O Centauro no Jardim Moacyr Scliar. O Centauro no Jardim - Autor: Moacyr Scliar - Ano de...

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O Centauro no Jardim Moacyr Scliar

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O Centauro no JardimMoacyr Scliar

O Centauro no Jardim- Autor: Moacyr Scliar- Ano de publicação: 1980- Escola literária: Ficção brasileira contemporânea- Personagem central: Guedali- Narração: 1ª pessoa- Espaço: A história ocorre num restaurante

tunisiano, em São Paulo (SP), com lembranças de Quatro Irmãos (RS), Porto Alegre (RS) e Marrocos.

O Centauro no Jardim narra, em primeira pessoa, a trajetória de Guedali Tartakovsky. Quarto filho de um casal de imigrantes judeus russos, nasce metade homem, metade cavalo e, por sua condição de centauro, vive isolado na fazenda da família no interior do Rio Grande do Sul. Na adolescência, é descoberto por Pedro Bento, um morador da fazenda vizinha, e com isso Leão Tartakovsky, pai de Guedali, decide se mudar com a família para Porto Alegre. Na capital, sua qualidade de vida é mais precária, pois, no campo, ele ao menos possuía um espaço para galopar e sentir-se livre. Já, na cidade, passa seus dias dentro do quarto, limitando-se a ler, hábito que adquiriu por conta do isolamento. Descontente com sua situação, aos vinte e um anos, Guedali resolve sair de casa. Sem um destino certo, acaba encontrando um circo, consegue um emprego e sua “encenação” faz muito sucesso. Além disso, envolve-se com uma domadora e, com a descoberta de sua verdadeira identidade, ele se obriga a fugir.

Em meio à fuga, o centauro tem uma surpresa, ele que imaginava ser o único de sua espécie encontra Tita, uma centaura que estava fugindo do pai, Zeca Fagundes. Guedali mata Zeca Fagundes e vai viver com Tita na casa da centaura, onde são tratados como filhos pela viúva de Zeca, Cotinha. Os dois vivem felizes, mas, após certo tempo, Tita começa a ter vontade de ser completamente humana e, juntamente com Guedali, vai para o Marrocos, onde existia a possibilidade de ser feita uma cirurgia. Os dois centauros fazem a cirurgia e, a não ser pelas duas patas traseiras que eles conseguem esconder com o uso de botas especiais, tornam-se somente humanos.

O casal volta para o Brasil e vive um tempo em Porto Alegre com os pais de Guedali. Depois, mudam-se para São Paulo, onde Guedali abre um negócio que lhe propicia uma boa renda. Eles fazem amigos, têm filhos gêmeos e os cascos de Guedali caem, deixando-o sem mais nenhuma lembrança física do seu passado como centauro. Tudo parecia estar dando certo, mas, após algum tempo, a relação dos dois fica um pouco abalada. Depois de alguns acontecimentos, Guedali decide voltar ao Marrocos para desfazer a cirurgia e tornar-se centauro novamente. Enquanto espera os exames ficarem prontos, fica morando na clínica do médico e conhece uma esfinge, Lolah, com quem se relaciona.

Guedali acaba não fazendo a cirurgia e volta para o Brasil, mas para a antiga fazenda da família, onde tenta voltar a ser centauro através de uma magia que não dá certo. Tita vai ao encontro do marido e ambos retornam para São Paulo. O romance termina com a comemoração do aniversário de trinta e oito anos de Guedali, em que Tita conta sobre a vida dos dois para uma conhecida, mas, na sua versão, Guedali tinha problemas neurológicos e imaginava ser um centauro.

A obra* Guedali Tartakovsky é um menino judeu que nasce metade homem, metade cavalo, como a mitológica figura do centauro. Criado por sua família em uma fazenda afastada (para evitar escândalos), enfrentará uma série de aventuras até conhecer uma outra centaura, Tita, com quem terminará por se casar mais tarde.* Surge então a possibilidade de uma cirurgia transformadora no Marrocos, que possa livrá-los da parte equina. O quarto traseiro é praticamente extirpado, restando as duas patas dianteiras. Para que possam caminhar com os cascos, usam botas ortopédicas especiais.* Depois disso, o casal vai viver em São Paulo (a mãe de Guedali tem dificuldades em aceitar uma nora que não seja judia), onde Guedali consegue vencer na vida. O casal tem filhos gêmeos que nascem plenamente saudáveis. Fazem amigos, em especial o casal Paulo e Fernanda.

* Aos poucos, as lembranças da vida como centauro começam a atormentá-lo. Chega, por fim, a regressar ao Marrocos em busca de uma cirurgia reversiva. Lá conhece uma esfinge com quem mantém relações, que acaba escapando de sua jaula e sendo morta. Guedali retorna sem fazer a cirurgia.* Um dia, seus cascos se rompem, surgindo dois pezinhos (o couro já vinha se afinando e se transformando em pele).* A história termina no mesmo restaurante em que o livro começara, já no presente da narrativa (1973). Nesse momento, porém, ouvimos a versão de Tita para a história dos dois, que contradiz a versão que lemos até agora: Guedali nunca teria sido um centauro - nascera com uma deformação e depois um tumor o levara a crer que era um diferente.

Como ler* Importância do livro: romance importante dentro da ficção contemporânea, em especial por seu caráter alegórico e pelo retrato da imigração judaica no sul do Brasil. Além disso, uma justa homenagem a Moacyr Scliar, recentemente falecido.* O que o vestibulando deve observar: a impossibilidade em determinar se Guedali é ou não um centauro no sentido realista. Tal questão deve ser vista com cautela, pois mais importante é admitir que muitas leituras são possíveis: a simbólica, a alegórica, fantástica e até realista (Guedali nunca foi um centauro senão para si mesmo).

* Dificuldade do livro: o livro não apresenta dificuldades de leitura quanto à compreensão do texto, como ocorre em outras das leituras obrigatórias.* Como conhecer o personagem principal: lembre-se de que Guedali é, antes de mais nada, alguém em busca de sua identidade: judeu/brasileiro, gaúcho/paulista, campônio/citadino, homem/centauro.* Uma chave de leitura: Scliar segue a tradição da narrativa fantástica (Kafka, Cortázar), família de escritores para os quais a realidade não é mais que um espaço para o improvável, para o onírico, para o absurdo que, ao contrário das fábulas, pode ocorrer à luz do meio-dia.

* A partir desse evento fantástico, Moacyr Scliar constrói um romance que se situa entre a fábula e o realismo, evidenciando a dualidade da vida em sociedade, em que é preciso harmonizar individualismo e coletividade.

O que observar:

* Scliar utiliza o elemento mitológico para se referir a problemáticas humanas, neste caso, principalmente judaicas. A figura do centauro remete à singularidade do povo judeu, pois ilustra sua divisão étnica e religiosa, a dualidade entre a modernidade e a tradição, seu desejo de liberdade e sua busca por aceitação na sociedade e por um lugar onde se sinta acolhido. Além disso, todos nós teríamos um lado animalesco, onde os instintos prevalecem.

* Todo romance se constrói a partir da perspectiva do realismo fantástico, isto é, da construção de situações absurdas e surreais, envolvendo um casal de centauros.

* Em geral, os personagens do realismo fantástico contemporâneo experimentam uma sensação de emparedamento, de estarem presos em labirintos opressivos, em túneis sem saída. Tanto a vida pessoal como a vida objetiva padecem de sentido, não possuem lógica nem coerência.

* Em muitas obras de Moacyr Scliar, os elementos surreais ou mágicos podem resultar de sonhos, pesadelos ou delírios dos protagonistas. No caso de O Centauro no Jardim, toda a narrativa se constrói dentro das coordenadas do fantástico, mas, no último capítulo, Tita restabelece os princípios racionais e verossímeis da realidade. No entanto, nada garante que a sua versão dos fatos seja efetivamente a verdadeira, pois ela pode estar tentando justificar fatos espantosos dos quais ambos participaram e foram vítimas (ambiguidade e estranhamento).

* A figura do centauro surge na mitologia grega e simboliza a duplicidade da condição humana – um lado sublime e outro bestial. Com frequência associa-se a imagem do centauro com o inconsciente e com a liberação dos instintos.* No caso do romance, a representação simbólica do homem-cavalo parece apontar pelo menos para quatro sentidos:1) Guedali é judeu, ou seja, um ser diferente, que integra um agrupamento humano identificado por seus valores culturais.

Estes valores os protegem das incertezas do mundo. Os judeus são perseguidos pelo sentimento de inadaptação e pela consciência de que são estrangeiros em qualquer lugar. Guedali enquanto centauro traduziria esta noção de não-pertencimento, de diferença radical em relação aos demais humanos, de ruptura com a normalidade.2) Regina Zilberman – a melhor estudiosa da obra de Scliar – aponta para outro sentido emblemático do centauro. Mito transplantado à realidade sul-rio-grandense, os escritores do século XIX produziram a figura legendária do centauro dos pampas, o cavaleiro indômito, aventureiro e libertário, mais tarde designado elogiosamente como gaúcho.

Ter nascido centauro significaria para Guedali assumir sua identidade sulina, adequar-se ao mundo local. Entretanto, é escondido por seus pais e os nativos do pampa não o aceitam, porque sendo centauro, é igualmente judeu e nunca deixará de sê-lo. Portanto, em qualquer terra, nunca será senão um exilado, um ser extraordinário, monstruoso e carregado de solidão.

3) Paradoxalmente, se a natureza de centauro significa para Guedali anomalia e diferença radical em relação às pessoas comuns, representa também uma força de autenticidade humana e de liberdade em oposição aos valores dominantes. Por isso, extirpar a sua parte equina passa a ser - em dado momento da narrativa – uma espécie de automutilação, de perda daquilo que ele tinha de mais íntimo, mais profundo, mais generoso. Daí a necessidade que o narrador-personagem experimenta de restaurar em si mesmo o centauro, por meio de uma nova cirurgia, em Marrocos.

Significativa é a passagem do hipotético ou do real adultério de Tita. Aspira a um retorno ao passado em que ambos viviam a sua dupla natureza.4) O quarto aspecto é a libertação dos sentidos frente a uma ordem moral rígida e conservadora, o que se expressa nas relações que Guedali estabelece com uma égua, com uma esfinge de corpo animal e com a própria Tita. Esclarecedores são os últimos três parágrafos do romance – em que o narrador-protagonista – reafirma sua condição de centauro indomável, pronto para o amor e para galopar livremente pelo pampa.

e) O romance é pontuado pelas circunstâncias históricas do Brasil contemporâneo. A trajetória da família – e especialmente a de Guedali inscreve-se no cenário sócioeconômico delimitado pelas próprias referências cronológicas da narrativa. Entre 1935 (nascimento de Guedali) até 1973 (encerramento do relato), processam-se significativas mudanças no país: declínio do mundo rural e a ascensão do mundo urbano, o triunfo da sociedade capitalista e o nascimento de uma poderosa classe média.

f) Guedali e vários de seus amigos executivos em São Paulo são típicas encarnações de um dilaceramento bastante comum aos filhos dos imigrantes judeus. Presos à tradição israelita ou a concepções socialistas de existência – muito caras ao pensamento judaico – vivem num país onde o capitalismo triunfante oferece notáveis chances de escalada social aos indivíduos mais brilhantes, oriundos das camadas pobres. Suas trajetórias são quase sempre vitoriosas, mas como resultado dessas contradições, são invadidos por um tortuoso sentimento de culpa.

* Na obra "O Centauro no Jardim", uma das mais conhecidas de Scliar, a presença do fantástico, através da personagem Guedali, metade homem e metade cavalo, pode ser interpretada como uma representação metafórica da divisão do ser humano, na busca de sua identidade.* Apesar da estranheza que causa aos leitores, o livro mostra a situação difícil dos judeus entre adaptar-se ao mundo ocidental e manter suas tradições.

Questão UFRGS:

No romance O Centauro no Jardim, de Moacyr Scliar, 1 - associa a trajetória de Guedali às transformações por que passou o estado de Israel, pois o personagem, filho de pais judeus, nasceu centauro, empreendeu uma longa fuga e finalmente sofreu uma cirurgia que o deixou na condição de bípede. 2 - retrata o comportamento da classe média brasileira quando Guedali revela seu passado como centauro aos amigos do condomínio onde vive com sua família, mas eles, por julgarem o fato inverossímil, debocham da inusitada situação. 3 - evidencia a hipocrisia das relações conjugais quando Guedali, mesmo tendo sido ocasionalmente infiel à esposa, se vinga, de forma intempestiva e violenta, do jovem que, numa festa, levou Tita ao adultério.