O Apelo a Consciencia

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O APELO À CONSCIÊNCIA NOS MOVIMENTOS ECOLÓGICOS E NOS MOVIMENTOS POR EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Leandro Belinaso Guimarães (UFSC) O presente trabalho é fruto de uma pesquisa histórica sobre os sentidos que a educação tem assumido nos diversos movimentos ecológicos, 1 em diferentes momentos. Em outras palavras, minha angústia inicial foi buscar compreender um pouco sobre como e com quais sentidos estes movimentos constituíram ações educativas. Tal estudo ampliou- se, recentemente, em decorrência da incorporação, nas minhas preocupações de pesquisador, de um episódio atual emergido em sintonia com um evento denominado por Carvalho (1998) de “acontecimento ambiental” que chamarei de emergência dos movimentos 2 por educação ambiental. Segundo a autora, este evento chamado “acontecimento ambiental” no qual os movimentos por educação ambiental são uma derivada designa “um campo contraditório e diversificado de discursos e valores que constituem um amplo ideário ambiental” (p.114). No sentido dado por Badiou (1994), um evento é um suplemento aquilo que difere do que há que nos obriga a decidir uma nova maneira de ser. Nas palavras do autor, “é preciso, pois, supor que aquilo que convoca a tornar-se sujeito é um a mais(p.109). Nesse sentido, somos obrigados ao sermos fiéis ao evento a “inventar uma nova maneira de ser e de agir na situação” (p.110). Em outras palavras, com o surgimento e a disseminação dos movimentos por educação ambiental a partir desse evento o “acontecimento ambiental” somos convocados a transformar nossa maneira de ser 3 . 1 Estou pluralizando a expressão “movimentos ecológicos” em sintonia com a argumentação de Guimarães (1998) e Guimarães & Noal (2000). Singularizar tal termo indicaria olhar para o moviment o como se fosse homogêneo, “fundamentado em propósitos únicos e convergentes”. Por outro lado, pluralizar diz respeito a entender os moviment os como apresentando “posicionamentos e propósitos múltiplos” (Guimarães, 1998, p.68). 2 Ao utilizar o termo “movimentos por educação ambiental” busco incluir não apenas os chamados “novos movimentos sociais” (ecológicos ou outros), mas todas as inúmeras ações nomeadas como sendo educação ambiental que vemos hoje disseminadas pelas sociedades, através de diferentes instituições oficiais e não- oficiais e, inclusive, empresas públicas e privadas. Nesse sentido, o termo refere-se à velocidade com que vemos surgirem tais ações, bem como, à movimentação discursiva – no sentido de colocarem em movimento diferentes sentidos e valores - que tal episódio provoca. 3 Para Badiou (1994), sujeito é o suporte de um processo de fidelidade ao evento, de um processo de verdade. Nas palavras do autor, “o sujeito não preexiste de forma alguma ao processo. Ele é absolutamente inexistente na situação antes do evento. Dir-se-á que o processo de verdade induz um sujeito” (p.110).

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Educação ambiental

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  • O APELO CONSCINCIA NOS MOVIMENTOS ECOLGICOS E NOS

    MOVIMENTOS POR EDUCAO AMBIENTAL.

    Leandro Belinaso Guimares (UFSC)

    O presente trabalho fruto de uma pesquisa histrica sobre os sentidos que a

    educao tem assumido nos diversos movimentos ecolgicos,1 em diferentes momentos.

    Em outras palavras, minha angstia inicial foi buscar compreender um pouco sobre como e

    com quais sentidos estes movimentos constituram aes educativas. Tal estudo ampliou-

    se, recentemente, em decorrncia da incorporao, nas minhas preocupaes de

    pesquisador, de um episdio atual emergido em sintonia com um evento denominado

    por Carvalho (1998) de acontecimento ambiental que chamarei de emergncia dos

    movimentos2 por educao ambiental. Segundo a autora, este evento chamado

    acontecimento ambiental no qual os movimentos por educao ambiental so uma

    derivada designa um campo contraditrio e diversificado de discursos e valores que

    constituem um amplo iderio ambiental (p.114).

    No sentido dado por Badiou (1994), um evento um suplemento aquilo que

    difere do que h que nos obriga a decidir uma nova maneira de ser. Nas palavras do

    autor, preciso, pois, supor que aquilo que convoca a tornar-se sujeito um a mais

    (p.109). Nesse sentido, somos obrigados ao sermos fiis ao evento a inventar uma

    nova maneira de ser e de agir na situao (p.110). Em outras palavras, com o surgimento

    e a disseminao dos movimentos por educao ambiental a partir desse evento o

    acontecimento ambiental somos convocados a transformar nossa maneira de ser3.

    1 Estou pluralizando a expresso movimentos ecolgicos em sintonia com a argumentao de Guimares (1998) e Guimares & Noal (2000). Singularizar tal termo indicaria olhar para o movimento como se fosse homogneo, fundamentado em propsitos nicos e convergentes. Por outro lado, pluralizar diz respeito a entender os movimentos como apresentando posicionamentos e propsitos mltiplos (Guimares, 1998, p.68). 2 Ao utilizar o termo movimentos por educao ambiental busco incluir no apenas os chamados novos movimentos sociais (ecolgicos ou outros), mas todas as inmeras aes nomeadas como sendo educao ambiental que vemos hoje disseminadas pelas sociedades, atravs de diferentes instituies oficiais e no-oficiais e, inclusive, empresas pblicas e privadas. Nesse sentido, o termo refere-se velocidade com que vemos surgirem tais aes, bem como, movimentao discursiva no sentido de colocarem em movimento diferentes sentidos e valores - que tal episdio provoca. 3 Para Badiou (1994), sujeito o suporte de um processo de fidelidade ao evento, de um processo de verdade. Nas palavras do autor, o sujeito no preexiste de forma alguma ao processo. Ele absolutamente inexistente na situao antes do evento. Dir-se- que o processo de verdade induz um sujeito (p.110).

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    Podemos dizer, ento, que a emergncia dos movimentos por educao ambiental

    tem configurado novas maneiras de ser? Como esse processo de subjetivao tem sido

    operado? H proximidades e distanciamentos entre, por um lado, a educao ambiental e,

    por outro, as aes educativas desenvolvidas pelos movimentos ecolgicos nas dcadas de

    setenta e oitenta? So essas perguntas que me remetem a produzir este trabalho. Assim, ele

    se apresenta como a confluncia da pesquisa histrica que empreendi com minhas

    preocupaes atuais. No pretendo esgotar tais questes aqui, mas exercitar um olhar para o

    campo da educao ambiental a partir delas. Posso dizer, ainda, que meu olhar em

    operao neste trabalho foi propiciado pelos Estudos Culturais4 por duas razes. A

    primeira seria por buscar nas pesquisas que empreendo um olhar desconfiado sobre tudo

    aquilo considerado previamente como verdadeiro, natural ou imutvel. A segunda razo

    seria por buscar enxergar como tem sido constitudo o campo da educao ambiental, ou

    seja, por consider-lo uma construo histrica, cultural e social.

    Este trabalho pretende olhar para os movimentos ecolgicos dos anos setenta

    dcada de emergncia dos mesmos no Brasil e para os movimentos por educao

    ambiental contemporneos, buscando enxergar traos semelhantes na constituio de suas

    aes educativas. No pretendo me deter em marcar aqui, neste texto, as descontinuidades

    existentes entre estes dois momentos e movimentos distintos embora elas apaream

    no decorrer deste trabalho. Porm, para que este estudo possa tornar-se um pouco mais

    transparente em suas intenes, cabe indagar, nesse momento, se possvel conectar e,

    portanto, ler, ao mesmo tempo, os movimentos ecolgicos nos anos setenta e os

    movimentos por educao ambiental nos anos noventa.

    A noo de tempo cunhada por Serres (1999) me permite traar uma conexo entre

    esses momentos. Isso para evitar falar de uma linearidade temporal ou mesmo que o

    educativo constitudo pelos movimentos ecolgicos deu origem s prticas contemporneas

    em educao ambiental. Para fugir desse esquema que a noo de tempo de Serres (1999)

    4A perspectiva dos Estudos Culturais foi inaugurada e adquiriu visibilidade nos anos sessenta em Birmingham (Inglaterra), a partir dos trabalhos de Richard Hoggart e Raymond Williams. Tais estudos romperam com a viso tradicional de cultura (comumente associada alta cultura), considerando-a como as manifestaes de vida de todos os grupos humanos. A partir dessa viso ampliada, os Estudos Culturais romperam com as disciplinas tradicionais, tornando-se uma perspectiva para a qual convergem diversas disciplinas. A cultura passa a ser vista, ento, como um conjunto de prticas de significao processos de produo e veiculao de significados (Costa, 2000).

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    me parece interessante e adequada para minha argumentao. Segundo o autor, a teoria

    clssica de tempo a da linha, contnua ou entrecortada, enquanto, para ele, o tempo escoa

    de maneira extraordinariamente complexa, inesperada, complicada (p.79). Nesse sentido,

    o tempo se assemelharia com uma cincia das proximidades e dos rasgos.

    Se voc apanha um leno e o estende para pass-lo, voc pode definir sobre ele distncias e proximidades fixas. Em torno de um pequeno crculo que voc desenha prximo a um lugar, voc pode marcar pontos prximos e medir, pelo contrrio, distncias longnquas. Tome em seguida o mesmo leno e amasse-o, pondo-o em seu bolso: dois pontos bem distantes se vem repentinamente lado a lado, at mesmo superpostos; e se, alm disso, voc o rasgar em certos lugares, dois pontos prximos podem se afastar bastante...(Serres, 1999 p.82).

    No se trata, pois, de buscar as origens da educao ambiental ou mesmo de traar

    uma linearidade temporal entre os movimentos ecolgicos dos anos setenta e oitenta e

    aquilo que venho chamando de movimentos por educao ambiental nos anos noventa. No

    se trata, tambm, de um estudo epistemolgico que poderia ter a inteno de ver nos

    movimentos ecolgicos as razes, os fundamentos, da educao ambiental. Pretendo, sim,

    desenredar um mesmo fio que os atravessam. No ato de costurar um rasgo vamos

    percebendo o entrelaamento dos fios que constituem o tecido. necessrio dizer, ento,

    que em cada momento esse mesmo fio se conecta com outros tecendo redes5 onde brotam

    singularidades. Em outras palavras, quero salientar que participar de um movimento

    ecolgico nos anos setenta apresenta-se diferente de atuar em uma Organizao No-

    Governamental Ambientalista nos anos noventa.

    Enquanto uma perspectiva de pesquisa histrica tradicional poderia revelar uma

    preocupao analtica com a busca da verdade e, tambm, poderia estar centrada na busca

    do epistemolgico regras e padres universais pelos quais so formados os

    conhecimentos sobre o mundo , um historicismo radical volta-se para uma ontologia do

    presente (Veiga-Neto, 1996), ocupando-se com a busca dos padres historicamente

    formados em relaes de poder. Em outras palavras, um estudo histrico passa a ser visto,

    segundo Popkewitz (1997), como um problema da epistemologia social. Nessa acepo,

    5 Utilizo o conceito de rede no sentido dado por Latour (1994). Para o autor, a noo de rede permite reatar o n grdio atravessando, tantas vezes quantas forem necessrias, o corte que separa os conhecimentos exatos e o exerccio do poder, digamos a natureza e a cultura (p.09). Assim, as redes so para o autor conexes ao mesmo tempo reais como a natureza, narradas como o discurso, coletivas como a sociedade (p.12).

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    nega-se a possibilidade de utilizao de noes como progresso, inteno e teleologia

    investigao histrica, passando-se a buscar enxergar nela as descontinuidades que marcam

    pocas, perodos, ou as vises hegemnicas que as caracterizam. Vejamos um pouco mais

    sobre isso nas palavras de Michel Foucault:

    Se a histria do pensamento pudesse permanecer como o lugar das continuidades ininterruptas, (...) se ela tramasse, em torno do que os homens dizem e fazem, obscuras snteses que a isso se antecipam, o preparam e o conduzem, indefinidamente, para seu futuro, ela seria, para a soberania da conscincia, um abrigo privilegiado. A histria contnua o correlato indispensvel funo fundadora do sujeito: a garantia de que tudo que lhe escapou poder ser devolvido. (...) Fazer da anlise histrica o discurso do contnuo e fazer da conscincia humana o sujeito originrio de todo devir e de toda prtica so as duas faces de um mesmo sistema de pensamento (Foucault, 1987).

    Como j salientei anteriormente, minha inteno maior no marcar neste trabalho

    descontinuidades histricas. Precisamente, o fio que permite inscrever subjetividades

    individualistas atravs do apelo conscincia em operao em inmeras aes

    educativas, seja nos movimentos ecolgicos dos anos setenta, seja nos movimentos por

    educao ambiental nos anos noventa que este trabalho abordar. Para tanto, procurarei

    mostrar e analisar algumas empiricidades onde podemos ver isso, explicitamente, em

    circulao.

    Empiricidades em operao um apelo conscincia nos movimentos

    ecolgicos nos anos setenta.

    Nos anos setenta os movimentos ecolgicos emergem com ampla visibilidade nas

    sociedades. Sintonizados com outros movimentos contestatrios da poca, assumiram

    posies crticas em relao aos modos de vida das civilizaes urbano-industriais. Nesse

    sentido, ampliaram o leque de contestaes em circulao na poca incluindo temticas

    como o uso de agrotxicos nas prticas agrcolas, a poluio ambiental provocada pelas

    indstrias, entre outras. Naquele momento, os militantes ecologistas mostravam-se

    preocupados com a sensibilizao da populao para com suas lutas. Isso mostra que as

    questes educativas vinculadas s problemticas ambientais ganhavam prestgio e enorme

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    importncia. Nos anos setenta, os movimentos ecolgicos passaram, inclusive, a nutrir uma

    crena nas prticas educativas como solucionadoras dos problemas ambientais. No

    prembulo do clssico livro: Fim do Futuro? Manifesto Ecolgico Brasileiro de Jos

    Lutzemberger, podemos ler:

    Este um documento de luta. Sua finalidade esclarecer, sacudir, chocar. fazer pensar, promover discusso. A linguagem deliberada. Os minsculos grupos que hoje lutam pela conscientizao ecolgica e contra toda desestruturao ambiental e social no mais podem ater-se linguagem tmida. (...) Queremos indicar os novos rumos onde procurar estas solues. Elas decorrero do novo paradigma, do novo esquema mental que atravs desta exposio procuramos transmitir (Lutzemberger, 1977, p.10, grifos meus).

    Estava em operao nos movimentos ecolgicos emergentes na dcada de setenta

    um entendimento da educao como prtica de transmisso de saberes e de promoo da

    conscientizao das pessoas em relao aos mesmos (Guimares, 1998, p75). Assim,

    somente mudando a forma de pensar (o esquema mental) dos indivduos pois s assim

    poderia haver mudana de valores que os problemas ambientais poderiam avistar um

    horizonte de soluo. Este entendimento do processo educativo concebia a existncia de um

    saber ecolgico6 que poucos teriam acesso que deveria ser transmitido s pessoas a

    fim de conscientiz-las. Somente a posse mental desse saber, pela maioria das pessoas,

    poderia solucionar os problemas ambientais. Nesse sentido, estava sendo construdo um

    ideal educativo que pretendia alcanar um estgio de conscientizao plena, pois, somente

    assim, ocorreria a mudana de valores e da moral de todas as pessoas (Guimares, 1998,

    p.75).

    Os movimentos ecolgicos emergentes nos anos setenta podem ser vistos como

    desencadeadores de processos de singularizao. Nesse sentido, utilizando-me das

    argumentaes de Flix Guattari, posso dizer que eles foram captadores dos elementos de

    seu tempo e construtores de referncias prticas e tericas que recusaram a subjetivao

    capitalstica. Segundo Guattari (1999), o trao comum entre os diferentes processos de

    singularizao um devir diferencial que recusa a subjetivao capitalstica (p.47). Os

    sujeitos sociais foram constitudos a partir das significaes em jogo naquela poca, ou

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    seja, ser ecologista nos anos setenta era estar em movimento, era estar inserido em uma luta

    de contestao social onde a dimenso ambiental ganhava enorme importncia em

    decorrncia dos discursos catastrficos em circulao nas sociedades a partir dos anos

    sessenta. Tais discursos catastrficos foram provenientes das Cincias que produziram

    inmeras pesquisas disseminando dados matemticos sobre o estado da degradao

    ambiental no planeta provocado pelos seres humanos (Grn, 2000).

    Porm, paradoxalmente, houve processos educativos constitudos pelos movimentos

    ecolgicos nos anos setenta que parecem ter sido cooptados por um processo de

    individuao caracterstico daquilo que Guattari conceitua como subjetivao

    capitalstica. Assim, ao mesmo tempo em que configuravam processos de singularizao,

    tambm instauravam processos de individualizao atravs de seus ideais educativos, pelos

    quais todos aqueles que no estivessem inseridos nos movimentos deveriam sofrer um

    processo de conscientizao. Guattari (1995) nos ajuda a ver melhor esta questo:

    O sujeito no evidente: no basta pensar para ser, como proclamava Descartes, j que inmeras outras maneiras de existir se instauram fora da conscincia, ao passo que o sujeito advm no momento em que o pensamento se obstina em apreender a si mesmo e se pe a girar como um pio enlouquecido, sem enganchar em nada dos Territrios reais da existncia, os quais por sua vez derivam uns em relao aos outros, como placas tectnicas sob a superfcie dos continentes (p.17).

    A partir desta reflexo posso dizer que foi dado um imenso privilgio conscincia

    associada Razo pelos movimentos ecolgicos nos anos setenta, em suas

    intencionalidades educativas, excluindo, portanto, outras possveis maneiras de existir

    como nos fala Guattari. Porm, preciso dizer que no so os inmeros indivduos

    militantes dos movimentos ecolgicos nos anos setenta ou mesmo os educadores

    ambientais de hoje que esto sendo questionados neste trabalho. Ao contrrio, so os

    discursos pedaggicos que associam conscincia, Razo e informao formulados e

    movimentados a partir da poca Moderna em articulao com os discursos ecolgicos

    em diferentes momentos que esto, aqui, sendo mostrados em operao.

    6 O saber aqui entendido, na acepo dada por Michel Foucault, em relao inerente com o poder. Nesse sentido, na geometria em questo, posso dizer que deter aquilo que estou chamando de saber ecolgico significaria governar quais conhecimentos, valores e atitudes cada indivduo deveria possuir.

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    Continuo, a seguir, a compor este trabalho focalizando, agora, os movimentos por

    educao ambiental contemporneos.

    Empiricidades em operao um apelo conscincia nos movimentos por

    educao ambiental nos anos noventa.

    Se nos anos setenta a educao ambiental no estava constituda como um campo

    de saberes e prticas, nos anos noventa ela atinge um boom discursivo passando a ser

    praticada e, portanto, constituda, por inmeros grupos, instituies e movimentos sociais

    (para alm dos chamados ecolgicos). Porm, a educao ambiental tem se apresentado

    por diferentes cruzamentos de sentidos, onde se inscrevem tanto subjetividades

    emancipatrias quanto, subjetividades reduzidas individualidade e/ou interioridade

    psicolgica (Carvalho, 1998, p.120).

    Nos anos noventa posso dizer que inmeras aes intituladas como sendo educao

    ambiental apresentam uma intencionalidade conscientizadora. No mais o esprito de

    contestao e luta social imprimido nos anos setenta que est em jogo nos anos noventa.

    H, desde os anos oitenta, um processo de institucionalizao dos movimentos ecolgicos,

    de vinculao poltica mais acentuada e marcada, de surgimento de aes no campo

    jurdico, entre outras caractersticas que merecem ser exploradas e diferenciadas em relao

    aos anos setenta demonstrando as rupturas histricas entre estes momentos. No entanto, me

    interessa apresentar, aqui, o processo educativo de individualizao, ou seja, de apelo

    conscincia, que continua em operao nos movimentos por educao ambiental

    contemporneos. Assim, passo a compor duas cenas que me ajudam nesse exerccio.

    Cena 1. Em uma palestra sobre educao ambiental proferida por mim para alunos e

    alunas de um Curso de Graduao em Geografia, os estudantes foram incitados

    inicialmente a falar sobre como enxergavam o campo da educao ambiental. Em outras

    palavras, eu gostaria de ouvir qual era o entendimento deles a respeito deste campo. A

    grande maioria utilizou em sua fala o argumento da necessidade de conscientizar a

    populao a respeito dos inmeros problemas ambientais existentes. Um aluno chegou a

    propor a criao de uma disciplina no Curso de Graduao em Geografia chamada

    conscientizao ambiental. Tal disciplina seria responsvel por discutir formas de

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    conscientizar as pessoas a no terem comportamentos inadequados e, tambm, a

    interferirem favoravelmente soluo dos problemas ambientais nas sociedades.

    Cena 2. Em muitos trabalhos sobre educao ambiental que foram apresentados sob

    a forma de comunicao oral no I Simpsio Gacho em Educao Ambiental ocorrido

    no ano de 2000 no municpio gacho de Erechim , possvel ler atravs dos resumos

    contidos nos Anais um apelo conscincia em inmeras aes educativo-ambientais

    desenvolvidas no Brasil. Passo, ento, a exemplificar tal fato com alguns trechos destes

    resumos. Optei por omitir a autoria dos mesmos em razo do meu interesse, aqui, em

    apenas destacar algumas frases inseridas em cinco deles. Portanto, cada frase destacada diz

    respeito a um resumo diferente.

    Todo esse trabalho foi desenvolvido numa perspectiva interdisciplinar, onde toda a comunidade escolar, direta ou indiretamente, foi envolvida, buscando conscientizar e informar... Verificamos um aumento da percepo das crianas envolvidas para com a problemtica ambiental e uma maior preocupao em responsabilizar-se pelo meio ambiente onde esto inseridas, conscientizando-se... Portanto se faz necessria implantao de um projeto de Educao Ambiental, capaz de modificar atitudes, reformular conceitos e principalmente formar conscincia ecolgica. Diante disso, nosso projeto vem ao encontro da idia de que ainda possvel a conscientizao para mudar a Histria do homem e do ambiente no qual ele est inserido. ...a Educao Ambiental toma forma e torna-se imprescindvel para a conscientizao dos cidados...

    Estudos realizados por Tristo (2000) com professores e professoras nos mostram a

    imensa importncia que dada aos processos educativos conscientizadores nas aes em

    educao ambiental contemporneas. Como argumenta Tristo (2000), as falas dos

    professores e das professoras nos mostram que a questo da conscincia ocupa lugar central

    no discurso pedaggico, sendo que o sentido da palavra conscincia est diretamente

    vinculada razo. Assim, esta noo de conscincia convertida em inteno racional do

    sujeito. Sua principal crtica refere-se a um processo de banalizao e, portanto, a um

    vazio de significaes em torno dessa noo de conscincia. Para a autora, privilegiar

  • 9

    somente a cognio a mente , exclui outras mediaes importantes em trabalhos com

    educao ambiental como o corpo individual e as questes econmicas, sociais e culturais

    mais amplas.

    Aps apresentar aquilo que chamei de empiricidades, passo a traar sucintamente

    algumas reflexes sobre possibilidades de compor aes educativo-ambientais que possam

    fugir de um processo constitutivo desenvolvido a partir de um corte individualizante,

    comportamental e, apenas, cognitivo, a fim de incorporar outras dimenses.

    Uma luta pela subjetividade resistncias aos processos de individuao.

    Duas vertentes de pensamento nos incitam a traar linhas de fuga s narrativas que

    instituem prticas de educao ambiental de corte individualista e comportamental

    (Carvalho, 2000, p.63). A primeira diz respeito ao trabalho de Caldart (2000) sobre a

    pedagogia do Movimento Sem Terra. A partir das argumentaes da autora, somos

    provocados a exercitar uma educao ambiental que atravesse quase sem tocar pela

    pedagogia da palavra e seu apelo conscientizao ou denncia da alienao provocada

    pelas condies sociais (Caldart, 2000, p.214).

    Na perspectiva em questo, os movimentos sociais so vistos como sujeitos

    pedaggicos, como constituidores de princpios educativos. Nesse sentido, podem ser

    vistos como formadores de sujeitos, como desencadeadores de processos de subjetivao

    concebidos, no caso do Movimento Sem Terra (MST), na prpria luta social. Nessa viso,

    h uma ao educativa criadora de solidariedade, concebida e vivida no fato de estar em

    movimento (Caldart, 2000). A partir dessas reflexes, ns, educadores ambientais, somos

    levados a nos perguntar sempre sobre as relaes de poder investidas intrinsecamente nos

    saberes em jogo nas nossas aes pedaggicas. E mais, no ato de educar ambientalmente,

    podemos dizer que nosso saber mais apropriado e verdadeiro? Devemos conscientizar a

    partir de informaes privilegiadas que detemos ou colocar em confronto, em disputa,

    perspectivas e sentimentos? O que seria, afinal, educar ambientalmente? Ser que h uma

    nica maneira de se estar ou se sentir educado ambientalmente?

    A segunda vertente de pensamento que gostaria de referir diz respeito aos trabalhos

    de estudiosos do porte de Flix Guattari e Gilles Deleuze que ao darem destaque aos

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    processos de subjetivao nos provocam criao de resistncias aos processos de

    individuao e, nesse sentido, de no articulao entre os registros do meio ambiente, das

    relaes sociais e da subjetividade humana que Guattari (1995) chama ecosofia.

    A fora que moveu a elaborao deste trabalho, talvez tenha sido uma ansiedade

    pela construo de aes educativo-ambientais que estejam pautadas em uma luta de

    criao de resistncias aos processos de atomizao e individuao, em jogo na

    conformao de subjetividades capitalsticas. Nas palavras de Deleuze (1988):

    A luta por uma subjetividade moderna7 passa por uma resistncia s duas formas atuais de sujeio, uma que consiste em nos individualizar de acordo com as exigncias do poder, outra que consiste em ligar cada indivduo a uma identidade sabida e conhecida, bem determinada de uma vez por todas (p. 113).

    A partir dessas consideraes posso dizer que est em jogo, nos estudos feitos por

    Deleuze e tambm por Guattari, uma forte crtica idia do sujeito como fundamento

    ltimo de todo conhecimento. No processo de enunciao um sujeito se produz e

    produzido. So exatamente as amarras do poder que poderiam ser foco de ateno nas

    construes de estratgias educativo-ambientais. Em vez de pretender conscientizar e,

    portanto, individualizar e, tambm, em vez de pretender ligar diferentes indivduos a uma

    mesma identidade ecolgica determinada e fixa, poderia ser interessante operar

    estratgias educativas que estivessem atentas rede onde esto conectados diferentes

    sujeitos constitudos pela cultura e pela histria.

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    7 O adjetivo moderno dado subjetividade no apresenta em Deleuze qualquer relao com o conceito de Modernidade como uma poca da Histria.

  • 11

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