O APOIO PARA A INCLUSÃO: A ÊNFASE FORA DA ESCOLA€¦ · Lockmann (2013) salienta que é...

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O APOIO PARA A INCLUSÃO: A ÊNFASE FORA DA ESCOLA Raquel Fröhlich UNISINOS A partir da década de 1990, as políticas públicas educacionais vêm apresentando movimentos no que se refere à escolarização dos sujeitos com deficiência. Assim, diferentes entendimentos e formas de atendimento circularam e circulam nas legislações que regulamentam e organizam os processos de inclusão escolar no Brasil. Desde a reconfiguração da Educação Especial em modalidade escolar a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394 de 1996 , até a indicação e proliferação de serviços especializados que garantiriam apoio à efetivação da inclusão escolar, é fato que a inclusão está posta e é marcada, organizada e regulamentada em várias políticas educacionais que garantem às pessoas com deficiência a matrícula e a frequência na escola comum. Assim, a possibilidade de problematizar alguns efeitos que as políticas de inclusão vêm produzindo no cenário educacional, torna-se um desafio que ultrapassa uma demarcação binária a favor ou contra, ou ainda, para além do politicamente correto. A produtividade de uma discussão enredada a essa temática, aliada ao entendimento de que a inclusão é um imperativo e uma necessidade de nossos tempos, perpassa a forma de como as políticas de inclusão vêm estabelecendo maneiras de garantir e efetivar a permanência dos sujeitos com deficiência nas escolas comuns, através de diferentes formas de apoio. O objetivo deste texto é problematizar as formas de apoio, encontradas nas políticas de inclusão, que vêm sendo organizadas para garantir a efetivação da inclusão escolar nas escolas brasileiras. Para tanto, foram analisadas políticas que normatizam e regulamentam a Educação Especial e a educação inclusiva no Brasil: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9394 de 1996; Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001); Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008); Resolução nº 4 - Diretrizes operacionais do Atendimento Educacional Especializado de 2009 e Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Lei nº 13.146 de 2015. Os documentos foram analisados valendo-se do conceito foucaultiano da governamentalidade. Ao retirar e organizar excertos dos documentos acima citados é possível apontar que várias formas de apoio para a inclusão escolar são engendradas a partir da década de 1990 até os dias atuais, sendo que e o apoio terceirizadoé a forma de apoio mais recorrente nos documentos analisados.

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  • O APOIO PARA A INCLUSÃO: A ÊNFASE FORA DA ESCOLA

    Raquel Fröhlich – UNISINOS

    A partir da década de 1990, as políticas públicas educacionais vêm apresentando

    movimentos no que se refere à escolarização dos sujeitos com deficiência. Assim, diferentes

    entendimentos e formas de atendimento circularam – e circulam – nas legislações que

    regulamentam e organizam os processos de inclusão escolar no Brasil.

    Desde a reconfiguração da Educação Especial em modalidade escolar – a partir da Lei

    de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394 de 1996 –, até a indicação e proliferação de

    serviços especializados que garantiriam apoio à efetivação da inclusão escolar, é fato que a

    inclusão está posta e é marcada, organizada e regulamentada em várias políticas educacionais

    que garantem às pessoas com deficiência a matrícula e a frequência na escola comum. Assim,

    a possibilidade de problematizar alguns efeitos que as políticas de inclusão vêm produzindo

    no cenário educacional, torna-se um desafio que ultrapassa uma demarcação binária a favor

    ou contra, ou ainda, para além do politicamente correto. A produtividade de uma discussão

    enredada a essa temática, aliada ao entendimento de que a inclusão é um imperativo e uma

    necessidade de nossos tempos, perpassa a forma de como as políticas de inclusão vêm

    estabelecendo maneiras de garantir e efetivar a permanência dos sujeitos com deficiência nas

    escolas comuns, através de diferentes formas de apoio.

    O objetivo deste texto é problematizar as formas de apoio, encontradas nas políticas de

    inclusão, que vêm sendo organizadas para garantir a efetivação da inclusão escolar nas

    escolas brasileiras. Para tanto, foram analisadas políticas que normatizam e regulamentam a

    Educação Especial e a educação inclusiva no Brasil: Lei de Diretrizes e Bases da Educação

    Nacional – Lei nº 9394 de 1996; Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação

    Básica (2001); Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

    (2008); Resolução nº 4 - Diretrizes operacionais do Atendimento Educacional Especializado

    de 2009 e Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146 de 2015. Os

    documentos foram analisados valendo-se do conceito foucaultiano da governamentalidade.

    Ao retirar e organizar excertos dos documentos acima citados é possível apontar que várias

    formas de apoio para a inclusão escolar são engendradas a partir da década de 1990 até os dias

    atuais, sendo que e o apoio “terceirizado” é a forma de apoio mais recorrente nos

    documentos analisados.

  • O texto que segue está dividido em quatro partes: na primeira, apresento uma

    discussão sobre alguns movimentos realizados pelas políticas educacionais ao deslocarem

    entendimentos da Educação Especial para a inclusão escolar, a partir da década de 1990. Na

    segunda parte, apresento a forma de entendimento e leitura da qual me aproprio para ler as

    políticas de inclusão deste tempo: a governamentalidade. Na terceira parte, descrevo

    brevemente as políticas tomadas, neste texto, como material de pesquisa, e os movimentos

    que realizei para encontrar as algumas formas de apoio à inclusão escolar mais recorrentes

    que se constituem nas políticas de inclusão. Na quarta parte, discuto algumas implicações

    relacionadas ao apoio terceirizado, visto que é a forma de apoio que atravessa as políticas de

    inclusão desde a década de 1990. Por último, e na tentativa de concluir alguns pensamentos

    apresentados, retomo as principais ideias discutidas no texto e aponto algumas implicações

    que o apoio “terceirizado” apresenta ao se associar à educação inclusiva.

    Da Educação Especial para a Inclusão Escolar: movimentos e tensionamentos

    Não é possível negar a condição real da inclusão no sistema educacional brasileiro.

    Mas mais do que uma realidade, a inclusão é uma necessidade do nosso tempo, da nossa

    sociedade. Para além de um discurso pró ou contra a inclusão, trata-se de

    [...] tomá-la como um imperativo, forjado na Modernidade a partir da noção de

    exclusão, ou seja, trata-se de entendê-la como uma invenção de um tempo moderno

    e que ganha o maior destaque na Contemporaneidade devido, entre outros aspectos,

    às desigualdades acentuadas entre sujeitos, suas formas de vida e condições

    econômicas, culturais, sociais, religiosas, individuais, etc. (LOPES; FABRIS, 2013,

    p. 13).

    A possibilidade de problematizar a temática das políticas de inclusão escolar envolve a

    percepção de diferentes movimentos que tais políticas operam, e operaram, no que se refere à

    escolarização dos sujeitos com deficiência, pois “se hoje pensamos e discutimos a

    possibilidade/necessidade da inclusão escolar, é porque somos atravessados por diferentes

    acontecimentos e situações que nos possibilitam pensar dessa maneira e não de outra”.

    (SILVA; HENNING, 2014, p. 845).

    A década de 1990 certamente foi um marco no que se refere aos movimentos e ao

    estabelecimento de políticas que garantiram uma “escola para todos” e isso não é novidade. É

    a partir desta década que percebemos a proliferação de dispositivos legais, internacionais e

    nacionais, que regulamentariam outras formas de educar os sujeitos com deficiência. É nesse

  • período que as políticas educacionais apontam para um deslocamento nas formas de

    entendimento e atuação da Educação Especial: de um sistema paralelo destinado a alguns

    sujeitos, para uma modalidade dentro de um sistema maior de educação geral, que perpassa os

    diferentes níveis deste sistema. Além disso, as políticas vão especificando os serviços e

    apoios necessários, cada vez mais detalhados, para garantir a permanência dos sujeitos com

    deficiência na escola comum.

    Américo, Carniel e Takakashi (2014), apontam que até 2001 as legislações dão ênfase

    nas concepções de Educação Especial e Educação Inclusiva. Após 2001 a ênfase encontra-se

    na superação das limitações estruturais e funcionais (programas para formação de professores,

    investimentos nas Salas de Recursos - SR, etc.), e indicando a organização e provimento de

    diferentes serviços para que os alunos com deficiência tenham condições de se manterem na

    escola comum.

    Ao analisar o percurso histórico das políticas de Educação Especial no Brasil de 1961

    a 2011, Júnior e Tosta (2012) apontam movimentos que balizam o atendimento educacional

    das pessoas com deficiência. Entre os movimentos ressaltam: a predominância do discurso

    médico orientando as ações para os sujeitos com deficiência, o abandono da condição

    substitutiva da Educação Especial em relação à educação geral comum, a oferta do

    Atendimento Educacional Especializado - AEE nas SR, bem como formação adequada dos

    professores da Educação Especial.

    Garcia e Michels (2011) apontam que no período de 1991 a 2011, a Educação Especial

    passou por reformas que alteraram sua definição. Além disso, redefiniu-se o público a qual se

    destina esta modalidade e a sua organização no que se refere aos serviços.

    Mendes, Vilaronga e Zerbato (2014) ressaltam que ao mesmo tempo em que as

    normativas garantem a escolarização dos sujeitos com deficiência na escola comum, também

    apontam para os serviços de apoio para a inclusão escolar. Tais autoras salientam que na

    atualidade há um entendimento das políticas de inclusão como rede de serviços de apoio.

    A proliferação das políticas de inclusão escolar, a partir da década de 1990, permite

    compreender a forma como as mesmas vêm legislando sobre as práticas de educação inclusiva

    em nossa atualidade. Percebo que de um movimento mundial inicial, que aponta esforços em

    garantir a escolarização comum para os sujeitos com deficiência, a legislação brasileira tem,

    ao longo do tempo, organizado mecanismos legais e normativos para atender tal

    compromisso. Tais mecanismos vão emergindo nas políticas, cada vez mais pormenorizadas e

  • específicas, que apontam a oferta de serviços de apoio, pela Educação Especial, e a

    articulação de outros setores, externos à escola, para a manutenção de tais sujeitos no ensino

    comum. Dessa forma, algumas práticas vão se estabelecendo como condição e necessárias

    para a efetivação da inclusão escolar. Conforme Lopes e Fabris (2013, p.110) “a inclusão

    como um imperativo de Estado, mais do que se apresentar como algo que se impõe a todos,

    necessita contar com normativas para fazer valer e legislar sobre as práticas”.

    Na próxima seção, apresento uma possibilidade de leitura e entendimento das políticas

    de inclusão na atualidade: a governamentalidade. Apoiada nas discussões de Michel Foucault,

    tal conceito permite olhar para as normativas educacionais como “universais” em sua

    abrangência e produtoras de determinados entendimentos – sobre inclusão - e efeitos em toda

    a população.

    A leitura das políticas através do “óculos” da governamentalidade.

    Pensar e problematizar as políticas de inclusão escolar e o apoio na atualidade

    pressupõe a possibilidade de entendê-las como algo fabricado e necessário ao nosso tempo. A

    atmosfera contemporânea é inclusiva, pois sua proliferação nos diferentes setores e espaços

    tem constituído diferentes formas de ser e de viver na atualidade. Assim, trabalhar com o

    conceito de governamentalidade enquanto grade de inteligibilidade parece-me muito

    produtivo, pois permite olhar para as políticas de inclusão escolar compreendendo seu

    funcionamento na atualidade, percebendo os efeitos que as mesmas produzem na vida de toda

    a população.

    Foucault desenvolve o conceito da governamentalidade ao longo do seu curso

    Segurança, território, população (2008), no Collège de France, em 1978. Nestes escritos, o

    autor “expressa a preocupação com a condução das condutas das diferentes populações,

    através de um conjunto de práticas que acionam mecanismos de controle, vigilância,

    segurança e condução” (FRÖHLICH, 2016, p. 3). Portocarrero (2004) salienta que a

    governamentalidade estabelece uma relação entre segurança, população e governo, a partir do

    século XVIII, momento este em que a população torna-se um problema político e econômico.

    Nesse momento, a preocupação é

    [...] com uma população que precisa ser regulada, que tem variáveis específicas

    (natalidade, fecundidade, alimentação, habitação) aos quais se situam no ponto de

    interseção dos movimentos próprios à vida e os efeitos particulares das instituições.

    (PORTOCARRERO, 2004, p. 183).

  • Foucault (2008) enfatiza a governamentalidade “como uma forma de vida que tem na

    população o alvo de suas ações, [...]” (FRÖHLICH, 2016, p. 4). Lockmann (2013) salienta

    que é possível compreendê-la “como pensamos a ação de governar, ou ainda, de como as

    tecnologias de governo são empreendidas a partir de uma racionalidade política que as

    coloca em operação numa época dada” (LOCKMANN, 2013, p. 56). Assim, a

    governamentalidade permite analisar as relações que existem entre como se governa nos

    diferentes tempos e condições históricas.

    O uso da governamentalidade implica considerar que as formas de condução da

    conduta estão articuladas a regimes de verdade que constituem determinadas formas de

    racionalidade, que, por sua vez, também produz regimes de verdade. Isso interpela

    diretamente os modos de vida de todos os sujeitos que conduzem suas condutas de acordo

    com tais regimes de verdade e os assumem e torna-os como princípios naturais das formas de

    existência. Lockmann (2013) acrescenta que se trata “de entender como diferentes formas de

    condução da conduta, tanto dos outros quanto de si mesmo, encontram-se vinculadas a

    determinados regimes de verdade, a determinadas formas de manifestação e de ritualização da

    verdade” (LOCKMANN, 2013, p. 61).

    Assim, posso pensar que na atualidade a racionalidade política que opera na condução

    das condutas produz verdades em relação aos sujeitos, como por exemplo, a inclusão escolar.

    Tal exemplo é uma das verdades que circulam em nosso tempo que são tomadas como

    naturais e acabam conduzindo as condutas de todos e produzindo as formas de existência na

    atualidade. Dessa forma, ao estabelecer verdades sobre a inclusão escolar, as políticas

    engendram formas de entendimento e organizam formas de apoio à escolarização das pessoas

    com deficiência na escola comum.

    Na próxima seção, apresento algumas considerações sobre as políticas que serviram

    como material empírico e os movimentos realizados sobre os materiais para encontrar as

    formas de apoio mais recorrentes que pautam a inclusão escolar no Brasil.

    As políticas de inclusão escolar e a constituição de formas de apoio.

    Como apresentei anteriormente, mesmo que de forma breve, há uma proliferação de

    normativas, a partir da década de 1990, no que se refere à inclusão escolar. Tal proliferamento

    pontua a progressiva necessidade de normatizar práticas e condições cada vez mais

  • específicas para a efetivação da escolarização comum dos sujeitos com deficiência. Assim, é

    possível visualizar a organização de diferentes formas de apoio que visam à garantia desses

    processos nas escolas brasileiras.

    Para este texto, foram selecionados alguns documentos legais que, desde a década de

    1990, permitem visualizar os movimentos da Educação Especial para a Educação Inclusiva:

    Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9394 de 1996; Diretrizes Nacionais

    para a Educação Especial na Educação Básica de 2001; Política Nacional de Educação

    Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008; Resolução nº 4 - Diretrizes

    operacionais do Atendimento Educacional Especializado de 2009 e Lei Brasileira de Inclusão

    da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146 de 2015. Tais documentos expressam e, ao mesmo

    tempo, produzem determinadas práticas inscritas em uma racionalidade contingente. Lasta

    (2015) aponta que tais documentos carregam dados e informações importantes sobre a

    inclusão escolar do nosso tempo, no momento em que tratam “do funcionamento, das ações,

    das metas, dos serviços, das estratégias” (LASTA, 2015, p. 52), enfim, de toda uma rede que

    se organiza para atender as pessoas com deficiência nas escolas comuns.

    Não tenho a intenção de descrever detalhadamente cada política analisada. Porém, é

    importante ressaltar alguns aspectos que marcam e atravessam tais documentos. De forma

    geral, todos os documentos expressam uma preocupação no estabelecimento de um “sistema

    educacional inclusivo” (BRASIL, 2015, s/p). Os documentos reforçam a educação como

    direito de todos e o AEE como direito e necessidade dos alunos com deficiência. Também é

    possível visualizar, de forma geral, as mudanças de entendimento sobre o que é a Educação

    Especial e suas formas de atuação. Isso permite estabelecer determinadas formas de organizar

    e implementar a inclusão escolar no país.

    Para dar visibilidade as formas mais recorrentes de apoio inscritas nas políticas de

    inclusão, foi necessário rastrear, recortar e classificar excertos dos documentos, a partir da

    palavra apoio. Assim, a recorrência das formas de apoio presentes a partir da década de 1990

    enfatizam o apoio “terceirizado”, o apoio oficial, o apoio financeiro e o apoio pedagógico

    formativo.

    O apoio “terceirizado” aparece com grande força em todas as normativas desde a

    década de 1990 até os dias atuais. Sua recorrência indica a possibilidade, e necessidade, de

    encaminhamentos dos alunos com deficiência para outros profissionais de fora da escola

  • como forma de justificar/condicionar sua permanência na escola comum. Na próxima seção

    procuro problematizar alguns efeitos possíveis desses encaminhamentos para fora da escola.

    Nos documentos analisados existe uma ênfase no apoio oficial, ou seja, na

    proliferação das normativas legais correspondentes à inclusão escolar. Tais normativas vão

    estabelecendo medidas e dando condições de operacionalizar e regular de forma cada vez

    mais especifica algumas condições para que a inclusão escolar se efetive, conforme exemplo:

    Impulsionando a inclusão educacional e social, o Decreto nº 5.296/04

    regulamentou as Leis nº 10.048/00 e nº 10.098/00, estabelecendo normas e

    critérios para a promoção da acessibilidade às pessoas com deficiência ou com

    mobilidade reduzida. Nesse contexto, o Programa Brasil Acessível, do Ministério

    das Cidades, é desenvolvido com o objetivo de promover a acessibilidade urbana e

    apoiar ações que garantam o acesso universal aos espaços públicos. (BRASIL, 2008,

    p. 5, grifos meus).

    O excerto acima demonstra como as legislações vão sendo esmiuçadas e produzem,

    através de novas normativas, formas de se efetivar a inclusão escolar. Assim, as legislações se

    proliferam e se desdobram em diferentes regulamentações, decretos, resoluções, de modo a

    responder as demandas e as necessidades que vão sendo identificadas como parte do processo

    de implantação das políticas de inclusão escolar. Como exemplo aponto a Resolução nº 2 de

    2009 que institui as diretrizes operacionais para o AEE na educação básica. Essa resolução

    descreve, quase que como um manual operativo, a forma como o AEE deve ser oferecido nos

    sistemas educacionais, preferencialmente nas SR.

    O apoio financeiro aparece nas políticas como forma de estabelecer certas medidas e

    garantias de previsão e distribuição de recursos financeiros para que a inclusão escolar se

    efetive. O exemplo abaixo ilustra essa possibilidade:

    Essa política inclusiva exige intensificação quantitativa e qualitativa na formação de

    recursos humanos e garantia de recursos financeiros e serviços de apoio

    pedagógico públicos e privados especializados para assegurar o desenvolvimento

    educacional dos alunos. (BRASIL, 2001, p. 29, grifos meus).

    O apoio financeiro vai regulando maneiras de financiar a educação inclusiva. Um

    exemplo desta regulação de ordem financeira é o duplo cômputo das matrículas de alunos

    com deficiência estabelecida através do Decreto nº 6571 de 2008 que institui a política

    pública de financiamento no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

    Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB.

  • O apoio pedagógico formativo indica a necessidade de se estabelecer projetos e

    programas de formação para professores que atuam com alunos com deficiência, em SR ou na

    própria sala de aula comum, conforme excerto abaixo:

    [...] formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional

    especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de

    profissionais de apoio. (BRASIL, 2015, s/p, grifos meus).

    O exemplo demonstra a preocupação de indicar como normativa legal a necessidade

    de formação, inicial e continuada, para a atuação em funções e espaços específicos – como a

    SR – e na sala comum, através de princípios que orientam a educação inclusiva. Como efeito

    de tais normativas, podemos encontrar o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade

    (BRASIL, 2005), que objetivou a formação de gestores e professores para sistemas

    educacionais inclusivos.

    Várias são as formas de apoio encontradas nas políticas de inclusão. Todas engendram

    ações e estratégias para que a inclusão se efetive como uma realidade nos contextos escolares.

    Na próxima seção apresento de forma mais pontual o apoio “terceirizado” e alguns possíveis

    efeitos em relação aos processos de escolarização dos sujeitos com deficiência.

    O apoio “terceirizado” e a desresponsabilização da escola

    Como disse anteriormente, o apoio “terceirizado” é a forma de apoio que atravessa as

    políticas de inclusão desde a década de 1990 com grande força. Como apresento no exemplo

    abaixo, existe uma preocupação, e necessidade, de indicar serviços de fora da escola para

    garantir a inclusão escolar.

    [...] quando os recursos existentes na própria escola mostrarem-se insuficientes para

    melhor compreender as necessidades educacionais dos alunos e identificar os apoios

    indispensáveis, a escola poderá recorres a uma equipe multiprofissional.

    (BRASIL, 2001, p. 34, grifos meus).

    A provisão de serviços “terceirizados” para o apoio a inclusão tem sido uma constante.

    Lockmann (2010) aponta que são enfatizados inúmeros encaminhamentos dos alunos com

    deficiência para serviços de diferentes áreas, externos à escola. Tais serviços aparecem como

    “essenciais” ou como uma condição para que esse aluno se mantenha na escola comum.

    Scheid (2007) aponta que os saberes clínicos constituíram-se, até meados do século

    XVI, como responsáveis pelo conhecimento das pessoas com deficiência e definem, até hoje,

    formas e possibilidades educativas para tais sujeitos. A autora aponta que os discursos

    clínicos, ao compreenderem diferentes aspectos da constituição dos sujeitos com deficiência,

  • acabam indicando intervenções a serem realizadas por professores e familiares. Assim, tais

    saberes clínicos acabam conduzindo processos pedagógicos. Porém, a importância dada a tais

    saberes “[...] isenta o professor, de certa forma, do seu compromisso com a construção do

    conhecimento” (SCHEID, 2007, p. 72).

    Mendes, Vilaronga e Zerbato (2014) apontam que as políticas de inclusão escolar no

    Brasil dão prioridade e acabam estimulando a oferta de serviços de apoio fora dos espaços

    escolares. As autoras salientam que as políticas de inclusão continuam a “[...] priorizar e

    estimular serviços de apoio baseados no atendimento educacional especializado fora da sala

    de aula comum, ofertado em salas de recursos ou em instituições especializadas” (MENDES;

    VILARONGA; ZERBATO, 2014, p. 17).

    Os serviços de apoio oferecidos por diferentes profissionais e fora da escola são

    importantes; porém, responsabilizar tais serviços pela aprendizagem, ou ainda, como

    estratégia única de intervenção educativa, coloca o “problema” da inclusão, centrado no aluno

    com deficiência, e “a responsabilidade pela escolarização desses alunos acaba recaindo

    majoritariamente sobre os professores especializados [...]” (MENDES; VILARONGA;

    ZERBATO, 2014, p. 29). Assim, fica esmaecida a necessidade da escola em operar com

    mudanças necessárias para a educação de tais sujeitos.

    É possível discutir que as políticas que normatizam e regulamentam as práticas de

    inclusão escolar no Brasil têm, de certa maneira, indicando a possibilidade de

    responsabilização pelo sucesso ou não da inclusão escolar aos atendimentos externos à escola

    dos alunos incluídos. Assim, tal conduta de “terceirização” da inclusão escolar faz com que a

    escola comum se desresponsabilize de suas funções de ensino e de garantia de determinadas

    aprendizagens. Dessa forma, o apoio “terceirizado” acaba sendo naturalizado como uma

    estratégia de intervenção educativa para as pessoas com deficiência em idade escolar.

    Considerações Finais

    As políticas educacionais vêm sofrendo mudanças a partir da década de 1990,

    principalmente ao que se refere à universalização e obrigatoriedade da escola, bem como ao

    atendimento escolar em espaços comuns para as pessoas com deficiência. Desde a

    reconfiguração da Educação Especial em modalidade de ensino, as políticas de inclusão vêm

    regulando, de forma cada vez mais específica, as formas de entender os processos de inclusão

    e de atender os sujeitos com deficiência nas escolas comuns.

  • Ao analisar alguns documentos normativos, e compreendendo as políticas de inclusão

    dentro de uma grade que as organiza como formas de conduzir condutas e de permitir uma

    “leitura” das mesmas como necessárias na atualidade, devido a sua abrangência e efeitos, é

    possível perceber o que circula como verdade a respeito das formas de entendimento da

    inclusão escolar. Além disso, é possível encontrar o estabelecimento de uma rede de apoio

    que se torna “essencial” para a efetivação das mesmas.

    Assim, diferentes formas de apoio aparecem, nos documentos analisados, como

    recorrentes na possibilidade de fazer acontecer a inclusão nas escolas comuns: o apoio oficial,

    o apoio financeiro, o apoio pedagógico formativo, e o apoio “terceirizado”. Este último é o

    mais recorrente e atravessa as políticas de inclusão escolar desde a década de 1990.

    O apoio “terceirizado” indica a necessidade de serviços e profissionais de diferentes

    áreas, externas a escola, para que seja garantida e efetivada a inclusão escolar. Essa indicação

    pode possibilitar um esmaecimento da responsabilização pedagógica com alunos com

    deficiência por parte da escola e um aumento significativo de encaminhamentos para

    avaliação e tratamento extraescolares. Isso permite à escola apontar como um dos “problemas

    da inclusão” o aluno com deficiência e seu encaminhamento para “fora” de seus muros como

    uma possibilidade de solução. Ao encaminhar os alunos para serviços especializados –

    importantes e necessários para a efetivação da inclusão escolar – tal forma de apoio acaba

    sendo naturalizado como uma estratégia de intervenção educativa para as pessoas com

    deficiência em idade escolar. Tal possibilidade impede da escola em (re)pensar seus processos

    organizativos e metodológicos para que o “problema da inclusão” não seja centrado somente

    no aluno, e que possa ser percebido dentro de um sistema escolar que vêm falhando em seu

    objetivo maior: educar com qualidade todos os alunos.

    Referências

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    pública da educação especial e formalismo nas políticas públicas inclusivas – o caso do

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