o Ativismo Judicial Mal Compreendido Luiz Werneck
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CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/JULHO E AGOSTO DE 2008
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WERNECK VIANNA, Luiz. O ativismo judicial mal compreendido. Boletim CEDES [on-line], Rio de
Janeiro, julho e agosto de 2008, pp. 03-05. Acessado em: (...) Disponível em: http://www.cedes.iuperj.br.
ISSN: 1982-1522.
O ATIVISMO JUDICIAL MAL COMPREENDIDO
Luiz Werneck Vianna1
Faz tempo que a afirmação do Poder Judiciário na cena política brasileira não é
mais objeto de controvérsia, fato reconhecido por analistas de diversas procedências
ideológicas e pelos partidos políticos. Nada mais natural, uma vez que a Carta de 1988
definiu este Poder como um lugar estratégico a fim de que os princípios e os direitos
fundamentais nela previstos ganhassem condições de eficácia, impondo inclusive
limites à expressão da vontade majoritária quando viesse desalinhada da vontade geral
consubstanciada no seu texto. A chamada judicialização da política deve sua origem
tanto ao legislador constituinte quanto à cidadania que, progressivamente, foi se
apropriando, em suas práticas, dos novos institutos criados pela Carta, e não, como em
outros contextos nacionais, pelo ativismo dos seus magistrados. Aqui, por várias
razões, entre as quais o peso de uma formação positivista na cultura jurídica dos
juízes, a judicialização da política encontrou mais resistência do que adesão, do que é
exemplo mais forte o destino do mandado de injunção, que a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (STF) converteu em letra morta.
Nesse sentido, a origem da judicialização da política deve ser buscada, de um
lado, na iniciativa do legislador, e, de outro, nas demandas da cidadania no sentido de
encontrar proteção dos seus direitos contra o Estado e as empresas. A origem de um
processo social, porém, não contém em si todas as possibilidades do desenvolvimento
da sua trajetória, sujeito, no seu curso, a muitas outras influências. Assim com os
juízes, de início estranhos à nova institucionalidade, quando não refratários a ela, com
as transformações geracionais produzidas em seu corpus, que com a emergência de
1 Professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e coordenador do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES/IUPERJ).
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uma nova bibliografia, e, talvez sobretudo, diante da crise do sistema da representação
política, passam a se orientar pela filosofia política expressa na Constituição que
pressupõe um Judiciário, na medida em que compreendido a serviço do ideal da igual-
liberdade, como instrumento de concretização dos direitos fundamentais.
A adesão a esta orientação, que se generaliza na corporação, não deve ser
identificada a um ativismo judicial que ignore as fronteiras que apartam o juiz do
político, e que pretenda, em nome do justo e da salvação pública, investir a Justiça do
papel de um legislador providencial. A judicialização da política não deriva de um
eventual sistema de orientação dos juízes, mas da nova trama institucional trazida pela
moderna sociedade capitalista, que pôs o direito, seus procedimentos e instituições no
centro da vida pública, e, neste preciso sentido, ela já é parte constitutiva das
democracias contemporâneas.
Instituir o juiz como legislador, tal como, na prática, significa a pretensão dos
Tribunais Eleitorais de recusarem registro a candidaturas a cargos eletivos sem base
na lei, e apenas em nome do princípio da moralidade, é contrapor o justo ao direito.
Quem e como se definir um candidato de “ficha suja”, e, como tal, sem direito a
concorrer às eleições? Cada caso será um caso, examinado na ausência de qualquer
regra prévia? Mas o juiz não será livre, nem livre e responsável, pontua com lucidez J.
Derrida, “se não se referir a nenhum direito, a nenhuma regra ou se, por não considerar
nenhuma regra como dada para além da sua interpretação, ele suspender sua decisão,
detiver-se no indecidível ou então improvisar, fora de qualquer regra e de qualquer
princípio” (Força da Lei, São Paulo, Martins Fontes, 2007, p. 45).
Na ausência de regras, a relevância do atual movimento de importantes setores
da magistratura, contando com a presença da Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB), que visa interditar a via eleitoral para candidatos de “ficha suja” – em si, um
objetivo legítimo por critérios éticos e de moralidade pública –, ao insistir apenas no
caminho judicial, perde de vista as amplas possibilidades que se apresentam aos seus
propósitos na sociedade civil e na esfera pública, especialmente na arena parlamentar.
A opção pela via do ativismo judicial diante de oportunidades reais para a consecução
do mesmo objetivo no campo da política institucionalizada não consiste em uma boa
alternativa. Longe de ampliar apoios e alianças para os fins perseguidos pode, muito
contrariamente, indispor contra eles, em razão do meio utilizado, o sistema político e
seus principais personagens, e, ainda pior, tornar vulnerável a arquitetura constitucional
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que reservou ao Judiciário um papel saliente para a concretização dos direitos
fundamentais.
O ativismo judicial, quando bem compreendido, estimula a emergência de
institucionalidades vigorosas e democráticas e reforça a estabilização da nossa criativa
arquitetura constitucional. Quando mal compreendido, entretanto, este ativismo é
sempre propício à denúncia de um governo de juízes, de uma justiça de salvação,
referida casuisticamente aos aspectos materiais em cada questão a ser julgada. Mal
compreendido leva a concepções de uma justiça que abdica da defesa da integridade
do Direito, tal como a conceituam, na esteira de Dworkin, Nonet e Selznick, e se torna,
mesmo que em nome das melhores intenções, um instrumento do seu derruimento.