O belo aos olhos da alma plotiniana dm 2.

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DIANA ISABEL PEREIRA MENDES O BELO AOS OLHOS DA ALMA PLOTINIANA VILA REAL 2011/2012

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DIANA ISABEL PEREIRA MENDES

O BELO AOS OLHOS

DA

ALMA PLOTINIANA

VILA REAL

2011/2012

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DIANA ISABEL PEREIRA MENDES

O BELO AOS OLHOS

DA

ALMA PLOTINIANA

Trabalho de licenciatura apresentado à Universidade de Trás-os-Montes

e Alto Douro de Vila Real, como requisito total para a obtenção da

avaliação da unidade curricular designada por Estética e Comunicação.

Docente: Elisa Maria Oliveira Gomes da Torre

VILA REAL

UTAD

2011/2012

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(…)”Não há um orgasmo que ponha fim ao desejo. E ela lhe parece bela, como nenhuma outra. Porque uma pessoa é bela, não pela beleza dela, mas pela beleza nossa que se reflete nela”1(...)

“O que vê então esta visão interior”? Uma vez habituada àquelas belezas, a alma então se introverte. Caso ainda não veja sua própria beleza, que retire de si todo o supérfluo até que, purificada, resplandeça. Trata-se de outra imagem muito conhecida: a do escultor que raspa, pule, limpa, até que surja uma bela estátua (Cf. I, 6, 9, 7-15). “A purificação e o embelezamento não são, entretanto, uma luta contra uma feiúra alheia. Retirar a ferrugem do tempo nos é tanto menos fácil por se tratar de limpar o que lentamente tornou-se nosso2”.

______________________________________________________________________ 1 Alves, Ruben (1933): “O retorno e terno”. Crónicas Ruben Alves 27ª Edição. Papirus 2 Oliveira, Loraine (2008): “O Belo em Plotino”

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Resumo

Plotino é apologista de que a beleza pertence ao mundo inteligível e não ao mundo

sensível onde a maioria das pessoas tendem a colocá-la e a ficar só por lá.

A beleza não é o que os sentidos captam instantaneamente quando os olhos corporais

se abrem. É um valor semeado no nosso interior mais profundo, na nossa bagagem interna

que não é visível num simples devaneio visual.

A beleza está para além do que vemos. Não se deve então resumir ao mundo sensível

que está aqui tão perto de nós.

Segundo Plotino, o Belo é definido a partir de uma perspectiva metafísica.

Calcar e vasculhar não só o chão que pisamos... Ele não se deixa ficar pela solidez

deste piso. Tocar não só a epiderme que reveste o nosso esqueleto, mas as camadas interiores

sobrepostas que são igualmente nossas e não devem ser descartadas como se nada dissessem

do nosso ser e beleza.

Com isto quero eu dizer que não podemos nos limitar a este “rés-do-chão”, a este patamar tão

baixo onde só cabe a brutalidade, ou seja, a materialidade das coisas.

É um valor inteligível que não permite o sedentarismo do exercício de olhar sem olhos

de ver.

Não permite a diluição na vulgaridade para onde caiu esse gesto. É muito mais do que

os semelhantes pensam ser e captar.

Não pertence, então, ao campo visual. É um valor tão grande que só cabe no tamanho

de uma visão ampla e completa que tanto tem de abstracta como de concreta...e essa só tem

lugar reservado na nossa alma, no nosso espírito.

Não é algo dado de bandeja, como se tratasse de doses de refeição gratuitas. É algo

que nos alimenta e nos enriquece de dentro para fora. E quando essa riqueza chegar à tona,

ninguém vê. A claridade do dia que a nossa íris capta leva a um encadeamento que nos deixa

cegos e incapazes de dizer se coisa X é bela ou pessoa Y é dotada de uma beleza excepcional.

Porque não é essa a beleza que Plotino anseia. A beleza de que falamos neste projeto não está

à superfície.

Para assistirmos ao espetáculo dela devemos então partir do mundo sensível, mas sempre com

o olhar para cima, em jeito de contemplação rumo ao inteligível.

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Sumário

Resumo........................................................................................................................................4

Introdução................................................................................................................................6-7

Concepção Tradicional Versus Concepção Plotiniana............................................................8-9

Escadório Espiritual.............................................................................................................10-11

O Belo como Bem...............................................................................................................12-13

Onde está a Beleza? ............................................................................................................14-15

Os Observadores da Beleza Suprema.......................................................................................16

Identificação........................................................................................................................17-18

Conclusão............................................................................................................................19-20

Referências Bibliográficas........................................................................................................21

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Introdução

O presente trabalho segue várias linhas de pensamento traçadas em livros, artigos de

revistas, estudos, teses e dissertações. Há ainda comentários e traduções da própria obra das

Eneádas, uma vez que escrito na sua língua original oferecia um nulo conhecimento à autora

deste trabalho.

Em relação às teses, as que seleccionei estudam a concepção metafísica do Belo em

Plotino. E fazem-no a partir de análises exaustivas de capítulo a capítulo. É possível ver

também que é tentador relacionar a Eneáda I com a Eneáda V, pois abordam o Belo em

ambos os mundos (sensível e inteligível). E torna-se interessante e esclarecedor fazer esse

paralelismo.

Há ainda a tendência de colocar frente a frente, Plotino e o pensamento antigo

partilhado por Platão e Aristóteles, destacando-se assim as diferenças e semelhanças.

A análise de “Eneáda V” de Plotino exige sérios preparativos mentais. O

entendimento do leitor só chegará à devida interpretação ou à proximidade da mesma se

alargar os horizontes filosóficos.

Esta obra deve então ser lida com o Intelecto para ser compreendida.

Pensamentos transcendentes são exigidos para uma boa reflexão da teorização antiga sobre o

Belo.

Não devemos então cingir-nos às linhas de pensamento unidirecionais.

Torna-se necessário entender que os valores propostos por este autor são os de ordem

espiritual, pelo que a dimensão corpórea é imediatamente depreciada.

Um dos objectivos deste projecto é perceber como o Belo se expõe no mundo

sensível.

É imprescindível desbravar os tópicos da metafísica de Plotino, apurando o modo

como surge o mundo sensível, e qual a fonte do belo. Para isso, não podemos ignorar a tríada

do mundo inteligível: o Uno, a Inteligência e a Alma.

Estes pilares inteligíveis conduzirão a um entendimento da nossa parte quanto à noção do

mundo inteligível e ficaremos a saber que é precisamente de lá que “nascem” o Belo e a

Forma.

A forma e a matéria são interdependentes, uma não se pode expressar sem a outra e

vice-versa.

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Plotino fala também da teoria da processão. Este pensador convida a uma passagem

natural sem barreiras do mundo sensível ao mundo inteligível por emanações ou processões.

Tudo o que tem origem no Uno, pode retornar a ele, através da contemplação. Esse

retorno de que falamos é designado por conversão.

O Belo é, então, um meio de conversão.

A descoberta do Belo no mundo sensível e o encontro com o Belo na dimensão

inteligível exige subtilmente a purificação da alma.

Assim, a tentativa de tornar-se Belo levará a uma leveza indescritível.

Poder-se-à dizer que esta prova estética é também sobrenatural.

Esta simples investigação pretende então colocar à tona a novidade plotiniana. Na sua

obra intitulada de “Enéadas” ele fez questão de erguer bem alto a sua concepção de beleza

que em tudo se distancia da tradicional.

Plotino prefere considerar a beleza como um valor puramente inteligível, associado à

congruência moral e à sumptuosidade metafísica.

O autor quer com isto modificar o nosso jeito de ver pois a esmagadora maioria das

pessoas tende a alcançar apenas o limiar intermédio, nunca atingindo o mais alto, aquele que

simultaneamente consegue ser o mais profundo... profundo de ser, de descoberta, de espírito.

Esta viagem ascendente requer obviamente a uma introspectiva para que a gente descubra e

veja em nós o início e o fim de toda a realidade, o Uno.

A beleza, esta de Plotino consegue estabelecer uma ligação encantadora onde as raízes

racionais cessam momentâneamente de crescer para assistirmos à presença satisfatória do

Uno.

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Concepção Tradicional Versus Concepção Plotiniana

Plotino faz uso de uma linha de pensamento contrária à de Aristóteles.

A teoria estética antiga dava primazia a conceitos, como por exemplo, medida, ordem,

simetria e proporção.

A noção de Belo estipulada por Aristóteles sobreviveu durante alguns séculos até que

surgiu uma escola filosófica bem diferente que trilhou caminhos recusando os ideais

anteriores.

Esta nova filosofia de Plotino assenta sobre a Beleza como um valor metafísico.

Se a maioria dos mortais tinham nas suas mentes a concepção aristotélica de beleza,

quais foram os argumentos que levaram Plotino a recusar este conceito?

É óbvio que não é à toa que Plotino ergueu uma noção que revolucionou a época.

Há que destacar as razões que levaram a esta concepção metafísica de Belo:

1) Simetria: “A alma do mundo é um “reflexo transparente do Uno”, e se torna opaca quando misturada com a matéria no mundo sensível... O homem que vê o belo no relâmpago, no fogo ou na estrela da noite, vê transparecer o Uno na alma do mundo. Ou seja, deixa de ver a opacidade material.”

Se a simetria é um factor dos quais a beleza depende, só em objectos palpáveis seria

um factor a ter em consideração. O que significa que nas coisas espirituais não nos restaria

hipóteses de avaliar o que é belo, ficando este caminho vedado. Mas, se pensarmos bem, as

vozes, o arco-íris e o sol são igualmente belos. Concluimos que a simetria é apenas uma das

manifestações externas da beleza, não a sua fonte.

2) Proporção: Se a beleza dependesse, de facto, da proporção, se formos a verificar o rosto

de x3 pessoa tem sempre a mesma proporção, por mais que possa manifestar diferentes

expressões. É então uma constante e não uma variável4 como o pensamento grego ditou.

3) Acordo: Algo é belo se exisitir relação entre as partes de um todo. Este era o pensamento

antigo, esteticamente falando. Plotino diz que as peças do puzzle têm que ser belas

individualmente para na conjunção o serem também. Se assim não fosse, as coisas brutas5

seriam igualmente belas.

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A beleza não é o que existe numa combinação como acontece num puzzle, em termos

exemplares. Não é de todo uma questão de relação, deve ser vista como elemento interno do

objecto, como uma extensão do mesmo. Esta só é apreendida por uma faculdade intelectual.

O autor sublinha que as partes de um todo sejam dotadas de igual beleza, e não que

esta existe apenas no resultado da correlação.

A matéria em si não é bela. O espírito que nela reside é que é belo.

O importante a reter é a questão do reconhecimento e identificação. Só o espírito

“detecta” o seu semelhante (espírito). Então, só o espírito está em plena capacidade para

captar a beleza.

_______________________________________________________________________________ 3A expressão “x pessoa” é uma forma de não personificar, pois pretendo dar um exemplo geral. 4 Em relação à proporção, digo matematicamente que não é uma variável pois esta não mostra diversidade, é

sempre a mesma. 5 Brutas no sentido de matéria no seu estado “bruto”, portanto, inicial sem ser tido alvo de algum processo

de lapidação. É portanto, a materialidade das coisas propriamente dita.

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Escadório espiritual

“A beleza é um caminho para afastar-nos do mundo brutal da matéria e, assim, subir às regiões do espírito desejadas pela nossa alma.”6

O segredo para interpretar a beleza inteligível está descodificado nas Enéadas.

A concepção de beleza por Plotino poderá acender algumas chamas ambíguas, as

quais desaparecerão ou apaziguarão com um sopro metafísico e amplo.

É urgente perceber que Plotino distingue 3 níveis da realidade: a alma, o intelecto e o

Uno.

“A alma não pode contemplar a beleza se não se torna, ela mesma, bela”7

A possibilidade de compreensão da Beleza está no exercício de transformação

individual e íntima rumo aos níveis superiores da realidade.

A Alma contempla em seu âmago a beleza sendo igualmente bela.

O espírito caminha para a beleza e o ponto de encontro juntará as duas realidades não

corpóreas num só.

Neste contexto a arte é valorizada mediante o reconhecimento da beleza que traz.

A beleza transparece na arte porque ela nasce da forma abrigada no intelecto do artista

e não do exercício de colocar mãos à obra.

Portanto, o artista quando possui conhecimento intelectual da forma traz à visão a beleza.

Plotino descreve a ascendência necessária para se chegar À beleza de que tanto fala.

Esta não está à nossa mão, temos que estendê-la e subir. Subir por inteiro.

Descreve então a busca da Alma pela beleza, partindo dos objectos sensíveis e

chegando à beleza dela mesma e do inteligível.

Unir a alma à beleza, é uma relação simbiótica que o autor constantemente deseja.

___________________________________________________________________________6,7 Ramos, Bento Silva - UFES – Plotino: Uma perspectiva neoplatónica da estética. Departamento de Filosofia Soares, Luciana Gabriela E. C. Traduçã - Plotino, Acerca da Beleza Inteligível (Eneáda V, 8 [31]) - Introdução,

tradução e notas

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Esta relação é o patamar mais alto que a alma pode alcançar.

Quanto às belezas superiores – que já não cabe à percepção ver – a alma, sem órgãos, as vê e proclama, pois, para aqueles que contemplam, é necessário elevar-se, abandonando a

percepção, que permanece embaixo. Assim como não é possível descrever aos que não vêem, caso forem cegos de nascença, as belezas da sensibilidade ou aos que não as

reconhecem como belas, do mesmo modo não [é possível descrever] a beleza das ocupações a não ser para os que as aceitam plenamente [...].8

Esta viagem ética-contemplativa tem no seu fim a descoberta do belo como bem.

Só atingimos o bem se aceitarmos fazer essa viagem ascendente.

E para tocarmos nele, teremos que obrigatoriamente nos ajoelharmos e despirmos a

nossa indumentária, só assim nos é permitida a subida por este escadório espiritual. É um “ir”

purificado…trata-se de olhar para si próprio nuo e achar a pureza.

Deve-se subir de novo para o Bem, para aquilo que toda a alma deseja. Se alguém viu isto, sabe o que eu digo, em que sentido ele é belo [...] mas somente o obterão aqueles que

subirem até o alto e se converterem, e ao se despir das vestimentas que receberam ao vir para baixo9 [...].

_________________________________________________________________________

8 Ramos, Bento Silva - UFES – Plotino: Uma perspectiva neoplatónica da estética. Departamento de Filosofia

Soares, Luciana Gabriela E. C. Traduçã - Plotino, Acerca da Beleza Inteligível (Eneáda V, 8 [31]) - Introdução,

tradução e notas 9 (2007): Viso. Cadernos de Estética Aplicada - Revista electrónica de estética N.º 3, Set – Dez/2007

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O Belo como Bem

Segundo Plotino, a matéria não é detentora de beleza, só o Espírito o é.

Plotino desvia-se das noções de Belo que o mundo moderno tem.

O Belo evidencia o espírito presente numa realidade corpórea10.

Somente o Espírito pode captar o Belo.

De facto, Plotino destaca a índole deixando para trás a exteriorização, a aparência que

é visível aos olhos de quem não vê11.

O Belo reflecte a presença do espírito e quão este é rico e belo.

A beleza deixou de estar associada às simetrias e proporções de que o pensamento

grego era apologista.

Os filhos contemporâneos pensam que a beleza está no que se vê diretamente no

patamar abaixo.

O Belo é aquilo que torna o homem Bom.

O que gera a beleza é a pureza e a bondade.

Tudo o que revela a beleza da presença do Uno é Belo. O Belo é, portanto, inteligível.

Quando o homem é realmente puro e nuo consegue captar essa presença.

E assim, a visão ganha cor, nitidez e a vida torna-se bem mais bela.

Para Plotino, o Belo é tudo aquilo que conduz o homem ao Bem.

O Bem é o fundamento metafísico do mundo.

A beleza sensível do mundo material apenas nos permite recordar que existe uma

outra Beleza, superior, suprema: a Inteligível.

Na modernidade, o que se busca é a beleza sensível.

Ela é o fim, uma rua sem sentido e não um caminho que pode apontar para algo grandioso e

bastante que transcende o mundo das aparências e toca a dimensão do essencial.

Quem se cinge pela beleza sensível, quem recusa subir vive num mundo ilusório em

que os seus olhos estão absolutamente vendados. Por esta razão, as pessoas procuram a

perfeição somente nessa beleza e não na natureza espiritual.

___________________________________________________________________________ 10 Realidade corpórea é o mesmo que dizer corpo, matéria. 11 “olhos de quem não vê” Pode parecer ambíguo, mas quero dizer com isto que só quem vê com o sentido

(visão) literalmente falando só se depara com o mundo sensível, o mesmo que é depreciado pelo autor das

Enéadas. Os que olham sem ver são as pessoas que se deixam mergulhar pela ilusão da forma exteriorizada da

matéria.

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Esta necessidade de beleza em jeito de “máscara” mostra o quão decadente estamos de

espírito. Cabisbaixos olhamos para baixo ao invés de olhar rumo ao Uno.

A filosofia espiritualista de Plotino toma a beleza como qualidade do ser, é uma

criação metafísica.

A beleza não se mede quantificamente, é pura qualidade. No máximo o que poder-se-à

dizer é que há graus relativos à sua pureza.

Não podemos ignorer o factor de dinâmica do ser segundo Plotino.

Em termos práticos, supondo que existem duas realidades, uma corpórea A e outra

espiritual B12.

A designada por A é um corpo, uma matéria, a qual é dada de imediato. Não existem

ambiguidades nem lacunas na compreensão da mesma. É uma massa corpórea estática e sem

vida.

Já o B é a reserva mental da imagem, é um mapa mental, intelectual que através da

memória nos faz relembrar do mesmo. Esta é viva, porque vive a vida do nosso espírito.

É no nosso espírito que reside a beleza superior do ser, assim o espírito pode criar o belo.

A beleza em Plotino ultrapassa as barreiras físicas e apresenta-se em sua autêntica

pureza e imaterialidade.

Esta beleza afastada da realidade material e sensível exige uma ascensão.

Poder-se-à dizer que Plotino atribuiu uma função à beleza que é caminhar para o alto (Bem) e

finalmente chegar ao observatório metafísico do mundo.

12 Ramos, Bento Silva - UFES – Plotino: Uma perspectiva neoplatónica da estética. Departamento de Filosofia

Soares, Luciana Gabriela E. C. Traduçã - Plotino, Acerca da Beleza Inteligível (Eneáda V, 8 [31]) - Introdução,

tradução e notas

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Onde está a Beleza?

“(…)A beleza, portanto, está lá em cima e provém do alto”13(…)

A alma consegue apreender a beleza através do intelecto.

Para essa apreensão ser bem sucedida, são imprescindíveis as faculdades cognoscitivas e

intelectuais.

Quando falamos de fonte da beleza, falamos do espírito e não da matéria.

O espírito satisfaz a sede da Beleza.

“Então, tome como exemplo, se quiser, duas pedras que se encontram em estado bruto uma ao lado da outra, uma sem proporção e desprovida de arte e a outra já transformada pelo domínio da arte na estátua de um deus ou ainda de um homem, de um deus como uma Graça ou uma Musa e de um homem , não qualquer um, mas aquele que a arte criou

escolhendo todas as belas qualidades. Aquela pedra que atingiu a beleza de uma forma devida à arte, aparecerá bela não em relação ao seu ser pedra —pois seria igualmente bela também a outra— mas pela forma que a arte infundiu. Portanto, a matéria não tinha esta forma, mas esta estava em quem a pensava já antes de atingir a pedra; estava no artífice, não enquanto é dotado de olhos e mãos, mas porque participava da arte14.”

Dois blocos de pedra, um em bruto, e outro trabalhado dando origem a uma estátua.

O mais Belo supostamente é a estátua.

Mas essa beleza não está na matéria. Pois, se tivesse o bloco de pedra em bruto era

igualmente bela.

Assim sendo, a realidade corpórea só é bela pela forma que a arte lhe deu. Pela forma

que está no intelecto do artista. “Forjar o belo na matéria é buscar encontrar aquilo que amamos, que é o mais próprio de nossa natureza, o inteligível. Assim, toda a escada própria da erótica dialética ascendente

configura a compreensão sublime da arte em Plotino: a beleza percebida no mundo sensível é o primeiro passo do lembrar-se de si mesmo, o qual deve ser superado na

descoberta amorosa das realidades psíquicas. Forjando o belo no sensível, o artista se apresenta como um apaixonado pelas realidades mais intensamente belas do psíquico, e, num próximo momento, também a psyché se apaixona pelo inteligível, e mais belas ainda

serão suas produções15.”

____________________________________________________________________ 13 Eneádas V, 8, 13 14 Plotino Eneáda V Cap I 15(2007): Viso. Cadernos de Estética Aplicada - Revista electrónica de estética N.º 3, Set – Dez/2007

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“o intelecto dá forma às coisas da natureza, as torna belas pelo grau de participação na mesma ideia16.”

Este pensador diz que para além da beleza das coisas sensíveis, naturais e próprias da

arte, existem belezas supremas, as belezas que se encontram no alto, num patamar bem

superior, belezas essas que não cabem na percepção das sensações, mas à contemplação.

“enquanto a beleza permanece externa não a vemos ainda, quando finalmente é interna à

alma tem efeito sobre nós. Na verdade, apenas a forma entra através dos olhos: senão como poderia entrar através de uma abertura tão pequena? Mas a forma traz consigo

também a grandeza, não aquela grande enquanto massa, mas aquela que é grande pela forma17.”

Essa ascensão da beleza sensível em direção à beleza inteligível faz-se através do

conhecimento do Homem em relação a si. Este conhecimento da realidade inteligível alcança-

se com a alma.

Para entender o Belo, a forma na alma não passa de um preceito.

___________________________________________________________________________ 16. 17 Ramos, Bento Silva - UFES – Plotino: Uma perspectiva neoplatónica da estética. Departamento de

Filosofia

Soares, Luciana Gabriela E. C. Traduçã - Plotino, Acerca da Beleza Inteligível (Eneáda V, 8 [31]) - Introdução,

tradução e notas

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Os Observadores da Beleza Suprema

...

Quem são?

(...)nós que não estamos habituados a ver nada das coisas internas nem as conhecemos, seguimos o exterior ignorando que é o interior que move. Como se alguém, vendo a

própria imagem, não reconhecendo de onde esta vem, a seguisse. Além disso, tanto a beleza nos estudos como a beleza nos hábitos, ou ainda, em geral, a

beleza nas almas, revela que isto que é seguido é outro e que a beleza não está na grandeza. E certamente, na verdade, há mais beleza quando tu vês a sabedoria em alguém

e ficas admirado não olhando para o rosto — este poderia ser na verdade feio — mas deixando de lado todo o aspecto exterior, tu segues a sua beleza interior .

Se ao invés não te comove ainda, ao ponto de definir bela uma tal pessoa, olhando para o teu próprio interior tampouco te alegrará de ti mesmo como belo. De maneira que em vão

tu buscarias a beleza estando em tal condição; pois a buscarás no feio e no impuro; por isso os discursos sobre tais argumentos não são para todos.

Mas se tu também viste a ti mesmo belo, recorda-te18(...) Cap2

Ora respondendo à questão que coloquei anteriormente, nem todos os homens

conseguem enxergar esta Beleza. Aliás, de facto, falamos de uma “amostra” bem selectiva.

Ou seja, são poucos os que reúnem esforços intelectuais para aceitar o “bilhete de viagem

ascendente” até ao Uno.

Estes homens de que falamos terão que ser alvo de um trabalho prévio que consiste

em ver não a “capa” que reveste os “corpos”, mas a sabedoria que não reside na feíura nem na

aparente perfeição, mas sim no interior, no espírito. Para isso, têm que raspar e lapidar o seu

próprio ser e a perspectiva de ver.

“(...)De fato, a beleza ilumina todas as coisas e sacia aqueles que estão lá, ao ponto que também esses se tornam belos, como muitas vezes os homens subindo sobre lugares

elevados, no momento em que a terra de lá adquire uma cor dourada, são inundados por aquela cor tornado-se semelhantes à terra sobre a qual caminham. Mas lá a cor que

floresce é beleza, ou ainda, tudo é cor e beleza em profundidade. Pois o belo não é alguma coisa de diverso, como se fosse um simples florescimento em superfície.

Mas aqueles que não vêem o todo crêem somente na impressão externa; ao contrário, àqueles que estão, por assim dizer, totalmente embriagados e saciados de néctar, já que a beleza penetrou toda a alma, é consentido ser não apenas espectadores, porque não existe mais uma coisa externa e uma outra, aquela que olha, por sua vez externa; mas isto que vê

com a vista aguda possui em si mesmo isto que é visto; todavia, mesmo o possuindo, muitas vezes ignora que o possui e olha como se o objeto fosse exterior, já que olha como se isto

fosse uma coisa visível e porque quer vê-lo como tal. Tudo isto que alguém olha como se fosse visível, olha do exterior. Mas é preciso agora

transferir;o objeto visível em si mesmo e olhar para ele como se fosse uma unidade e vê-lo como si mesmo, como se alguém possuído por um deus, inspirado por Febo ou por uma

Musa gerasse em si mesmo a visão do deus, se tivesse a força de olhar um deus em si mesmo.19(...)”

__________________________________________________________________________________ 19Prof. Pizzinga, Dr. R - Um iniciado que estudou a natureza da alma Pensamentos de Plotino (incluindo biografia do autor das Enéadas) - Membro dos Iluminados de Kemet

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Identificação

“Intertextualidade” com a Eneáda I

“Jamais um olho verá o sol sem ter-se tornado semelhante ao sol, nem uma alma verá a

beleza sem ter se tornado bela. Todo ser deve tornar-se divino e belo, se deseja contemplar a Deus e a Beleza.20”

A beleza expressa-se como luz, esplendor, como qualidade pura.

O espírito do homem é criador de beleza; assim pode atingir a contemplação do

esplendor metafísico.

Aquele que contempla a beleza física não deve ficar hipnotizado, mas dar-se conta de

que se trata apenas de uma imagem, de uma ilusão, e que deveria assim subir em direcção à

fonte da qual esta não passa de um reflexo.

Pode-se ainda acrescentar que de facto existem graus ascendentes de beleza. Isto para

percebermos melhor da estrutura da viagem ascendente.

O grau zero não existe, isto porque, segundo Plotino, em cada corpúsculo de matéria,

o esplendor do bem ainda transparece.

Voltando ao processo identificativo, quem quiser exercer o papel de aluno de Plotino

só o fará quando se reconhecer a si próprio.

“[…]Volte-se sobre ti mesmo, e olha. Se ainda não vês tu mesmo belo, como um criador de esculturas que busca torná-las belas – ele retira uma parte, recorta a outra, outra faz

suave, outra ainda faz pura – desta forma também tu, retire o excesso, alinha aquilo que for torto, trabalha sobre o que for obscuro, purifica-os, para que sejam brilhantes. E não

cesse de moldar sua própria escultura, até que o esplendor da virtude deiforme brilhe, até que tu vejas a temperança fixada no trono sagrado. Se, tendo te tornado isto, tu também

vês isto, associe-se consigo mesmo de modo puro21 [...].

E isso significa, pôr de lado a dimensão corpórea e assim iniciar a sua própria

purificação. Esta decorrerá se na alma do próprio existir o desejo de alcançar o Além22.

Plotino é um amante da identificação da nossa índole com a da Beleza inteligível.

Percorrendo as Enéadas, deparamo-nos com algumas “ordens” no sentido de nos fazer

crer pragmaticamente que o melhor é lapidar o nosso ser, removendo tudo o que seja

impurezas. Isto, para que no final as sobras melhorem a “visão”, para que possamos descobrir

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a beleza em nós para contemplar a de lá.

Quando a alma se apercebe que partilha a mesma natureza da beleza inteligível

recorda-se de si própria.

Um homem puro, de bem conseguirá detectar as qualidades de outro homem, desde

que este último também viva em tranquilidade e em sintonia com a sua vida interior. Ou seja,

não pode estar mergulhada na mera ilusão do mundo sensível que é tão enganador.

___________________________________________________________________________ 20 Plotino Eneáda I, 6, 8-9 21(2007): Viso. Cadernos de Estética Aplicada - Revista electrónica de estética N.º 3, Set – Dez/2007 22 O Além é tomado semânticamente como a Beleza inteligível, a essência.

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Conclusão

O autor a quem esta análise se dedica, influenciou a filosofia platónica que também

procurava atingir a essência das coisas através da contemplação das essências, do belo em si

mesmo.

Trata-se de uma busca racional da verdade e do sentido de todas as coisas.

A carta lançada para a mesa levanta a questão do Belo que é bem mais relativo e

complexo do que possa parecer.

Não se trata aqui da aquisição de uma beleza de natureza diversa daquela que é inata à

alma. Trata-se apenas da beleza que é revelada à alma à medida que ela se dirige em direcção

ao Intelecto.

Essa conversão que ele quer “ensinar” a qualquer aprendiz que esteja disposto a subir

para o mais alto rumo à beleza, e ao Uno será purificado ao longo desta.

Plotino cria uma concepção diferente de Beleza que estamos habituados a ver

imediatamente através dos nossos sentidos.

Ele fala da conversão, da mudança do nosso comportamento visual, fala de um

enriquecimento de alma, de espírito.

Não se ilude, nem se verga perante as cores, ou porporções aparentemente perfeitas.

Porque a forma é apenas um reflexo. E sem forma, seria apenas uma matéria amorfa que não

suscitaria atenção nem do observador mais perito.

Plotino é um especialista da metafísica, ele vê para além do que a realidade lhe dá

instantaneamente, ele vê para além da “brutalidade” dos corpos.

A meu ver, o maior desafio está no facto de que nós hoje temos um conceito de belo e

de arte como algo da sensibilidade e ligado à múltiplas interpretações.

A filosofia antiga procurava uma compreensão racional de tudo, desvalorizando a

sensibilidade como forma de conhecimento. Neste sentido o belo em si mesmo, existe no

intelecto e a arte seria uma forma de o expressar.

Plotino aborda a beleza num sentido metafísico. A contemplação do belo consiste

numa apreensão intelectual que se obtém por um percurso cognitivo. Atingir o belo é o

máximo que a alma pode alcançar. Será como que a captação da essência das coisas. Atingir a

beleza inteligível é uma atividade intelectual que a aproxima do Uno.A arte tem um sentido

metafísico. Ela é valorizada na medida em que consiste num dos modos de reconhecimento da

beleza. A arte provém do intelecto. Isto significa que a arte transporta o conhecimento

intelectual do belo.

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Para Plotino a beleza não está na forma da realidade corpórea mas na sua índole, no

seu espírito. Aqueles que vêem a beleza desse modo não vêem coisa nenhuma, estão "cegos".

Quem tem a capacidade de ver é quem olha com a alma, é quem aceita fazer essa viagem

ascendente até encontrar-se a si próprio despido, que é o mesmo que dizer, encontrar a beleza

suprema.

O Uno será a inteligência suprema da qual emanam todas as coisas. O ser humano no

intuito de alcançar o verdadeiro conhecimento, deve elevar-se das coisas sensíveis às

inteligíveis. Trata-se de um percurso intelectual até se atingir a compreensão do belo. Será o

confronto do homem com a essência e verdadeira natureza das coisas.

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21

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