O Bandeirante - nº 251 - outubro de 2013

8
251 251 251 251 251 OUTUBRO 2013 O Bandeirante Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional S.Paulo A Moça de Cinza “Não me lembro do nome da jovem. Aliás, pensando bem, eu nunca soube. Sempre a tratávamos como a louca da rua de baixo que saía pela manhã e à tarde para comprar pão cantando ‘Santa Lucia’. E só. O restante do tempo era como se ela não existisse.” O conto premiado de MÁRCIA ETELLI COELHO está na p. 3 “Conhecer alguns segredos desse caminho seria interessante. Nossa! Isso seria imprescindível! Teria algo a mais que só seria adquirido na própria prática. Tudo isso era muito intrigante. Será que conseguiria enfrentar todos os medos? A crônica de SUZANA GRUNSPUN você lê na p. 6 Bastidores Bodas de Diamante “É preciso cultivar a alegria, em lugar de revolver a tristeza. Sessenta anos de união, conquistada dia a dia com respeito, cuidado, atenção, carinho. Diálogo sempre presente e o calor dos filhos, noras, netas e bisnetos. O progresso dos filhos e netas é orgulho sadio que os alimenta de renovada confiança em direção ao futuro vivido pelo presente no dia a dia.” O relato de LIGIA TEREZINHA PEZZUTO na p. 5 6 4 COMEÇAR DE NOVO Márcia Etelli Coelho COMPANHIA Carlos Augusto F. Galvão PESCADOR Sônia Regina A. de Castro 4 O registro de nossa festa literária em Botucatu está na p. 7

Transcript of O Bandeirante - nº 251 - outubro de 2013

Page 1: O Bandeirante - nº 251 - outubro de 2013

251251251251251OUTUBRO

2013O Bandeirante

Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional S.Paulo

A Moça de Cinza“Não me lembro do nome da jovem. Aliás, pensando bem, eu

nunca soube. Sempre a tratávamos como a louca da rua de baixoque saía pela manhã e à tarde para comprar pão cantando ‘Santa

Lucia’. E só. O restante do tempoera como se ela não existisse.”

O conto premiado de MÁRCIA ETELLI COELHO está na p. 3

“Conhecer alguns segredos desse caminho seriainteressante. Nossa! Isso seria imprescindível! Teria

algo a mais que só seria adquirido na própriaprática. Tudo isso era muito intrigante. Será que

conseguiria enfrentar todos os medos? ”

A crônica de SUZANA GRUNSPUN você lê na p. 6

Bastidores

Bodas de Diamante“É preciso cultivar a alegria, em lugar de revolver a tristeza.Sessenta anos de união, conquistada dia a dia com respeito,cuidado, atenção, carinho. Diálogo sempre presente e o calor dosfilhos, noras, netas e bisnetos. O progresso dos filhos e netas éorgulho sadio que os alimenta de renovada confiança em direçãoao futuro vivido pelo presente no dia a dia.”

O relato de LIGIA TEREZINHA PEZZUTO na p. 5

6 4

COMEÇAR DE NOVOMárcia Etelli Coelho

COMPANHIACarlos Augusto F. Galvão

PESCADORSônia Regina A. de Castro

4

O registro de nossa festa literária em Botucatu está na p. 7

Page 2: O Bandeirante - nº 251 - outubro de 2013

2 O Bandeirante - Outubro 2013

Jornal O Bandeirante

ANO XXIII - nº. 251 -

Outubro 2013

Publicação mensal da SociedadeBrasileira de Médicos Escritores -

Regional do Estado de São Paulo

SOBRAMES-SP. Sede: Av.

Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 7º Andar - Sala 1 (Prédio da

Associação Paulista de Medicin a) - São Paulo - SP

Editores: Josyanne Rita de Arruda Franco e Marcos Gimenes

Salun (MTb 20.405-SP)

Jornalista Responsável e Revisora: Ligia Terezinha Pezzuto

(MTb 17.671-SP).

Redação e Correspondência: Rua Francisco Pereira

Coutinho, 290, ap. 121 A – V. Municipal – CEP 13201-100 –

Jundiaí – SP E-mail: [email protected]

Tels.: (11) 4521-6484 Celular (11) 99937-6342.

Colaboradores desta edição (textos literários): Carlos

Augusto Ferreira Galvão, Ligia Terezinha Pezzuto,

Márcia Etelli Coelho, Sônia Regina Andruskevicius de

Castro e Suzana Grunspun.

Tiragem desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de

1.000 exemplares PDF enviados por e-mail.

Diretoria - Gestão 2013/2014 - Presidente: Josyanne Rita

de Arruda Franco. Vice-Presidente: Carlos Augusto Ferreira

Galvão. Primeiro-Secretário: Márcia Etelli Coelho. Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã. Primeiro-Tesoureiro: José Alberto Vieira. Segundo-Tesoureiro: Aida

Lúcia Pullin Dal Sasso Begliomini. Conselho FiscalEfetivos:Hélio Begliomini, Luiz Jorge Ferreira e Marcos

Gimenes Salun. Conselho Fiscal Suplentes: José Jucovsky,

Rodolpho Civile e José Rodrigues Louzã.

.

Matérias assinadas são de responsabilidade de seus

autores e não representam, necessariamente, a opiniãoda Sobrames-SP

Editores de O BandeiranteFlerts Nebó - novembro a dezembro de 1992

Flerts Nebó e Walter Whitton Harris - 1993-1994

Carlos Luis Campana e Hélio Celso Ferraz Najar - 1995-1996

Flerts Nebó e Walter Whitton Harris - 1996-2000

Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun - 2001 a abril de 2009

Helio Begliomini - maio a dezembro de 2009

Roberto A.Aniche e Carlos Augusto F. Galvão - 2010

Josyanne R.A.Franco e Carlos Augusto F.Galvão - 2011-2012

Josyanne R.A.Franco e Marcos Gimenes Salun - janeiro 2013

Presidentes da Sobrames SP1º. Flerts Nebó (1988-1990)

2º. Flerts Nebó (1990-1992)3º. Helio Begliomini (1992-1994)

4º. Carlos Luiz Campana (1994-1996)

5º. Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)

6º. Walter Whitton Harris (1999-2000)

7º. Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)

8º. Luiz Giovani (2003-2004)

9º. Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)

10º. Flerts Nebó (out/2005 a dez/2006)

11º. Helio Begliomini (2007-2008)

12º. Helio Begliomini (2009-2010)

13º.Josyanne Rita de Arruda Franco (2011-2012)

14º.Josyanne Rita de Arruda Franco (2013-2014)

Editores: Josyanne R.A.Franco e Marcos Gimenes Salun

Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto

Diagramação: Marcos Gimenes Salun | Rumo Editorial

Produções e Edições Ltda.Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica Editora

Expediente Editorial

Josyanne Rita de Arruda Franco

Médica Pediatra Presidente da Sobrames-SP

NESTA DATA QUERIDA,NOSSOS PARABÉNS!

No mês de aniversário de 25 anos da Sobrames-SP,  aJornada de Botucatu transcorreu embalada pelo aprazível climafraterno de amizade e doce enlevo literário. Entre oencantamento da boa literatura e os risos francos da estreitaamizade, confrades e confreiras de vários Estados usufruíramda temperatura fria na cidade com o aconchego do calor humano.Esta edição mostrará em textos e imagens um pouco da belezados três dias de alegre convívio para sempre guardados nocoração. Aos participantes do evento, nossos agradecimentospor terem ilustrado o feliz encontro com seu talento,criatividade,  especial apoio e simpatia. Nas próximas páginas,teremos a oportunidade de recordar com deleite nossos bonsmomentos. Boa leitura! Feliz retorno às lembranças amáveis deBotucatu!

15/10 – Roberto Antonio Aniche

23/10 – Walter Whitton Harris

As Pizzas Literárias da SOBRAMES-SP acontecemna terceira quinta-feira de cada mês, a partir

das 19h00 na PIZZARIA BONDE PAULISTARua Oscar Freire, 1.597 - Pinheiros - S.Paulo

Jubileu de Prata da Sobrames-SP

Comemorado na PizzaLiterária de 19 de setembro, oaniversário dos 25 anos daSobrames-SP contou com apresença de muitos confradese foi repleta de belos textosem prosa e verso.

A presidente Josyanne, HelioBegliomini, Carlos Galvão, Luiz

Jorge e Paulo Leiererrepresentaram todos os

membros da Regional Paulistana hora de apagar as velinhas

do bolo dos 25 anos.

No final do encontro, atradicional foto do grupomarcando o momentofestivo e histórico.

Page 3: O Bandeirante - nº 251 - outubro de 2013

O Bandeirante - Outubro 2013 3

Márcia Etelli Coelho

A Moça de Cinza

Pelas ruas tranquilas da Lapa nos anos 60, uma moça viviacantarolando a música italiana “Santa Lucia”. De cabelos louros lisose compridos, pele branca e pálida, quase sempre trajava um vestidocinza cobrindo os joelhos.

– Ela é louca – dizia minha mãe. Fiquem longe dela. Pode serperigoso.

A jovem praticamente não saía de casa, mas ia comprar pãopela manhã bem cedo e ao findar da tarde. E, de vez em quando,rondava o quarteirão.

Tão grande era o medo que minha mãe só deixava que eufosse para a escola depois que a jovem regressasse da padaria. Com frequência eu ficava pronta com o uniforme azulmarinho impecável, lancheira a tiracolo, sapatos lustrosos e permanecia sentada no banco do jardim da frente, aguardandoa liberação da rua. Tudo para evitar que nos cruzássemos pelo caminho.

Acontece que aos nove anos de idade eu ainda não entendia o perigo que ela pudesse representar. Seria contagioso?Ninguém me explicava. Apenas sabia que ela era assim devido a uma complicação do sarampo. Mas, assim como? Nãoexatamente louca como tantos casos psiquiátricos que muitos anos depois presenciei na Faculdade de Medicina comdelírios, exageradas desinibições e gritos agressivos. Na verdade ela era simplesmente esquisita e solitária em sua ininterruptacantoria napolitana.

Decerto deveria provocar irritabilidade para quem ouvisse o tempo todo a mesma música. Porém, como ela se isolavaem sua casa, quem mais sofria provavelmente era sua mãe que, por sinal, também pouco aparecia. Apesar de ser simpáticae educada, a matriarca não conversava muito e limitava suas saídas para compras de sobrevivência. Ambas não trabalhavame... O que será que elas faziam o dia inteiro sozinhas dentro de casa?

Não me lembro do nome da jovem. Aliás, pensando bem, eu nunca soube. Sempre a tratávamos como a louca da ruade baixo que saía pela manhã e à tarde para comprar pão cantando “Santa Lucia”. E só. O restante do tempo era como se elanão existisse.

Vez ou outra os meninos zombavam dela, se bem que às escondidas.Acho que ela é uma bruxa, supôs um dos garotos. E essa leve hipótese fez com que todos se afastassem com receio

de que seus olhos lançassem algum feitiço.Da minha parte, na época, eu só desejava brincar e estudar. Mesmo porque tinha um incentivo extra para ir bem na

escola. Todo início de mês, ao ver notas altas no boletim, minha mãe, satisfeita com o meu empenho, me recompensavadando algumas moedas para que eu comprasse doces na padaria, dinheiro suficiente para escolher três guloseimas. Comoera agradável ver a vitrine repleta de doce de abóbora em forma de coração, pirulito puxa-puxa, caramelo de leite,cigarrinho de chocolate, maria-mole, doces em borracha, dadinho, além, é claro, dos atraentes potes rotativos de vidros comdiversificadas balas. A dúvida para escolher tornava o prêmio mais atraente.

Eis que em uma tarde, na indecisão costumeira, meu coração acelerou ao ouvir uma voz cantando “Santa Lucia”.Sim, era a louca que se aproximava, antecipando seu horário de compra, talvez para fugir de uma chuva que prenunciavadesabar a qualquer instante.

Pela primeira vez não tive como fugir do encontro. O curioso foi que ela entrou na padaria exalando um perfumesuave de jasmim. Ora, na minha concepção, eu sinceramente a imaginava fedida... Se ela usava quase sempre o mesmovestido cinza, deveria não tomar banho, não é mesmo? Qual o quê. Seu cabelo estava limpo, bem penteado, usava umdiscreto batom rosa e pela aparência eu julguei que ela devia ter menos que 30 anos de idade.

Com calma ela entregou para o seu Teixeira, o dono da padaria, um caderninho em que se anotavam as compraspara pagar tudo no final do mês. Não disse uma palavra, preferindo continuar com sua canção. Num relance olhou para mime eu pude perceber seus grandes olhos verdes que pareciam bolas de gude...

Bem que eu tentei puxar alguma conversa para satisfazer minha curiosidade infantil. Mas minha voz travou e não foipor hipnotismo ou maldição e, sim, por pura timidez. Apenas consegui sorrir, mas ela permaneceu alheia e saiu com umabengala de pão debaixo do braço.

Raios e trovões alertavam sobre a chuva, e eu resolvi não esperar e também fui para casa. Fiquei atrás da moça queandava devagar, arrastando os pés pela rua deserta, marcando o ritmo da velha canção.

Assim que se iniciaram as férias de julho eu e minha família viajamos para o litoral e ao retornar soubemos que ajovem havia se mudado com a mãe. Depois de um ano de vizinhança saíram sem despedidas e sem ter conquistado nenhumaamizade. Nunca mais tivemos notícias. Até hoje quando lá em casa colocamos um CD e ouvimos Pavarotti ou Andrea Bocellicantar Santa Lucia, minha mãe se inquieta:

– Não gosto dessa música. Ela me lembra da louca.Interessante como passados quase cinquenta anos, grande parte morando em outro bairro e com tantos

acontecimentos já vivenciados, não conseguimos nos esquecer dela. Uma moça que se isolou da vida e o mundo reforçouesse isolamento. Ao contrário da minha mãe, eu gosto de ouvir aquela canção. Sem dúvida, pela beleza da melodia.

No fundo, talvez por querer acreditar que aquela jovem tenha conseguido, a sua maneira, encontrar um jeito deser feliz.

(Primeiro lugar no concurso de prosas daXII Jornada Médico-Literária Paulista)

Page 4: O Bandeirante - nº 251 - outubro de 2013

4 O Bandeirante - Outubro 2013

Sônia Regina Andruskevicius de Castro

Pescador

Com os olhos do corpo eu viVindo do mar o pescadorNum barco antigo, incolor.E na areia a mulher que riCom os pés descalços no chãoAgitando, em aceno, a mão.

(Terceiro lugar no concurso de poesias da XII Jornada Médico-Literária Paulista)

Com os olhos do espírito eu viHumildade no corpo sem jeito

A fé na medalha do peito.No riso redondo alegria

A saudade no abraço apertadoE um amor descabelado.

Preparo uma andança e nessa travessiarecolho os sonhos, retalhos de cetim.No chão de estrelas, apenas eu e a brisa,coração leviano, caçador de mim.

Corsário de Sampa, guerreiro meninoque na roda viva aprendi a chorar.Saudade chegando, fiquei tão sozinhona ingênua certeza de sempre te amar.

Mas olhos nos olhos, as rosas se calam,o tempo separa, fugaz é o amor.Detalhes, deslizes, nas brigas se exaltam,qual fera ferida ponteando o rancor.

Dos bailes da vida restou acalanto.Dos anos dourados, fascinação.No conto de areia rolou esse pranto.Das velas içadas, porto solidão.

A banda passou em total disparada.E eu, carinhosa não fiz parte do show.Castigo? Ilusão? Fim de caso? Que nada!Risquei a tristeza... E o mar serenou.

Ao ver pastorinhas voltando com floresquis logo enfeitar a noite do meu bem.Brindar primavera que no trem das cores,bem antes das onze, emociona o viver.

A minha aquarela dourou asa branca.No baila comigo são só dois pra cá.Que festa de arromba, feitio, força estranha:o mel do aconchego sem mais carcará.

A chuva de prata das águas de marçoseduz a minha alma, só quer um xodó.Tu estavas tão lindo naquele abraçoque o meu rancho fundo virou luxo só.

Trocando em miúdos: Há séculos te amo!Eu não aprendi a dizer-te adeus.E como eterna onda que ronda o oceano,por ti, começaria tudo outra vez.

Márcia Etelli Coelho

Começar de Novo

(Primeiro lugar no concurso de prosas da XII Jornada Médico-Literária Paulista)

Page 5: O Bandeirante - nº 251 - outubro de 2013

O Bandeirante - Outubro 2013 5

PRIMAVERAEla, 11 anos de idade. Ele, 15 e já não se

interessava mais em só brincar com o irmão dela. Passoua notar aquela loirinha graciosa e a tentar umaaproximação. Deu certo, era recíproco. Ambos começaramum inocente namorinho, daqueles de só pegar na mão.

Tinha dias em que ela ficava observando pelajanela de sua casa os meninos voltarem da escola e, nomeio deles, o seu menino passar. Trocavam acenos e iamembora, levando cada qual, um pouco de carinho um dooutro.

Entre sorrisos, olhares e certezas, os dois, umpouco mais crescidos, iam amadurecendo seurelacionamento e conhecimento mútuo. As conversas noportão, as idas ao cinema, os passeios pela cidade. Muitoproseavam entre si, interessados em seus gostos, sonhos,desejos.

No tom róseo e clima ameno do alvorecer naquelaestação, o início de duas vidas que se encontraram, plenasde esperança e encantamento.

VERÃOApós quatro anos de namoro responsável, a decisão

pelo noivado. Ele, de terno, na casa dos pais dela. Ela,em outro cômodo com as primas, a esperar. Por fim, aresposta positiva. Festa, alegria, comemoração.Casamento à vista. Preparativos, convites, cerimôniacivil e religiosa, vestido de noiva, terno e gravata.

Início de uma vida a dois, repleta de alegrias, mastambém dificuldades. Ele a trabalhar o dia todo e estudarà noite. Ela a cuidar da casa e mais tarde, do primeirofilho. Dureza, sacrifícios, mas amenizados pelo amor queia se aprofundando cada vez mais.

Mudança de emprego, mais um filho, asresponsabilidades aumentando, mas ambos apoiando-seum no outro, com dedicação e diálogo crescentes.

Bodas de Diamante - uma história realLigia Terezinha Pezzuto

Terceiro filho, uma menina. E, apóscinco anos, o quarto filho. Mudança paraum apartamento, bem maior que a casaonde moravam. Novas oportunidades notrabalho. Dificuldades, sim, mas muitafé também, aliada ao cultivo deatenções e cuidados de um para com ooutro.

Bodas de Prata. Vinte e cinco anoscomemorados com grande entusiasmo,em cerimônia religiosa e festa. Alegria,todos juntos, música e detalhesorganizados com desvelo.

O calor às vezes forte, outras vezescálido daqueles dias servira para forjaro relacionamento e amalgamar doiscorações em um só, cada um respeitandoa individualidade do outro, mistérioinsondável de bênção celestial.

OUTONOEle e ela envolvidos em atividades voluntárias,

doando seu tempo para quem mais precisava, além docuidado dos quatro filhos, dos negócios, dividindoatenções e multiplicando o amor, até completarem Bodasde Ouro. Cinquenta anos de uma convivência madura efirme. As refeições feitas com toda a família, os diálogosconstantes, o cuidado mútuo, a renúncia, a doação foramelementos importantes para chegarem até ali.

Quando as folhas começam a amarelar e as árvoresse preparam para a grande renovação da natureza, oalimento da fé vem em boa hora solidificar o que já erafirme porque construído no terreno sólido da verdade eda abertura ao transcendente.

INVERNODias difíceis. Perda de um filho querido. A morte,

entretanto, é vencida pela esperança. É preciso cultivara alegria, em lugar de revolver a tristeza. Sessenta anosde união, conquistada dia a dia com respeito, cuidado,atenção, carinho. Diálogo sempre presente e o calor dosfilhos, noras, netas e bisnetos. O progresso dos filhos enetas é orgulho sadio que os alimenta de renovadaconfiança em direção ao futuro vivido pelo presente nodia a dia. As decisões com base em discernimento reto epleno dão a consistência que uma vida inteira construídajuntos possibilitou realizar.

Ao chegar a estação do frio, em que tudo pareceriacinzento, obscurecido pelas chuvas e neblinas dos diasúmidos, o que fora plantado com esmero trouxe o calordo afeto que muda toda a paisagem graças à fé, aodiálogo, amor, dedicação, renúncia, doação, cuidado,carinho, respeito; ingredientes que, utilizados comsabedoria, fizeram de duas vidas uma só, plena de frutos,sonhos realizados, superação e luz a iluminar outras vidas.

Sonho de muitos, sonho possível...

Page 6: O Bandeirante - nº 251 - outubro de 2013

6 O Bandeirante - Outubro 2013

Como nos sonhos, podia andar naquele vastocorredor largo. Cada porta guardava uma história; ela sabia.Ao abri-las os personagens se iluminariam e subindo no palcoiriam representar suas vidas. Perguntava-se: cada portapoderia ser acionada inúmeras vezes?

Iniciar essa visita seria um trajeto instigante; levadapela curiosidade sentia-se estimulada ao abrir uma a uma,cada porta, e se entregar de corpo e alma a cada visita.Não era muito claro o procedimento dos personagens seinstalarem lá dentro. Realmente havia uma grande portacentral, no fundo, com certeza era por lá onde tudocomeçava.

Outra inquietação: como esses personagens eramaceitos? Quais seriam as condições; talvez sofrimentos,alegrias, ou até mesmo algum particular problema que teriainfluenciado suas vidas e até mudado o curso natural delas.

Apesar de certo receio poder impedir suainvestigação, esse era logo dissipado. Além do forteinteresse, alguma coisa a movia; ao mesmo tempo elaparticipava de um modo diferente de quem só assistisse aum espetáculo. A sensação de sonhar se criava e seevanescia.

Por detrás de tudo isso havia uma tradição quealimentava seu desassossego a ponto de vencer os medos.O que havia de tão interessante? Uma atividade humanatão antiga e recente, simultaneamente, quase um paradoxo.

Perdia-se em reflexões de como alguém poderiaescolher tal ocupação. Providenciar para aquelespersonagens adentrarem as portas mediante umconhecimento prévio de suas histórias e depois se dedicara cada um especificamente.

Quantas promessas de quem vem se ocupando detal tarefa! Seriam essas suficientes para a incitar prosseguire enfrentar todos os seus receios?

Comprometer-se com essa atividade seria umaexperiência única, humana, gratificante e consagrada. Assimplantou a semente da coragem; prosseguir jornadas novasquando abrisse cada porta.

Dividiria seu tempo compartilhando cada vida que ospersonagens reviveriam. Poderiam até renascer no encontrohumano e verdadeiro que se daria ao iluminar o palco acionadopelo toque de cada maçaneta. Estavam batizadas a damitologia, a dos contos de fadas, a das alegorias. Do tempo,dos bebês; da inconstância, eram consagradas; mas a portadenominada outrora, por ser considerada um tabu, era muitointeressante.

Algumas passariam despercebidas, se não fosse ainsistência de seus habitantes que faziam questão de marcarsua presença, nem que fosse por causa de um pequeno

grito ou barulhinho mínimo. Outras, anônimas, aindaesperavam seus personagens adentrarem.

O que era inusitado? As histórias só seriam entrelaçadasse ela soubesse tecer um fio que desse um sentido particulara todas. Isso dependeria de suas capacidades pessoais etambém de seu interesse em cada personagem. Haveria umamadurecimento e preparos a serem providenciados. Comose daria tudo isso?

Conhecer alguns segredos desse caminho seriainteressante. Nossa! Isso seria imprescindível! Teria algo amais que só seria adquirido na própria prática. Tudo isso eramuito intrigante. Será que conseguiria enfrentar todos osmedos?

Nas profundezas de cada personagem, haveria umaaprendizagem. Essas histórias já teriam sido vividas epermaneciam fechadas ou até trancadas; só voltando à ação,como se dizia, quando os enredos fossem retomados. Cadaimagem voltaria novamente toda vez que se reabrisse a porta?Seria uma questão de memória? Ou estaríamos simplesmentediante da vida?

No âmbito da memória estaria ela e os seus personagenssomente relembrando; ou o diferencial dessa atividade é vê--los brilhar no palco onde a vida se reconstrói em seu mais altoquesito do desenvolvimento humano.

CompanhiaCarlos Augusto Ferreira Galvão

Sigo minha vida bem acompanhadoÀs vezes tento trocar, saio, me revoltoProcuro outro alguém, um outro lado,Mas sempre muito me arrependo e volto.

Ela é assim, em nada me atormenta,Fica ao meu lado silente e quieta;Monotonia ninguém quer nem aguenta.Mas o que fazer se não há mais meta?

Ela sempre inspira o pensamento,Agonia que estimula meu coração;Tão forte que repito todo momento:Não vivo sem ti, minha amada solidão.

BastidoresSuzana Grunspun

Page 7: O Bandeirante - nº 251 - outubro de 2013

O Bandeirante - Outubro 2013 7

Nossa Festa Literária em BotucatuConfraternização e bem-querência foram a tônica da XII Jornada Médico-Literária Paulistarealizada em Botucatu de 26 a 29 de setembro, com sessões literárias agradabilíssimas

na variedade de estilos, mas uníssonas em talento e harmonia.Sem dúvida os sobramistas das diversas regionais comprovaram a tradicional acolhida paulista

e acrescentaram em sua bagagem novas amizades e inspiração criativa.

Coube à Academia Botucatuense de Letras selecionaros textos e eleger os premiados para receberem o Troféu“O Bandeirante” (veja foto no box) para os vencedores decada categoria e os certificados para segunda e terceiracolocações. Foi uma difícil tarefa devido à excelência dosescritos, a respeito dos quais a opinião unânime departicipantes e julgadores era de que todos eram merecedoresdos maiores elogios e poderiam ser os ganhadores.

MÁRCIA ETELLI COELHO de São Paulo foi a grandevencedora do evento, ficando com 1º. lugar nas duascategorias. Ela levou para casa o Troféu Bandeirante de Prosa(A Moça de Cinza) e de Poesia (Começar de Novo). Os textosestão publicados no suplemento literário nesta edição naspáginas 3 e 4 respectivamente.

Eis nossos campeões de prosa e verso:

Márcia - SP Arquimedes - MA José Arlindo - PE Sônia - SP Hélio - GO

ARQUIMEDES VIEGAS VALLE, do Maranhão ficou como 2º. lugar no concurso de Prosa. Seu texto A Vingança dosInocentes está publicado no BLOG da Sobrames-SP (vejadetalhes no box).

O segundo lugar da categoria Poesia ficou com opernambucano JOSÉ ARLINDO GOMES DE SÁ, com seu poemaInventário Sertanejo, publicado no BLOG da Sobrames-SP.

SÔNIA REGINA ANDRUSKEVICIUS DE CASTRO, daregional São Paulo, ficou com a terceira colocação noconcurso de poesias com Pescador, texto que está na página4 desta edição.

Na categoria prosa, a terceira colocação coube a HÉLIOMOREIRA, da regional goiana, pela crônica Caminhar pelasRuas de Paris, que também pode ser lido no BLOG.

Troféu “O Bandeirante”

http://www.recantodasletras.com.br/e-

livros/4517755

ANAIS DA JORNADA(baixe PDF completo neste link)

http://sobramespaulista.blogspot.com.br/

BLOG SOBRAMES-SP(Todos os textos vencedores)

Page 8: O Bandeirante - nº 251 - outubro de 2013

FATOS & OLHARES

Pizza Literária de NatalA reunião festiva de Natal já tem data confirmada para

19 de dezembro. Não perca!

2014IX Congresso da UMEALDe 12 a 15 de março de2014, será realizado na

cidade de Maputo(Moçambique) o IX Congresso

da UMEAL. Presençaconfirmada de Paulina

Chiziane e do premiadíssimoMia Couto. Em breve maiores

informações!

“QUEM é QUEM”

Resposta na próxima edição.

Participe desta seção enviando uma

foto sua bem antiga para a redação.

DESAFIO DO MÊSVocê sabe quem é esta menina?A foto antiga pode precisar de

algum retoque, mas sua poesia ébela e irrepreensível!

JUBILEU DE PRATA

O suplemento cultural da revista da APM (Associação Paulista de Medicina), edição 250,setembro de 2013, em sua matéria de capa, publicou um depoimento da presidente daSobrames-SP, Josyanne Rita de Arruda Franco, sensível, realista, pontuando o caminhoencontrado pela Sobrames a fim de conciliar a atribulada vida médica com o universo

criativo literário. O texto na íntegra pode ser lido através do Blogsobramespaulista.blogspot.com, ou baixado de em PDF do site

http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/4486836

A comemoração dos 25 anos da Sobrames São Paulo durante a Pizza Literária de 19de setembro não poderia ser diferente: fraterna, animada, com textos criativos,muitos deles manifestando sinceras homenagens... Reaproximação de confradesdistantes como Wladimir do Carmo Porto e Alitta Guimarães Costa Reis...Reencontro de sobramistas que há tempo não víamos: Mércia Lúcia de Melo Chade(e seu marido Sérgio), Paulo Adolpho Leierer (ex-presidente da Sobrames-SP1996-1998) e sua esposa Sandra... Escritores que pela primeira vez nos visitaramcomo Pierre Joseph Chamoun, Eliana Batista Reis e Sérgio Siqueira da Cruz (doSindicato dos Escritores)... E a presença, é claro, dos sobramistas assíduos quealicerçam e impulsionam nossa Sociedade.

SUPLEMENTO CULTURAL DA APM

BALADA LITERÁRIAA Sobrames-SP realizará no dia 08 de novembro de

2013, sexta-feira, às 20 horas, no Espaço Maracá, naAPM (Av.Brigadeiro Luis Antonio, 278) uma “BaladaLiterária”, com muita literatura e música ao vivo

ilustrando seu fim de semana! Participe e traga seusamigos para viver esse momento de amizade e

emoção.Confirme presença pelos e-mails:[email protected] / [email protected]

ENTRADA FRANCA

ACADEMIA TUPÃENSEDE LETRAS

Alcione Alcântara Gonçalves é o mentore criador da Academia Tupãense deLetras, que já tem data marcada

para sua fundação:14 de novembro de 2013.

Contando com o apoio total daPrefeitura e da Secretaria Municipal de

Cultura, os escritores da cidade deTUPÃ passarão a contar com esse

sodalício que terá Alcione como seuprimeiro presidente.

Nosso decano FLERTSNEBÓ era o menino com oseu cãozinho Chuquel da

edição de SETEMBRO