade de vida extra-uterina imediatamente seguida de morte. Já se disse que o feto é jurídica

e cientificamente uma vida, e, como tal, está sob a proteção do Direito, mas uma proteção que se

destina a mantê-la, assegurá-la, preservá-la.

Page 31: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

41

Desde que cientificamente provado que o feto não vai ter vida extra-uterina e, pois, que tal

manutenção de vida não vai ocorrer, a tutela jurídica não tem mais como ser exercida por falta de

vida a preservar e assegurar. Ademais, a transformação ou passagem da vida intra para a vida extra-

uterina sempre impõe à gestante, peripécias físicas e psicológicas de tal monta que o Direito,

reconhecendo- as, concede privilégios e atenuantes a procedimentos seus durante e imediatamente

após o parto, não me parecendo justo impor-lhe sacrifícios e riscos cujo resultado inevitável sempre

será a morte do feto.

Havendo prova insofismável, certa e induvidosa, de que não haverá vida extra-uterina e que o

feto morrerá à primeira oxigenação fora do ventre materno, pela irreversibilidade da anencefalia que

o acomete, após o parto não haverá vida a proteger pela inevitabilidade da tragédia congênita da

morte, razão bastante para “que o bom senso prevaleça e poupe a gestante do risco de um parto

inócuo quanto à sobrevida do feto”. (MENEZES, 2004).

Esta questão do anencéfalo vem sendo discutida desde 2004, pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Saúde (CNTS), que entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal para que

a antecipação do parto de fetos anencéfalos (sem cérebro) não fosse considerada aborto, o que

permitiria às gestantes em tal situação interromper a gravidez sem a necessidade de autorização

judicial. (MENEZES, 2004).

Nota: Interessante neste caso da anencefalia é analisar a legislação brasileira, que, senão

redundante, muitas vezes torna-se “curiosa”. Nota-se na Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997 – Lei

de Transplante de Órgãos, em seu artigo 3, que prevê a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou

partes do corpo humano destinadas a transplante, somente se e quando for diagnosticada a morte

encefálica do paciente, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de

remoção de transplantes. Ora, neste caso a lei é bem clara, que quando constatada a morte

encefálica é permitido a remoção de órgãos, e conseqüentemente, devido a isto, se obteria a morte

biológica do paciente. (MENEZES, 2004).

16.3 - Argumentos que justificam o deferimento da medida

O Código Civil e o Código de Processo Penal não definem o momento da morte. Os antigos

sustentavam que a morte ocorria com a parada cardíaca (gregos) ou com o último suspiro, sendo o

Page 32: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

42

pulmão o indicador da morte (tradição judaico - cristã) ou quando cessam o coração, pulmão e

cérebro (franceses no século XVII).

Com o advento da Lei nº 9.434/97 (Lei de Transplante de Órgãos), ficou certo que,

juridicamente, o ser humano deixa de existir com a morte encefálica constatada por dois médicos

(artigo 3º). Morrendo o encéfalo, cessam todas as atividades do cérebro e do sistema nervoso

central, atingindo a estrutura encefálica. Este é o momento da morte jurídica, sendo possibilitada a

realização do transplante.

Ora, ausente o cérebro, o que ocorre quando constatada a anencefalia, não há vida

juridicamente a proteger, o que evidencia que a conduta pleiteada não agride o bem jurídico

protegido, o que a torna atípica.

Assim, entendemos juridicamente correta a decisão que autorizou a antecipação do parto na

hipótese de anencefalia, estando escorada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da

ofensividade previstos na Constituição Federal.

Page 33: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

43

Seção17 - Legislação Brasileira acerca do Aborto

O aborto é considerado crime no Brasil, salvo nos casos em que haja risco de vida para a

gestante ou quando feto foi gerado em decorrência de um estupro. O Código Penal Brasileiro prevê

pena de 1 a 3 anos de prisão para a gestante, e de 1 a 4 anos para o médico ou qualquer outra pessoa

que realize nela o procedimento de retirada do feto. (MENEZES, 2004).

17.1 Argumentos consequencialistas contra o aborto

O legislador não descriminou o abortamento necessário ele apenas o despenalizou, pois, assim

afirma no caput artigo 128 : Não se pune o aborto realizado por médico : I – se não há outro meio

de salvar a vida da gestante (não existe grifo no original). Esse ato não deixa de ser crime, porém, o

mesmo não é punido. (M. Lichfield e S. Kentisch, Bebês para queimar, São Paulo, Ed. Paulinas, p.

150)

Determina a Constituição Federal promulgada em dezembro de 1988 no caput do artigo 5.°:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (não existe grifo no original)

Quando se analisa o direito à vida, previsto no artigo supra, deve-se fazê-lo de forma ampla e

insofismável visto entender-se que a mesma se inicia na concepção. Neste ponto cabe se questionar

se um mesmo bem jurídico pode ser moral e juridicamente valorado de maneiras distintas. (M.

Lichfield e S. Kentisch, Bebês para queimar, São Paulo, Ed. Paulinas, p. 150)

Para o autor, quando se manter a gestação no caso supra, e a gestante falecer em decorrência

da gestação morrerá também o feto. Deste modo seria um absurdo a perda de duas vidas com o fito

de se tentar manter a gestação até o termo. Entretanto esse mesmo critério não poderá ser utilizado

quando a colisão de direitos não se der entre os mesmos bem jurídicos tutelados (vida materna X

vida fetal).

Na mesma linha, para ele o bem jurídico vida é, indubitavelmente, o maior de todos e a fonte

dos outros visto que todos os direitos adquiridos pelo homem somente o são se o mesmo estiver

vivo. Pode-se, portanto, dizer que o direito à vida é um direito original ou primário enquanto os

Page 34: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

44

demais são dele derivados ou secundários. Assim, ao se comparar o direito à vida a qualquer outro

direito aquele sempre estará num grau superior. Alguns até entendem que, o direito à vida deve ser

mais valorado inclusive que o direito à dignidade da pessoa humana e o direito à autonomia da

pessoa humana visto estes existirem apenas em função daquele.

Este último entendimento não é partilhado por alguns autores como José João Canotilho ao

discorrer sobre o Direito Constitucional e Teoria da Constituição onde afirma que "os bens

constitucionalmente protegidos, em caso de conflito ou concorrência, devem ser tratados de maneira

que a afirmação de um não implique o sacrifício do outro, o que só se alcança na aplicação ou na

prática do texto". (CANOTILHO, 1988, pág. 86)

Verifica-se que, segundo Canotilho, não existe diferença hierárquica ou de valor entre os bens

constitucionais. Entretanto é bastante enfático ao afirmar que o resultado da interpretação da norma

constitucional não pode determinar um sacrifício total de um bem em relação a outro. A

interpretação deve ser harmônica.

17.2 Aspecto Religioso

O aborto visto pelo aspecto moral, muitas vezes se confunde com o religioso, o que é

erroneamente falado. O aspecto religioso do aborto é bem diferente do moral. Enquanto o moral se

refere a que tal prática fere a conduta da sociedade, o religioso consiste em afirmar que a vida é

suprema em todos os casos. Eles afirmam que se “Deus deu vida a este feto, foi porque ele quis que

este existisse, e consequentemente, se este foi mal formado ou fruto de estupro, também aconteceu

desta maneira porque foi da vontade de Deus”. (MAGUIRE, 2001. pág. 46)

17.2.1 Catolicismo

Baseadas no mandamento "Não matarás", as diversas religiões cristãs condenam a prática do

aborto, ainda que a interrupção da gravidez se dê por razões de ordem terapêutica ou sentimental.

Em fins do século passado interrompeu-se a discussão em torno da animação tardia do feto e

Page 35: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

45

atualmente a Igreja apresenta restrições quanto à prática do aborto terapêutico como caminho para

se salvar a vida da mãe. Ou seja, condena todo tratamento que vier atentar diretamente contra a vida

do feto, embora não condene consequências indiretas - a morte do feto, por exemplo - que este tipo

de encaminhamento possa ter causado A posição oficial da Igreja Católica classifica o aborto como

um dos pecados sujeitos à excomunhão: “A gravidade do aborto provocado aparece em toda a sua

verdade, quando se reconhece que se trata de um homicídio [...]” (João Paulo II, Encíclica

Evangelium Vitae, 25/03/1995, nº. 58).

17.2.2 Igrejas protestantes

A postura das igrejas protestantes em geral (batista, luterana, metodista, presbiteriana,

episcopal e unitária) parece ser um pouco menos rígida que a da igreja católica, uma vez que admite

o aborto terapêutico, embora jamais encare o aborto como método de controle da natalidade. De

qualquer forma, dá-se grande importância à vida da mãe, devendo a questão ser resolvida entre

médico, pastor e paciente. (MAGUIRE, 2001. pág. 48)

Para o autor, os unitários-universalistas foram aquela facção da igreja protestante que mais

ousou em relação à questão: em 1963 já defendia a legislação do aborto em caso de perigo físico ou

mental para a mãe, gravidez resultante de estupro ou incesto, defeito físico ou mental da criança que

está para nascer ou quando existirem (o que abre a possibilidade de solução para vários casos

individuais).

17.2.3 Igreja judáica

O judaísmo tem apresentado uma postura mais flexível no que diz respeito à questão do

aborto, provavelmente por apresentar concepções teológicas diferentes em relação à alma e ao

"pecado original". Para os judeus, o feto só se transforma em ser humano quando nasce e em pessoa

um mês após o nascimento. “Além disso, o fato de não existir uma autoridade máxima ditando

Page 36: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

46

todas as regras de conduta faz com que os judeus possam ter liberdade sobre sua própria

consciência”. (MAGUIRE, 2001. pág. 46)

17.3 Argumentos consequencialistas a favor do aborto

Em grande parte do mundo industrializado o aborto não era considerado um crime até que

uma serie de leis anti-aborto foram proclamadas durante a segunda metade do século XIX.

Por vezes também se argumentava que os fetos são seres humanos a partir do momento da

concepção e, como tal, o aborto intencional seria uma forma de homicídio.

Consequentemente o ponto central dos argumentos anti-aborto mudou-se da segurança física

das mulheres para o valor moral da vida do feto.

Se avaliarmos a moralidade das ações pelas suas conseqüências, podemos construir um forte

argumento contra a proibição do aborto.

A maternidade involuntária agrava a pobreza, aumenta as taxas de mortalidade infantil e

obriga as famílias e os estados a grandes esforços econômicos.

“O aperfeiçoamento dos métodos de contracepção veio aliviar de alguma forma estes

problemas”. (MAGUIRE, 2001. pág. 46)

Para o autor, em quase todo o mundo, trabalhar por um salário tornou-se uma necessidade

para muitas mulheres, tanto solteiras como casadas. As mulheres que têm de ganhar o seu sustento

sentem a necessidade de controlar a sua fertilidade.

O acesso ao aborto é essencial para a saúde e sobrevivência não apenas das mulheres e das

famílias, mas também dos próprios sistemas sociais e biológicos dos quais todos dependemos. Dada

a insuficiência dos atuais métodos contraceptivos e a falta de acesso universal a esses métodos, se

quisermos evitar um rápido crescimento populacional é necessário que se recorra a algumas práticas

do aborto.

Citando Maguire, a má nutrição, a fome, erosão dos solos e as alterações climáticas ameaçam

reduzir a capacidade que a terra tem de produzir comida. Os opositores do aborto negam que o

aborto seja necessário para evitar tais conseqüências indesejáveis. Estes afirmam frequentemente

que as mulheres que procuram abortar, recusam-se a assumir responsabilidades pelos seus próprios

Page 37: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

47

atos. Segundo alguns pontos de vista, as mulheres deveriam evitar ter relações sexuais

heterossexuais a menos que estivessem preparadas para levar a cabo uma gravidez daí resultante.

Até que surja um método contraceptivo totalmente seguro e de confiança, a argumentação

consequencialista a favor do aborto permanecerá forte. Se o aborto for mau, nesse caso não poderá

ser definido como um meio de evitar conseqüências indesejadas. Como tal, devemos procurar saber

se as mulheres têm o direito moral de abortar.

17.3.1 Aborto e o direito das mulheres

Nem todos os filósofos morais acreditam na existência de direitos morais. Como tal, é

importante que se diga algo acerca do que são os direitos morais.

Os direitos não são entidades misteriosas que descobrimos na natureza; não são entidades de

espécie alguma. Dizer que a pessoa tem o direito à vida é dizer, que ninguém deve ser morto

deliberadamente ou privado do necessário para viver. Por exemplo, podemos matar em legitima

defesa quando não existe outra hipótese de evitar sermos mortos ou gravemente feridos; mas não

podemos matar outra pessoa simplesmente por que outros ganhariam alguma coisa com a sua

morte.

Os direitos morais básicos são aqueles direitos que todas as pessoas tem, em contraste com os

direitos que dependem de circunstâncias particulares. Normalmente são considerados direitos

morais básicos o direito à vida, à liberdade, à autodeterminação, e o direito a não ser maltratado

fisicamente. Se os fetos têm igual direito à vida, “então nesse caso direito que as mulheres têm em

abortar apenas deverá ser exercido em circunstâncias extremas”. (MAGUIRE, 2001. pág. 46)

Page 38: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

48

Seção18 - Incidência

É surpreendente o alto número de mulheres que praticam o aborto. Foi divulgado no ano

passado pela Organização Mundial de Saúde, seis milhões de mulheres praticam aborto induzido na

América Latina todos os anos. Destas 1,4 milhões, são brasileiras e, uma em cada 1.000 mulheres

morrem, em decorrência do aborto, já que as condições em que são feitos esses abortamentos são

precárias e muito perigosas em função de serem métodos ilegais, feitos na clandestinidade. “Dentro

dessas estatísticas, a América do Sul fica em primeiro lugar no número de abortos clandestinos por

ano, vindo em segundo a América Central e em terceiro a África”. (COSTA, 2003, vol. 06)

Os abortos são feitos em 48% por meninas de até 19 anos. E, ainda, no Brasil, a cada mil

adolescentes grávidas, trinta e duas recorrem ao aborto.

De acordo com Moreira “existem dados do Fundo das Nações Unidas para a População

(FUNUAP) que mostram que em conseqüência de abortamentos, morrem por ano nos países da

América Latina (inclusive no Brasil) seis mil mulheres, consistindo na terceira causa de morte

materna, depois das hemorragias e da hipertensão”. (MOREIRA, 2002, pág.37)

Para o autor, entre as consequências de ordem orgânica, podemos citar até mesmo o risco da

infecundidade. Entre os casos de infecção puerperal, sabe-se que 60% deles são ocasionados por

aborto provocado (choque septêmico).

Segundo o autor, outro dado marcante diz respeito aos óbitos maternos em 10 cidades latino-

americanas: 34% das mortes são provocados por aborto. No Chile, por exemplo, a taxa percentual

varia de 30% a 41% no que diz respeito aos óbitos maternos registrados.

Morrem ainda, cerca de setenta mil mulheres por ano em todo o mundo em conseqüência de

abortos praticados em condições de risco, clandestinamente. E ainda um número desconhecido,

porém muito elevado de mulheres que sofrem de lesões pós-aborto. Mesmo em países que o aborto

já é legalizado, ainda existem mulheres que morrem por causa das más condições operatórias.

Existem poucos lugares em que as condições são favoráveis e não apresentam risco à mulher, além

disso, o custo é altíssimo, fazendo com que muitas procurem métodos mais baratos, porém mais

perigosos. Por exemplo, “dos estimados 5,3 milhões de abortos induzidos na Índia (onde o aborto é

legal), em 1989, 4,7 milhões ocorreram fora de estabelecimentos de saúde aprovados,

consequentemente, em condições potencialmente inadequadas”. (COSTA, 2003, Vol.06)

Page 39: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

49

Seção 19 - A ética de “respeito pela vida”

Segundo Guilio Agamben, o escritor Albert Schweitzer defende uma ética de respeito para

todas as criaturas vivas. Para ele todos os organismos, dos micróbios aos seres humanos, têm uma

“vontade de viver”. Como tal, afirma que qualquer pessoa que tenha “o mínimo de sensibilidade

moral considerará natural interessar-se pelo destino de todas as criaturas vivas”. (AGAMBEN,

2004)

“Todos os seres vivos partilham uma vontade de viver seja uma afirmação metafórica do fato

de os organismos estarem teleologicamente organizados. Geralmente atuam de modo a promover a

sua própria sobrevivência”. (AGAMBEN, 2004)

Aqueles que são contrários ao aborto têm escrito que a autorização em exame configuraria um

“crime contra a vida”, um “homicídio uterino” ou um “assassinato oficial”, enquanto outros, que se

mostram favoráveis ao deferimento da medida, procuram fundamentar sua posição no lado humano

da questão, principalmente no sofrimento da mãe, “não havendo nada que obrigue mulher a ter um

filho sem cérebro”, ou “na dor de ter um filho e não levá-lo para casa” ou que “é uma situação

análoga à da tortura”. (AGAMBEN, 2004)

Em regra, há um pedido de prestação jurisdicional do Estado, para que cumpra sua missão de

aplicar o Direito, para isto cabendo ao magistrado, independente de suas convicções extrajurídicas,

jungirem-se somente aos textos legais, seja para deferir ou para indeferir a pretensão vestibular.

Para o autor, devemos aplicar a lei vigente ao caso concreto que lhe é apresentado para

decidir. Nesta linha de entendimento, não pode o juiz usurpar a função do legislador. Na divisão

constitucional vigente, não coube ao Judiciário a elaboração do texto legal. Ao Judiciário foram

destinadas a interpretação e a aplicação da lei que existe em abstrato ao caso concreto, sem prejuízo

de normas de cultura serem utilizadas pelo intérprete, devendo este sempre procurar adaptar a lei à

realidade social.

A interpretação apressada da lei leva à conclusão equivocada de que o Direito não estaria a

amparar a autorização em exame. Com efeito, todos os livros doutrinários, sem exceção, salientam

que duas são as hipóteses de aborto não-criminoso: o aborto provocado para salvar a vida da

gestante, denominado de necessário ou terapêutico (art. 128, I, do CP); e o aborto provocado com o

consentimento da gestante, no caso de gravidez por estupro, conhecido como aborto sentimental ou

humanitário (art. 128, II, do CP).

Page 40: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

50

Na verdade, o fato de ter sido reconhecido que o feto é portador de anencefalia não se

coaduna com a hipótese do aborto necessário. Este, como é sabido, ocorre quando não há outro

meio para salvar a vida da gestante, subsistindo a infração quando provocado para preservar a saúde

da mulher. Muitos entendem, que na hipótese do feto anencéfalo, geralmente a vida da gestante não

está correndo risco direto ou concreto. O excesso de líquido amniótico, segundo avaliação médica,

pode ser drenado sem que a vida da gestante seja colocada em risco. É certo que gravidez como

esta, em alguns casos, tem causado graves transtornos psicológicos, até mesmo com tentativa de

suicídio, eis que sabe a mulher que, na verdade, como salientado pela prof. Dafne Gandelman

Horovitz, está condenada a ser um “caixão ambulante”, carregando no ventre um feto sem qualquer

possibilidade de vida extra-uterina.

Juridicamente, porém, tal circunstância não se adequa à causa permissiva do artigo 128, I, do

Código Penal, salvo comprovado risco de vida da gestante. Até porque, nesta hipótese, se torna

desnecessária qualquer autorização judicial para a prática do aborto, podendo o médico realizá-lo de

pronto.

Também não pode a pretensão ser deferida com base na analogia, ampliando-se o rol do

artigo 128 supra-referido. Esta consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição

relativa a um caso semelhante, sendo forma de auto-integração da lei para suprir lacunas porventura

existentes.

Carlos Maximiliano salienta que o processo analógico não cria direito novo, mas descobre o

já existente e integra a norma estabelecida, o princípio fundamental, comum ao caso previsto pelo

legislador. (MAXIMILIANO, 2001, pág.14)

Dois são os requisitos básicos para que seja permitido o uso da analogia, obviamente que nas

normas permissivas, porquanto as incriminadoras, por força do princípio da legalidade, não

permitem a aplicação desta forma de auto-integração da lei: que o fato considerado não tenha sido

regulado pelo legislador e que a lei tenha regulado situação que ofereça relação de coincidência e de

identidade com o caso não-regulado.

Estes requisitos não estão presentes no caso em exame. Não há lacuna neste caso. O legislador

não deixou de prever a hipótese destacada. Consta, aliás, que a nova legislação penal, em tramitação

no Congresso Nacional, prevê expressamente tal autorização como legal. Os jornais vêm

divulgando os debates com relação ao aborto.

Page 41: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

51

Até o momento, o legislador não quis incluir o aborto eugênico como conduta lícita, de

acordo com o ordenamento jurídico. Trata-se de uma opção do legislador e não de um cochilo.

Desta forma, não havendo omissão, não se pode falar em analogia.

Outro fundamento exclusivamente jurídico, porém, permite o deferimento da autorização em

debate. Todo delito tem um objeto jurídico, sendo este o bem ou interesse que a norma penal tutela.

Ganha força no direito penal moderno o chamado princípio da ofensividade ou da lesividade, que

possui dupla função: política criminal, dirigida ao legislador, que está obrigado a só descrever tipos

penais que ofendam a bem jurídico, dogmática interpretativa, dirigida ao aplicador da lei, que deve

sempre observar se a conduta afeta o bem jurídico protegido. Esta segunda função do princípio em

exame é que é o ponto nodal desta querela.

Estabelecer que o aborto é crime, tem como objeto jurídico principal a preservação da vida

humana. Assim, o objeto da tutela penal é a vida do feto (vida intra-uterina). Para efeitos penais, o

feto é considerado pessoa. É verdade que a legislação valora de forma diferente a vida intra-uterina

da extra-uterina, tanto que a pena do homicídio é bem maior do que a do aborto. O fato é que se

tutela na hipótese o direito à vida em sentido amplo. Como já dito, a nossa legislação não abraçou o

aborto eugênico como ação amparada pelo Direito.

Trata-se de questão altamente controvertida, surgindo opiniões de ambos os lados, tendo

Hungria salientado que “não passa de uma das muitas trouvalilles dessa pretensiosa charlatanice

que dá pelo nome de eugenis, pois consiste este num amontoado de hipóteses e conjecturas, sem

nenhuma sólida base científica”. (HUMGRIA, 1955, pág.369)

Alberto da Silva Franco escreveu artigo em sentido contrário ao pensamento de Hungria,

aduzindo existir uma causa de justificação que apresenta similitude com o estado de necessidade.

Alberto da Silva Franco (FRANCO, 5ª ed., SP, RT, 1995, p. 205)

O aborto por indicação eugênica ocorre quando se permite o abortamento, desde que exista o

prognóstico, medicamente fundamentado, de que o feto nascerá com graves taras físicas ou

psíquicas. Tal modelo, como já salientado, não foi considerado pela nossa legislação.

Page 42: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

52

Seção 20 - Aspectos da Ética Médica

O Código de Ética Médica foi elaborado pelo Conselho Federal de Medicina, em

cumprimento ao artigo 30 da Lei no 3.268/57 e publicado em 11 de janeiro de 1958.

O artigo 54 do Código de Ética impõe ao médico que não provoque aborto, salvo

exceções referidas no artigo 128 do Código Penal. Para realização do aborto, nestes casos, o médico

deverá primeiramente consultar em conferência dois colegas, lavrando a seguir uma ata em três

vias. Uma será enviada ao Conselho Regional de Medicina (CRM); outra, ao diretor clínico do

estabelecimento onde será guardada pelo médico ao qual foi confiada a internação.

O Código de Processo Ético-Profissional para os conselhos de medicina estabelece no

capítulo III, referente às penalidades, mais especificamente em seu artigo 60, que as penas

disciplinares aplicáveis pelos conselhos regionais a seus membros podem ser de diferentes graus:

- advertência confidencial em artigo reservado;

- censura confidencial em aviso reservado;

- suspensão do exercício profissional até 30 dias;

- cassação do exercício profissional "ad referendum" do Conselho Federal.

Page 43: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

53

Seção 21 - A Lei de Biossegurança e Ação Direta de Inconstitucionalidade

O embrião pode ser considerado vida humana?

O STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou no dia 29 de maio de 2008 pesquisas com

células-tronco embrionárias no Brasil. O Supremo Tribunal Federal rejeitou ação direta de

inconstitucionalidade (ADI) Nº 3.510 contra o Art. 5º da Lei de Biossegurança Nº 11.105 de 24 de

março de 2005 que permite a utilização, em pesquisas, de células fertilizadas in vitro e não

utilizadas.

No art. 5º pretende-se regulamentar a possibilidade de utilização células-tronco embrionárias

para pesquisa e terapia. Os embriões passíveis de utilização para tanto são os denominados

embriões provenientes de fertilização in vitro. Porém, o art. 5º não menciona quais serão,

especificamente, os embriões que poderão ser utilizados para a produção de células-tronco

embrionárias, apenas determinando:

“Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco

embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no

respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou, II –

sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já

congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir

da data de congelamento”.

Os Ministros Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim

Barbosa, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello votaram a favor desses estudos, mediante o que

determina a lei. Segundo a norma, podem ser utilizados apenas os embriões que estejam congelados

há três anos ou mais, mediante autorização do casal. O artigo também veta a comercialização do

material biológico.

A presidente do STF - Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, divulgou o seu voto

na ADI sobre a Lei de Biossegurança.(Anexo B). Em seu voto, Ellen Gracie destacou que a Lei de

Biossegurança, "reconhecendo a dignidade do material nela tratado e o elevado grau de reprovação

social na sua incorreta manipulação", classificou como crime a comercialização do embrião

humano, com base na lei de doação de órgãos (art. 5º, § 3º), bem como a sua utilização fora dos

moldes previstos no referido artigo 5º.

Page 44: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

54

Tipificou, ainda, como delito penal, a prática da engenharia genética em célula geminal,

zigoto ou embrião humano e a clonagem humana (arts. 6º, 25 e 26).

A ministra enfatizou também a distinção entre a condição do pré-embrião (massa

indiferenciada de células da qual um ser humano pode ou não emergir), e do embrião propriamente

dito (unidade biológica detentora de vida humana individualizada), frisando a "plena aplicabilidade,

no presente caso, do princípio utilitarista, segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior

alcance com o mínimo de sacrifício possível". Para ela, o aproveitamento, nas pesquisas científicas

com células-tronco, dos embriões gerados no procedimento de reprodução humana assistida é

"infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos".

"A improbabilidade da utilização desses pré-embriões (absoluta no caso dos inviáveis e

altamente previsível na hipótese dos congelados há mais de três anos) na geração de novos seres

humanos, também afasta a alegação de violação ao direito à vida".

A norma em vigor classifica o aborto como um dos delitos contra a vida (conforme arts. 124 a

129), levando em conta, no feto, a esperança da pessoa “spes personae”, cujos direitos a lei civil

assegura.

Page 45: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

55

Seção 22 - Descriminalização do Aborto

Alguns projetos de lei visam alterar o Código Penal para descriminalizar o aborto.

Sua principal justificativa parece residir nos altos índices de mortalidade de gestantes não

adequadamente atendidas quando em situação de abortamento. Se o aborto não constituísse crime,

tudo seria resolvido.

Se esta idéia lastrear o projeto, a mudança não é de modo nenhum necessária. Na verdade,

ousa-se afirmar que o aborto não é crime perante o ordenamento jurídico.

Hoje das 04 modalidades de aborto, o único tipo ilícito de aborto é aquele provocado pela

gestante ou por terceiro, seja médico ou não, com ou sem consentimento da gestante.

Criminoso é o aborto provocado sem finalidade terapêutica ou sentimental, sem visar proteção

da vida física ou moral da gestante. Ele é gerado pela insegurança, pelo medo, pela

irresponsabilidade, pela falta de informação e pela falta de apoio individual e social. Enfim, sua

causa não é natural, terapêutica ou humanitária, mas de natureza sócio-econômica.

Diante de tal quadro não sabe a gestante qual resposta oferecer e busca a via criminosa,

porque ser responsável não é comportar-se de acordo com um quadro ético-jurídico

predeterminado, mas sim saber qual resposta apresentar diante de uma dada situação. A gestante em

sua posição de abandono não enxerga caminhos. E a saída mais simples é eliminar o feto, que é uma

vida em potencial que se apresenta como a fonte do problema. Então se tem o aborto sócio-

econômico.

Se a questão for evitar a mortalidade feminina em face do abortamento, o projeto de

descriminalização não é necessário porque, como visto, em três modalidades contra uma, o aborto

não é crime no ordenamento jurídico brasileiro. E as gestantes podem ser atendidas. Resta apenas

saber se a administração da saúde tem condições de atendê-las.

O relator do projeto de lei que legaliza o aborto em qualquer circunstância, deputado Jorge

Tadeu Mudalen (DEM-SP).

O projeto principal revoga o artigo 124 do Código Penal, que prevê detenção de um a três

anos para a gestante que provocar aborto ou consentir que outro o faça.

Segundo Sr. Jorge Tadeu: "É necessário nos posicionarmos sobre uma questão que perdura

nesta há dezesseis anos", disse, sobre a urgência de votar a proposta. (TADEU, 2004)

Page 46: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

56

22.1 Argumentos rebatidos

A comissão realizou três audiências públicas para discutir o tema. Em seu relatório, o

Ministro Mudalen optou por rebater os argumentos favoráveis ao aborto levantados nessas reuniões

a partir de duas perspectivas: a de que mulher que pratica o aborto necessita de apoio por meio de

políticas públicas; e a de que o ordenamento jurídico deve ser uma diretriz para as ações da

sociedade.

Ponderou Jorge Tadeu, "A prática do aborto é a culminância de um longo processo tortuoso

em que a gestante não pôde ser atendida de forma adequada em várias fases de sua vida. Não

contamos ainda no Brasil com um programa de esclarecimento sobre o planejamento familiar, ainda

há problemas na área de assistência social, de geração de emprego. Não é adequado acreditar que

uma questão pontual seja capaz de dar uma solução adequada a um quadro tão problemático",

(Tadeu, Projeto de Lei Penal, 2004)

Page 47: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

57

Seção 23 - Resumo do Tema e outras considerações

Como podemos observar e estudar, o Código Penal atual, de 1940, pune o aborto provocado

pela gestante ou com seu consentimento (art. 124), o aborto provocado por terceiro (art. 125), o

aborto provocado com o consentimento da gestante (art. 126), e prevê formas qualificadas em caso

de superveniência de lesões graves ou morte da gestante (art. 127).

Por outro lado, aumentou o rol de causas de exclusão da punibilidade, no art. 128,

expressando não ser punível o aborto praticado por médico: "(...) II - se a gravidez resulta de

estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu

representante legal", além, é claro, daquele autorizado para salvar a vida da gestante (inc. I).

Segundo Renato Marcão, alguns estudos para reformas na Parte Especial do Código,

sustentam que, embora mantendo as figuras típicas como acima mencionadas, propõe mudanças

consideráveis nas penas a serem aplicadas, chegando ao extremo de reduzir drasticamente a

reprovabilidade do crime de aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, na forma

simples, colocando-o em situação de mera infração de pequeno potencial ofensivo, com

procedimento regulado pela Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais para as

ações penais de pequeno potencial ofensivo, veja-se, pequeno potencial ofensivo, já que pela

proposta tal crime seria punido com detenção, de um a nove meses, o que acaba por permitir

transação penal, em tese, e aplicação de penas restritivas de direitos ou exclusivamente pecuniária,

não gerando nem mesmo a possibilidade de reincidência caso a(o) beneficiada(o) venha a praticar

novo crime posteriormente (§ 4º do art. 76). (Marcão, 2007, Jus Navegandi, Artigo).

O que mais chama a atenção, entretanto, é o rol previsto no art.128, que trata das hipóteses de

exclusão de ilicitude.

Enquanto a legislação atual autoriza o aborto, no caso do inc. I do precitado artigo, apenas

para salvar a vida da gestante, desde que praticado por médico e não haja outro meio, na proposta

elaborada acrescentou-se ao referido inciso a possibilidade do aborto para preservar a saúde da

gestante.

O inc. II do art. 128 do Anteprojeto amplia a possibilidade de aborto lícito, antes restrita ao

caso da gravidez resultante de estupro, para autorizá-lo sempre que a gravidez resultar de violação

da liberdade sexual ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida.

Page 48: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

58

Em arremate, o § 1º do artigo em testilha estabelece que, nos casos dos incisos II e III, e da

segunda parte do inc. I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante ou, quando

menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu

companheiro.

Nitidamente procurou-se afastar qualquer discussão quanto à possibilidade de aborto legal em

razão de gravidez resultante de outras práticas sexuais, notadamente do crime de atentado violento

ao pudor (coito inter femora, por exemplo), adotando-se a universalidade "violação da liberdade

sexual", muito embora já se admitisse a analogia in bonam partem, como defende Damásio E. de

Jesus. (DAMÁSIO, 1988, 147)

Por outro lado, atendendo aos avanços da genética e das novas técnicas de reprodução

assistida, andou bem a Comissão em pretender autorizar o aborto quando a gravidez seja resultante

da prática não autorizada dessas ciências modernas. É que na verdade o resultado é o mesmo

daquelas outras hipóteses: gravidez não desejada.

Por fim, o inc. III autoriza o aborto quando há fundada probabilidade, atestada por dois outros

médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais.

É evidente que a intenção do legislador é obter o aval de outros médicos para a prática

extrema, além daquele externado pelo que venha executar o aborto, visando assegurar a

possibilidade da prática somente nos casos comprovadamente necessários, sob o aspecto clínico que

se procurou preservar.

Como podemos ver, existem três posicionamentos:

Exitem aqueles que são a favor do aborto em qualquer hipótese, desde que a genitora queira

realizar, por livre escolha e decisão, seja porque não tem condições financeiras, seja porque não foi

planejado, seja porque será rejeitada e etc.

Também existem aqueles, que são contra em qualquer hipótese, tendo como base fundamental

o direito a vida que na própria Constituição Federal não trás distinção desde direito e tão pouco

ressalvas. Este posicionamento também é o da Igreja Católica

E também, temos o posicionamento daqueles que são contra o aborto com exceção, aos casos

de risco de vida da gestante ou de má-formação do feto. No mundo jurídico, essa resolução tem

provocado alarde em torno do direito à vida. Alguns profissionais argumentam que a Constituição

Federal garante a inviolabilidade do direito à vida, qualificando-o como indisponível e o mais

fundamental de todos os direitos. Portanto, qualquer ação ou omissão que contribuir para a morte de

alguém viola esse direito, com exceção à algumas regras, já que no Estado democrático de direito

Page 49: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

59

brasileiro, não existe nenhum direito absoluto. O direito à vida, embora seja o mais fundamental de

todos os direitos, não é intocável. Ele existe, como todos os outros, para a realização de um valor:

não é um fim em si mesmo. A solução justa não é aquela que simplesmente observa a literalidade

do texto legal, mas aquela que melhor realiza o valor que deu origem ao texto legal.

No mundo todo, temos legislações diferentes acerca do aborto. Os países principalmente da

Europa, não vêem o aborto como crime desde que realizados no tempo correto e determinado pela

legislação. Em média, até a 12º semanas de gestação a gestante possa realizar o aborto por qualquer

que seja o motivo.

Vimos que o Brasil vem discutindo muito nos últimos anos a respeito do tema “ABORTO”, e

muito se propõe sobre o assunto, no entanto, na tentativa de fazer valer a liberação do Aborto para

que acabem as clinicas clandestinas, as mortes por infecção, ou algum outro problema, ocasionado

pela falta de estrutura e condições dos métodos utilizados para o se realizar o aborto, muitos opinam

a favor da liberdade de escolha e da liberação do aborto, descriminando-o.

No entanto, a Igreja católica, os defensores dos direitos humanos em pró da vida e muitos

outros do povo, ainda entendem que não deverá liberar o aborto, pois desta forma, ocorrerá, ainda

em números maiores do que os de hoje, a utilização do aborto para resolver questões de cunho

irrelevante em relação a vida, tais como: Situação financeira, uso despreocupado de

anticoncepcionais, falta de planejamento da gravidez entre outras questões, que poderão levar o uso

do aborto a fatos banais e de simples questão de vontade.

O importante é entendermos algumas questões, que quando respondidas poderiam auxiliar na

definição da liberação ou da continua proibição do aborto, tais como:

O que será relevante para o cometimento do Aborto? O que realmente é importante e, que

antecede o direito a vida, a ponto de sobrepor este bem protegido pela Carta Magna?Até que ponto

realmente o Estado deve intervir no direito de escolha da gestante?

Após, estas questões definidas e entendidas, acreditamos que o Direito Brasileiro terá este

tema alinhado e concretizado com a vontade da Igreja, do Estado e principalmente com a vontade

do particular.

Page 50: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

60

CONCLUSÃO

O Intuito deste trabalho é elucidar, esclarecer, explicar, e analisar todos os assuntos

decorrentes do tema Aborto.

O conhecimento das hipóteses de aborto, dos métodos, das opiniões de todas as classes de

pessoas, entidades e países, é muito rico e aprimorador para este trabalho.

A partir do estudo feito para a realização deste trabalho, fomos levados a entender e

compreender que o aborto sem exceção, levando em conta apenas alguns fatores irrelevantes ou tão

somente a vontade da mulher, talvez não seja fatores suficientes para se permitir o Aborto

legalizado em nosso país, e este pensamento é o que levam as autoridades competentes, ainda não

terem efetivado a legalização do aborto.

Concordamos com os casos - já supracitados – legalizados vigentes no Código Penal e afirma-

se também que seria de extrema importância a legalização do aborto eugênico, haja vista o risco de

vida da gestante, bem como, a certeza da morte da criança.

Nos casos gerais, acredita-se que o feto – ou melhor, dizendo, o bebê – possua vida desde a

sua concepção, consequentemente ele já é um ser humano, e assim, indiscutivelmente ele possui o

direito de viver, independentemente das condições econômicas, morais ou religiosas da sociedade.

“Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. (Declaração Universal

dos Direitos Humanos, artigo 3, 1948).

“Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm

direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra

qualquer incitamento a tal discriminação”. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 7,

1948).

Conforme, esta modesta concepção, alguns afirmam que o aborto, fora dos casos legais, fere o

principal direito fundamental garantido a todos os cidadãos - a vida. Já outros afirmam que trata-se

de escolha e liberdade do ser humano optar pelo aborto ou não.

A luz do nosso direito positivo, o aborto poderá ser legalizado ou criminoso.

Acrescenta-se que seja ou não, o aborto, permitido pelo ordenamento jurídico (o qual é

variável através dos tempos), ele encontra-se no seio de todas as civilizações, desde os primórdios

até os dias atuais. Devendo-se ter em mente, que esta é uma temática que acompanhou todos os

passos trilhados pela história da humanidade, e certamente acompanhará para sempre sua evolução,

Page 51: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

61

pois, o aborto é questionamento de todos os indivíduos por possuir como escopo a controvérsia

sobre a própria vida e liberdade do Homem.

O assunto relacionado ao aborto compreende tema tão polêmico quanto esterilização,

eutanásia e a mencionada eugenesia, todos eles abordados agora pela Comissão incumbida das

"reformas" a serem instituídas na Parte Especial do Código Penal, e desde já é possível afirmar que

se optou pela volta ao passado, adotando o modelo suíço de 1916 (art. 112).

Basta comparar, colocando-se, evidentemente, na mesma situação que aquele, passível de

críticas as mais variadas e inclusive especialmente da Igreja Católica.

Por incrível que possa parecer, se o modelo legal ainda serve para o Brasil, mesmo decorridos

oitenta e dois anos de sua instituição na Suíça.

Só nos resta aguardar e, ver no que resultará tantos projetos, discussões e opiniões a respeito

do tema, construindo pilares e degraus suficientes e o bastante para atendermos os anseios sociais.

Aliás, é esse o trabalho do profissional do direito: construir a solução justa para cada caso concreto

e não, simplesmente, aplicar a literalidade do texto legal para todos os casos que possam surgir em

uma sociedade dinâmica, cada vez mais complexa e sofisticada. Ao aplicar o direito à vida, o

profissional do direito deve verificar se está realizando no caso concreto o respeito à dignidade da

pessoa humana, porque essa é a sua fonte jurídico-positiva.

Page 52: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

62

REFERÊNCIAS

Revista Veja, edição de maio/2008- Biossegurança – Aspectos de liberação.

Ministra, Ellen Gracie – Voto, de 29/05/08, São Paulo, Lei de Biossegurança, Supremo

Tribunal Federal

AGAMBEN, G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2004.

Código de Ética Médica – LEI nº 3.268/57 - Conselho Federal de Medicina

ASÚA, Luiz, 2005, Revista Argentina Década´s, pagina 72, edição 213.

BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CANOTILHO, J.J.G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria

Almedina, 5ª ed., s.d.

CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo:

Cultrix, 2003;

COSTA, Maria da Penha Meirelles Almeida, Artigo Publicado na Revista da Faculdade de

Direito da UNG, Vol. 1 – 1999

COSTA, S.H.; MARTINS, I.R.; PINTO, C.S.; FREITAS, R.S. "A Prática de Planejamento

Familiar em Comunidades de Baixa Renda". Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol. 4,

abr. jun., 1989.

DAMÁSIO, E. de Jesus, Direito penal - Parte especial, 10. ed., São Paulo : Saraiva, 1988, v.

2, p. 13.

Page 53: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

63

DINIZ, D. Aborto e inviabilidad fetal: el debate brasileno. Cad Saude Publica.

2005;21(2):634-9.

DINIZ D. Aborto e inviabilidade fetal: Debate Brasileno. Cad Saúde Publica. 2005;21(2):634-

9

EVERALDO, da Cunha Luna. Capítulos de direito penal. Parte geral. São Paulo : Saraiva,

1985.

FRANCO, Alberto da Silva, Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, 5ª.ed., SP, RT,

1995, p. 205

HABIB, Sérgio. Artigo O Delito de Abortamento – Aspectos Jurídicos, publicado na Revista

Jurídica Consulex, nº. 174. 2004.

HELENO, Cláudio Fragoso- (Fragoso, Lições, P.E. 9ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1987, v.1,

p. 112).

HUNGRIA, Nelson Comentários ao Código Penal, 3. ed., v. 5, Rio de Janeiro: Forense,

1955, p. 262.

MAGUIRE, Daniel C; PEGORARO, Aborto: descobrindo as base éticas para decidir com

liberdade. 2 ed. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2001. 46 p

MAXIMILIANO, Carlos, 2001, pagina 14, Estudo da Constituição.

MENEZES, Glauco Cidrack do Vale, 2004, Artigo Site e Revista Jus Navegandi.

MOREIRA, Fernando A. Aborto – crime e conseqüência.

MOSER, A.; SOARES. A. M. M. Bioética: do consenso ao bom senso. Petrópolis: Vozes,

2006, p. 14

Page 54: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

64

SARLET, Ingo Wolfgang, 2004, pág. 60.

TADEU, Jorge – Legalização do Aborto – Projeto de Lei, 2004.

Page 55: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

65

ANEXO A – ANDAMENTO I.P. – RECEBIMENTOS DA DENÚNCIA- PROCESSO Nº.

052.07.004644-3.

DO BOLETIM DE OCORRENCIA (B.O.) – 30/09/2008

SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA - POLICIA CIVIL DO

ESTADO DE SÃO PAULO

Policial Militar compareceu ao 36º Departamento de Policia, subscrição de Vila Mariana em

30 de setembro de 2008 às 17h23min, comunicando que fazendo uma patrulha de rotina no bairro

de Vila Mariana, fora acionado via COPON, para atender ocorrência em residência próxima,

referente à localização de feto dentro de vaso sanitário.

Chegando ao local, mais precisamente na Rua Hermano Ribeiro da Silva, 261, o Policial

Militar foi atendido e recepcionado pelo Senhor Francisco Antonio Rogano, que se identificou

como proprietário da Residência.

O proprietário da residência levou o Policial Militar até o 1º andar da casa assobradada, no

banheiro do corredor dos quartos onde fora encontrado um feto entalado no sanitário.

Ao adentrar o banheiro, o Policial Militar, pode constatar um feto entalado no vaso, um (01)

saco de lixo cor preta, com sangue, placenta e cordão umbilical dentro, bem como ferramentas

jogadas pelo chão.

Ao questionar o Senhor Francisco, o Policial Militar foi informado que ao chegar à residência

após o trabalho, percebeu ao utilizar o banheiro que ele estava entupido e imediatamente, ligou para

um desentupidor, que ao chegar a sua residência e tentar solucionar o problema, encontrou o feto

entalado no vaso sanitário. O desentupidor foi embora sem nada falar e não recolheu seus pertences

que são as ferramentas que se encontravam no chão do banheiro.

A Possível vítima, segundo o Senhor Francisco era a Empregada doméstica da residência, que

já presta serviço a 4 (quatro) anos e estava aparentemente grávida, e que momentos antes foi

Page 56: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

66

acionado o SAMU 694-9 para socorrê-la e que ela se encontrava em atendimento no Hospital São

Luiz, bairro Vergueiro.

O Policial Militar se dirigiu até o Hospital e conversou com o médico que atendeu a vítima

Dr. Francisco Erivaldo Alves, que declarou ter feito uma curetagem na paciente e que esta se

encontrava em bom estado de saúde e que provavelmente, no dia seguinte seria liberada.

Ao ser permitido conversar com a vítima Sra. Luzimar Pereira da Silva, que relatou ter usado

o banheiro e o feto caiu e não percebeu e deu descarga, Minutos após sentiu fortes dores e

desmaiou, tendo acordado já no hospital. Relata também, que dias antes, sentiu fortes dores e que

foi atendida no Hospital do Servidor Público, com sangramento na região uterina, e que logo após,

foi liberada.

Policial relata os fatos, sem presença de testemunhas.

Assina: Susana Keredjan Primon – Escrivã de Policia

Kelly Apar Castelho- Delegada de Plantão

DAS TESTEMUNHAS

ENCANADOR: Dia 17/10/2008 - Compareceu a Delegacia o Sr. Ruy Barbosa Paranhos, que

deu declaração de que naquela noite dos fatos, foi solicitado para desentupir encanamento e ao

chegar o local e realizar o serviço, constatou o feto entalado no vaso e pediu ao Sr. Francisco

proprietário da casa que chamasse a policia e fizesse uma denúncia já que se tratava de crime.

O Sr. Francisco alterado informou que era para ele tirar o feto e jogá-lo no saco de lixo que

estava no banheiro e que ele disse que não faria isso. Deixou o local dos fatos, até mesmo sem

recolher seus pertences. Denunciou o ocorrido pelo 196.

EMPREGADA: Dia 17/10/2007 - Compareceu a este distrito, a vítima Luzimar Pereira da

Silva, Solteira, para reiterar o que havia declarado ao Policial Militar dentro da Unidade São Luiz.

PROPRIETÁRIO DA RESIDENCIA: Dia 17/10/2007 - Compareceu o Sr. Francisco Antonio

Rogano, para reiterar as declarações prestadas ao Policial Militar no dia dos fatos

Page 57: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

67

DESPACHO DE CONCLUSÃO DE INQUÉRITO POLICIAL- 17/10/2007

O Delegado Titular Dr. Eymard Bertho Ferreira, despacha a conclusão do inquérito, fotos,

B.O., depoimentos testemunhais e depoimento do Policial Militar.

SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA - SUPERINTENDENCIA DA POLÍCIA

TECNICO – CIENTIFICA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL

LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO Nº. 5841/07

EXAME NECROSCÓPICO DO FETO

DESCRIÇÃO DO FETO: Realidade da Morte – A morte evidencia- se pelos clássicos sinais

de tanatologicos de certeza como – Imobilidade, ausência de respiração e circulação, hipotermia.

IDENIFICAÇÃO ANTROPOMÉTRICA – Cadáver de Feto, masculino medindo, 27,6

centímetros, com 410 gramas e aparentemente 2º Trimestre de Gestação.

FETO: Sem lesões Externas e Internas.

DESPACHO DE CONCLUSÃO DE INQUÉRITO POLICIAL- 26/10/2007

O Delegado Titular Dr. Eymard Bertho Ferreira, despacha a conclusão do inquérito, fotos,

B.O., depoimentos testemunhais, depoimento do Policial Militar e Laudo do IML. Despacha-se

desta forma concluso ao MM. Juiz Titular da Vara competente da capital.

DO RECEBIMENTO E DO REQUERIMENTO DO MM. JUIZ

O MM. Juiz da Primeira Vara do Júri do Fórum Criminal de São Paulo - Capital, requer seja

oficializado ao Hospital do Servidor Público do Município, que atendeu a Senhora Luzimar Pereira

da Silva, para que remeta a ficha clínica de atendimento da Paciente para análise.

Após, seja encaminhada ao IML com o Objetivo de analisar e dar parecer sobre que tipo de

aborto trata-se o presente caso: Aborto Espontâneo ou Aborto Provocado.

Page 58: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

68

Ademais, requer seja oficializado o Hospital São Luiz para que envie exames relativos à

paciente Luzimar Pereira e que seja ouvido o médico que a atendeu, Dr. Francisco Erivaldo Alves.

Em 25/09/2008- Recebido pelo Cartório

Em 01/10/2008- Ofício 865/08- Expedido aos destinatários acima, assinado pelo MM. Juiz

Alexandre Pereira da Silva.

Page 59: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

69

ANEXO B - INTEGRA DO VOTO DA MINSTRA ELLEN GRACIE- ADIM DA LEI DE

BIOSSEGURANÇA

Supremo Tribunal federal

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.510-0 DISTRITO

FEDERAL RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO

REQUERENTE(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

REQUERIDO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

REQUERIDO(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

INTERESSADO(A/S): CONECTAS DIREITOS HUMANOS

INTERESSADO(A/S) : CENTRO DE DIREITO HUMANOS - CDH

ADVOGADO(A/S) : ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E

OUTROS INTERESSADO(A/S) : MOVIMENTO EM PROL DA VIDA -

MOVITAE ADVOGADO(A/S) : LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO

INTERESSADO(A/S) : ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA,

DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ADVOGADO(A/S) : DONNE PISCO E OUTROS

ADVOGADO(A/S) : JOELSON DIAS

INTERESSADO(A/S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO

BRASIL - CNBB

ADVOGADO(A/S) : IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS

V O T O

A Senhora Ministra Ellen - (Presidente): Senhores Ministros, é

indiscutível o fato de que a propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade, pela

delicadeza do tema nela trazido, gerou, como há muito não se via, um leque sui generis de

expectativas quanto à provável atuação deste Supremo Tribunal Federal no caso ora posto.

Equivocam-se aqueles que enxergaram nesta Corte a figura de um

árbitro responsável por proclamar a vitória incontestável dessa ou daquela corrente científica,

filosófica,

Page 60: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

70

ADI 3.510 / DF

religiosa, moral ou ética sobre todas as demais. Essa seria, certamente,

uma tarefa digna de Sísifo.

Conforme visto, ficou sobejamente demonstrada a existência, nas

diferentes áreas do saber, de numerosos entendimentos, tão respeitáveis quanto antagônicos, no que

se refere à especificação do momento exato do surgimento da pessoa humana.

Buscaram-se neste Tribunal, a meu ver, respostas que nem mesmo os

constituintes originário e reformador propuseram-se a dar. Não há, por certo, uma definição

constitucional do momento

Inicial da vida humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer

conceitos que já não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal. Não

somos uma Academia de Ciências. A introdução no ordenamento jurídico pátrio de qualquer dos

vários marcos propostos pela Ciência deverá ser um exclusivo exercício de opção legislativa,

passível, obviamente, de controle quanto a sua conformidade com a Carta de 1988.

2. Por ora, cabe a esta Casa averiguar a harmonia do artigo 5º da Lei

11.105, de 24.03.2005, (Lei de Biossegurança) com o disposto no texto constitucional vigente.

Para tal intento, foram apontados na presente ação, como parâmetros

de verificação mais evidentes, o fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a garantia

da

Page 61: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

71

ADI 3.510 / DF

inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput), o direito à livre

expressão da atividade científica (art. 5º, IX), o direito à saúde (art. 6º), o dever do Estado de

propiciar, de maneira igualitária, ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde

(art. 196) e de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação

tecnológica (art. 218, caput).

Não há como negar que o legislador brasileiro, representante da

vontade popular, deu resposta a uma inquietante realidade que não mereceu maiores considerações

na peça inicial da presente ação direta.

A fertilização in vitro, como técnica de reprodução humana assistida,

tem ajudado, desde o nascimento da britânica Louise Brown, há quase trinta anos, a realizar o sonho

de milhares de casais com dificuldade ou completa impossibilidade de conceber filhos pelo método

natural.

Porém, a utilização desse procedimento gera, inevitavelmente, o

surgimento de embriões excedentes, muitos deles inviáveis, que são descartados ou congelados por

tempo indefinido, sem a menor perspectiva de que venham a ser implantados em algum órgão

uterino e prossigam na formação de uma pessoa humana.

Penso que o debate sobre a utilização dos embriões humanos nas

pesquisas de células-tronco deveria estar

Page 62: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

72

ADI 3.510 / DF

necessariamente precedido do questionamento sobre a aceitação desse

excedente de óvulos fertilizados como um custo necessário à superação da infertilidade.

Todavia, conforme registrado nas manifestações juntadas aos autos,

essa relevantíssima questão sobre os procedimentos de reprodução assistida, apesar da tramitação

de alguns projetos de lei, nunca foi objeto de regulamentação pelo Congresso Nacional, havendo,

nessa matéria, tão-somente, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (Resolução 1.358, de

11.11.1992). Recorde-se que a primeira brasileira fruto de uma fertilização in vitro nasceu em 7 de

outubro de 1984.

Portanto, esse era o cenário fático e lacunoso com o qual se deparou o

legislador brasileiro em 2005, quando foi chamado a deliberar sobre a utilização desses mesmos

embriões humanos,

inviáveis ou já há muito tempo criopreservados, nas promissoras

pesquisas científicas das células-tronco, já desenvolvidas, em diversas e avançadas linhas, nos mais

importantes países do mundo.

3. No Reino Unido, o Human Fertilisation and Embrilogy Act,

legislação reguladora dos procedimentos de reprodução assistida e das pesquisas embriológica e

genética naquele país, foi aprovada pelo Parlamento britânico em 1990, após amplo debate social,

político e científico iniciado em 1982.

Page 63: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

73

ADI 3.510 / DF

O referido Diploma permitiu a manipulação científica dos embriões

oriundos da fertilização in vitro, desde que não transcorridos 14 dias contados do momento da

fecundação.

Conforme demonstrou Letícia da Nóbrega Cesarino no artigo Nas

fronteiras do “humano”: os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriõe1, esse

limite temporal presente na lei britânica teve como razão a prevalência do entendimento de que

antes do décimo quarto dia haveria uma inadequação no uso da terminologia “embrião”, por existir,

até o final dessa etapa inicial, apenas uma massa de células indiferenciadas geradas pela fertilização

do óvulo.

Segundo essa conceituação, somente após esse estágio pré-

embrionário, com duração de 14 dias, é que surge o embrião como uma estrutura propriamente

individual, com (1) o aparecimento da linha primitiva, que é a estrutura da qual se originará a

coluna vertebral, (2) a perda da capacidade de divisão e de fusão do embrião e (3) a separação do

conjunto celular que formará o feto daquele outro que gerará os anexos embrionários, como a

placenta e o cordão umbilical. Tais ocorrências coincidem com a nidação, ou seja, o momento no

qual o embrião se fixaria na parede do útero.

1 CESARINO, Letícia. Nas fronteiras do “humano”: os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com

embriões. Mana v. 13, n. 2, Rio de Janeiro, out. 2007.

Page 64: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

74

ADI 3.510 / DF

Essa formulação científica, que diferencia o pré-embrião do embrião,

coincide com o pensamento de Edward O. Wilson, que ao discorrer, na aclamada obra On Human

Nature sobre o instante imediatamente posterior à fecundação do óvulo humano, assim asseverou,

verbis:

“The newly fertilized egg, a corpuscle one

two-hundredth of na inch in diameter, is not a human

being. It is a set of instructions sent floating into the

cavity of the womb. Enfolded within its spherical nucleus

are na estimated 250 thousand or more pairs of genes, of

which fifty thousand will direct the assembly of the

proteins and the remainder will regulate their rates of

development. After the egg penetrates the blood-engorged

wall of the uterus, it divides again and again. The

expanding masses of daughter cells fold and crease into

ridges, loops, and layers. Then, shifting like some

magical kaleidoscope, they self-assemble into the fetus, a

precise configutation of blood vessels, nerves, and other

complex tissues.”

A professora Letícia Cesarino, acima referida, corroborando

pensamento de Michael Mulkay, conclui que a agregação deste conjunto de ‘fatos’ na nova

categoria ‘pré-embrião’ permitiu, assim, remover o objeto da experimentação científica do escopo

do discurso moral para inseri-lo num universo técnico.

Page 65: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

75

ADI 3.510 / DF

4. No Brasil (após inclusão em projeto que objetivava a urgente

regulamentação do processo de liberação dos organismos geneticamente modificados), surge o art.

5º da Lei 11.105/2005, que autoriza o manejo das células-tronco embrionárias de uma maneira

restrita, com a precaução sempre recomendada nos primeiros passos dados nos terrenos ainda pouco

conhecidos e explorados.

A primeira restrição imposta diz respeito à indicação do uso das

células embrionárias exclusivamente nas atividades de pesquisa e de terapia.

Outra limitação relevante é a definição de qual universo de embriões

humanos poderão ser utilizados: somente aqueles que, produzidos por fertilização in vitro – técnica

de reprodução humana assistida – não são aproveitados no respectivo tratamento. Fica clara,

portanto, a opção legislativa em dar uma destinação mais nobre aos embriões excedentes fadados ao

perecimento. Por outro lado, fica afastada do ordenamento brasileiro qualquer possibilidade de

fertilização de óvulos humanos com o objetivo imediato de produção de material biológico para o

desenvolvimento de pesquisas, sejam elas quais forem.

Além de excedentes no procedimento de fertilização in vitro, os

embriões de uso permitido ainda deverão estar dentre

Page 66: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

76

ADI 3.510 / DF

aqueles considerados inviáveis para o desenvolvimento seguro de uma

nova pessoa ou congelados há mais de três anos. Presente, assim, a fixação de um lapso temporal

razoável, que leva em conta tanto a possibilidade dos genitores optarem por uma nova e futura

implantação do embrião congelado quanto a improbabilidade de sua utilização, para esse mesmo

fim, após decorrido um triênio de congelamento.

As restrições não param por aí. É preciso, ainda, para que os embriões

possam ser regularmente destinados à pesquisa, o expresso consentimento dos genitores e que os

projetos das instituições e serviços de saúde, candidatos ao recebimento das células-tronco

embrionárias, sejam anteriormente apreciados e aprovados pelos respectivos comitês de ética em

pesquisa.

Saliente-se que a Lei de Biossegurança, reconhecendo a dignidade do

material nela tratado e o elevado grau de reprovação social na sua incorreta manipulação,

categorizou como crime a comercialização do embrião humano, com base na lei de doação de

órgãos (art. 5º, § 3º), bem como a sua utilização fora dos moldes previstos no referido artigo 5º.

Tipificou, ainda, como delito penal, a prática da engenharia genética em célula geminal, zigoto ou

embrião humano e a clonagem humana (arts. 6º, 25 e 26).

5. Assim, por verificar um significativo grau de razoabilidade e

cautela no tratamento normativo dado à matéria aqui

Page 67: O ABORTO tcc - lyceumonline.usf.edu.brlyceumonline.usf.edu.br/salavirtual/documentos/1475.pdf · A questão do aborto vem sendo debatida ao longo das eras, no entanto, é sempre atual,

77

ADI 3.510 / DF

exaustivamente debatida, não vejo qualquer ofensa à dignidade

humana na utilização de pré-embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas

de células-tronco, que não teriam outro destino que não o descarte.

Aliás, mesmo que não adotada a concepção acima comentada, que

demonstra a distinção entre a condição do pré-embrião (massa indiferenciada de células da qual um

ser humano pode ou não emergir), e do embrião propriamente dito (unidade biológica detentora de

vida humana individualizada), destaco a plena aplicabilidade, no presente caso, do princípio

utilitarista, segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior alcance com o mínimo de

sacrifício possível. O aproveitamento, nas pesquisas científicas com células-tronco, dos embriões

gerados no procedimento de reprodução humana assistida é infinitamente mais útil e nobre do que o

descarte vão dos mesmos.

A improbabilidade da utilização desses pré-embriões (absoluta no

caso dos inviáveis e altamente previsível na hipótese dos congelados há mais de três anos) na

geração de novos seres humanos também afasta a alegação de violação ao direito à vida. 6. Ante

todo o exposto, julgo improcedente o pedido formulado na presente ação direta de

inconstitucionalidade.

É como voto.