O BEM DE FAMÍLIA E A CONCESSÃO DE USO PARA ... - UNIESP...

24
SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES ISSN: 2176-5227 158 O BEM DE FAMÍLIA E A CONCESSÃO DE USO PARA MORADIA Fernando Augusto Andrade Conceição Faculdade Unida de Suzano - UNISUZ Introdução – a questão da moradia na Constituição Federal de 1988 – o Bem de Família à luz da Lei 8.009/90 – Bem de Família no Código Civil – Jurisprudência contemporânea Nosso trabalho tentará ver alguns pontos relevantes do bem de família sobre cinco enfoques: primeiramente, falaremos sobre o bem de família à luz da Constituição Federal de 1988, depois abordaremos o tema na esfera da Lei 8.009/90, que trata do bem de família legal ou involuntário; ato seguinte, falaremos sobre o bem de família no novo Código Civil, também denominado bem de família voluntário ou convencional, aquele instituído por ato de vontade das partes; na sequência, será vista a Lei de Registros Públicos, nos dispositivos que tratam do Bem de família e, por fim, veremos sua aplicação e interpretação nos Tribunais Superiores, inclusive com a apresentação de recentes decisões sobre o tema, em especial do Superior Tribunal de Justiça. Ainda no que diz respeito à jurisprudência, será possível verificar a mudança de pensamento do julgador que, se num primeiro momento aplicava uma interpretação puramente gramatical aos dispositivos que tratam do Bem de Família, com o passar do tempo, passou a dar-lhes uma interpretação mais extensiva, aceitando a formalização do bem de família em situações muito além daquelas imaginadas pelo legislador quando criou a Lei 8.009/90. E por essa razão, o bem de família, por sua inquestionável relevância prática, vem ganhando crescente aprofundamento doutrinário, além de vasto espaço na jurisprudência dos tribunais pátrios, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, que tem destinado certa elasticidade na proteção legal do instituto. De fato, a impenhorabilidade do bem de família é tema corriqueiro na Corte de Justiça, que sumulou a matéria em quatro de seus enunciados, que serão visitados logo mais. A questão da moradia na Constituição Federal de 1988 A Carta Magna ofereceu uma nova dimensão ao instituto, superando o caráter patrimonialista tradicionalmente conferido ao

Transcript of O BEM DE FAMÍLIA E A CONCESSÃO DE USO PARA ... - UNIESP...

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    158

    O BEM DE FAMÍLIA E A CONCESSÃO DE USO PARA MORADIA

    Fernando Augusto Andrade Conceição

    Faculdade Unida de Suzano - UNISUZ

    Introdução – a questão da moradia na Constituição Federal de 1988 – o Bem de Família à luz da Lei 8.009/90 – Bem de Família no Código Civil – Jurisprudência contemporânea

    Nosso trabalho tentará ver alguns pontos relevantes do bem de família sobre cinco enfoques: primeiramente, falaremos sobre o bem de família à luz da Constituição Federal de 1988, depois abordaremos o tema na esfera da Lei 8.009/90, que trata do bem de família legal ou involuntário; ato seguinte, falaremos sobre o bem de família no novo Código Civil, também denominado bem de família voluntário ou convencional, aquele instituído por ato de vontade das partes; na sequência, será vista a Lei de Registros Públicos, nos dispositivos que tratam do Bem de família e, por fim, veremos sua aplicação e interpretação nos Tribunais Superiores, inclusive com a apresentação de recentes decisões sobre o tema, em especial do Superior Tribunal de Justiça. Ainda no que diz respeito à jurisprudência, será possível verificar a mudança de pensamento do julgador que, se num primeiro momento aplicava uma interpretação puramente gramatical aos dispositivos que tratam do Bem de Família, com o passar do tempo, passou a dar-lhes uma interpretação mais extensiva, aceitando a formalização do bem de família em situações muito além daquelas imaginadas pelo legislador quando criou a Lei 8.009/90. E por essa razão, o bem de família, por sua inquestionável relevância prática, vem ganhando crescente aprofundamento doutrinário, além de vasto espaço na jurisprudência dos tribunais pátrios, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, que tem destinado certa elasticidade na proteção legal do instituto. De fato, a impenhorabilidade do bem de família é tema corriqueiro na Corte de Justiça, que sumulou a matéria em quatro de seus enunciados, que serão visitados logo mais.

    A questão da moradia na Constituição

    Federal de 1988

    A Carta Magna ofereceu uma nova

    dimensão ao instituto, superando o caráter

    patrimonialista tradicionalmente conferido ao

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    159

    direito civil, o que ensejou uma leitura mais

    humanizada de seus institutos clássicos.

    Entre seus dispositivos, podemos

    destacar o artigo 6º, que elevou a moradia ao

    patamar de direito social. Dispõe referido

    dispositivo:

    Artigo 6º- São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

    Ao inserir a moradia no tema de direito

    social, o legislador destacou que para cada

    indivíduo desenvolver suas capacidades e

    até se integrar socialmente, é fundamental

    possuir morada, já que se trata de questão

    relacionada a própria sobrevivência.

    O direito à moradia digna foi reconhecido e

    implantado como pressuposto para a

    dignidade da pessoa humana, desde 1948,

    com a Declaração Universal dos Direitos

    Humanos e, foi recepcionado e propagado

    na Constituição Federal de 1988, por

    advento da Emenda Constitucional nº 26/00,

    em seu artigo 6º, caput.

    Como bem se vê, a

    constitucionalização do direito à moradia, e

    sua inclusão dentre os direitos sociais,

    abriu uma discussão acerca da validade e

    eficácia de tal norma.

    Não há dúvida de que a inclusão do

    direito à moradia no rol dos direitos sociais

    traz repercussões ao mundo fático que não

    podem ser olvidadas pelos juristas.

    Considerando que os direitos sociais

    estão na esteira dos direitos fundamentais do

    ser humano, tem-se, como decorrência, que

    eles se subordinam à regra da auto-

    aplicabilidade, ou seja, aplicação imediata,

    não necessitando de norma infra

    constitucional para sua aplicabilidade.

    Isso fica evidente com a formalização

    da Lei 8.009/90, onde não há necessidade do

    interessado fazer absolutamente nada para

    ser amparado pela proteção constitucional à

    impenhorabilidade do bem que serve de

    moradia à sua família.

    Não podemos esquecer que, após a

    data de 1948, vários tratados internacionais

    reafirmaram que os Estados têm a obrigação

    de promover e proteger o direito à moradia

    digna e já existem inúmeros textos

    diferentes da ONU que reconhecem tal

    direito.

    Apesar disso, a implementação deste

    direito ainda é um grande desafio.

    A mesma Constituição Federal, em

    seu artigo 3º., inciso III, (data show)

    promoveu a questão do bem de família como

    forma de erradicação da pobreza e a

    marginalização, elevando esse conceito

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    160

    como objetivo fundamental da Republica

    Federativa.

    Para que a pessoa humana desfrute

    de uma vida digna, é preciso garantir-lhe o

    acesso a bens essenciais ou indispensáveis,

    o que a doutrina chama de estatuto do

    patrimônio mínimo, cujo exemplo mais

    evidente é o bem de família.

    Também podemos citar a legislação

    processual civil que disciplinou a

    impenhorabilidade absoluta e relativa de

    determinados bens no artigo 833, do Código

    de Processo Civil, lembrando que, o próprio

    §1º., permite sim a penhorabilidade em

    relação a execução de dívida relativa ao

    próprio bem, inclusive aquela contraída para

    sua aquisição.

    O Bem de Família na visão da lei 8.009/90 -

    Estabelece o artigo 1º., da Lei 8.009/90:

    Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

    Parágrafo único. A impenhorabilidade

    compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

    No que se refere especialmente ao

    bem de família, a Lei 8.009/90, em seu artigo

    1º, caput, protegeu com o benefício da

    impenhorabilidade “o imóvel residencial

    próprio do casal ou da entidade familiar,

    isentando-o da responsabilidade por dívida

    civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de

    qualquer outra natureza”,

    independentemente de ato de vontade

    manifestado pelo proprietário, ou seja, tratou

    do denominado bem de família involuntário

    ou legal.

    Mais a frente veremos que, diretriz

    protecionista da entidade familiar foi

    também adotada nos artigos 1711 a 1722 do

    Código Civil, mas seus efeitos vão além da

    impenhorabilidade, para alcançar também a

    inalienabilidade do imóvel residencial,

    exigindo-se, para tanto, ato de vontade do

    instituidor.

    Desta feita, a disciplina do tema

    estabelece dois regimes jurídicos distintos,

    que convivem harmoniosa e

    simultaneamente: (i) o primeiro, referente ao

    bem de família legal, com regramento

    autônomo na Lei 8.009/90; (ii) e o segundo,

    o do bem de família voluntário ou

    convencional, disciplinado pela legislação

    codificada que, como frisamos acima, estão

    previstos nos artigos 1711 a 1722 do novo

    Código Civil.

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    161

    Antes de adentrar na análise do objeto

    e características do instituto, importa

    identificar o conceito e os destinatários da

    proteção legal, para que, a partir daí, se

    compreenda o seu alcance.

    O bem de família legal é aquele

    protegido por lei com o benefício da

    impenhorabilidade, em prol do direito

    fundamental à moradia da família e de seus

    componentes.

    Por dedução lógica, tem-se que a

    proteção do bem de família destina-se à

    tutela da entidade familiar, cujo conceito

    deve ser o mais abrangente possível, o mais

    elástico possível.

    Para a Professora Maria Berenice

    Dias, a família “é um grupo social fundado

    essencialmente nos laços de afetividade”.

    O importante é registrar que a família

    não deve ser encarada como instituição, mas

    sim como mero instrumento de promoção da

    dignidade de cada membro. Veja que nesse

    conceito não há menção a homem ou

    mulher, filhos, avós, relação heteroafetiva ou

    homoafetiva prevalecendo, repita-se, o

    grupo formado por laços de afeto.

    E essa abertura conceitual vem sendo

    observada não só em âmbito doutrinário

    como também no jurisprudencial. O Superior

    Tribunal de Justiça firmou entendimento no

    sentido de que até a pessoa sozinha, por

    exemplo, pode ser considerada uma família

    para efeito da proteção da Lei 8.009/90.

    Em 1999, no julgamento do REsp

    205.170, a Quinta Turma do Superior

    Tribunal de Justiça afirmou que “o conceito

    de entidade familiar agasalha, segundo a

    aplicação da interpretação teleológica, a

    pessoa que é separada e vive sozinha”.

    O entendimento, na época, inovador,

    evoluiu e posteriormente cristalizou-se no

    enunciado nº 364 do Superior Tribunal de

    Justiça: “o conceito de impenhorabilidade de

    bem de família abrange também o imóvel

    pertencente a pessoas solteiras, separadas

    e viúvas”.

    Existe precedente ainda mais

    ampliativo, pois a Primeira Turma do STJ

    estendeu o benefício à pessoa jurídica, no

    caso, pequena empresa, em cuja sede

    residia o devedor e sua família, ou seja, a

    pequena empresa familiar, onde existe

    identidade de patrimônios, também está

    abrangida pelo conceito de entidade familiar

    impenhorável

    Retornando ao objeto da proteção do

    bem de família legal, prevalece o

    posicionamento de que a proteção legal se

    destina ao imóvel em que efetivamente

    resida o devedor, independentemente de seu

    valor.

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    162

    Assim, ainda que o devedor possua

    outro bem imóvel de menor valia, a lei

    protege aquele que efetivamente se destine

    à moradia da família.

    Frise-se que, por importante, o STJ

    tem entendido também que o fato de o imóvel

    ser um bem de família tem presunção juris

    tantum, ou seja, goza de presunção relativa.

    Sendo assim, compete ao credor provar que

    o imóvel não preenche os requisitos para

    gozar do benefício legal, prova essa de difícil

    demonstração.

    Ainda de acordo com o artigo 1º,

    parágrafo único, da Lei 8.009/90, a

    impenhorabilidade do bem de família não se

    restringe ao imóvel residencial, mas abrange

    também suas construções, plantações,

    benfeitorias de qualquer natureza “e todos os

    equipamentos, inclusive os de uso

    profissional, ou móveis que guarnecem a

    casa, desde que quitados”

    Por outro lado, podem ser

    penhorados, de acordo com o artigo 2º da

    mesma lei “os veículos de transporte, obras

    de arte e adornos suntuosos”.

    Aqui cabe uma ressalva, e isso

    aconteceu diversas vezes na minha carreira

    já como Magistrado; as vezes o oficial de

    justiça, ao cumprir mandado de penhora,

    acabava não formalizando o ato em razão de

    dúvida que vinha documentada através de

    certidão. Certifico e dou fé que não realizei o

    ato ....(justificativa).

    Nesses casos, o Juiz (eu, no caso)

    não tinha qualquer receio em determinar o

    cumprimento da ordem, aguardando que o

    devedor, maior interessado, apresentasse

    embargos questionando a validade do ato

    para que, ai sim, se pudesse ter a

    oportunidade de manifestar e, em várias

    ocasiões, o Magistrado acabou

    reconhecendo que o bem penhorado era

    impenhorável, determinando que novo ato

    fosse formalizado.

    Essa dúvida do Oficial de Justiça era

    muito comum e, no interior, devido a

    facilidade de acesso entre Juiz e

    funcionários, era muito mais rápida a

    solução.

    Além dos bens móveis que

    guarnecem o lar, também é objeto de

    proteção o próprio imóvel, ainda que nele

    não resida o devedor. É o caso do bem que

    se destina à moradia de seus familiares,

    como, por exemplo, um irmão ou a genitora

    do devedor.

    Mais a frente veremos sob a ótica da

    jurisprudência, questões como essa e outras

    que superam a utilização do bem de família

    por parentes

    Até mesmo quando o único imóvel do

    devedor não se destine à sua moradia ou de

    sua família pode se tornar isento de

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    163

    constrição judicial, desde que, uma vez

    alugado a terceiro, sua renda se destine à

    subsistência familiar ou ao pagamento de

    aluguel para a moradia em outro bem.

    É o que se extrai do enunciado nº 486

    do Superior Tribunal de Justiça: “É

    impenhorável o único imóvel residencial do

    devedor que esteja locado a terceiros, desde

    que a renda obtida com a locação seja

    revertida para a subsistência ou a moradia da

    sua família”.

    Ressalte-se que, é penhorável a vaga

    de garagem, quando considerada de forma

    individual e autônoma em relação à

    residência do devedor, nos termos do

    verbete nº 449 da Corte Superior, expresso

    nos seguintes termos: “A vaga de garagem

    que possui matrícula própria no registro de

    imóveis não constitui bem de família para

    efeito de penhora”.

    Em tempo, importa pontuar que, até

    mesmo os bens já submetidos à penhora

    antes do advento da Lei 8.009/90 são

    alcançados pelo benefício legal, nos termos

    da Súmula 205 do mesmo tribunal: A lei

    8.009/90 aplica-se a penhora realizada antes

    de sua vigência, tendo em vista tratar-se de

    norma processual, de aplicação imediata,

    atingindo, por tal razão, os processos em

    curso.

    No que concerne às características do

    bem de família legal, trata-se de bem

    impenhorável por força de lei. Tal benefício é

    disciplinado por norma de ordem pública,

    revelando-se indisponível e irrenunciável,

    pois vai além dos interesses do devedor,

    para tutelar a família na pessoa de cada

    membro.

    Por tal razão, prevalece sobre

    eventual garantia contratual de dívida,

    exceto se inserida nas exceções

    contempladas taxativamente em lei.

    Da afirmação acima é possível extrair

    algumas consequências. A primeira delas foi

    recentemente acentuada pelo Superior

    Tribunal de Justiça: A impenhorabilidade do

    bem de família é matéria de ordem pública,

    dela podendo conhecer o juízo a qualquer

    momento, antes da arrematação do imóvel,

    desde que havendo prova nos autos quanto

    a sua incidência.

    Contudo, o próprio julgado ressalva a

    possibilidade de preclusão da matéria,

    quando a questão já foi alegada e decidida

    no processo. Portanto, são situações

    distintas, que recebem tratamento apartado.

    Nesta hipótese, já houve decisão no

    processo acerca da alegação de bem de

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    164

    família e, uma vez preclusa a matéria, não

    cabe sua reapreciação pelo magistrado, sob

    pena de gerar insegurança jurídica e o

    prolongamento indevido do processo.

    Lembremos que o processo anda para

    frente; o juiz deve fazer com que o processo

    siga adiante e não retorne para que questões

    já discutidas sejam novamente revistas

    Outra consequência verificável é a

    vedação do sequestro de bens que não pode

    ser, ao fim, expropriado.

    De fato, como tal medida cautelar visa

    resguardar, no patrimônio do devedor, a

    solvência da dívida, e o credor só terá o

    crédito satisfeito com a arrematação ou

    penhora, sendo esta inviável no bem de

    família, o sequestro resta igualmente

    vedado.

    Neste sentido vem se manifestando o

    Superior Tribunal de Justiça, conforme se

    vê: “A teor dos princípios da executividade

    de forma menos gravosa ao devedor (art.

    620 do CPC) e da estrita necessidade das

    medidas constritivas, não é possível permitir

    sequestro de bens que, ao final, não poderão

    ser expropriados.”

    Percebe-se que o tema não seria

    satisfatoriamente analisado sem que se

    fizesse menção às hipóteses que

    excepcionam a regra da impenhorabilidade

    do bem de família legal.

    Elas estão taxativamente contidas no

    artigo 3º da Lei 8.009/90 e têm recebido

    interpretação restritiva pela reiterada

    jurisprudência da citada corte de justiça.

    As exceções mais analisadas em seus

    julgados são referentes aos incisos III, IV e

    V, que, por sua forte aplicação prática, serão

    tratadas no presente estudo.

    Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015) IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

    A primeira delas admite a penhora do

    imóvel residencial do devedor para o

    pagamento de pensão alimentícia (inciso III),

    sem, contudo, fazer distinção quanto à causa

    dos alimentos.

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    165

    Assim, o que tem prevalecido é pela

    irrelevância da origem desta prestação, ou

    seja, independentemente de se tratar de

    relação familiar ou ato ilícito, a penhora do

    bem de família é admitida.

    No ponto, importa ressaltar que mesmo a

    dívida alimentar antiga autoriza a penhora do

    imóvel residencial do devedor, pois o débito

    pretérito não retira o caráter alimentar da

    prestação, conforme entendimento

    jurisprudencial dominante.

    Quanto à exceção contida no inciso IV,

    muito se discutiu acerca da possibilidade de

    penhora do bem de família para o pagamento

    de despesas condominiais; contudo, a

    matéria hoje se encontra uniformizada em

    jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal

    de justiça, que admite a penhora para tal fim.

    Conforme precedente do STJ, os

    inadimplentes com as despesas do

    condomínio respondem pelo não

    cumprimento da obrigação, podendo o

    imóvel, ainda que bem de família, ser

    penhorado para garantia de pagamento da

    dívida, pois a regra da impenhorabilidade do

    bem de família não alcança os débitos

    condominiais

    Avançando para a exceção contida no

    artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/90, importa

    registrar que a “execução de hipoteca sobre

    o imóvel oferecido como garantia real pelo

    casal ou pela entidade familiar” somente

    atinge os bens que foram dados em garantia

    de dívidas contraídas em benefício da

    própria família.

    Assim, se a garantia for instituída em

    favor de terceiro, o bem continua protegido

    pelo benefício da impenhorabilidade.

    Conforme firme entendimento

    jurisprudencial, quando a hipoteca é dada

    em garantia de crédito outorgado a pessoa

    jurídica, o bem destinado à moradia de sócio

    mantém-se sob a proteção legal.

    O Bem de Família à luz do Novo Código

    Civil

    Até aqui muito foi dito a respeito do

    Bem de Família legal ou involuntário, aquele

    instituído por força da Lei 8.009/90; convém

    trazer alguns pontos interessantes a essa

    seara a respeito do Bem de Família

    voluntário ou convencional, aquele instituído

    por ato de vontade e que está previsto a

    partir do artigo 1711 do novo Código Civil

    O Professor Luiz Guilherme Loureiro,

    em sua obra Registros Públicos – Teoria e

    Prática, nos traz o conceito de bem de família

    instituído por ato de vontade: “é o prédio

    urbano ou rural, com suas pertenças e

    acessórios, destinados à residência da

    família, desde que não excedam a um terço

    do patrimônio líquido”.

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    166

    Esse instituto tem por finalidade

    proteger a família em relação aos riscos

    econômicos ou negócios desafortunados

    que possam colocar em risco o seu bem-

    estar, como, por exemplo, a morte do

    cônjuge responsável pela subsistência da

    entidade familiar.

    Aliás, o exemplo do falecimento do

    cônjuge arrimo da família é a hipótese mais

    evidente de como é importante o instituto do

    bem de família para com os descendentes

    supérstites.

    Como já mencionado no início deste

    trabalho, os dois tipos de implantação do

    bem de família, o previsto no artigo 1711 do

    Código Civil que trata do bem de família

    voluntário, e aquele previsto na Lei 8.009/90,

    que cuida do bem de família legal ou

    involuntário, coexistem simultaneamente.

    Se por um lado o Código Civil

    estabelece aos cônjuges ou entidade familiar

    a faculdade de destinar parte de seu

    patrimônio para instituir bem de família, seja

    por escritura pública ou testamento, a

    legislação civil deixa claro que manteve as

    regras sobre a impenhorabilidade do imóvel

    residencial estabelecida por lei especial.

    Vejamos no quadro abaixo as

    principais diferenças entre os dois institutos:

    Bem de família legal ou involuntário – Lei 8.009/90

    Torna impenhorável o imóvel que sirva de residência á família

    Instituído pela lei

    Bem de família voluntário ou consensual – Código Civil

    torn a indisponível e impenhorável o imóvel (prédio residencial) e outros bens de, no máximo, 1/3 do patrimônio líquido

    Instituído através de escritura pública ou testamento, mas constituído mediante registro de documento no Cartório de Registro de Imóveis

    Sua inexistência é suplementada pela Lei 8.009/90

    Não isenta os tributos referentes ao imóvel e taxa de condomínio

    Pode ser alienado com anuência de todos os interessados e mediante manifestação favorável do MP

    Para extinção do bem de família é necessário ordem judicial

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    167

    Várias são as diferenças entre os dois

    institutos e talvez a mais evidente seja o fato

    de que o bem de família do direito civil torna

    indisponível e também impenhorável o

    imóvel e outros bens que compõem no

    máximo 1/3 do patrimônio líquido, enquanto

    o instituto processual apenas torna

    impenhorável o imóvel utilizado como

    residência da família.

    Outra diferença significativa diz

    respeito a forma que é instituído o bem de

    família legal que é a convencional e somente

    se constitui mediante o registro do

    documento no cartório de Registro de

    Imóveis, enquanto que a impenhorabilidade

    do bem de família decorre diretamente de lei.

    Outra distinção necessária diz

    respeito à forma de instituição do bem de

    família entre o Código Civil novo e o antigo,

    de 1916.

    De acordo com o Código Civil antigo,

    os chefes de família podiam destinar apenas

    um prédio para o domicílio da entidade

    familiar, com cláusula de isenção de

    execuções por dívidas, salvo as de natureza

    fiscal relativas ao mesmo prédio e, apenas o

    prédio residencial podia ser constituído como

    bem de família, pouco importando se situado

    em zona urbana ou rural.

    A partir da vigência do novo Código

    Civil, não apenas o prédio residencial, mas

    parte do patrimônio líquido poderá ficar

    isento das dívidas posteriores à sua

    instituição, salvo as provenientes de tributos

    relativos ao prédio ou as despesas de

    condomínio.

    Portanto, hoje o instituto é muito mais

    amplo, pois o patrimônio compreende não só

    o prédio utilizado como residência da família,

    mas também outros bens suscetíveis de

    avaliação econômica.

    É possível, ainda, afirmar que, caso o

    bem de família não esteja instituído na forma

    estabelecida pelo Código Civil, a matéria

    será regulada pelo artigo 1º., da Lei 8.009/90.

    Veremos agora os requisitos exigidos

    pela legislação civil para instituição do bem

    de família. Estabelece o artigo 1711 do

    Código Civil:

    Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

    Com base no artigo acima é possível

    identificar os seguintes requisitos para

    instituição do bem de família: (i) existência de

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    168

    entidade familiar, (ii) escritura pública ou

    testamento e (iii) titularidade do prédio

    residencial pelo instituidor-

    Seguindo a diretriz apresentada pelo

    artigo 1711 do Código Civil, a entidade

    familiar pode destinar parte de seu

    patrimônio para instituir bem de família,

    desde que não ultrapasse 1/3 do patrimônio

    líquido existente ao tempo da instituição

    Patrimônio é o conjunto de bens

    (ativo) e dívidas (passivo) de uma pessoa;

    por bens se entendem os direitos,

    notadamente os direitos sobre as coisas (ex.

    a propriedade) e seus desmembramentos

    (usufruto e servidão), além dos direitos reais

    de garantia (hipoteca, penhor e anticrese).

    Uma das formas de isentar parte do

    patrimônio de execução por dívidas é feita

    por meio da instituição do bem de família,

    todavia, somente 1/3 do patrimônio líquido,

    isto é, do saldo resultante da subtração entre

    o passivo (dívidas e obrigações) e o ativo

    (bens e direitos), pode ser destinado pelos

    cônjuges como bem de família.

    Estabelecem os artigos 1712 e 1713:

    Art. 1.712 - O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

    Artigo 1713- Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo

    antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição.

    De acordo com o estabelecido nos

    artigos mencionados, além do prédio

    residencial urbano ou rural, com suas

    pertenças e acessórios, o bem de família

    poderá abranger outros bens, tais como

    valores mobiliários, cuja renda deverá ser

    aplicada na conservação do imóvel e no

    sustento da família, desde que não excedam

    o valor do prédio instituído em bem de família

    à época da sua instituição.

    E mais, além do prédio residencial,

    além dos valores mobiliários, outros bens

    constantes do patrimônio líquido (p. ex:

    veículos, direitos e ações reais) podem ser

    instituídos como bem de família, desde que

    respeitada a cota de 1/3 do patrimônio líquido

    do titular.

    Via de regra, a família deve residir no

    imóvel destinado como bem de família; da

    mesma forma, a renda dos valores

    mobiliários deve ser necessariamente

    utilizada para o sustento da família e não

    para aquisição de bens de luxo.

    Esses bens não poderão ter outro

    destino, tampouco poderão ser alienados

    sem o consentimento dos interessados e de

    seus representantes legais.

    Parte da doutrina entende que o bem

    de família pode ser alugado ou arrendado;

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    169

    esse assunto será objeto de apreciação na

    parte final desse artigo, onde será possível

    analisar alguns casos dos Tribunais

    Superiores onde, já antecipando, é aceitável

    a posição onde o bem de família é alugado

    para terceiro, transformando a renda em

    subsistência da família instituidora do bem de

    família.

    Concluindo, portanto, hoje já não mais

    vigora a posição anterior que era sustentada

    pelo Código Civil de 1916, em seu artigo 70,

    onde havia limitação à destinação do bem de

    família apenas um prédio.

    Atualmente, como já mencionado, o

    Código Civil não mais limita a indicação do

    bem de família ao prédio residencial,

    permitindo seja destinado, no máximo, 1/3 do

    patrimônio líquido.

    Imaginemos a situação onde dois

    prédios são instituídos como bem de família,

    desde que esses bens não ultrapassem o

    limite de 1/3 do patrimônio líquido; um dos

    imóveis servirá para moradia da família,

    enquanto que o outro será alugado,

    destinando-se a renda do aluguel à

    subsistência da família.

    Portanto, os dois prédios terão a

    proteção do bem de família convencional ou

    voluntário, instituído pelo Código Civil.

    A legitimidade para instituir o bem de

    família pertence aos cônjuges,

    companheiros ou terceiros.

    Marido e mulher ou os concubinos

    podem instituir o bem de família por escritura

    pública ou por testamento, desde que

    estejam de acordo com a instituição, pois

    atualmente o marido não é mais considerado

    o cabeça do casal ou chefe da família.

    Já a administração do bem de família

    poderá ficar a cargo dos dois ou somente de

    um; se houver divergência quanto à sua

    instituição, caberá ao juiz resolver a

    pendência.

    De acordo com o parágrafo único do

    artigo 1711, o terceiro pode instituir o bem de

    família por testamento ou por doação

    mediante escritura pública, não sendo

    possível sua instituição por instrumento

    particular; nessa escritura pública de doação

    e instituição do bem de família deverá

    constar - de forma expressa – a aceitação

    dos cônjuges beneficiados ou da entidade

    familiar beneficiada (parágrafo único, art.

    1711)

    Como a lei não especifica a forma de

    testamento, a instituição poderá ser feita

    através de testamento público, cerrado ou

    particular.

    Artigo 1717- O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    170

    destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.

    O artigo 1717 traz o principal efeito da

    instituição do bem de família pela legislação

    civil - o prédio ou bem sobre o qual recai a

    instituição é declarado inalienável.

    O legislador procurou proporcionar à família

    uma segurança contra as cobranças dos

    credores; porém, essa inalienabilidade pode

    ser removida com anuência dos interessados

    e seus representantes legais, desde que

    ouvido sempre o Ministério Público

    Além da inalienabilidade, o bem de família

    também é impenhorável, pois o imóvel fica

    isento de execução por dívida; entretanto,

    essa impenhorabilidade é relativa, pois o

    bem de família responde pelas dívidas

    provenientes de tributos relativos ao mesmo

    prédio ou quando se verificar que a

    instituição do bem de família aconteceu com

    fraude ou prejuízo de débito anterior.

    Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.

    Parágrafo único . No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.

    No caso de dívida proveniente do

    custeio de condomínio, o bem de família

    pode sim ser penhorado, pois a obrigação é

    propter rem, isto é, decorre da relação entre

    o devedor e a coisa, vinculando a dívida ao

    proprietário.

    O procedimento para constituição do bem

    de família vem previsto nos artigos 260 a

    265 da Lei nº. 6015/1973, que é a Lei de

    Registros Públicos.

    Grande parte dos dispositivos

    previstos na Lei 6.015/73 irão repetir aquilo

    que foi mencionado pelos artigos do Código

    Civil, mas existem algumas ressalvas

    importantes que iremos explorar.

    A primeira delas diz respeito a forma

    como é instituído pelos cônjuges ou por

    terceiro o bem de família que somente irá

    formalizar-se através do registro de seu título

    – escritura pública ou formal de partilha, no

    caso de testamento – no Registro de

    Imóveis.

    Portanto, não basta a lavratura do

    título para criação do bem de família, sendo

    necessário o registro que tem natureza

    constitutiva.

    O procedimento de constituição de

    bem de família está previsto nos artigos 260

    a 265 da Lei de Registros Públicos.

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    171

    Artigo 260 – A instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando o instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família e ficará isento de execução por dívida

    O artigo 260 impõe para formalização

    do bem de família seja ele instituído por

    escritura pública, devendo constar nesse

    documento que o prédio ou patrimônio se

    destina ao domicílio ou ao sustento da

    família, ficando isento de execução por

    dívidas.

    Recebido o título o Oficial entregará

    recibo ao apresentante; a data do protocolo

    é extremamente importante porque

    determina a prioridade na inscrição.

    Uma vez protocolado e autuado o

    instrumento e demais documentos, terá o

    Oficial o prazo de 30 dias para o exame

    formal do título, verificando seus aspectos

    intrínsecos e extrínsecos.

    Caso os documentos não estejam em

    condições de ser aceito, o Oficial recusará o

    registro, indicando por escrito e de forma

    clara a razão da recusa e informando as

    exigências que deverão ser cumpridas pelo

    interessado.

    O interessado terá então duas

    opções: ou se conforma com a decisão do

    Oficial e cumpre com as exigências ou, caso

    não concorde, poderá suscitar dúvida que

    será dirimida pelo Juiz competente.

    Superada essa fase, ou seja, não

    havendo qualquer exigência por parte do

    Oficial ou sendo sanada a exigência ou,

    ainda, eventual dúvida cartorária for julgada

    improcedente, o Oficial elaborará edital a ser

    publicado.

    Artigo 262- Se não ocorrer razão para dúvida, o oficial fará a publicação, em forma de edital, do qual constará: I – o resumo da escritura, nome, naturalidade e profissão do instituidor, data do instrumento e nome do tabelião que o fez, situação e característicos do prédio; II- o aviso de que, se alguém se julgar prejudicado, deverá, dentro de 30 dias, contados da data da publicação, reclamar contra a instituição, por escrito e perante o oficial.

    O artigo 262 traz os requisitos que

    deverão constar no edital: resumo da

    escritura, nome, naturalidade, profissão do

    instituidor, data do instrumento e nome do

    tabelião que o fez, situação e característicos

    do prédio e o aviso de que, se alguém se

    julgar prejudicado, deverá, dentro de 30 dias,

    contados da data da publicação, reclamar

    contra a instituição, por escrito e perante o

    Oficial

    Fica claro que o dispositivo da lei não

    está atualizado com o novo Código Civil de

    2002, pois se o bem de família for instituído

    por testamento particular não precisará

    indicar o nome do tabelião, porque não

    participou do ato; ademais, o dispositivo da

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    172

    lei de registros públicos refere-se apenas a

    prédio, quando o novo Código admite a

    instituição de outros bens que deverão ser

    descritos e individualizados.

    Essa diferenciação pode ser

    facilmente esclarecida, pois o Código Civil é

    de recente promulgação (2002 e entrou em

    vigor em 2003), ao passo que as normas da

    Lei de Registros Públicos são anteriores a

    essa data, devendo, portanto, haver uma

    alteração legal para que esses dispositivos

    fiquem em consonância com a Lei Civil.

    Artigo 261- Para a inscrição do bem de família, o instituidor apresentará ao oficial do registro a escritura pública de instituição, para que mande publicá-la na imprensa oficial e, à falta, na capital do Estado ou do Território. Haverá, então, a publicação na

    imprensa local, conforme artigo 261 da lei

    registraria ou, na sua falta, na imprensa da

    Capital.

    A finalidade da publicação é dar

    publicidade, oferecer conhecimento a

    eventuais credores que tenham motivo para

    se oporem à constituição do bem de família.

    A publicação será feita uma única vez

    pela imprensa.

    Artigo 263- Findo o prazo do n. II do artigo anterior, sem que tenha havido reclamação, o oficial transcreverá a escritura, integralmente, no Livro n. 3 e fará a inscrição na competente matrícula, arquivando um exemplar do jornal em que a publicação houver sido feita e

    restituindo o instrumento ao apresentante, com a nota da inscrição.

    Ao final do prazo de 30 dias, sem

    qualquer reclamação, o Oficial levará a termo

    a escritura, registrando-a integralmente no

    Livro 3 (“Registro Auxiliar”) e efetuando o

    registro na matricula do imóvel objeto da

    instituição.

    Agora, se a instituição recair sobre

    bem de outra natureza, como valores

    mobiliários, o registro será feito somente no

    Livro 3, já que não há alteração jurídico-real

    a ser informada no cadastro imobiliário.

    Artigo 264- Se for apresentada reclamação, dela fornecerá o oficial, ao instituidor, cópia autêntica e lhe restituirá a escritura, com a declaração de haver sido suspenso o registro, cancelando a prenotação. §1º- O instituidor poderá requerer ao juiz que ordene o registro, sem embargo da reclamação. §2º- Se o juiz determinar que se proceda ao registro, ressalvará ao reclamante o direito de recorrer à ação competente para anular a instituição ou de fazer execução sobre o prédio instituído, na hipótese de tratar-se de dívida anterior e cuja solução se tornou inexeqüível em virtude do ato da instituição

    O artigo 264 trata da reclamação

    apresentada por escrito por algum

    interessado - por outro lado, se no trinídio

    houver reclamação, que deverá ser feita

    sempre por escrito e perante o próprio

    Oficial, por mais absurda e infundada que

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    173

    seja, o Oficial, de imediato, cancelará a

    prenotação.

    Alguns autores, entre eles Valmir

    Pontes e Murillo Leite, sustentam que, em

    caso de reclamação, a prenotação deveria

    vigorar até o pronunciamento final do Juiz, o

    que nos parecer ser a posição mais correta,

    isso para que se evite abusos,

    especialmente quando a reclamação não

    tiver qualquer fundamento lógico ou legal.

    Examinadas as razões da

    reclamação, caberá ao Juiz deferir ou não o

    pedido de registro, por simples despacho

    administrativo.

    Deferido o pedido, a escritura terá

    reingresso no Registro Imobiliário,

    procedendo-se à nova prenotação e

    efetuando-se o registro do bem de família.

    Pondere-se que, qualquer que seja a

    decisão do Juiz, a favor ou não da instituição

    do bem de família, ela não fará coisa julgada

    material.

    Isso significa que, o interessado

    poderá propor a devida ação judicial

    competente visando a declaração de

    nulidade do registro (em caso de

    deferimento) ou para obter o registro

    perseguido (em caso de indeferimento)

    Também ainda em relação a

    reclamação apresentada pelo interessado,

    ela não é fase anterior necessária para o

    ajuizamento da ação anulatória, ou seja, o

    prejudicado não precisa ter apresentado a

    reclamação na esfera administrativa, isto é, a

    reclamação na fase administrativa não é

    requisito de procedibilidade da ação judicial.

    Artigo 265- Quando o bem de família for instituído juntamente com a transmissão da propriedade, a inscrição far-se-á imediatamente após o registro da transmissão ou, se for o caso, com a matrícula.

    Por fim, estabelece o artigo 265 que

    “quando o bem de família for instituído

    juntamente com a transmissão da

    propriedade, a inscrição far-se-á

    imediatamente após o registro da

    transmissão, ou, se for o caso, com a

    matrícula”.

    É a hipótese onde o instituidor adquire o

    imóvel e já no mesmo ato institui o bem de

    família.

    Há uma grande polêmica entre os

    doutrinadores no que tange à possibilidade

    de a instituição recair em imóvel gravado

    com hipoteca; parece que a razão está com

    aquela corrente que entende que sim, ou

    seja, a possibilidade da instituição do bem de

    família sobre imóvel hipotecado, pois nada

    impede que um bem já onerado seja

    alienado, mas o adquirente recebe o bem

    com ônus;

    Da mesma forma, caso o bem hipotecado

    seja instituído bem de família, deve sempre

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    174

    prevalecer a hipoteca anterior não podendo

    esse bem, mesmo instituído como bem de

    família, ficar isento da execução hipotecária

    que lhe é anterior à instituição.

    A administração do bem de família

    deve ser feita por ambos os cônjuges ou

    companheiros; porém, nada impede que no

    título de instituição conste que apenas um

    deles será o responsável pela sua

    administração.

    Em havendo divergência entre o casal

    administrador, essa questão será resolvida

    pelo Juiz, não mais vigorando aquele antigo

    ditado no sentido de preponderar a vontade

    masculina sobre a feminina. Isso acabou.

    Caso a instituição do bem de família

    recaia sobre valores mobiliários, os

    instituidores poderão determinar que a

    administração seja confiada à instituição

    financeira, bem como disciplinar a forma de

    pagamento da respectiva renda aos

    beneficiários

    Por fim, caso o bem de família seja

    instituído por terceiro, mediante doação,

    caberá ao doador escolher quem ficará

    incumbido da administração; não havendo

    estipulação, vigora a regra geral, ou seja, a

    administração caberá ao casa

    A alienação do bem de família pode

    acontecer. Como vimos lá atrás, a

    constituição do bem de família torna a coisa

    inalienável e impenhorável.

    Contudo, esse bem poderá ser sim

    alienado pelos cônjuges, desde que exista

    expresso consentimento de todos os

    interessados e desde que ouvido o Ministério

    Público, mesmo nos casos onde não há

    menores, pois estará agindo como fiscal da

    lei e protetor da entidade familiar.

    Imaginemos a hipótese onde os

    instituidores pretendem a venda do imóvel

    para aquisição de outro que melhor acomode

    a família; neste caso, o Ministério Público irá

    examinar se a alienação realmente atende

    os interesses da entidade familiar, atuando o

    Promotor de Justiça como parte da proteção

    que o Estado confere à família, nos termos

    do artigo 226 da CF.

    Veja bem, no artigo 1717 do Código

    Civil você encontra a palavra “alienar”, que

    deve ser considerada em seu sentido mais

    extenso, amplo, a englobar também a

    instituição do ônus sobre o imóvel, como a

    hipoteca. É o velho brocardo: “quem pode o

    mais (transferir a propriedade do imóvel)

    pode o menos” (onerar a propriedade).

    Naqueles casos onde a moradia da

    família for alienada para pagamentos de

    dívidas anteriores à instituição ou

    provenientes de tributos relativos ao prédio

    (ex. IPTU, ITR), e de despesas de

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    175

    condomínio, o saldo porventura existente

    deverá ser aplicado em outro prédio, para

    abrigo da família, ou em títulos da dívida

    pública, para o sustento familiar (artigo 1715,

    parágrafo único).

    O cancelamento ou revogação do

    bem de família também poderá acontecer

    nas hipóteses em que for comprovada a

    impossibilidade da sua manutenção nas

    condições em que foi instituído, desde que

    exista ordem judicial, ou seja, para o

    cancelamento do bem de família a lei exige

    ordem fundamentada do juiz

    A extinção do bem de família

    acontecerá com a morte de ambos os

    cônjuges ou companheiros e a maioridade

    dos filhos, desde que não sujeitos à curatela.

    Importante lembrar que, a dissolução

    da sociedade conjugal não extingue o bem

    de família, ainda que o casal não tenha filhos.

    Esse procedimento de cancelamento

    do bem de família deve ser instaurado pelos

    interessados, com a intervenção do

    Ministério Público; neste caso, verificará o

    Juiz se o prédio deixou de ser residência da

    família, se há ou não outros filhos menores

    ou qualquer outro motivo relevante que

    recomende ou não a revogação desse ônus.

    E como se formaliza essa revogação?

    A revogação do bem de família

    acontecerá com a anotação no Registro de

    Imóveis (cancelamento do registro); neste

    caso, exigirá o Oficial o competente

    mandado judicial, onde deverá constar

    necessariamente o trânsito em julgado da

    sentença (LRP, art. 259)

    É de se registrar que, até mesmo

    quando o imóvel residencial é oferecido em

    garantia de dívida adquirida pela própria

    família, a impenhorabilidade pode ser

    oponível ao credor, nos casos em que se

    trate de pequena propriedade rural protegida

    constitucionalmente (artigo 5º, inciso XXVI,

    da Constituição Federal).

    Neste sentido pacificou-se o

    entendimento pretoriano: “A exceção à

    impenhorabilidade do bem de família

    previsto em lei ordinária não pode afetar

    direito reconhecido pela Constituição, que

    não pode ser afastado por renúncia, por

    tratar-se de princípio de ordem pública que

    visa à proteção da entidade familiar”.

    Verifica-se que a disciplina do tema

    ultrapassa em muito as estritas previsões

    normativas, ganhando notável reforço

    através da dinâmica e iterativa jurisprudência

    dos tribunais, sobretudo do Superior Tribunal

    de Justiça, a quem cabe a uniformização da

    jurisprudência e a palavra final acerca da

    interpretação da legislação

    infraconstitucional.

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    176

    Assim, sempre buscando a solução

    mais coerente com o objetivo social da lei, o

    Superior Tribunal de Justiça não tem se

    limitado a outorgar a tutela do bem de família

    nos estritos termos legais, mas vem

    exercendo verdadeiro exercício

    hermenêutico, sempre ponderando os

    interesses do credor e devedor

    manifestados, respectivamente, através dos

    princípios da responsabilidade patrimonial e

    da executividade de forma menos onerosa.

    De fato, há muito tempo o judiciário

    deixou de ser mero leitor da lei, para avançar

    no sentido de promover uma interpretação

    construtiva e humanizada de seu conteúdo.

    Para tanto, o Superior Tribunal de

    Justiça vem desempenhando papel

    fundamental no trato da matéria, traçando

    diretrizes ao operador jurídico, sem

    esquecer-se das peculiaridades

    concernentes aos casos que se lhe são

    apresentados para julgamento.

    Esse cuidado se deve, sobretudo,

    porque o presente tema não trata

    propriamente de direito patrimonial, mas sim,

    personalíssimo, ligado às necessidades

    básicas do ser humano para que possa viver

    com dignidade.

    JURISPRUDÊNCIA

    Agora que chegamos na parte final

    dessa explanação, verificaremos algumas

    recentes decisões dos Tribunais Superiores,

    em especial, do Superior Tribunal de Justiça

    É preciso falar que, logo que me

    formei nos idos de 1994, a questão relativa

    ao bem de família, apesar de não ser nova,

    era bastante evidente por causa da recente

    promulgação da Lei 8.009/90, que trata do

    bem de família legal.

    No início, havia uma interpretação

    restrita da lei, quase gramatical, inexistindo

    qualquer esforço por parte dos aplicadores

    (advogados, defensores, promotores e

    juízes) a respeito do verdadeiro alcance da

    norma.

    Nós vamos ver que atualmente a

    amplitude empregada pela jurisprudência

    acabou colocando o bem de família em um

    patamar quase inalcançável, o que parece

    estar correto, sendo essa a verdadeira

    intenção do legislador ao proclamar o bem de

    família ao patamar de direito social, um

    direito constitucional

    Veremos que, aquela ideia antiga de

    que somente o prédio residido e habitado

    pela família poderia ser considerado bem de

    família acabou sendo ultrapassado por

    conceitos mais novos e amplos, chegando

    ao ponto de que uma família, mesmo não

    residindo em imóvel próprio, o concedendo

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    177

    para uso de terceiro, não afastaria a

    abrangência da norma e tutela do bem de

    família.

    Observaremos casos onde, apesar de

    não residir no prédio, tendo-o alugado ou

    cedido à terceiro, a proteção do bem de

    família permaneceu englobando aquele

    edifício, isentando-o dos credores mais

    famintos.

    Vejamos esse primeiro caso:

    (1) História do processo- trata-se de um caso

    originário do Paraná, onde a decisão do juiz

    monocrático se resumiu ao não

    reconhecimento do bem de família,

    entendendo o Magistrado que, “residindo os

    ascendentes do devedor (mãe e avó) em

    imóvel diverso, a simples existência da

    relação de parentesco não induz ao

    benefício da impenhorabilidade contemplado

    pela Lei 8.009/90, devendo, por isso, os

    embargos serem rejeitados”.

    Nesse caso, o único imóvel do

    devedor, por ser pequeno para também

    aceitá-lo, juntamente com esposa e filhos, foi

    emprestado, cedido o uso para sua mãe e

    avó.

    Quando houve a penhora foram

    interpostos embargos, onde o Juiz

    monocrático não aceitou estender a proteção

    do bem de família legal, pois nesse único

    imóvel não residiam o devedor, esposa e

    filhos, mas sim sua mãe e avó.

    Contra essa sentença foi interposta

    apelação, porém, essa primeira decisão foi

    mantida pela Segunda Câmara Cível do E.

    Tribunal de Justiça do Paraná, onde o

    Desembargador relator entendeu da mesma

    maneira que o Juiz de primeiro grau: “1. A

    impenhorabilidade somente se caracteriza

    no imóvel que abriga a entidade familiar, nela

    compreendendo o devedor com sua mulher

    ou concubina e filhos, ou então, o devedor e

    seus pais e seus irmãos. 2. Para o imóvel se

    caracterizar como bem de família é de rigor

    que sirva para residência do devedor e de

    sua entidade familiar. 3. Se o devedor cedeu

    o imóvel para sua mãe e avó residirem

    sozinhas, passando a viver em residência

    locada com sua mulher e filhos – sua

    entidade familiar – por evidente que o

    benefício da impenhorabilidade não lhe pode

    socorrer”.

    Repetindo, então, em segundo grau, a

    alegação de ser o bem penhorado de família

    também não se concretizou, pois mais uma

    vez, entendeu o Magistrado que, o fato do

    devedor e seus familiares (esposa e filhos)

    residirem em imóvel locado, ou seja, sua

    entidade familiar (do devedor) não morar

    com a avó e mãe, não seria possível

    estender o benefício àquele imóvel, já que

    moravam em outro alugado

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    178

    Por fim, contra esse acórdão foi

    interposto o Recurso Especial nº. 186.210-

    PR – Min. Ari Pargendler – CIVIL. BEM DE

    FAMÍLIA. “Tanto o juiz de primeiro grau,

    quanto o Tribunal decidiram que o imóvel,

    não sendo domicílio do executado, de seu

    cônjuge e filhos, perde a condição de bem de

    família. A rigor interpretado literalmente o

    artigo 1º, da Lei 8.009/90, essa conclusão

    está a salvo de censura. Todavia, a melhor

    interpretação deve ser aquela que atenda ao

    espírito da norma, vale dizer, a proteção da

    família. A residência da mãe e da avó no

    único imóvel da família o coloca sob o abrigo

    da Lei 8.009/90. O prédio habitado pela mãe

    e pela avó do proprietário, cujas dimensões

    (48,00mts²) são insuficientes para também

    abrigar sua pequena família (ele, a mulher e

    os filhos), que reside em imóvel alugado, é

    impenhorável, nos termos da lei 8.009/90

    (2) História do processo- trata-se de

    embargos de divergência interposto pela

    Fazenda Nacional sustentando divergência

    entre um acórdão proferido pela Primeira

    Turma do STJ – Resp 967.137/AL, onde foi

    Rel. Min. José Delgado, asseverando que,

    naquele acórdão, de forma diversa do que

    remanesceu assentado no acórdão

    embargado, a Primeira Turma “entendeu que

    imóvel ocupado por filho, sua esposa e filhas,

    embora considerado como único bem do

    devedor, não apresenta as características

    exigidas para ser tido como bem de família e

    ser albergado como impenhorável”.

    Portanto, como naquele caso não se

    conseguiu provar que o imóvel se referia à

    residência do devedor, mas sim moradia de

    um de seus filhos, não seria possível

    estabelecer uma interpretação

    demasiadamente elástica à norma da Lei

    8.009/90.

    Porém, no caso em comento, saiu

    vencedora a tese oposta, onde o Rel. Min.

    Humberto Martins, assim decidiu: “Fica claro

    que a natureza do instituto bem de família é

    de afetação de um bem que seja meio idôneo

    a atender as necessidades de moradia de

    uma determinada família. Ao longo do

    tempo, tem existido uma incerteza

    relacionada à amplitude objetiva desta

    afetação, sendo que, hodiernamente, a

    afetação do bem de família quebrou grilhões

    para abranger, além dos bens imóveis, até os

    valores mobiliários”.

    “De outra face, deve ser dada maior

    amplitude possível à proteção consignada na

    Lei 8.009/90, que decorre do direito

    constitucional à moradia estabelecido no

    caput, do artigo 6º. da Constituição Federal,

    para concluir que a ocupação do imóvel por

    qualquer integrante da entidade familiar não

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    179

    descaracteriza a natureza jurídica do bem de

    família. Antes, porém, isto reafirma esta

    condição”

    EMENTA: Embargos de divergência

    em recurso especial. Execução Fiscal. Único

    imóvel do devedor cedido a filho. Bem de

    família. Embargos rejeitados. 1. Constitui

    bem de família, insuscetível de penhora, o

    único imóvel residencial do devedor em que

    resida seu filho ou demais familiares. A

    circunstância de o devedor não residir no

    imóvel, que se encontra cedido a familiares,

    não constitui óbice ao reconhecimento do

    favor legal. Inteligência dos artigos 1º e 5º da

    Lei 8.009/90. 2. Embargos de divergência

    rejeitados.

    (3) História do processo- embargos à

    execução julgado improcedente; a penhora

    recaiu sobre imóvel de propriedade do

    executado e sua mulher, mas utilizado como

    residência de seus parentes, onde o

    Magistrado entendeu que não se aplica o

    favor legal da impenhorabilidade.

    Esse é o mesmo caso análogo aos

    que acabamos de ver.

    EMENTA- PROCESSUAL CIVIL. BEM DE

    FAMÍLIA. OCUPAÇÃO DO IMÓVEL POR

    FILHO INTEGRANTE DA ENTIDADE

    FAMILIAR. IMPENHORABILIDADA.

    1. A Lei nº. 8.009/90 estabeleceu a

    impenhorabilidade do bem de família,

    incluindo na série o imóvel destinado à

    moradia do casal ou da entidade familiar, a

    teor do disposto no artigo 1º da lei especial.

    2. Sendo a finalidade da Lei 8.009/90 a

    proteção da habitação familiar, é correta a

    decisão da Corte de origem que reconheceu

    a impenhorabilidade do único imóvel onde

    reside um dos filhos do casal. Precedentes

    Percebe-se que, o teor da decisão é

    praticamente a mesma ofertada nos casos

    anteriores e similares, inclusive na

    fundamentação.

    (4) História do processo- trata-se de

    agravo de instrumento tirado contra decisão

    que, nos autos de origem, suspendeu a

    arrecadação do imóvel; entendeu que,

    referido bem não está acobertado pelo

    manto do bem de família, pois tanto os pais

    como o filho maior não residem no imóvel,

    porém, recebem aluguel em razão de

    locação.

    Neste caso, entendeu o TRT-3 que a

    cobertura do bem de família atinge referido

    bem, pois o valor arrecadado a titulo de

    locação serve para manter a família do

    proprietário, inclusive ajudando a pagar parte

    do valor do aluguel do imóvel onde reside.

    EMENTA- TRT-3 - AGRAVO DE PETICAO

    AP 00791199404403005 0079100-

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    180

    73.1994.5.03.0044 (TRT-3) Data de

    publicação: 09/06/2014 - Ementa: BEM DE

    FAMÍLIA ALUGADO PARA TERCEIROS -

    POSSIBILIDADE DE A PENHORA RECAIR

    SOBRE CRÉDITOS DECORRENTES DE

    ALUGUÉIS PERCEBIDOS, DE

    DESTINAÇÃO NÃO COMPROVADA, COM

    O PROPÓSITO DE SATISFAZER O

    CRÉDITO EM EXECUÇÃO

    Tratando-se de bem de família, alugado a

    terceiros, em que a única prova existente nos

    autos é relativa ao uso parcial do valor

    aferido para a locação de outro imóvel para

    a residência da executada, nenhum óbice há

    para que a penhora recaia sobre a diferença

    entre o valor aferido e o comprovadamente

    utilizado. Nestes termos, o direito de

    propriedade mostra-se de todo preservado.

    Portanto, neste último caso,

    prevaleceu a penhora sobre a diferença

    entre o valor pago a título de aluguel do

    imóvel acobertado pela proteção do bem de

    família e aquele dado para pagamento do

    imóvel onde o devedor residia.

    Por exemplo: o devedor recebia R$

    6.000,00 de aluguel pelo imóvel de sua

    propriedade e gastava em aluguel no imóvel

    que residia com sua família o valor de R$

    4.000,00; no caso, entendeu o TRT que a

    penhora podia recair sobre os R$ 2.000,00

    que não eram utilizados com moradia.

    Sendo o que havia a relatar, ficando

    sempre à disposição para eventuais

    esclarecimentos.

    Referências

    VASCONCELOS,Rita. Impenhorabilidade do

    bem de família – Destinatários Proteção

    legal, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 2015;

    AZEVEDO, Álvaro Villaça Bem de Família –

    com comentários à lei 8.009/90, 6ª edição,

    Atlas, 2010;

    SWENSSON, Walter Cruz e outros, Lei de

    Registro Públicos Anotada, 1ª edição, Juarez

    de Oliveira, 2000;

    LOUREIRO, Luiz Guilherme, Registros

    Públicos – Teoria e Prática, 8ª edição,

    Juspodivm, 2017;

    Direito Registral e o Novo Código de

    Processo Civil, coordenação Ricardo Dip,

    Forense, 2016;

    VENOSA, Silvio de Salvo, Código Civil

    Interpretado, Atlas, 2010;

  • SUZANO ANO 9 Nº 5 JUL. 2017 REVISTA INTERFACES

    ISSN: 2176-5227

    181

    MARINONI, Luiz Guilherme e outros, Código

    de Processo Civil Comentado, 2ª edição,

    Revista dos Tribunais, 2016;

    MELO, Carolina Sales, em artigo publicado

    no site e-gov, intitulado “A proteção do bem

    de família legal na visão do Superior Tribunal

    de Justiça”.

    Informações sobre o autor:

    Fernando Augusto Andrade Conceição

    Faculdade Unida de Suzano - UNISUZ

    Juiz de Direito da Segunda Vara Criminal de

    Suzano.

    Juiz da ENFAM - Escola Nacional de

    Formação e Aperfeiçoamento de

    Magistrados.

    Juiz Convidado da ARISP- Associação dos

    Registrários de Imóveis de São Paulo.