O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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DADOS DE COPYRIGHT
Sobre a obra:
A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.
É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso
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Sobre nós:
Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o con!ecimento e a educa"#o devemser acess$veis e livres a toda e qualquer pessoa. %ocê pode encontrar mais obras em nossosite& LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste lin' .
"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando pordinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."
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O imaginário cotidiano
(oac)r *cliar +++
- edi"#o digital
*#o aulo
/01
2lobal 3ditora
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Sumário
4AA
5ntrodu"#o%$cio secreto
inferno é aqui mesmo6
7ervosismo
*on!o em grego
A gl8ria da bala perdida
4asamento com o
destino
7o espa"o, sim, mas n#o perdido
7ada como a instru"#o
A cidade dos macacos
9oda nudez será castigada
ursin!o, n#o
:uanto val!o6
s direitos de (aria
A vida em papel#oA for"a da lei
;oteiro tur$stico
gigantesco objeto do desejo
3 foram todos < praia
4aixa=preta
beijo no escuro
futebol e a matemática bebê do milênio
s estran!os camin!os da 5nternet
%iés
A casa das ilus>es perdidas
?ist8rias extraterrestres
Abolindo a aboli"#o
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(eu pai, meu pai, por que me abandonaste
A cor dos nossos rins
?ist8ria telef@nica
A ins@nia dos justos
grande encontro dos desaparecidos
l!ar contábil
m dia na vida do cart#o inteligente
A agenda do sexo
5nconfiáveis cupins
A briga do falso
Bormir, n#o. *on!ar, muito menos
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s cac!orros emergentes
*on!o ovular
sexo no jogo, o jogo do
sexo ;evers#o da
expectativa A vida em fast=
forCard Bublê& uma dupla
!ist8ria Dadr>es& o imposs$vel
diálogo Ao telefone, sexo é
outra coisa gol plagiado
A insuportável transparência das
coisas Amiga é para essas
coisas casamento é virtual. A vida é
real 4onversa com a cafeteiraApagando mem8rias
A viajante solitária
A vingan"a das gravatas
A prova do amor
Buas escovas de dente, um copo
mistério do cemitério virtual
utro A mensagem desejada
dilema da porta girat8ria
A voz do corpo
2rande ;ecall
Eltimo desejo
*on!ando o son!o imposs$vel
último trabal!ador
ma !ist8ria de 7atal trabal!o enobrece
*on!o de lesma
grande suspense
5nvestindo no futuro
A vida nos túneis
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3sp$rito carnavalesco
Da"os de fam$lia
A distFncia n#o é inimiga da gratid#o
Gantasias no ban!eiro
turista inusitado
7#o mentirás
7#o nos deixeis cair em tenta"#o
A cor dos nossos juros
nde todos os túneis se encontram
4ome"ando a vida sexual
9ormento n#o tem idade
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4obran"a
3sta ex8tica planta, a vingan"a
A ileg$vel caligrafia da vida
*obre o Autor
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Introdu!o
Dizem que Balton 9revisan guarda not$cias de jornal para delas depois extrair suas
!ist8rias. :uem con!ece os contos do grande escritor paranaense n#o duvida desta afirma"#oa realidade está ali sempre presente H mediada, naturalmente, por seu talento ficcional. orqu
para o talento qualquer coisa pode ser ponto de partida. 5nclusive e principalmente as not$ciado dia a dia.
As !ist8rias que comp>em o presente volume foram escritas para a se"#o I4otidianoJ, do
jornal Folha de S.Paulo. :uando recebi o convite para fazê=lo fiquei, a princ$pio, em dúvida
eu deveria escrever !ist8rias H ou cr@nicas, como muitos outros colaboradores da imprensa
brasileira6 A resposta do editor foi taxativa& tratava=se de fic"#o, de narrativas imaginárias.
Dancei=me ent#o < tarefa que, no come"o, se revelou dif$cil. 4omo ficcionista, eu estava
!abituado a trabal!ar com meu InoticiárioJ interno, com min!as pr8prias ideias. Be repente,porém, a coisa come"ou a funcionar. Bescobri ent#o o motivo pelo qual Balton 9revisan teria
guardado seus recortes& atrás de muitas not$cias esconde=se uma !ist8ria pedindo para ser
contada. É a !ist8ria virtual que complementa ou amplia a !ist8ria real Kse é que sabemos
exatamente o que é uma !ist8ria realL. A partir da$ eu tin!a uma nova fonte de inspira"#o H e
de prazer. É este prazer que pretendo partil!ar com os leitores.
O Autor
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"#cio secreto
$Assa%tada & 'e(es) em*resária +inge,se de *obre-.
Cotidiano, M jan. NNO
Depois de ser assaltada várias vezes, ela decidiu que estava na !ora de mudar de vida. Be
nada adianta, dizia, andar de carro de luxo e morar em palacete se isso serve apenas paraatrair assaltantes. Be modo que comprou um autom8vel usado, mudou=se para um apartamentmenor e até come"ou a evitar os restaurantes da moda.
9udo isso resultou em inesperada economia e criou um problema& o que fazer com o
din!eiro que já n#o gastava6 Aplicar na Polsa de %alores parecia=l!e uma solu"#o temeráriaQ
n#o poucos tin!am perdido muito din!eiro de uma !ora para outra H quase como se fosse um
assalto. utras aplica">es também n#o a atra$am. Be modo que passou a comprar aquilo de
que mais gostava& joias. *obretudo rel8gios caros. (ultiplicavam=se os Pulgari, os Preitling,os ;olex. Rá que o tempo tem de passar, dizia, quero vê=lo passar num rel8gio de luxo.
3 a$ veio a quest#oQ onde usar todas essas joias6 7a rua, nem pensar. 3m festas6 9anta gente
descon!ecida vai a festas, n#o seria imposs$vel que ali também !ouvesse um assaltante, ou
pelo menos alguém capaz de ser tentado a um roubo ao ter a vis#o de um Preitling. *ua
paranoia cresceu, e lá pelas tantas desconfiava até de seus familiares. Be modo que decidiu&
s8 usa as joias quando está absolutamente s8.
ma vez por semana tranca=se no quarto, abre o cofre, tira as joias e as vai colocando& oscolares, os anéis, os braceletes H os rel8gios, claro, os rel8gios. 3 admira=se longamente no
espel!o, murmurando& que tesouros eu ten!o, que tesouros. que l!e dá muito prazer. (el!o
l!e dava muito prazer. orque ultimamente !á algo que a incomoda. É o ol!ar no rosto que vê
no espel!o. ?á uma express#o naquele ol!ar, uma express#o de sinistra cobi"a que n#o l!e
agrada nada, nada.
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O in+erno / a0ui mesmo1
$Preso no tr2nsito usa b%as+3mia como esca*e-.
Cotidiano, O dez. NNS
Preso no trFnsito, ele perdeu a paciência e p@s=se a gritar, esmurrando o volante&
H BiaboT BiaboT
uviu=se um estrondo, uma nuvem de fuma"a invadiu o interior do carro e, quando ela se
dispersou, lá estava, sentada no carro, a figura inconfund$vel& os pequenos c!ifres, os ol!in!o
malignos, o rabo. Biabo, em pessoa, sorridente&
H 4!amaste=me6 Aqui estou.
Apavorado, o motorista n#o sabia o que dizer. :ueria voltar atrás, foi engano, *en!or Biabo
eu n#o c!amei ninguém, eu estava apenas protestando contra o trFnsitoQ mas, como se tivesse
adivin!ado o seu pensamento, o dem@nio apressou=se a acrescentar&
3 vim para ficar. %ocê sabe, ninguém invoca impunemente o nome do Bem@nio. Be modo
que você pode me considerar seu eterno passageiro. ;elaxe, fique tranquilo. 9emos muito
tempo para conversar.
pobre !omem n#o dizia nada. l!ava o tridente que o Biabo tin!a ao lado e se perguntava
em que momento come"aria a ser espetado com aquela coisa. 5sso sem falar no fogo do
inferno que decerto em pouco tempo estaria aceso ali. 9entou disfar"adamente abrir a portaQ
como suspeitava, estava trancada. Bem@nios sabem como usar a tecnologia moderna contrasuas v$timas. *uspirou, pois, e preparou=se para o sofrimento.
trFnsito continuava parado, as !oras passavam, e o Biabo, que de in$cio falara
loquazmente sobre as del$cias do castigo eterno, agora mostrava=se silencioso. (ais, mexia=
inquieto no banco de trás. 3 de repente n#o se conteve&
H (as será que essa coisa n#o anda, meu Beus do céu6
7ovo estrondo, e nova nuvem, dessa vez luminosaQ o dem@nio tin!a sumido e, em seu
lugar, estava um anci#o de esplêndidas barbas brancas. H Biabo já deveria ter aprendido que n#o se invoca o meu santo nome em v#o H disse.
H (as você é BeusT H exclamou o motorista, maravil!ado.
ode me c!amar assim H disse Beus. H A!, e pode fazer um pedido, também. %ocê merece.
!omem n#o !esitou&
H :uero que você me tire agora deste congestionamento.
Ao que Beus abriu a porta e saltou. Antes de ascender aos céus, esclareceu&
H Besse trFnsito, meu fil!o, nem Beus te tira. Ac!o mel!or você c!amar o Bem@nio de nov
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4er'osismo
$5ercado ner'oso dei6a o*erador neurótico-.
Cotidiano, /U jul. NNS
O operador da Polsa c!egou agitad$ssimo ao consult8rio do psicanalista. *em sequer tira
o casaco ou afrouxar a gravata, atirou=se no div# e foi logo dizendo que n#o aguentava mais atens#o, que a Polsa de %alores acabaria por matá=lo, que s8 naquele dia tin!a tomado trêstipos de tranquilizantesQ insuportável, a instabilidade, os boatos, os sobe e desce.
psicanalista ouviu=o, em silêncio. or fim, numa voz neutra, com palavras cautelosamente
escol!idas, deu a sua interpreta"#o. 3stou me perguntando, disse, o que pode significar a
Polsa de %alores para você. Até agora, as cota">es subiam, era uma bonan"a. %ocê sentia=se
tranquilo, como a crian"a no útero materno H a Polsa de %alores representava para você a
bolsa das águas. %ocê tin!a ali todas as suas necessidades atendidas. s rendimentos eramcomo os nutrientes que o bebê recebe, sem pedir, da m#e que a natureza l!e deu. (as a$ as
cota">es come"aram a oscilarQ e o que s#o esses picos agudos, agressivos, sen#o um s$mbolo
fálico6 útero materno é bruscamente substitu$do pelo falo paterno. seu complexo de
Édipo é mobilizado, você entra em ansiedade aguda e corre para o div#.
Beitado, ol!os fixos no teto, o operador ouvia atentamente. 3 dava=se conta de que já se
sentia mel!or, que aquela razoável explica"#o tin!a lan"ado luz sobre algo que para ele
sempre fora mistério. 3 já ia dizer isso, que estava se sentindo muito mel!or, quando derepente ouviu um solu"o. %oltou=se, e ali estava o terapeuta em lágrimas. Besculpe, ele disse
mas, ouvindo o seu relato, lembrei que ten!o todas as min!as economias aplicadas na Polsa e
que acabo de perder um din!eir#o.
4onsternado, o operador tentou consolá=lo. 4omo o pr8prio terapeuta tin!a dito, a Polsa
nada mais é do que um equivalente da bolsa das águas em que o feto repousa sem ser
incomodado e que os picos agudos nas cota">es representam apenas s$mbolos fálicos.
(as o psicanalista n#o queria interpreta">es. :ueria o seu din!eiro de volta. 3 como isso
n#o era poss$vel, avisou, teria de aumentar o pre"o do tratamento. que o paciente aceitou,
resignado. scila">es, sobretudo para cima, fazem parte da Polsa da vida. Ao fim e ao cabo
trata=se apenas de s$mbolos fálicos.
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Son7o em grego
$"arre dor de rua +a%a grego-.
Cotidiano, /0 mar. NNS
Cansado depois de um dia de exaustivo trabal!o, o varredor de rua que falava grego
adormeceu e teve um son!o. 3stava de novo na mesma avenida que !avia varrido s8 que, por
algum ato maligno, o lixo que ele recol!era !avia voltado& as sarjetas estavam c!eias de
papéis, de garrafas vazias, de restos de comida. Besanimado, ele ol!ava aquilo sem saber o
que fazer quando de repente avistou, saindo das sombras da noite, três vultos. 9rês !omens
vestindo túnicas gregas, o que, fora do per$odo carnavalesco, n#o deixava de c!amar a
aten"#o. primeiro impulso do varredor foi sair correndo H s8 l!e faltava ouvir reclama">es
daqueles estran!os tipos sobre a sujeira. s três, porém, mostravam=se amistosos. Galando em
grego, informaram que tin!am vindo de um passado long$nquo e de um pa$s igualmentelong$nquo para con!ecer uma pessoa que, embora simples, dominava um idioma t#o erudito.
4ada vez mais intrigado, o varredor perguntou quem eram.
H 3u me c!amo *8crates H disse o !omem. H 3 estes aqui s#o lat#o e Arist8teles.
4om isto, teve in$cio uma animada conversa, que se prolongaria por toda a noite. s três
fil8sofos queriam saber a opini#o do varredor a respeito de suas obras. 3le n#o se fazia de
rogado. ara *8crates, por exemplo&
3sta !ist8ria de Is8 sei que nada seiV n#o está mais com nada, *8crates. 5sto é conversa decara querendo escapar da Rusti"a. ?oje em dia as pessoas querem saber das coisas. Além
disto, aquela coisa de ensinar filosofia camin!ando pelos bosques acabou. %ocê agora tem de
se ligar na 5nternet.
ara lat#o, ele também tin!a uma advertência&
3ssa coisa de amor plat@nico acabou, meu amigo. Agora é p#o, p#o, queijo, queijo. u
seja& ajoel!ou, tem de rezar. ercebe o que estou dizendo6
lat#o n#o percebia muito bem, mas prometeu pensar no assunto. Rá Arist8teles,embara"ado, resolveu desviar a conversa para a biologia H e se deu mal. varredor n#o o
poupou de suas cr$ticas&
?á muito tempo eu estava para l!e dizer, Arist8teles, que aquela teoria da gera"#o espontFne
de bic!os nascendo do lixo, já era. l!a, eu trabal!o com lixo !á muito tempo e posso
garantir& bic!o, aqui, s8 os que já existiam. Agora, se você me falar de clonagem é outro papo
s fil8sofos, muito impressionados, agradeceram os consel!os e perguntaram o que podiam
fazer pelo !omem. varredor n#o teve dúvidas&
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H %ocês podiam me ajudar a recol!er esse lixo.
(as isso, nem em son!o. Gilosofia remove bem os entul!os do pensamento. Dixo
propriamente dito é outro departamento.
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A g%ória da ba%a *erdida
$8uatro s!o +eridos *or ba%a *erdida-.
Cotidiano, S nov. NNW
8ue triste destino o meu, suspirava a Pala erdida. 3 tin!a raz#o& entre as Palas 4erteiras
a sua reputa"#o era lamentável, para dizer o m$nimo. X diferen"a delas, a Pala erdida n#otin!a rumo certo, n#o tin!a alvo definido. Bisparada a esmo, ela ia cravar=se numa parede, ouno tronco de uma árvore, ou simplesmente perdia=se. oderia até cair na água suja de umc!arco qualquer, onde ficaria por muito tempo, até que misericordiosa ferrugem viesse corroeo metal de que era feita, terminando assim com o seu sofrimento.
pior n#o era tanto o fracasso, que afinal é parte da existência. pior era a inveja. As
Palas 4erteiras se gabavam, e com raz#o, do estrago que faziam. ?oje vou estourar um
crFnio, dizia uma, e outra acrescentava& !oje vou varar um pulm#o. ?avia aquelas queson!avam em destruir múltiplos 8rg#os, ou atingir mais de uma pessoa de cada vez.
A Pala erdida n#o podia permitir=se esses son!os. As outras sabiam disso. (al eram
colocadas no tambor do rev8lver, come"avam a deboc!ar& ent#o, o que vai ser !oje6 m mur
caindo aos peda"os6 A parede de um barraco imundo6 A Pala erdida nada respondia.
Aguardava somente o doloroso instante da percuss#o, aquele instante em que, depois da
explos#o, seria projetada no espa"o infinito, rumo a um alvo infamante.
3 de repente isso mudou.m dia o rev8lver disparou várias vezes. As Palas 4erteiras partiam, alegres. :uando
c!egou a vez da Pala erdida ela foi, resignada, esperando sofrer o impacto !umil!ante em
tijolo de barro ou em madeira apodrecida. (as n#oQ para sua surpresa foi em carne que ela
mergul!ou, a carne macia da perna de um !omem. 3le gritou, e seu grito foi música para a
Pala erdida. *eguiu=se uma jornada excitante& o !omem foi levado para o !ospital e uma
opera"#o foi necessária e o cirurgi#o comentou com os assistentes& uxa vida, foi dif$cil
extrair essa bala perdida. (andou recol!ê=la num saco plástico. 3 ali, examinada por muitosa Pala erdida viveu seu instante de gl8ria maior. :ueriam saber de seu calibre, queriam
saber de onde tin!a sido disparada, queriam até examiná=la sob lentes.
A !ora das Palas erdidas tin!a c!egado. Ba$ em diante elas passariam a fazer parte do
noticiário, gan!ando até manc!etes. ?avia, sim, um deus das Palas erdidas. 3 ele tin!a por
fim manifestado a sua vontade poderosa.
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Casamento com o destino
$5u%7er casa,se consigo mesma-.
Mundo, O jun.NNO
Decidida a se casar consigo mesma, ela optou por transformar o fato n#o apenas numa festa
mas numa celebra"#o& a celebra"#o da individualidade triunfante. 7#o preciso de ninguémpara ser feliz, era a mensagem que queria transmitir, mas sem rancor, sem ressentimentosQ aocontrário, partil!aria com muitos amigos essa felicidade enfim descoberta.
ara isso, organizou cuidadosamente a cerim@nia. ?avia um convite para o casamento em
que, naturalmente, figurava apenas o seu nomeQ !avia a cerim@nia propriamente dita, que
contaria com o apoio de um juiz de paz !eterodoxoQ e finalmente !avia a grande recep"#o,
para mais de duzentas pessoas. 3ntre elas, um convidado especial& o ex=noivo.
Burante quatro anos !aviam acalentado o projeto de viver juntos. 3 ent#o, subitamente, eldesistira. 7#o nasci para viver com outra pessoa, ele l!e !avia confessado. 7um primeiro
momento, ela se desesperara& mas como, depois de um noivado t#o longo, você me diz uma
coisa dessas6 Bepois, compreendera e aceitara. 3 pretendia até que o seu casamento servisse
de modelo para ele e outros solitários& o matrim@nio individualizado se transformaria numa
institui"#o do nosso tempo.
3 a$ veio o dia do casamento, e lá estavam todos os convidados, alguns espantados, mas
todos alegres, o ex=noivo e o juiz de paz. Biante desse !omem, ela compareceu, vestida debranco, com véu e grinalda, pronta para o momento decisivo.
A$, algo aconteceu. :uando o !omem l!e perguntou, tal como previsto, IAceita esta mul!er
como sua leg$tima esposa6J, a resposta que ela deu, numa voz rouca, uma voz que n#o era a
sua, foi um rotundo I7#oJ.
3la ainda está perturbada com o que aconteceu. 7#o sabe por que disse n#o. 3, sobretudo,
n#o sabe que estran!a voz foi aquela. 3nquanto n#o tiver respostas para estas perguntas, n#o
descansará. ior& continuará solteira.
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4o es*ao) sim) mas n!o *erdido
$C7ega aos cinemas Perdidos no Espaço-.
Ilustrada, / jul. NNO
A nave espacial já tin!a vencido a zona de gravidade da 9erra e aproximava=se da Dua,
quando de repente o comandante arregalou os ol!os& < frente deles, em pleno espa"o, estavaum !omem.
%estia um improvisado traje de astronauta, confeccionado com retal!os plásticos e um
capacete feito de um vel!o aquário. Ali estava, sorridente, como se esperasse pela
espa"onave.
comandante mandou parar, e o estran!o astronauta aproximou=se.
:uer que limpe o para=brisa6 H perguntou, num inglês de estran!o sotaque. H u quer que
lave toda a nave6 *e quiser, pode deixar comigo. *e quiser estacionar, eu cuido também. H (as de onde você é6 H perguntou o comandante, assombrado.
*ou brasileiro H foi a resposta. H Gaz pouco tempo que c!eguei. 3 estou gostando muito,
para dizer a verdade.
H 3 o que é que você faz aqui6
Be tudo um pouco, lavo espa"onaves, como l!e disse, limpo para=brisas. 3 ten!o umas
coisin!as para vender, pil!as, cassetes, fones de ouvido... 3ssas coisas do araguai, o sen!or
sabe. 7uma viagem sempre podem ser necessárias.A tripula"#o toda estava boquiaberta.
%ocês querem saber como vim parar aqui H continuou o brasileiro. H Pem, n#o foi por
vontade pr8pria. Até !á um mês atrás, eu estava empregado numa fábrica. Pom emprego, eu
gan!ava bem. A$ veio a crise. m dia eu c!eguei < fábrica e o gerente me disse& I*into muito
*eu emprego foi para o espa"oJ. Rá pensou6 Goi pro espa"o.
*orriu.
Agora& eu n#o sou de desistir. Ac!o que a gente tem de correr atrás de emprego, de qualqueremprego. *e o emprego vai pro espa"o H eu vou junto. É por isto que estou aqui. 7#o estou
perdido, n#o. 3stou lutando pela vida. sen!or n#o teria umas moedin!as sobrando6
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4ada como a instru!o
$Rico estuda cinco anos mais-.
Cotidiano, S jul.NNO
O sen!or n#o me arranja um trocado6, perguntou o esfarrapado garoto com um ol!ar
súplice. utro daria o din!eiro ou seguiria adiante. 7#o ele. 7#o perderia aquelaoportunidade de ensinar a um indigente uma li"#o preciosa&
7#o, jovem H respondeu H, n#o vou l!e dar din!eiro. %ou l!e dar uma coisa mel!or do que
din!eiro. %ou l!e transmitir um ensinamento. l!e para você, ol!e para mim. %ocê é pobre,
você anda descal"o, você decerto n#o tem o que comer. 3u estou bem=vestido, moro bem,
como bem. %ocê deve estar ac!ando que isso é obra do destino. ois n#o é. *abe qual é a
diferen"a entre n8s, fil!o6 estudo. As estat$sticas est#o a$& obre estuda cinco anos menos
do que o rico. menino o ol!ava, assombrado. 3le continuou&
essoas como eu estudaram mais. 3m média, cinco anos mais. u seja& passamos cinco anos
a mais em cima dos livros. 4inco anos sem nos divertir, cinco anos queimando pestanas, cinc
anos sofrendo na véspera dos exames. 3 sabe por quê, fil!o6 orque quer$amos aprender.
Aprender coisas como o teorema de itágoras. %ocê sabe o que é o teorema de itágoras6
7#o, seguramente você n#o sabe o que é o teorema de itágoras. *e você soubesse, eu n#o s8
l!e daria um trocado, eu l!e daria muito din!eiro, como !omenagem a seu con!ecimento. (avocê n#o sabe o que é o teorema de itágoras, sabe6
H 7#o H disse o menino. 3 virando as costas foi embora.
4om o que ele ficou muito ofendido. rapaz simplesmente n#o queria saber nada acerca d
teorema de itágoras. Aliás H como era mesmo, o tal teorema6 3ra algo como o quadrado da
!ipotenusa é igual < soma dos quadrados dos catetos. u& o quadrado do cateto é a soma dos
quadrados da !ipotenusa. u ainda, a !ipotenusa dos quadrados é a soma dos catetos
quadrados. Algo assim. Algo que s8 aqueles que têm cinco anos a mais de estudo con!ecem.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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A cidade dos macacos
$5acacos com +ome in'adem cidades-.
Brasil , // jul. NNO
A primeira rea"#o < invas#o dos macacos H era uma grande invas#o, os animais vin!am em
bandos de mais de duzentos H foi de surpresa. (acacos eram comuns na regi#o, mas jamaisc!egavam < cidade H o que dava uma ideia da fome que passavam. :uando os bic!oscome"aram a roubar alimento de quitandas e até das cozin!as das casas, a indigna"#ogeneralizou=se& n#o temos comida nem para n8s, era o argumento mais comum, quanto maispara repartir com esses bic!os. A fúria contra os recém=c!egados foi num crescendo&rapidamente surgiram mil$cias armadas, formadas com o expresso prop8sito de liquidá=los.
4om o que o prefeito n#o concordava. ?omem de vis#o, ac!ava que o lim#o poderia ser
transformado em limonada. A ideia dele era incorporar os macacos ao cotidiano da cidade.7#o em um zool8gico, como poderia pensar alguém mais desavisadoQ n#o, seu plano era
treinar os macacos para realizar pequenas tarefas tais como juntar o lixo das ruas e varrer
cal"adas. retendia inclusive providenciar um uniforme padronizado para os bic!os. 3ssa
iniciativa teria um benef$cio adicional& transformaria a cidade numa atra"#o tur$stica. 2ente
viria de longe para con!ecer a original experiência. Ginalmente, argumentava o culto prefeito
a medida envolvia compensa"#o por uma milenar injusti"a.
Afinal de contas, segundo BarCin, os macacos s#o nossos parentes mais pr8ximos. 3stá na!ora de tratá=los com a considera"#o que merecem.
s assessores do prefeito ac!aram o plano fantástico, capaz de conciliar todos os interesse
A popula"#o pensava diferente. Afinal, a cidade tin!a uma alta taxa de desemprego e os
macacos acabariam fazendo concorrência desleal aos cidad#os. (anifesta">es foram
organizadasQ grupos carregando faixas com inscri">es KI(acacos, go !omeJ e I2oiabada sim
macacada n#oJL fizeram um grande com$cio em frente < prefeitura.
u a cidade é dos macacos H disse um exaltado orador H, ou é nossa. prefeito tem deescol!er.
3 o prefeito escol!eu& optou por desistir da ideia. Afinal de contas, ponderou < esposa,
macaco n#o vota.
9arzan pensaria diferente, claro. (as 9arzan nunca teve de enfrentar uma campan!a eleitora
numa cidade de desempregados. É mais dif$cil que balan"ar num cip8 em compan!ia de
macacos.
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Toda nude( será castigada
$Em*resa 9a*onesa constatou 0ue a*are%7os
com sensor de radia!o in+ra'erme%7a
ca*tam imagens sob as rou*as-
C2meras de raio s!o retiradas do mercado-.
Mundo, 1 ago. NNO
Tudo o que ele esperava de sua cFmera era que gravasse H com alguma sofistica"#o, talve
H cenas banais, do cotidiano. (as, de repente, n#o era s8 aquilo. Be repente, estava vendo
com o ol!ar de raio Y, que a fic"#o atribuiu ao *uper=?omem, as pe"as $ntimas das pessoas.
4amisetas, cuecas samba=can"#o, calcin!as, suti#s, agora sabia exatamente o que usavam, so
a roupa, os amigos, os con!ecidos, os colegas de trabal!o. 7#o contou para ninguém, claro.
(as era com certo constrangimento que registrava essas imagens inesperadas. ;apaz t$mido,n#o era dado a tais ousadias. 4ontudo n#o renunciaria < sua cFmera. Afinal, ela representava
progresso e, mais do que isso, a porta de entrada para um universo de fantasias ilimitadas.
m dia descobriu a vizin!a.
or fora, era uma mo"a de aparência comum, nem bonita nem feia. *impática, sim H
cumprimentava=o com um sorriso H, mas nada de excepcional em termos de figura feminina
(as isso s8 exteriormente. orque, sob o vestido, ele descobria algo inesperado. 3m termos
de roupas $ntimas, a ousadia dela n#o con!ecia limites. As calcin!as, por exemplo,
ultrapassavam tudo o que os sex shops apregoam como pe"a $ntima afrodis$aca. ma delas
tin!a, desen!ada em local estratégico, uma boca semiaberta, de lábios escarlates, uma boca
desejosa de sexo. 4onstatando que ele a ol!ava, a mo"a passou a encorajá=lo com ol!ares
aliciantes e sorrisos brejeiros. Acabou convidando=o para ir ao apartamento. Dá, entre uma
bebida e outra, perguntou=l!e por que ele se interessava tanto por ela. 3le !esitou, mas H n#o
sabia mentir H acabou contando a !ist8ria da cFmera mágica. 3la arregalou os ol!os, p@s=se
rir.
H (as, ent#o, era issoT 7#o posso acreditarTDevantou=se, pediu licen"a, entrou no quarto e voltou H completamente nua.
ronto H disse, sorridente. H Agora você n#o precisa mais de cFmera. Agora você tem a
realidade.
3le mirou=a. 4onsternado. corpo que via ali, um apenas razoável corpo de mul!er, em
nada correspondia <s suas expectativas. referiria mil vezes o que tin!a visto com a ajuda da
cFmera.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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Toda nude( será castigadaGoi embora e nunca mais voltou. :uanto a ela, anda pela rua triste, deprimida. É o castigo d
nudez expl$cita que recusa o disfarce da fantasia.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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O ursin7o) n!o
$Partos de meninas aumentam ;<= no Rio:
bic7os de *e%>cia esco%tam barrigas-.
Cotidiano, /N set. NNO
?m dia depois que a menina completou 0 anos, a m#e desconfiou de alguma coisa eresolveu levá=la ao médico. Abra"ada ao urso de pelúcia que tin!a gan!o de aniversário H umursin!o baratoQ a m#e, faxineira, n#o tin!a din!eiro para presentes sofisticados H a garota serecusava a ir. Ginalmente, e depois de levar uns trancos, concordou. 4om uma condi"#o&
H ursin!o tem de ir comigo. 3le é o meu fil!o querido.
Goram ao posto de saúde. médico n#o teve a menor dificuldade em fazer o diagn8stico&
a garota estava com três meses de gravidez. A m#e ouviu a not$cia em silêncio. 7o fundo,
n#o esperava outra coisa. 3ssa !avia sido também a sua !ist8ria e a !ist8ria de suas irm#s ede muitas outras mul!eres pobres. Dimitou=se a pegar a garota pela m#o e levou=a para fora.
*entaram num banco da pra"a, em frente ao posto de saúde, e ali ficaram algum tempo, a
mul!er quieta, a menina embalando o ursin!o de pelúcia e cantando baixin!o. Ginalmente, a
inevitável pergunta&
H :uem foi6
A garota disse um nome qualquer. rovavelmente era um dos muitos garotos da vila onde
moravam. 4!ance de assumir a paternidade6 7en!uma. 9udo com ela, a m#e. 3 foi o que diss
< menina&
%ocê vai ter esse fil!o, e eu vou criar ele como se fosse seu irm#ozin!o. %ocê entendeu6 A
garota fez que sim, com a cabe"a.
H 3 você vai ajudar6
7ova afirmativa. 3 a$ ela fitou a m#e, os ol!os c!eios de lágrimas&
(as o ursin!o eu n#o dou pra ele, m#e. ursin!o é s8 meu. É o meu fil!in!o, ninguém me
tira.
H 3stá bem H disse a m#e. H ursin!o é s8 seu.Devantaram=se, foram para casa, a menina sempre abra"ada ao ursin!o. :ue exibia o eterno
e fixo sorriso dos bic!os de pelúcia.
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8uanto 'a%7o1
$Homem / *reso *or +or9ar se0uestro-.
Cotidiano, /O out. NNO
$4#o vou negar, sen!or delegado& eu forjei, sim, o meu sequestro. 5nventei a !ist8ria toda
fiz até papel de sequestrador. :ue n#o dou para a coisa, o sen!or está vendo& aqui estou eu,preso.
(as !á uma ou duas coisas que posso dizer acerca disso. %eja bem, n#o estou querendo
escapar da responsabilidade. :uero s8 explicar. A min!a explica"#o certamente surpreender
o sen!or, mas pe"o que a ou"a.
7#o era o din!eiro, sen!or delegado. u mel!or, era o din!eiro, mas n#o era s8 o din!eiro
3ra também a autoestima. sen!or perguntará& mas o que tem autoestima a ver com
sequestro6 9em muito a ver, sen!or delegado, tem muito a ver. 7o meu caso, tem muito a ver.Você não vale nada. 3ssa frase me acompan!ou por toda a vida. :uando eu era crian"a, e
roubava doce, meu pai me dizia, irritado& você n#o vale nada. :uando os professores me
surpreendiam colando no exame H e eu tin!a de colar, era a única forma de obter uma boa not
H me diziam& você n#o vale nada. s amigos, as namoradas, os clientes, todo mundo repetia&
você n#o vale nada. 5sso acabou por me afetar, por destruir a min!a autoestima. *erá mesmo
que n#o val!o nada, eu me perguntava. 3, enquanto eu n#o conseguisse uma resposta, min!a
vida n#o teria sentido.A$ me ocorreu a ideia do sequestro. 3u queria saber quanto a min!a fam$lia, os meus amigo
estavam dispostos a pagar por mim. 7#o era s8 pelo din!eiro. 4laro, era também pelo
din!eiro, mas era muito mais a quest#o da autoestima.
5nfelizmente, o plano fracassou. (as eu quero ser levado a julgamento, sen!or delegado.
:uero saber a quantos anos serei condenado. (ultiplicando esse tempo pelo que custa um
preso, terei uma resposta, ainda que aproximada, < pergunta que !á tanto tempo me inquieta&
quanto, afinal, val!o6J
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Os direitos de 5aria
$Direitos Humanos com*%etam @ anos-.
Especial , 1 dez. NNO
Casaram exatamente no dia em que foi proclamada a Beclara"#o niversal dos Bireitos
?umanos, em 0 de dezembro de NUO. ma coincidência que (aria sempre ac!ousignificativa.
7#o que o casamento fosse feliz. elo contrário& o marido, !omem violento, tratava=a
brutalmente. (as ela se resignava. Goi assim com min!a av8 e com min!a m#e, pensava,
será assim comigo também. ortanto fazia tudo o que uma dona de casa tin!a de fazer H
lavava, passava, cozin!ava H sem se queixar. (as, quando completaram os primeiros dez
anos de casados, atreveu=se a pedir ao marido um presente& queria um casaco novo. Afinal,
disse, meio brincando, era também o primeiro décimo aniversário da Beclara"#o dosBireitos ?umanos, e ela ac!ava que, na qualidade de esposa dedicada, tin!a direito a um
casaco.
%ocê n#o tem direito nen!um, respondeu ele, seco. 4umpra suas obriga">es e cale a boca.
(aria n#o respondeu, obviamente ficou com o casaco, que tratou de cuidar e remendar
como podia. (as, dez anos depois, no /0o aniversário de casamento Ke da Beclara"#o dos
Bireitos ?umanosL ousou de novo formular um pedido& queria um vestido. Be novo o marido
respondeu que ela n#o tin!a direito algum. (aria nunca mais gan!ou um vestido. 7o 10o aniversário, o pedido foi ainda mais modesto& uma blusa. Be novo, nada de blusa&
n#o tin!a esse direito. 7o U0o aniversário, restringiu=se a solicitar um par de sapatos H mesm
usados H, mas n#o gan!ou. assou a andar de c!inelos ou até descal"a.
7o M0o aniversário, n#o tin!a mais o que pedir. 3 n#o poderia, mesmo, pedir nada& uma
semana antes do 0 de dezembro o marido pedira div8rcio.
3la agora está sozin!a H n#o tiveram fil!os H e livre. 7#o sabe o que fazer com sua
liberdade. 2ostaria de pedir ao marido, ao ex=marido, um consel!o, mas sabe que ele n#o l!daria. 7a vis#o dele, nem a consel!os (aria tem direito.
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A 'ida em *a*e%!o
$Dormir em cai6a custa RB ) *or dia em S!o Pau%o-.
Cotidiano, W dez. NNO
A ideia l!e veio ao observar a quantidade de gente dormindo na rua no centro da cidade.
3xiste a$ uma demanda potencial, pensou. 3 como estava, ele pr8prio, desempregado,
resolveu arriscar a sorte em um novo neg8cio& o aluguel de caixas de papel#o.
que n#o seria nada dif$cil. 4aixas poderiam ser obtidas em lojas, supermercados,
fábricas. 3 os sem=teto aceitariam com entusiasmo a possibilidade de dormirem menos
expostos aos elementos H e aos ol!ares al!eios.
neg8cio deu certo, e ele foi sofisticando a oferta. Bispun!a de caixas em vários
taman!os, algumas acolc!oadas, outras pintadas em cores alegres, várias com rádio e 9%. s
pre"os subiam progressivamente, de acordo com a dimens#o da caixa e o conforto desta.
3scusado dizer que, durante esse tempo, morava numa caixa, ele também H inclusive para
fiscalizar a clientela. 3 fiscalizar era uma coisa que sabia fazer. 3ra um cobrador implacáve
n#o !esitava em amea"ar os devedores relapsos& se n#o pagassem, botaria fogo nas caixas&
eram dele, poderia queimá=las se e quando quisesse. *e !ouvesse alguém dentro, azar.
2an!ou muito din!eiro, encontrou uma linda mul!er que aceitou viver com ele. 7#o numa
caixa, naturalmente& ela queria uma casa. ma casa muito grande e muito bonita.
3 uma casa ele fez. ma casa muito grande e muito bonita, num bairro elegante. É uma casaque c!ama a aten"#o de todos, n#o s8 pelo desin arrojado, como também por uma
peculiaridade& é feita de papel#o. apel#o especial, muito espesso e impermeável, mas
papel#o.
7essa casa de papel#o ele vive feliz com a mul!er. *8 uma coisa o preocupa& tem medo de
que algum invejoso bote fogo na casa. papel#o é um grande material, mas, infelizmente, n#
resiste <s c!amas. 7ada é perfeito.
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A +ora da %ei
$Po%iciais se dis+aram e '!o *ara a sa%a de au%a-.
Folhateen, U dez. NNO
Preciso falar com o sen!or em particular.
professor de matemática recebeu o pedido com desagrado. 7#o gostava do rapaz, um
aluno relapso e de ar insolente. (as faltava apenas uma semana para o término das aulas, de
modo que resolveu enfrentar o sacrif$cio. 3sperou que o resto da turma sa$sse, fec!ou a porta
H 3m que posso ajudar você6 H perguntou, no tom mais amável poss$vel.
sen!or me reprovou H disse o rapaz, e antes que o professor retrucasse, adiantou=se& H 3u
sei que n#o fui bom aluno, que faltei a muitas aulas e que fui mal nas provas. Acontece que
n#o posso ser reprovado.
7#o pode6 H professor, a um tempo divertido e surpreso com aquela cara de pau. H 3
por que n#o6
orque... H rapaz ol!ou para a porta, como a certificar=se de que estava bem fec!ada. H
Pem, porque n#o sou um aluno comum. 3stou matriculado como um aluno comum, frequentei
as aulas como um aluno comum, mas n#o sou um aluno comum.
H 7#o6 3 o que você é, ent#o6
*ou um policial. m policial disfar"ado.
l!ou para os lados, de novo&3stou aqui como aluno, mas na verdade min!a tarefa é investigar uma quadril!a de
traficantes. 3les têm um agente aqui na escola, um rapaz desta turma. 3le passou de ano, e eu
ten!o de passar também, para vigiá=lo.
professor ol!ava=o, entre incrédulo e desconfiado.
H 3 como você prova que é policial6
H 4omo provo que sou policial6
Abriu a camisa e mostrou uma arma, uma pistola automática.3stá a$ a prova. 3sta arma é s8 a pol$cia que usa. *orriu, um sorriso que era t#o cúmplice
quanto amea"ador. H 3 o sen!or pode acreditar que sei usá=la.
Bisso o professor n#o tin!a dúvida. Assim como n#o tin!a dúvida de que estava diante de
um problema, talvez o problema mais dif$cil de sua vida.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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Roteiro tur#stico
$Duas mu%7eres e tr3s crianas) 0ue moram
debai6o de um 'iaduto na (ona sudoeste
de S!o Pau%o) '!o con7ecer o Iguatemi-.
Cotidiano, /M dez. NNO
$A presentamos a seguir o roteiro de nossa excurs#o Z%iagem a um mundo encantadoV, umexcitante mergul!o no maravil!oso universo do consumo.
N! H 5n$cio da excurs#o. *a$da dos participantes do viaduto em que residem. embarque
será feito em @nibus comum, de lin!a. 7#o usaremos !elic8ptero nem mesmo @nibus especial
7#o se trata de economiaQ queremos evidenciar o contraste entre um vel!o e barul!ento
ve$culo e a moderna e elegante constru"#o que é o objeto de nossa visita.
0! H 4!egada ao shoppin . Bepois do deslumbramento inicial, o grupo adentrará o recintoo que deverá ser feito de forma organizada, sem tumulto, de maneira a n#o c!amar a aten"#o.
5sto poderia resultar em incidentes desagradáveis.
0=/! H %isita <s lojas. 3ste é o ponto alto de nosso tour , e para ele c!amamos a aten"#o
de todos os participantes. oder#o observar os últimos lan"amentos da moda primavera=
ver#o, os computadores mais avan"ados, os eletrodomésticos mais modernos. 7uma das
vitrines será visualizado um rel8gio de pulso Pulgari custando aproximadamente *[ 0 mil
s nossos guias, sempre bem informados, far#o uma análise desta quantia. (ostrar#o a que
equivale, em termos de salários m$nimos e quantos anos de trabal!o seriam necessários paraadquirir tal rel8gio. 5sso oportunizará uma reflex#o sobre a dimens#o filos8fica do tempo,
muito necessária, a nosso ver H já que é objetivo da agência n#o apenas o turismo banal, mas
sim um alargamento do !orizonte cultural de nossos clientes.
/=U! H 7ormalmente, este !orário seria reservado ao almo"o. 4onsiderando, contudo, qu
o tempo é breve e custa caro Kver acimaL, propomos aos participantes um passeio pela área d
alimenta"#o, onde teremos uma vis#o abrangente do mundo do !ast"!ood . Dembramos que é
proibido consumir os restos porventura deixados sobre a mesa ou mesmo ca$dos no c!#o.U=W! H 4ontinua"#o de nossa visita. *er#o mostrados agora os locais de divers#o. s
participantes poder#o ver todos H repetimos, todos H os cartazes dos filmes em exibi"#o.
W! H 3mbarque em @nibus de lin!a com destino ao ponto de partida, isto é, o viaduto.
S! H 7en!um acidente acontecendo, c!egada ao viaduto e fim de nossos servi"os.J
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O gigantesco ob9eto do dese9o
$Co%ombianos +a(em camisin7a gigante-.
Mundo, /O dez. NNO
uma pouca=vergon!a H exclamou a primeira sen!ora, num tom t#o exaltado que asoutras pessoas, no elegante restaurante, c!egaram a se virar, mirando=a, surpresas e irritadas
*em se importar, ela prosseguiu&
H É uma coisa sem nome, é o fim de toda a moralidade.
A segunda sen!ora, que sempre fora distra$da, n#o sabia do que a outra estava falando.
(as você n#o leu o jornal6 É essa !ist8ria da tal camisin!a gigante. 7#o ouviu falar6 (as
você vive mesmo no mundo da lua, min!a cara. %ou l!e mostrar.
Abriu a bolsa, sacou dali um recorte de jornal, sacudiu=o no ar.
3stá aqui, para quem quiser ver. 4om todos os detal!es. ma camisin!a de mil metros de
comprimento, min!a cara. 7#o é um metro, n#o s#o dois metros. (il metrosT m quil@metro.
Bizem que é para alertar as pessoas contra a Aids, mas a mim n#o enganam. 5sso n#o passa de
pura e simples safadeza. *abe qual é a cidade, querida6 A cidade onde fizeram a tal
camisin!a6 É 4ali. É, aquela mesma do cartel de 4ali. ara mim, quem financiou essa coisa
monstruosa foram os traficantes. 2astaram *[ 1 mil. (as, para eles, deve ter sido um
din!eiro muito bem empregado. orque isto ajuda a corromper os costumes e esse é o objetiv
deles. 4amisin!a, droga, é tudo a mesma coisa. %ocê n#o ac!a6A outra n#o respondeu de imediato. orque estava pensando. 7#o na camisin!a, mas no
pênis que ela poderia conter, o gigantesco, o quilométrico pênis. pênis que, ereto, c!egaria
<s nuvens. grande falo diante do qual se prostrariam, em silenciosa adora"#o, mil!ares de
pessoas, algumas mais afoitas tentando escalá=lo, para c!egar ao topo e de lá bradar,
parafraseando 7apole#o& IBo alto deste pênis, contempla=nos a eternidadeJ.
H %ocê n#o ac!a6 H insistiu a primeira sen!ora.
Ac!o H respondeu, com um quase impercept$vel suspiro. ?á muito tempo aprendera arenunciar a seus son!os e a concordar sempre com os outros.
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E +oram todos F *raia
$Ad'ogado im*ro'isa escritório na *raia-.
Cotidiano, /0 jan. NNN
A not$cia segundo a qual um advogado carioca tin!a instalado o seu escrit8rio na praia do
Arpoador gerou rea">es as mais contradit8rias. Alguns ac!aram um absurdoQ é uma pouca=vergon!a, uma falta de respeito, onde é que se viu praticar advocacia dessa maneira. utrosac!aram gra"a& coisa de ;io de Raneiro, foi um comentário que se ouviu bastante. (as muitoficaram pensando& será que o advogado do Arpoador n#o tin!a raz#o6 *erá que n#o estavacerto ele em mandar as conven">es para o espa"o, em benef$cio de uma vida mais livre, maisdescontra$da6
7#o foi surpresa, portanto, quando, pr8ximo ao lugar onde atendia um advogado, apareceu
uma barraca com uma pequena placa& I3scrit8rio de 4ontabilidadeJ. Dogo depois surgiu umconsult8rio médico e outro de psicologia. 3m seguida, foi a vez de um consultor de
empresas e de uma agência de publicidade. A essa altura as academias de ginástica se
multiplicavam.
movimento H um verdadeiro movimento social, organizado, contando inclusive com um
lo##$ no 4ongresso H já n#o se restringia ao Arpoador nem ao ;io, mas se propagava
rapidamente pelo Prasil. Bos 3stados interioranos vin!am caravanas inteiras, carregando
cartazes de apoio < vida na praia. 3m breve o litoral brasileiro, de sul a norte, estava todoocupado por pessoas que, em trajes de praia, exerciam as mais diversas atividades. 9odos
tranquilos, todos bronzeados.
9#o bronzeados que pareciam $ndios. que deu, a algum estilista, a ideia de criar uma mod
retr@ com tangas, cocares, tacapes. que s8 contribuiu para aumentar a descontra"#o.
3st#o todos na praia, portanto. (as é com certa apreens#o que eles ol!am para o mar.
9emem que um dia apare"a ao largo uma frota de caravelas e que um !omem desembarque
dizendo, muito prazer, gente, meu nome é edro \lvares 4abral.
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Cai6a,*reta
$De*utado 0uer abrir cai6a,*reta de *%anos
Entidades de *re'id3ncia *ri'ada) aberta e +ec7ada)
ter!o de e6*%icar suas contas F C2mara edera%-.
Folhainvest , ] mar. NNN
A provada, depois de muita discuss#o, a matéria, foi finalmente marcada a data para a
abertura da t#o con!ecida, e temida, caixa=preta. 4onsiderando que o audit8rio da 4Fmaraseria pequeno para o maci"o comparecimento que se esperava, decidiu=se realizar o eventonum local especial. ara isso, uma gigantesca tenda foi armada na 3splanada dos (inistériosRá <s primeiras !oras do grande dia, uma multid#o lá se concentrava. A expectativa eraenorme.
ela primeira vez, na !ist8ria do pa$s, uma caixa=preta seria aberta H e diante dos cidad#os
o que era ainda mais inusitado.
s minutos se passavam, e nada acontecia, o que suscitou nervosismo& seriam as esperan"a
frustradas6 9eriam os donos da caixa=preta conseguido, mediante medida judicial ou por um
golpe qualquer, suspender a medida6 m murmúrio de revolta já come"ava a se ouvir, mas
ent#o soou um clarim, e quatro !omens adentraram o recinto, carregando a famosa caixa=
preta. :ue era grande H um cubo de cerca de um metro de aresta H, pintada num preto fosco,
discreto, mas sinistro.
A caixa=preta foi colocada sobre a mesa. ma sen!ora aposentada foi convidada a retirar tampa. Bepois de muito trabal!o H aquilo era coisa para especialista H, ela conseguiu fazê=lo
s !omens retiraram, ent#o, o conteúdo e o expuseram ao público.
utra caixa=preta. Bentro da caixa=preta !avia uma outra caixa=preta.
A decep"#o foi grande. coordenador dos trabal!os convidou outra pessoa, desta vez um
sen!or, a abrir a segunda caixa=preta.
(ais uma caixa=preta. 3ra assimQ como aquelas bonecas russas, cada caixa=preta contin!a
uma nova caixa=preta. A angústia aumentava, assim como os gritos de Ipal!a"ada, pal!a"ada(as, ent#o, c!egou=se a uma Ma caixa=preta, esta com /0 cent$metros. m anci#o a abriu H e
soou ent#o uma exclama"#o deslumbrada.
3ra uma caixa branca.
Agora, sim, diziam todos, agora c!egamos ao fim do processo, agora vamos descobrir a
verdade. 3m meio < alegria geral, uma menina foi convidada a abrir a caixa branca. Goi o qu
ela fez, com dedos trêmulos. 9odos se precipitaram para ver o que !avia dentro.
3ra uma caixa=preta.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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O bei9o no escuro
$%ecaute dei6a de( Estados e o Distrito edera%
sem %u() e a+eta & mi%7Jes-.
Cotidiano, / mar. NNN
Tudo aconteceu, concluiu ela depois, porque era uma executiva dedicada, que n#o !esitavaem ficar até altas !oras da noite no escrit8rio. 7#o era a única, naturalmente. (uitos faziam omesmo, e isso também foi importante no incidente que viria a mudar a sua vida.
3ra muito tarde quando ela, finalmente, encerrou o trabal!o. 4om um suspiro, desligou o
computador, arrumou=se um pouco, apagou as luzes, saiu e dirigiu=se devagar para o elevador
7#o tin!a motivos para pressa. ;ecém=descasada, ninguém esperava por ela no apartamento.
elevador c!egou. *eis pessoas estavam lá dentro, seis executivos como ela, os seis com
suas pastas, os seis com ar fatigado. 7en!um deles era con!ecido. 3la entrou, a porta sefec!ou, a descida come"ou H e a$ veio o blecaute. 4ompleto& a lFmpada de seguran"a do
elevador n#o funcionava. 3 ninguém tin!a isqueiros ou f8sforos. 3u n#o deveria ter deixado d
fumar, comentou alguém, ir@nico. Bepois fez=se silêncio, o pesado e tenso silêncio comum
nesses momentos.
3 foi nesse silêncio, nessa escurid#o, que alguém a beijou. Goi surpreendenteQ t#o
surpreendente que ela n#o reagiu. (as n#o s8 por causa da surpresa. or causa do beijo,
também& um beijo t#o ardente, t#o apaixonado, que ela c!egou a estremecer. Ramais alguém a
beijara assim, jamais. Arrebatada, ela n#o teve, contudo, tempo de fazer nada, nem de esbo"a
um gesto sequer& no mesmo instante a porta se abriu e o vigia do prédio, com uma lanterna
portátil, levou=os até as escadas.
3la foi para casa, ali perto. (orava no primeiro andar. 3ntrou sem dificuldade, deitou=se,
vestida, e ficou ali, no escuro, solu"ando baixin!o. *olu"ando de paix#o, da paix#o
adormecida que o beijo nela despertara. aix#o por alguém que n#o con!ecia, e que n#o tin!a
como identificar.
*8 l!e resta esperar pelo pr8ximo blecaute. *8 l!e resta esperar que nesse momento estejanum elevador com seis executivos de ar fatigado. 3 quando um deles a beijar no escuro, ela o
segurará pela gravata e n#o mais o abandonará. pr8ximo blecaute& deve !aver boas c!ance
para isso. estoque de raios é infinito.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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O +utebo% e a matemática
$5ode%o matemático *re'3 go%s no +utebo%-.
Mundo, /1 mar. NNN
O técnico reuniu o time dois dias antes da partida com o tradicional adversário. 9in!a umaimportante comunica"#o a fazer.
(eus amigos, !oje come"a uma nova fase na vida do nosso clube. Até agora, cada um jogava
o futebol que sabia. 3u ensinava alguma coisa, é verdade, mas a gente se guiava mesmo era
pelo instinto. 5sso acabou. 2ra"as a um dos nossos diretores, que é um cara avan"ado e sabe
das coisas, n8s vamos jogar de maneira completamente diferente. 78s vamos jogar de maneir
cient$fica.
Abriu uma pasta e de lá tirou uma série de tabelas e gráficos feitos em computador.
*abem o que é isso6 É o modelo matemático para o nosso jogo. Goi feito com base em todasas partidas que jogamos contra o nosso adversário, desde N/1. 3stá tudo aqui,
cientificamente analisado. 3 está aqui também a previs#o para a nossa partida. 3les provaram
estatisticamente que o adversário vai marcar um gol aos / minutos do primeiro tempo. 78s
vamos empatar aos /U minutos do segundo tempo e vamos marcar o gol da vit8ria aos U1
minutos. ortanto, n#o percam a calma. 3sperem pelo segundo tempo. É a$ que vamos gan!ar
s jogadores se ol!aram, perplexos. (as ciência é ciênciaQ tudo o que eles tin!am a fazer
era jogar de acordo com o modelo matemático.%eio o grande dia. 3stádio lotado, come"ou a partida, e, tal como previsto, o adversário fe
um gol aos / minutos. 3 a$ sucedeu o inesperado.
m jogador c!amado Guin!a, um rapaz magrin!o, novo no time, pegou a bola, invadiu a
área, c!utou forte e empatou. 4inco minutos depois, fez mais um gol. 3 outro. 3 outro. jogo
terminou com o marcador de S a , um escore nunca registrado na !ist8ria dos dois times.
9odos se cumprimentavam, felizes. *8 o técnico n#o estava muito satisfeito&
2ostei muito de sua atua"#o, Guin!a, mas você n#o me obedeceu. or que n#o seguiu omodelo matemático6
rapaz fez uma cara triste&
A!, seu svaldo, eu nunca fui muito bom nessa tal de matemática. Aliás, foi por isso que o
meu pai me tirou do colégio e me mandou jogar futebol. *e eu soubesse fazer contas, n#o
estaria aqui, jogando para o sen!or.
técnico suspirou. Acabara de concluir& uma coisa é o modelo matemático. utra coisa é a
vida propriamente dita, nela inclu$da o futebol.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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O beb3 do mi%3nio
$Cam*an7a estimu%a casais a conceber beb3s
0ue *oder!o nascer em <K de 9aneiro-. Mundo,
/ mar. NNN
O dia cr$tico era o O de abril. dia n#oQ a noite. Be dia ele estaria trabal!ando Hfelizmente ainda tin!a emprego. (as < noite iria correndo para casa. Daurin!a estaria < suaespera, usando seu mel!or vestido. Rantariam, tomariam c!ampan!e KbaratoQ auxiliar deescrit8rio, ele gan!ava poucoL e depois iriam para a cama, encomendar o primeiro bebê docasal. :ue, a natureza cumprindo sua obriga"#o, deveria nascer a ] de janeiro do ano /000.m bebê do milênio. portador de seus son!os.
Xs seis em ponto saiu do escrit8rio, apesar dos apelos do patr#o para que ficasse mais um
pouco, e correu para o ponto do @nibus. trFnsito estava congestionado, como sempre, masmesmo assim ele conseguiu c!egar < casa, num subúrbio long$nquo, antes das / !oras. 3 lá
estava Daurin!a a esperá=lo. Dinda e radiante.
4onduziu=o < mesa, onde o jantar estava servido. 4onforme combinado, tomaram
c!ampan!e. 4onforme combinado, dan"aram um pouco, ao som do rádio. 3, conforme
combinado, foram para a cama.
(as a$ aconteceu algo que n#o !avia sido combinado, algo imprevisto.
3le fal!ou.
9alvez por causa do c!ampan!e, a que n#o estava acostumado, talvez por causa do
nervosismo, o certo é que ele fal!ou. Gal!ou uma, duas, três vezes. Daurin!a n#o conseguiu
conter a irrita"#o& I que é que !á, cara6 9odas as noites você quer, logo !oje, que é
importante, você n#o corresponde6J 3le se ofendeu, gritou com ela. 3, num súbito
impulso, levantou=se, vestiu=se e saiu.
4amin!ou algum tempo pelas ruas desertas do bairro, ia bufando, ruminando a mágoa. 3
quase n#o viu a mo"a que, parada < porta de um bar, sorria para ele. 3ra uma mo"a muito
bonita, t#o bonita que o cora"#o dele bateu mais forte. 7um instante a contrariedadedesapareceu. *a$ram a camin!ar, conversaram, abra"aram=se, beijaram=se.
(as quando ela o convidou a subir para o quarto, desculpou=se& tin!a um compromisso
urgente. Rá ia sair correndo quando se lembrou de perguntar o nome dela. 4arla, respondeu a
mo"a, com o mesmo sorriso.
3le voltou para casa e conseguiu cumprir a miss#o& o bebê do milênio foi encomendado,
como Daurin!a queria. (as o nome ficou por conta dele. 4arla, naturalmente.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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Os estran7os camin7os da Internet
$A%uno com*ra traba%7o esco%ar da Internet-.
Cotidiano, N abr. NNN
Desiludido com a carreira universitária e sobretudo com o baixo salário, o professor pediu
demiss#o de seu cargo e instalou um site na 5nternet. *eu projeto& vender trabal!os paraalunos. ma coisa que muita gente estava fazendo e na qual ele esperava sair=se bem.
Ginalmente vou tirar algum proveito do meu con!ecimento, disse < esposa.
ma expectativa que se revelou, de in$cio, frustrada. s pedidos que recebia eram de
pequenos trabal!os. Gáceis de fazer, n#o rendiam, contudo, grande coisa. :uando já come"av
a desanimar, veio uma encomenda grande& um estudante de uma obscura faculdade do interior
precisava de um trabal!o de mestrado. 9in!a de ser longo, tin!a de ser elaborado H e deveria
ser entregue com urgência& cinco dias. (as o cliente, fil!o de um rico industrial, estavadisposto a pagar uma substancial quantia, muito maior que o pre"o de tabela.
professor imediatamente se lan"ou < tarefa. Dogo viu, contudo, que se tratava de miss#o
imposs$vel. or mais rápido que progredisse H e, por causa do nervosismo, n#o progredia
muito rapidamente, n#o conseguiria dar conta do recado em tempo !ábil. que fazer6 7#o
podia cair fora& o mercado n#o perdoa os vacilantes. 4omo resolver, ent#o, o problema6
Be repente, lembrou=se de algo.
*ua tese de mestrado. 9in!a=a pronta, guardada na gaveta. 7unca c!egara a apresentá=la Hn#o valia a pena, já que n#o pretendia continuar ensinando. ensara até em jogar fora aquele
erudito, e, a seu ver, inútil estudo. Agora, porém, poderia aproveitá=lo. Antes que os remorso
o acometessem, colocou a tese num envelope e enviou=a ao aflito mestrando.
7a semana seguinte recebeu uma carta. 4ontin!a o polpudo c!eque, tal como !avia sido
combinado, e uma c8pia do parecer da banca sobre o trabal!o& entusiastas aprecia">es,
rasgados elogios.
professor suspirou. Ao fim e ao cabo, tin!a encontrado uma espécie de gl8ria. 3 teve deconcluir& s#o mesmo muito estran!os os camin!os da 5nternet.
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"i/s
$E?A mant3m 9uros) mas com 'i/s de a%ta-.
%inheiro, N mai. NNN
$Luro cai *ara M)@=N 'i/s de bai6a continua-.
%inheiro, /0 mai. NNN
Ele a ol!ava com viés de baixa. 3la o ol!ava com viés de alta.
3le a ol!ava com viés desenvolvimentista. 3la o ol!ava com viés monetarista.
3le a ol!ava com viés Ium pouco de infla"#o n#o faz malJ. 3la o ol!ava com viés
recessivo. 3le a ol!ava com viés telesc8pico. 3la o ol!ava com viés microsc8pico.
3le a ol!ava com o viés ol$mpico da utopia. 3la o ol!ava com o viés labir$ntico do
mercado.3le a ol!ava com viés !ist8rico. 3la o ol!ava com viés contábil.
3le a ol!ava, no m$nimo, com viés ^e)nes, e em momentos de maior desespero, recorria até
ao viés (arx. 3la o ol!ava com o viés (ilton Griedman Ke escola de 4!icagoL.
3le a ol!ava com viés Icon los pobres de la tierra quiero )o mi suerte ec!arJ. 3la o mirava
com viés Ibusiness is business, m) friendJ.
3le a ol!ava com viés bandeiras ao vento. 3la o ol!ava com viés gráficos e tabelas. 3le a
ol!ava com viés romFntico, mas admitindo o moderno. 3la s8 o ol!ava com viés p8s=moderno.
3le a ol!ava com viés filme iraniano, ou seja, arte. 3la o ol!ava com viés 2eorge Ducas, o
seja, bil!eteria.
3le se desesperouQ será que nunca vamos nos ol!ar com o mesmo viés, perguntou, em tom
de súplica. 3u n#o posso mudar meus ol!os, respondeu ela. 7em eu posso mudar os meus,
replicou ele. (as eu ten!o aqui uns 8culos que compatibilizam o viés, disse ela. 3u quero
estes 8culos, disse ele, esperan"oso. 3u vendo estes 8culos, disse ela, mas você pode
fracionar o pre"o em várias parcelas, com juros. Gelizmente os juros est#o com viés de baixadisse ele. (as nos 3stados nidos est#o com viés de alta, disse ela.
3le a ol!a com viés desconsolado. 3la o ol!a com viés implacável.
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A casa das i%usJes *erdidas
$Po%#cia in'estiga troca de beb3 *or casa-.
Cotidiano, 0 jun. NNN
8uando ela anunciou que estava grávida, a primeira rea"#o dele foi de desagrado, logo
seguida de franca irrita"#o. :ue coisa, disse, você n#o podia tomar cuidado, engravidar logoagora que estou desempregado, numa pior, você n#o tem cabe"a mesmo, n#o sei o que vi emvocê, já deveria ter trocado de mul!er !avia muito tempo. 3la, naturalmente, c!orou, c!oroumuito. Bisse que ele tin!a raz#o, que aquilo fora uma irresponsabilidade, mas mesmo assimqueria ter o fil!o. *empre son!ara com isso, com a maternidade H e agora que o son!o estavaprestes a se realizar, n#o deixaria que ele se desfizesse.
H or favor, suplicou. H 3u fa"o tudo o que você quiser, eu dou um jeito de arranjar trabal!
eu sustento o nenê, mas, por favor, me deixe ser m#e.3le disse que ia pensar. Ao fim de três dias daria a resposta. 3 sumiu.
%oltou, n#o ao cabo de três dias, mas de três meses. Xquela altura ela já estava com uma
barriga avantajada que tornava imposs$vel o abortoQ ao vê=lo, esqueceu a desconsidera"#o,
esqueceu tudo H estava certa de que ele vin!a com a mensagem que tanto esperava, você pod
ter o nenê, eu ajudo você a criá=lo.
3stava errada. 3le vin!a, sim, dizer=l!e que podia dar < luz a crian"aQ mas n#o para ficar
com ela. Rá tin!a feito o neg8cio& trocariam o recém=nascido por uma casa. A casa que n#otin!am e que agora seria o lar deles, o lar onde H agora ele prometia H ficariam para sempre.
3la ficou desesperada. Be novo caiu em prantos, de novo implorou. 3le se mostrou
irredut$vel. 3 ela, como sempre, cedeu.
3ntregue a crian"a, foram visitar a casa. 3ra uma modesta constru"#o num bairro popular.
(as era o lar prometido e ela ficou extasiada. Ali mesmo, contudo, fez uma declara"#o&
H 78s vamos enc!er esta casa de crian"as. :uatro ou cinco, no m$nimo.
3le n#o disse nada, mas ficou pensando. :uatro ou cinco casas, aquilo era um bom come"
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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Histórias e6traterrestres
$5oradores a+irmam ter 'isto ó'ni-.
Cotidiano, W jun. NNN
8uando a mul!er, muito impressionada, veio l!e falar sobre o 8vni avistado no (ato
2rosso do *ul, ele mal p@de conter a satisfa"#o& pressentiu que ali estava a grande desculpade que precisava para justificar escapadas noturnas.
7#o tardou a usá=la. Bias depois con!eceu uma loira espetacular, uma grande mul!er. *aiu
da casa dela <s três da man!#, sem qualquer preocupa"#o. ara a mul!er, que, naturalmente, o
aguardava furiosa, contou a !ist8ria clássica& estava dirigindo o carro por uma estrada desert
quando, de súbito, avistou luzes ofuscantes e, em meio a um ru$do ensurdecedor, um 8vni, um
disco voador, pousou no campo ao lado da estrada.
Bali !aviam sa$do três !omenzin!os verdes com antenas, dizendo, numa voz metálica, leve=nos a seu c!efe, leve=nos a seu c!efe. 4omo n#o sabia exatamente de quem falavam H tanta
gente mandando no pa$s H, os !omenzin!os retiveram=no por mais de cinco !oras, perguntand
coisas sobre campos petrol$feros, possibilidade de remessa de lucros a outros planetas, 45s
várias. Ba$ o atraso.
A mul!er n#o apenas acreditou como até teve pena dele& coitadin!o, você deve ter passado
um mau peda"o. 3 ele foi dormir felicitando=se por sua imagina"#o criativa.
7a semana seguinte, de novo encontrou a loira e de novo voltou tarde, dessa vez <s quatroBe novo contou a !ist8ria, acrescentando que era o mesmo disco voador e que os !omenzin!o
!aviam afirmado que da$ em diante voltariam periodicamente para completar a coleta de
dados.
H 7#o conte a ninguém sobre isso H concluiu ele. H 4aso contrário, min!a vida
correrá perigo.
A mul!er, cada vez mais impressionada, prometeu que nada diria, nem mesmo <s mel!ores
amigas.assados uns dias, sentiu saudades da loira e resolveu visitá=la na casa, que ficava num
bairro distante. 3ntrou no carro e foi até lá. Rá estava c!egando quando avistou luzes
ofuscantes. 3m meio a um ru$do ensurdecedor e a uma espessa fuma"a, avistou um 8vni que
do pátio da casa, elevava=se no ar. 7a janela do disco voador, mirando=o sorridente, estava a
bela loira, abra"ada a três !omenzin!os verdes com antenas. m segundo depois a nave
desapareceu, perdendo=se no espa"o infinito.
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Abo%indo a abo%i!o
$Promotora '3 0uadro de 0uase escra'id!o:
o*era!o %ibera M; em +a(enda no Es*#rito Santo-.
Brasil , /U jun. NNN
Tudo come"ou quando eles foram procurar emprego na fazenda de café. proprietáriodisse que sim, que podia empregá=los. *8 n#o poderia pagar muito. :ue decidissem& era pegaou largar, ame=o ou deixe=o. 3les se ol!aram. que podiam fazer6 Aceitaram.
assado o primeiro mês, o proprietário reuniu=os e disse que os neg8cios n#o andavam bem
que a cota"#o do café estava em baixa no mercado internacional. rop@s diminuir o salário,
coisa pouca, e n#o por muito tempo. 3les se ol!aram, mas o que podiam fazer6 Aceitaram.
m mês depois, o proprietário reuniu=os de novo. s neg8cios continuavam ruins, de modo
que ele tin!a outra proposta& atrasaria os salários, indefinidamente, mas em compensa"#oforneceria alojamento e comida. alojamento n#o passava de um tel!eiro com um estrado e
colc!onetesQ ban!eiro n#o !avia. :uanto < comida, como disse o pr8prio proprietário, n#o era
coisa para our&et . Be novo se ol!aram. que podiam fazer6 Aceitaram.
7o mês seguinte, o proprietário reuniu=os de novo. Besta vez, tin!a uma !ist8ria para conta
Antigamente, disse ele, os trabal!adores n#o cobravam salário, nem tin!am previdência
social, nada dessas coisas. 3m compensa"#o, recebiam casa e comida dos seus donos, para
quem trabal!avam por toda a vida. :uando morriam, os fil!os continuavam o mesmotrabal!o, e assim por gera">es e gera">es. (as um dia tin!a surgido uma lei H essas leis que
fazem por a$, vocês sabem H e tudo !avia mudado. s trabal!adores agora recebiam
pagamento. 3, recebendo pagamento, come"aram a exigir mais coisas, mais direitos.
;esultado& desemprego. 7inguém mais tin!a seguran"a.
3u propon!o, disse o !omem, que a gente esque"a essa tal de lei. %amos colocar uma pedra
em cima disso. %amos voltar aos bons tempos, <queles tempos em que n#o se discutia por ess
coisa t#o mesquin!a c!amada din!eiro. %ocês receber#o para sempre alojamento e alimento. A
única coisa que pe"o é& esque"am salário, esque"am o resto. 3sque"am o mundo lá fora. mundo de vocês agora é esta fazenda.
4omo ele disse depois ao advogado, fora um belo discurso, e os trabal!adores estavam
quase convencidos& já estavam se ol!ando, já estavam concluindo que nada podiam fazer, qu
teriam mesmo de aceitar a proposta. (as a$ veio o promotor com aquela !ist8ria de direitos.
problema com o promotor era esse& ele n#o sabia como era bom o passado, o passado que
existira antes das leis.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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5eu *ai) meu *ai) *or 0ue me abandonaste
$Garoto engana 4Y com 7istória +a%sa: 7onduren7o
de <M anos con0uistou a m#dia e o *re+eito da cidade
com su*osta 'iagem F *rocura do *ai-.
Mundo, o jul. NNN
48s acreditamos na !ist8ria dele porque quer$amos acreditar, disse um jornalista, e era
verdade& nada mais autêntico H e nada mais comovente H do que o relato do garoto em buscado pai. As lágrimas que corriam pelo rosto dele, enquanto narrava sua saga de U.O00 'm,abalariam o mais empedernido cora"#o. 7a grande sala em que se encontrava, rodeado porjornalistas, por autoridades e por muitos curiosos, os solu"os se faziam ouvir a toda !ora.
ma grande cadeia de solidariedade se !avia formado. As redes de televis#o
comprometeram=se a divulgar a foto do pai, apelando para que viesse ao encontro do fil!o. *assim o fizesse, teria um excelente emprego assegurado, prometia uma con!ecida corpora"#o
ma indústria de alimentos garantia=l!es o fornecimento de gêneros até o ano 1000.
7o auge dessa onda de generosa solidariedade, um !omem entrou correndo na sala e
segredou algo ao ouvido do prefeito. 3le imediatamente empalideceu. 7#o pode ser,
ouviram= no murmurar. (as o emissário mostrou=l!e um fax, e ele, aparentemente convencido
pegou o microfone e, depois de relutar um segundo, fez a comunica"#o que teve o impacto de
uma bomba& a !ist8ria do menino era falsa. 7#o viera em busca do pai, porque tal pai n#o
mais existia, morrera de Aids meses antes.
É mentira, protestou debilmente o menino, meu pai está vivo, eu sei que ele está vivo, isso
é intriga de min!a av8, ela nunca gostou dele, por isso inventa essas !ist8rias. (as as
evidências eram fortes demais e num instante a sala se esvaziou& ninguém mais queria se
comprometer com um garoto que inventava coisas absurdas e até perigosas. menino ficou
sozin!o, acompan!ado somente de um policial, encarregado de encerrar, o mais rapidamente
poss$vel, o caso.
H %amos, rapaz H disse o !omem, e conduziu=o até a porta do prédio. :uando ali c!egaram, menino recuou& uma pequena multid#o se comprimia na rua, ansiosa por ver o mentiroso do
século. or um momento, o garoto ficou im8vel, atarantado, prestes a cair em pranto. Be
repente seu rosto se iluminou& acabara de avistar, no meio daquelas pessoas, o seu pai. :ue
piscou o ol!o, sorriu e desapareceu.
menino deixou=se levar. 7ada podia dizer quanto ao que !avia passado, mas estava certo
do que aconteceria no futuro& um dia cresceria e se tornaria um escritor. 4ontaria a !ist8ria d
garoto que foi em busca do pai. 3 essa !ist8ria faria mil!>es c!orarem pelo mundo afora.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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A cor dos nossos rins
$Reino ?nido tem trans*%ante racista:
m/dicos acatam e6ig3ncia de 0ue o órg!o
+osse doado a*enas *ara brancos-.
Mundo , O jul. NNN.
De posse do rim a ser transplantado, eles foram imediatamente ao !ospital, em busca do
receptor adequado. :ue teria de preenc!er várias condi">es. A mais importante& s8 poderiaser branco.
Rá de in$cio cometeram um erro. Goram < enfermaria onde estavam os pacientes mais
pobres, alguns dos quais esperavam o transplante !avia anos. s três primeiros foram
eliminados de sa$da& eram pretos retintos, vindos de antigas col@nias na \frica. 4onstata"#o
que fez suspirar um dos membros do grupo& IPom era quando eles ficavam lá na terra delesJ
*eguiam=se quatro indianos e três paquistaneses, automaticamente exclu$dos. Alguém até
comentou, bem= !umorado, que eles poderiam se distrair com uma guerrin!a particular
enquanto aguardavam um novo rim.
4om os dois seguintes, a coisa come"ou a mel!orar. 3ram mulatos, um deles bastante claro
o que provocou uma discuss#o& o que é, exatamente, ser branco6 4omo caracterizar tal
condi"#o6 A que grau deveria c!egar a palidez da pele, para que a diretriz relativa ao
transplante s8 para brancos fosse cumprida6 4omo n#o c!egaram a um acordo, criaram ali
mesmo uma norma que poderia ser resumida assim& na dúvida, contra o réu. u seja& brancurs8 imaculada.
último paciente era branco. 5negavelmente branco. (as a$ o faxineiro do !ospital, que
estava por ali, fez uma grave denúncia& branco, sim, mas a av8 dele era uma mulata, do
4aribe. paciente foi rejeitado.
Goram aos quartos particulares, e lá, sim, !avia um branco autêntico, em estágio final de
insuficiência renal, o que s8 l!e acentuava a palidez. transplante foi feito, mas o paciente
morreu logo depois. H 4ulpa dos negros H comentou um dos membros do grupo. H 3les nos atrasaram tanto que
c!egamos tarde demais.
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História te%e+Qnica
$in7a some e a*arece em casa 'i(in7a-.
Cotidiano, N jul. NNN
Ele n#o entendia o que estava acontecendo. telefone tocava a todo instante e era sempre
mesmo tipo de liga"#o& alguém que, sem se identificar, pedia a encomenda, fornecendo emseguida um endere"o.
É trote, foi a primeira coisa que l!e ocorreu. (as nesse caso tratava=se de um trote coletivo
um trote no qual centenas de pessoas participavam, o que exigiria uma organiza"#o
considerável. Além disso, o tom do pedido n#o era de trote. 3ra um tom ansioso, angustiado
mesmo. 3 a$ ele se deu conta& a lin!a telef@nica que estava em sua casa n#o era a dele, era de
outro, alguém que fornecia a tal encomenda. Rá ia ligar para a compan!ia telef@nica, fazendo
reclama"#o, mas a$ bateu=l!e uma súbita curiosidade& que tipo de encomenda seria aquela67#o precisou pensar muito para c!egar a uma conclus#o& era coca. A lin!a telef@nica que
agora estava em sua casa era de um traficante.
;esolveu fazer uma experiência. 4omprou um pouco da substFncia e, quando alguém fez
o pedido, enviou=a por um motobo) con!ecido. ma !ora depois o rapaz retornou e, sem
comentário, entregou=l!e um envelope. 4ontin!a uma substancial quantia.
Ba$ em diante o neg8cio estava instalado. 3le arranjou um fornecedor de coca$na, fazia as
entregas, recebia a grana. Burante uma semana o esquema funcionou < perfei"#o. (ais& elenunca gan!ara tanto din!eiro em sua vida. ara quem, como ele, estivera desempregado e sem
perspectivas, aquilo era um verdadeiro presente do céu. ma semana depois da primeira
entrega, contudo, o telefone tocou. Bo outro lado, uma voz grossa pediu, depois de !esitar um
pouco, a encomenda.
H ois n#o H respondeu, gentil. H :ual é o endere"o6
(as n#o !ouve resposta. misterioso interlocutor simplesmente desligou. 3 quando o fez,
ele teve a certeza de que, n#o apenas o seu neg8cio estava liquidado, como também a suaexpectativa de vida se reduzira consideravelmente.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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A insQnia dos 9ustos
$Erro +a( a*osentado receber RB & mi%7JesN
7omem de'o%'eu o din7eiro-.
Cotidiano, 10 jul.NNN
Desde aquela !ist8ria de R8 contada no Antigo 9estamento, Beus e o Biabo n#o apostavamsobre os seres !umanos, com o que a eternidade já estava ficando meio mon8tona. (alignoresolveu, ent#o, provocar o *en!or& que tal uma nova aposta6 Beus, na sua infinita paciênciatopou.
Bessa vez, contudo, o Biabo estava decidido a n#o perder. ara come"ar, escol!eu
cuidadosamente o lugar onde procuraria sua v$tima& um pa$s c!amado Prasil, no qual, segund
seus assessores, a diferen"a entre pobres e ricos c!egava ao n$vel da obscenidade. s mesmo
assessores tin!am sugerido que se concentrasse em aposentados, pessoas que sabidamentegan!am pouco.
Biabo p@s=se em a"#o. Goi=l!e fácil induzir um erro no sistema de pagamento de
aposentadorias, com o qual um aposentado recebeu, de uma s8 vez, mais de ;[ W mil!>es. 3
a$ tanto o céu como o inferno pararam& anjos, santos e dem@nios, todos queriam ver o que o
!omem faria com o din!eiro. Biabo, naturalmente, esperava que ele se entregasse a uma
vida de deboc!es& festas espantosas, passeios em iates luxuosos, rios de c!ampan!e fluindo
diariamente.
7#o foi nada disto que aconteceu. Ao constatar a existência do dep8sito milionário, o
aposentado simplesmente devolveu o din!eiro. 3u n#o conseguiria dormir, disse, < guisa de
explica"#o.
Biabo ficou indignado com o que l!e parecia uma extrema burrice. (as ent#o teve a idei
de verificar o quanto o !omem recebia de aposentadoria por mês& menos de ;[ W00. Beu=se
conta ent#o de seu erro& a despropor"#o entre esta quantia e os ;[ W mil!>es da tenta"#o tin!a
sido grande demais.
(as o Biabo aprendeu a li"#o. retende desafiar de novo o *en!or. Besta vez, porém,escol!erá um milionário, alguém familiarizado com o excesso de grana. u ent#o um
pobre. (as neste acaso fornecerá, além de muito din!eiro, um frasco de p$lulas para dormir.
A ins@nia dos justos tira o sono de qualquer diabo.
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O grande encontro dos desa*arecidos
$Sem destino: <) mi% desa*areceram em & meses-.
Cotidiano, 0 jul. NNN
?ma vez ao ano os desaparecidos se reúnem. *empre em data diferente e em local
diferente& <s margens de um grande rio, no meio da floresta, no alto de uma montan!a.7inguém falta. or certos mecanismos de comunica"#o, do qual s8 os desaparecidos têmcon!ecimento, a not$cia c!ega a todos e a cada um deles.
7o dia aprazado lá est#o. sam máscaras, naturalmente. Alguns H precau"#o adicional H
colocam vendas sobre os ol!os& n#o querem ver os rostos, mesmos disfar"ados, dos outros
desaparecidos.
encontro é, sobretudo, de trabal!o. ara isso, os desaparecidos s#o divididos em
comiss>es temáticas, que têm como objetivo responder a perguntas cruciais& é l$citodesaparecer quando !á uma crise na fam$lia6 desemprego é uma boa raz#o para o
desaparecimento6 Beve uma poss$vel reapari"#o ser precedida de exigências ao grupo, <
comunidade, ao pa$s6
As discuss>es s#o intensas e acaloradas. (as !á também tempo para amenidades, para
amável conv$vio, em que os desaparecidos intercambiam experiências e relatam epis8dios
diversos, pitorescos ou n#o. 3ntre as figuras mais interessantes está a de um anci#o com cerc
de N0 anos, desaparecido quando bebê. 4riado por feras do mato, ele preferiu, no entanto,desaparecer na civiliza"#o e assim percorreu o Prasil de sul a norte e de leste a oeste,
desaparecendo em cidades, em fazendas, em feiras livres e até numa grande conven"#o do
comércio lojista. *uas !ist8rias, engra"adas ou trágicas, s#o muito apreciadas.
X medida que se aproxima o final do encontro, os desaparecidos v#o ficando cada vez mais
inquietosQ consultam o rel8gio ou miram o crepúsculo. 3m breve ter#o de desaparecer, e isso
será um c!oque. *entir=se=#o mel!or depois que sumirem, depois que se dissolverem no
anonimato. (as a Fnsia os acompan!ará para sempre, mesmo nos momentos de maior
liberdade. Bentro de cada desaparecido !á um ser inc8gnito que faz for"a para aparecer. 3
que, em algum momento, o conseguirá.
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O%7ar contábi%
$anco identi+ica os c%ientes *e%os o%7os-.
Mundo, /M abr. NNO
4a pequena agência bancária do interior de (inas 2erais, a not$cia de que um dispositivo
especial estaria identificando clientes pelos ol!os provocou muita discuss#o. Alguns ac!avamque se tratava de um progresso fantástico. utros temiam que o invento aumentasse odesemprego entre os bancários. 3 !avia uma outra opini#o, a do caixa Rosé 5nácio. 3le ac!avo tal invento desnecessário.
*ou capaz de identificar qualquer cliente deste banco e n#o preciso de máquina nen!uma
para me ajudar.
s colegas, que o con!eciam como fanfarr#o, n#o acreditavam. erdeu a paciência&
3scutem& essa tal de máquina identifica os clientes pelos ol!os, n#o é6 ois eu vou fazer amesma coisa.
3xp@s o seu plano. Anunciaram < clientela que a agência, sempre inovadora, adquiriria uma
das famosas máquinas inglesas de identifica"#o pelos ol!os, máquina essa que em breve
estaria < disposi"#o de todos. Be fato, na semana seguinte, lá estava, no sagu#o, uma caixa de
madeira, bastante grande, com uma espécie de visor de vidro iluminado. ara se identificar, o
cliente deveria ol!ar pelo visor. Bentro da caixa, n#o !avia dispositivo nen!um, claro. Ali,
ocultava=se o Rosé 5nácio. or um intercomunicador, anunciaria ao gerente o nome daspessoas.
7os três primeiros dias, o seu percentual de acertos foi 00_. 7#o apenas identificava os
clientes como transmitia ao gerente uma rápida avalia"#o& I3sse é caloteiro. 7#o dê crédito
eleJ. u& I3sse é bom pagador. ode fazer empréstimoJ. 7#o errava nunca, e seu prest$gio
estava nas alturas. (as, a$, aconteceu.
7a man!# do quarto dia, surgiu no retFngulo de vidro iluminado o mais belo par de ol!os
que Rosé 5nácio já tin!a visto. 9#o lindos eram aqueles ol!os que ele n#o !esitou emtransmitir a sua incondicional aprova"#o& I3mpreste o que ela quiser, sen!or gerenteJ.
3stava errado, obviamente. 9ratava=se da con!ecida vigarista (aria 9eresa, famosa em
outras cidades pelos golpes que aplicava. deboc!e foi t#o grande que Rosé 5nácio,
!umil!ado, pediu demiss#o.
(as aqueles ol!os mudaram sua vida. ?oje, vive com a bela (aria 9eresa. Ajuda=a na sua
carreira de estelionatária. A experiência que teve no banco ajuda muito. Afinal, como a
máquina britFnica, é capaz de identificar as pessoas s8 pelos ol!os.
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?m dia na 'ida do cart!o inte%igente
$Preo menor 'iabi%i(a cart!o inte%igente-.
%inheiro, /W ago. NNN
4#o eram ainda dez !oras quando ele recebeu, pelo correio especial, o seu novo cart#o
inteligente. Goi com emo"#o que ele abriu o envelope H n#o tin!a a menor ideia de como seriesse novo cart#o, que, dizia a publicidade, inovava tudo o que se con!ecia em matéria decart>es de crédito.
3 era diferente mesmo. 7#o apenas pelo formato H um pouco maior do que os cart>es
comuns H como também pelo mostrador, semel!ante ao das calculadoras. ?avia ali uma
mensagem& IPom dia. *ou o seu cart#o inteligente. Aqui estou para l!e prestar todos os
servi"os de que necessiteJ.
3ntusiasmado, ele resolveu ir <s compras. Goi ao shoppin , passou por diversas lojas. Berepente, avistou um belo palet8, um palet8 importado, elegant$ssimo. 3ntrou, experimentou.
4aiu=l!e muito bem. *acou do bolso o cart#o inteligente e já ia entregá=lo ao vendedor,
quando no mostrador apareceu uma mensagem& I7#o compre esse palet8. %ocê n#o precisa
dele. %ocê já tem muitos palet8s e, além disso, o pre"o está exagerado. 7#o compreJ.
erturbado, guardou o cart#o no bolso, deu uma desculpa qualquer ao intrigado vendedor e
bateu em retirada.
Goi para o escrit8rio, trabal!ou um pouco H mas n#o podia deixar de pensar no que tin!aacontecido. 9eria mesmo o cart#o l!e dado um consel!o6
Becidiu tentar novamente. *aiu, entrou numa livraria, apan!ou um livro de economia. Goi a
caixa, com o cart#o na m#o H mas, de novo, ali estava um aviso& I7#o compre esse livro. As
ideias do autor est#o completamente superadas. As revistas norte=americanas !á muito o
esqueceramJ. Beixou o livro sobre o balc#o e saiu correndo.
assou a tarde em casa, com dor de cabe"a. 3 sabia por quê. 9in!a um encontro marcado
com uma mo"a que con!ecera numa conven"#o de neg8cios. *entira=se muito atra$do por elaQ
convidara=a para jantar, naquela mesma noite. *eria, esperava, o in$cio de uma bela liga"#o.
(as H e a$ vin!a a atroz dúvida H o que diria o cart#o, na !ora em que fosse pagar a conta do
jantar6 que faria se aparecesse no mostrador algo como& I7#o pague a conta para essa
mul!er, ela n#o é para vocêJ6
9elefonou para a mo"a, cancelando o encontro. 3 a$, com dor de cabe"a, foi para a cama.
(as n#o podia dormir H sobretudo porque n#o podia son!ar. que diria o cart#o inteligente
de seus son!os, absurdos como todos os son!os6
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A agenda do se6o
$Agendas 'iram descu%*a *ara crises con9ugais-.
Cotidiano, /N ago. NNN
Os dois tin!am agenda c!eia. 3le, executivo de uma grande multinacional, ela, gerente de
uma cadeia de lojas, eram pessoas ocupad$ssimas. (as tin!am consciência de que a vidaconjugal é uma coisa importante, de modo que tentavam arduamente encontrar espa"o nasrespectivas agendas para um encontro, furtivo que fosse. (as era imposs$vel. 3la telefonavapara ele& I?oje, ao meio=dia, que tal6J 3le consultava a agenda& I7#o dá. Ao meio=dia ten!oum almo"o. :ue tal <s duas6J 7#o, <s duas ela n#o podia. 9in!a uma meia !ora livre no fim dtarde, mas nesse !orário ele estaria em reuni#o.
(as n#o moravam na mesma casa6 (oravam na mesma casa, sim. 5sto é& quando n#o
estavam viajando, porque viagens eram coisas frequentes na vida de ambos. :uando acontecde estarem em casa < noite, juntos, o cansa"o de ambos era taman!o que, ao deitar, vencidos
pelo sono, adormeciam imediatamente. m dia, o c!efe mandou c!amá=lo. 3stava muito
preocupado.
H ;ecebemos uma mensagem importante. ma pessoa da matriz está aqui na cidade,
inc8gnita. %eio investigar especificamente a situa"#o do seu setor. :uer que você vá vê=la,
!oje, <s quinze !oras. %ou l!e dar o endere"o.
3ra um luxuoso !otel no centro da cidade. :uando lá c!egou, !avia um recado < sua esperana portaria& deveria dirigir=se imediatamente < su$te N0. Goi até lá, encontrou a porta
entreaberta. 3ntrou H e, surpresa das surpresas, lá estava a mul!er, em linerie preta, deitada
na cama. Atirou=se sobre ela, e, enfim, conseguiram fazer amor.
3sses encontros se repetiram muitas vezes até que, naturalmente, foram descobertos H e
despedidos. Agora, sem emprego, têm todo o tempo do mundo para fazer sexo. (as n#o usam
todo o tempo do mundo para fazer sexo. sam todo o tempo do mundo para reler, com
profunda saudade, as agendas c!eias que ambos guardam como recorda"#o.
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Incon+iá'eis cu*ins
$Cu*ins mant3m acer'o do 5as* +ec7ado- Obras só
ser!o e6ibidas em maro de N insetos esta'am
*ró6imos a te%as de "e %ás0ue( e "an Gog7-.
Ilustrada, U set. NNN
Havia um !omem que odiava %an 2og!. intor descon!ecido, pobre, atribu$a todas suas
frustra">es ao artista !olandês. 3nquanto existirem no mundo aqueles !orr$veis girass8is,aquelas estrelas tumultuadas, aqueles ciprestes deformados, dizia, n#o poderei jamais darvaz#o ao meu instinto criador.
Becidiu mover uma guerra implacável, sem quartel, <s telas de %an 2og!, onde quer que
estivessem. 4ome"aria pelas mais pr8ximas, as do (useu de Arte (oderna de *#o aulo.
*eu plano era de uma simplicidade diab8lica. 7#o faria como outros destruidores de telas
que entram num museu armados de facas e atiram=se <s obras, tentando destru$=lasQ tais
insanos n#o apenas n#o conseguem seu intento, como acabam na cadeia. 7#o, usaria um
método cient$fico, recorrendo a aliados absolutamente insuspeitados& os cupins.
Beu=l!e muito trabal!o, aquilo. 3m primeiro lugar, era necessário treinar os cupins para qu
atacassem as telas de %an 2og!. ara isso, recorreu a uma técnica pavloviana. ;eprodu">es
das telas do artista, em taman!o natural, eram recobertas com uma solu"#o a"ucarada. Bessa
forma, os insetos aprenderam a diferenciar tais obras de outras.
(ediante cruzamentos sucessivos, obteve um tipo de cupim que s8 queria comer %an 2ogara ele era repulsivo, mas para os insetos era agradável, e isso era o que importava.
4onseguiu introduzir os cupins no museu e ficou < espera do que aconteceria. *ua decep"#o
contudo, foi enorme. 3m vez de atacar as obras de arte, os cupins preferiram as vigas de
sustenta"#o do prédio, feitas de madeira absolutamente vulgar. 3 por isso foram detectados.
!omem ficou furioso. 7em nos cupins se pode confiar, foi a sua desconsolada conclus#o
É verdade que alguns insetos foram encontrados pr8ximos a telas de %an 2og!. (as isso n#o
l!e serviu de consolo. *uspeitava que os sádicos cupins estivessem querendo apenasdeboc!ar dele. 4upins e %an 2og!, era tudo a mesma coisa.
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A briga do +a%so
$"io%3 ncia: +oragidos usam esco*eta e armas
de brin0uedo em tentati'as de assa%to-.
Cotidiano, /1 set. NNN
O !omem vin!a andando pela rua H deserta <quela !ora da noite H quando o foragidosurgiu < frente dele, apontando=l!e um rev8lver, amea"ador& passa a grana, cara, passa agrana.
!omem riu&
H 3sse golpe é vel!o, cara.
H :ue golpe6 H o foragido, perplexo e irritado.
H 3sse. golpe do assalto com arma de brinquedo.
Agora foi a vez de o assaltante sorrir, e era um sorriso sinistro, o dele.%amos ver se entendi bem& você diz que o rev8lver, este rev8lver que estou apontando
para você é um rev8lver de brinquedo. m rev8lver plástico. Galso.
H É exatamente isso que estou dizendo, cara. :ue é um rev8lver falso.
H 3 por causa disso você n#o quer me entregar o din!eiro.
H É.
foragido sacudiu a cabe"a, desgostoso.
%ocê me ofendeu, !omem. 4om essa afirma"#o você me ofendeu profundamente. %ocê meofendeu tanto que até perdi o interesse em sua grana. Be modo que vou l!e fazer uma propost
%ocê pode escol!er& ou eu disparo H e você morre H, mas n#o levo a grana, em sinal de
respeito < sua coragemQ ou n#o disparo e você me entrega o din!eiro. que você quer6
!omem refletiu um instante. 4om um suspiro, sacou do bolso um ma"o de notas novas,
de ;[ M0, e entregou=as ao bandido. :ue riu&
H %ocê tin!a raz#o em defender o seu din!eiro. É uma bolada mesmo. brigado.
3 foi=se. *ozin!o, o !omem sorriu, melanc8lico. assaltante tin!a acabado de embolsar aprimeira leva de din!eiro falso fabricado por ele, numa gráfica clandestina n#o longe dali.
9rabal!o perdido, naturalmente, mas preju$zo pequeno. 5ncomodava=l!e mais a sua pr8pria
covardia. 3stava seguro de que o rev8lver era falso. (as n#o tivera coragem de levar até o
fim a sua convic"#o. Galso por falso, o bandido levara a mel!or.
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Dormir) n!o- Son7ar) muito menos
$?m mendigo c7ega ao %argo do Arouc7e e se deita
no banco- Imediatamente) o (e%ador de rua Antonio
5arce%o de Sou(a *assa e o toca com a m!o- A cena
se re*ete tantas 'e(es 0uantas +orem necessárias
*ara con'encer o morador de rua a dei6aro %oca%- Pode at/ sentar) mas n!o dormir-.
Cotidiano, /S set. NNN
Para bem exercer sua tarefa, um Izelador de ruaJ deve ser treinado cuidadosamente. 3m
primeiro lugar, precisa identificar corretamente um mendigo. A aparência externa n#o bastasob as vestes em trapos pode estar escondido um milionário ex8tico em busca de emo">esdiferentes e pronto a reagir em caso de uma poss$vel interferência em sua vida pessoal. Ba$
necessidade de tocar o suspeito com a m#o. 9rata=se de um verdadeiro exame cl$nico& a pelede um mendigo H a arcaica sujeira, a sarna com que convive desde tempos imemoriais H émuito reveladora.
Geita a identifica"#o, é preciso agir e, de novo, tal exige !abilidade. 7essa época em que o
direitos !umanos est#o nas manc!etes, todo cuidado é pouco. *entar num banco de pra"a está
ao alcance de qualquer um. (endigos mais arrogantes têm inclusive feito pronunciamentos do
tipo Io banco de um !omem é o seu casteloJ Ko banco da pra"a, bem entendidoL. *entar,
portanto, os mendigos podem. que n#o podem H n#o devem H é dormir. sono de um
mendigo é extremamente perigoso. 7#o s8 por causa do mau exemplo que representa H alguém
que n#o trabal!a a dormir tranquilamente como se estivesse em paz com a sua consciência H
como também pelas consequências imprevis$veis do sono. :uem dorme, pode son!ar. 3 nos
son!os, como se sabe, come"a a irresponsabilidade.
É preciso insistir nesse ponto. ?á informa">es seguras de que os mendigos est#o adotando
novas técnicas para enganar a vigilFncia que sobre eles se exerce. Alguns conseguem dormir
de ol!os abertos. arecem acordados, mas est#o dormindo. 3 son!ando. *on!ando, por
exemplo, que est#o tranquilamente sentados num banco de pra"a e que nen!um Izelador deruaJ vem acordá=los.
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Os cac7orros emergentes
$ ocialite +a( +esta *ri'3 *ara cade%a:
ani'ersário tem bo%o es*ecia% *ara c!es-.
Cotidiano, N out. NNN
A festa foi, como se esperava, um sucesso absoluto. 9odas as emergentes dignas desse nomestavam presentes, acompan!adas, naturalmente, de seus c#es. A conversa estava animada,mas mais animados ainda eram os latidos dos caninos convidados, alguns dos quais estavamse encontrando pela primeira vez. Biversos pratos foram servidos aos c#es, culminando com bolo preparado por um especialista em culinária canina, acompan!ado de refrigerantes emlatin!as descartáveis. Ainda que uma ou outra socialite tivesse mencionado a possibilidade ddar cerveja aos animaizin!os, a !ip8tese foi afastada com absoluto desprezo.
m único incidente empanou o bril!o do evento. Rá pelas tantas, a atenta anfitri# teve suaaten"#o despertada por um estran!o c#o, muito grande e de ra"a indefinida. 5ndiferente ao qu
se passava no sal#o, o bic!o atirava=se com verdadeira fúria aos alimentos, devorando tudo o
que encontrava pela frente. Biscretamente, ela interrogou as convivas. 4omo suspeitava,
nen!uma delas !avia trazido o animal. 9ratava=se de um clandestino, de um infiltrado na
celebra"#o.
s seguran"as foram c!amados e rapidamente capturaram o intruso. 3 a$, a surpresa.
7#o era um cac!orro. 3ra um garoto de seus dez anos, magrin!o e miudin!o, oculto sob apele de um c#o. 5nterrogado, confessou& morador de uma favela pr8xima, tin!a ouvido falar d
festa e bolara aquele disfarce. 7#o, n#o pensara em assaltoQ o seu problema era fome, mesmo
uma fome antiga, devoradora. or coincidência, no mesmo dia encontrara o cadáver do c#o,
atropelado numa avenida pr8xima. que l!e dera a ideia do disfarce.
3ncerrado o desagradável incidente com a pris#o do transgressor, a socialite foi muito
cumprimentada por sua perspicácia, digna de um *!erloc' ?olmes. 9odas queriam saber com
desconfiara do falso c#o. *imples, respondeu ela&
H 3m primeiro lugar, era um bic!o muito grande, e, como vocês sabem, eu !avia vetadoc#es acima de um certo taman!o. 3m segundo lugar, notei que ele comia de tudo, mas rejeitav
o caviar, este caviar especial para c#es que eu importei. ra, todos sabem que a marca
registrada de um c#o emergente é a sua identifica"#o com a dona, inclusive e principalmente
na preferência pelo caviar.
4ritério verdadeiramente genial, foi a constata"#o unFnime. A festa prosseguiu, sendo ent#o
servida a sobremesa& brigadeiros feitos com c!ocolate especial para c#es.
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Son7o o'u%ar
$E?A t3m %ei%!o de ó'u%os de mode%os-.
Mundo, /W out. NNN
Solteir#o, ele tin!a contudo um son!o amoroso& apaixonara=se por uma modelo norte=
americana, uma mo"a bel$ssima, que con!ecia s8 de revistas e de desfiles na 9%. or 8bvias
raz>es n#o tin!a muita esperan"a de realizar tal son!o. :ual n#o foi sua surpresa, portanto,
quando viu na 5nternet uma foto de sua amada anunciando que os 8vulos dela estavam
dispon$veis para leil#o. Aquilo fez o seu cora"#o bater mais forte& era, evidentemente, uma
mensagem do destino. 3 de imediato decidiu& precisava obter um 8vulo da amada. *eria uma
forma, microsc8pica por assim dizer, mas muito real, de consumar a sua paix#o. *e n#o podia
tê=la in totu&, pelo menos a teria em 8vulo. 3 quando esse 8vulo fosse fecundado por seu
espermatozoide, a uni#o entre ambos estaria, verdade que simbolicamente, consumada. uent#o, e mel!or ainda, poderia partir daquele 8vulo para fazer um clone da modelo& uma
vers#o apaixonada da !ist8ria da ovel!a Boll). 3nfim, perspectivas animadoras, excitantes
mesmo.
4omprar o 8vulo n#o foi fácil. leil#o era em forte d8lar, n#o no anêmico real. (as ele n#
desistiu& vendeu o apartamento, o carro, uns poucos bens. 3 foi < luta& fez sua oferta. Bepois
de dias de espera torturante, veio a resposta& tin!a gan!o o 8vulo, que já estava seguindo para
o seu endere"o em recipiente especial.Goi com emo"#o que ele recebeu a encomenda. 7#o sabendo o que fazer com ela, optou po
guardá=la no !ree'er . 3nquanto isso, procuraria um especialista para ajudá=lo na empreitada
amorosa.
3 a$, o c!oque. Bois dias depois, pela man!#, abriu o !ree'er H e n#o encontrou o recipien
com o 8vulo. Aflito, interrogou a faxineira, que cuidava de seu apartamento !avia anos. 3la
tin!a, sim, visto a coisa&
H ma caixin!a de plástico, bem fec!ada6 3stava a$. 3u abri, e como n#o vi nada lá dentrojoguei no lixo. 3stava s8 ocupando espa"o, n#o é6
3le sofreu muito com esse desfec!o, mas resolveu esquecer o ocorrido. 4uriosamente, nos
últimos dias tem conversado muito com a faxineira. Bivorciada, ela n#o é feiaQ mais, parece=
l!e bem inteligente. 3m termos de espa"o na casa, por exemplo, revela grande senso prático.
%erdade, n#o tem muita considera"#o para com as coisas microsc8picas H mas quem sabe iss
n#o é uma qualidade6
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O se6o no 9ogo) o 9ogo do se6o
$Se6o antes do 9ogo *ode a9udar at%eta- 5anter uma
re%a!o se6ua% antes de um 9ogo *ode a9udar o at%eta-
Segundo um estudo ita%iano) o se6o torna o at%eta
mais agressi'o *ara o e'ento es*orti'o-.
Mundo, /W nov. NNN
Sua trajet8ria como jogador n#o era das piores, mas ultimamente ele vin!a passando por
aquilo que a imprensa rotulava de Iper$odo dif$cilJ& desempen!o apenas med$ocre, um gol devez em quando H muito pouco, para quem já fora considerado um goleador. 3sta situa"#o opreocupava, sobretudo porque come"ava a receber discretas vaias. A época da renova"#o docontrato se aproximava e ele teria de fazer alguma coisa.
Goi ent#o que leu a not$cia sobre os efeitos do sexo antes de uma partida. Aquilo o animou
Bava=se conta agora que, de fato, sua vida sexual n#o tin!a sido das mais bril!antes e que
aquela podia ser uma explica"#o para seus fracassos.
;esolveu experimentar. 7o domingo, pouco antes do jogo, convocou a esposa. Giel
compan!eira H namoravam desde a infFncia H ela se admirou& antes do jogo6 7#o seria um
desperd$cio de energia6 3le garantiu que n#o, que, ao contrário, aquilo seria um verdadeiro
t@nico. 9#o animado estava que até repetiu a dose.
Guncionou. *ua atua"#o nada teve de notável, mas todos concordaram em que !avia uma
n$tida mel!ora. %ocê está mais agressivo, disseram, e aquilo soou aos ouvidos dele como omaior dos elogios. 3stava decidido& da$ em diante, sexo antes do jogo seria rotina.
3 rotina se tornou. 4ada partida era precedida por uma passagem pelo leito conjugal. 3 a
mel!ora prosseguia, ainda que em ritmo lento. 3le ainda n#o marcara o gol consagrador
que esperava, mas sentia que estava perto disso.
3 a$ aconteceu. m dia, ele já sem roupa, a esposa se desculpou& n#o poderiam fazer sexo,
estava com uma dor de cabe"a infernal. 3le pediu, argumentou, exigiu. 7#o !ouve jeito. 3la
n#o queria mesmo. É um jogo sem muita importFncia, disse, < guisa de desculpa.Gurioso, ele vestiu=se, saiu de casa. 3 deu de cara com a vizin!a do lado. ma loira
bel$ssima, sensual, que !á muito l!e dava bandeira. que !ouve, ela perguntou. 3le !esitou
mas acabou contando. A loira riu, ofereceu=se para suprir a deficiência. 3ntraram na casa de
e foi aquele festival. or pouco ele n#o c!egou atrasado ao estádio. nde teve uma bela
atua"#o. 7#oQ uma notável atua"#o. (arcou três gols.
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O se6o no 9ogo) o 9ogo do se6oBesde ent#o, vem=se saindo muito bem nos estádios. s colunistas esportivos cobrem=no de
elogios. :uem n#o entende o que está se passando é a esposa. 4ada vez que quer fazer amor
ele alega que está com dor de cabe"a.
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Re'ers!o da e6*ectati'a
$E6*ectati'a de 'ida de'e *re9udicar a*osentado-
O aumento da e6*ectati'a de 'ida do brasi%eiro 'ai
*ro'ocar a redu!o dos 'a%ores dos bene+#cios
*agos *ara 0uem re0uer a a*osentadoria-.
Brasil , ] dez. NNN
Ao receber o seu demonstrativo de pagamento o aposentado teve uma surpresa. 7#o apen
n#o tin!a nada a receber, como uma lac@nica mensagem informava que agora estava devendorevidência uma quantia ainda maior do que o seu benef$cio.
Alarmado, mostrou o documento < mul!er, que lan"ou um ol!ar indiferente ao papel e n#o s
mostrou preocupada. Beve ser erro do computador, disse, essas coisas nunca funcionam
direito. 3le, contudo, n#o se tranquilizou. :ueria saber o que estava acontecendo.
4omo camin!ava com dificuldade H era um !omem muito idoso H, pediu a um vizin!o que
o levasse, de carro, a um posto da revidência. Dá foi atendido por um funcionário que
examinou, impass$vel, o demonstrativo e depois consultou o computador.
É isso mesmo H disse, por fim. H sen!or está devendo din!eiro para a revidência. 3 l!e
digo mais& a sua d$vida vai continuar aumentando.
Assustad$ssimo, o aposentado quis saber a raz#o daquilo.
H É que o sen!or ultrapassou a expectativa de vida prevista H disse o !omem.
H A min!a o quê63xpectativa de vida. sen!or n#o podia viver tanto quanto está vivendo. or isso tem de
restituir din!eiro.
3, < guisa de consolo, acrescentou&
sen!or n#o é o único. 9em muita gente na mesma situa"#o. É nisso que dá viver tanto. ?á u
pre"o a pagar.
aposentado voltou para casa, cabisbaixo, e contou < mul!er o que tin!a acontecido. 3la s
enfureceu& aquilo n#o ficaria assim, falaria com um deputado con!ecido, mexeria céus e terrase fosse preciso. (as o marido, cuja vida tin!a sido c!eia de reveses e infortúnios, n#o
acreditava que o protesto desse resultado. 9in!a de se conformar. ior seria se !ouvesse
atingido a idade daquele patriarca b$blico, o (atusalém, que viveu NWN anos. A$ n#o !averia
din!eiro que c!egasse.
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A 'ida em fast!forard
$Canais ace%eram +i%mes *ara n!o *recisar cortá,%os-.
(V Folha, M dez. NNN
A especialidade dele dentro da emissora de 9% era essa, acelerar filmes. 3ra uma
especialidade muito valorizada& todo o mundo sabe que, em televis#o, um segundo vale muito
din!eiro, de modo que ele tin!a consciência da importFncia de sua tarefa. :ue aliás executav
com notável per$cia. *abia exatamente o que acelerar. 7#o mexia nas cenas de sexo expl$cito
claro, mas quando o personagem ficava em silêncio, na janela, meditando, era certo que ele
suprimiria pelo menos uns /0 segundos da cena. ensar demais faz mal, era a explica"#o que
dava. s colegas recon!eciam o seu valor. 3le faz com a tecla de !ast"!or)ard o que (ozart
fazia com as teclas do piano, disse um deles, e essa opini#o era por todos admitida. que se
refletia em seu salário, altamente compensador. %ivia, portanto, no mel!or dos mundos, atéque teve o son!o. son!o que mudou a sua existência.
*on!ou que estava numa vel!a casa, ol!ando um televisor, igualmente antigo. 3 o que ele vi
n#o era a novela ou o noticiário. 3ra um filme. filme de sua vida. :ue alguém tin!a,
naturalmente, acelerado.
Ali estava ele, nascendoQ ali estava ele, crian"a H e que menino engra"adin!o era, queria se
admirar como menino, mas era tarde demais, o filme seguia, e ele já estava crescendo, e
estava no colégio, e uma cena mostrava=o falando com a professora e dizendo& I:uando eucrescer quero ser...J, mas antes que a frase pudesse ser conclu$da ele já tin!a deixado a escol
e estava em outro colégio, e agora seus pais estavam se separando, e ele queria pedir que n#
fizessem isso, que tentassem mais uma vez, mas o filme já ia em frente, e agora ele estava
com sua namorada, e era t#o bom estar com aquela menina meiga, linda, mas o tempo passav
o tempo inexoravelmente passava, e agora ele já era adulto e trabal!ava numa emissora de 9%
e a sua tarefa era acelerar filmes, ele vivia feliz, mas um dia apareceu o caro"o, aquele caro"
no pesco"o, e o médico fez uma bi8psia, e ele foi buscar o resultado no laborat8rio, abriu o
envelope, e a cFmera mostrava o laudo médico, mas tudo foi t#o rápido que ele n#o p@de ler
resultado.
Acordou suando, aos gritos. que foi, perguntou a mul!er, assustada. 7ada, disse ele, e
automaticamente levou a m#o ao pesco"o. 7#o, n#o !avia nen!um caro"o ali no momento. (
ele n#o sabia o que l!e reservava o futuro. 7#o sabia o que l!e preparava a vida em !ast"
!or)ard .
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Dub%3: uma du*%a 7istória
Primeira 7istória
$P descobre dub%3s de 'estibu%andos: estudantes
*aga'am at/ RB @ mi% *ara assegurar 'aga-.
Cotidiano, /N dez. NNN
Ele sabia que n#o seria aprovado no vestibular, mas sabia exatamente o que fazer para ser
aprovado no vestibular& tin!a que arranjar um dublê, alguém que o substitu$sse no exame.
A sele"#o do dublê foi feita com todo o cuidado H com o mesmo cuidado com que, bem, é
elaborado o vestibular. 3ntrevistou vários candidatos. 3xaminou seus curr$culos e submeteu=
os a testes de con!ecimentos. 3stava em busca do dublê perfeito. :ue deveria reunir duas
condi">es. 3m primeiro lugar, a capacidade de assegurar uma vaga na universidade. (astambém queria que esse dublê fosse muito parecido com ele pr8prio& mesmas fei">es, mesmo
peso, mesma altura, voz parecida. m gêmeo quase. Assim, evitaria problemas com algum
fiscal ou policial, mais zeloso no exame da identidade. 3 acabou encontrando esse rapaz.
9udo funcionou < perfei"#o. dublê fez o vestibular, passou, garantiu a t#o desejada vaga.
a$ ele cometeu um erro.
Geliz com o desfec!o, resolveu dar uma festin!a e convidou o dublê para ir a sua casa.
Dá, apresentou=o < namorada. :ue, inevitavelmente, ficou fascinada com a semel!an"a entre
os dois. 3 ficou fascinada também com a simpatia e a inteligência do dublê.3st#o namorando. :uanto ao preterido, agora procura uma dublê para sua ex=namorada.
Segunda 7istória3le fez vestibular para medicina várias vezes, sem êxito. Até que ac!ou um dublê,
que prestou exame por ele e garantiu uma vaga.
*uas dificuldades, contudo, continuaram na faculdade. 3le n#o levava mesmo jeito para a
coisa. (as n#o desistiria& sucessivos dublês o substitu$am nas aulas e nas provas.?oje é médico. 7eurocirurgi#o. Be muito sucesso aliás. (as n#o atende pacientes, nem
opera. 9em um dublê muito bom para isso.
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adrJes: o im*oss#'e% diá%ogo
$Obra de C/(anne / roubada em O6+ord-.
Mundo, / jan. /000
$Desen7o de Picasso / roubado em Paris-.
Ilustrada, 1 jan. /000
Em xford, um !omem lê no jornal que um desen!o de icasso foi roubado em aris. 3maris, um !omem lê no jornal que uma obra de 4ézanne foi roubada em xford.
3m xford, um !omem p>e o jornal de lado e contempla a tela de 4ézanne que está <
sua frente. É com desgosto que o faz. 7unca gostou de 4ézanne. ;oubou o quadro porque
era o que podia roubar, o que estava dispon$vel. (as o que ele queria mesmo era um
icasso.
icasso é o artista de seus son!os.
3m aris, um !omem p>e o jornal de lado e contempla o desen!o de icasso que está < sua
frente. É com desgosto que o faz. 7unca gostou de icasso. ;oubou o desen!o porque era o
que podia roubar, o que estava dispon$vel. (as o que ele queria mesmo era um 4ézanne.
4ézanne é o artista de seus son!os.
3m xford, um !omem tem uma ideia& trocar o quadro de 4ézanne, que acabou de roubar,
por um desen!o de icasso que também acabou de ser roubado.
3m aris, um !omem tem uma ideia& trocar o desen!o de icasso, que acabou de roubar, poum quadro de 4ézanne, que também acabou de ser roubado.
4omo encontrarei o !omem que roubou o icasso, pergunta=se, angustiado, o !omem que
roubou o 4ézanne K!á raz#o para sua angústia& quem rouba um icasso n#o quer ser
encontradoL. 4omo ac!arei o !omem que roubou o 4ézanne, pergunta=se, angustiado, o !ome
que roubou o icasso K!á raz#o para sua angústia& quem rouba um 4ézanne n#o quer ser
encontradoL.
3ste será um século de desencontros, pensa o !omem que roubou o 4ézanne. 3ste será umséculo de desencontros, pensa o !omem que roubou o icasso.
que pensavam a respeito 4ézanne e icasso, ninguém sabe.
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Ao te%e+one) se6o / outra coisa
$A me%7or not#cia do dia: o cara %igou *ro
te%esse6o e +oi atendido *e%a *ró*ria mu%7e r-
A mu%7er esta'a +a(endo um bico.
*os+ Si&ão, jan. /000
4unca !avia ligado para o telessexo. (as, casado !avia muitos anos, estava meio enfarado
do rotineiro sexo que fazia com a esposaQ sempre nos mesmos dias, sempre nas mesmasposi">es, sempre o virar=pro=outro=lado=e=dormir. Be modo que resolveu variar um pouco ea$ se lembrou do servi"o de sexo por telefone. Ainda !esitou& n#o estaria traindo a fielc@njuge6 Becidiu que n#o, que pelo telefone sexo era outra coisa, n#o era trai"#o.
Digou. Bo outro lado, uma voluptuosa voz feminina come"ou, de imediato, a dizer=l!e coisa
excitantes, coisas como nunca tin!a ouvido antes. Arrebatado de paix#o, notou, contudo, que voz l!e parecia estran!amente familiar. Dogo se deu conta& era a voz da esposa. que você
está fazendo a$6, perguntou indignado.
H 3u6 3u estou gan!ando um din!eirin!o para ajudar nas despesas da casa H foi a irritada
resposta, seguida de uma igualmente irritada interroga"#o. H 3 você, o que está fazendo a$6
Burante meia !ora bateram boca pelo telefone. Bisseram=se tudo que n#o se !aviam dito em
vinte e seis anos de casamento. 7o final, ela anunciou que voltaria para casa para pegar suas
coisas e que iria embora. Agora que estava gan!ando a sua pr8pria grana n#o precisava mais
dele e de seu rotineiro sexo.%oltou, de fato, uma !ora depois. (as n#o foi embora& ele pediu desculpas, ela também
pediu desculpas, ca$ram nos bra"os um do outro.
Antes da rela"#o, ele fez um pedido& queria que ela repetisse as coisas que tin!a dito no
telessexo. (as tais coisas, infelizmente, ela n#o sabia dizer ao vivo. *8 ao telefone. Be mod
que agora fazem amor com o telefone na cama. Atrapal!a um pouco, mas o resultado final é
muito bom. A única providência é retirar o aparel!o na !ora de se voltar para o outro lado e
dormir.
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O go% *%agiado
$Logador 0uer direito autora% sobre seus go%s-.
Esporte, /0 jan. /000
$Prezados sen!ores& dirigindo=se a %.*a., refiro=me < not$cia segundo a qual jogadores de
futebol do ;eino nido, como (ic!ael Cen e ;)an 2iggs, querem receber autorais pelaexibi"#o de seus gols na m$dia. 7#o ten!o o status desses sen!ores H sou apenas um brasileique bate a sua bolin!a nos fins de semana H mas desejo fazer uma grave denúncia& um dosjogadores citados Koportunamente divulgarei o nomeL simplesmente plagiou um gol feito pomim.
rovas6 Pasta comparar os tapes dos referidos gols. 7o meu caso, trata=se de um trabal!o
amador H foi feito por meu fil!o, de dez anos H mas mesmo assim é bastante n$tido. %ê=se que
como eu, o referido jogador estava num campo de futebol. 7os dois casos, a partida estavasendo disputada por times de jogadores cada um. 7os dois casos !avia uma bola, !avia
goleiros. 7os dois casos !avia um juiz. 7o meu caso, um juiz usando bermud>es e c!inelos H
mas juiz, de qualquer maneira.
5sto, quanto aos aspectos gerais. %amos agora aos detal!es. 7o v$deo do jogador inglês,
mostrado no mundo inteiro, vê=se que ele pega a bola na grande área, domina=a, livra=se de
um adversário e c!uta no canto esquerdo, marcando, é for"oso admitir, um belo tento, um gol
que faz jus aos direitos autorais. 7o meu v$deo H feito uma semana antes, é importante que sediga H, vê=se que eu pego a bola na grande área, que a domino, que livro=me de um adversário
e que c!uto forte no canto esquerdo, marcando um belo tento.
4onclus#o& o jogador inglês me plagiou. :uero, portanto, metade do que ele receber a t$tulo
de direitos autorais. *e n#o for atendido em min!a reivindica"#o levarei a quest#o a ju$zo.
3stou seguro de que gan!arei. Além do v$deo, conto com uma testemun!a& o meu fil!o. 3le vi
o jogo do come"o ao fim e pode depor a meu favor. É pena n#o ter mais testemun!as, mas,
infelizmente, ele foi o único espectador desse jogo. 3 irá comigo demandar justi"a contra o
plágio.J
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A insu*ortá'e% trans*ar3ncia das coisas
$Atri( 'i'e em casa trans*arente no C7i%e-.
Mundo, /S jan. /000
A paix#o foi instantFnea. :uando viu a jovem atriz pela primeira vez teve de imediato acerteza de que aquela era a mul!er de sua vida, que nen!uma outra l!e interessava.
problema era a sua timidez. 7#o conseguiu sequer aproximar=se dela, quanto mais falar=
l!e. Becidiu, contudo, que a acompan!aria, mesmo a distFncia, em fiel e silenciosa adora"#o
Bescobriu onde morava e alugou um apartamento no edif$cio fronteiro.
Bali, e com bin8culos, podia observá=la. %erdade que a jovem nunca descerrava a
transparente cortina, mas isto s8 fazia l!e aumentar a emo"#o, a excita"#oQ muitas vezes via=
l!e, ela desnuda, a sil!ueta. 3ra t#o belo aquele corpo que as lágrimas l!e vin!am aos ol!os.
3nt#o aconteceu. A atriz foi contratada para um inusitado projeto de explora"#o art$stica epassou a viver numa casa de vidro constru$da no centro da cidade. s transeuntes podiam
observá=la saindo da cama, vestindo=se, indo ao ban!eiro. IA peladaJ, era como a c!amavam
deliciados e assombrados com aquela nudez que nem sequer o manto diáfano da fantasia
cobria.
Goi um c!oque para ele. m c!oque terr$vel. ensou até em suic$dio, e c!egou mesmo a
comprar um rev8lver para se matar. Aos poucos, porém, a depress#o foi dando lugar < raiva
indigna"#o. 3 ele decidiu vingar=se da ingrata que, desprezando seu amor, exibia=sedespudorada a toda a popula"#o.
assa o dia inteiro em frente < casa de vidro. *egura um cartaz que diz qualquer coisa como
IAbaixo a imoralidadeJ. 3 c!ama a aten"#o, claro. 7#o por causa do protesto H por causa d
máscara que usa, uma dessas máscaras de ninja, que têm s8 dois buracos para os ol!os.
7inguém consegue ver=l!e o rosto. 3 ninguém, ele jura, jamais l!e verá o rosto.
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Amiga / *ara essas coisas
$Desem*regado se0uestra amiga-.
Cotidiano, /1 mar. /000
"ocê vai me desculpar, ele disse, mas vou ter de l!e sequestrar. 3xplicou que estava
desempregado, precisando urgentemente de din!eiro, e a$ decidira sequestrar alguém. %ocê é única pessoa com grana que eu con!e"o, ponderou, com um sorriso triste, a única empresária
H Além disso, é min!a amiga.
3la o ouviu em silêncio. 9udo bem, disse, amiga é para essas coisas.
3le informou que já tin!a escol!ido um lugar para escondê=la, mas era longe. *erá que ela
n#o se importava de emprestar o carro para que fossem até lá6 4laro que n#o me importo, ela
respondeu, amiga é para essas coisas.
Goram até o lugar do sequestro, uma pequena casa na zona rural. 3le pediu desculpas pela
falta de confortoQ ela disse que estava tudo bem, que partil!aria o lugar com ele, amiga é para
essas coisas. Bepois de uma !esita"#o, ele confessou que n#o sabia o que fazer& n#o tin!a
prática alguma em sequestros.
3u ac!o que você deve pedir um resgate, disse ela. m resgate, sim. (as de quanto6 Bez
mil seria uma quantia razoável6 3la sugeriu que aumentasse para M mil. %ocê é muito
generosa, ele disse, emocionado, está me ajudando mais do que eu mere"o. :ue é isso, disse
ela, amiga é para essas coisas.s dias passaram. 3nquanto aguardavam o resgate, um clima foi pintando. 3le sentiu que
come"ava a se apaixonar pela amiga. que o colocou diante de um dilema& levar adiante a
paix#o, desistindo do sequestro, ou pegar o din!eiro6 Acabou decidindo pela última
alternativa. (esmo porque uma boa amiga é mel!or do que qualquer namorada.
*eu racioc$nio n#o funcionou. ;astreando as c!amadas Kfeitas no celular que ela gentilment
!avia emprestado H amiga é para essas coisasL, a pol$cia c!egou ao local e o prendeu.
3la n#o !esitou& confirmou que !avia sido sequestrada, n#o o defendeu. 3le já esperava porisso. *abia que precisava do castigo e que ela colaboraria para esse castigo. Afinal, amiga é
para essas coisas.
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O casamento / 'irtua%- A 'ida / rea%
$Casamenteiro 'irtua%: *rogramas em desen'o%'imento
nos E?A ana%isam *re+er3ncias do usuário e
encontram com*atibi%idades na rede-.
In!or&,tica, 1 mai. /000
Ele era um solitário. 3la também. 3le trabal!ava todo o dia e depois, sem programa,
voltava para casa. 3la também& trabal!ava todo o dia e depois, sem programa, voltava paracasa. 3le ficava até a madrugada navegando na 5nternet.
3la também& ficava até a madrugada navegando na 5nternet. Goi assim que ambos
descobriram um programa de computador destinado a aproximar solitários. 9udo o que tin!am
a fazer era enviar seus dados& idade, sexo, preferência.
Goi o que fizeram e, n#o surpreendentemente, o programa indicou que as c!ances defelicidade, numa vida em comum, eram de NN_.
3ncontraram=se, sa$ram algumas vezes e, uns meses depois, estavam vivendo juntos. 3 a$
surgiu o problema.
7#o era com a comida& ambos gostavam das mesmas coisas. 3 n#o era com a cama, onde
funcionavam muito bem KIara mim foi bom. 3 para você6J Iara mim também foi muito
bomJL. 7#o, o problema era justamente com os computadores.
3le s8 gostava de 5P(, detestava 9os!iba. 3la, pelo contrário, era f# do 9os!iba, odiava
5P(. 3le usava um computador de mesa, grande, com todos os acess8rios. 3la usava umlaptop minúsculo porque, ac!ava, era um desperd$cio ocupar tanto espa"o. 3le queria usar um
ca#le &ode&, ela continuava adepta da lin!a telef@nica. 3nfim& n#o concordavam em nada
nessa área.
A área que correspondia ao _ de dúvidas, segundo o programa que os aproximara. ma
percentagem aparentemente insignificante, mas que agora se revela de decisiva importFncia.
4ontinuam morando na mesma casa, mas em quartos separados. 3 de lá enviam=se t8rridas
mensagens de amor. programa é o mesmo. s computadores é que s#o diferentes.
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Con'ersa com a ca+eteira
$O estudante de engen7aria 5arcos Castagno)
de anos) conseguiu enganar toda a Pro'#ncia
de Córdoba) na Argentina) ao di(er 0ue tin7a
in'entado uma ca+eteira 0ue +unciona'a
*or um comando de 'o(-. Mundo, O mai. /000
4o come"o tudo foi muito fácil, inclusive porque o anúncio tin!a fundamento cient$ficoQ
tanta coisa funciona sob o comando de voz, por que n#o poderia uma cafeteira fazê=lo6 3 averdade é que esteve quase a ponto de consegui=lo& tin!a montado todas as pe"as do inventosegundo um esquema minuciosamente planejado e que for"osamente teria de funcionar. (asn#o funcionou, e ele, que já tin!a falado do invento para todos os amigos e parentes, se viu
diante de um dilema& admitir o fracasso ou bolar uma !ist8ria.referiu bolar uma !ist8ria& anunciou que tudo tin!a dado certo e que a cafeteira funcionava
perfeitamente sob o comando de sua voz&
H 3u ordeno& IGervaTJ, e ela ferve o café. I*irva=meTJ, serve=me. I(ais fracoTJ, e ela faz
café mais fraco. I(ais forteTJ, faz mais forte. I(ais doceTJ, ela automaticamente adiciona
mais a"úcar. 3 fala, também. Biz IXs suas ordens, sen!orJ e outras coisas.
7inguém duvidava& todos ouviam maravil!ados. 3 sucediam=se os convites para
entrevistas em rádios, em jornais, na televis#o. A imagina"#o dele voava cada vez mais alto&anunciou que tin!a sido escol!ido como o Iestudante do séculoJ pela Gunda"#o (otorola e
que recebera uma bolsa de estudos para o Rap#o.
Ginalmente, tudo foi descoberto. Ainda tentou escapar ao vexame, contando que a máfia
japonesa l!e !avia roubado o segredo do invento, mas os jornalistas foram c!ecar a !ist8ria
verificaram que era mentira.
Besesperado, ele n#o quis mais sair < rua& temia a goza"#o generalizada. *ugeriram=l!e
passar uns tempos numa cl$nica.
3le foi. :uando entrou no pequeno aposento que l!e fora destinado, a primeira coisa que
viu, sobre a mesa, foi a sua cafeteira. Alguém a tin!a colocado ali, mas por quê6 Antes que
pudesse perguntar, ouviu uma voz&
H Pem=vindo. 3u estava < sua espera.
3ra a cafeteira.
H (as ent#o você falaT H disse ele, espantado.
H 4laro que falo H retrucou a cafeteira. H %ocê n#o me programou para isto6 %amos falar,
sim. 3 falar muito. recisamos trocar ideias.
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3le ainda pensou em sair correndo, gritando, ela fala, gente, a min!a cafeteira fala. (as
conteve=se. :uem acreditaria nele agora6 *entou=se, pois, resignado. 3 preparou=se para um
longa conversa.
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A*agando memórias
$O 0ue 'oc3 9á es0ueceu e n!o es0uece 9amais1
a%7a na memória n!o esco%7e idade-.
Folha E-uil#rio, O maio /000
O casamento, para ela, era isso& quarenta e oito anos de opress#o, de !umil!a">es, devexames. m verdadeiro tirano, o marido dela, um !omem autoritário que l!e dava ordenssem cessar e que a ridicularizava na frente de todo o mundo& min!a mul!er é um desastre,proclamava, n#o faz nada direito.
3 ela6 3la calava. Ramais protestara. Até os fil!os se indignavam com aquela passividade
você n#o pode se deixar dominar dessa maneira, diziam, você tem de fazer alguma coisa. 3la
suspirava, resignada, n#o dizia nada.
(as estava, sim, resolvida a se vingar. *ua vingan"a seria cruel e requintada, uma vingan"acapaz de indenizá=la por uma vida de sofrimentos. *8 faltava descobrir a maneira de fazê=lo.
A ideia l!e ocorreu quando, uma man!#, o marido perguntou se ela n#o vira seu cac!imbo
3ntre parênteses, gostava muito disso, de fumar cac!imbo. %erdade que a ela o c!eiro deixava
tontaQ mas ele pouco estava ligando. 3ntre a mul!er e o cac!imbo prefiro o cac!imbo,
costumava dizer, entre gargal!adas. (as ent#o ele tin!a esquecido onde deixara o cac!imbo H
sinal de que a mem8ria l!e fal!ava. 3 ela resolveu tirar proveito disso. ara quê6 ara
enlouquecer o marido. 3xatamente& enlouquecê=lo. 3ra o m$nimo a que podia almejar.3 a$ come"ou o jogo. nde está o cac!imbo, perguntava ele. Ali onde você o colocou, dizia
ela, em cima do televisor.
3le ficava perplexo& eu coloquei o cac!imbo em cima do televisor6 3 por que teria feito
isso, se ali n#o é lugar de cac!imbo6 :uanto mais perturbado ele ficava, mais ela se
entusiasmava. 3ra como uma gata brincando com um camundongo, um camundongo triste e
desamparado. %ocê n#o viu o meu cac!imbo6 3stá ali na prateleira, onde você o deixou. 3u6
3u deixei o cac!imbo na prateleira6 A coisa ia num crescendo, a angústia dele aumentando
sempre. 3la já tin!a o final planejado& um dia o cac!imbo sumiria para sempre. 3 quando ele
perguntasse ela responderia& você o jogou fora. que seria um golpe... mortal6 (ortal.
*8 que ele morreu antes disso. m ataque do cora"#o, provavelmente. 3la c!orou muito& em
parte porque tin!a pena dele, em parte porque n#o pudera consumar sua vingan"a. (as a$ tev
uma ideia& colocar o cac!imbo no caix#o. ara atormentá=lo pela eternidade afora. rocurou
cac!imbo, mas n#o o ac!ou. *implesmente n#o conseguia lembrar onde o colocara. Ali, em
alguma parte da casa, estava o maldito objeto. *8 que ela n#o o encontrava. 3 isto significava
que jamais teria paz. :ue aquela lembran"a a torturaria até a morte.
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A 'ia9ante so%itária
$5u%7eres descobrem o *ra(er de 'ia9ar sós: ao
embarcar sem com*an7ia) *assageiras +icam
abertas a no'as ami(ades e t3m mais %iberdade-.
(uris&o, /N mai. /000
inalmente ela resolveu realizar o seu antigo e secreto son!o. 3 decidiu realizá=lo num
momento que l!e pareceu particularmente oportuno& os dois fil!os já crescidos, o casamenton#o ia muito bem. 3ra !ora, portanto, de dar um tempo. 3ra !ora de fazer a viagem queplanejava desde a adolescência e que sempre adiara.
ara sua surpresa, o marido n#o protestou, nem sequer manifestou estran!eza. *8 quis saber
aonde ela ia. Beu de ombros& para algum lugarzin!o no interior, disse, um lugar sem telefone
sem nada, um lugar onde pudesse pensar, fazer um balan"o de sua vida.
(entira. plano era outro. plano era ir a aris H e lá viver, com algum descon!ecido,
uma grande aventura amorosa. Rá tin!a tudo preparado& o passaporte, obtido sem o
con!ecimento do marido, a passagem e os francos, comprados com suas economias. 3
também a peruca e os 8culos escuros com os quais se disfar"aria.
aris revelou=se exatamente o que ela esperava, a cidade com que son!ara desde a infFncia
?ospedou=se num !otelzin!o barato, no :uartier Datin, e, guia tur$stico na m#o, saiu a
percorrer a cidade. :ueria visitar a 9orre 3iffel, naturalmente, e o Rardim das 9uilleries, ma
queria, sobretudo, encontrar o inc8gnito e encantador personagem que l!e excitava aimagina"#o.
que n#o acontecia. 3ra uma mul!er ainda atraente e, mais, falava bem o francês. (as isto
pelo jeito, n#o ajudava muito. 9ratavam=na cortesmente os !omens, mas era s8 cortesia e nada
mais. A ansiedade dela crescia < medida que se aproximava o dia da volta. 7a penúltima
noite, resolveu arriscar todas as suas fic!as. rocuraria um restaurante romFntico, jantaria ao
som de IDa %ie en ;oseJ, beberia um bom vin!o. 3 ficaria ali até que o r$ncipe 3ncantado
viesse a seu encontro.Goi ao restaurante, o &a/tre indicou=l!e uma mesa. 3la n#o c!egou a sentar. orque, ainda d
vest$bulo, avistou=os. marido e uma bela mo"a, loira, usando 8culos escuros. areciam
muito apaixonados, o que n#o era de admirar naquele romFntico ambiente, com um pianista
tocando IDa %ie en ;oseJ.
%oltou ao Prasil. 3 agora s8 tem um objetivo& encontrar algum lugarzin!o no interior, um
lugar sem telefone, sem nada, um lugar onde possa pensar, fazer um balan"o de sua vida.
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A 'ingana das gra'atas
$E6ecuti'os brit2nicos dei6am o terno e a gra'ata
no armário: grandes em*resas aderem ao 'isua% casua%-.
Mundo, M jun. /000
S#o UU gravatas encerradas no armário. 3st#o ali !á muito tempoQ tanto tempo quepequenas manc!as de mofo come"am a surgir nas mais antigas. 7inguém limpa essasgravatas. 7inguém cuida delas. Goram, de !á muito, esquecidas pelo dono, executivo de umapr8spera empresa de informática. 3le agora se veste de maneira casual.
;eina silêncio no armário. m silêncio carregado, um silêncio rancoroso. orque ressentem
se, as gravatas. ;essentem=se ao abandono a que foram relegadas e que é para elas
incompreens$vel. nde est#o as alegres recep">es em sal>es profusamente iluminados, onde
u$sque e caviar jamais faltavam6 nde est#o os jantares em elegantes restaurantes6 *obretudoonde est#o as reuni>es em que o destino de muito din!eiro era decidido6 7#o !á dúvida, o
executivo continua frequentando tais lugares. *8 que agora vai de colarin!o aberto. A moda,
sempre capric!osa, declarou guerra <s gravatas. :ue n#o entendem a raz#o dessa !ostilidade
para elas irracional. :uem fec!ará com elegFncia as camisas, perguntam=se ansiosas, quem
separará as classes sociais6 *obretudo, quem servirá como vis$vel objeto fálico6 &ouse d
computador6
4omo s8 acontece nessas ocasi>es, o ressentimento exige culpados. As gravatas acusam=se
umas <s outras. As alegrin!as, aquelas decoradas com o (ic'e) (ouse, colocam a culpa do
ex$lio nas convencionais listradas. %ocês s#o um atraso de vida, vocês recendem a nostalgia,
n#o admira que o nosso dono se sinta enfadado. As listradas contestam, n#o sem certa raz#o,
que sempre foram fiéis ao executivo, e que o acompan!aram inclusive em momentos de
prêmio, no come"o de sua carreira. %ocês é que n#o s#o sérias, retrucam.
Be nada adianta, contudo, discutirem. *er#o obrigadas, sabe=se lá por quanto tempo, a essa
convivência for"ada, umas ao lado das outras, umas colocadas sobre as outras, como
prisioneiros contidos num cárcere. que s8 faz aumentar seu mal=estar, sua angústia, quepode ser caracterizada como uma verdadeira angústia existencial.
(as um mesmo pensamento une=as, contudo. É um pensamento de vingan"a. m dia o
executivo, agora em plena ascens#o, será alijado do posto por um rival esperto o suficiente
para perceber que a moda das gravatas terá voltado. 7esse dia, expulso de seu luxuoso
escrit8rio, o !omem voltará para casa, desesperado. Abrirá o armário, verá as gravatas e
pensará obviamente em se enforcar. egará uma gravata ao acaso...
Gracassará no seu intento. :ualquer que seja a gravata, ela H o tecido ressecado,
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enfraquecido H se romperá. 3 ele rolará no c!#o da ignom$nia. sando H suprema ironiaT H
uma gravata.
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A *ro'a do amor$Amor / detectá'e% *or meio de tomogra+ia)
di(em *es0uisadores brit2nicos-.
Ciência, W jul. /000
8uando é que n8s vamos casar, perguntava ela, impaciente H e n#o sem alguma raz#o&estavam juntos !avia cinco anos, e o namorado n#o se decidia. 3 n#o se decidia, segundoalegava, por uma boa raz#o& n#o sabia ao certo se a amava. 7a verdade, n#o sabia exatamenteo que era amor. *im, com ela era bom na cama e tudo o mais H mas seria amor mesmo aquilo4omo se comprova objetivamente o amor6
A mo"a n#o estava disposta a continuar essa discuss#o, para ela bizantina. Beu=l!e um
ultimato& que resolvesse de uma vez se a amava ou n#o. que o deixou consternado. ensou
até em procurar um terapeuta, mas sabia que esse tipo de tratamento n#o é eficaz a curto prazGoi ent#o que leu no jornal a not$cia sobre o trabal!o dos pesquisadores ingleses. *im, ali
estava a solu"#o para seu problema.
or meio de um amigo médico, fez contato com os cientistas, oferecendo=se como cobaia.
ara sua alegria, eles o aceitaram. 3 assim, sem nada dizer < namorada, ele tomou o avi#o e
foi para Dondres.
teste foi muito simples. ediram=l!e que ol!asse durante alguns minutos a foto da
namorada, que trouxera consigo. Bepois disto, fariam uma tomografia para avaliar a atividad
cerebral em uma certa área que eles, espirituosamente, denominavam Iárea do amorJ. edira
s8 algum tempo para discutirem os ac!ados& n#o queriam cometer erros.
7o dia seguinte lá estava ele, ansioso. cientista que o recebera veio a seu encontro,
sorridente& nunca tin!am visto tanta atividade na área do amor. seu cérebro, concluiu, é o
retrato da paix#o.
Agora seguro quanto a seus sentimentos, ele voltou para o Prasil. 7a semana seguinte,
casou.
Be maneira geral, pode=se dizer que é feliz. (as <s vezes briga com a mul!er, <s vezes ficacom o saco c!eio do casamento. 3 é ent#o que uma dúvida l!e ocorre, uma dúvida cruel para
qual ele n#o tem resposta, ou n#o quer encontrar resposta& e se tivessem trocado a tomografia
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Duas esco'as de dente) um co*o$Di'ida a casa sem mu%ti*%icar *rob%emas-
5orar 9untos tra( 'antagens ób'ias---
mas im*%ica tamb/m re*artir o ban7eiro-.
Folha E-uil#rio, /S jul. /000
4o come"o, era s8 amizade& colegas de faculdade resolveram repartir o aluguel de um
pequeno apartamento. Aparentemente nada tin!a a ver com sexo, mas já na segunda noite elese introduziu na cama dela e a partir da$ nasceu uma paix#o furiosa, uma paix#o que ela, comdisse <s amigas, jamais tin!a experimentado. 3scusado dizer que estavam muito felizes, osdois, e que se congratulavam pela ideia que tin!am tido, de partil!ar a moradia.
s meses passaram e, como sempre acontece, a rotina foi substituindo a paix#o. 7#o que
fosse uma rotina desagradável, pelo contrário& ambos gostavam das mesmas coisas, dos
mesmos livros, dos mesmos 4Bs, da mesma comida. Bescobriam que a calma convivênciapode ser t#o gratificante quanto o sexo. 3 ele se declarava muito feliz.
3la também... 3la também. (as na verdade, n#o se sentia inteiramente feliz. or causa de
um detal!e& o ban!eiro.
?avia um único ban!eiro. (inúsculo, com um armário igualmente minúsculo. 7esse
armário, guardavam o m$nimo de coisas poss$vel& pente, escova para cabelo, desodorante,
alguns frascos de remédio. A!, sim, e o copo com as duas escovas de dentes.
3sse copo incomodava=a. (uito. Aliás, n#o exatamente o copo& as escovas. 3 n#oexatamente as escovas& a escova. A dele.
3ra uma escova grande Ko que se justificava& ele tin!a belos, mas enormes dentesL, com um
cabo retorcido, e, o que era pior, uma cor !orr$vel, um amarelo gema de ovo, cuja vis#o a
deixava doente. A escova dela, ao contrário, era pequena, delicada, de um azul muito pálido.
u seja& a escova amarela dominava aquele espa"o. A escova amarela afirmava, de forma
gritante, a sua superioridade. 3 aquilo ela n#o podia suportar.
%árias vezes pediu=l!e que trocasse de escova. 7o come"o, ele levou na brincadeira, n#odeu bola. :uando ela insistiu, respondeu de maus modos. ela primeira vez, brigaram, ela
c!orou.
A briga repetiu=se& acabaram por se separar. 3, separados, ela descobriu o quanto o amava
9elefonou=l!e, implorou por uma reconcilia"#o. 5nútil& ele já tin!a outra namorada.
3la mora sozin!a. 7o minúsculo armário de seu minúsculo ban!eiro !á um copo com duas
escovas. ma é a dela& pequena, delicada. A outra, que comprou depois de muito pesquisar, é
uma escova amarela, de cabo retorcido, enorme, !orr$vel. 4ada vez que ela ol!a essa escova
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O mist/rio do cemit/rio 'irtua%$A cria!o de cemit/rios 'irtuais +oi mais uma moda
0ue *egou na Internet- A rede tem cemit/rios 'irtuais
*ara todos os gostos e re%igiJes- A se*u%tura 'irtua% *ode
ser decorada com moti'os de cenas da nature(a-.
In!or&,tica, W ago. /000
4#o quero que fique qualquer tra"o de min!a passagem por este mundo, repetiu ele várias
vezes durante a penosa doen"a que veio, afinal, a matá=lo. 4ompreens$vel amargura& afinal,morria jovem, numa idade em que outros est#o apenas come"ando a viver.
3la respeitou a vontade do marido. (andou cremar o corpo e espal!ou as cinzas num lago.
(as as saudades eram muitas e, quando ouviu falar do cemitério virtual, resolveu criar ali
um túmulo que l!e lembrasse do falecido. Afinal, pensou, n#o se tratava de uma coisa real,
materialQ era apenas uma extens#o de sua imagina"#o, que sumia t#o logo fosse o computadordesligado.
túmulo foi desen!ado com a ajuda de um amigo, artista plástico, e ficou bonito. 9in!a um
bela lápide, com poético epitáfio, e estava decorado com desen!os rústicos, bem de como el
gostava. 3la pagava ao site uma pequena quantia e poderia acessar a imagem quando bem
desejasse. Gazia=o todos os diasQ tornou=se para ela uma espécie de confortador ritual.
m dia, a surpresa& alguém tin!a colocado, junto ao túmulo, um buquê de grandes rosas
vermel!as. que a deixou intrigada, suspeitosa mesmo. Afinal, ele n#o tin!a parentesnem amigos. :uem teria feito aquela intrusiva !omenagem6
As flores apareceram várias vezes, o que a deixava cada vez mais desgostosa. 5rritava=a,
sobretudo, o anonimato da pessoa. Até que um dia apareceu a carta. *into muita falta de você
dizia a missiva, min!a vida já n#o é a mesma depois que você se foi. 3 a assinatura& Dili.
*eguramente um apelido ou pseud@nimo.
3la caiu em intensa depress#o. 7#o tin!a dúvida de que a tal Dili era uma amante secreta.
(esmo que n#o fosse, mesmo que se tratasse apenas de uma amiga, o simples fato de elenunca se ter referido a ela já era uma trai"#o, algo inadmiss$vel& entre os dois, a franqueza
sempre fora a regra.
*ofreu durante dias a fio. or fim, ultrajada, tomou uma decis#o& depois de consultar, por
telefone, a administra"#o do site, resolveu deletar o túmulo.
A vis#o panorFmica do cemitério virtual mostra agora, naquele mesmo lugar, um retFngulo
vazio. 5sto é& quase sempre vazio. orque, volta e meia, surge naquele lugar um buquê de
grandes rosas vermel!as. 4artas n#o mais aparecem, mas n#o s#o necessárias& enquanto as
flores ali estiverem, ela jamais terá repouso.
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O Outro$Atentos ao 'isua%) candidatos usam rou*as *ara
dis+arar caracter#sticas durante *rograma
e%eitora%) como a%tura) *eso e ca%'#cie-.
Elei01es, / ago. /000
Ele queria muito ser eleito. 7#o& ele precisava muito ser eleito. 3stava atrás de um
emprego que l!e desse um bom salário, mordomias e verbas para gastar na contrata"#o deassessores H além, claro, das múltiplas oportunidades que, como vereador, teria.
problema era arrumar votos. 7#o tin!a amigos, n#o era con!ecido, nem sequer recebera
um apelido pitoresco que pudesse usar na propaganda. (as o pior n#o era isso. pior é que
combinava um visual péssimo H baixin!o, gordin!o, careca H com uma congênita inabilidade
para falar em público. 3m desespero, resolveu procurar um marqueteiro. 3stava disposto a
gastar uma boa grana nisso, desde que pudesse adquirir uma nova imagem, uma imagem capa
de garantir a elei"#o.
marqueteiro, famoso, exigiu !onorários salgados, mas garantiu resultados. :ue, de fato,
n#o se fizeram esperar. 3m poucas semanas o candidato era outro. (ais magro, mais alto
Ksaltos especiaisL com uma bela peruca, parecia agora um gal# de novela. Além disso,
transformara=se num fantástico orador, um orador capaz de galvanizar o público com uma
única frase.
*e foi eleito6 Goi eleito com uma avalanc!e de votos. que representou um duplo al$vide um lado, conquistava o cargo t#o son!ado. Be outro, podia deixar de lado a peruca, o
sapatos com saltos especiais e a dieta. 3 também podia falar normalmente, no tom me
fan!oso que o caracterizava.
3 a$ come"aram as surpresas desagradáveis. :uando foi tomar posse, ninguém o recon!ece
(as como6 3nt#o era aquele o tipo c!armoso, magnético, da tevê e dos cartazes6 3ra ele sim
como o comprovou, mostrando a identidade.
7#o foi a única contrariedade. Dogo descobriu que, como vereador, era péssimo& n#o sabiafalar, n#o convencia ninguém, sequer era procurado por lobistas. Pom mesmo, concluiu com
amargura, era o utro, aquele que o marqueteiro tin!a inventado. Aquele sim, podia fazer um
grande carreira, c!egando quem sabe < residência.
(as onde estava o utro6 *8 uma pessoa poderia ajudá=lo nessa busca, o marqueteiro. *8
que o marqueteiro tin!a sumido. 4om o din!eiro gan!o nas elei">es resolvera passar dois
anos em alguma praia do 4aribe.
9odas as noites o vereador son!a com o utro. %ê=o na 4Fmara, discursando, empolgando
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multid>es. (as n#o sabe o que fazer para encontrá=lo. *abe, sim, o que dirá se isso um dia
acontecer. 3 o que dirá, numa voz fan!osa e emocionada, será& o sen!or pode contar com meu
voto H para sempre.
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A mensagem dese9ada$E'ite e!mails indese9ados-.
In!or&,tica, 10 ago. /000
rigaram muitas vezes e muitas vezes se reconciliaram, mas depois de uma discuss#o
particularmente azeda, ele decidiu& o rompimento agora seria definitivo. m anúncio que adeixou desesperada& vamos tentar mais uma vez, s8 uma vez, implorou, em prantos. 3le,porém, se mostrou irredut$vel& entre eles estava tudo acabado.
*e pensava que tal declara"#o encerrava o assunto, estava enganado. 3la voltou < carga. 3
fez, naturalmente, através do e"&ail . 7aturalmente, porque através do e"&ail se tin!am
con!ecido, através do e"&ail tin!am namorado. 3la agora confiava no poder do correio
eletr@nico para demovê=lo de seus prop8sitos. Assim, quando ele viu, estava com a caixa de
entrada entupida de ardentes mensagens de amor. que o deixou furioso. 4onsultando um amigo, contudo, logo descobriu que !avia solu"#o
para o problema& era poss$vel, sim, bloquear as mensagens de remetentes inc@modos. 4om u
poucos cliques resolveu o assunto.
7aquela mesma noite o telefone tocou e era ela. 7em se dignou a ouvi=la& desligou
imediatamente. 3la ainda repetiu a manobra umas três ou quatro vezes. Bepois, também o
telefone silenciou, mas a$ ela optou por usar o paer dele. 98rridos recados apareciam ali,
evocando as passadas noites de paix#o e prometendo repeti=las. 3le simplesmente enfiou opaer numa caixa, junto com vários outros objetos sem uso. osso muito bem passar sem ess
droga, resmungou.
3sgotada a fase eletr@nica, come"aram as cartas. 9rês ou quatro por dia, em grossos
envelopes. :ue ele nem abria. 3sperava juntar vinte, trinta missivas, colocava tudo em um
envelope e mandava de volta para ela. Guncionou& agora o carteiro trazia apenas contas e
propagandas, como sempre.
(as se pensou que ela tin!a desistido, estava enganado. ma man!# acordou com batidin!a
na janela do apartamento. 3ra um pombo, um grande pombo branco. *urpreendeu=se& o que
estava querendo aquela estran!a ave6 9#o logo aproximou=se da janela, descobriu& era um
pombo=correio, trazendo numa das patas uma mensagem.
7#o teve dúvidas& agarrou=o, aparou=l!e as asas. ombo, sim. 4orreio, n#o mais.
3 pronto, n#o !avia mais op">es para a coitada. Aparentemente c!egara o momento de goza
seu triunfoQ mas ent#o, e para seu espanto, notou que sentia falta dela, de seus carin!os, de
seus beijos. (andou=l!e um e"&ail , e depois outro, e outro& ela n#o respondeu. 3 n#o atendia
ao telefone. 3 devolveu as cartas dele.
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Agora ele passa os dias na janela, contemplando a distFncia o bairro onde ela mora. 3sper
que dali ven!a algum tipo de mensagem. *inais de fuma"a, talvez.
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O di%ema da *orta giratória$C%iente de banco se 0uei6a de *orta giratória: e%e di(
0ue +oi im*edido de entrar na ag3ncia *or0ue se negou
a tirar uma 9a0ueta 0ue tin7a +i'e%as de meta%-.
Cotidiano, set. /000
Poucos dias depois do incidente com o !omem da jaqueta, uma mul!er, ainda jovem, tentou
entrar numa agência bancária e também ficou presa na porta. 3m princ$pio, os seguran"astiveram dificuldade em identificar que tipo de objeto !avia sido detectado pelo equipamentoeletr@nico, mas a pr8pria mo"a encarregou=se de avisá=los&
H É isto aqui.
9ratava=se de um grande broc!e de metal que ela tin!a preso ao casaco.
H ois ent#o tire H disse o seguran"a.
ara sua surpresa, a resposta foi uma irritada negativa&
H 7#o tiro coisa nen!uma. 3 soltem de uma vez esta porta que eu quero entrar.
gerente foi c!amado. A ele a mo"a explicou, num tom muito mais cortês, que a joia, na
realidade uma bijuteria barata, era a última lembran"a que tin!a de sua falecida m#e&
3la pediu que eu a levasse sempre comigo. 9irar este broc!e, agora, seria uma afronta <
sua mem8ria.
Atrapal!ado, o gerente n#o sabia o que fazer. oderia, claro, endurecerQ mas... e se a mo"a
armasse um escFndalo6 *e a coisa terminasse na 9%, nos jornais6 Becidiu consultar seus
superiores. 3nquanto isso, a mo"a teria de aguardar ali, presa na porta.
7#o me importo H disse ela H, desde que eu possa cumprir o último pedido de min!a
querida m#e, nada é problema para mim.
gerente telefonou para seu superior imediato, que também ficou perplexo com o dilema&
nunca se vira diante de uma situa"#o t#o inusitada. 9eve, pois, de ligar para a dire"#o geral do
banco. ma reuni#o de emergência foi convocada, contando inclusive com a presen"a de
assessores de imprensa. 3nquanto isso, a situa"#o na agência era ca8ticaQ as pessoas presas ládentro tin!am sido retiradas por uma porta lateral, mas a fila < frente era enorme. Ao telefone
o gerente implorava por uma solu"#o.
:ue finalmente veio& a cliente poderia entrar, com broc!e e tudo.
ma vez lá dentro, o assalto foi rápido. *acando um pequeno rev8lver da bolsa, ela mando
todo mundo deitar no c!#o, a rotina de sempre. 4oletou o din!eiro dos caixas e saiu sem
problema. 7a pressa, o broc!e desprendeu=se do casaco e caiu no c!#o, mas ela n#o se deu
trabal!o de apan!á=lo. gerente disse depois que nunca tin!a visto taman!a falta de
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considera"#o com o último desejo de uma m#e moribunda.
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A 'o( do cor*o$"oc3 ou'e o 0ue seu cor*o +a%a1.
Folha E-uil#rio, / out. /000 KanúncioL
Ele n#o saberia dizer exatamente quando isso aconteceu, mas lá pelas tantas come"ou a
ouvir a voz de seu corpo. u, mel!or dizendo, as vozes& eram várias. (as tin!am umcaracter$stico comum& sempre reclamavam. I%ocê está acabando conoscoJ, protestavam ospés quando ele tin!a de assistir a alguma cerim@nia sem poder sentar. I%ocê está mecastigando com essa comidaJ, gemia o est@mago, cada vez que ele comparecia a um jantar dempresa. 3le escutava, apreensivo, tais protestos, rezando para que n#o fossem aud$veis, parque ficassem s8 entre ele e o corpo, inesperadamente transformado em adversário.
or algum tempo optou por ignorar as reivindica">es. (as, ent#o, ocorreu o incidente que
mudou sua existência. 3le estava numa reuni#o importante, com dois diretores da compan!iaem que trabal!ava, quando, de repente, ouviu uma voz surda, cavernosa, vinda das
profundezas do ventre&
H :uero ir ao ban!eiro.
3ra o intestino, claro. 3 o pedido tin!a fundamento& sa$ra apressado, sem tempo de fazer as
necessidades. Agora vin!a a cobran"a.
(as n#o podia ir ao ban!eiro, n#o naquele momento. Be modo que sussurrou&
H Agora n#o dá. 3sta reuni#o é muito importante.%ocê disse alguma coisa6 H perguntou um dos diretores, franzindo o cen!o. 3le
desconversou& n#o, n#o dissera nada, resmungara algo para si pr8prio. !omem, ainda
desconfiado, voltou < longa agenda da reuni#o, mas a$ ele ouviu de novo a voz, insistente&
H %amos ao ban!eiro, ou fa"o aqui mesmo, e você vai morrer de vergon!a.
3ra uma amea"a terrorista, obviamente, mas ele sabia que era para valer. Devantou=se e,
pedindo desculpas, disse que tin!a de ir ao ban!eiro.
momento n#o é oportuno H disse o outro diretor, num tom ácido, ominoso, um tom que
contin!a uma clara advertência& se você sair desta sala, seu emprego pode ir para o espa"o.
(as agora ele já n#o aguentava mais. *aiu correndo, embarafustou pelo ban!eiro. 3 ficou l
muito tempo& o intestino, numa espécie de brincadeira perversa, resolvera funcionar
lentamente.
(as foi sua sorte. orque, enquanto ele estava sentado no vaso, quatro sequestradores
entraram na sede da empresa e levaram os dois diretores. :ue ainda est#o em lugar incerto e
n#o sabido.
4om o que ele resolveu mudar de vida. ediu demiss#o do emprego, mora num s$tio, onde
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passa a maior parte do tempo de papo para o ar. *8 que o din!eiro economizado está para
terminar, e a mul!er Kde quem está separadoL quer saber o que pretende fazer no futuro. 3le
n#o diz nada. Aguarda pela voz do corpo. :ue, no entanto, nunca mais se fez ouvir.
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O Grande #ecall
$5ortes %e'aram G5 a *rogramar recall -.
%inheiro, S out. /000
$irestone anuncia recall adiciona%-.
%inheiro, S out. /000
Depois do recall de autom8veis e pneus, outros certamente vir#o& recall de
eletrodomésticos com defeitos vários, recall de equipamento eletr@nico que n#o funciona,recall de medicamentos, de produtos aliment$cios. (as ainda está por vir aquilo que já estásendo c!amado, nos c$rculos mais bem informados, e < boca pequena, de 2rande 2ecall .
2rande 2ecall será uma opera"#o jamais vista na !ist8ria da !umanidade. 3m primeiro
lugar, por sua origem. %irá de cima. IBe cimaJ n#o quer dizer Pras$lia, ou `as!ington, ou o
G(5. Be cima é de cima mesmo. Bo céu. 2rande 2ecall será uma iniciativa de ninguémmenos que o 9odo=oderoso. 3 isto significa que sua abrangência será sem precedentes.
recall n#o se restringirá a autom8veis ou pneus. recall abrangerá a !umanidade.
Alt$ssimo tem boas raz>es para isto. A !umanidade n#o tem se portado como devia, o que
muitos recon!ecem& as fal!as nos produtos seriam apenas um detal!e de uma falência
espiritual maior. s Bez (andamentos, por exemplo, n#o s#o cumpridos. I7#o matarásJ& !á
violência por toda a parte. I7#o furtarásJ& os ladr>es do din!eiro público est#o soltos. Algun
dizem que isto resulta de um problema de comunica"#o. As 9ábuas da Dei, dadas por Beus a(oisés, n#o s#o muito práticas, n#o permitem um pronto processo de reprodu"#o Knem mesm
c8pias piratasL. *e os preceitos divinos fossem disseminados pela 5nternet, seria mais fácil.
*en!or, porém, n#o está disposto a discutir esses pontos. ortanto, o 2rande 2ecall Kou o
Ru$zo Ginal, para usar express#o similarL virá, e abarcará todo o gênero !umano. Bepois disso
come"ará tudo de novo. (ediante certas precau">es& o barro de que foi feito o primeiro
!omem passará por rigoroso teste de qualidade.
7#o c!ega a ser uma má not$cia. Alguns até esperam que os seres !umanos já nas"amequipados com cinto de seguran"a. 3 que recebam, como presente de nascimento,
pneus sobressalentes devidamente testados.
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%timo dese9o
$A igre9a de Saboeiro UCEV em*resta cai6Jes *ara +am#%ias
0ue n!o t3m condiJes *ara *agar *e%o enterro-
Os +ami%iares *odem 'e%ar os mortos no cai6!o
das a%mas) como / con7ecido) e de*ois o cor*o /
enterrado diretamente na terra- O cai6!o acabasendo reuti%i(ado *or 'ários mortos-.
Cotidiano, / nov. /000
O pessoal encarregado da entrega se precipitou um pouco, e o caix#o c!egou ao casebre
de edro 2il8 enquanto este ainda estava vivo. Beitado no catre, o moribundo abriu um ol!oe, de imediato, se maravil!ou& nunca tin!a visto um caix#o t#o bonito, t#o c!eio de adornos. Afam$lia também ficou contente& gra"as < generosidade do fazendeiro 9en8rio, que anos atrás
doara aquele caix#o, teriam um vel8rio de ricos.(as isso n#o era suficiente para edro 2il8. 4onvocando os familiares para junto do leito
anunciou que tin!a um pedido a fazer, em verdade o seu derradeiro pedido&
H :uero ser enterrado nesse caix#o.
que gerou consterna"#o. fil!o mais vel!o disse que era imposs$vel. A regra era clara&
caix#o, s8 para o vel8rioQ depois teria de ser devolvido. (as edro 2il8 manteve=se
irredut$vel. obre, sem terra ou bens, levara uma vida sacrificada. Ao menos na morte queria
passar bem. 3 passar bem, para ele, significava ser sepultado naquele caix#o, n#o numa cova
rasa. A mul!er ainda tentou argumentar que aquilo n#o era importante, que ele, de qualquer
modo, iria para o céu.
H ode ser H foi a resposta. H (as quero c!egar lá nesse caix#o.
A discuss#o se prolongou por !oras. edro 2il8 encerrou=a com uma declara"#o
perempt8ria&
H u vocês me enterram nesse caix#o, ou eu n#o morro.
3 n#o morreu mesmo. *ustentado talvez pela teimosia, ele continua vivo, ainda que na
condi"#o de moribundo. 9odos os dias pergunta se a fam$lia mudou de ideia. 9odos os diasrespondem=l!e que n#o é poss$vel atender a seu pedido. 3 ele vai vivendo. or quanto tempo
n#o se sabe.
caix#o é que talvez n#o dure. Apesar da aparência vistosa, era feito de madeira ordinária
carunc!ada. 5ndiferentes ao conflito, os bic!in!os prosseguiram em sua tarefa H a natureza é
implacável H e já destru$ram boa parte da urna funerária. Be modo que a quest#o se imp>e&
quem aguentará mais tempo, o caix#o ou edro 2il86 s familiares, naturalmente, torcem por
este último. (as, secretamente, lastimam pelo belo vel8rio que perder#o.
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Son7ando o son7o im*oss#'e%
$a%ta de din7eiro aba%a sono da *o*u%a!o-.
Cotidiano, W nov. /000
Como muitas pessoas, ele dormia mal. elas raz>es !abituais& contas a pagar, despesas
sempre crescentes, falta de din!eiro. 3, como muitas pessoas, tentava de tudo, desde c!ásmedicinais até a contagem de carneirin!os Ka qual c!egava facilmente < casa das dezenas demil!aresL. 7ada funcionava e ele se sentia cada vez mais frustrado e deprimido. Até que leuum anúncio de uma cl$nica especializada, c!amada I*onos *on!osJ. %ocê nunca maissaberá o que é ins@nia, prometia o texto.
Goi até lá. 3, de imediato, um c!oque& tratava=se de uma casa, para dizer a verdade, de uma
mans#o que pertencera a um tio seu, um milionário solteir#o. or algum tempo, aliás,
alimentara a esperan"a de resolver seus problemas financeiros com a !eran"a que o tiosupostamente l!e deixaria. (as o !omem morreu e a ajuda nunca se materializou. elo jeito,
casa !avia sido vendida, ou alugada, para a cl$nica.
3ssa melanc8lica recorda"#o, contudo, n#o o faria desistir. 3ntrou, dirigiu=se <
recepcionista, que o encamin!ou para uma sala, onde teria uma entrevista prévia. Ali foi
atendido por uma psic8loga, uma mo"a alta e bonita. 4ontou que n#o dormia !á muito tempo,
que estava desesperado com isso e que queria saber se o seu problema teria solu"#o.
(as claro que tem solu"#o, respondeu ela, sorrindo. H 7osso método é infal$vel. 7#o apenasl!e restituiremos o sono como também a capacidade de son!ar. 3, mais importante& son!ar
criativamente. 3m son!os, o sen!or poderá acessar capacidades insuspeitadas, que l!e dar#o
novas capacidades e !abilidades. m de nossos clientes, por exemplo, ficou rico com um
aparel!o capaz de extrair caro"os de frutas que inventou enquanto dormia aqui, em nossa
cl$nica.
3le ficou maravil!ado e perguntou quando poderia come"ar o tratamento.
H Rá, disse ela. (ediante o pagamento adiantado de ;[ /0 mil.%inte mil reais& por aquilo, ele n#o esperava. 3xplicou que n#o tin!a din!eiro, mas que,
assim que se tornasse milionário gra"as a um son!o criativo, pagaria a quantia, com juros
até. A mo"a, porém, mostrou=se inflex$vel& sem din!eiro, n#o !averia tratamento. 3 pediu que
ele se retirasse.
3le foi. (as n#o saiu da cl$nica. *entou=se na sala de espera, vazia, e ali ficou. s ol!os se
l!e fec!aram, o sono tomou conta dele. Rá estava son!ando com o argumento legal que l!e
permitiria reclamar na Rusti"a o esp8lio do tio quando alguém o sacudiu& era o seguran"a,
informando que ali ele n#o poderia ficar, muito menos dormindo.
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5gnominiosamente expulso, ele se foi. 9alvez em busca do son!o imposs$vel.
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O >%timo traba%7ador$Traba%7ador *rodu( mais e gan7a menos-.
%inheiro, // out. /000
A regra básica era& produzir cada vez mais a um custo cada vez menor. 4usto cada vez
menor significaria, para fins práticos, realistas, um número decrescente de trabal!adoresgan!ando um salário sempre decrescente. (as como c!egar lá6 4omo alcan"ar uma situa"#oaté ent#o apenas descrita em utopias do tipo IAdmirável (undo 7ovoJ6
roblema complexo, finalmente resolvido com a descoberta do supertrabal!ador.
:ue era, na aparência, um !omenzin!o comum, franzino. Biante de máquinas e aparel!os,
contudo, transformava=se. ossu$do de energia extraordinária e com uma !abilidade
assombrosa, ele operava sozin!o uma vasta parafernália. Goi assim que a 9% o mostrou ao
público& fazendo funcionar, sozin!o, uma grande fábrica, toda automatizada.A essa fábrica, outras, similares, foram conectadas. 7en!um problema para o
supertrabal!ador& ele dava conta de tudo. 7#o apenas produzia, comercializava também, via
5nternet, fazia toda a contabilidade, depositava o din!eiro... 4omo disse um embasbacado
empresário& se !á alguém que se possa considerar pau para toda obra, é esse !omem. 3ra de
vê=lo correndo de um lado para outro, ora operando os controles de uma supermáquina, ora
trabal!ando no teclado de um supercomputador. 3 coisa interessante& gan!ava cada vez meno
7em poderia ser de outra maneira. 3m primeiro lugar, s8 !avia um emprego, um únicoemprego, de supertrabal!ador. *e ele fosse despedido, simplesmente n#o teria onde aplicar
seus con!ecimentos, o que simplesmente neutralizava sua capacidade reivindicat8ria. or
outro lado, atrelado como estava ao gigantesco esquema de produ"#o, nem tin!a tempo para
gastar o pouco que gan!ava e que, para alguém solteiro e sem v$cios, parecia mais do que
suficiente. Be modo que um dia o colegiado empresarial que o empregava decidiu& n#o
receberia mais salário algum. 4omida, simQ casa, simQ roupa lavada, simQ assistência médica,
simQ alguma divers#o, simQ salário, n#o. 4om o que se c!egava < situa"#o ideal& produtividad
infinita com salário zero.
Alguns jornalistas têm tentado ouvir o supertrabal!ador a respeito dessa situa"#o. Alegand
falta de tempo, ele recusa=se a dar declara">es. Aliás, de modo geral, recusa=se a falar, ainda
que <s vezes monologue coisas que, ao supervisor, parecem sem sentido. I9rabal!adores de
todo o mundo, uni=vosJ é o que ele diz, mas para quem está falando6 3 o que está dizendo6
5sso, ao fim e ao cabo, n#o tem importFncia alguma. 7o passado, alguns trabal!avam
cantando, outros, assobiando. supertrabal!ador monologa. 7#o !á mal nen!um nisso, diz o
supervisor, mas apressa=se a acrescentar&
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HBesde que, claro, a produ"#o n#o seja prejudicada.
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?ma 7istória de 4ata%
$5ist/rio *o%#tico em e%/m: tr3s reis se re>nem na cidade-.
A Vo' de Bel+& de 3a'ar+, data imprecisa.
A Vo' de Bel+& de 3a'ar+ foi um dos primeiros jornais na !ist8ria da !umanidadeQ se ain
estivesse em circula"#o, estaria completando /.000 anos. (as a verdade é que n#o durou maque alguns números.
jornal n#o era impressoQ a tecnologia para isso n#o !avia sido inventada. s cem
exemplares que constitu$am a tiragem eram copiados < m#o, em pergamin!o, por uma
numerosa equipe de escribas. s leitores eram poucos, mas selecionados& o rei ?erodes, por
exemplo, estava entre os assinantes, bem como autoridades romanas.
proprietário, que era também o editor e o único rep8rter, esfor"ava=se por obter o que
!oje seria denominado de furos de reportagem. 7#o era muito fácil. Pelém de 7azaré era umacidade pequena e nada tin!a a ver com o poder. !omem son!ava com um grande
acontecimento, que l!e permitisse colocar uma manc!ete em letras garrafais. IÉ o fim do
5mpério ;omanoJ, seria uma interessante, mas ainda pouco provável. Be modo que
pressionava continuamente seus informantes a ca"arem novidades.
4erta man!#, um deles veio procurá=lo com uma not$cia verdadeiramente sensacional&
três reis tin!am aparecido em Pelém, soberanos vindos de locais long$nquos. A princ$pio o
jornalista n#o acreditou& três reis em Pelém6 9rês6 Becidiu imediatamente procurá=los.:uando os encontrou, já estavam de partida e n#o queriam falar < imprensa. (as ele insisti
e os potentados acabaram contando& tin!am vindo < cidade, guiados por uma estrela, para ver
um bebê que acabara de nascer e que mudaria os rumos do mundo.
3le n#o acreditou, claro. 9rês reis andariam quil@metros e quil@metros por causa de uma
crian"a6 Absurdo. 4ertamente !avia uma !ist8ria por trás daquela viagem, e essa !ist8ria s8
podia ser uma intriga pol$tica. 9alvez os três reis estivessem tramando uma alian"a para
dominar a regi#o. 9alvez estivessem em vias de estabelecer um novo poder. s soberanos,
contudo, insistiam em sua vers#o.
Grustrado embora, n#o deixou de escrever uma matéria a respeito, falando no mistério
pol$tico representado pela vinda dos três monarcas. 7#o se deu, claro, ao trabal!o de ir <
manjedoura onde eles diziam ter estado. (as mesmo que fosse lá, e mesmo que visse o recém
nascido, n#o daria importFncia ao fato. obres <s vezes nascem em lugares estran!os. 4omo
uma manjedoura em Pelém de 7azaré.
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O traba%7o enobrece
$Em*regada dom/stica- Dois anos de e6*eri3ncia
em carteira- Para %a'ar) *assar e co(in7ar-.
2oteiro de e&preos Knum dia qualquerL
Ela nunca lia os anúncios classificados. 7#o precisava& casada com um rico empresário,n#o sabia o que era procurar emprego. (as um dia em que estava particularmente entediada,caiu=l!e nas m#os aquela se"#o do jornal e, por pura curiosidade, come"ou a percorrer osanúncios que pediam empregada doméstica.
Be repente, a surpresa& no meio daquelas frases secas, convencionais, algo l!e c!amou a
aten"#o& um número de telefone. 3ra de sua amiga élia. :ue estava, ela sabia, sem
empregada.
Be imediato, uma ideia l!e ocorreu& oferecer=se para a vaga de doméstica na casa de éliegou o telefone e ligou. cupado. 4laro, com esse desemprego... ensou em desistir, mas
agora que come"ara, iria até o fim. 4ontinuou discando, até que, por fim, alguém atendeu.
IrontoJ, disse, do outro lado, uma impaciente élia.
H É a$ que est#o procurando empregada6 H perguntou, disfar"ando a voz. *eu prévio
treinamento como atriz amadora ajudava, mas mesmo assim estava em dúvida& funcionaria6
Guncionou. *em nada desconfiar, élia respondeu que sim, estava procurando doméstica. 3
come"ou a fazer perguntas. As perguntas !abituais neste caso& I%ocê tem referências6 Bequanto tempo6 %ocê cozin!a bem6 %ocê é casada6 9em fil!os6J.
3la ia respondendo. 7o come"o, animada, com muita facilidade. *im, tin!a boas referência
vários patr>es poderiam dar testemun!o de sua conduta irrepreens$vel. *im, cozin!ava muito
bem. 7#o, n#o era casada. 7#o, n#o tin!a fil!os Ko que era verdadeL.
or alguma raz#o a conversa se prolongou e, < medida que se prolongava, a angústia dela ia
aumentando. ma angústia inexplicável H afinal, era uma brincadeira H mas avassaladora. Ao
mesmo tempo, n#o conseguia interromper aquele inexorável fluxo de perguntas e respostas. B
algum modo, tin!a introjetado o papel. esp$rito de alguma doméstica nela se incorporara H
n#o sa$a. 3 quando élia perguntou se era branca, come"ou a c!orar e bateu o telefone.
4!orou por muito tempo. Ginalmente levantou=se, enxugou as lágrimas. 9in!a tomado uma
decis#o e a cumpriu& no mesmo dia, despediu a empregada.
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Son7o de %esma
$Consumidora encontra %esma em %anc7e-.
Cotidiano, ] jan. /00
Ela nasceu lesma, vivia no meio de lesmas, mas n#o estava satisfeita com sua condi"#o.
7#o passamos de criaturas desprezadas, queixava=se. *8 somos con!ecidas por nossa
lentid#o. rastro que deixaremos na ?ist8ria será t#o desprez$vel quanto a gosma que marca
nossa passagem pelos pavimentos.
A esta frustra"#o correspondia um son!o& a lesma queria ser como aquele parente distante,
escarot . simples nome já a deixava fascinada& um termo francês, elegante, sofisticado, um
termo que as pessoas pronunciavam com respeito e até com admira"#o. (as, lembravam as
outras lesmas, os escarots s#o comidos, enquanto n8s pelo menos temos c!ance de
sobreviver. 3ste argumento n#o convencia a insatisfeita lesma, ao contrário& preferiria
exatamente terminar sua vida desta maneira, numa mesa de toal!a adamascada, entre tal!eres
de prata e cálices de cristal. Assim como o mar é o único túmulo digno de um almirante
batavo, respondia, a travessa de porcelana é a única lápide digna dos meus son!os.
Assim pensando, resolveu sacrificar a vida por seu ideal. ara isso, tra"ou um plano& tin!a
de dar um jeito de acabar em uma cozin!a refinada. que n#o seria t#o dif$cil. erto dali
!avia uma !orta onde eram cultivadas alfaces& belas e selecionadas alfaces, de fol!as muito
crespas. Alfaces destinadas a our&ets, sem dúvida. ma dessas alfaces, raciocinou a lesmame levará ao destino que almejo. Goi até a !orta, < doida velocidade de meio quil@metro por
!ora, e ocultou=se no vegetal. :ue, de fato, foi col!ido naquele mesmo dia e levado para ser
consumido.
5nfelizmente, porém, a alface n#o fazia parte de um prato francês, mas sim de um popular e
globalizado lanc!e. :uando a consumidora foi comê=lo constatou, !orrorizada, a presen"a da
lesma. 4!amado, o gerente a princ$pio negou a evidência& disse que aquilo era um vest$gio d
8leo queimado. que deixou a lesma indignada& eu n#o sou 8leo queimado, bradava, eu souuma criatura, e uma criatura com um son!o, respeitem meu son!o ou será que, para vocês,
nada mais é sagrado, s8 o direito do consumidor6
7inguém a ouviu, claro. Goi ignominiosamente jogada no lixo, junto com suas ilus>es de
grandeza. 3 assim descobriu que, quem nasceu para lesma nunca c!ega a escarot , mesmo
viajando de carona em certas alfaces, principalmente viajando de carona em certas alfaces.
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O grande sus*ense
$Gre'e ameaa *arar a má0uina Ho%%WXood- Grandes
*roduJes) como S*ider 5an) ser!o imediatamente
iniciadas *ara serem conc%u#das ainda em maio-.
Ilustrada, jan. /000
A cena era realmente eletrizante. Agarrado precariamente <s saliências da parede, o
?omem=Aran!a escalava penosamente o enorme edif$cio H na verdade uma fac!ada constru$despecialmente para a superprodu"#o H quando de repente as luzes do estúdio se apagaram. 3mmeio < escurid#o, o ?omem=Aran!a gritou&
H As luzesT que !ouve com as luzes6
É a greve H respondeu uma voz grave, soturna. H s !omens encarregados da ilumina"#o
foram embora.
2reve& sim, o ?omem=Aran!a tin!a ouvido a respeito. 7#o julgava, contudo, que fosse para
valer. 2reve em ?oll)Cood6 2reve na maior fábrica de ilus>es do planeta6 2reve na cidade
das mans>es, dos salários bilionários6 Pem, talvez os encarregados da ilumina"#o n#o
gan!assem tanto assim.
H :uero falar com o diretor H exigiu o ?omem=Aran!a. H :uero saber o que eu fa"o agora.
7#o vou aguentar muito tempo pendurado nesta fac!ada.
diretor H disse a mesma voz grave, soturna H também entrou em greve. 3stá em lugar
incerto e n#o sabido.
(as alguma coisa tem de ser feita H disse o ?omem=Aran!a, já nervoso. H :uero ent#o
falar com o assistente do diretor.
3le também está em greve. ;ecusa=se a falar a respeito deste filme.
(eu Beus, pensou o ?omem=Aran!a, isto está ficando sério.
H 3 o roteirista6 H perguntou. H roteirista deve ter alguma ideia do que acontecerá agora.
Afinal, foi ele quem...
roteirista também está em greve H disse a voz grave e soturna. H (ais do que isto& antes deir embora, ele rasgou o roteiro deste filme.
(as ent#o o meu destino é uma inc8gnita6 H perguntou o ?omem=Aran!a, entre aflito e
zombeteiro.
H ara você, é. ara mim, n#o.
3 a$ o ?omem=Aran!a deu=se conta& estava dialogando com uma voz misteriosa. Be quem
era aquela voz, grave, soturna H e misteriosa6 Be onde tirava aquela seguran"a que mostrava
em suas respostas6
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H :uem é você6 H perguntou, agora aterrorizado.
A voz n#o respondeu. 7#o precisava responder& o ?omem=Aran!a acabava de descobrir qu
!avia um poder superior ao da usina de son!os e de pesadelos. :ue poder era esse, era algo
que ele n#o sabia. 3 sobre o qual n#o ousava sequer pensar.
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In'estindo no +uturo$Internet cria es*ecu%ador teen nos E?A- Anonimato
da e b *ermite a mi%7ares de ado%escentes montar
sua *ró*ria carteira de in'estimentos-.
%inheiro, M jan. /00
$Eu n#o queria fazer isso. Beus sabe que eu n#o queria fazer isso. (as terei de fazê=lo.
7#o !á outro jeito.
9udo come"ou quando pedi a meu pai um computador novo. 3xpliquei que, com o
computador vel!o, estava tendo dificuldade de acessar a 5nternet e que, portanto, precisava d
um equipamento mais potente.
apai n#o teria o menor problema em atender a meu pedido. 3le é executivo de uma grande
empresa, gan!a bem. (esmo assim, n#o quis me dar o din!eiro. 3m vez disso, fez umdiscurso& o primeiro computador, disse, eu comprei para você. Agora está na !ora de você
conseguir as coisas com seus pr8prios recursos. %á trabal!ar, arranje um emprego nas férias.
Afinal, você já está com M anos, e eu, na sua idade, etc., etc. Aquele clássico serm#o dos
pais. (in!a m#e ainda tentou intervir, mas foi inútil& quando ele fala, está falado.
Be modo que vou ter de tomar min!as providências. 3 sei exatamente o que vou fazer para
me vingar& vou entrar na Polsa. m amigo já se ofereceu para me ensinar como se faz. 3sse
amigo gan!ou um din!eir#o especulando com a">esQ disse que é fac$limo, mais fácil do quejogar na loteria. %ou montar a min!a carteira de investimentos e, daqui por diante, passarei a
estudar diariamente as cota">es. 9en!o certeza de que em breve estarei rico.
3 a$ virá o grande golpe. 4omprarei a">es da empresa do meu pai, que agora est#o em
baixa. 4omprarei tantas a">es que me tornarei acionista majoritário. 5sto me dará poder de
decis#o. 3 assim, um dia, mandarei uma mensagem < assembleia dos acionistas& exigirei que
economizem, cortando despesas. 4omo6 Bespedindo certos funcionários, cuja lista mandarei
anexa. Adivin!em quem estará nela, figurando em primeiro lugar.
(eu pai terá de me implorar para ficar no emprego. 3 terá aprendido sua li"#o.
*im, tudo isto eu posso fazer, e farei. Besde que, naturalmente, papai me compre um
computador novo.J
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A 'ida nos t>neis$P5 ac7a t>ne% 0ue %iga *res#dio F +a'e%a do Rio- Com
sistema de 'enti%a!o e i%umina!o) a *assagem *ermitiria
a +uga em massa dos *resos- 4unca 'i nada igua%)
a+irmou o secretário da Segurana P>b%ica do Estado-.
Cotidiano, /1 jan. /00
4#o se sabe exatamente qual dos presos teve a ideia, mas !oje se recon!ece que
seguramente se tratava de alguém com grande tiroc$nio e vis#o. Até ent#o, o prop8sito dos
túneis era facilitar a fuga de prisioneiros. m empreendimento trabal!oso e nem sempre
garantidoQ <s vezes, depois de meses de árdua faina, o túnel era descoberto e todo o esfor"o
revelava=se inútil. !omem deu=se conta da raz#o pela qual isso acontecia& t#o logo era
notada a ausência dos presos, a pol$cia ia atrás deles e acabava encontrando=os. Gazia=se
necessário, concluiu o !omem, dar um tempo. u seja& os fugitivos deveriam passar, nopr8prio túnel, um per$odo suficiente para que o acontecimento fosse esquecido.
4om essa ideia em mente, ele e seus compan!eiros puseram m#os < obra. novo túnel n#o
tin!a apenas ventila"#o e ilumina"#o. Dargo, espa"oso, contava com ban!eiros, locais de
refei"#o, salas para 9% e sinuca. m verdadeiro resort , em suma.
s presos evadiram=se por um pequeno buraco cavado no pátio do pres$dio, buraco este
que foi imediatamente fec!ado. 3 a$ foram para o túnel. Be lá, comunicavam=se por telefone
celular com os cúmplices no mundo exterior. A pergunta que mais faziam era& já dá para sair69em de dar um tempo, era a invariável resposta. Aparentemente a pol$cia !avia transformado
aquilo em uma quest#o de !onra, em parte por causa da goza"#o da m$dia, de modo que
continuavam procurando incansavelmente o túnel.
4om o tempo, os fugitivos Kagora c!amados de ImarmotasJ pelo pessoal de fora H e por
8bvias raz>esL foram se acostumando < nova situa"#o. (ais do que isso, foram ampliando o
sistema de túneis, conectando=o a outros pres$dios. (uitos outros prisioneiros vieram se
juntar a eles, mul!eres inclusive, de modo que em breve aquilo era uma verdadeira cidade
subterrFnea, autossuficiente e sem nen!um contato com a outra cidade, a da superf$cie. ma
administra"#o foi eleita, vários servi"os foram criados. 5nfelizmente, porém, problemas
surgiram. correram casos de roubo e até uma tentativa de !omic$dio. A pol$cia H porque
agora eles tin!am uma pol$cia H deteve os transgressores, que foram julgados e condenados.
9iveram ent#o de construir um pres$dio para alojá=los.
receio que todos têm é que também esses prisioneiros cavem o seu túnel e que toda a
!ist8ria se repita. espa"o até o centro da 9erra é grande, mas n#o é ilimitado. m dia será
preciso dar um basta aos túneis.
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Es*#rito carna'a%esco$Ensaios da esco%a de samba 5ocidade A%egre
atra*a%7am sono de moradores da regi!o-.
Cotidiano, /N jan. /00
Cansado, ele dormia a sono solto, quando foi bruscamente despertado pela esposa, que osacudia violentamente.
H :ue aconteceu6 H resmungou ele, ainda de ol!os fec!ados.
H 7#o posso dormir H queixou=se ela.
H 7#o pode dormir6 3 por quê6
H or causa do barul!o H ela, irritada& H *erá poss$vel que você n#o ou"a6
3le prestou aten"#o& de fato, !avia barul!o. barul!o de uma escola de samba ensaiando
para o carnaval& pandeiros, tamborins... 7#o escutara antes por causa do sono pesado. quen#o era o caso da mul!er. 3la exigia providências.
H (as o que quer você que eu fa"a6 H perguntou ele, agora também irritado.
H :uero que você vá lá e mande eles pararem com esse barul!o.
H Be jeito nen!um H disse ele. H 7#o sou fiscal, n#o sou pol$cia. 3u n#o vou lá.
%irou=se para o lado, com o prop8sito de conciliar de novo o sono. que a mul!er n#o
permitiria& logo estava a sacudi=lo de novo.
3le acendeu a luz, sentou na cama&
3scute, mul!er. É carnaval, esta gente sempre ensaia no carnaval, e n#o v#o parar o ensaio
porque você n#o consegue dormir. É mel!or você colocar tamp>es nos ouvidos e esquecer
esta !ist8ria.
3la come"ou a c!orar.
%ocê n#o me ama H dizia, entre solu"os& H *e você me amasse, iria lá e acabaria com a
farra.
4om um suspiro, ele levantou=se da cama, vestiu=se e saiu, sem uma palavra.
3la ficou < espera, imaginando que em dez ou quinze minutos a batucada cessaria.
(as n#o cessava. ior& o marido n#o voltava. assou=se meia !ora, passou=se uma !ora&
nada. 7em sinal dele.
3 a$ ela ficou nervosa. *erá que tin!a acontecido alguma coisa ao pobre !omem6 *erá que H
por causa dela H ele tin!a se metido numa briga6 9eria sido assassinado6 (as neste caso, por
que continuava a batucada6 u seria aquela gente t#o insens$vel que continuava a orgia
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carnavalesca mesmo depois de ter matado um !omem6 7#o aguentando mais, ela vestiu=se e
foi até o terreiro da escola de samba, ali perto.
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7#o, o marido n#o tin!a sido agredido e muito menos assassinado. 4ontinuava vivo, e bem
vivo& no meio de uma roda, ele sambava, animad$ssimo.
3la deu meia=volta e foi para casa. 4onvencida de que o esp$rito carnavalesco é imbat$vel
fala mais alto do que qualquer coisa.
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aos de +am#%ia$Homem de Z anos 9oga sua a'ó do <K andar-.
Folha Online, /0 fev. /00
8ue ol!os grandes você tem, meu netoT
*#o para te ol!ar, vov8. ol!ar de um neto sobre sua vov8 é sempre significativo. 7o rosto
enrugado, ele lê a !ist8ria de sua fam$lia, ele lê a sua pr8pria !ist8ria. 3le compreende que fo
precedido, neste mundo, por gente que lutou e sofreu para que ele pudesse viver. 2ente que o
alimentou, que o embalou para dormir, gente que cuidou dele quando estava enfermo. 3
também gente que o maltratou, n#o é, vov86 3nfim& o rosto de todas estas pessoas se
condensa, por assim dizer, na face da vov8, a face que o neto contempla com ambivalente
melancolia.
?um. 7#o sei se compreendi, mas você fala bonito, é bom de escutar. A prop8sito, meuneto, que orel!as grandes você tem.
*#o para te ouvir, vov8. ara um neto, as palavras de sua av8 s#o música, <s vezes
dissonante, a celebrar os mistérios da existência. uvindo sua vov8 o neto aprende a viver. É
claro que vov8s em geral s#o vel!in!as e frequentemente falam baixin!oQ de modo que as
orel!as crescem, se expandem para capturar todos os sons, mesmo os mais débeis.
H ?um. 3 que nariz grande você tem, meu netoT
É para te c!eirar, vov8. teu odor me leva de volta < infFnciaQ quando entravas em meuquarto era a primeira coisa que eu sentia, esse teu t#o caracter$stico c!eiro. Até !oje me caus
engul!os, você sabe6 Até !oje. tempo passou, e muitos outros odores entraram em min!as
narinas, inclusive o perfume de belas mul!eres, mas o seu c!eiro está sempre presente em
min!a mem8ria. :ue coisa, n#o é6
H É... A prop8sito, que m#os grandes você tem, meu netin!oT
*#o para te agarrar, vov8. 4omo você me agarrava quando era pequeno, em geral para me
surrar. %ocê me deu surras !oméricas, vov8. 9alvez eu as ten!a merecido, n#o sei. fato é quo ressentimento ficou dentro de mim, um ressentimento que jamais consegui vencer. 4resci
ol!ando para min!as m#os, ansiando que elas ficassem fortes o suficiente para mostrar a todo
principalmente a você H que já n#o sou um garotin!o indefeso. (in!as m#os !oje s#o
instrumento de vingan"a, querida vov8.
É mesmo6 3scute, meu neto, n#o estou gostando desta conversa. %amos mudar de assunto
%amos falar deste quarto. :ue janela grande tem este quarto, meu netin!oT or que uma janel
t#o grande6
H %ocê já vai ver, vov8.
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Km grito de anci#. Bepois, um baque surdo. 3 o silêncio, mais ensurdecedor que
uma batucada de carnaval.L
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A dist2ncia n!o / inimiga da gratid!o$Es*an7a terá *rimeira casa contro%ada *e%a Internet:
será *oss#'e% acender as %u(es) contro%ar o gás)
%igar sistemas de a0uecimento de 0ua%0uer
%ugar do mundo-.
Folha Online, ] mar. /00
$Prezado sen!or Kperdoe n#o usarmos seu nome, mas n#o conseguimos descobrir qual é H
foi a nossa única fal!aL& sirva esta carta, em primeiro lugar, para manifestar nossa gratid#opelo inesperado tratamento recebido quando, na última noite, trabal!ávamos em sua casa. 3msegundo lugar queremos deixar registrada nossa admira"#o pela avan"ada tecnologia que osen!or introduziu neste domic$lio e que H fica aqui nosso testemun!o H funcionamaravil!osamente.
4omo diz$amos, estávamos aqui nesta noite executando o nosso trabal!o H em condi">esprecárias. 3stava tudo escuro& como n#o t$n!amos encontrado a c!ave geral de energia,
operávamos < luz de lanternas.
Além disso, fazia frio. 7#o sabemos onde o sen!or está H imaginamos que seja no 4aribe o
numa bela praia brasileira H, mas seguramente o sen!or deve saber que, aqui na 3uropa, as
temperaturas s#o bastante baixas nesta época, o que nos fazia bater queixo. 3m suma& ambient
bem desagradável.
3is que, para nossa surpresa, as luzes se acendem, o aquecimento passa a funcionar e devários alto=falantes jorra uma estimulante música. A nossa primeira rea"#o, como o sen!or
pode imaginar, foi de sustoQ meu colega até quis ir embora. 3u, mais calmo e, modéstia <
parte, mais inteligente, procurei raciocinar. 3 a$ dei com o computador, de onde sa$am vários
cabos, e conclu$& era o sen!or que, de longe Ke talvez para mostrar a um amigoL, tin!a
acionado, pela 5nternet, aqueles dispositivos todos. 3, assim, logo estávamos numa mans#o
bem iluminada e bem aquecida. que tin!a uma vantagem adicional& dava aos passantes a
impress#o de que os proprietários estavam ali.Be modo que pudemos cumprir H calmamente, alegremente H nossa tarefa. 3sta é, para o
sen!or, a parte desagradável& levamos tudo, mas tudo mesmo. As joias, o din!eiro, os objetos
de valor. seu preju$zo será grande. (as n#o maior que a nossa gratid#o, pode estar certo.
4onte conosco sempre.
.*.& Besculpe este bil!ete, redigido < m#o, como se fazia antigamente. (eu colega sugeriu
que l!e enviássemos um e"&ail . (as n#o ten!o seu endere"o eletr@nico. Além disso, resolvi
levar o seu computador. *ou um grande entusiasta da tecnologia.
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antasias no ban7eiro$Em*regos: candidato / testado em situaJes
incomuns) como em restaurantes)
tá6is) 'ideocon+er3ncias e---.
Sua Ve' , O mar. /00
Ele estava sozin!o em casa. (ais precisamente, estava no ban!eiro, entregue < evacua"#omatinal, quando de repente ouviu um barul!o. Apurou o ouvido, alarmado&
H :uem está a$6
H *ou eu H respondeu uma voz descon!ecida, uma voz de !omem. H seu entrevistador.
%ocê se candidatou a um emprego, lembra=se6 or isso estou aqui. Pati, ninguém respondeu,
como a porta estava s8 encostada, fui entrando.
%erdade& ele estava esperando ser avaliado com vistas a uma vaga numa grande empresa. *
n#o esperava que tal entrevista ocorresse de repente, e naquelas condi">es.
H sen!or me desculpe, mas é que estou no ban!eiro... Rá vou sair...
7#o, n#o saia H disse a voz. H 3stamos preferindo entrevistas em situa">es incomuns. É um
8timo meio de avalia"#o. Biga& o que o sen!or está fazendo a$6 *im, sei que o sen!or deve
estar sentado no vaso, mas está fazendo s8 isso6 7#o está lendo, por exemplo6
ergunta ou armadil!a6 *e dissesse que estava lendo, o !omem poderia pensar, !um, esse é
daquele que fica !oras trancado H n#o serve. (as, por outro lado, sabia que a empresa
procurava alguém culto, informado. ;esolveu arriscar& H *im, estou lendo.
H 3 o que está lendo, pode=se saber6 Rornal, livro, revista6
H m jornal. Be finan"as.
*ilêncio. Aparentemente, o !omem estava fazendo anota">es. 3 a$, mais uma pergunta&
H sen!or tem pris#o de ventre6
9er ou n#o ter pris#o de ventre, o que seria mel!or6 essoas com pris#o de ventre passam
mais tempo no ban!eiroQ mas se o tempo é dedicado < leitura Kde jornais, de informes, derelat8riosL isso pode representar vantagem para a empresa. ;esolveu partir para uma respos
dúbia.
9en!o e n#o ten!o. orque min!a pris#o de ventre responde facilmente a laxativos. osso
controlá=la a qualquer momento.
utra pausa, e a$ a quest#o decisiva&
H sen!or tem fantasias no ban!eiro6
Bessa vez ele n#o soube mesmo o que responder. Gicou em silêncio por longos e agoniado
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minutos. Ginalmente decidiu enfrentar diretamente o entrevistador. Dimpou=se, deu a descarga
abotoou a cal"a e abriu a porta.
7#o !avia ninguém ali. Bas duas, uma& ou o entrevistador c!egara a um diagn8stico
Knegativo, obviamenteL sobre seu entrevistado e fora embora, ou ent#o nunca !ouvera
entrevistador algum. *8 uma fantasia, dessas que <s vezes ocorrem, no ban!eiro ou em
qualquer outro lugar.
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O turista inusitado$4a rota do turismo es*ecia%: tudo / inusitado
nessas 'iagens) do destino aos *rogramas-.
Folha E-uil#rio, /W abr. /00
Ele c!egou ao local do encontro rigorosamente na !ora marcada. 9al como !avia prometidoa mo"a que l!e serviria de guia já estava lá, < espera. Ao vê=lo, sorriu, perguntou se ele estavpronto para a grande aventura de sua vida. 4laro que sim, retrucou o !omem, de maneira umtanto brusca& aos quarenta e dois anos, já tin!a escassa paciência para diálogos convencionaiercebendo=o, a mo"a foi direto ao assunto&
H %amos, ent#o, e de acordo com o nosso programa, visitar a casa de edro Azirereira.
3ra a casa que estava diante deles& uma vel!a mans#o, muito dilapidada, a única que restava
na antes tranquila rua do subúrbio, agora com vários prédios luxuosos. 3 estava desocupada,
que talvez antecipasse uma pr8xima demoli"#o. A visita n#o poderia se realizar em momento
mais oportuno.
A mo"a abriu a porta e fê=lo entrar. lugar estava mesmo abandonado, com vel!os jornais
caixas de papel#o pelos cantos. *ubiram pela antes imponente escadaria para o andar de cim
3la introduziu=o a um grande aposento&
3ste era o quarto de edro Azir ereira. Aqui ele foi concebidoQ aqui nasceu, em uma
madrugada de maio, !á muitos anos. 7aquela época os partos, sobretudo os de pessoas ricas,eram <s vezes realizados no domic$lio...
Devou=o para o quarto ao lado&
3ste era o quarto do menino edro Azir ereira. Aqui ele passou boa parte da sua infFncia,
rodeado de brinquedos. 3ra um garoto pensativo, um pouco triste, mas, segundo todos os
testemun!os, de bom cora"#o. Ali, naquela parede, ficava a prateleira onde ele colocava seus
livros infantis. edro Azir ereira lia muito. *abe=se que escrevia, também. ?istorin!as,
claro, mas com muita imagina"#o.Goram até o fim do corredor, onde !avia um quartin!o acan!ado.
3ste era o quarto da criada, Du$za. (o"a do interior, !avia sido contratada para tomar conta
do menino edro Azir ereira. Goi com ela que ele fez amor pela primeira vez, aos U
anos... %amos descer para o sal#o onde funcionava a biblioteca6 edro Azir ereira gostava
muito daquele lugar...
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3le consultou o rel8gio. 7#o, n#o !avia tempo para isso& executivo ocupado, tin!a uma
importante reuni#o naquele dia. Be modo que pagou < guia o estipulado, agradecendo=l!e com
efus#o. %acilou um instante e depois perguntou, n#o sem certa inquietude, como ela sabia
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tantas coisas daquela casa. A mo"a sorriu&
H (in!a m#e me contou. *ou fil!a da Du$za.
3le n#o disse nada. que n#o era de estran!ar. *e !avia um !omem capaz de controlar sua
emo">es, esse !omem era ele, edro Azir ereira.
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4!o mentirás$Gru*o rouba tr3s cai6as e%etrQnicos) mas
consegue carregar a*enas dois-.
Cotidiano, /U mai. /00
Tudo correu de acordo com o planejado. s caixas eletr@nicos eram enormes e pesados HS00 quilos cada H, mas, com muita diligência e esfor"o, eles conseguiram arrancá=los de suabases, usando para isso macacos !idráulicos. :uando, porém, iam colocá=los no ve$culo, umGiat Giorino, surgiu um problema inesperado& n#o !avia lugar para os três caixas eletr@nicoss8 para dois. s três se ol!aram, perplexos.
H 7#o !á jeito H concluiu um deles. H 9emos de deixar um.
H *im H disse o segundo H, vamos deixar um caixa. (as qual6
9emos de fazer um sorteio H sugeriu o terceiro, que tin!a fama de prático. 3, dirigindo=separa o primeiro, que era o mais jovem, perguntou&
H :ual a sua idade6
H Bezoito.
3le ent#o come"ou a contagem dos caixas& um, dois, três... até c!egar ao dezoito.
H 3ste fica.
4olocaram rapidamente os dois caixas restantes no carro e se foram para a modesta casa d
subúrbio, residência de um deles. Dá c!egando, descarregaram os caixas e dedicaram=se de
imediato a destru$=los. 3 a$, a decep"#o& n#o !avia din!eiro neles. 3stavam vazios.
H 4omo é que o banco deixa os caixas sem din!eiro6 H bradou o primeiro, indignado.
banco n#o deixou os caixas sem din!eiro, H disse o segundo, amargo. H banco n#o
faria isso. elo menos um dos caixas deveria ter din!eiro.
ma pausa, tensa pausa.
H 3nt#o H concluiu o terceiro H deve ser aquele que ficou lá.
É H retornou o segundo. H Gizemos o sorteio com o número errado.
ensou um pouco e ol!ou o mais jovem& H 3scute& você n#o tem dezoito anos.
outro vacilou, mas acabou confessando& n#o, n#o tin!a dezoito anos, tin!a dezesseis.
H Aumentei a idade porque vocês sempre dizem que sou muito garoto.
primeiro ficou em silêncio. (as o que eles estavam pensando os outros dois podiam
facilmente adivin!ar& n#o se deve mentir. (uito menos na !ora de um roubo importante.
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4!o nos dei6eis cair em tenta!o$adr!o / *reso b3bado em igre9a: assa%tante n!o
conseguiu esca*ar a*ós beber 'in7o
usado nas missas-.
Cotidiano, /N mai. /00
O assalto n#o rendeu grande coisa H um aspirador de p8 e um projetor de slides, objeto
para ele um tanto misterioso H, mas, considerando que se tratava de uma igreja, n#o dava paresperar muito mais, de modo que ele se preparou para ir embora, carregando o botim. Goient#o que viu, sobre a mesa, as duas garrafas de vin!o.
ma tenta"#o para quem, como ele, gostava demais de um trago. oderia fazer uma festa,
depois, com aquelas duas garrafas. (as n#o seria muito fácil levá=las. Rá estava atrapal!ado
com o aspirador e o projetor, objetos relativamente volumosos e pesados. Além disso, garra
é coisa que quebra. 7#o, n#o daria para levar o vin!o. Be modo que, com um suspiro, optou
por renunciar < bebida. (as resolveu, pelo menos, provar um gole.
2ostou. 2ostou muito. 7ada parecido <s bebidas que ele con!ecia, canin!a, cerveja. 7#o,
tratava=se de um vin!o licoroso, aparentemente muito suave. %in!o can@nico, segundo o
r8tulo. 3le n#o era muito versado nesses termos, mas deduziu que Ican@nicoJ tin!a algo a ver
com religi#o.
9omou mais uns goles e a$ come"ou a ouvir vozes. Buas vozes, para ser mais exato, as duas
sussurrando=l!e coisas ao ouvido.Peba esse vin!o H dizia a primeira voz. H É um vin!o de igreja, n#o pode l!e fazer mal. Ao
contrário, é uma bebida aben"oada. 3 você merece, depois de todo o sofrimento pelo qual
passou em sua vida.
7#o fa"a isso H dizia a segunda voz. H 7#o é o momento. %ocê já está complicado, pode se
complicar mais ainda. 3ssa voz que l!e diz para beber é a voz do dem@nio.
7ada disso H retornava a primeira voz. H 3u sou o seu anjo da guarda. %oz do dem@nio é a
outra.3 assim continuou aquele intrigante diálogo, que ele ouvia bebendo. 3 já tin!a
quase esvaziado as garrafas quando foi preso. Pêbado, n#o ofereceu resistência.
7#o se sente c!ateado por n#o ter levado o aspirador e o projetor. Afinal, com a crise de
energia, quem iria querer essas coisas6 que l!e incomoda é a dúvida& n#o sabe qual era a
voz do dem@nio, qual a do anjo da guarda. 3, por causa disso, resolveu& nunca mais assaltará
igrejas.
7/25/2019 O Imaginario Cotidiano - Moacyr Scliar(1)
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A cor dos nossos 9uros$4egro 0ue com*ra carro nos E?A *aga 9uro mais a%to-.
%inheiro, 0M jul. /00
4o come"o a taxa de juros para o comprador do autom8vel era estabelecida mediante um
critério puramente subjetivo& o vendedor ol!ava para o cliente, e, se se tratava de um brancotaxa era uma, se se tratava de um negro a taxa era outra. (as as pr8prias empresas deram=seconta de que tal procedimento era fal!o. 3ntre branco e preto !á muitas varia">es, e essasvaria">es precisariam ser contempladas mediante taxas diferenciais. problema era& comofazê=lo6
m teste preliminar revelou que o ol!o do vendedor n#o era adequado para issoQ o
julgamento final dependia muito de concep">es pessoais sobre a quest#o da cor da pele. 3,
como declarou um empresário do setor, preconceitos s#o incompat$veis com bons neg8cios.*olicitou=se a ajuda de técnicos. Bepois de muitas pesquisas, um aparel!o foi criado, e
recebeu o nome de color$metro=jur@metro. Pasicamente tratava=se de uma célula fotoelétrica
capaz de IlerJ a cor da pele do cliente, distinguindo=a entre mais de trezentas tonalidades.
(ediante um simples programa de computador, o resultado era transformado em um número,
express#o da taxa de juros no financiamento. 7ada pessoal, portanto.
aparel!o parecia a solu"#o final do espin!oso problema. (as, como <s vezes acontece
nesses casos, surgiram situa">es inesperadas. ma revenda de autom8veis recebeu a visita dum cliente albino. aparel!o foi aplicado < pele deste e o resultado surpreendeu o vendedo
a taxa de juros era negativa. u seja, o comprador deveria receber din!eiro, ao invés de
desembolsá=lo. 9ambém verificou=se que clientes brancos, depois de uma temporada de praia
eram taxados excessivamente, o que n#o parecia justo, e gerou protestos.
Be momento, as revendas de autom8veis est#o pensando no que c!amam de modelo
brasileiro& uma taxa de juros democrática, igual para todos. 3, sobretudo, muito elevada.
que tem uma dupla vantagem& eleva os lucros e dispensa aparel!os complicados.
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Onde todos os t>neis se encontram$uncionários descobrem no'o t>ne% no Carandiru-.
Cotidiano, jul. /00
O trabal!o !avia avan"ado bastante, e o túnel já media algumas centenas de metros quando
c!egou a mensagem alarmante& rumores da fuga se !aviam espal!ado pelo pres$dio, ospoliciais estavam alertas. 4onclus#o& já n#o poderiam voltar. jeito seria continuar cavando
ara onde6 ara cima6 Arriscado. 7#o sabiam exatamente onde se encontravam. 9anto
poderiam sair em um terreno baldio como em uma movimentada avenida. 7#o, ainda n#o era
o momento de emergir. 9eriam de cavar para a frente. (as a$ o problema era outro& que trajeto
seguir6 ?avia uma planta, mas ela tin!a ficado com o c!efe do grupo. :ue ainda estava na
pris#o. :ualquer comunica"#o com ele agora seria imposs$vel.
Gizeram uma rápida reuni#o e decidiram que n#o !avia alternativa& teriam de confiar nasorte. 4ontinuariam cavando, na esperan"a de c!egar H por exemplo H a uma amistosa rede d
esgotos. (ais que isto, agora era preciso acelerar o trabal!o, já que estavam lutando contra o
tempo. 3mpun!aram, pois, as pás e lan"aram=se freneticamente < tarefa. terreno era arenos
o progresso seria rápido.
Be fato& dez !oras depois tin!am vencido mais uns cem metros. 3 foi ent#o que um deles,
um rapaz con!ecido Kpor causa da cabe"a raspadaL como 4areca, escutou alguma coisa, uma
espécie de rascar. 9odos apuraram o ouvido& de fato, !avia um ru$do, mas de onde viria6 Becima, da rua6 7#o parecia. Be onde ent#o6 3nquanto discutiam, a terra < frente deles moveu=
se e uma cabe"a de !omem apareceu, e logo mais uma.
erplexos, eles se encararam.
H :uem s#o vocês6 H perguntou um dos recém=c!egados.
H 78s é que perguntamos H replicou o 4areca. H :uem s#o vocês6
3ram presos, claro. resos de um outro pres$dio, situado a alguma distFncia dali. 4omo
4areca e seus amigos, tin!am perdido o rumo. 3, como eles, !aviam decidido continuar
cavando.
H (as parece que nessa dire"#o n#o adianta continuar H suspirou um deles.
ptaram por prosseguir H juntos, claro H em uma nova dire"#o. É o que est#o fazendo. *8
esperam n#o encontrar um terceiro grupo de fugitivos.
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Comeando a 'ida se6ua%$Lo'em de'e iniciar 'ida se6ua% em casa-.
Folha E-uil#rio K;osel) *a)#oL, 0/ ago. /00
Era já um longo, e pouco inspirado, casamento. 4onvencionais ambos, contentavam=se com
um m$nimo de sexo, o suficiente para que nascessem três fil!os, dos quais dois moravam noexterior. ca"ula, com vinte e três anos, continuava em casa. 3 era uma fonte de embara"os.7#o !esitava em trazer as namoradas para casa. 3 n#o !esitava em promover verdadeirasorgias. 7o come"o os constrangidos pais s8 tomavam con!ecimento desses folguedos pelamúsica alta, as risadas, os gritin!os H isso porque a porta do quarto do fil!o ficava fec!ada.
(as a coisa foi num crescendoQ n#o s8 a porta permanecia aberta, como o alegre par Kquando
era par, porque <s vezes ele trazia duas mo"as, gêmeasL corria pela casa, sem roupas.
s pais n#o sabiam o que fazer. Xs vezes pensavam em reclamar H do barul!o, ao menos H,mas n#o tin!am coragem para tanto. 7o fundo, consideravam=se, ambos, quadradosQ e ficavam
se perguntando se os arroubos do rapaz n#o eram apenas a express#o de uma sexualidade
normal, sadia. orque a verdade é que outros motivos de queixas n#o tin!am. fil!o,
universitário, era excelente estudante, cumpridor de suas obriga">es. (ais que isso& n#o
fumava, n#o bebia, n#o usava drogas. 3, por último, mas n#o menos importante, era
extremamente carin!oso com os pais.
H 3u n#o vou fazer como os ingratos dos meus irm#os H dizia. H 7#o vou abandonar vocês.ma declara"#o que os pais recebiam com indisfar"ada gratid#o. 3ntrando na vel!ice, os
dois prezavam a compan!ia do jovem. 3 ac!avam que as ruidosas festin!as eram um
razoável
pre"o a pagar pelo generoso afeto filial.
ma noite, porém, aconteceu uma coisa inesperada. %oltando do cinema, os dois constataram
que estavam sem a c!ave. 9ocaram a campain!a. A porta entreabriu=se, o rosto sorridente do
fil!o apareceu. Bisse que estava com uma nova namorada, mo"a meio t$mida. *erá que os pai
n#o se importavam de voltar dali a umas duas !oras6 oderiam tomar algo num bar...
Goram. 4amin!avam pela rua, ainda desconcertados, quando de repente o !omem teve uma
ideia. Apontando um !otel < sua frente, disse < mul!er&
H 78s vamos passar a noite ali.
Goi o que fizeram. 3 foi uma grande noite. 9udo o que !aviam reprimido ao longo da vida d
casados explodiu naquele quarto. ma celebra"#o do amor conjugal.
Be man!#, voltaram para casa&
H nde é que vocês estavam6 H perguntou o fil!o, intrigado.
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3les se ol!aram, sorriram e ficaram em silêncio. ?á coisas no sexo que os jovens nem
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sempre entendem.
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Tormento n!o tem idade$Dormir +ora de casa *ode ser tormento- E) ao
contrário do 0ue as +am#%ias costumam imaginar) ter medo
de dormir +ora de casa n!o tem a 'er com a idade-.
Folha E-uil#rio, 10 ago. /00
5eu fil!o, aquele seu amigo, o Rorge, telefonou.
H que é que ele queria6
H 4onvidou você para dormir na casa dele, aman!#.
H 3 o que é que você disse6
H Bisse que n#o sabia, mas que ac!ava que você iria aceitar o convite.
H Gez mal, mam#e. %ocê sabe que odeio dormir fora de casa.
H (as meu fil!o, o Rorge gosta tanto de você...3u sei que ele gosta de mim. (as eu n#o sou obrigado a dormir na casa dele por causa
disso, sou6
H 4laro que n#o. (as...
H (as o quê, mam#e6
H Pem, quem decide é você. (as, que seria bom você dormir lá, seria.
H A!, é6 3 por quê6
Pem, em primeiro lugar, o Rorge tem um quarto novo de !8spedes e queria estrear com
você. 3le disse que é um quarto muito lindo. 9em até tevê a cabo.
H 3u n#o gosto de tevê.
H Rorge também disse que queria l!e mostrar uns desen!os que ele fez...
H 7#o estou interessado nos desen!os do Rorge.
H Pom. (as tem mais uma coisa...
H que é, mam#e6
Rorge tem uma irm#, você sabe. 3 a irm# do Rorge gosta muito de você. 3la mandou
dizer que espera você lá. H 7#o quero nada com a irm# do Rorge. É uma c!ata.
H %ocê vai fazer uma desfeita para a coitada...
7#o me importa. Assim ela aprende a n#o ser metida. Be mais a mais você sabe que eu
gosto da min!a cama, do meu quarto. 3, depois, teria de fazer uma maleta com pijama, essas
coisas...
H 3u fa"o a maleta para você, meu fil!o. 3u arrumo suas coisas direitin!o, você vai ver.
H 7#o, mam#e. 7#o insista, por favor. %ocê está me atormentando com isso. Pem, deixe eu
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l!e lembrar uma coisa, para terminar com essa discuss#o& aman!# eu n#o vou a lugar nen!um
*abe por quê, mam#e6 Aman!# é meu aniversário. %ocê esqueceu6
H 3squeci mesmo. Besculpe, fil!o.
ois é. Aman!# estou fazendo cinquenta anos. 3 ac!o que quem faz cinquenta anos tem o
direito de passar a noite em casa com sua m#e, n#o é verdade6
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Cobrana$Cobrador usa intimida!o como estrat/gia-
Em*resas de cobrana usam t/cnicas abusi'as)
como tornar *>b%ica a d#'ida.
Cotidiano, 0 set. /00
Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa, camin!ando de um lado para outro.
4arregava um cartaz, cujos dizeres atra$am a aten"#o dos passantes& IAqui mora uma
devedora inadimplenteJ.
H %ocê n#o pode fazer isso comigo H protestou ela.
4laro que posso H replicou ele. H %ocê comprou, n#o pagou. %ocê é uma devedora
inadimplente. 3 eu sou cobrador. or diversas vezes tentei l!e cobrar, você n#o pagou.
H 7#o paguei porque n#o ten!o din!eiro. 3sta crise...Rá sei H ironizou ele. H %ocê vai me dizer que por causa daquele ataque lá em 7ova or' seu
neg8cios ficaram prejudicados. roblema seu, ouviu6 roblema seu. (eu problema é l!e
cobrar. 3 é o que estou fazendo.
H (as você podia fazer isso de uma forma mais discreta...
H 7egativo. Rá usei todas as formas discretas que podia. Galei com você, expliquei, avisei.
7ada. %ocê fazia de conta que nada tin!a a ver com o assunto. (in!a paciência foi se
esgotando, até que n#o me restou outro recurso& vou ficar aqui, carregando este cartaz, até
você saldar sua d$vida.
7este momento come"ou a c!uviscar.
%ocê vai se mol!ar H advertiu ela. H %ai acabar ficando doente. 3le
riu, amargo&
H 3 da$6 *e você está preocupada com min!a saúde, pague o que deve.
H osso l!e dar um guarda=c!uva...
7#o quero. 9en!o de carregar o cartaz, n#o um guarda=c!uva.
3la agora estava irritada&
Acabe com isso, Aristides, e ven!a para dentro. Afinal, você é meu marido, você mora
aqui.
*ou seu marido H retrucou ele H e você é min!a mul!er, mas eu sou cobrador profissional e
você é devedora. 3u a avisei& n#o compre essa geladeira, eu n#o gan!o o suficiente para paga
as presta">es. (as n#o, você n#o me ouviu. 3 agora o pessoal lá da empresa de cobran"a qu
o din!eiro. que quer você que eu fa"a6 :ue perca o meu emprego6 Be jeito nen!um. %ou
ficar aqui até você cumprir sua obriga"#o.
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4!ovia mais forte, agora. Porrada, a inscri"#o tornara=se ileg$vel. A ele, isso pouco
importava& continuava andando de um lado para o outro, diante da casa, carregando o seu
cartaz.
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Atualmente, já tem quase um metro de altura. 3 <s vezes lan"a, em sua dire"#o, uma espécie d
tentáculo. 3le ac!a que é apenas um gesto de afeto. (as pode n#o ser. É é isso que tem l!e
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tirado o sono. É isso que l!e tem impedido de son!ar com a vingan"a perfeita.
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A i%eg#'e% ca%igra+ia da 'ida$Gostaria de 0ue o ministro da Sa>de) Los/ Serra)
e6igisse dos sen7ores m/dicos a *rescri!o de receitas
escritas a má0uina) *ois e6istem receitas ininte%ig#'eis-.
Painel do 5eitor KAlegrette Banon *c!ubs'), ] out. /00L
A parentemente, o casamento tin!a tudo para dar certo. 3ram pessoas c!armosas, elegantes
cultas. 3 bem=sucedidas& ele, médico famosoQ ela, professora universitária, com doutoradna Gran"a e livros publicados.
(as a verdade é que n#o se entendiam. 7as festas, nas recep">es, nos jantares com os
amigos, tudo bemQ mal c!egavam em casa, porém, as máscaras ca$am e come"avam as
brigas. 3le a acusava de !ip8crita, de falsa esquerdistaQ ela sustentava que o marido n#o
passava de um arrogante, de um autoritário. (as uma noite, depois de uma discuss#o
particularmente amarga, ele perdeu a paciência e desafiou&
%ocê diz que sou autoritário. %ocê diz que sou arrogante. (uito bem. rove. rove o que
está dizendo e prometo que nunca mais agredirei você.
Bias se passaram, dias de tenso silêncio entre os dois. 3nt#o, uma noite, voltando para cas
ele encontrou=a radiante, um bril!o de triunfo nos ol!os&
H %eja o que c!egou para você.
3ra uma receita dele. Runto, um bil!ete do paciente a quem se destinara a prescri"#o. m
bil!ete desaforado& o !omem dizia que, com a tal receita, percorrera várias farmácias sem qninguém H ninguém H tivesse conseguido decifrar o que estava escrito ali. 3 conclu$a&
I3screver de maneira que n#o se possa entender é uma manifesta"#o de arrogFnciaJ.
H %iu6 H disse ela, deliciada. H %ocê é arrogante. 7#o sou eu quem o diz, é o seu paciente.
*em uma palavra, ele foi para o quarto, fez as malas e seguiu para um flat. 3 ela ficou
sozin!a.
9rês dias depois, ela já n#o aguentava a saudade. :ueria telefonar para o flat, pedir
desculpas. :ue ele esquecesse tudo, que ele voltasse. 9emia, porém, a rea"#o dele. Afinal,sa$ra de casa ofendido, magoado. oderia até bater o telefone.
3 a$ veio a carta dele. Bizia que tin!a pensado muito sobre o assunto e que recon!ecia& era,
sim, arrogante e autoritário. (as, se a esposa o ajudasse, estava disposto a mudar. 3stava
disposto a se tornar outra pessoa.
A carta era comovente e ela até derramou uma lágrima ou duas. (as o que a deixou de fato
impressionada foi a letra& bonita, capric!ada, ainda que um tanto !esitante. A caligrafia do
aluno que quer impressionar a pessoa. 9eria ele treinado no flat6
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3ssa pergunta ela n#o l!e faria. 9in!a certeza agora de que a vida escreve bonito, mesmo
com letra muito feia. 3 isso era tudo o que l!e importava saber.
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Sobre o Autor
$oac%r cliar nasceu em orto Alegre. 9em mais de M0 livros publicados, em vários
gêneros& conto, romance, cr@nica, ensaio. *uas obras foram publicadas nos 3stados nidos,
Gran"a, Aleman!a, 3span!a, ortugal, 5nglaterra, 5tália, 9c!ecoslováquia, *uécia, 7oruega,
ol@nia, Pulgária, Rap#o, Argentina, 4ol@mbia, %enezuela, (éxico, 4anadá, 5srael e outrospa$ses, com grande repercuss#o cr$tica. ;ecebeu vários prêmios, entre outros& rêmio
Academia (ineira de Detras KNWOL, rêmio Roaquim (anoel de (acedo KNSUL, rêmio
Érico %erissimo KNSML, rêmio 4idade de orto Alegre KNSWL, rêmio Pras$lia KNSSL,
rêmio 2uimar#es ;osa KNSSL, rêmio Associa"#o aulista de 4r$ticos de Arte KNO0L,
rêmio 4asa de las Américas KNONL, rêmio Rosé Dins do ;ego, da Academia Prasileira de
Detras KNNOL, rêmio Rabuti KNOO, NN1, /000 e /00NL. 9eve obras adaptadas para cinema,
tevê, teatro e rádio.*cliar desenvolvia também uma intensa atividade como colaborador em várias publica">e
no pa$s e no exterior. Goi colunista dos jornais 6ero 7ora Korto AlegreL e Folha de S.Paulo
K7este último publicou a partir de NN1, na se"#o I4otidianoJ, um texto ficcional baseado em
not$cias da pr8pria Folha de S.PauloL. Galeceu em fevereiro de /0.
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[ 5oacWr L- Sc%iar) <
- 3di"#o Bigital, 2lobal 3ditora, /01
Biretor 3ditorial = Le++erson - A%'es
2erente de rodu"#o = %á'io Samue%
rodu"#o Bigital = Eduardo O\uno
;evis#o = 5aria A*arecida Sa%meron e Rosa%ina Si0ueira
4apa = Cami%a 5es0uita
CIP,RASI- Cata%oga!o na *ub%ica!oSindicato 4aciona% dos Editores de i'ros) RL*U1Ui
*cliar, (oac)r, N1S=/0
imaginário cotidiano recurso eletr@nico (oac)r *cliar. h . ed. h *#o aulo & 2lobal, /01.recurso digital
Gormato& eub;equisitos do sistema& Adobe Bigital 3ditions(odo de acesso& orld ide `eb5*P7 NSO=OM=/W0=NS0=W Krecurso eletr@nicoL
. 4r@nica brasileira. /. Divros eletr@nicos. 5. 9$tulo.
1=0U1MO4BB& OWN.NO4B& O/.1U.1KOL=1