O aspecto verbal em Apolodoro: um estudo baseado em corpus ... · in portuguese), whose authorship...

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ALEXANDRE WESLEY TRINDADE O ASPECTO VERBAL EM APOLODORO: um estudo baseado em corpus sobre os padrões de usos aspectuais em Biblioteca ARARAQUARA S.P. 2012 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Câmpus de Araraquara

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ALEXANDRE WESLEY TRINDADE

O ASPECTO VERBAL EM APOLODORO:

um estudo baseado em corpus sobre os padres de usos aspectuais em Biblioteca

ARARAQUARA S.P.

2012

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO Faculdade de Cincias e Letras Cmpus de Araraquara

ALEXANDRE WESLEY TRINDADE

O ASPECTO VERBAL EM APOLODORO: um estudo baseado em corpus sobre os padres

de usos aspectuais em Biblioteca

Dissertao de Mestrado, apresentada ao Programa

de Ps-Graduao em Lingustica e Lngua

Portuguesa da Faculdade de Cincias e Letras

Unesp/Araraquara, como requisito para obteno

do ttulo de Mestre em Lingustica e Lngua

Portuguesa.

Linha de pesquisa: Ensino-aprendizagem de

lnguas

Orientadora: Profa. Dra. Anise de Abreu

Gonalves DOrange Ferreira

Bolsas: CNPq / FAPESP

ARARAQUARA S.P.

2012

Trindade, Alexandre Wesley

O aspecto verbal em Apolodoro : um estudo baseado em corpus sobre

os padres de usos aspectuais em Biblioteca / Alexandre Wesley Trindade

2012

120 f. ; 30 cm

Dissertao (Mestrado em Lingustica e Lngua Portuguesa)

Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Faculdade de

Cincias e Letras (Cmpus de Araraquara)

Orientador: Anise de Abreu Gonalves DOrange Ferreira

1. Lingustica de Corpus. 2. Lngua grega. 3. Lingustica na literatura.

I. Ttulo.

ALEXANDRE WESLEY TRINDADE

O ASPECTO VERBAL EM APOLODORO: um estudo baseado em corpus sobre os padres

de usos aspectuais em Biblioteca

Dissertao de Mestrado, apresentada ao Programa

de Ps-Graduao em Lingustica e Lngua

Portuguesa da Faculdade de Cincias e Letras

Unesp/Araraquara, como requisito para obteno

do ttulo de Mestre em Lingustica e Lngua

Portuguesa.

Linha de pesquisa: Ensino-aprendizagem de

lnguas

Orientadora: Profa. Dra. Anise de Abreu

Gonalves DOrange Ferreira

Bolsas: CNPq / FAPESP

Data da defesa: 31/05/2012

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Presidente e Orientador: Profa. Dra. Anise de Abreu Gonalves DOrange Ferreira

UNESP/FCLAr

Membro Titular: Profa. Dra. Maria Celeste Consolin Dezotti

UNESP/FCLAr

Membro Titular: Profa. Dra. Paula Tavares Pinto Paiva

UNESP/IBILCE

Local: Universidade Estadual Paulista

Faculdade de Cincias e Letras

UNESP Cmpus de Araraquara

Certes tout signe est une cration individuelle dans son principe mais cest aussi et surtout une cration collective; le mot cr par un individu ne prend sa valeur que dans la mesure o il est accept, repris, rpt; aussi est-il finalement dfini par la somme de ses emplois; emplois que dans leur ensemble refltent sa situation linguistique, les causes souvent trs complexes qui en dterminent le choix e lusage.

Pierre Guiraud, 1959, Problmes et Mthodes de la Statistique Linguistique.

AGRADECIMENTOS

O primeiro muito obrigado eu dedico aos meus pais que me ensinaram a manusear o

lpis, a caneta, a rabiscar as primeiras letras e l-las, a produzir as primeiras expresses de meus

pensamentos, ainda em tenra idade, ensinando-me que dominar a linguagem posicionar-se

diante do mundo.

No posso me esquecer de todos os professores que tive durante toda a minha vida

escolar, desde a primeira srie, aos cinco anos de idade, at os anos universitrios com os

professores que me iniciaram na pesquisa acadmica. Gostaria de agradecer, especificamente, aos

professores de grego que me permitiram realizar um sonho e ser introduzido no estudo da lngua

e cultura gregas.

Gostaria de agradecer, de maneira especial, minha orientadora Anise de Abreu

Gonalves D'Orange Ferreira, que alm de me orientar com cuidado, de estar sempre presente

pelos mais diversos meios de comunicao, tambm acreditou que eu pudesse chegar ao fim

dessa empreitada com sucesso. Registro minha admirao no somente pela excelente docente e

pesquisadora que ela , mas tambm pela maneira humana como me tratou em todo o processo,

em todas as etapas da pesquisa e redao da dissertao.

Tambm agradeo Dr. Marie-Hlne Ct, chefe do Departamento de Lingustica da

University of Ottawa, Canad, que permitiu que eu realizasse estgio supervisionado, de maio a

novembro de 2011, sob os auspcios do Prof. Dr. Andrs Pablo Salanova, a quem agradeo pelas

boas conversas que tivemos, discutindo, sugerindo leituras e possibilitando acesso total e

irrestrito s instalaes da universidade.

Meu agradecimento Pr-Reitoria de Ps-Graduao da Unesp que, pelo Ofcio

249/2011 de 04 de maio de 2011, concedeu-me subsdio complementar para me auxiliar

financeiramente em meu estgio supervisionado no Canad

Agradeo ao CNPq pela bolsa fornecida no perodo de maro a agosto de 2010, sob o

Processo n. 131185/2010-1.

Agradeo Fapesp pela bolsa de estudos que me sustentou de setembro de 2010 a

fevereiro de 2012, bem como pela reserva tcnica que possibilitou a participao em eventos

cientficos, sob o Processo n. 2010/04889-4.

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo analisar os padres de usos que o autor grego Apolodoro (I d.C.)

fez do aspecto verbal, por meio de uma abordagem emprica, a partir de uma base de dados

informatizados e estatisticamente verificados. Tratou-se de uma pesquisa exploratria na qual foi

utilizada a metodologia fornecida pela Lingustica de Corpus, pois no seu conceito fundamental a

linguagem um sistema probabilstico e deve ser estudada por uma abordagem emprica. A

pressuposio desta viso da linguagem a de que as possibilidades tericas dos traos

lingusticos no coincidem com a frequncia de ocorrncias. Essa diferena no somente

significativa do ponto de vista estatstico, como tambm ela evidencia que caracterstico da

linguagem a existncia de (i) regularidade nos padres apresentados e (ii) sistematicidade nas

variaes. Como padres da linguagem foram considerados os padres colocacionais. O corpus

escolhido foi a obra Biblioteca, cuja autoria atribuda a Apolodoro, sc. I d.C. Este corpus,

portanto, adequado para o estudo do padres de usos aspectuais porque composto de textos

autnticos, em lngua natural. A identificao do aspecto verbal se deu pela localizao da

desinncia pertinente ao tema verbal correlato, com ndice de mais alta frequncia, utilizando o

programa AntConc, que gerou uma lista de palavras (word list) elencando os verbos contabilizados.

A partir das ocorrncias de verbos levantadas foi estabelecido o aspecto verbal mais frequente

para que se definisse a unidade de anlise. O critrio de seleo dos aspectos verbais se deu pela

oposio de temas verbais, considerando-se a oposio dos trs temas verbais: tema do presente,

tema do perfeito e tema do aoristo. O corpus utilizado no programa AntConc no estava

etiquetado. A fim de proceder anlise foi utilizada a etiquetagem morfossinttica constante do

Perseus Digital Library. Dentre a amostra de ocorrncias verbais, o tema do aoristo obteve o maior

ndice de frequncia. Por meio de levantamento estatstico, o padro colocacional infinitivo +

particpio se mostrou o mais frequente.

Palavras-chave: Aspecto verbal. Grego antigo. Lingustica de Corpus.

ABSTRACT

The aim of this work was to analize the patterns of aspect usages in Greek writer Apollodorus, by

means of empirical approach, from a electronic database and statistically tested. The main

methodological underpinning for the exploratory research was provided by Corpus Linguistics

because in the fundamental concept language is a probabilistic system and it must be studied by

an empirical approach. The assumption of this view of language is that the theoretical

possibilities of linguistic features do not correspond with the frequency of occurrence. This

difference is not significant only in statistical point of view, it demonstrates that is typical of

language the presence of (i) a regular pattern showed and (ii) a systematic variations. As language

patterns were considered collocational patterns. The corpus chose was the work Library (Biblioteca

in portuguese), whose authorship is attributed to Apollodorus, first century CE. This corpus is

therefore suitable for the study of patterns of aspect usages because it is composed of authentic

texts in natural language. The identification of verbal aspect was due to the ending location of the

pertinent verbal correlate with higher rate of frequency, using the program AntConc, which

generated a word list listing the verbs accounted for. From the occurrences of verbs chosen was

established the most frequent verbal aspect in order to define the unit of analysis. The selection

criterion was given verbal aspects of the opposition of verbal stems, considering the opposition

of three verbal stems: present stem, perfect stem, and aorist stem. The corpus used in the

AntConc program was not tagged. In order to examine, POS tagging was used to steady in the

Perseus Digital Library. Among the sample of verbal occurrences, the stem of the aorist had the

highest frequency. Through statistical analysis, collocational pattern infinitive + participle was the

most frequent.

Keywords: Verbal aspect. Ancient Greek. Corpus Linguistics.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Classes aspectuais aristotlicas ................................................................................................. 22

Figura 2. Sistema temporal de Dionsio Trcio ..................................................................................... 23

Figura 3. Classificao temporal de Crosby ........................................................................................... 26

Figura 4. Distino temporal de Curtius................................................................................................. 26

Figura 5. Emprego dos tempos de Chassang ......................................................................................... 28

Figura 6. Noes expressas pela categoria tempo de Ragon ............................................................... 29

Figura 7. Tipos de Aktionsart de Wright ................................................................................................. 30

Figura 8. Sistema aspectual de Smyth ..................................................................................................... 31

Figura 9. Empregos dos tempos de Crouzet et alii ................................................................................ 33

Figura 10. Aspecto indicado pelos temas temporais de Buck ............................................................. 34

Figura 11. Sistema aspectual de Guiraud ................................................................................................ 34

Figura 12. Sistema aspectual de Castilho (1968) .................................................................................... 38

Figura 13. Relaes entre componentes envolvidos numa situao de fala ...................................... 46

Figura 14. Tela da funo Word List (lista de palavras) do AntConc classificada por frequncia .... 49

Figura 15. Porcentagem de ocorrncia dos temas verbais dividos por tempos ................................ 53

Figura 16. Porcentagem de ocorrncia do aoristo dividido por modos ............................................. 53

Figura 17. Lista de palavras do verbo no aoristo indicativo ........................................................ 54

Figura 18. Lista de palavras com padres colocacionais da combinao ndulo + ............ 57

Figura 19. Lista de palavras com padres colocacionais da combinao ndulo + (com

linha de traduo) ....................................................................................................................................... 58

Figura 20. Lista de palavras com padres colocacionais da combinao ndulo + ......... 59

Figura 21. Lista de palavras com padres colocacionais da combinao ndulo + (com

linha de traduo) ....................................................................................................................................... 60

Figura 22. Lista de palavras com padres colocacionais da combinao ndulo + ................ 60

Figura 23. Lista de palavras com padres colocacionais da combinao ndulo + ................ 61

file:///D:/Dropbox/Dissert%20Final/awt_versao_entrega_postextuais.docx%23_Toc405847681

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Sntese comparativa entre as gramticas gregas e os critrios de identificao ................ 35

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Agrupamento de tempos por modo de formao e significao de Koch..................... 27

Quadro 2. Trs temas verbais do verbo elaborados por Ragon (com tradues) ....... 29

Quadro 3. Esquema de realizaes morfolgicas e lexicais do aspecto e da temporalidade por Lorente Fernndez ..................................................................................................................................... 43

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1sg primeira pessoa do singular

2sg segunda pessoa do singular

3pl terceira pessoa do plural

3sg terceira pessoa do singular

ac acusativo

aor aoristo

at voz ativa

t tico

contr forma contrata

dr drico

el elico

p pico

fem feminino

fut futuro

imperat imperativo

imperf imperfeito

impess impessoal

indecl forma indeclinvel

inf infinitivo

jn jnico

md voz mdia

mp voz mediopassiva

neut neutro

nom nominativo

oc

opt

ocorrncia(s)

optativo

part particpio

perf perfeito

pl plural

pot potico

prep preposio

pres presente

red redobro

sg singular

subst substantivo

voc vocativo

SUMRIO

Introduo ........................................................................................................................... 14

1 Breve histrico da categoria aspecto ............................................................................. 17

1.1 Ocidente vs. Oriente .................................................................................................................. 18

1.2 (Im)perfectivo vs. (no) durativo ............................................................................................. 20

1.3 Primeiras intuies sobre a categoria aspecto ....................................................................... 21

1.3.1 Aristteles (sc. IV a.C.) ................................................................................................... 21

1.3.2 Dionsio Trcio (sc. II a.C.) ........................................................................................... 23

1.3.3 Apolnio Dscolo (sc. II d.C.) ....................................................................................... 24

1.4 Aspecto verbal em gramticas de ensino da lngua grega .................................................... 25

1.4.1 Alpheus Crosby (1841) ..................................................................................................... 25

1.4.2 Georg Curtius (1846) ........................................................................................................ 26

1.4.3 Ernst Koch (1869) ............................................................................................................ 27

1.4.4 Alexis Chassang (1872)..................................................................................................... 27

1.4.5 loi Ragon (1889) ............................................................................................................. 28

1.4.6 Joseph Wright (1912) ........................................................................................................ 29

1.4.7 Herbert Smyth (1916) ....................................................................................................... 30

1.4.8 Paul Crouzet et alii (1926) ................................................................................................ 32

1.4.9 Carl Buck (1933)................................................................................................................ 33

1.4.10 Charles Guiraud (1967) .................................................................................................... 34

1.5 Estudos lingusticos sobre a categoria aspecto ..................................................................... 36

1.5.1 John Lyons (1968) ............................................................................................................. 36

1.5.2 Ataliba Castilho (1968) ..................................................................................................... 37

1.5.3 Bernard Comrie (1976) ..................................................................................................... 38

1.6 Estudos lingusticos sobre a categoria aspecto no grego antigo ......................................... 39

1.6.1 Porter (1989) ...................................................................................................................... 39

1.6.2 Fanning (1990) ................................................................................................................... 40

1.6.3 Yves Duhoux (1991)......................................................................................................... 42

2 Metodologia .................................................................................................................. 44

2.1 Abordagem metodolgica ........................................................................................................ 44

2.2 Procedimentos de coleta de dados .......................................................................................... 47

2.3 Unidade de anlise: o tema do aoristo .................................................................................... 50

2.4 Procedimentos de anlise ......................................................................................................... 51

3 Apresentao dos resultados ........................................................................................ 53

3.1 Exemplo de anlise com resultados ........................................................................................ 54

3.2 Algumas consideraes ............................................................................................................. 55

4 Anlise e discusso dos resultados ............................................................................... 57

4.1 Padres colocacionais da combinao ndulo + ..................................................... 57

4.2 Padres colocacionais da combinao ndulo + .................................................. 59

4.3 Padres colocacionais da combinao ndulo + ......................................................... 60

4.4 Discusso dos resultados .......................................................................................................... 61

4.5 Padro sinttico do infinitivo aoristo ..................................................................................... 62

4.6 Padro sinttico do particpio presente .................................................................................. 63

Consideraes finais ........................................................................................................... 65

Referncias ......................................................................................................................... 67

Corpus ....................................................................................................................................................... 67

Gramticos analisados ........................................................................................................................... 67

Tradues de obras gregas.................................................................................................................... 68

Obras pesquisadas.................................................................................................................................. 68

APNDICE A Word list com verbos (aor inf), nvel 1 = 1L, nvel 2 = 2L .................... 72

APNDICE B Word list com verbos (aor inf), nvel 1 = 1R, nvel 2 = 2R ................... 75

APNDICE C Word list com itens terminados em - ............................................... 78

APNDICE D Lista de ocorrncias com desinncia - classificadas como aoristo

infinitivo cf. etiquetagem do Perseus .................................................................................. 81

APNDICE E Lista de ocorrncias com desinncia - no classificadas como

aoristo infinitivo cf. etiquetagem do Perseus ..................................................................... 88

APNDICE F Word list com itens terminados em - .............................................. 94

APNDICE G Lista de ocorrncias com desinncia - classificadas como aoristo

infinitivo cf. etiquetagem do Perseus ................................................................................. 96

APNDICE H Lista de ocorrncias com desinncia - no classificadas como

aoristo infinitivo cf. etiquetagem do Perseus .................................................................... 109

APNDICE I Word list com itens terminados em - ............................................. 112

APNDICE J Lista de ocorrncias com desinncia - classificadas como aoristo

infinitivo cf. etiquetagem do Perseus ................................................................................ 113

APNDICE K Word list com itens terminados em - ............................................. 115

APNDICE L Lista de ocorrncias com desinncia - classificadas como aoristo

infinitivo cf. etiquetagem do Perseus ................................................................................ 116

ANEXO A Diagrama sobre escolha aspectual elaborado por Smith (1986, p. 99) com explicaes da autora e traduo ...................................................................................... 118

ANEXO B Normas para a transliterao de termos e textos em grego antigo por Prado (2006) ....................................................................................................................... 119

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INTRODUO

Neste trabalho pretendo analisar os padres de usos que o escritor grego Apolodoro (sc.

I d.C.) faz da categoria aspecto, por meio de uma abordagem emprica, a partir de uma base de

dados informatizados e estatisticamente verificados. Ao anunciar que a pesquisa sobre os

padres de usos aspectuais (especificamente o aspecto verbal), evidenciados no texto pela escolha

do escritor grego, considero necessrio esclarecer alguns pontos, guisa de introduo: (i) trata-se

de um estudo exploratrio, isto , um tipo de pesquisa que contrasta com o estudo experimental.

Conforme Santos (2008, p. 49), os procedimentos mais comuns no estudo exploratrio so: a

busca de fatos interessantes para serem posteriormente estudados, a reunio de coleo de

amostras, a contagem de ocorrncias, a procura de correlaes, o experimento de classificaes, a

identificao de conjuntos, etc. J o estudo experimental, parte de hipteses para a verificao; (ii)

em decorrncia do tipo de pesquisa escolhido, a procura de padres no significa descobrir algo

novo sobre o aspecto verbal, mas tom-lo como ponto de partida para os experimentos,

assumindo um determinado construto terico sobre a categoria aspecto; (iii) os usos aspectuais

esto diretamente relacionados concepo de que o falante/escritor de uma determinada lngua

tem a gramtica da lngua internalizada e na explicitao dos enunciados, ou ainda, no momento

do uso da lngua, faz escolhas em que se utiliza de determinadas formas para se expressar e no

de outras formas. Assim, esta pesquisa contribui com a descoberta de novos modos, novos

procedimentos, novas possibilidades de se descrever fatos da linguagem. O corpus escolhido a

obra intitulada em portugus Biblioteca ( , no original grego, e sua transliterao

Bibliothk), cuja autoria atribuda a Apolodoro, tambm chamado de Pseudo-Apolodoro, pelo

fato de a autoria de sua obra ter sido imputada a um outro escritor homnimo, conhecido por

dois diferentes eptetos: (i) Apolodoro, o Gramtico, ou ainda (ii) Apolodoro, o Ateniense,

escritor e estudioso do sc. II a.C. (ca. 180 a.C 120 a.C.). Essa confuso durou at 1873, ano em

que Carl Robert deu provas de que Apolodoro, o autor de Biblioteca ( Bibliothk), no

era o mesmo Apolodoro, gramtico e ateniense, autor de Sobre os deuses ( Per Then).

Por esta razo o sc. II a.C. foi, durante muito tempo, datado como o perodo de vida e produo

literria de Apolodoro, autor de Biblioteca, cuja biografia ainda desconhecida para muitos

estudiosos. Provado que o escritor Apolodoro, de Biblioteca, no pertence ao sc. II a.C., surge o

problema da correta ou mais provvel datao. Os estudos posteriores mostram que o texto foi

escrito entre o sc. I d.C. e o sc. III d.C. Assumindo a datao indicada por Smith e Trzaskoma

(2007, p. xxx), estou considerando o sc. I d.C. como o perodo de vida e obra de Apolodoro,

autor de Biblioteca, assim como no estou me filiando conveno de nomear o autor como

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Pseudo-Apolodoro, pois houve um escritor grego chamado Apolodoro, cuja biografia

desconhecida, porm cuja obra autntica. Trata-se, portanto, do perodo romano, no qual a

lngua grega corrente era conhecida como koin que, segundo Colvin (2007, p. 65), ,

essencialmente, uma variedade internacional, expandida, do tico, fortemente influenciada pelo

jnico1. O que se pode dizer sobre a obra Biblioteca que ela segue uma tendncia aticista, ou

seja, ela est vinculada a uma reao literria expanso do grego koin.2 Este corpus, portanto,

adequado para o estudo dos padres de usos aspectuais porque composto de textos autnticos,

em lngua natural, produzidos por um escritor nativo da lngua grega antiga.

Esta pesquisa procura atingir os seguintes objetivos:

a) detectar o aspecto verbal mais frequente no corpus, com base na recorrncia dos temas

verbais, selecionados por programas computacionais especficos;

b) apresentar os cotextos3 nos quais o aspecto mais frequente empregado;

c) levantar os padres colocacionais encontrados nos cotextos.

Colocando o problema central em forma de questo de pesquisa, formulo a seguinte

pergunta: quais so os padres colocacionais mais frequentes no corpus, considerando o aspecto

verbal como base da unidade de anlise?

Minha proposta de anlise para identificar o padro lexicogramatical do uso lingustico

dos verbos encontrados no corpus segue os seguintes passos: (i) gerar uma lista de palavras (word

list) pelo programa AntConc com os verbos classificados pelo tema mais frequente; (ii) identificar

o sintagma que tenha como ncleo um verbo que esteja classificado pelo tema mais frequente;

(iii) delimitar a quantidade de verbos para anlise pelo critrio morfolgico de identificao de

aspecto, modo e voz que sejam adequados aos objetivos da pesquisa e s limitaes e

possibilidades tcnicas das ferramentas de anlise; (iv) observar os padres colocacionais

recorrentes no cotexto das linhas de concordncia; (v) comparar os padres encontrados com o

que se tem dito pela literatura da rea.

1 The koin is essentially an expanded, international variety of Attic, heavily influenced by Ionic.

2 Cf. Smith e Trzaskoma (2007) e Horrocks (2010).

3 O item lexical (ou itens lexicais) especfico, a partir do qual gera-se a lista de concordncia, chamado de palavra de busca ou ndulo. Os itens lexicais prximos ao ndulo compem o cotexto. Em outras palavras, o cotexto composto pelas palavras que esto ao redor da palavra de busca (ver Berber Sardinha, 2004, pp. 42, 105, 187).

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O trabalho est dividido em quatro captulos e consideraes finais. O primeiro captulo

mostra o percurso histrico dos estudos sobre o aspecto e sua categorizao desde a antiguidade

clssica grega compreendendo os esticos, o filsofo estagirita e os gramticos alexandrinos

, passando pelo tratamento didtico dado pelas gramticas alems, inglesas e francesas de

ensino de lngua grega dos sculos XIX e XX, at chegar aos estudos aspectolgicos por meio de

abordagens lingusticas da moderna cincia da linguagem. O segundo captulo trata da

metodologia de pesquisa adotada, bem como de uma abordagem coerente com a finalidade do

estudo, a escolha dos dados, o procedimento de coleta desses dados, a escolha da unidade de

anlise e os procedimentos de anlise da unidade escolhida. O terceiro captulo apresenta o

resultado das anlises preliminares expostas no captulo anterior, assim como algumas

consideraes a respeito dos resultados obtidos. No quarto captulo so apresentados os

resultados das anlises finais e a discusso desses resultados por meio de comparao com os

dados fornecidos pela literatura que trata do assunto. E aps os captulos, as ltimas

consideraes e reflexes sobre o estudo.

Duas menes so necessrias: (i) todas as tradues foram feitas por mim, exceto

aquelas que estiverem indicadas com o nome do tradutor; (ii) as transliteraes seguiram os

padres estabelecidos nas Normas para a transliterao de termos e textos em grego antigo,

encontrados em Prado (2006, cf. Anexo B), e (iii) as tradues dos verbos gregos que esto

elencados nos apndices se referem primeira acepo dos verbetes do Dicionrio Grego-Portugus

(doravante, DGP).

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1 BREVE HISTRICO DA CATEGORIA ASPECTO

Neste primeiro momento, vou procurar aproximar o leitor do objeto de estudo desta

dissertao, de maneira genrica. No se trata, portanto, de uma definio que possa ser

considerada definitiva, mas diferente disso, trata-se de um ponto de partida ou de uma sntese do

que ser apresentado mais adiante. Assim, comeo pela afirmao de que o aspecto uma

categoria lingustica que tem a funo de representar a maneira como o falante/escritor visualiza

um evento. Em algumas lnguas, o aspecto uma categoria gramatical e pode ser expresso tanto

por categorias nominais como por categorias verbais4. Uma categoria gramatical aquela que tem

o efeito de modificar as formas de alguma classe de palavras numa lngua (Trask, 2004, p. 52),

ou seja, o aspecto apresenta distines aspectuais gramaticalmente codificadas. Rijkhoff (1991, p.

291) define aspecto como a maneira pela qual uma propriedade ou relao representada em

alguma dimenso5 considerando-se as dimenses temporal e espacial que se relacionam com

o aspecto. Assim, o aspecto verbal a maneira como uma propriedade ou relao representada

na dimenso temporal6, ao passo que o aspecto nominal a maneira como uma propriedade

representada na dimenso espacial7.

Feitos os esclarecimentos iniciais, neste trabalho me proponho a analisar a expresso do

aspecto na categoria verbal. Assim, aspecto, aspecto verbal e categoria aspecto se referem

ao mesmo conceito. Mesmo no se tratando de uma definio formal8, quero oferecer uma ideia

primordial sobre uma propriedade dessa categoria: a visualizao. Castilho (2010, pp. 417, 673)

afirma que o aspecto verbal um ponto de vista sobre o estado de coisas, entendendo estado

de coisas como algo que pode ocorrer no mundo real ou mental. O estado de coisas vem

retratado na estrutura da sentena, que rene um conjunto de expedientes para configurar os

eventos e as situaes. E o autor continua: como se o falante, tangido por um inesperado

transporte mstico, visualizasse de fora, do alto, do alm, os estados de coisas que ele mesmo

acionou, separando diligentemente (i) o que dura, (ii) o que comea e acaba, e (iii) o que se

repete. Lorente Fernndez (2003, p. 12) se utiliza da comparao com os recursos

cinematogrficos. O cineasta pode usar as ferramentas da cmera para apresentar o

4 Para a noo de categoria e categorias gramaticais no domnio da cincia lingustica, ver Lyons (1968, p. 227-231) e Dahl (1985, p. 20-21).

5 the way in which a property or relation is represented in some dimension.

6 the way a property or relation is represented in the temporal dimension.

7 the way a property is represented in the spatial dimension.

8 Para Maritain (1980, p. 103), o termo definio um conceito complexo ou uma locuo que expe o que uma coisa ou o que significa um nome.

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desenvolvimento das aes em cenas de diferentes maneiras. s vezes, cria-se um efeito

alterando o zoom, destacando determinada personagem e deixando outra em segundo plano, etc.

Assim, como a cmera do cineasta, o aspecto um recurso lingustico que o usurio da lngua

tem sua disposio para mostrar aos outros como ele visualiza determinado evento.

Historicamente, o termo aspecto aparece pela primeira vez, em 1828, na Grammaire

Raisonne de la Langue Russe9, como traduo da palavra russa vid ()10. A obra francesa uma

traduo, feita por Charles-Philippe Reiff, da gramtica russa (Prostrannaja russkaja grammatika) de

Nikolai Gre,11 publicada em 1827. No mesmo sculo, em 1889, foi publicada a obra Perfective und

Imperfective Actionsart [sic] im Germanischen12, de Wilhelm Streitberg, contendo as primeiras

discusses aspectolgicas no domnio da cincia lingustica13.

Em geral, os trabalhos sobre o aspecto verbal, primeiramente, procuram situar o leitor no

universo dos estudos aspectolgicos. Como h vrias maneiras de se fazer essa abordagem,

muito comum que se encontre um resumo histrico-cronolgico que procura dar conta das fases

pelas quais as pesquisas passaram, relacionando o avano no tempo a novas descobertas. Pode se

utilizar tambm de uma distribuio geogrfica que contemple os lugares pelos quais os adeptos

desenvolveram seus estudos. Para exemplificar, Castilho (2010, p. 418) reconhece trs fases

histricas na aspectologia: (i) fase lxico-semntica (identificao das classes acionais), (ii) fase

semntico-sinttica (nfase na composicionalidade), e (iii) fase discursiva (investigao das

condies discursivas favorveis emergncia dos aspectos).

1.1 Ocidente vs. Oriente

H uma diviso, proposta por Dahl (1981, p. 81), que considera a existncia de uma

perspectiva ocidental e uma perspectiva oriental dos estudos aspectolgicos.

9 Gramtica Racional da Lngua Russa.

10 Cf. Binnick (1991, p. 140) e Conti (2005, p. 2).

11 Pode-se encontrar tambm as grafias Grec, Grech e Gretsch.

12 Aspecto perfectivo e imperfectivo em germnico (traduo do ingls in Binnick [2006]).

13 Cf. Godoi (1992).

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H, portanto, duas posies, s quais vou me referir como a perspectiva ocidental e a perspectiva oriental, respectivamente, visto que esses nomes correspondem grosso modo distribuio geogrfica de seus adeptos.14

Para Dahl (1981), a perspectiva ocidental considera a classificao dos verbos em termos

de categorias lexicais, desde a primeira proposta de Aristteles (cf. Seo 1.3.1). Essa viso tem

modelos tericos baseados na lgica, por isso a condio de verdade fundamental. Essa via

lgica possibilita, num primeiro instante, o conceito de momento que, tendo sido debatido e

repensado por cientistas e filsofos da linguagem, foi substitudo pelo conceito de intervalo.

Alm dessas questes, h a incluso de um conceito temporal em que se insere um tempo de fala,

tempo de evento e tempo de referncia, como no modelo proposto por Reichenbach (1947).

Mesmo havendo diferentes modelos como, por exemplo o de Comrie (1976) , sempre h

um conceito temporal decorrente da presena do fator tempo no significado das formas verbais.

Ainda, os estudos ocidentais tm em comum o uso das ferramentas da semntica formal,

considerando no somente o verbo na anlise do aspecto, mas tambm outros componentes da

sentena, tais como o argumento. Por outro lado, a base dos estudos da perspectiva oriental a

noo de Aktionsart, proposta por Agrell (1908). As Aktionsarten, ou modos de ser da ao, so

entendidas como traos semnticos e so baseadas em critrios intuitivos, portanto, subjetivos.

Essa situao possibilitou a criao de listas interminveis com centenas de Aktionsarten que so

ora consideradas traos ora consideradas categorias. Essas Aktionsarten no se relacionam a um

conceito temporal. O tempo considerado um eixo que inclui apenas o tempo de fala e o tempo

de evento. Outra diferena em relao aos estudos ocidentais a centralidade do verbo, no

considerando os outros elementos da sentena para a interpretao, pois as anlises se utilizam da

psicolingustica, e no da semntica.

Em sua tese de doutorado, Godoi (1992) se prope a organizar o quadro das teorias

aspectolgicas, alm de oferecer uma definio de aspecto e dos conceitos a ele relacionados.

Primeiramente, a autora procede organizao dos estudos sobre o aspecto e a uma breve

considerao sobre os estudos aspectolgicos para a lngua portuguesa e, posteriormente, s

definies formais dos termos centrais do estudo. Assim, define aspecto como sendo a relao

estabelecida entre o tempo de evento e o tempo de referncia (p. 208). Decorrente disso, o

aspecto perfectivo e o aspecto imperfectivo so as relaes especficas de incluso mantidas

entre os dois tempos (p. 230). Embora a autora se valha da oposio perfectivo vs. imperfectivo

como critrio de anlise lingustica, ela adota a posio proposta por Dahl (1981) quanto

14 There are thus two positions, which I shall refer to as the Western and the Eastern view, respectively, since these name correspond very roughly to the geographical distribution of their adherents.

| 20

classificao dos estudos aspectolgicos, adotando as expresses tradio ocidental e tradio

oriental (p. 15).

1.2 (Im)perfectivo vs. (no) durativo

Alm do modelo exposto na Seo 1.1, h ainda um outro tipo de classificao dos

estudos aspectolgicos que leva em conta a caracterstica fundamental do aspecto como o

princpio taxionmico. Segundo Cora (1985), um grupo de estudiosos admite que a base do

aspecto a oposio durativo vs. no durativo, enquanto outro grupo considera que a

caracterstica fundamental do aspecto a distino perfectivo vs. imperfectivo, ou ainda em

outros termos, concluso vs. inconcluso. A autora se posiciona junto ao segundo grupo e postula

que considerar a durao como o fundamento do aspecto tomar a parte pelo todo, pois o trao

durativo um dos valores aspectuais. Pode-se considerar ainda os termos limitado e no-

limitado para perfectivo e imperfectivo, respectivamente (p. 70). A autora prope uma

redefinio funcional de aspecto (pp. 63, 71). A primeira definio de aspecto apresentada afirma

que ele o que h de no-ditico na categoria de tempo15. [...] propriedade apenas da sentena,

pois no se refere ao momento da enunciao (p. 61). O aspecto leva em considerao o tempo

inerente ao evento, o tempo necessrio ao seu desenvolvimento, sem implicaes com a

enunciao (p. 75). Numa definio simples, o aspecto a quantificao dos subeventos de um

evento. Subevento qualquer dos estados intermedirios de um evento, inclusive o inicial e o

terminal (p. 73). A autora ainda aborda a necessidade de se diferenciar aspecto (Aspekt) de modo

de ser da ao (Aktionsart). O modo de ser da ao uma categoria semntica e, portanto,

facultativa. Assim, o aspecto caracterizado como uma categoria gramatical e o modo de ser da

ao como uma categoria lxico-semntica (p. 65). Os contedos de ambos podem ser

semelhantes, mas a diferena marcada pelos recursos usados: processo lexical para o modo de ser

da ao e morfolgico para o aspecto (p. 66, grifo da autora). Alm disso, o aspecto uma

categoria solidria categoria tempus, no sendo antagnica (p. 75).

Em artigo que faz um levantamento histrico sobre os estudos a respeito da categoria

aspecto na lngua grega, Conti (2005) considera que, dentre os estudiosos que admitem a

existncia de uma categoria chamada aspecto, possvel reconhecer dois grupos que representam

duas tradies, utilizando como parmetro a caracterstica fundamental do aspecto. O primeiro

grupo considera que a caracterstica fundamental do aspecto a oposio duratividade vs. no-

15 Foram adotadas as terminologias tempo para o conceito temporal e tempuspara as formas gramaticais (p. 21).

| 21

duratividade. O segundo grupo atribui oposio perfectivo vs. imperfectivo a caracterstica

fundamental do aspecto16.

1.3 Primeiras intuies sobre a categoria aspecto

possvel encontrar nos gramticos gregos uma intuio das caractersticas aspectuais

expressas pelos tempos verbais. Pode-se encontrar vrios usos para o termo tempos (

khrnoi), sem propor uma definio aspectual dessas categorias. Entretanto, algumas descries

semnticas das funes dos tempos verbais podem ser intrinsecamente aspectuais, levando-se em

conta a oposio entre um trao de durao e um de completamento17, contrapondo os temas do

presente, do aoristo e do perfeito, e considerando que tema o radical que permite a insero

imediata de elementos de flexo. , em geral, constitudo pela raiz e um ou vrios morfemas

(Lorente Fernndez, 2003, p. 359)18.

1.3.1 Aristteles (sc. IV a.C.)

Os escritos do filsofo grego Aristteles (sc. IV a.C.) revelam que ele sempre teve uma

preocupao com o estudo da linguagem. Em vrias de suas obras possvel encontrar

formulaes de teorias lingusticas. Por exemplo, ele explora as questes biolgicas da expresso

lingustica, ou seja, a produo da fala e os rgos envolvidos nesse processo, o problema da

significao relacionado arbitrariedade e convencionalidade do signo, bem como procura

organizar um sistema que abarque os conceitos de linguagem, por meio das categorias. Assim,

importante considerar que o ponto fundamental da teoria aristotlica das categorias o

pensamento da estrutura da lngua como correspondncia da estrutura do mundo (Neves, 2005,

p. 75).

16 Importantes estudos aspectuais contemporneos tm sido desenvolvidos pela atuao do grupo internacional de pesquisa sobre o aspecto verbal no grego antigo que, desde 1992, rene vrios estudiosos no Centre de Recherche en Syntaxe et Smantique du Grec ancien, na Universidade de Saint-tienne, dentre os quais J. Lallot, B. Jacquinod, F. Lambert, L. Basset, A. Culioli, Y. Duhoux.

17 possvel encontrar essa noo explicitada em Apolnio Dscolo (ver Seo 1.3.3).

18 radical qui permet linsertion immdiate des lments de flexion. Il est, en gnral, constitu par la racine et un ou plusieurs morphmes.

| 22

Nesse frequente trabalho terico a respeito da linguagem, Aristteles elabora o que

considerado o primeiro estudo sobre o aspecto em sua Metafsica (IX, 1048)19. De modo geral, esta

obra um tratado ontolgico utilizo este termo aqui em sentido estrito ao domnio da

filosofia , porm possvel que se estabelea relao com o estudo da cincia da linguagem

pois, conforme Neves (2005, p. 72), para Aristteles assim como um pensamento baseado na

verdade ou na falsidade se produz na alma tambm se produz na linguagem, pois as palavras so

smbolos dos estados de alma. E assim, o filsofo faz uma distino dicotmica entre os verbos

que pode corresponder s classes aspectuais estados e processos , sendo os processos

subdivididos em kinseis (movimentos) e , enrgeiai (atividades), esquematizada

por Godoi (1992, p. 15):

Figura 1. Classes aspectuais aristotlicas

Em texto redigido na Introduo que compe a traduo da citada obra aristotlica, Calvo

Martnez (1994, p. 24, grifo do autor), esboando o pensamento do filsofo grego, comenta que

os movimentos no tm um fim imanente, ou seja, se caracterizam por possuir um fim distinto deles

mesmos [...] e, portanto, cessam uma vez que se alcana o fim para o qual esto ordenados20.

Aristteles afirma em Metafsica (IX, 1048b29): Todo movimento imperfeito: emagrecer,

aprender, andar, construir21. Trata-se de aes inacabadas ou imperfeitas. J as atividades tm

um fim inerente. Trata-se, portanto, de aes acabadas ou perfeitas. Ilari e Basso (2008, p. 264)

consideram essa classificao como a primeira sistematizao conhecida para as caractersticas

acionais do verbo. Igualmente, Binnick (1991, pp. 170-173) tambm admite o pioneirismo de

Aristteles e utiliza a expresso aspecto aristotlico (Aristotelian Aspect) para se referir s

distines propostas pelo filsofo. Contudo, traz a informao de que um modelo similar foi

19 Cf. Mourelatos (1984), Binnick (1991), Godoi (1992), Lorente Fernndez (2003) e Ilari e Basso (2008).

20 Los movimientos se caracterizan por poseer un fin distinto de ellos mismos [...] y, por tanto, cesan una vez que se ha alcanzado el fin al cual estn ordenados.

21 . psa gr knsis atels, iskhnasa mthsis bdisis

oikodmsis.

| 23

desenvolvido na ndia pelo gramtico Yska (sc. V a.C.), que redigiu uma gramtica do snscrito

num perodo um pouco anterior ao do filsofo grego.

1.3.2 Dionsio Trcio (sc. II a.C.)

A Tkhn Grammatik, cuja autoria atribuda ao alexandrino Dionsio Trcio (sc. II

a.C.), considerada a primeira gramtica do Ocidente. Trata-se de uma obra que sistematiza os

elementos da lngua grega escrita com finalidade didtica. A obra segue uma diviso interna que

compreende os elementos, as partes do discurso e as categorias gramaticais (cf. Neves, 2002, p.

36). Assim, ao tratar da questo do verbo, o gramtico encerra a seo com uma considerao

sobre a categoria tempo:

Os tempos so trs: presente, passado e futuro. Destes, o passado tem quatro variedades: o imperfeito, o perfeito, o mais-que-perfeito e o aoristo. So trs suas afinidades: do presente com o imperfeito, do perfeito com o mais-que-perfeito e do aoristo com o futuro22 (Dionisio Trcio, 13, p. 68)23.

O sistema temporal proposto pelo gramtico pode ser representado do seguinte modo:

Figura 2. Sistema temporal de Dionsio Trcio

possvel compreender que Dionsio Trcio tem uma intuio sobre o aspecto e que, em

sua obra, designado pelo termo variedades ( diaphors). Para o gramtico

22

. Khrnoi tres, enests, parellyths, mlln. totn ho parellyths khei

diaphors tssaras, paratatikn, parakemenon, hypersyntlikon, ariston: hn syngneiai tres, enesttos prs paratatikn, parakeimnou prs hypersyntlikon, aorstou prs mllonta.

23 Cp. traduo com Chapanski (2003, p. 30). Trata-se de referendada dissertao sobre o gramtico e sua obra.

| 24

alexandrino, o aspecto uma decorrncia do tempo passado. O vnculo tempo/aspecto passa a

se tornar transparente a partir do momento em que o gramtico mostra as relaes

presente/imperfeito, perfeito/mais-que-perfeito e aoristo/futuro, denominadas afinidades. A

palavra grega empregada para designar esse relacionamento syngneia a mesma

palavra utilizada para indicar relao de parentesco. O que h de comum na relao

presente/imperfeito a noo de durao; na relao perfeito/mais-que-perfeito a noo de

completamento, e na relao aoristo/futuro a indeterminao. Deste modo, as noes

expressas pelas relaes tempo/aspecto permitem que se possa afirmar que, utilizando outras

palavras, Dionsio Trcio infere uma distino de traos de natureza aspectual: trao durativo,

trao de completude e trao de indeterminao do aspecto24.

Especificamente sobre os aspectos, importante notar, como ilustrado na Figura 2, que

eles esto vinculados somente ao passado ( parellyths). Os aspectos indicados so

durativo ( paratatiks), completado ( parakemenos), completado no

passado ( hypersyntlikos) e indeterminado ( aristos)25. De maneira

sucinta, Dionsio Trcio aponta caminhos para se pensar o tempo e o aspecto a partir das

relaes que eles estabelecem entre si.

1.3.3 Apolnio Dscolo (sc. II d.C.)

Ao tratar da questo dos tempos verbais, Apolnio Dscolo (sc. II d.C) d continuidade

s teorias dos estoicos. O gramtico alexandrino escreveu mais de trinta tratados gramaticais dos

quais, somente quatro chegaram at ns. As obras so: Da sintaxe ( Per

syntxes), Do pronome ( Per antnymas), Dos advrbios ( Per

epirrmtn) e Das conjunes ( Per syndsmn). A obra Da sintaxe o grande

tratado na qual esto reunidas as ideias desenvolvidas nas outras obras do autor. Mesmo sob uma

base filosfica, Apolnio Dscolo inova ao proceder a uma investigao lingustica levando em

conta os fatos da lngua comum, em oposio ao uso potico, sistematizando regras e princpios

por meio de analogia e oferece uma completa descrio gramatical da lngua grega de sua poca.

24 Cp. com o sistema aspectual de Castilho (1968). Ver Seo 1.5.2.

25 Para uma discusso sobre as terminologias e tradues mais adequadas, ver Chapanski (2003, pp. 63-64, n. 81-87, e pp. 160-164).

| 25

H um excerto da obra Da sintaxe (2.2.97.11-15) no qual o gramtico expressa sua percepo a

respeito da nuana aspectual.

Uma ordem est direcionada para um acontecimento perfectivo ou imperfectivo, passvel de rejeio com o futuro: imperfectivo, como em: Que se cave as vinhas, e perfectivo: Que se tenha cavado as vinhas.26

Comparando o imperativo presente e o imperativo aoristo, o gramtico conclui que as

diferenas de uso se devem a uma noo de durao ( partasis) e de completamento

( syntleia).

1.4 Aspecto verbal em gramticas de ensino da lngua grega

Nesta seo, eu me proponho a traar um panorama do tratamento dado, pelas

gramticas dedicadas ao ensino da lngua grega antiga, ao estudo do aspecto verbal,

compreendendo um perodo de cento e vinte e dois anos, classificadas em ordem cronolgica

crescente, tendo como critrio a data de publicao da primeira edio de cada obra*. Esse tipo de

levantamento possibilita construir um recorte diacrnico sobre o tema, assim como aplicar o

mtodo comparativo. Para estabelecer a comparao entre as obras, foram escolhidos quatro

critrios de identificao: (i) definio; (ii) tratamento terico; (iii) categorizao; (iv) designao

terminolgica27.

1.4.1 Alpheus Crosby (1841)

Em sua gramtica, o autor opera com o conceito de aspecto, embora no oferea

nenhuma definio. O conceito de aspecto no pertence a uma categoria parte, mas uma

subdiviso da categoria tempo. admitida a existncia de seis tempos (tenses) presente,

imperfeito, futuro, aoristo, perfeito e mais-que-perfeito. O aspecto tratado como uma maneira

26

eis t gnesthai on gensthai h

prstaksis gnetai, apophaskomn met ts to mllontos ennoas, eis mn partasin, skaptt ts amplous, eis d syntelesin, skapst ts amplous.

* As citaes das gramticas gregas no esto acompanhadas da indicao ano/pgina porque estou considerando as informaes constantes nas referncias.

27 O levantamento exposto nesta seo o resultado escrito da comunicao intitulada De Crosby a Guiraud: um sculo de aspecto verbal em gramticas gregas, que apresentei no V Encontro de Iniciao Cientfica em Estudos Clssicos ocorrido no perodo de 18 a 21 de agosto de 2008, na UNESP, Faculdade de Cincias e Letras, Cmpus de Araraquara.

| 26

de se classificar esses tempos, ou seja, diz respeito relao que a ao cria com o tempo (grifo

do autor)28. H trs tipos de relaes denotadas pelos tempos (tenses) que so chamados de

definido (definite), indefinido (indefinite) e completo (complete) e correspondem, respectivamente, aos

pares temporais presente/imperfeito, aoristo/futuro e perfeito/mais-que-perfeito.

Figura 3. Classificao temporal de Crosby

1.4.2 Georg Curtius (1846)

Ao tratar da questo do emprego do tempo (temps), o gramtico faz uma distino entre

grau (degr) e espcie (espce). Essa distino equivale s noes de tempo e aspecto. Para Curtius,

o tempo tem trs graus passado, presente e futuro que se relacionam com o momento da

fala. O aspecto identificado pelo termo espcie e definido como as fases da realizao da

ao29, divididas em trs: (i) a durao (dure), indicada pelas formas do radical do presente; (ii) o

incio (commencement), indicado pelas formas do radical do aoristo, e; (iii) a culminncia (achvement),

indicada pelas formas do radical do perfeito.

Figura 4. Distino temporal de Curtius

28 to the relation which the action bears to the time.

29 les phases de laccomplissement de laction

| 27

1.4.3 Ernst Koch (1869)

O gramtico trabalha com o conceito de aspecto e traz uma novidade: tanto tempo como

aspecto pertencem categoria tempo, mas o tempo ditico decorrente da noo aspectual. O

termo para aspecto tempo (temps) e est expresso nas formas verbais, especificamente nos

radicais. Assim, h trs aspectos expressos pelos trs radicais puro (pure), presente (prsent) e

perfeito (parfait) , definidos como maneiras de conceber a ao do verbo30. Os tempos

gramaticais passado, presente e futuro so chamados de espcies de tempos (espces du

temps). No radical puro est expressa ideia de durao e, s vezes com a ideia de comeo; no

radical do presente h a ideia de durao, e; no radical do perfeito est expressa a ideia de estado

resultante da ao completada31.

Assim, o autor condensa esses conceitos didaticamente no quadro seguinte:

Presente Passado Futuro

Radical puro

Aoristo

Futuro

Radical do presente

Presente

Imperfeito

Radical do perfeito

Perfeito

Mais-que-perfeito

Futuro anterior

Quadro 1. Agrupamento de tempos por modo de formao e significao de Koch

1.4.4 Alexis Chassang (1872)

O gramtico faz uma distino entre dois tipos de tempos, porm essa diferena no se

refere a tempo e aspecto. Na realidade, trata-se de uma oposio entre passado vs. no passado,

contudo, possvel notar que h tanto conceito temporal como conceito aspectual expressos

indistintamente no tratamento terico. H os tempos principais (temps principaux), compostos pelo

presente, pelo futuro e pelo perfeito, que indicam os diversos momentos da durao32, e os

30 manires de concevoir laction du verbe.

31 ltat rsultant de laction accomplie.

32 les divers moments de la dure.

| 28

tempos secundrios (temps secondaires), compostos pelo imperfeito, pelo aoristo e pelo mais-que-

perfeito, que indicam diversas nuanas do passado33 e se distinguem morfologicamente dos

tempos primrios pelas desinncias e o aumento temporal. De fato, no h explicitamente o

termo aspecto, porm a noo de durao contida nos tempos principais uma caracterstica

aspectual. Ao tratar sobre o tempo presente, o gramtico afirma que os diferentes modos do

presente servem tambm ao imperfeito34, ou seja, h uma percepo do trao imperfectividade.

Porm, ao tratar do imperfeito, afirma que se refere a um tempo do passado que indica uma ideia

de simultaneidade com uma outra ao35, considerando, assim, a caracterstica temporal.

Figura 5. Emprego dos tempos de Chassang

1.4.5 loi Ragon (1889)

A gramtica de Ragon, dentre as gramticas analisadas at este momento, a primeira que

trata de maneira sistemtica do aspecto. Ainda assim, o aspecto no considerado uma categoria

independente, mas continua como uma subdiviso da categoria tempo. No h uma definio de

aspecto (aspect) ; este tratado como uma das noes expressas pela categoria tempo (temps) a

outra noo chamada de momento (moment). O tempo exprime uma noo de (i) momento no

qual a ao se situa36 que abarca o passado, o presente e o futuro; e tambm exprime a noo de

aspecto segundo o qual a ao se apresenta37. Assim, h trs aspectos que correspondem aos

temas do (i) aoristo, para exprimir a ao pura e simples, sem nenhuma nuana de durao38;

33 qui indiquent diverses nuances du pass.

34 les diffrents modes du prsent servent aussi limparfait.

35 simultanit avec une autre action.

36 o laction se situe.

37 selon lequel laction se prsente.

38 pour exprimer laction pure et simple, sans aucune nuance de dure.

| 29

do (ii) presente, para exprimir a ao se desenrolando39, e; do (iii) perfeito, para exprimir o

estado que resulta da ao acabada40.

Utilizando os exemplos dados por Ragon, elaborei o seguinte quadro com os verbos em

grego, em francs (traduo do gramtico) e em portugus (traduo minha a partir do francs):

Grego Francs Portugus

Aoristo mourir

il mourut

morrer

ele morreu

Presente tre en train de mourir

il se meurt

estar morrendo

ele est morrendo

Perfeito 41

tre mort

il est mort

estar morto

ele est morto

Quadro 2. Trs temas verbais do verbo elaborados por Ragon (com tradues)

A partir dos conceitos expostos por Ragon, em sua gramtica, possvel esboar um

diagrama que contemple os tpicos principais das ideias do gramtico em relao a tempo e

aspecto, tal como elaborei nas sees anteriores.

Figura 6. Noes expressas pela categoria tempo de Ragon

1.4.6 Joseph Wright (1912)

Esta obra segue a forte influncia da poca exercida pelos estudos comparatistas, ou seja,

o estudo da lngua grega realizado pelo gramtico desenvolvido levando-se em conta os dados

39 pour exprimer laction en train de se drouler.

40 pour exprimer ltat qui rsulte de laction acheve.

41 Esta forma pode ser tanto a 3sg perf ind at como a 2sg perf imperat at. Considerei apenas a primeira delas na traduo.

| 30

lingusticos obtidos a respeito do indo-europeu (na obra chamada de indo-germnico).

considerado que a categoria tempo (tense) foi desenvolvida num perodo posterior e que as lnguas

expressavam aspecto. No entanto, influenciado pelos estudos aspectolgicos da poca, Wright

no utiliza o termo aspecto, mas Aktionsart (lat. actio verbi), que significa modo ou maneira da

ao42 e que, segundo o gramtico, serve para marcar a diferena entre ao momentnea e ao

durativa. A Aktionsart dividida em cinco tipos: (i) ao momentnea, perfectiva ou aorstica

(momentary, perfective or aoristic) quando praticamente completada no momento em que ela se

inicia43; (ii) ao cursiva, durativa ou imperfectiva (cursive, durative or imperfective) quando denota

ao contnua sem qualquer referncia ao seu incio ou fim44; (iii) ao perfeita (perfect) quando

denota um estado do sujeito que resulta de uma ao anterior45; (iv) ao iterativa (iterative)

quando consiste de atos repetidos46; (v) ao terminativa (terminative) quando indica o incio ou

o fim de uma ao47

Figura 7. Tipos de Aktionsart de Wright

1.4.7 Herbert Smyth (1916)

Em sua gramtica grega, Smyth faz um amplo estudo sobre os usos dos tempos e

aspectos verbais. Para o gramtico, o passado, o presente e o futuro so tempos absolutos e,

tambm, tempos relativos. Os tempos absolutos expressam seu prprio valor, enquanto os

tempos relativos denotam a relao de um tempo com um outro tempo, indicando anterioridade,

simultaneidade ou posterioridade. O tempo (tense) chamado de tempo de uma ao (time of an

action) ou tipo de tempo (kind of time), e o aspecto chamado de estgio da ao (stage of

action). O presente expresso pelo presente e pelo perfeito; o passado expresso pelo imperfeito,

42 mode or manner of the action.

43 when it is pratically completed at the moment it begins.

44 when it denotes continuous action without any reference to its beginning or end.

45 denotes a state of the subject which has resulted from a previous action.

46 when it consists of repeated acts.

47 when indicates the beginning or the end of the action.

| 31

pelo aoristo e pelo mais-que-perfeito; e o futuro expresso pelo futuro e pelo futuro perfeito.

Essas formas verbais no expressam somente tempo, mas tambm aspecto (estgio da ao) por

meio de seus temas verbais. O autor considera a existncia de quatro temas verbais: presente,

perfeito, aoristo e futuro. A distribuio dos temas se d da seguinte forma:

Figura 8. Sistema aspectual de Smyth

O tema do presente denota uma ao continuada (continued action) pelas formas do

presente, imperfeito e futuro. O tema do perfeito denota ao completada com resultado

permanente48 pelas formas do perfeito, mais-que-perfeito e futuro perfeito. O tema do aoristo e

o tema do futuro denotam ao simplesmente levada a efeito49. O aoristo denota tempo

pretrito no modo indicativo, mas mesmo no indicativo, possvel que um tempo verbal tenha

um valor diferente do tempo fsico (actual time). Assim, o usurio da lngua pode se utilizar do

aoristo para se expressar sobre um evento que ainda no ocorreu50.

O gramtico procura tornar visualizveis as explicaes sobre os fenmenos aspectuais

que ocorrem nas sentenas. Para mostrar a oposio entre os temas do presente e do imperfeito

(aspecto imperfectivo) e o tema do aoristo (aspecto perfectivo), ele afirma que o imperfectivo

pode ser representado por uma linha, ao longo da qual progride uma ao51, e o perfectivo

pode ser representado como um ponto sobre a linha (tanto o ponto de partida como o ponto

final)52.

Smyth afirma: O imperfeito e o aoristo geralmente ocorrem na mesma passagem; e a

escolha de um ou de outro geralmente depende da maneira pela qual o escritor pode visualizar

48 completed action with permanent result.

49 action simply brought to pass.

50 an event that has not yet occurred.

51 may be represented by a line, along which an action progresses.

52 a point on the line (either starting point or end).

| 32

uma dada ao53. especialmente interessante notar que um gramtico do final do sculo XIX

tenha feito asseveraes com tanta similaridade conceitual em relao aos modernos tratados

lingusticos, tais como a definio da categoria aspecto de Comrie (1976) e a teoria da escolha

aspectual elaborada por Smith (1983).

1.4.8 Paul Crouzet et alii (1926)

Nesta gramtica, os autores no se detiveram em nenhum tipo de elaborao que pudesse

apontar ao consulente as razes pelas quais os tempos esto distribudos. No h nem mesmo

uma categorizao de tempo, muito menos classificao e definio. A proposta dos autores

bem simples, ou seja, o ttulo da seo traz Empregos dos tempos (Emplois des temps) e os

subttulos so os tempos divididos em trs grupos: (i) presente, imperfeito e futuro; (ii) aoristo;

(iii) perfeito, mais-que-perfeito e futuro anterior. O primeiro grupo subdividido em (1) presente

e imperfeito de tentativa (prsent et imparfait deffort), que marcam uma ao em formao54; (2)

presente e imperfeito histricos (prsent et imparfait historiques), que numa narrativa, emprega-se o

presente, no lugar do aoristo55; (3) imperfeito habitual (imparfait dhabitude), que se emprega,

portanto, para exprimir a prtica ou a repetio de um fato no passado56. O segundo grupo

subdividido em (1) aoristo incoativo (aoriste inchoatif), que exprime um estado [que] comeou no

passado57; (2) aoristo gnmico (aoriste gnomique), que exprime uma verdade geral baseada em

experincias anteriores58. O terceiro grupo no apresenta subdivises.

53 The imperfect and aorist often occur in the same passage; and the choice of the one or the other often depends upon the manner in which the writer may view a given action.

54 marquent une action en train de se faire.

55 dans un rcit, on emploie le prsent, au lieu de laoriste.

56 semploie par suite pour exprimer lhabitude ou la rptition dun fait dans le pass.

57 tat [qui] a commenc dans le pass.

58 une verit gnrale fonde sur des expriences antrieures.

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Figura 9. Empregos dos tempos de Crouzet et alii

1.4.9 Carl Buck (1933)

O gramtico bastante sucinto no tratamento dos tempos (tenses). Ele afirma que na

protolngua (parent speech) os tempos serviam para denotar diferenas no aspecto da ao e, em

certa medida, diferenas de tempo tambm59. Considera que o termo aspecto foi aplicado

primeiramente para tratar do sistema verbal das lnguas eslavas, mas difcil de ser definido com

preciso. Assim, no d nenhuma definio de aspecto, mas afirma que as diferenas dos temas

temporais (tense stems) indicam aspecto. Os temas temporais so divididos em trs e tm suas

representaes na morfologia verbal: (i) tema do presente indica uma ao em curso, situao60,

representado pelo presente do indicativo e pelo imperfeito do indicativo; (ii) tema do aoristo que

indica ao momentnea [...] ou, em suma, ao visualizada sem referncia durao61,

representado pelo aoristo do indicativo; (iii) tema do perfeito que indica ao completada62,

representado pelo perfeito do indicativo.

59 served to denote differences in the aspect of the action, and to some extent also differences of time.

60 action going on, situation.

61 momentary action [...] or action viewed in summary without reference to duration.

62 completed action.

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Figura 10. Aspecto indicado pelos temas temporais de Buck

1.4.10 Charles Guiraud (1967)

Nesta gramtica, o autor procura mostrar o desenvolvimento do sistema verbal do grego

antigo desde o indo-europeu. Ele afirma que os temas verbais estavam divididos de acordo com a

primazia da categoria aspecto e que a oposio aspectual entre os temas do presente, aoristo e

perfeito j se encontravam materializados no jogo de alternncias da raiz indo-europeia63. Por

exemplo, no presente aparece o vocalismo e da raiz *leikw-; no perfeito aparece o

vocalismo o da raiz *loikw-; e no aoristo pode-se notar o vocalismo zero da raiz *likw-. O

aspecto definido como uma noo bastante subjetiva, relativa ao desenvolvimento da ao verbal

(grifo do autor)64 e, no grego, se distingue no (i) presente, que registra um processo em curso de

desenvolvimento65; no (ii) aoristo, que expressa o fato puro e simples66; e no (iii) perfeito, que

expressa um estado resultativo67. Diferente dos outros gramticos citados, Guiraud considera

que haja uma categoria aspecto independente da categoria tempo.

Figura 11. Sistema aspectual de Guiraud

63 sest trouve matrialise dans le jeu dalternances de la racine indo-europenne.

64 une notion assez subjective, relative au dveloppement de laction verbale.

65 note un procs en cours de dveloppement.

66 le fait pur et simple.

67 un tat acquis.

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Retomando o que eu havia anunciado no incio desta seo, o objetivo de elencar essas

obras era estabelecer uma comparao entre elas, utilizando quatro critrios de identificao: (i)

definio; (ii) tratamento terico; (iii) categorizao; (iv) designao terminolgica. Para melhor

visualizao dos itens e das obras comparados, vou compor um quadro contendo as obras e os

critrios, marcando com um x os critrios que foram preenchidos na anlise das obras.

Definio Teoria

Categoria Termo

Tempo Aspecto

Crosby (1846) x x . x

Curtius (1868) x x x . x

Koch (1868) x x x . x

Chassang (1872) x x .

Ragon (1889) x x .

Wright (1912)68 x . x x

Smyth (1916) x x . x

Crouzet et alii (1926) x x .

Buck (1933) x x x

Guiraud (1967) x x . x x

Tabela 1. Sntese comparativa entre as gramticas gregas e os critrios de identificao

Para evitar generalizaes, a comparao que fiz entre gramticas levou em conta quatro

diferentes critrios, pois como afirma Coseriu (1987, p. 53): No se deve confundir definio

operao que se refere a conceitos com classificao, que sempre uma operao do tipo

existencial, mesmo quando se trata de objetos que so produtos de uma abstrao69. Alm disso,

Halliday (1974, pp. 25-27) afirma que a terminologia tcnica obrigatria em qualquer estudo

lingustico, porm o termo no mais importante que o conceito, ou seja, a validade da categoria

e sua correta definio.

68 Embora eu tenha colocado que Wright (1912) leva em considerao a categoria aspecto, em sua obra o autor adota o termo Aktionsart que distinto de aspecto e pertence categoria lexical. Contudo, o conceito expresso pelo gramtico aspectual. A distino aspecto vs. Aktionsart tratada na Seo 1.5.

69 No hay que confundir la definicin operacin que se refere a conceptos con la clasificacin, que es siempre una operacin de tipo existencial, aun cuando se cumpla con objetos que son producto de una abstraccin

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1.5 Estudos lingusticos sobre a categoria aspecto

1.5.1 John Lyons (1968)

O linguista define primeiramente a categoria tempo como uma categoria ditica, sendo

esta simultaneamente uma propriedade da frase e do enunciado (1979, p. 320)70. Considera que

a caracterstica essencial do tempo a relao estabelecida entre o tempo da ao, do

acontecimento ou do estado referidos na frase ao momento do enunciado, que o agora e

expressa por contrastes gramaticais sistemticos. As gramticas greco-latinas apresentam essas

oposies como ocorrendo entre o passado vs. presente vs. futuro, porm o tempo gramatical

admite categorizaes, por isso no ocorrem somente essas oposies. Pode-se admitir as

oposies passado x no-passado, agora x no-agora, ou ainda prximo x no-prximo x

remoto, tomando por base uma noo de proximidade.

Para Lyons, o aspecto no uma categoria ditica, diferentemente da categoria tempo, e

no se refere ao momento da enunciao, mas distino entre o perfectivo e imperfectivo,

considerando-se respectivamente a noo de acabamento e durao, relacionando com o

contorno ou distribuio temporal de uma ao, acontecimento ou estado de coisas (apud

Hockett, 1958, p. 237)71. O linguista admite que noes como iterativo, pontual, habitual,

incoativo so distines abarcadas pela categoria aspecto. Tempo e aspecto se fundem porque

certas noes podem ser classificadas tanto em uma como em outra categoria e, alm disso, as

distines devem ser feitas analisando-se as oposies sistemticas morfolgicas, sintticas e

semnticas. O autor admite distino entre gramatical (expresso por flexo ou partculas) e lexical

(expresso por advrbios ou locues adverbiais) para essas categorias.

Para Lyons, o sistema aspectual do grego admite uma oposio de trs termos (perfectivo,

imperfectivo e aoristo), resultante da oposio binria perfectivo vs. no perfectivo e durativo vs.

no durativo. O perfectivo o termo marcado em relao ao imperfectivo e o imperfectivo o

termo marcado em relao ao aoristo, sendo o aoristo o termo no marcado em relao ao

perfectivo e ao imperfectivo. Para ilustrar a oposio, o linguista cita Plato, Crton, 46a:

70 O ano de 1968 se refere primeira edio publicada pelo autor, em ingls, e 1979, ao ano da publicao da obra traduzida para o portugus.

71 Smith (1983, p. 480) chama a ateno para o fato de que esse contorno temporal no deve somente levar em conta a variedade de significados(range of meanings), mas tambm no deve deixar de fora o elemento de escolha (element of choice) feita pelo falante da lngua.

| 37

, oud bouleesthai (imperfectivo) , ti ra all

beboulesthai (perfectivo). E sugere a seguinte traduo para o ingls: Now is no time to be deciding,

but to have already decided (1968, p. 314), Agora no tempo para estar decidindo, mas de j ter

decidido (1979, p. 330, traduo de Mattos e Silva & Pimentel). Assim, o perfectivo mostra o

estado resultante da ao ou processo realizado completamente e o imperfectivo indica que se

estava ainda em processo de tomar uma deciso. E o linguista afirma que se fosse usada a forma

, boulesasthai (aoristo), no haveria nenhuma indicao se a ao seria

momentnea ou no.

1.5.2 Ataliba Castilho (1968)

A tese de doutorado do autor, a primeira obra dedicada ao estudo do aspecto verbal na

lngua portuguesa, apresenta o conceito de que o verbo a palavra que pode exprimir as

modalidades de um processo ou estado (tempo, durao, etc.) por meio de mudanas da forma.

E complementa citando Pohl (1959, p. 31,): O conceito expresso pelo verbo pode ser

dimensionado de diferentes formas atravs das categorias verbais, em nmero de seis: aspecto,

tempo, modo, voz, pessoa e nmero. (p. 13, grifo do autor). O autor admite a relao entre

tempo e aspecto, assim se utiliza da teoria de Reichenbach (1947) para a definio de tempo.

O ponto de partida do autor de que o aspecto uma categoria lxico-sinttica, pois

considera que o sentido expresso pela raiz verbal e elementos sintticos, tais como, adjuntos

adverbiais, complementos e tipo oracional, interagem no trabalho de caracterizao do aspecto

verbal. Dessa maneira, define o aspecto como a viso objetiva da relao entre o processo e o

estado expressos pelo verbo e a ideia de durao ou desenvolvimento (p. 14). E de modo

sinttico, complementa que aspecto a representao espacial do processo (p. 14).

A partir dessas definies, o autor aponta a existncia de quatro valores aspectuais que

estabelecem correspondncia a quatro aspectos. Os valores aspectuais so a durao, o

completamento, a repetio e a neutralidade. Os aspectos determinados por esses valores

aspectuais so respectivamente o imperfectivo, o perfectivo, o iterativo e o indeterminado.

Cada um dos aspectos expressam noes decorrentes da noo fundamental de ao

denominadas variantes. O aspecto imperfectivo apresenta trs variantes: inceptivo, cursivo e

terminativo. O aspecto perfectivo apresenta trs variantes: pontual, resultativo e cessativo. O

aspecto iterativo apresenta duas variantes: imperfectivo e perfectivo. O aspecto indeterminado

| 38

no apresenta variantes como o prprio termo justifica. Deste modo, para sintetizar os conceitos

apresentamos o seguinte grfico:

Figura 12. Sistema aspectual de Castilho (1968)

1.5.3 Bernard Comrie (1976)

Em sua obra intitulada Aspect (1976), tempo e aspecto esto em permanente relao. Os

conceitos apresentados pelo linguista ainda hoje tem relevncia nos estudos aspectolgicos.

Trata-se de uma obra antolgica na qual o autor se utiliza de uma quantidade enorme de dados,

provenientes de vrias lnguas, para formular e apresentar conceitos relacionados sua teoria

aspectual. Dessa maneira, a quantidade e a qualidade desses dados que servem de base para a

formulao terica proporcionam uma base bastante slida para as asseres presentes na obra.

Assim, o autor considera que aspectos so as diferentes maneiras de se visualizar a constituio

temporal interna de uma situao (p. 3)72. A partir desta definio, admite a existncia de trs

aspectos: perfectivo, imperfectivo e perfeito. A oposio perfectivo vs. imperfectivo considerada

fundamental para se tratar da questo aspectual. Os trabalhos posteriores se utilizam dessa

oposio como ponto de partida para os conceitos sobre aspecto. Comrie afirma que a

perfectividade indica a visualizao de uma situao com um todo nico, sem distino das

vrias fases separadas que compem essa situao (p. 16)73. Em oposio, o imperfectivo d

72 aspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situation.

73 perfectivity indicates the view of a situation as a single whole, without distinction of the various separate phases that make up that situation.

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uma ateno especial estrutura interna da situao (p. 16)74. O perfeito relaciona determinado

estado a uma situao anterior (p. 52)75 .

Em relao distino entre aspecto e Aktionsart, o linguista formula duas maneiras de

proceder diferenciao. Numa primeira abordagem, o aspecto trata de distines semnticas

relevantes de gramaticalizao e a Aktionsart de distines de lexicalizao76. A segunda

abordagem idntica, porm as distines so lexicalizadas por meio de morfemas derivacionais.

Muitos estudiosos se utilizam da teoria de tempo de Reichenbach (1947) no

desenvolvimento de suas teorias aspectuais. No entanto, Comrie (1985) procurou formular sua

prpria teoria temporal. A diferena bsica entre as duas teorias que Comrie exclui o tempo de

referncia, considerando que os tempos absolutos, ou seja, passado, presente e futuro, devem ser

representados por apenas dois pontos temporais: o tempo da fala e o tempo do evento. Comrie

tambm considera as relaes de simultaneidade, anterioridade e posterioridade, mas o ponto de

referncia para que se possa localizar uma situao no tempo o presente.

1.6 Estudos lingusticos sobre a categoria aspecto no grego antigo

1.6.1 Porter (1989)

Porter rejeita todo valor temporal ao verbo grego em seu estudo sobre o aspecto no

Novo Testamento: ele no quer atribuir qualquer valor temporal s formas verbais gregas. As

formas ditas temporais exprimem apenas o aspecto, que a escolha racional e subjetiva do autor

da concepo de um processo e a determinao temporal se opera a partir de fatores diticos

contextuais e sua interao com a gramaticalizao semntica do verbo (o aspecto verbal). Para

ele, h trs aspectos que so o perfectivo (que corresponde ao tema do aoristo), o imperfectivo

(que corresponde ao tema do presente) e o estativo (que corresponde ao tema do perfeito).

A existncia, no indicativo, do presente histrico e do aoristo gnmico mostra que tanto

o tema do presente como o do aoristo no tm o mesmo valor temporal no indicativo. Mesmo o

74 the imperfective pays essential attention to the internal structure of the situation.

75 relates some state to a preceding situation.

76 Uma crtica feita por alguns estudiosos a de que a maneira como essas distines so lexicalizadas no levada em considerao pelo autor.

| 40

imperfeito no seria um passado e ele se distingue do presente pelo trao semntico remoto.

De igual modo, o mais-que-perfeito tem tambm esse trao remoto em face do perfeito.

Quanto ao futuro, ele lhe d o trao semntico expectativa, um trao que no nem temporal,

nem aspectual, nem modal.

O autor recusa tambm a teoria da Aktionsart, aquela que quer definir objetivamente a

ao do verbo e que no est baseada em critrios morfolgicos. Para ele, no h meio de

caracterizar a ao objetivamente, porque o sujeito falante tem uma visualizao do processo que

sempre subjetiva e mostra uma perspectiva entre todas as outras que o processo poderia

admitir. Por consequncia, a caracterizao do processo sempre arbitrria77. Para o autor,

igualmente, tudo aquilo que uma gramaticalizao exceto a morfolgica estranho aos

estudos do aspecto, e ele critica o fato de que a teoria da Aktionsart rene, em diferentes

categorias descritivas, formas similares sem qualquer base morfolgica.

Da em diante, seguindo seu estrito critrio morfolgico, Porter prope uma terminologia

funcional das formas verbais. Ele estabelece um sistema de oposies: a oposio principal se

estabelece entre o perfectivo (tema do aoristo) e o no perfectivo, e no no perfectivo h ainda

uma suboposio entre estativo (tema do perfeito) e imperfectivo (tema do presente). A primeira

oposio (aspecto 1, na terminologia de Porter) feita a partir da diferena entre o verbo

denotando ou no a ao e ela no se baseia nos fatos de modos de ao: exprimir modos de

ao, tais como ingressivos, efetivos, constativos ou complexivos no tem base morfolgica e,

portanto, essas noes ficam fora dos estudos do aspecto.

1.6.2 Fanning (1990)

Fanning comea por fazer uma distino entre o aspecto e a Aktionsart: para ele a

Aktionsart mostra os fatos externos e objetivos da ao, a maneira como a ao realmente

aconteceu e exprimiu normalmente de uma maneira lexical. Por outro lado, o aspecto mostra a

concepo subjetiva do autor e se exprime em geral de uma maneira gramatical.

A diferenciao entre objetivo e subjetivo para distinguir aspecto e Aktionsart no de

todo absoluta, isto quer dizer que a Aktionsart implica um certo grau de subjetividade, e que a

subjetividade ou liberdade terica de escolha do aspecto est tambm s vezes muito limitada por

77 No confundir com a arbitrariedade do signo saussuriana, pois aqui justamente o contrrio.

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diferentes motivos. Apesar disso, Fanning acredita que semanticamente essas duas categorias

devem permanecer separadas.

O autor considera dois tipos de oposies: a oposio privativa (termo positivo, negativo

ou neutro) e a oposio equipolente (com dois termos marcados) que pode ser contraditria (sem

gradao), contrria (com gradao) e mista (com os dois termos marcados, mas por diferentes

valores sem um trao comum fundamental). Quanto aos aspectos, esses mostram um contraste

claro, como, por exemplo, a oposio do aoristo e do imperfeito, todos os dois so marcados

positivamente; contudo no necessrio que um seja o correspondente negativo ou neutro do

outro. necessrio estabelecer o sentido invarivel do aspecto e, para Fanning, este se destaca do

ponto de vista que adota o sujeito para com a ao, porm, importante estudar o aspecto em

interao com outros elementos que se sobressaem queles que so puramente gramaticais.

Como definio, Fanning prope esta: o aspecto a categoria da gramtica do verbo que

reflete o foco ou o ponto de vista do sujeito em relao ao ou condio que descreve o

verbo. Portanto, o aspecto uma categoria subjetiva na medida em que o sujeito pode

representar os fatos com diferentes aspectos, mas esta escolha subjetiva dos aspectos no

frequente porque a natureza da ao, seja do processo verbal (fator lexemtico), seja da frase

verbal (fator sintagmtico), pode restringir a maneira como uma ao pode ser visualizada.

Aqui est como Fanning estuda os aspectos em particular. O valor do aoristo

complexivo, pois esse aspecto apresenta um evento visto como um todo desde seu comeo at o

seu fim. Assim, este olhar sobre o aoristo se faz do exterior, sem referncia estrutura interna do

processo. Os outros valores que adquire o aoristo tais como ingressivo, completo (perfectivo),

instantneo aparecem da combinao do tema do aoristo com os fatores lexemticos ou

sintagmticos.

Por sua vez, o aspecto do presente considera o evento (sua estrutura interna) sem levar

em conta nem seu incio nem seu fim.

O valor do aspecto do perfeito contm trs traos diferentes. Primeiro, do ponto de vista

da Aktionsart, ele comporta o trao de estaticidade, em seguida, do ponto de vista temporal, ele

comporta uma dupla referncia ao passado e ao presente e, finalmente, do ponto de vista

aspectual, ele compartilha o mesmo aspecto com o aoristo no que se refere ao ponto inicial.

por tudo isso que o perfeito uma categoria complexa. Seu lugar no sistema aspectual

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secundrio porque ele tem um valor aspectual igual ao aoristo e traos significativos que no so

aspectuais. O futuro para Fanning no um tema aspectual mas temporal.

1.6.3 Yves Duhoux (1991)

Em sua obra Le verbe grec ancien78, Duhoux apresenta um amplo estudo sobre a estrutura e

o funcionamento do sistema verbal no grego antigo, no qual monta um grande quadro

diacrnico, desde o indo-europeu. O autor concentra o exame sinttico sobre alguns

componentes do sistema, tais como tempo, modo, voz, aspecto. As descries morfolgicas e

sintticas no so dissociadas, mas operam em conjunto para se alcanar um alto ndice de

refinamento na pesquisa. Essas descries so realizadas sob uma perspectiva estruturalista. O

autor se utiliza de corpora com mais de 100.000 formas verbais. Na quinta parte da obra so

apresentadas definies da temporalidade e do aspecto, mostrando a necessidade de se adotar

uma terminologia que faa uma distino entre categoria lingustica e realizaes lingusticas, que

podem ser morfolgicas ou lexicais. Deste modo, o termo utilizado para exprimir

morfologicamente o desenvolvimento do processo aspecto (aspect). Para o autor, o aspecto a

considerao interna do desenvolvimento do processo e, alm disso, uma categoria subjetiva,

distinguido em trs aspectos: progressivo (progressif), pontual (ponctuel) e de estado (tat). O aspecto

progressivo leva em conta o meio da realizao do processo, expresso pelo tema do presente. O

aspecto pontual considera as etapas do processo (comeo, meio, fim) em bloco, como um nico

ponto, visualizando o processo como um fato puro e simples, expresso pelo tema do aoristo. O

aspecto de estado mostra claramente que o incio ou o fim da realizao do processo escoa num

resultado, expresso pelo tema do perfeito. J o termo que exprime lexicalmente o

desenvolvimento do processo u