O CIENTISTA NA FICÇÃO CIENTÍFICA: a construção...

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SANDRA LÚCIA BOTELHO RODRIGUES DE OLIVEIRA O CIENTISTA NA FICÇÃO CIENTÍFICA: a construção de imagens sociais na linguagem do cinema norte-americano nas décadas de 70, 80 e 90. Universidade Metodista de São Paulo Curso de Pós-Graduação em Comunicação São Bernardo do Campo 2004

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SANDRA LÚCIA BOTELHO RODRIGUES DE OLIVEIRA

O CIENTISTA NA FICÇÃO CIENTÍFICA: a construção de imagens sociais na linguagem do cinema norte-americano nas décadas de 70, 80 e 90.

Universidade Metodista de São Paulo Curso de Pós-Graduação em Comunicação

São Bernardo do Campo 2004

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SANDRA LÚCIA BOTELHO RODRIGUES DE OLIVEIRA

O CIENTISTA NA FICÇÃO CIENTÍFICA: a construção de imagens sociais na linguagem do cinema norte-americano nas décadas de 70, 80 e 90.

Dissertação apresentada para conclusão do Programa de Pós-Graduação em Comunicação , da UMESP – Universidade Metodista de São Paulo para obtenção do título de mestre, sob a orientação da Profa. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves.

Universidade Metodista de São Paulo Curso de Pós-Graduação em Comunicação

São Bernardo do Campo 2004

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Membros da Banca de Avaliação

_____________________________________________ Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno - UMESP _____________________________________________ Prof.a Dra. Marília Silva Franco - USP

_____________________________________________Profa. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves - UMESP

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Aos amores da minha vida - Beto,

Maria e Idani,

À uma jóia em forma de amiga -

Maria do Carmo,

À academia, ar que eu respiro,

À magia do cinema, sem a qual não vivo.

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Agradeço a enorme contribuição dos professores orientadores desta pesquisa. Na primeira etapa, Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno, pessoa ímpar de enorme valor em minha formação pessoal e acadêmica. Na segunda, Profa. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves, cuja competência indiscutível, muito contribuiu para os procedimentos adequados aplicados a esta investigação.

Agradeço também à UNICSUL, Universidade Cruzeiro

do Sul, pelo incentivo à qualificação docente e por ter

concedido bolsa de estudo por um ano, contribuindo

para a realização desta pesquisa.

Agradeço a todos os professores do curso de Pós-Graduação da UMESP, em especial ao

Gino Giacomini e à Graça Caldas, por terem contribuído para uma sólida formação

voltada à pesquisa.

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O cinema é aquilo que se decide que ele seja

numa sociedade, num período histórico, num

certo estágio de seu desenvolvimento, numa

determinada conjuntura político-cultural ou

num determinado grupo social.

Antonio Costa (1987)

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Resumo

O Cientista na Ficção Científica: a construção de imagens sociais na linguagem do cinema

norte-americano nas décadas de 70, 80 e 90 é uma pesquisa sobre a composição da imagem

social do cientista, a fim de analisar a caracterização desse personagem no cinema,

identificando modalidades de estereótipos que compõem sua imagem social, profissional e

comportamental, bem como suas relações com o imaginário e inconsciente coletivos. A

análise de conteúdo é ferramenta metodológica utilizada para observação dos filmes e

categorização de unidades de análise que permeiam o roteiro, a caracterização física e de

atitudes do personagem cientista. A partir dos dados coletados e organizados, a análise dessa

categorização do conteúdo manifesto e sua relação com a função social da comunicação

seguiu princípios como: coerência; transparência; fidedignidade e validação dos dados

observados, apropriados à análise de conteúdo, também fundamentada nas teorias crítica da

comunicação e realista do cinema. Pode-se concluir que o cinema norte-americano tem

normalizado imagens do cientista de forma estereotipada, seja pelo uso do roteiro, da relação

com o objeto da pesquisa na ficção ou mesmo pelas relações de poder que se estabelecem em

meio às atividades científicas. O cientista na ficção é representado principalmente pelos

estereótipos de maluco, inconseqüente e que tem suas descobertas envolvidas com criaturas

ou máquinas nem sempre benéficas à sociedade.

Palavras-Chave: Cinema, ciência, estereótipos, estereótipos do cientista, Ficção Científica.

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Abstract

The Scientist in the Science Fiction: the construction of social images in the language of the

North American movies in the decades of 70, 80 and 90 are a research about the composition

of the scientist's social image in order to analyze that personage's characterization in the

movies, identifying modalities of stereotypes that compose its social, professional and

comportamental image, as well as its relation with the imaginary and collective unconscious.

The analysis of the contents is a methodological instrumente used for observation of the films

and categorization of units of analysis that permeate the script, the physical characterization

of the character the scientist and attitudes. Begining from the collected and organized

information, the analysis of that categorization of the evidente contents and its relation with

the social function of the communication followed some bases: coherence; transparency;

credibility and validation of the observed data, and appropriated to the content analysis, also it

is based in the critical theory of the communication and in the realist one of the movies. It can

be concluded that North American movies have been normalizing the scientist's imagesin a

stereotyped way by means of the script, using the relation with the object of the research in

the fiction or even the relation of power that settle down among the scientific activities. The

scientist in the fiction is represented mainly by the stereotypes, of an insane, inconsequent

person that has their discoveries involved with creatures or machines not always beneficial to

the society.

Words Key: Movies, science, stereotypes, estereotypes of scientist, Science- Fiction.

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SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................. 10

I. Cinema – Contexto Histórico-Social

........................................................

14

1.1. Um Olhar Especial para o Cinema Americano .................................. 15

1.1.1. Panorama Cronológico do Cinema e da Ficção Científica Norte-Americana ..................................................................................

21

1.2. Uma Questão de Gênero ..................................................................... 22

1.3. As Teorias do Cinema na Ficção Científica ....................................... 26

1.4. Linguagem e as Relações Sociais do Cinema ..................................... 30

II. II. Estereótipos Sociais, Ciência e Ficção

......................................................

39

2.1. A Prática da Estereotipização e os Estereótipos no Cinema .............. 40

2.2. A Crítica à Ficção Científica no Cinema sob o Olhar da Comunicação ........................................................................................

49

III. O Cientista na Ficção Científica... 54

3.1. Exposição do Conteúdo dos Filmes.................................................... 57

3.2. Tabelas de Categorização do Conteúdo dos Filmes ........................... 61

3.3.1 Análise dos Dados de Categorização do Conteúdo dos Filmes ........ 67

IV. IV. Considerações Finais

..............................................................................

91

V. V. Referências Bibliográficas

......................................................................

95

APÊNDICE A – (3.1.) Exposição do Conteúdo dos Filmes: Descrição Analítica 100

3.1.1. A Ilha do Dr. Moreau ......................................................................... 102 3.1.2. Projeto Brainstorm ............................................................................ 110 3.1.3. De volta para o Futuro I ................................................................... 121

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3.1.4. Limite da Loucura ............................................................................. 128 3.1.5. APEX ................................................................................................. 136 3.1.6. O Falso Poder .................................................................................... 142 3.1.7. O Defensor do Futuro ....................................................................... 148 3.1.8. A Experiência .................................................................................... 155 3.1.9. 5ª Dimensão – o filme ....................................................................... 165 3.1.10. Esfera ............................................................................................... 173 3.1.11. Do fundo do Mar ............................................................................. 182

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Tabelas:

1. Categorização dos conteúdos dos filmes quanto aos dados gerais (roteiro e

cenários) ...........................................................................................................................

69,76

2 - Categorização dos conteúdos dos filmes quanto à composição do personagem

(aspectos físicos) ..............................................................................................................

82

3 - Categorização dos conteúdos dos filmes quanto à composição do personagem

(personalidade) ................................................................................................................

85

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Introdução

O relacionamento entre sociedade brasileira e ciência nunca foi muito próximo. Por um

lado, o fluxo de notícias científicas veiculadas no Brasil em meios de comunicação de massa, é

bastante segmentado, especializado, e segundo MAYOR, 1998, “com espaço muito menor”

separando de certa forma as informações científicas como uma categoria de notícia diferenciada e,

muitas vezes, não popularizada no que diz respeito ao acesso à informação. Por outro lado, do

ponto de vista educacional, este relacionamento é bastante distante, tanto no ensino fundamental e

médio, com situações precárias para o estudo de questões ligadas à ciência; como na graduação e

pós-graduação, onde não é propriamente sinônimo de incentivo à pesquisa.

Pode-se dizer, também, a respeito da imagem dissociada entre o que o cientista é, faz e o

que a opinião pública pensa a seu respeito. Percebe-se uma falta de informação sobre questões

ligadas à ciência, muitas vezes, como sugere SAGAN, 1996, com um conceito equivocado a

respeito das atividades realizadas e até mesmo uma certa antipatia relacionada a assuntos de

cunho científico ou da chamada pseudociência divulgada nos meios de comunicação.

Assim, a comunicação para o entretenimento, como mais uma forma de comunicação de

massa, através do meio cinema, em especial os filmes de ficção científica, faz parte dos meios

que trabalham com a imagem do cientista, à medida que o apresenta em filmes. Denise Siqueira,

1999, comenta a caracterização estereotipada do popular personagem do filme De Volta para o

Futuro, como um cientista “maluco [...] alienado da vida cotidiana”. E se analisado como

instrumento da Indústria Cultural, o que propõe ADORNO, 1990, pode reproduzir e/ou criar

conceitos já arraigados socialmente e como forma de diversão ser melhor incorporados pelo

imaginário coletivo (TUDOR, 1975).

Enfim, estudar as formas de representação americana do cientista nas salas de cinema

brasileiras, faz-se relevante diante de uma sociedade que consome cerca de 95% das produções

“hollywoodianas”1[1], depois dos E.U.A.; e também porque este domínio, até certo ponto, tem

normalizado imagens desta sociedade (TURNER, 1997).

1[1] Segundo ranking publicado pelo World Culture Report, 2000.

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Além disso, destaca-se a legitimação da supremacia mercantil e estética de Hollywood,

associada, segundo TUDOR, 1975, à suscetibilidade do público em captar modelos estabelecidos

na tela do cinema, neste caso percebidos mundialmente.

Tais fatos e observações motivaram esta pesquisa principalmente porque o cinema tem sido

alvo de análise, desde 1900, com estudos acerca de seu conteúdo, mensagem e recepção em

diversas teorias, do cinema e da comunicação, segundo Barca, 2003, bem como em diversas áreas

do conhecimento, interdiciplinarmente. O aprofundamento nesses estudos permite entender

melhor o fenômeno do cinema norte-americano no Brasil.

Desta forma, o questionamento principal dessa pesquisa é: Como a Indústria Cultural vem

fixando a imagem do cientista no cinema? E como a atividade científica tem sido retratada nos

filmes de ficção científica? Encontrar respostas para estas perguntas é o que motiva esta pesquisa

sobre os estereótipos que compõem a imagem do cientista nos filmes de ficção científica.

Trata-se, desta forma, de uma pesquisa sobre a composição da imagem do cientista nos

filmes de ficção científica norte-americanos, produzidos nas décadas de 70, 80 e 90, locados em

vídeo e DVD no Brasil, cujos personagens principais sejam cientistas e desenvolvam pesquisa no

decorrer do filme. Os objetivos são: analisar a caracterização do personagem cientista no cinema,

identificando modalidades de estereótipos que compõem a sua imagem; descrever e analisa esta

apresentação nos filmes de 70, 80, 90, numa perspectiva de composição do cientista2[2]; identificar

como vive, onde trabalha e como é o ser social chamado cientista; classificar os tipos de

estereótipos relacionados ao tema da pesquisa no filme; aos objetivos do trabalho científico; às

produções propriamente ditas; à relevância dos experimentos; identificar as causas e descobertas

que envolvem o tema ciência nos filmes, verificando a freqüência das caracterizações, bem como

o tempo de exposição destas nos 11 filmes selecionados

Fazem parte das questões norteadoras desse trabalho, as seguintes hipóteses: 1 - Os filmes

de ficção científica norte-americanos têm como elementos comuns entre as obras, a apresentação

do cientista como um profissional que realiza experimentos inúteis, distantes da realidade e/ou

2[2] Esta verificação não é passível de comparação entre as décadas pelo fato da amostragem apresentar uma variável não controlável – nem todas as produções das décadas estão disponíveis para locação na maioria das locadoras de filmes do país. Porém é possível comparar a explosão das produções do gênero ao longo das três décadas propostas para análise.

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maléficos para sociedade, como por exemplo, instrumentos de poder e manipulação da

humanidade; 2 – O cientista é caracterizado imbuído de motivações pessoais e como maluco,

ambicioso, frio, calculista e inconseqüente; 3- O ambiente de trabalho e moradia são

representados como laboratórios e/ou lugares sombrios, tenebrosos e isolados socialmente .

Seguindo os critérios da análise de conteúdo, foram observados 11 filmes selecionados

para a categorização das cenas, imagens e diálogos significativos para a composição do universo

do cientista. Esta categorização não se dá em função de fragmentos da obra, mas sim do roteiro

como um todo. A análise de conteúdo nesta pesquisa, não tem um objeto textual das aplicações

clássicas de Bardin (1979), nem da primeira aplicação apenas descritiva, utilizada por Kracauer.

Segue-se o caminho adotado para o estudo não só de texto, imagem, mas de contexto, como

propõe Krippendorff, 1980, para uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo

manifesto, conforme Barelson, 1952.

A partir dos dados coletados e organizados, a análise dessa categorização do conteúdo

manifesto e sua relação com a função social da comunicação seguirá etapas primordiais do

método como: coerência (relação social e não apenas descritiva); transparência (relações

objetivas e verificáveis); fidedignidade (a codificação impede questões de julgamento) e por fim,

validação (seleção de cenas que represente o todo).

A fundamentação teórica da pesquisa conta ainda com aportes das teoria s do cinema e da

comunicação, especialmente a teoria realista do cinema, baseando-se em Kracauer e Dudley

Andrew; e crítica e cultural da comunicação, apoiando-se, a primeira, especificamente, em

Theodor Adorno e Walter Benjamin e a segunda em Fredric Jamenson. Ainda para que se

mantenha a profundidade que o tema merece, foram utilizadas referências sociais acerca do tema

cinema, bem como sobre sua história e linguagem. Além de aspectos arraigados na psicologia dos

quais depende uma compreensão maior sobre os estereótipos do cientista.

Com isto pretende-se garantir a análise da relação social do cinema e da comunicação com

a sociedade, identificando os estereótipos no conteúdo manifesto e latente dos filmes analisados.

O presente trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro, Cinema – contexto

histórico-social refere-se à evolução histórica, tecnológica e de linguagem do cinema, bem como

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às suas relações com a concepção estética das teorias do cinema como forma de relacionar a

mensagem cinemática à realidade.

O segundo, Estereótipos sociais, Ciência e Ficção Científica aborda conceitos sobre a

formação de estereótipos e o processo de estereotipização de imagens sociais importantes para a

compreensão do objeto de estudo e suas relações com a produção dessas imagens pelo cinema.

Ainda neste capítulo explora-se o papel social do meio cinema através das teorias da

comunicação.

O terceiro e último capítulo, O Cientista na Ficção-Científica, refere-se à exposição das

obras selecionadas, sua categorização e resultados das análises propostas, relacionando-as ao

papel de ciência dentro e fora da ficção científica.

Por fim apresentam-se as considerações finais acerca das questões norteadoras desta

pesquisa.

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CAPÍTULO I

Cinema – Contexto Histórico-Social

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1. 1. Cinema: Contexto Histórico-Social

“se a invenção da fotografia obrigou a uma nova

definição da arte, o cinema reinventou a cultura”

Hoberman (1991)

1.1. Um Olhar Especial Para O Cinema Americano

As formas de comunicação social foram, por muito tempo, baseadas na escrita,

tornando o fluxo de informação e a divulgação cultural segmentados e, destinados a um

público relativamente restrito, tanto pela distribuição dos produtos comunicacionais e culturais

quanto pela capacidade de acesso por parte deste.

O final do século XIX e o século XX foram marcados por rápidas transformações neste

processo de disseminação da informação e de cultura (MORIN, 1977). A comunicação social,

em princípio, foi importante instrumento de divulgação em sentido jornalístico; tendo, o

entretenimento espaço apenas na literatura, que por sua vez, repercutiu na produção teatral e

posteriormente na cinematográfica.

Com o surgimento do cinema, em 1895, do rádio, em 1906, do uso da televisão como

mídia, a partir de 1948, e a ascensão da Internet, na década de 80, os meios de comunicação

dirigiram-se a um público cada vez maior, massificando o processo de concepção, divulgação e

recepção das mensagens de qualquer natureza ao redor do mundo. Embora estes meios tenham

inovado e ampliado as comunicações em geral, as fontes de inspiração para o entretenimento e

cultura, no cinema e no rádio continuaram sendo as obras literárias.

O Homem sempre quis representar fatos da realidade em movimento. Foi assim com a

lanterna chinesa; a lanterna mágica, em 1660; o tecnicismo dos irmãos Lumière e, em 1895,

com George Mièles, cineasta francês, e as primeiras representações de contos sobre ciência

(BARCA, 2003). Sobre isso, Claudeª (1982) diz que Mièles “compreendeu que o cinema

engendrava a ilusão e transformou-o em auxiliar do sonho”.

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Desde a primeira exibição simultânea para a América, França e Alemanha, em 1895, o

cinema teve papel fundamental na divulgação de cultura e entretenimento, ao longo do século

(CLAUDEª, 1982).

Da escrita ao movimento, o cinema, revolucionou a forma de comunicar. Impôs uma

nova linguagem ao alcance dos letrados e iletrados, passando pelo cinema mudo, sonorizado,

pela cor e pela amplavisão. Sem dúvidas fo ram muitas mudanças em menos de um século deste

meio.

Nos primórdios, o cinema, é definido como uma técnica reprodutiva de fatos e imagens

não considerada arte (COSTA, 1987). Entre 1910 e 1920, os curtas-metragem dão espaço às

primeiras produções de longa-metragem do cinema mudo, destacando-se a potencialidade e a

força da linguagem do silêncio atrelados à retração cultural imposta pela 1ª Guerra Mundial.

Apesar disso, no período de um ano entre 1915-1916 a exportação dos filmes amercianos subiu

de 10 milhões e 500 mil metros para 47 milhões e 700 mil metros. Até o final da guerra, os

Estados Unidos estavam produzindo cerca de 85% dos filmes de todo o mundo e 98% dos

exibidos na América (COSTA, 1987). Neste período, o cinema norte-americano repercute pelo

mundo e Hollywood já é considerada a capital mundial do filme (CLAUDEª, 1982).

O cinema mudo sobrevive no período entre 1918 a 1929 e incorpora um novo olhar para

o período de guerra – os temas cômicos3[3] (COSTA, 1987). Além de absorver contribuições do

cinema no mundo, como o naturalismo sueco4[4]; o expressionismo alemão5[5] – famoso pela

obra de Fritz Lang; as experiências francesas em escrever sobre cinema em jornais, criando

cine-clubes e grupo de diretores talentosos (CLAUDEª, 1982). Tais contribuições mundiais

marcam a história do cinema norte-americano, tanto que em alguns momentos ameaçam sua

posição mercadológica, já confortável para os anos iniciais do cinema.

3[3] Destaque para as obras do período de 1910 a 1920: o western de Mille- Amor de índio, 1913 e Joana d’Arc em 1914 do mesmo autor; além de O garoto, com Chaplin em 1921, e Os dez mandamentos, de Mille em 1923. 4[4] Recebeu essa denominação pela inserção de aspectos da natureza à linguagem cinematográfica como lagos, florestas, montanhas, entre outros. 5[5] Esta tendência cinemática está presente no gosto dos alemães pelo fantástico, procurando compor uma ambiência especial para roteiros que apresentavam loucos, vampiros, fantasmas.

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O cinema abandona o amadorismo dos primórdios e investe nas narrativas que

suplantariam, mais tarde, os documentários dos anos iniciais. Nos anos 20, o público

americano já apreciador de cinema, intervém e participa ativamente do sucesso ou fracasso dos

filmes (PARAIRE,1994). Neste período, prevalecem as comédias burlescas cuja origem é o

teatro de rua. Em 1924, segundo Claudeª, 1982, os americanos assistem a supremacia

hollywoodiana ameaçada pela liberdade artística do cinema francês e pela influência política e

de cultura popular marcante do cinema russo (O couraçado Potekin, de Eisenstein – 1925).

Segundo Paraire, 1994, a revolução do cinema falado dá-se gradativamente no período

entre 1929 e 1934. Primeiro o cinema passa a ser sonorizado e somente em 1927, falado e

sincronizado. A revolução das décadas de 20 e 30 do cinema mudo associada à concepção da

teoria realista6[6] aplicadas aos roteiros transforma as formas de ver e fazer cinema. Nos anos

30, segundo Paraire, 1994, Hollywood passa pela crise de transição do mudo para o falado,

com o abandono de diretores e atores consagrados e inaugura uma fase de dualidade estilística

– o cinema de reflexão7[7] e do esquecimento8[8]; isto é, o cinema passa a ser produzido em

maior escala. Surgem neste período as comédias, os musicais num elevado número de

produções destinadas a “ criar um universo sonhado de felicidade e aventuras imaginárias”

(p.17) Quanto aos roteiros de reflexão, logo são censurados sob o pretexto de motivar a

violência e a criminalidade. Para superar a recessão do período, Hollywood não abandona as

produções comprometidas com a História.

Durante a 2ª guerra mundial inserem-se ao contexto cinemático as “propagandas

nazistas”; as temáticas francesas sobre o colaboracionismo, enquanto americanos investem em

Cidadão Kane, clássico de Orson Welles, e nos desenhos animados de Disney

(CLAUDEª,1982). Trata-se de um período de ouro de Hollywood, um verdadeiro monopólio

do cinema em relação às produções de outros países. O conceito de indústria é fixado e se

6[6] Com a inserção da escola realista na produção cinematográfica, muda-se o olhar ficcional para uma forma de representação do real, mais próxima de sua essência posssível, sem a utilização dos recursos de montagem e edição. 7[7] São Obras deste estilo: Alma no lodo, de Le Roy, 1930; Inimigo público , de Wellman, 1931; Scarface, a vergonha de uma nação, de Hawks, 1932; Inferno negro, de Curtiz, 1936; Fúria, de Lang, 1936; O fugitivo, de Le Roy, 1937; Vive só uma vez,de Lang, 1937 e Anjos de cara suja , de Curtiz, 1938. 8[8] São Obras deste estilo: O picolino, 1935; O mundo se diverte, de 1938; Amor por atacado, de Berckeley, em 1934; A grande jornada, de Vidor, em 1930; E o vento levou, de Fleming, em 1939; As aventuras de Hobin Hood, de 1938.

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estabelece como tal (PARAIRE,1994). Dois filmes marcam a década pela inovação na

produção e pela estilística. O primeiro é E o vento levou, de Fleming (embora produzido em

1939, obtém prestígio na década de 40). Com vários Oscars inaugura a era das super-

produções, influenciando o trabalho de vários diretores. O segundo é Cidadão Kane, que

embora recusado pelo júri dos Oscars, marca época pelo baixo custo, pelos temas abordados e

pelo grande números de inovações na linguagem fílmica: como expressionismo das imagens e

pesquisas de ângulo, tomadas e profundidade de campo que o consagrou como vanguardista.

Neste período o principal gênero explorado é uma síntese surpreendente de preocupações

puramente políticas e estéticas. Destacando-se os filmes de propaganda e filmes de noir ,

gangsteres e de cunho social, nascidos no período de crise – anos 30 - para diversão, agora

geram lucros para a indústria hollywoodiana.

Entre 1950 e 1970, “o moderno cinema americano verifica outras formas de expressão”

(COSTA, 1987) e a partir da década de 60, novas estruturas de produção são desenvolvidas

baseadas em tendências literárias e na subjetividade da linguagem fílmica. É um período

marcado pela guerra fria que inspira filmes de espionagem e dominação por meio de bombas

nucleares (BARCA, 2003). Segundo Claudeª (1982), no período pós-guerra (1945-1959), a

indústria americana rende-se às tendências mundiais e de suas primeiras produções. Trata-se de

um retorno à forma artística, realista e até anárquica do olhar através do meio cinema.

Nos anos 509[9], o destaque é para as produções históricas, mostrando feitos heróicos que

um período pós-guerra pode trazer. Neste período começa a ter destaque o gênero Ficção-

Científica que traduz a inquietação dos americanos, obcecados pela idéia de invasão.

Em especial, na década de 60, o mundo dá provas de que o cinema respira além de

Hollywood. Novos estilos de produções10[10] surgem na França, Inglaterra, Itália, Polônia,

Rússia, Tchecoslováquia, Hungria, Bélgica, Alemanha e Brasil (CLAUDEª, 1982). A

concorrência faz com que o cinema Hollywoodiano adote roteiros de impacto e, ao mesmo

tempo, simples, cujos custos sejam baixos (PARAIRE, 1994). Além disso, alguns gêneros

9[9] São obras deste período: Spartacus, iniciado por Mann e refeito por Kubrick; Os vickings, de Fleischer, entre outros; 10[10] A novelle vague francesa é responsável pelas melhores comédias e dramas e os ingleses os melhores filmes de espionagem e aventura como a ação e humor no filme, James Bond.

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começam a desaparecer como as comédias musicais, westerns 11[11], cedendo espaço aos filmes

mais abstratos e modernos inspirados em obras literárias (TURNER, 1997), em fatos

históricos como assassinatos políticos (Irmãos Kennedy, Martin Luther King, Malcom X) e

levantes raciais.

Segundo Costa, 1987, com a expansão da TV, em 1970, e a crise nas produções, o

cinema viveu um período de transição nas formas de conceber uma obra e de revisão

ideológica e estética sobre os gêneros. Surgem então, os “mega-gêneros” – filmes que se

enquadram em vários e novos gêneros. Nos Estados Unidos, a crise, segundo Paraire, 1994, é

moral. Uma série de traumas político-sociais, como o caso Watergate e acrescente

criminalidade servem de temas para as produções cinematográficas da década12[12]. Além

disso, a Ficção Científica ganha espaço nas super-produções do período, mantendo,

paralelamente, um gênero de reflexão.

Crescem assustadoramente, entre 80 e 90, as empresas cinematográficas americanas e

cada vez mais utiliza-se o termo indústria do cinema; pois, com produções de custo baixo,

proliferam os filmes direcionados a adolescentes, cuja estratégia principal é o investimento em

marketing, com suvenires, em trilhas sonoras, nas vídeo- locadoras, em vídeo-clipe e forte

reforço publicitário acerca da imagem dos astros, considerada, pela indústria do cinema,

rentável (TURNER, 1997). Além disso, a Ficção Científica se estabelece e abre espaço para

novas super-produções longe do trabalho meticulosos dos precursores, Kubrick (2001, uma

odisséia no espaço – 1967); George Lucas (Guerra nas estrelas – 1977); Spelberg (Contatos

imediatos de terceiro grau); os novos roteiros anunciam os block busters dos anos 8013[13].

Nos anos 80 especificamente, segundo Paraire, 1994, Hollywood participa ativamente da

recuperação moral, degradada na década anterior, e com a chance de recuperar suas finanças

ameaçadas desde a inserção do vídeo-cassete e da televisão a cabo no mercado mundial. As

produções são voltadas para o filão dos filmes de aventura com roteiros infantis e de comédia

11[11] Dá-se o nome de Western o filme cuja ação é em sua maioria épica com colonos americanos. 12[12] Algumas obras: O poderoso chefão I e II, de Coppola, 1972; Klute, o passado condena, de Pakula, 1971; Motorista de táxi, de Scorcese, em 1976; Desejo de matar, de Winner, em 1974; O franco-atirador, de Cimino; Apocalipse, de Coppola, 1979, entre outros. 13[13] São Obras: O planeta dos macacos, de Schaffner 1968; Laranja Mecância 1971;Alien, o oitavo pasageiro, 1979, King Kong entre outros.

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que rendem bons lucros. Desta forma, assinala-se a consolidação do cinema de lazer puramente

comercial, com exceção de algumas produções14[14] voltadas para guerra do Vietnã 15[15] e de

dramas psicológicos em menor escala. Já na década de 90, as novas tecnologias, os avanços da

ciência e a cultura cyberespacial tomam conta dos roteiros e produções americanas.

O cinema foi ao longo do século XIX um dos mais importantes meios de comunicação

que se destacou por retratar, segundo Claude, 1982, dimensões sócio-histórica, política,

econômica, artística, científica, sacra, e até mesmo fantasiosa, nas quais o homem de fato vive,

viveu ou viverá. É portanto, para alguns, fonte de informação, de “reflexão”, de cultura e

crescimento intelectual. Foi um dos meios que despertou a atenção de religiosos e políticos

pela sua aproximação com os povos e culturas como se “fosse um olho aberto sobre o mundo”

(CLAUDEª, 1982). Neste sentido, o cinema integra uma consciência social à medida em que

discute suas vitórias, descobertas, dores e desvios.

Várias opiniões a esse respeito, dentre elas a do Papa Pio XII - o cinema não pode deixar

de criar ao seu redor um campo de influência no pensamento, nos costumes e na vida dos

países em que estende seu poder. Stalin afirmava que o cinema é “o maior meio de agitação

das massas: o problema para nós é mantê-lo em nossas mãos” . Ainda sobre o meio político,

Hitler não expressou uma opinião sobre o cinema, fez uso de propagandas nazistas no cinema e

controlou as produções como forma de dominar as informações do período de guerra.

O cinema Hollywoodiano tem sua história marcada por sucessos, crises e influências de

toda ordem. Destacou-se pela utilização de temáticas para o simples entretenimento, quanto

para a reflexão de mensagens mais sérias “é um fenômeno social e estético”(PARAIRE, 1994),

pois fez uso de diversos gêneros, criando subgêneros, mega-gêneros, escolas, estilos e

tendências cinematográficas que percorreram, e percorrem até hoje, o mundo todo. Suas

variações estilísticas em conjunto com eventos da História e de avanços tecnológicos marcam a

forma de ver e criar cinema.

14[14] São Obras deste período: Os intocáveis de Robert de Palma; RockyIV, Tubarão IV, Alien III, Mad Max, cordo Dinheiro de Marco Scorsese, Academia de Polícia V, Os filhos do Silêncio, O beijo da mulher aranha entre tantos outros de sucesso. 15[15] Como Platoon, de Oliver Stone.

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1.1.1. Panorama cronológico do Cinema e da Ficção Norte-Americana

CINEMA MUDO CINEMA FALADO→

Teoria Formativa

CINEMA MODERNO

Teoria Realista

CINEMA

§ § 1ª exibição transmitida para Alemanha, França e América.

§ § Destaque os gêneros Westerns, documenta-rios e início dos temas cômicos – influência do naturalismo e expressionismo.

§ § Crise pós-falado. Dualidade Estilística:

Cinema de Reflexão e do Esquecimento/ evasão

§ § Filmes de Propaganda (período de guerra), noir , gângster e social.

§ § Destaque para cidadão Kane e E o vento levou.

§ § Destaque para feitos heróicos e produções históricas.

§ § Novos estilos de produção

§ § abordagem para filmes inspirados na literatura e em fatos político-sociais.

§

§

PERÍODOS

1895

1910-1929

1930-1939

1940-1949

1950-1959

1960-1969

FICÇÃO CIENTÍFICA16

[16]

§ § George Mièles, explora os primeiros contos que envolvem ciência

§ § Aventuras e expedições à lua

§ § Influências da Revolução Industrial; § § Aplicação racional das

técnicas científicas; § § Cientista é um misto de

clínico, cirurgião e pesquisador em meio a substâncias químicas e ferramentas estranhas; § § Filmes: O homem

invisível, Frankstein, e O médico e o monstro.

§ § Ameaça representada pela energia atômica associada à Hiroxima e Nagasaki e pelo período de Guerra Fria, inspirando roteiros com espionagem como 007, com James Bond; Invasores de corpos, A máquina do tempo, Guerra dos mundos.

§

Inspiração ou Referência na Literatura

Júlio Verne

§ § H.G. Wells § § Mary Sheley § § Robert Louis

Stevenson

§ § Ian Fleming § § Jack Finney § § H.G. Wells

§ § §

16[16] Não considerada nesta tabela como gênero puro; apresentam-se obras de ficção associada ao outros gêneros cinematográficos e podem não apresentar o cientista como protagonista.

Entre 1965 e 1976 – a ciência cede espaço aos

assuntos de governo, forças armadas e círculo

empresarial num contexto de disputa por poder e

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1.2. Uma Questão de Gênero

“A Ficção Científica, na verdade, em suas melhores realizações, é uma literatura do presente, brilhante, altamente especulativa e não-conformista, com grande potencial experimental e, last but not least, notoriamente deliciosa.”

Raul Fiker (1985)

O rápido crescimento dos gêneros cinematográficos ao longo das décadas de 70, 80 e

90, é proporcional à crescente dificuldade de identificá- los e classificá- los em gêneros

distintos e/ou específicos para as temáticas desenvolvidas. Incorporados às

superproduções, nascem os mega-gêneros, cuja metodologia aplicada pela indústria do

cinema para classificação dos gêneros é bastante discutível; estes filmes passam pelo

“reconhecimento” do público e, assim, são fixados comercialmente, como a melhor

maneira de agradar ao expectador e à indústria cinematográfica.

Segundo Altman, 1999, na ausência de um método científico claro e eficiente para

definir e classificar os gêneros das obras cinemáticas, a indústria do cinema encontrou na

aproximação com o público o método ideal para a fixação dos gêneros – a aceitação e

aplicação. Isto é, a classificação do gênero dá-se em função da aceitação e identificação do

público com a obra baseada na própria memória social e cinematográfica. Altman, reforça

que uma vez estabelecido o gênero pela indústria do cinema, dificilmente há como mudar

ou voltar atrás.

Desta forma, os gêneros são classificados pela sua amplitude, isto é, o que se pode

identificar como enfoque, apelo e ênfase maiores em relação à totalidade do roteiro. Com

isso surge a polêmica categorização de clássicos do cinema fora de um critério científico,

portanto, assistemático, sem rigor nos procedimentos, fixando filmes como aventura,

terror, romance, quando são também clássicos de Ficção Científica. Frankstein, um

clássico da Ficção Científica na literatura, torna-se apenas um romance no cinema.

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Com o advento das superproduções a partir da década de 60, o cinema apresenta

vários gêneros incorporados a um único filme – o que dificulta a análise crítica e científica

das obras à medida que não se tem critério incontestável a respeito do corpus de estudo,

além de os métodos existentes não se referirem a gêneros híbridos.

Sob este aspecto nota-se que os filmes que poderiam ser classificados como Ficção

Científica, o foram como terror, aventura, romance, não considerando as peculiaridades de

cada película.

No processo de seleção do corpus desta pesquisa observou-se que a produção

cinematográfica do gênero Ficção Científica, ao longo de três décadas, cresceu,

aproximadamente, 95 %, conforme pode-se observar na seleção de filmes (ver anexo 1),

saltando de 29 (em 1970) produções para 322 (em 1990), totalizando 513 filmes do gênero

Ficção Científica em 30 anos. Apesar de nem todas as produções classificarem-se de fato

como Ficção Científica, gênero este, segundo PARAIRE, 1994, “cujos limites são mal

definidos”, associando-se a outros gêneros, isto é, a Ficção Científica pode estar contida em

vários outros gêneros, bem como, estes apresentam-se na Ficção Científica, tal como nas

várias produções de Frankstein (a partir da década de 30), consideradas romance e a trilogia

Alien (a partir da década de 80), A Mosca, consideradas terror.

Percebe-se que o cinema foi, ao longo de sua história, o mais significativo dos meios

de comunicação marcado por uma tendência ligada à literatura (CLAUDEb, 1982). Todos

os gêneros valeram-se de obras literárias (FIKER, 1985) até mesmo a Ficção Científica.

Inicialmente, com as expedições à lua e ao mar, inspiradas em Júlio Verne, como “Vinte

mil léguas submarinas”; ou viagens espaciais concebidas por Arthur Clark: “2001 – uma

odisséia no espaço” e “2010 – o ano que faremos contato”; ou ainda hoje com o maior

representante de Ficção Científica, G. H. Wells que, valendo-se do tempo e espaço

ficcionais realizava uma crítica social de sua época, principalmente com as obras: “O

homem invisível”, “Guerra dos mundos”, “A máquina do tempo” e “A ilha do Dr.

Moreau”, sendo esta última uma produção cinematográfica, da década de 70 e, portanto,

parte do objeto desta pesquisa.

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Assim como nas obras de Wells, os filmes de Ficção Científica, segundo Quintana

(2003), em sua maioria, fazem alusão, no mundo imaginário, a temáticas que,

“estranhamente estabelecem conexões com a realidade” do passado, presente ou futuro

como: escassez e fontes alternativas de alimentação e energia; utilização de robôs e

satélites. Segundo as teorias formativa17[17] e realista do cinema, a Ficção Científica tem

lugar determinado nas produções. A primeira por entender que a literatura, além de fonte

inspiradora da Ficção Científica, é um grande silo para os roteiros. Já a segunda por utilizar

como exemplo de não-cinema, isto é, se não representa a realidade não é considerado

cinema (ANDREW, 1989).

A expressão “Ficção Científica” foi criada, segundo Fiker, 1985, por Hugo

Gernsbark, um dos pais do gênero em sua fase moderna, mas o precursor da Ficção

Científica no cinema é o norte-americano Edwin Porter (1869-1941), que desenvolveu os

princípios da narração e da montagem em 1902, apesar de que foi o francês George Mièles

quem, de fato, introduziu a ficção no cinema com Viagem à lua (1902), pioneiro na

utilização de efeitos especiais, cenários e figurinos.

Quanto às definições sobre Ficção Científica, são as mais diversas pelas várias

maneiras como é apresentada na literatura e no cinema. Issac Asimov (1976) a definiu

como um ramo da literatura que trata das respostas do ser humano frente às mudanças

sociais ocorridas em decorrência dos desenvolvimentos da ciência e da tecnologia. Já

Fiker, 1985, recorre a David Allen para definir a Ficção Científica como:

[...] um subgênero da ficção em prosa que difere de outros tipos de ficção pela presença de uma extrapolação dos efeitos humanos de uma ciência extrapolada, definida em termos gerais, assim como pela presença de ‘engenhos’ produzidos pela tecnologia resultante de ciências extrapoladas [...] o âmbito da Ficção Científica inclui ainda várias obras que utilizam os dispositivos da Ficção Científica para examinar questões, idéias e temas de uma perspectiva diferente da que está comumente disponível para nós a partir de outros tipos de ficção e em nossas vidas diárias.

17[17] A teoria Formativa consiste em ver no cinema um instrumento de reprodução de outras formas de arte que valoriza a forma e o estilo.

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O apelo aos efeitos especiais, às grandes catástrofes, às privações ambientais e

biológicas do homem sempre fizeram parte do universo da ficção de uma maneira geral. A

científica, no entanto, criticada pela forma extremamente fantasiosa recorre a temas, que

estranhamente fazem, ou já fizeram, parte da realidade. Falar de guerras e viagens ao

espaço quando o homem sequer havia chegado à lua; catástrofes ambientais como a

escassez de água quando nenhum órgão científico ou político detinha atenção ao assunto,

entre outros aspectos reconhecidos na ficção em geral – o processo “mecanizado” e

engenhoso demonstrado em Metrópolis nos anos 20, retrata o cotidiano dos grandes

centros do mundo. Apenas coincidência ou a ficção estabelece de fato estranhas conexões

com o real? Para isso os estudos sobre o cinema, nem a ciência tem respostas.

A Ficção Científica pode ser dividida em hard ou soft. A hard (pesada), designada à

Ficção Científica tradicional, produzida entre 1938 e 1946, explora as ciências físicas,

naturais ou exatas como a química, astronomia, física, biologia etc. Já a soft (leve),

denominada a Ficção Científica que se baseia nas chamadas ciências humanas como a

psicologia, sociologia, antropologia e lingüística. Mas esta classificação, segundo Fiker,

1985, não serve a todas as formas de produzir Ficção Científica.

No cinema, a Ficção Científica tem suas estratégias narrativas desempenhadas pelos

efeitos especiais, tendo como temas centrais, segundo levantamento dos filmes que

compõem o universo desta pesquisa, bem como da Enciclopédia Visual de Ficção

Científica, a seguinte classificação:

1. 1. Viagens em naves interplanetárias e interestelares; 2. 2. Exploração e colonização de outros mundos; 3. 3. Guerras e armamentos fantásticos; 4. 4. Impérios galácticos; 5. 5. Antecipação, futuros e passados alternativos; 6. 6. Utopias e distopias; 7. 7. Cataclismas e apocalipses; 8. 8. Mundos perdidos e paralelos; 9. 9. Viagens no tempo; 10. 10. Tecnologia e artefatos; 11. 11. Cidades e Culturas; 12. 12. Robôs e andróides; 13. 13. Computadores; 14. 14. Mutantes; 15. 15. Poderes extrasensoriais

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O gênero tem se renovado dentre as demais correntes produzidas pela indústria do

cinema, assim como tem mantido viva a forma irreverente e dinâmica de parodiar em

novos temas os clássicos da Ficção Científica, seja da literatura ou do próprio cinema.

Os filmes que compõem o objeto de estudo desta pesquisa, podem não fazer parte do

imaginário coletivo como clássicos de ficção, mas foram produzidos pela mesma indústria

do cinema que consagrou a ficção de forma geral. Estes filmes foram escolhidos, também,

pelo papel do cientista como personagem central (ver sinopses disponíveis no capítulo III,

item 3.1 – exposição do conteúdos dos filmes).

1..3. As teorias do Cinema na Ficção Científica

“Não é que exista uma solução-fórmula para o problema de julgar filmes. A exploração das teorias do cinema (modelos e estética) não tem como objetivo fornecer um padrão universal e definitivo para julgar a qualidade.”

Andrew Tudor, s/d.

Um século de cinema permitiu que as produções cinematográficas fossem sendo

moldadas sob o olhar da crítica à sétima arte, primeiro como mecanismo de reprodução das

obras artísticas, segundo como arte, e mais tarde como um complexo meio de comunicação e

cultura capaz de despertar o interesse do homem pela sua própria relação com o real e o

ficcional, fantasioso e literário. O elevado número de produções do cinema mundial gerou

discussões sobre as temáticas e roteiros padronizados e dos documentários produzidos sob o

olhar americano da história. Neste contexto, proliferaram-se as teorias do cinema e da

comunicação, cujo objeto de estudo foi analisado sob as diversas áreas do conhecimento,

interdiciplinarmente neste último século.

Dentre as teorias do cinema destacam-se três: formativa, realista e cinemática

francesa. A primeira18[18], vê nas obras de arte e literatura uma fonte para a representação

fantástica nos filmes, através dos recursos disponíveis nos primeiros trinta anos do século

XIX, valorizando a forma e o estilo. Já a segunda19[19], acredita que o cinema não é

18[18] São representantes dessa corrente: Hugo Munsterberg, Rudolf Arnheim, Sergei Eisenstein, Bela Balázs. 19[19] Corrente que prevaleceu entre as décadas de 40 e 60 com representantes como: Siegfrield Kracauer e André Bazin.

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instrumento para o sonho e que todo filme tem a função de representar o real e não o

fantasioso. Nesta teoria, o cinema tem uma função quase que científica de representação da

realidade tal como ela se apresenta. Na terceira20[20], são levadas em consideração todas as

representações simbólicas em diferentes contextos sociais para entendimento semiológico

das obras.

Para ligar as teorias cinemáticas à aplicação destas no gênero Ficção Científica é

preciso entender que a teoria do cinema, segundo ANDREW, 1989, não está preocupada

basicamente com filmes ou técnicas em específico, mas com a própria capacidade

cinemática.

Desta forma, assim como o cinema não pode ser desvinculado de sua linguagem em

si, ambos também não podem se desvincularem de seus paradigmas – do cinema mudo e

do cinema sonoro. O primeiro, representado por Arnheim, Eisenstein, Bela Balázs e

impressionistas franceses, ao considerar a capacidade do cinema de manipular

esteticamente uma realidade, via-o pela perspectiva privilegiada da montagem. Para

Eisenstein, segundo ANDREW, 1989, é na decolagem21[21] que o cinema deixa de ser um

instrumento mecânico e passa a ser arte. É na linguagem estética da reprodução de obras

consagradas na literatura e outros tipos de arte que o cinema encontra sua finalidade. Sob

esta visão, as primeiras produções de Ficção Científica para o cinema foram baseadas na

literatura e dirigidas sob um olhar formalista de ver o cinema através de seus recursos de

montagem e edição.

Já o paradigma do cinema sonoro, representado, principalmente por André Bazin,

Siegfreud Kracauer, celebra exatamente o oposto do que os teóricos do cinema mudo

reprimem. A especificidade do cinema não reside na capacidade de manipulação da

montagem, mas em seu oposto – o ajustamento plástico da imagem centrado na realidade,

no real e no visível.

20[20] Considerada uma corrente contemporânea foi representada por Jean Mitry, Cristian Metz por meio da semiologia e Amédée Ayfre e Henri Agel com a fenomenologia. 21[21] Decupagem tem origem no francês e quer dizer montagem, recursos de edição.

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Para Fiker, 1985, a Ficção Científica “pode ser efetivamente científica, pode ser

imaginária ou pode ser simplesmente pseudo-ciência, sem que isto tenha muita

importância”. Idéia inconcebível para Kracauer, 1961, que vê no cinema um instrumento

científico criado para explorar alguns níveis ou tipos particulares de realidade. Para ele o

filme ficcional, portanto inclui-se a Ficção Científica, beira à fantasia, ao sonho, ao fictício,

logo, não pode ser considerado uma obra cinemática, mas literatura, entretenimento de

massa; que ao invés de projetar um mundo abstrato ou imaginário, como a fotografia ou a

pintura, utiliza o próprio mundo material. Diferente da visão formativa de produzir cinema,

cuja forma sobrepõe-se ao conteúdo; a técnica serve de artifício para a reprodução de obras

de arte já consagradas. Para Kracauer, 1961, a super-valorização da técnica prende a

atenção para o filme e não para o mundo. Desta forma o cinema não-realista, para ele é

como um instrumento científico utilizado como brinquedo, afirma ANDREW, 1989.

Pelo exposto, percebe-se que um dos principais pontos de observação das correntes que

estudam o cinema é a relação entre o real e o visível; isto é, os representantes do formalismo

defendem que o visível não é real, logo, não representa a realidade. Por outro lado, os realistas

defendem que a realidade sobrevive pela amplavisão, captada, arbitrariamente, pelas lentes

objetivas e, por conseguinte se legitima na sensação temporal e de movimento. Isto significa

dizer que a intenção primeira de registrar fragmentos da realidade faz parte do universo de

todos os cineastas; porém, para os formalistas é possível pensar em realidade ficcional,

fantasiosa e literária sob o uso de qualquer técnica da linguagem fílmica. Já os realistas e neo-

realistas defendem a integridade fenomenológica dos fatos e acreditam, inclusive Bazin, que

o cinema é o “estado estético da matéria”, segundo ANDREW, 1989, por isso é legítimo e

constitui a base para o verdadeiro realismo intocável, respeitado integralmente em sua forma

original.

Há uma estranha relação entre as produções cinematográficas de Ficção Científica e a

idéia de realismo e formalismo nos filmes. Tanto por discutir em seus roteiros fatos e posturas

que fazem parte do universo científico verdadeiramente, como pela total entrega às técnicas

da linguagem fílmica que nos permite viajar em tempo e espaços ficcionais não

necessariamente (ou originalmente) reais. Bazin não era tão radical quanto Kracauer e

defendia que para garantir a sensação de real, mesmo nas obras ficcionais, é aceitável o uso de

recurso de edição para garantir a inocência do cinema.

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Sob a perspectiva formativa do cinema mudo, baseado na montagem e decupagem de

imagens como fragmentos articulados a fim de reproduzir um nova realidade, pode-se

perceber um apelo à música como forma de impactar as imagens para melhor emocionar o

espectador. Essa manipulação na apreensão da mensagem pelo expectador, defendida por

Eisentein é bastante criticada por Metz, 1980, participante da escola semiológica que vê na

linguagem do cinema uma questão de discurso. Bazin e Metz concordam que a articulação de

imagem e som tem o objetivo não de mostrar algo, mas sim, de significar algo para o

expectador. Porém, a manipulação de som e imagem, deliberadamente como forma de

representar uma nova realidade é que origina a crítica à teoria formativa.

O olhar para a Ficção Científica, neste contexto, tem como objetivo observar a relação

entre o visível na tela do cinema e o mundo real científico e seus personagens retratados nos

filmes. A Ficção Científica nas décadas de 70, 80 e 90 faz uso das técnicas de decupagem e

montagem defendidas na teoria formativa, que criam a sensação de movimento e mudança

temporal através de recursos fílmicos de transição, fusão de imagens e criação de cenários

específicos para a construção de mundos não-reais: laboratórios, planetas, máquinas do

tempo, etc.

Por outro lado, há que se discutir um certo realismo na composição dos mundos, dos

roteiros, dos propósitos de pesquisa e na própria composição dos personagens. Existe uma

certa uniformidade no olhar dos cineastas ao longo das décadas de 70 a 90 no que diz respeito

ao cenário científico. A atividade científica é vista como algo perigoso para a Humanidade; os

cientistas, em sua maioria representados pelo gênero masculino, quase sempre tem suas

descobertas saindo de seu controle. Por que há uma uniformidade, também, na forma de olhar

a ciência e a atividade científica por parte dos cineastas? Será que a realidade apresentada faz

parte de um fragmento da realidade reapresentada no cinema numa perspectiva formalista ou

esta é de fato a realidade retratada nos filmes?

A Ficção Científica, tanto na literatura quanto no cinema, vem contribuindo para a

formação de um estereótipo do cientista. Esta caracterização é encontrada em todos os

filmes que utilizam a Ficção Científica como gênero puro ou como “mega-gêneros”

fundidos em diversas obras cuja categorização, na ausência de um método científico para

designar o gênero, é contestável (ALTMAN, 1999).

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Nesse universo do imaginário coletivo percebe-se a influência dos estereótipos na

recepção da mensagem – contexto de suma importância para compreender o papel do

cinema no processo da comunicação. Para tanto, faz-se necessário recorrer à psicologia

para melhor definição dos termos e para uma segura e fidedigna identificação dos

estereótipos nos filmes no próximo capítulo.

1.4. Linguagem e as Relações Sociais do Cinema

“Bastaram quatro gerações de freqüentadores de cinema,

para que a linguagem ficasse gravada em nossa memória

cultural, em nossos reflexos, talvez até em nossos genes”.

Carrière (1995)

Neste amplo cenário cinematográfico destaca-se a Indústria Americana; quase que

exclusivamente representada por Hollywood e rotulada como um produto da visão

econômica e administrativa do “empreendimento”, do “negócio” chamado cinema

(PARAIRE, 1994), com fortíssimo sistema de produção e distribuição mundial,

diferentemente do cinema europeu – considerado arte (CARRIÈRE, 1995). Pode-se dizer

que o número de produções e o sistema de distribuição foram os diferenciais determinantes

para a chamada indústria do cinema norte-americano marcar a história do cinema em todo

o mundo.

O elevado número de produções gera discussões acerca das temáticas e roteiros

padronizados e dos documentários produzidos sob o olhar americano da história. Neste

contexto, proliferaram-se as teorias do cinema e da comunicação, cujo objeto de estudo é

analisado sob as diversas áreas do conhecimento, interdiciplinarmente. Além das questões

políticas e econômicas que sempre permeiam tais análises, inclusive, as representações

sociais e suas várias influências, até mesmo psico-sociais, a linguagem sempre tem um

forte foco de atenção dos pesquisadores, seja por sua representação textual ou contextual,

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além dos aspectos fílmicos que envolvem as técnicas sobre criação, produção, edição, e

também as teorias sobre os efeitos do cinema na recepção da mensagem.

Para Carrièrre, 1995, o cinema inovou na linguagem:

Não surgiu uma linguagem autenticamente nova até que os cineastas começassem a cortar o filme em cenas, até o nascimento da montagem, da edição. Foi aí, na relação invisível de uma cena com a outra, que o cinema realmente gerou uma nova linguagem. No ardor de sua implementação, essa técnica aparentemente simples criou um vocabulário e uma gramática de incrível variedade. Nenhuma outra mídia ostenta uma processo como este. (p. 14)

Não se pode negar que o cinema como meio de comunicação teve avanços

fantásticos ao longo de um século, sendo alvo de análises, também pela sua estreita relação

com os outros meios de comunicação e outras formas de arte. O cinema é o único dos meio

de comunicação, arte e entretenimento que faz uso de tudo que veio antes de sua

existência.

O homem sempre teve necessidade de registrar sua forma de ver o mundo através de um

olhar artístico. A fotografia como imagem estática, os afrescos, a pintura, a escultura e a

literatura foram maneiras encontradas de transmitir certa realidade para um número maior

de pessoas e registrar fatos e fábulas para a posteridade. Cada uma das artes tinha sua

própria forma, conteúdo e linguagem. Porém o desafio de dar idéia de movimento aos

registros, até então estáticos e/ou textuais impressos, fez do cinema um meio

revolucionário na maneira de comunicar. Para Costa, 1987, “o cinema é uma linguagem

com suas regras e suas convenções. É uma linguagem que tem parentesco com a literatura,

possuindo em comum o uso da palavra dos personagens e a finalidade de contar

histórias”(p.27).

Em contrapartida, o desafio do movimento gera a necessidade de algumas adaptações na

maneira de pensar e transmitir por meio do cinema. Não entendê- lo apenas como uma

técnica, mas também, como arte. Ou ainda, como afirma Costa (1987) sobre o cinema “...é

técnica, indústria, arte, espetáculo, divertimento, cultura”. Para os teóricos do cinema é

importante não só a matéria-prima, fonte de inspiração para o processo cinemático (real ou

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fantasiosa), mas também, adequar métodos e técnicas, como processo criativo que dá

forma à matéria-prima. Mas isso não é tudo. O cinema é muito mais complexo e por isso

formas e modelos são fundamentais para definir o tipo de filme e o gênero, e, por

conseguinte, sua linguagem.

Assim como a literatura tem sua própria linguagem, utilizando palavras, frases e

períodos, portanto, expressando-se por meio da sintaxe, no cinema, esta é representada na

relação dos planos, seqüências de imagem que criam uma narrativa, que por sua vez,

explicita a história, fábula e o enredo do filme. Os elementos básicos da linguagem

cinematográfica são: planificação (os diversos planos – geral, de conjunto, americano,

médio, close’up, entre outros); os movimentos de câmera (travelling, panorâmica, na mão,

entre outros) e a angulação; e por fim a montagem que traz uma infinidade de recursos e

elementos componentes também importantes para o filme.

Para linguagem cinematográfica é importante o movimento e com ele a composição de

cenário, a caracterização adequada dos personagens de modo a garantir o reconhecimento e

integração do espectador com a situação retratada. Como o cenário que compõe a

representação de uma época, situação ou localidade específica onde se desenrola a trama.

Quanto à imagem estática ou estratificada, alguns aspectos são fundamentais como o

plano de imagens e sua relação com os diversos tipos de enquadramento ou escalas de

planos.

Nos filmes de ficção observados, as escalas de planos são percebidas em situações

muito peculiares à Ficção Científica. Quanto maior e mais afastado é o enquadramento

(plano geral), maior é a compreensão do universo do cientista no filme tal como a

composição de seu ambiente de trabalho; também possível com o plano de conjunto. Já a

sua relação com os colegas de trabalho e objeto de estudo, ainda numa compreensão

superficial do perfil e personalidade dos personagens é possível com o plano de meio

conjunto. Na medida em que o enquadramento começa a diminuir e se aproximar dos

personagens é permitido ao espectador acompanhar as representações afetivas e de

personalidade dos personagens, como o plano americano (metade do corpo); plano

aproximado que mostra detalhes a serem observados pelo expectador ou grande plano que

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explora as fisionomias dos personagens diante de situações de estrema exposição de

sentimentos. Ou ainda com o grande plano ampliado cuja câmera isola parte do corpo do

personagem ou objeto que se queira focar como uma lágrima caindo, um anel com veneno

etc.

Além dos planos, outros elementos fílmicos compõem a linguagem cinematográfica, a

composição de cenas para o enredo e ritmo do filme; a atenção em aspectos que devem

prender o espectador;o simbolismo entre o cenário e a composição de personagem numa

integração de discurso e imagem; a estética representando aspectos de reconhecimento

artísticos como fotografia, trilha sonora, iluminação e figurino adotados para a composição

fílmica, além das questões de direção e expressão dos atores e figurantes.

Apresenta-se a seguir exemplos dessa linguagem cinematográfica num dos filmes de

Ficção Científica observados, considerado clássico do gênero na década de 70 – A Ilha do

Dr. Moreau:

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plano geral da ilha na qual se

passa a história relatada

plano de conjunto em que se

insere o primeiro personagem na trama

plano de meio conjunto onde se apresentam as relações sociais

dos personagens

plano americano em que denota a relação de trabalho do cientista

plano aproximado em que

denota a relação submissa do objeto de pesquisa em relação ao

cientista

grande plano que explora o

sentimento de superioridade do cientista

Não seria exagero afirmar que a linguagem do cinema não se restringe ao movimento,

ou ao método, técnica, ou ainda à matéria-prima, mas ao conjunto de informações que

compõem o objetivo de valor do filme, isto é, o que ele representa para a linha de criação

adotada; o que representa para o homem criador ou espectador. Sua forma, linguagem,

ritmo, objetivo e conteúdo estabelecem uma relação sócio-cultural e porque não, moral

com a sociedade.

Sobre isso Claudeª, 1982, destaca algumas considerações:

- - A identificação engendra, por si, a imitação, a imitação repetida, um comportamento e uma atitude moral permanente.

- - O cinema destila uma filosofia da vida por meio do seu clima e da incessante repetição.

- - Um mesmo filme pode ser nocivo ou benéfico, segundo o sentido em que se dá a identificação [...]

- - Quanto mais o espectador se sente “próximo dos personagens e comprometido na ação, mais se identifica com os protagonistas; “distante” o mesmo efeito se relaxa. Esta distância pode existir no tempo [...]no espaço[...] no pensamento[...]

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- - A influência moral de um filme depende muito da disposição do espectador: idade, cultura, educação, meio[...]

Neste sentido, se pensarmos nos filmes produzidos nas décadas de 70 a 90 do gênero

Ficção Científica, objetos desta pesquisa, percebe-se esta clara relação do objetivo de valor

em relação à produção do clássico A ilha do Dr. Moreau, produzido na década de 70 e

que discute questões éticas do uso da atividade científica, quando o termo ética ainda não

era discutido com o grande público.

Por isso, ANDREW, 1989, afirma que “se o conteúdo é proeminente no cinema, então

uma análise dos conteúdos cinemáticos deveria ser capaz de estabelecer a essência do

veículo”. Em outras palavras, a essência do cinema não pode ser percebida, apreendida

por meio de uma obra, técnica ou gênero. O sentido do cinema está em sua complexidade

de significados gerados não só em um único filme, mas todos os significados gerados por

todos os filmes juntos, num sistema maior que abrange subsistemas como gêneros, estilos,

escolas, tipos de filmes entre outros aspectos.

Seguindo a idéia de valores resultantes do conjunto de filmes, a capacidade cinemática

das últimas três décadas voltou-se para utilização de imagens estereotipadas do cientista,

retratando-o como obcecado, ambicioso, inconseqüente entre outros conceitos pejorativos.

Compreender o cinema, segundo Costa,1987, é compreender a sua relação com a

história; a história do e no cinema; e ainda o cinema na história, isto é, o cinema como

objeto de estudo; a história retratada nos filmes; o cinema como canal de difusão de

ideologias e suas relações com o contexto sócio-político.

Pensando neste sistema como uma complexa forma de comunicar, seja qual for sua

finalidade: entreter, refletir, discutir, motivar etc; como um canal pelo qual uma série de

valores e informações são despejadas sob o espectador, estamos falando da relação

intrínseca e quase unívoca entre o propósito social do cinema e sua própria linguagem.

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Esta linguagem é a do silêncio do cinema mudo; é a do som do cinema falado,

sincronizado; é a do visível e não-real da escola formalista; é a das relações entre o visível

e o real da escola realista; do visível e enunciável das escolas semiológicas; entre outros

aspectos fílmicos como a escolha de ângulos para designar emoções; tomadas para gerar

contemplações e trazer informação; técnicas de edição para criar situações; enfim, a

linguagem do cinema não é produto dissociável dele em si, mas é intrínseco à sua própria

essência.

Parafraseando, Costa, 1987 :

o cinema é aquilo que se decide que ele seja numa sociedade, num determinado período histórico, num certo estágio de seu desenvolvimento, numa determinada conjuntura político-cultural ou num determinado grupo social (p.29)

Isto porque o cinema é feito pelo homem, totalmente impregnado pelos valores, problemas e necessidades que seu grupo social vivencia. Sobre isto Turner, 1997, diz que o sistema de linguagem de uma cultura, traz consigo um sistema de prioridades e valores específicos do seu mundo social. É assim no cinema. Muitos pesquisadores utilizam o cinema como objeto de estudo e o separam dessa dimensão real histórico-social de onde ele nasce e para a qual retorna através de seus filmes. Não obstante, o que o cinema faz é construir e não rotular a realidade, pois ela está sempre baseada em dados culturais já existentes e/ou análogos à realidade ficcional.

Por isso não seria impróprio afirmar que o cinema faz uso de valores já estabelecidos pela sociedade, seja através da mitologia, dos arquétipos ou mesmo de estereótipos mais recentes ou em mutação, todos formados pela experiência sócio-cultural dos indivíduos.

Para Claudeª, 1982, “cada autor (cineasta) se serve, à sua maneira da linguagem cinematográfica para animar e comunicar seu pensamento e a visão do mundo que lhe é própria”. E ainda, "independente de qualquer perspectiva estética, o ator constitui uma realidade sociológica”. Por isso apreciar ou mesmo analisar um filme através de sua linguagem cinematográfica, é o mesmo que apreciar a importância humana e social da obra, pois o espectador e o próprio cineasta são capazes de reconhecer e associar o perfil arrogante, obsessivo e superior do personagem à uma referência social viva e marcante na história de seu país ou civilização.

Não obstante a relação social do cinema com sua própria linguagem, existe também sua relação com a cultura. Há, segundo Turner, 1997, duas amplas categorias de abordagem da relação entre cinema e a cultura:- “textual e contextual”. A segunda que interessa a esta pesquisa, analisa os determinantes culturais e sociais da indústria cinematográfica, estabelecendo valores sociais e gerando e/ou fixando estereótipos.

Mas como perceber as relações de linguagem e matéria-prima (inspiração dos filmes)? “É na conotação que encontramos a dimensão social da linguagem” (TURNER, 1997), pois é interpretado de acordo com a experiência cultural do usuário, no caso do cinema, o espectador. Neste momento, o domínio da técnica é fundamental. As contribuições do mise-en-scène22[22] trazem ao filme a sensação do real que tanto se busca no cinema. Para

22[22]Termo utilizado para descrever a teoria sobre a gramática do cinema, um estilo de filmagem e produção e até mesmo para designar tudo que está num determinado quadro cênico, numa tomada, atrelado a outros aspectos da

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Tudor, 1973, “a intensidade de som e imagem, o conforto do espectador e um realçado senso de oportunidade tornam o espectador mais suscetível ao poder da mensagem” (p.111).

Partindo das relações entre linguagem e conteúdo no cinema, torna-se praticamente impossível separar o papel social do cinema e suas relações com linguagem. O universo fílmico traz à tona um mundo insólito, segundo Claudeb(1982) no qual o espectador cria um encantamento pela situação gerada na tela do cinema. Neste momento a linguagem é percebida na agilidade da tela, nos quadros e ângulos, nas fusões de imagens e até mesmo no silêncio e pausas. São estes recursos de linguagem que geram o que Jean Claude Carrière (1995) chama de gênero de memória. Isto é, no filme o espectador reconhece, através da linguagem do cinema, todo o tipo de expressão por ele já vivenciada e exposta no filme. Isso pode acontecer com mais intensidade para alguns do que para outros. “o cinema nos é tão familiar pela facilidade e naturalidade com que se desenvolve a visão fílmica” (COSTA, 1987).

O principal produto do cinema é o filme e este pode ser entendido e analisado sob diversas formas – dentre elas a da linguagem em seus diversos aspectos: discursivo; da significação; dos elementos fílmicos. Sob o olhar amplo da linguagem, o filme é dotado de uma capacidade significante e de um caráter fotoreprodutor poético que permite ao seu criador reproduzir dada realidade sob um olhar individualizado e ao mesmo tempo inserido em um contexto imaginário coletivo.

Este contexto pode ser percebido pelo que, na teoria do cinema se denomina visibilidade total, Bazin, defende que o espectador capta exposto muito além do que o cineasta quis passar. A ampla visão retrata fragmentos da realidade reconstruídos de forma poética e interpretados pelo olhar do espectador. Estes aspectos da linguagem foram melhor discutidos na apresentação das teorias do cinema no item anterior.

Desta forma, o espectador passa a ser peça fundamental dessa engrenagem denominada linguagem do cinema. Sobre isto, Costa, 1987, ressalta que:

O cinema pode ser visto como um dispositivo de representações, com seus mecanismos e sua organização dos espaços e dos papéis [...] mas também com suas características peculiares devidas à dinâmica de produção da imagem [...] e no sentido de determinar papéis.

Os papéis a que se refere Costa não podem ser considerados apenas os dos personagens, mas do imaginário coletivo que se constrói e se representa a cada filme, seja pela duração, ou pela capacidade de penetração e complexidade de relações com os outros setores da produção de imaginário.

Em contrapartida, Andrew Tudor(1975), sociólogo inglês , da Universidade de Nova York, defende a idéia de que os estudos sociológicos sobre o cinema surgiram do fato de o meio não ser considerado forma de arte, por isso não poderia fazer o bem à sociedade. Porém, ressalta que a função do cinema como arte cinematográfica deveria ser comunicar o dinamismo de seu mundo sem ter que carregar a incumbência de provar sua capacidade artística. Por outro lado, ao mostrar seu mundo o cinema passa a ser observado também por sua função e efeitos sociais. Tudo não acredita na possibilidade de tal análise à medida que infinitas variáveis sociais interferem neste olhar.

Ele acrescenta ainda, que o meio de comunicação é um pêndulo que oscila entre o conteúdo exposto pelo comunicador e conteúdo percebido pelo receptor. A oscilação se dá

imagem: a montagem do cenário, o figurino, o arranjo e o movimento das personagens, as relações espaciais e a colocação de objetos que se tornam imp ortantes na narrativa.

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por variáveis inerentes ao comunicador e ao receptor, tendo a linguagem do meio, um papel fundamental na compreensão da mensagem. Esta por sua vez não pode ser desvinculada do conteúdo. Para Tudor, uma visão social do cinema não escapa à relação existente entre cultura e estrutura, social e cinematográfica, identificando o que é permitido e possível fazer no cinema.

A linguagem cinematográfica possui recursos que efetivam a relação entre filmes e imaginário social. Pode-se ainda, ressaltar a existência de uma cumplicidade entre elementos dos filmes – categorias, conceitos, valores, expectativas, comportamentos – e os do imaginário coletivo. Isto é, o cinema, segundo Claudeª, 1982, constitui uma verdadeira escola em que , semanalmente, é destilada uma concepção filosófica da vida, uma visão do mundo. E sobre isso Claude completa sobre a “presença fílmica” que compõe uma mescla de passividade e atividade diante de uma nova realidade a fantasiosa.

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CAPÍTULO II

Estereótipos Sociais, Ciência e Ficção

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2. Estereótipos Sociais, Ciência e Ficção

“A imagem que a população tem do cientista de hoje pode estar conduzindo os jovens de maior talento e espírito criativo para carreiras artísticas em detrimento de carreiras científicas, com enorme prejuízo para as últimas.”

Leopoldo de Méis (1998)

2.1. A prática da Estereotipização e os Estereótipos no Cinema

Coincidentemente, o uso do termo estereótipo tem o mesmo tempo de vida do cinema

– pouco mais de cem anos. Sobre sua concepção, existem muitas definições. Talvez tanto

quanto o número de autores que estudam o assunto.

No sentido etimológico a palavra estereótipo tem origem no grego: stereos e túpos

que significam, respectivamente, rígido e traço. Percebe-se desde sua origem a relação com

a padronização de um conceito, de uma imagem, de uma teoria sobre objetos, pessoas,

histórias, grupos sociais ou mesmo categorias profissionais, como no caso dos cientistas

analisados em filmes de Ficção Científica, neste trabalho.

Historicamente, há dois registros no uso do termo, segundo Pereira (2002) - um na

Psiquiatria para designar atitudes e comportamentos derivados de alguns tipos de

demência. E outro, o uso popular e mais próximo das Ciências Sociais, que busca nos

moldes tipográficos uma identificação com a idéia de “mesma impressão” sobre as coisas,

de forma mecânica, automática. Por isso, a primeira definição que chegou às Ciências

Sociais, segundo Pereira, foi “a imagem generalizada que se possui de um grupo ou dos

indivíduos de um grupo” Desta forma, inicialmente, os estereótipos eram entendidos como

um conjunto de adjetivos designados a determinados grupos sociais como forma de

caracterizá- los, traçando um perfil ou mesmo rotulando-os. Sob este ponto de vista, até

hoje os cientistas carregam rótulos como o de não tornar o conhecimento científico em

algo útil e benéfico para a humanidade; que suas atividades são misteriosas e inacessíveis

pelos “mortais não-cientistas”, entre outros.

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Cientificamente, a primeira contribuição ao estudo dos estereótipos é a de Lippman

(1922) com a tese de que as pessoas carregam imagens, como as fotográficas, num processo

mental, por isso os estereótipos são concebidos pela associação entre o acúmulo de registros

ao longo de sua vivência e as impressões sensoriais imediatas. Esta definição foi utilizada por

mais de uma década e deixou suas marcas até os dias de hoje. Porém a metodologia adotada

para os estudos de estereótipos sob a concepção de Lippman não leva a conclusões sobre sua

formação, mas sim de opiniões sociais compartilhadas.

Uma definição mais recente acerca dos estereótipos defende a idéia da criação de

crenças sobre atributos típicos de um grupo, que contêm informações não apenas sobre estes

atributos, como também sobre o grau com que tais atributos são compartilhados e sobre isso

Pereira, 2002, explica:

desta forma, os estereótipos não devem ser necessariamente definidos como exageros na concepção sobre o que um grupo é (embora eles tipicamente sejam), nem como generalizações sobre a prevalência dos atributos estereotipados nos membros do grupo alvo (embora eles também tipicamente sejam) e nem precisam ser amplamente compartilhados (embora eles, uma vez mais, tipicamente sejam) (p.45).

Essa é uma teoria que enfatiza a produção individual de imagens e atributos que

podem ou não ser compartilhadas por um número maior de pessoas.

Durante décadas o interesse dos pesquisadores foi o de identificar o conteúdo dos

estereótipos e como eles são concebidos, até que nos anos 80, o interesse volta-se para os

processos pelos quais os estereótipos influenciam a percepção social. Percepção esta que se

torna um círculo vicioso à medida que as pessoas fazem uso de memórias sócio-culturais

como base para a sua própria formação de juízos de valor, entre os quais se destacam os

meios de comunicação de massa.

Estereotipar é uma função humana natural, segundo o departamento de psicologia da

USP (Universidade de São Paulo), e como tal, segundo Schaff, 1995, “não é uma categoria

correspondente ao meio lógico do pensamento, e sim ao pragmatismo, uma categoria que vem

referida, em resumo, à atividade humana, à praxis [...] como uma forma econômica de agilizar

a percepção” (p.72 e 73). Talvez forma pela qual os cineastas façam uso de clichês e

estereótipos já estabelecidos socialmente como a do cientista.

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Denise Siqueira, 1999, ao estudar a exposição do conceito de ciência e cientista nos

meios de comunicação, ressalta a participação do cientista no filme De volta para o futuro

como a incorporação do estereótipo do cientista maluco, através da caracterização física e de

comportamento do personagem - “seus cabelos estão sempre despenteados, as roupas em

desalinho e suas respostas aos problemas são geniais e inusitadas [...] na presença do ator, a

representação do cientista como alienado da vida cotidiana. Denise ainda recorre a Giddens,

1991, para justificar a associação dos estereótipos do cientista e de ciência:

As atitudes leigas em relação à ciência e ao conhecimento técnico são em geral tipicamente ambivalentes. Trata-se de uma ambivalência que reside no âmago de todas as relações de confiança, seja em sistemas abstratos, seja em indivíduos. Pois só existe confiança onde há ignorância – ou das reivindicações de conhecimento de peritos técnicos ou dos pensamentos e intenções de pessoas com as quais se conta. A ignorância, entretanto, sempre fornece terreno para o ceticismo ou pelo menos cautela. As representações populares da perícia técnica e científica mesclam geralmente respeito com atitudes de hostilidade e medo, como nos estereótipos do técnico sem senso de humor com pouco conhecimento das pessoas comuns, ou do cientista louco. Profissões cuja reivindicação a um conhecimento especializado é vista sobretudo como um círculo fechado, tendo uma terminologia aparentemente inventada para obstruir o leigo – como ocorre com o advogado ou sociólogos – tendem a ser vistas com uma visão particularmente deformada (p.93).

Sob esta linha sócio -cultural dos estudos sobre os estereótipos, Hamilton e Troiler, 1986, associam as expectativas, crenças e rol de conhecimentos que um percebedor pode t er em relação a outros grupos sociais ou a objetos. Iniciam-se então, as diferenciações entre a construção do estereótipo e o processo de estereotipização. Leyens, Yzerbtyt e Schadron consideram os estereótipos um conjunto de crenças compartilhadas sobre os atributos pessoais, especialmente traços de personalidade, como também sobre o comportamento de grupos de pessoas, enquanto que o processo de estereotipização dá-se em função do julgamento estereotipado a um indivíduo de forma a apresentá-lo como forma comum ou intercambiável com outros membros do mesmo grupo.

Com isso, pode se associar o processo pelo qual o cientista é caracterizado nas obras de

Ficção Científica e como essa caracterização pode ser absorvida pelo público, dependendo do

grau de expectativas e conhecimentos prévios que ele já carregue socialmente em diferentes

países onde se veiculem o filme.

Na década de 90, Nesdale e Durkin, 1998, avançam no sentido do compartilhamento

sócio-cultural do percebedor de esterótipo , como um produto inevitável da forma cognitiva

de simplificar, ordenar e organizar a sua percepção das inúmeras informações disponíveis no

ambiente social.

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Se este compartilhamento social de impressões semelhantes sobre um mesmo grupo

social alavanca o processo de estereotipização de pessoas e categorias profissionais, logo a

similaridade, segundo Medin e Shoben, 1988, deve ser entendida como uma conseqüência e

não como uma forma de categorização utilizada nos métodos tradicionais de identificação de

estereótipos. Isto é, duas coisas podem ser consideradas similares se o percebedor possui boa

teoria que justifique vê- las dentro de mesma categoria, como por exemplo, a similaridade,

representada por Pereira, 2002, entre as cores branca e cinza de cabelos e o distanciamento

entre cinza e o preto, ao contrário do que acontece no sentido meteorológico. Nuvens negras e

cinzas são mais similares do que nuvens cinzas e brancas. Esta concepção encaminha os

estudos para as teorias clássicas e contemporâneas, tal como a essencialista23[23], cujo

percebedor identifica similaridades num plano mais profundo. Todas as pessoas ou coisas são

como são em sua essência.

Pode-se dizer que neste trabalho, é adotada uma visão mais contemporânea da

psicologia social, na qual os estereótipos são compartilhados amplamente no interior de um

grupo social enquanto o processo de estereotipização é um processo individual através do qual

o percebedor se insere em diferentes contextos – situações de conflito grupais; diferença no

poder e papéis sociais; justificar status quo; ou justificar sua própria identidade social.

São fatores significativos no processo de estereotipização ou categorização dos

estereótipos a sua natureza consensual (conhecimento compartilhado); os elementos de

homogeneidade (traços de similaridade) e distintividade (traços que diferenciam); e os

elementos descritivos e avaliativos (atributos positivos e negativos). Este processo mental de

organização das informações compartilhadas socialmente podem gerar manifestações de

comportamento sociais relevantes no estudo deste assunto. Destaca-se a visão de (PEREIRA,

2002) dos influenciadores deste processo de estereotipização:

23[23] A visão essencialística impõe uma nova concepção a respeito do processo de categorização social. Um dos elementos mais importantes para os estereótipos que decorrem da adoção da perspectiva essencialista envolve o entendimento que os percebedores sustentam que os membros de uma dada categoria não podem deixar de ser membros da mesma (suburbanos, nunca se tornam pessoas de classe; negros não se tornam brancos; estúpidos não se tornam inteligentes; mineiros não se tornam gaúchos), ficando outras categorizações do alvo praticamente impossibilitadas (PEREIRA, 2002, p.48).

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Em relação ao modo pelo qual os estereótipos são apreendidos, transmitidos e modificados, a suposição básica aceita por esta perspectiva é de que, um plano mais interindividual, as crenças compartilhadas são transmitidas e reforçadas pela intervenção dos pais, amigos e professores, numa perspectiva mais ampla eles seriam difundidos pelos meios de comunicação de massa. Assim, na medida em que nas sociedades modernas os estereótipos, juntos com os demais conteúdos informacionais, avaliativos e valorativos são transmitidos através dos meios de comunicação de massas, podemos imaginar que eles atingem milhões ou mesmo bilhões de pessoas, levando a constituição lenta e inexorável do que poderia ser denominado repertório coletivo dos estereótipos (p.53).

E esse repertório coletivo a que Pereira se refere pode ser percebido na teoria da

comunicação como imaginário coletivo – e que Jung (apud SILVEIRA, 1981) identifica como

inconsciente coletivo, cada qual com suas peculiaridades sobre as formas de concepção e

absorção dos conhecimentos que compõem esse imaginário melhor detalhado adiante.

O processo de interiorização das informações, pelos percebedores, dentre outras, nos

meios de comunicação de massa denomina-se construção do imaginário coletivo. Este,

segundo Tudor, 1975, é um pêndulo que oscila entre o conteúdo exposto pelo comunicador

e o apreendido pelo receptor, considerando todas as variáveis sócio-culturais, de

personalidade e orgânicas do comunicador e do receptor.

Nesse universo do imaginário coletivo percebe-se a influência dos estereótipos na

recepção da mensagem – contexto de suma importância para compreender o papel do

cinema no processo da comunicação. Como já foi dito, estereotipar é uma função natural

da mente do homem, desta forma é moralmente neutro para ele, mas uma cultura pode

endossar moralmente alguns estereótipos. Segundo o departamento de psicologia da USP,

embora os estereótipos sejam convenções úteis em estórias (como as do cinema?) não significa que podemos ignorá-los como exemplos de convicções culturais significantes e de valores.

Portanto, pode-se dizer que:

estereótipos criados em mundos imaginários, são freqüentemente valiosos indicadores de atitudes [...] convicções muito reais e valores mantidos bastante profunda e sinceramente pela audiência, não somente pelo autor .

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Desta forma, estereótipos, de maneira geral, são como “imagens compartilhadas por

aqueles que mantém um conjunto de memórias culturais em comum”24[24] ; a grosso modo,

o que Jung denominaria inconsciente coletivo - um substrato comum ou coletivo da

psique, isto é, uma “herança total latente” de conceitos, semelhante ao que ocorre com a

herança da anatomia humana. Permeiam ainda, essa “memória” todos os padrões, modelos,

exemplos vivenciados pelas civilizações denominados arquétipos. Isto é, os arquétipos são

modelos conceituais e os estereótipos a possível forma, imagem ou representação deste

conceito.

Sobre o inconsciente coletivo, Jung, segundo Silveira (1981), o define como um

patrimônio coletivo da humanidade e que não varia de pessoa para pessoa, nem tão pouco

pertence a alguém. Dentre os componentes desse imaginário coletivo estão as estruturas

intrapsíquicas e interpsíquicas, denominadas arquétipos. Os arquétipos, segundo Jung, servem

para organizar psicologicamente o sem número de informações que compõem esse imaginário

coletivo a fim de canalizá- lo numa forma representativa, numa mitologia, numa simbologia,

numa imagem não apenas sígnica, mas carregada de valores afetivos. Esta imagem é mais

reconhecida afetivamente do que visualmente. Isto é, os arquétipos existem antes de seu

próprio conteúdo. As figuras, lendas, mitologias mais ou menos semelhantes em diversas

culturas são arquétipos. O exemplo de arquétipos do cientista está calcado nas primeiras

referências sociais do alquimista e dessa figura social nas obras literárias. O arquétipo

positivo do cientista está voltado para as descobertas, as curas, as aventuras que ligam a

atividade científica ao conceito de bem, fantástico e misterioso. Já o arquétipo negativo está

voltado para as representações de domínio, poder e ambição. Estes arquétipos podem dar

origem a fantasias individuais tanto quanto à mitologias de um povo, cultura ou grupo social.

Ligando-se a teoria Junguiana dos arquétipos ao processo de identificação e influência

socioculturais dos estereótipos, não seria impróprio afirmar que, enquanto os arquétipos

apresentam uma espécie de forma para conteúdos de valor psíquicos representativos, sejam

individuais ou sociais, os estereótipos são a própria associação daqueles arquétipos a símbolos

materiais, imagens já reconhecidas através da vivência do indivíduo. Se o arquétipo de

cientista está voltado para o encantamento não-real da alquimia, os estereótipos que envolvem 24[24] Definição divulgada pelo Departamento de Psicologia da USP.

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o cientista, maluco por exemplo, deixa de ser alguém (uma figura qualquer) de capa, com

vidrarias em meio a substâncias e fumaça e passa ser (materializa-se, por exemplo, no) Dr.

Brown, protagonista do filme De Volta para o Futuro.

Desta forma, o inconsciente coletivo apresenta uma herança psíquica comum à

Humanidade, repleta de formas (arquétipos) que podem não apresentar uma imagem

materializada e bem definida, mas apenas um conceito. Um exemplo disso, são as lendas que

definem um perfil, características de comportamento e relações de valor dos personagens, mas

no entanto, não têm imagens definidas. Fazem parte do imaginário (inconsciente) coletivo e

não estão presos a nenhuma materialização deste valor. Já os estereótipos definem essa

materialização, à medida em que associam essa herança não significante a símbolos sócio-

culturais reconhecíveis.

Segundo Méis (1998) uma importante pesquisa foi desenvolvida em oito países com

diferentes graus de desenvolvimento, e culturas distintas. São eles: Brasil, EUA, França,

Itália, México, Chile, Índia e Nigéria. Os resultados são surpreendentes, pois apesar da

diversidade cultural e nível de desenvolvimento dos países, a imagem que as crianças,

professores e cientistas têm do que seja ciência e atividades científicas são quase idênticas e

estereotipadas. O cientista é do sexo masculino, trabalha com vidraria, equipamentos e faz

experimentos, além do que se apresenta subliminarmente nos desenhos produzidos (cientista

maluco, perverso, etc).

Sagan (1996) relatou resultados de uma pesquisa sobre o perfil de estudantes de ciência,

descrevendo-os como pessoas que usam óculos; cabelos esvoaçados ou extremamente

esticados com gel; calças curtas; camisas brancas com suporte para canetas, lapiseiras e

calculadora; usam aparelhos nos dentes e têm olhos grandes.

Além dessas descrições, Tudor (1989), sociólogo inglês, analisou o conteúdo dos

filmes de terror , durante um século. Conseguiu identificar o cientista, nos anos 30 como uma

mistura de clínico e pesquisador cercado por uma parafernália de substâncias e equipamentos

bizarros. Já entre as décadas de 50 a 70 a ciência é retratada como uma fonte de ameaça à

humanidade com as bombas atômicas, um contexto de espionagem, forças armadas, lucro e

poder. A partir de 80 a genética e clonagem invadem os roteiros com o perigo do fanatismo

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político. E nos anos 90, a engenharia genética permeia o universo da ciência ficcional,

enfatizando as maravilhosas conquistas e omitindo a reflexão sobre as conseqüências.

Embora, o objetivo desta pesquisa não seja o estudo da recepção das mensagens do

cinema, percebe-se nos relatos de pesquisas acima, uma uniformidade nos estereótipos do

cientista – o que também pode ser percebido nos estereótipos apresentados no cinema

norte-americano.

Feitas as descrições e resgatando o processo de construção do imaginário coletivo, e

em meio a tantas referências dessa natureza apresentadas pelos meios de comunicação de

massa, em especial o cinema e, considerando o contexto de arquétipos e estereótipos já

apresentados, pode-se destacar as “questões de gênero de memória” abordadas por Jean

Claude de Carrière, 1995, “todo tipo de expressão [...] vive de memórias reconhecidas ou

não reconhecidas, uma fonte de conhecimentos, pública ou privada, que brilha com maior

intensidade para uns e com menor para outros; o que para Tudor, 1975, representa os

atributos variáveis inerentes à linguagem do cinema. A agilidade na tela, o espectador

estático e aberto a novos conceitos em meio ao fascínio e encantamento do momento

isolado de qualquer interferência.

Não seria impróprio afirmar que tais questões de memória poderiam se aplicar à

própria linguagem do cinema sejam sob o ponto de vista de Carrière ou de Jung; isto é, a

rapidez com que o público tem registrado a linguagem audiovisual e suas peculiaridades,

desde os primórdios da técnica de projeção da “lanterna mágica”, passando pelo cinema

mudo e sonorizado, até as atuais super-produções com efeitos “high tech”.

A Ficção Científica, em especial os filmes americanos, utiliza esta linguagem para

caracterizar por meio da ficção a relação homem-ciência. Segundo Morais (1978):

[...] até hoje, quando a divulgação científica vai atingido seu auge, é comum em filmes cinematográficos, os cientistas serem apresentados como vultos milagrosos, abnegados ou diabólicos apóstolos que vivem trancados numa sala esquisita, onde sons desconhecidos se misturam ao pisca-pisca de luzes várias dos painéis indecifráveis ( p.22)

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As referências de cientista e ciência nos filmes norte-americanos caminham lado-a-

lado, pois a imagem do cientista sempre está atrelada à atividade desenvolvida pelos

personagens e, por conseguinte, à imagem de ciência. O universo da Ficção Científica

americana, nos anos 70 a 90, representa o cientista como o criador, sinônimo de poder que

dá vida a seres ou a invenções sem utilidade e relevância e que sempre perdem o controle

sobre suas descobertas, sejam elas quais forem.

Discutir a criação ou retratação dessa imagem do cientista no cinema é uma atividade

complexa. Não se trata de condenar ou absolver o meio, mas sim de buscar referências

para origem do uso de tal imagem. Se a literatura, como fonte inspiradora do cinema, já

apresentava tais personagens no século XVIII, pode-se dizer que a transposição para o

cinema deu-se de forma natural ou quase automática. Fiker, em 1985, fez referência à obra

de Jonathan Swift, Viagens de Gulliver25[25], como a primeira descrição de um cientista.

Em 1726, Swift apresenta o cientista como:

[...] O primeiro homem que encontrei era magro, tinha o rosto e as mãos fuliginosas, cabelos e barbas compridos, e andava roto e sapecado em várias partes. As roupas, a camisa e a pele eram todos da mesma cor. Havia oito anos que estudava um projeto para extrair raios de sol dos pepinos, metidos em redomas hermeticamente seladas, e esquecidas ao ar nos verões crus e inclementes [...]

Esta descrição do cientista tal como se apresenta revela características de uma

pesquisa complexa cuja duração é longa; a verificação dos dados ecúlea e a fidedignidade

científica duvidosa – o que denota uma imagem estereotipada e pejorativa do cientista e da

atividade científica.

25[25] SWIFT, J. Viagens de Gulliver. São Paulo: Abril, 1971, p.167.

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2.2. A crítica à Ficção Científica no Cinema sob o Olhar da Teoria Comunicação

“[...] toda obra de arte contemporânea –seja da alta cultura e do modernismo, ou da cultura de massa e comercial – contém como impulso subjacente, embora na forma inconsciente amiúde distorcida e recalcada, nosso imaginário mais profundo sobre a natureza da vida social, tanto no modo como a vivemos agora como naquele que – sentimos em nosso íntimo – deveria ser.”

Fredric Jamenson (1995)

Antes de uma abordagem sobre as influências cinemáticas, faz-se necessário destacar

que, em um século de produções, o cinema fez uso de diversas representações sociais,

dentre as quais a imagem do cientista; relatada em várias pesquisas como: maluco (MEIS,

1998); uma mistura de gênio e maluco que vive no mundo da lua (MARTINS, 1996) cuja

atividade científica é, geralmente, “fonte de ameaça à humanidade” (TUDOR, 1989); com

instrumentos bizarros (BARCA, 2003); e segundo Orsi, 2002, utilizando com mais

freqüência “máquinas perigosas” do que “maravilhosas”.

Desde os contos de Georges Mièles, cineasta francês, responsável pela primeira

filmagem e sobre ciência, até as produções de Steven Spilberg, a imagem do cientista tem

sido retratada pelo cinema em seus diversos gêneros e formas, por isso as correntes

teóricas do cinema e da comunicação, citadas a seguir, são fundamentais para análise desse

processo de divulgação e entretenimento e, principalmente, do conteúdo fílmico

apresentado.

Diferente de todas as outras formas de arte anteriores ao seu surgimento, o cinema

carrega consigo a grande estrutura de produção, técnicas e práticas específicas que exigem

altos investimentos para sua realização. Tal situação proporcionou ao cinema a condição

paradoxal grandiosa e imponente do meio, como também, pequena diante das críticas que

sofre quanto à sua função e possíveis influências sobre o público. Esta posição paradoxal é

discutida sob o olhar das teorias da comunicação críticas do cinema, destacando-se a

Escola de Frankfurt - teoria crítica e a Corrente Culturalista.

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O papel do cinema foi extremamente discutido pelos frankfurtianos Theodor Adorno

e Walter Benjamin. Adorno, defende o termo indústria cultural e tem como um dos focos o

cinema, cuja principal função é estabelecer o status quo e não apenas entreter como

pressupõe a grande massa. Benjamim, estuda e critica a reprodutibilidade técnica das obras

de arte em diversos meios de entretenimento, incluindo reproduções para o cinema e teatro.

É ponto marcante dessa corrente a crítica ao cinema, principalmente sobre suas funções

como meio de comunicação de massa, seu poder como veículo empresarial e, sobretudo

por suas influências na formação de opinião e valores coletivos (HOHFELDT, 2001).

Já a corrente dos estudos culturais entende a cultura como uma rede vivida de

práticas e relações que constituam a vida cotidiana de uma sociedade, através da qual é

possível reconstruir o comportamento padronizado e as idéias compartilhadas em grupo

que produzem e consomem as práticas culturais (HOHFELDT, 2001). Enfatiza a produção

ativa da sociedade diante de tais valores, ao contrário da passividade sugerida pelos

frankfurtianos.

Enquanto Adorno, 1990, afirma que a cultura marca tudo com traço de semelhança e

atribui este papel também ao cinema, como forma de reforçar e validar o sistema de

valores da sociedade, Jamenson, 1995, defende que não há manipulação ou influência que

resista se não houver um “grão genuíno” de conteúdo na mensagem exposta como

também propõe Benjamin (apud HOHFELDT, 2001), com a idéia de que o cinema reflete

valores da realidade, isto é, busca no cotidiano vivenciado referências para o que é

apresentado na tela do cinema e, desta forma, reforça conceitos já estabelecidos, no entanto

sua função, de qualquer forma é inconcebível, porque liquida com o valor tradicional do

patrimônio da cultura..

De um lado, o cineasta é exposto a uma série de valores morais e culturais como

qualquer cidadão, também pode incluir ao roteiro conceitos e estereótipos arraigados em

sua própria cultura e formação pessoal. Fato indiscutível pelos estudiosos como Betton,

1987, que acredita:

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“[...] o que aparece na tela não é realidade suprema [...] é um

simples aspecto relativo e transitório da realidade estética que

resulta da visão eminentemente subjetiva e pessoal do realizador

[...]” (p.9)

Pode-se dizer, a partir dos dados desta pesquisa que, se o universo de inspiração

para o roteirista de ficção científica não tem uma exata noção do conceito ciência e das

atividades científicas, conforme se apresentam na amostra, essa mesma concepção pode

ser exposta ao público. Não apenas como recurso artístico, mas também como forma de

especulação característica do gênero. No entanto, como o cinema expõe e as possíveis

formas de absorção desta mensagem e estereótipos é no que divergem frankfurtianos e

culturalista.

Se por um lado, Adorno tem razões para associar a função do cinema aos interesses

mercadológicos da indústria cultural26[26], com isso estabelecendo uma conexão de poder e

dominação de ideologias entre o meio e os que o controla, o que ele denomina obras por

encomenda. Por outro lado, perde a medida quando atribui pura e exclusivamente ao

cinema o poder na formação de conceitos e impõem total passividade do público diante da

mensagem exposta. Sobre isso Nogueira, 1998, entende que a mensagem do cinema é uma

forma autoritária de comunicação, pois com ela “surgem inevitavelmente modelos

narrativos estereotipados, uniformizações éticas das mensagens e estéticas das formas

capazes de satisfazer os desejos criados no e pelo público consumidor”, porém mais

totalitária, segundo ele, a forma com que Adorno caracteriza como má-fé toda e qualquer

forma de narrativa. Deve-se acrescentar a isso, o fato de que estas podem suportadas por

arquétipos já consolidados socialmente e cuja conversão podem ou não acontecer no

momento de caracterização pelo cinema, conforme já discutido no capítulo II.

Sobre isso Jamenson, 1995, contribui:

26[26] Sobre tal indústria, Edgar Morin, 1977, a denomina como cultura de massa e aponta: “a cultura de massa certamente nasceu dos meios de comunicação de massas, mas para desenvolver uma indústria capitalista e expandir a cultura burguesa moderna. A cultura de massa hoje se estende para fora do estilo campo dos meios de comunicação de massa e envolve o vasto universo do consumo e dos lazeres, da mesma forma como alimenta o microuniverso do lar[...] (p.113). Habermas (apud Hohfeldt, 2001), acrescenta que “a cultura de massa recebe este duvidoso nome exatamente por conformar-se às necessidades de distração e diversão de grupos de consumidores com um nível de formação relativamente baixo” (p.138)

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Tanto o modernismo como a cultura de massa mantém relações de repressão com as angústias e preocupações sociais, esperanças sociais, esperanças e pontos cegos, antinomias ideológicas e imaginários de desastres fundamentais, que são sua matéria-prima; a diferença é que onde o modernismo tende a manusear esse material produzindo estruturas compensatórias de vários tipos, a cultura de massa os recalca por meio da construção de narrativa de resoluções imaginárias e de projeção de ilusão ótica de harmonia social (p.26)

O recalque pode ser encarado como uma forma de negar a própria realidade, quando

dura demais ou inatingível como a cultura científica tal como se anuncia na mídia, por isso,

uma resolução para o cientista incompreendido intelectualmente, possa ser a compreensão

de um cientista irreverente, “amalucado”, que erra como todo mortal e que, no entanto,

nem sempre se arrepende. Ou ainda aquele que, diferentemente de qualquer cidadão

comum, detém o poder sobre as radias da humanidade.

Ainda sobre as possíveis relações entre cinema e sistema de valores, os estudos

culturais, representados por Willian e Thompson apontam para absorção crítica das

mensagens, pois não acreditam no consumo passivo de valores culturais através dos meios

de comunicação de massa. O que os une, segundo Hohfeldet, 2001, “é uma abordagem

que insiste em afirmar que através da análise da cultura de uma sociedade – as formas

textuais e as práticas documentadas de uma cultura – é possível reconstituir o

comportamento padronizado e as constelações de idéias compartilhadas pelos homens e

mulheres que produzem e consomem os textos e as práticas culturais daquela sociedade. É

uma perspectiva que enfatiza a ‘atividade humana’, a produção ativa da cultura[...]”

(p.155).

A relação entre ficção e realidade seja pela especulação artística ou pelo simples

prolongamento do que o público já conhece, talvez seja o ponto mais discutível das

críticas ao cinema a medida em que a confusão entre o que se vê nas telas do cinema e em

outros meios de comunicação, também possa ser vista na vida cotidiana. Não a ciência

como ferramenta de desenvolvimento, diga-se, com espaço restrito e pouco privilegiada

pela mídia, e quando encontra espaço, seja pelo discurso jornalístico facilitador ou mesmo

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pelos recursos audiovisuais espetaculares utilizados, acaba por indiferenciar-se da

pseudociência. Essa sim, bastante perigosa - para leigos ou para os não muito próximos dos

procedimentos científicos – é divulgada na mídia e referenciada nos filmes.

Não se trata de condenar as formas de comunicar do cinema (como arte,

documentário ou Ficção Científica), mas de levantar mecanismos que desvendem os

caminhos pelos quais o cinema engendra seus valores, bem como refletir sobre em quais

fontes possa beber o que expõe ao público. Certamente, um dos caminhos passa pelo

mercantilismo da indústria cultural defendida por Adorno, passa pela descaracterização da

aura que Benjamin defende na obra como arte e, por fim, passa também pelos reflexos aos

quais Jamenson atribui os valores vivenciados cotidianamente e expostos no cinema e em

várias formas de cultura.

E quanto às fontes, estas são as ideologias que Adorno determina como dominantes e

que prefiro dizer uma das inúmeras formas de pensar politicamente no papel do meio

cinema; tem também como fonte as escolas estéticas que reconhecidamente ocupam lugar

na história da arte, como propõem Benjamin e Jamenson e por fim, há que se destacar:

todas as formas citadas acima, sem exceção, bebem, mesmo que instintivamente, na

mesma fonte arraigada nos arquétipos consagrados pelo inconsciente coletivo em forma de

estereótipos. Se estas imagens sociais são de fato preconceituosas, pejorativas ou fazem

parte da realidade, é uma outra discussão.

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CAPÍTULO III

O Cientista na Ficção Científica

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3. O Cientista na Ficção Científica

A História da ciência, segundo Santos, 1999, registra seu nascimento nos mitos,

passando pelo senso comum e racionalidade do século VI, onde “o conhecimento mais seguro

deveria ser avaliado pela razão lógica em sua versão filosófica do saber [...]” (p.62), isto é, era

o filósofo que se ocupava em explicar a realidade a partir de intuições e analogias sob o rigor

do método lógico-dedutivo, não havendo separação entre ciência e filosofia.

O período da Idade Média marca a separação do conhecimento científico como

filosófico, através da utilização do método indutivo experimental. Desta forma, a partir do

século XVII dá-se também o avanço da técnica e uma torna-se subsidiária da outra. E desde

então, a ciência moderna é marcada pelos avanços tecnológicos, descobertas e transformações

muito rápidas.

A sociedade passa pelo momento que o ensaísta norte-americano Alvin Toffler27[27]

denomina o choque do futuro, ao discutir sobre a velocidade dos movimentos de uma cultura

dominada pelos efeitos da ciência e da tecnologia e submetida a sua excepcional capacidade

transformadora.

Quanto a isso, Mayor, 1998, defende que a “ciência está invadindo cada vez mais a

sociedade – justificando de certa forma uma fé no empreendimento científico, mas dando

origem a dúvida acerca de sua viabilidade última ou acerca da capacidade humana de

administrar sabiamente suas aplicações [...]” (p.121). Fato bastante observado nos filmes

analisados nesta pesquisa.

Talvez este seja o elo para que se possa discutir a questão central da ciência retratada

nos meios de comunicação de massa. A divulgação científica de forma geral tem lançado mão

do espetáculo para atrair o interesse do público. Tanto na informação jornalística como

artística, percebe-se, através dos estudos dos meios de comunicação, como, por exemplo, de

Denise Siqueira (1999), sobre a descaracterização da ciência na televisão, em sua forma,

método e linguagem em prol de um apelo espetacular (como arte ou notícia), valendo-se “de

27[27] Toffler foi citado por Miguel Barceló, em artigo Ciência, divulgación científica y ciência ficción. Disponível em www.imim.es/quark/num11/011035.html .

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fenômenos de impacto visual [...] ou mesmo de jogos de signos e de estereótipos” que, com

certeza descaracterizam o papel social e político da ciência e do cientista, esvaziados pelo

espetáculo, ou simulacro, como denomina a Escola de Frankfurt.

O cientista nos filmes de Ficção Científica também tem suas atividades apresentadas de

forma a caracterizar essa “aproximação” com o público, com a finalidade de difundir a ciência

como propulsora dos avanços da humanidade. No entanto, a forma ficcional a revela como

“curiosidades”, os experimentos que não distinguem ciência e tecnologia, bem como envolve

disputas políticas e de poder pelo conhecimento científico. Fora da ficção, Mayor, 1998,

denomina esta, uma tendência em sacrificar os interesses da ciência e da tecnologia ao

oportunismo (p.123) – característica marcante do cientista no cinema.

O cinema estabelece de forma fantasiosa, ficcional e espetacular algumas conexões com

as atividades científicas reais, no entanto ao fazê- lo, vale-se de estereótipos e signos que

remetem a imagem do cientista como alguém que manipula as descobertas de forma

prepotente, autoritária e catastrófica e que, por conseguinte, não atribui valores progressistas à

atividade científica, bem como aos seus “produtos” - experimentos e descobertas.

Ao pintar de cor de rosa (ou negro) algumas situações, o cinema, de fato proporciona

um reflexo dos reais devaneios da sociedade, de seus desejos reprimidos, de seus reais

valores, segundo a perspectiva realista de Kracauer, 1961. Isto significa dizer que o cientista

dos filmes é um reflexo pejorativo do cientista real. Embora esta seja uma visão radical acerca

da influência cinemática, assim como propunham Benjamin e Adorno, não se pode negar que

o filme de Ficção reforça tais conceitos ao lançar mão de artifícios estereotipados e

reconhecíveis pela memória social ou inconsciente coletivo do público em geral.

A ciência, entendida por Santos, 1989, como valores universalmente aceitos em bases

criteriosas e em prol do desenvolvimento humano, de fato, não é a mesma ciência retratada

nos filmes. A fusão de células humanas com as de alienígenas ou animais; a disputa desleal

por territórios desconhecidos; experiências que envolvem o sacrifício humano; cientistas com

interesses pessoais acima dos interesses científicos, de fato, não refletem o papel da ciência

para o desenvolvimento da humanidade.

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O cientista, dos filmes de Ficção Científica analisados nesta pesquisa, não contribui

para o avanço da humanidade, nem tão pouco tem suas atitudes pautadas pela ética, ceticismo,

e critérios rigorosos em seus estudos, mas estes filmes exercem essencialmente uma caçada às

bruxas ao que existe de mais negativo e frágil na atividade científica real. Com a finalidade de

reforçar ou criticar os filmes acabam expondo, de forma nivelada, comum aos meios de

comunicação de massa, imagens do cientista e de suas atividades.

Estas situações podem ser melhor percebidas nos próximos itens, com a exposição das

sinopses dos filmes, bem como pela síntese fotográfica e comentários.

3.1. Exposição do Conteúdo dos Filmes

Em uma primeira análise, conforme etapas do método adotado, foi possível observar

algumas ocorrências quanto às características apresentadas pelos personagens, pode-se

perceber, nos resumos a seguir, elaborados a partir da pré-análise, que a ambição e os atos

inconseqüentes estão sempre ligados à personalidade dos cientistas.

A seguir, apresenta-se uma sinopse de cada filme para a exposição mais detalhada dos

filmes.

Filme: A Ilha do Dr. Moreau Produzido em : 1977

1ªs Características do Cientista Sinopse - - Excêntrico - - Ambicioso - - Obcecado - - Inconseqüente

Sobrevivente de um acidente vai parar na Ilha do Dr.

Moreau, um cientista excêntrico, obcecado pela pesquisa que visa transformar animais em seres humanos através da transmutação de genes, modificando comportamentos e estabelecendo sentimentos. Os seres são metade homem, metade animal e convivem sob ordens de seu criador – Dr. Morreau que é destruído por um grupo de suas criações.

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Filme: De Volta para o Futuro Produzido em : 1985

1ªs Características do Cientista Sinopse - - Inteligente - - Descontraído - - Determinado - - Maluco

Vivendo em uma pequena cidade e membro de uma família desajustada, um jovem torna-se amigo de um cientista que busca a invenção de uma máquina que lhe permita viajar através do tempo. Obtendo êxito, o cientista convida o rapaz a participar da aventura. Voltando muitos anos no passado, ele se vê diante da possibilidade de mudar os rumos de sua própria vida e mudar o futuro de todas as pessoas a sua volta.

Filme: Limite da Loucura Produzido em : 1990

1ªs Características do Cientista Sinopse - - Ambicioso - - Inconseqüente - - Busca

Reconhecimento

Médico pesquisador realiza transplantes inéditos de cérebros em “pacientes terminais”, ilegalmente, em favor de um dos pacientes ignorando, diante de sua euforia científica, as conseqüências judiciais, psicológicas e sociais.

Filme: Apex Produzido em: 1993

1ªs Características do Cientista Sinopse do Filme - - Inconseqüente - - Corajoso - - Determinado

Um cientista que vive em 2073 tem a função de enviar ao passado robôs que eliminem todo tipo existente de vírus, que por um erro criou, mas durante o processo ocorre um erro que o transporta ao passado. Lá “vivendo” ele tenta mudar o curso da história para assim, salvar o planeta.

Filme: Falso Poder

Produzido em: 1994 1ªs Características do Cientista Sinopse do Filme - - Ambicioso - - Inconseqüente - - Frio - - Calculista

Grupo de cientistas desenvolve uma experiência com o objetivo de criar ciborgues (parte homem, parte máquina) controlados por computador. Todos os envolvidos acreditam que a função destes seres é proteger o mundo, funcionando como um robô a serviço da humanidade. Porém, o responsável pelo grupo de pesquisa, movido pela ambição e pelo desejo de poder, sabota inconseqüentemente um dos robôs, programando-o para destruir todos que conhecem a experiência, deixando desta forma o caminho aberto para seus planos - fazer sucesso como cientista alcançando o poder total.

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Filme: A Experiência Produzido em: 1995

1ªs Características do Cientista Sinopse do Filme - - Ambicioso - - Inconseqüente - - Frio

Um grupo de cientistas envia ao espaço uma mensagem contendo informações sobre a Terra, seus habitantes, incluindo seqüências de DNA humano.

Vinte anos depois a mensagem é respondida misteriosamente, contendo sequências de DNA que podem ser combinados com os de seres humanos. A experiência é iniciada por um cientista que cria um ser (uma mulher) que cresce e se desenvolve rapidamente tendo poderes fora do comum e do controle do cientista. É preciso exterminá-la. A criatura mata durante todo o filme e logo que copula fica grávida, morrendo depois do parto. A criança, um ser anormal, come um rato, tomando sua forma, por isso não é eliminado, possibilitando a continuidade da espécie.

Filme: O Defensor do Futuro Produzido em: 1995

1ªs Características do Cientista Sinopse do Filme Jonathan: - - Expert em informática - - Bom - - Profissional - - Humano Cientista do Governo: - - Arrogante - - Prepotente - - Insensível - - Desumano

Um Andróide vindo do futuro é o único conhecedor do destino da Terra, e tem como missão impedir que o primeiro lançamento de uma nave para exploração do universo seja sabotado , evitando assim a dizimação da raça humana. Para isso procura o cientista Jonathan seu criador, para ajudá-lo a desmascarar os responsáveis pela sabotagem. Depara-se com os obstáculos gerados por um cientista obcecado, frio e calculista.

Durante a estória pessoas do governo descobrem a xistência do andróide e sem saber o que ele é realmente, partem à sua procura, indicando um comandante e um outro cientista para prendê-lo. O cientista descobre que o andróide tem as informações e fica determinado a roubá-las, para controlar a humanidade.

Filme: 5ª Dimensão – O Filme Produzido em:1995

1ªs Características do Cientista Sinopse do Filme - - Determinado - - Inconseqüente - - Obcecado - - Louco - - Isolado - - Revoltado - - Frio

Um cientista que durante cinco anos se empenha em estudar ovos que vieram do plante Marte, mas por um acidente sua experiência é cancelada e ele afastado da função.

Inconformado com a decisão e determinado a dar continuidade a seu estudo, Dr Simon Kress, rouba material suficiente para continuar seu trabalho. Escondido de todos, Simon prepara o celeiro de sua casa para acompanhar o desenvolvimento dos ovos, aplicando todo seu dinheiro em materiais de pesquisa. Durante o estudo Simon, se afasta da família, dedicando-se somente aos seres que ele denomina “Rainhas da Areia”. Simon acompanha o crescimento desta espécie, descobrindo a inteligência das criaturas que reproduzem o rosto do cientista na areia, fazendo com que ele acredite que elas gostam dele. Em certa etapa da

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pesquisa, Simon perde o controle sobre as criaturas, sendo picado por uma delas. Neste momento ele contrai uma doença desconhecida que o deixa perturbado a ponto de fazê-lo jogar seu amigo no ninho das criaturas. Elas o devoram e em seguida fogem para casa do cientista oferecendo risco à sua família. Sem controle da situação e sabendo que sua criação vai destruí-lo, Simon se mata explodindo sua casa que já estava tomada pelos seres que ele criou.

Filme: Esfera

Produzido em: 1998 1ªs Características do Cientista Sinopse do Filme - - Ambicioso - - Competidor

Vida alienígena no fundo do mar invade os pensamentos de um grupo de cientistas, transformando em realidade todos os seus sonhos, sentimentos, sensações e medos, o que acaba transformando em realidade desejos de morte, poder e conquistas.

Filme: Do Fundo do Mar

Produzido em: 1999 Características do Cientista Sinopse do Filme

- - Obcecada - - Inconseqüente

Laboratório marítimo de Pesquisa com tubarões para a cura de “Alzheimer” cuja cientista quebra o rigor científico e algumas fases da pesquisa para obter resultados mais rápidos e garantir o apoio financeiro. Com isso, perde o controle de sua cultura de tubarões e ocorre uma catástrofe no mar.

Apresenta-se, a seguir, o conteúdo dos filmes por meio de cenas extraídas cuja função é

representar a totalidade fílmica, acompanhada de narração sobre o contexto da obra. Estas

cenas foram coletadas por meio de foto digital quadro a quadro pela pesquisadora e

transpostas de forma a dar sentido à síntese fílmica.

A descrição analítica dos filmes faz parte de uma etapa da análise de conteúdo e está

disponível no apêndice A deste trabalho.

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3.2. Tabelas de Categorização do Conteúdo dos Filmes

As tabelas apresentadas neste capítulo (que também encontram-se, em anexo nº2)

reúnem as informações características e conteúdos dos filmes de Ficção Científica analisados

nesta pesquisa. Foram inseridas como uma ferramenta da Análise de Conteúdo a fim de

categorizar, classificar através de unidades de análise, alguns aspectos fílmicos e de

linguagem que compõem a mensagem cinemática.

A seleção dos vídeos foi realizada por meio de um banco de dados chamado

Videbook, escolhido como um instrumento de pesquisa por tratar-se de um site cujo acervo

é de mais de 21 mil títulos lançados em vídeo e DVD no Brasil. O acesso a este site pode

ser feito pelo endereço eletrônico: http:// www.videobook.com.br.

No Videobook é possível pesquisar a filmografia em vídeo de atores, diretores e

escritores; receber as últimas notícias sobre artistas e diretores; conhecer a lista dos

melhores filmes antigos e atuais, além de trocar informações sobre cinema. Neste banco de

dados a busca pode ser realizada de duas formas - a Rápida e a Avançada. Na primeira é

necessário selecionar a modalidade de pesquisa (título, ator, diretor e escritor) e a palavra

que deve ser procurada. A segunda, Busca Avançada, é uma forma mais refinada de

procura, nela os filmes são pesquisados pelo título original, gênero, ano e país de produção,

ator, diretor e escritor.

Com o banco de dados (Videobook), foi possível identificar durante as décadas de 70, 80 e

90, 513 obras do gênero Ficção Científica e a partir do resumo destas, foram selecionados os

filmes cujos protagonistas fossem cientistas, num total de 59 produções americanas.

Num universo de 513 produções disponíveis no Brasil, foram selecionados os filmes

cujo protagonista fosse cientista e caracterizado em seu ambiente de trabalho como

pesquisador, realizando experimentos. A partir desses critérios, foi possível selecionar uma

amostra, considerando a data de produção, isto é, início, meio e fim das décadas em análise.

Pode-se observar a partir deste primeiro levantamento que a produção cinematográfica

do gênero Ficção Científica, ao longo de três décadas, cresceu, aproximadamente, 95 %,

conforme pode-se observar na seleção de filmes, exposta a seguir:

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Universo: 513 produções no gênero Ficção Científica

Amostra: 59 filmes, sendo:

Período Nº de produções Pré-Selecionados Selecionados

de 1970 a 1979 29 04 01

de 1980 a 1989 162 18 01

de 1990 a 1999 322 37 09

70-90 513 59 11

Conforme dados da tabela acima, dos 59 filmes que foram pré-selecionados para

primeira análise, 25 não estavam disponíveis para locação. Desta forma, 34 filmes foram

assistidos para confirmação do perfil desejado para esta pesquisa. A verificação dos critérios

pré-estabelcidos para a seleção do corpus do objeto foi realizada nos 34 filmes, enquadrando-

se, como amostra significativa, apenas 11 filmes, nos quais o cientista é protagonista e está

ligado a atividades de pesquisa. Os demais filmes foram excluídos a partir de critérios

identificados, abaixo e na tabela, em anexo nº1, que expõe os filmes produzidos no período,

bem como a seleção proposta para esta pesquisa.

1º) " não disponível para locação

2º) * cientista não protagonista;

3º) ** cientista, porém não desenvolve pesquisa;

4º) +analisa-se a 1ª obra da trilogia.

Sendo assim, os filmes selecionados são:

ANO TÍTULOS SELECIONADOS 1977 1. 1. A Ilha do Dr. Moreau 1983 2. 2. Projeto Brainstorm 1985 3. 3. De Volta para o Futuro I 1990 4. 4. Limite da Loucura 1993 5. 5. Apex 1994 6. 6. O Falso Poder 1995 7. 7. Defensor do Futuro

8. 8. A Experiência 9. 9. 5ª Dimensão – O Filme

1998 10. 10. Esfera 1999 11. 11. Do fundo do mar

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Para o estudo sobre os estereótipos acerca da imagem do cientista, foi realizada análise

de conteúdo das obras, segundo roteiro, temática, cenário e composição do personagem, pois

segundo Bardin, 1979, este método de pesquisa é indicado para estudos sobre motivações,

atitudes, valores, crenças, tendências e até mesmo de ideologias. Bardin define a comunicação

impressa como objeto principal deste método, porém não exclui outras formas e linguagens de

comunicação como o cinema, o que fez Kracauer, para identificar a propaganda nazista no

cinema alemão, uma das primeiras referências da Análise de Conteúdo aplicada ao cinema

(BAUER, 2003); perfeitamente possível desde que atenda a requisitos básicos de pré-análise,

descrição analítica e interpretação inferencial do conteúdo analisado.

Para tanto, foi necessário estabelecer categorias de análise, classificando o conteúdo

manifesto, por meio de análise, neste caso, das falas do personagem, do cenário, do figurino e

das atitudes do personagem, bem como o conteúdo latente - exposto numa relação dialética

com a temática e o contexto do roteiro do filme. Neste sentido, a análise, segundo BAUER,

2003, permeou os princípios de classificação: a coerência na construção de um referencial de

codificação eficiente, claro e único; a transparência na descrição, demonstração das relações

verificadas; a fidedignidade na análise das imagens em movimento a partir do primeiro

requisito (coerência), sem o risco de julgamento subjetivo do pesquisador; e por fim a

validação dos recortes selecionados como significativos para toda a obra, considerando a

representatividade do extrato na freqüência apresentada no filme. Sendo estas fases

interdependentes no seu grau de importância. Foram elencadas categorais de análise que

atenderam aos objetivos da pesquisa, através de unidades de análise geral, parcial, como

também, mutuamente excludentes para melhor classificação dos conteúdos fílmicos.

A pesquisa teve essencialmente um enfoque quantitativo, principalmente ao utilizar

dados para mensurar a freqüência das caracterizações. A análise de conteúdo serve de

subsídio para observação, registro e utilização dos dados coletados a fim de verificar a

representação da imagem do cientista. Faz-se necessário comentar que o diálogo dos

personagens em algumas passagens foi significativo e por isso acompanha a seleção de

imagens do filme que subsidiam a pesquisa.

Quanto aos procedimentos, todos os 34 filmes foram assistidos e em seguida, registradas

as observações quanto ao contexto, roteiro, temática. Em seguida selecionadas as categorias e

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unidades de análise e identificação nos filmes. Sendo extraídas seqüências relevantes para

análise (mais adiante) aprofundada na exposição do personagem cientista.

Desta forma as categorias de análise que foram estabelecidas para esta pesquisa, foram

codificadas por meio unidades de análise, devidamente acompanhadas de descrição para este

estudo, conforme explicitadas a seguir:

Quanto ao roteiro e cenários:

Categorias Unidades de Análise Necessidade de descrição

Passado Presente Futuro Não Informado

1. 1. Tempo fictício

Viagem no tempo

-

Seres Vivos Armas Alienígena Medicamento

2. 2. Objeto da Pesquisa

Outros

-

Instituição Particular Instituição Federal Pessoal (do cientista) Sigilosa Pública

3. 3. Interesse da Pesquisa

Outros

-

Contribuição Notoriedade Realização Financeiro

4. 4. Interesse do Pesquisador

Outros

-

Categorias Unidades de Análise Necessidade de descrição

Isolado Integrado Organizado Desorganizado Iluminado Sombrio Vidrarias Computadores

5. 5. Local de trabalho

Substâncias

-

Não apresentada Integrada Socialmente Organizada Desorganizada Extensão do Trabalho Sombria

6. 6. Residência

Iluminada

-

Quanto à composição do personagem – aspectos físicos e personalidade:

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Categorias Unidades de Análise Necessidade de descrição

Penteado Despenteado Longo Curto Grisalho Tonalidade

7. 7. Cabelos

Careca

-

20-30 anos 40-50 anos 50-60 anos

8. 8. Idade Aparente

Acima de 60

-

Formal Clássico, terno, gravata etc. Esportivo (informal) Despreocupado com

formalidade e etiquetas. Discreto Cores sóbrias, combinadas entre

si, sem chamar atenção das pessoas.

Extravagante Cores fortes e não combinadas. Desperta atenção de outro personagens.

Específicos Anti-fogo, aquáticos, espaciais. Uniforme Padronizado para todos os

profissionais.

9. 9. Vestuário

Jaleco Branco Aventais Óculos Canetas

10. 10. Acessórios

Calculadoras

-

Categorias Unidades de Análise Necessidade de descrição

Competente Capacitado, adequado. Incompetente Incapacitado, não capaz.

Responsável Responde por seus atos e do grupo.

Inconseqüente Não pondera sobre conseqüências.

Determinado Disposto, decidido. Obcecado Não pensa em outra coisa. Arrogante Muito orgulhoso soberbo. Retraído Anti-social, tímido, isolado. Ansioso Desejo forte e angustiante. Sociável Compartilha com o grupo e

família. Frio Insensível, inexpressivo. Equilibrado Prudente, cauteloso. Desequilibrado Louco, desvairado. Ético Segue normas de conduta da

comunidade científica. Aético Não segue normas de conduta

da comunidade científica. Estabelece seus próprios valores.

11. 11. Temperamento,

comportamento, atitudes28[28]

Dominador Excede poder, reprime, controla.

28[28] Além da descrição apontada para cada categoria utilizou-se também a opinião dos próprios personagens, para evitar erros de julgamento.

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Ambicioso Desejo incontrolável de riqueza e poder

Homem Mulher Grupo heterogêneo

12. 12. Gênero

Grupo homogêneo

-

Familiar Amigos Colegas de trabalho

13. 13. Vida Social

Não apresentada

-

Os dados sobre estas categorias estão disponibilizados nas tabelas do título seguinte

com as observações sobre os filmes, analisando-os e correlacionando-os a cada unidade de

análise.

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3.3.1 Análise dos Dados de Categorização do Conteúdo dos Filmes

Para a devida observação dos conteúdos dos 11 filmes selecionados, foram

estabelecidas categorias de análise do conteúdo manifesto que permitiram inferências

sobre o conteúdo latente e, através das freqüências foram possíveis algumas análises e

correlações entre as unidades de análise do perfil dos cientistas apresentados nestes filmes.

Para tanto, foram utilizados os seguintes aspectos de observação 1º dados gerais do roteiro

como tempo fictício, tema da pesquisa, interesse da pesquisa e do pesquisador, local de

trabalho e residência; 2º) composição do personagem – aspectos físicos tais como gênero,

faixa etária, tipo de cabelo, vestuário e acessórios;e 3º) composição do personagem –

aspectos de personalidade tais como temperamento, atitudes e vida social. Nesta última

categoria foram mensurados ainda os períodos de exposição que demonstram tal valor ou

comportamento do cientista em observação, a partir de tabelas (expostas a partir da

próxima página) que permitiram essa categorização. Estas tabelas podem ser interpretadas

a partir de uma leitura horizontal que possibilita identificar a freqüência das unidades de

análise em cada filme e em sua totalidade. Além dessa, uma outra leitura vertical privilegia

uma visão do conjunto de unidades de análise presentes em cada filme, bem como,

especificamente na tabela 3, possibilita, ainda, o cruzamento de dados sobre a natureza da

unidade de análise e a relação com o seu período de exposição nos filmes. Desta forma,

detalham-se a seguir alguns aspectos relevantes da categorização dos conteúdos dos 11

filmes observados, considerando que em sua quase totalidade fere a princípios básicos dos

valores primordiais à ciência, destacados por Santos, 1989, são eles:

[...] os quatro grandes conjuntos de valores são: universalismo, comunismo, desinteresse e ceticismo organizado. O universalismo baseia-se no caráter impessoal da ciência: a aceitação de uma teoria não depende das qualidades pessoais ou sociais de seu ator. O valor do comunismo consiste em que as conquistas da ciência são produtos da colaboração social e são propriedades das descobertas [...] o desinteresse significa que, quaisquer que sejam as motivações pessoais dos cientistas, a instituição científica em si mesma não está vinculada a quaisquer interesses particularistas [...] o ceticismo leva o cientista a submeter à discussão e por em questão princípios ou idéias seguidos por rotina e pela força de uma autoridade qualquer; o cientista suspende o seu juízo antes de observar detalhada e rigorosamente [...]” (p.126)

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A maioria dos filmes do gênero Ficção Científica, norte-americanos e lançados nas décadas de 70, 80 e 90, objetos desta pesquisa, não são, necessariamente, superproduções ou mesmo receberam premiações. Os filmes de grande reconhecimento como Star Wars ou Jornada nas Estrelas imprimiram a idéia de que Ficção Científica está associada a um tempo fictício futuro. No entanto, estranhamente, nos filmes observados, o tempo fictício (ver extrato da tabela nº 1, a seguir29[29]) não é retratado apenas no futuro, mas 6 entre 11 filmes têm tempo fictício presente, apenas 2 no futuro e ainda 3 com viagem no tempo.

Dentre estes:

- a trilogia De volta para o futuro, que tem seu tempo fictício retratado numa máquina do tempo.

- - Apex, com máquinas do tempo. - O falso poder, apresenta tempo fictício futuro e ressalta

o homem máquina em prol da segurança.

Tabela 1 - Categorização dos conteúdos dos filmes quanto AOS DADOS GERAIS (roteiro e cenários)

Ano de Lançamento 1977 1983 1985 1990 1993 1994 1995 1995

11 Filmes

Categorias de análise

Freqüência A Ilha do Dr. Moreau

Projeto Brainstorm

De volta para o Futuro I

Limite da Loucura

APEX O falso Poder

Defensor do Futuro

A Experiência

Passado - Presente 6 X X X X

TEMPO FICTÍCIO

Futuro 2 X X

29[29] As tabelas de categorização podem ser observadas na íntegra no anexo nº2.

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Não Informado 1 X

Viagem no tempo 3 X X X

Ser Humano 4 X

Produzir homens a partir

de células animais

X Máquina de

transmissão de sensações através da

mente

X

Domínio do estado de transe

e sono

X Transplante de chips nos cérebros – máquinas humanas

Armas 1 X

Destruição de arma atômica

Alienígena 3 Fusão de óvulos extraterrestres e

humanos

Animais 1 X

Medicamento 1

TEMA DA PESQUISA

Outros 2

X Máquina

de Viagem

no tempo

Viagem no tempo

Instituição Particular 2 X Instituição Federal 5 X X X

Pessoal (do cientista) 4 X X X Pública -

INTERESSE DA

PESQUISA

Outros -

- O defensor do futuro, salvador da humanidade, viajando no tempo do futuro para o

presente.

- Os que caracterizam tempo presente são:

A ilha do Dr. Moreau (1977)

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Projeto Brainstorm (1983)

A Experiência (1995)

5ª Dimensão (1995)

Esfera (1998)

Do Fundo do Mar (1999)

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Quanto aos temas de pesquisa dos filmes (ver tabela nº 1 citada ou anexo nº2), a Ficção Científica, assim como a vida real, também se interessa pela vida do ser humano. No entanto a ficção, tem uma abordagem distante da aplicação real dos conhecimentos científicos em prol do Homem. O que contraria o realismo de Kracauer, 1961, - “há uma afinidade natural entre o cinema e a gravação e revelação da realidade, uma afinidade que se torna o axioma central do realismo estético” Primeiro, porque sempre transmite a idéia de domínio sobre a criação da vida. Seja ela humana ou extraterrestre. Reproduzir o homem; controlar e transmitir sensações; reproduzir vida extraterrestre, decifrá- la ou mesmo fundí- la à humana permeiam o conteúdo de 7 filmes entre os 11 observados. Apenas 1 dos filmes aborda o uso da pesquisa para a cura de doença degenerativa real. A idéia de controle sobre a criação de vida por parte dos cientistas protagonistas dos filmes, pode ser associada à criação divina ou mesmo à idéia de brincar de ser “Deus” e receber as glórias desse poder.

A Ilha do Dr. Moreau é a maior demonstração do domínio do cientista pela criação da vida humana. O cientista tenta reproduzir a vida humana através de células de animais e acaba controlando criaturas aberrantes meio animal, meio homem, sem observar qualquer aspecto ético que envolva o procedimento científico sem manipulação de poder como propõe Mayor, 1998 :

[...] a ética deve ser um esforço pessoal que crie esperança e nos permita harmonizar nossos atos públicos e privados aos nossos valores a cada momento de nossa existência, num laboratório de pesquisa, num centro de saúde, nos lugares de educação, etc. [...]

E por que não na ficção?

Primeiro quadro – seres criados a partir de células humana e animal pelo Dr. Moreau, exposto no segundo quadro, subjugando uma de suas criaturas mais revoltadas com sua condição de vida; o terceiro quadro revela a “filha” de Dr. Moreau, assim denominada, por ser a criatura que mais apresenta características da forma humana, embora inconformada com seu retrocesso às formas animais.

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Projeto Brainstorm, tenta controlar e transmitir as sensações dos homens através

de máquinas.

Os três quadros acima apresentam os testes que os cientistas envolvidos no filme fazem com os aparatos tecnológicos que criaram para transmitir sensações de um ser para outro – humano ou não.

Limite da Loucura, é um misto da loucura que um cientista pode cometer em prol da pesquisa ou o estágio ao qual submete suas “cobaias”.

Os quadros acima retratam a relação de total entrega do cientista ao tema pesquisado, superando qualquer rigor ou norma recomendada, até mesmo quando isso atente contra a vida da “cobaia”.

O Falso Poder, apresenta uma relação de domínio da descoberta científica em relação à humanidade por meio de homens super-dotados, isto é, a ciência como objeto de desejo, poder e força.

Dr. Connors manipula colegas e sociedade para manter sua fascinação pelas máquinas que cria a partir de vidas humanas.

A Experiência é uma obra que ressalta a grande distância da aplicabilidade dos conhecimentos científicos na Ficção Científica e na vida real. A fusão de óvulos humanos e extraterrestres, gerando descontrole de criatura mutante e perigosa.

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Cenas que demonstram as condições de realização da pesquisa e o grau de periculosidade que o cientista expõe colegas e sociedade com o experimento.

5ª Dimensão, estabelece uma perfeita descrição do fascínio pelo poder que a ciência pode

oferecer àquele que a conquista e domina.

Nesta obra a caracterização de deus, dono da criação e a proximidade do cientista como um ser supremo que dá vida a seres é muito acentuada na relação com o tema e objeto da pesquisa na ficção.

Esfera, o cientista tenta dominar e controlar o desconhecido (vida extraterrestre).

A relação de fascínio dos cientistas pelo desconhecido permeia toda a trama.

Já no aspecto de interesse e patrocínio da pesquisa, pode-se perceber, na mesma tabela 1, certa semelhança entre ficção e realidade. Os cientistas na ficção também enfrentam dificuldades para manutenção das verbas e demonstração de resultados eficientes e promissores. Nos filmes observados, 5 tinham patrocínio federal e, surpreendentemente, 4 apresentam interesse pessoal do cientista em manter as atividades da pesquisa. Tal interesse é que se torna uma atitude questionável, pois nos roteiros

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apresentados a atividade científica está diretamente relacionada aos conceitos de bem e mal. Neste sentido, pode-se dizer que nas tramas há uma associação da atividade científica voltada para o bem da humanidade em 5 filmes e para o mal em outros 6.

O aspecto de interesse da pesquisa, embora tenha, em sua essência, objetivos estabelecidos pelas instituições de fomento, sejam federais ou privadas, pode sofrer alterações no percurso da investigação de acordo com o interesse do pesquisador. E este fator está diretamente ligado ao relacionamento entre pesquisador e objeto da pesquisa. Isto é, a pesquisa segue o curso que o pesquisador deseja percorrer, mesmo que seja diferente do que a instituição de fomento estabeleça. Em 6 filmes observados o cientista alterou o curso da pesquisa de acordo com seus próprios objetivos. Os interesses do cientista, nos filmes observados configuram-se em (3 ) contribuição científica; (2) busca por notoriedade ou reconhecimento; (2) enriquecimento financeiro; (2) busca de poder, controle, domínio e (5 ) realização pessoal. Destes cinco filmes, a realização pessoal do cientista envolve situações de risco à vida humana em 3 deles, conforme exposto no segundo extrato da tabela 1. Para melhor apresentá- los, segue-se as unidades de análise busca por notoriedade ou reconhecimento em A Experiência e 5ª Dimensão, respectivamente;

O cientistas aqui envolvidos lamentam o fracasso da pesquisa de formas diferentes, porém todos por não conseguir alcançar o reconhecimento social e científico que tal experimento possibilitaria.

Neste filme o reconhecimento é tema central da trama, tanto por parte do cientista como das pessoas que o cerca.

Enriquecimento financeiro em O Falso Poder e Esfera, respectivamente: a atividade científica vista em primeiro plano como fonte de enriquecimento e status.

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Além de reconhecimento, o cientista busca enriquecimento financeiro, tratando suas “cobaias” como fantoches, brinquedos.

Nesta trama o conflito do interesse financeiro e os riscos de se infringir normas éticas. O cientista inventa um relatório sem fundamentação científica e põe um grupo de colegas em perigo.

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Tabela 1 - Categorização dos conteúdos dos filmes quanto AOS DADOS GERAIS (roteiro e cenários) – continuação

Ano de Lançamento 1977 1983 1985 1990 1993 1994 1995

11 Filmes

Categorias de análise

Freqüência A Ilha do Dr. Moreau

Projeto Brainstorm

De volta para o Futuro I

Limite da Loucura

APEX O falso Poder

Defensor do Futuro

Contribuição 3 X X

Salvar a Humanidade

Notoriedade 2 Realização 5 X X X X Financeiro 2 X

INTERESSE DO

PESQUISADOR

Outros 2 X

poder X poder

Isolado 10 X X X X X X Integrado 0 Não

Apresentado

Organizado 6 X X X Desorganizado 4 X X X Iluminado 2 X X Sombrio 8 X X X X Vidrarias 4 X Computadores 8 X X X X

LOCAL DE TRABALHO

Substâncias 4 X X Não apresentada 7 X X X X

Integrada Socialmente 1 X Organizada 2 X Desorganizada 1 X Extensão do Trabalho 3 X X Sombria 1 X

RESIDÊNCIA

Iluminada 3 X X

Busca de poder, controle, domínio em A ilha do Dr. Moreau e Limite da Loucura,

respectivamente. Os cientistas fazem do conhecimento um instrumento de controle, poder

e subordinação dos que os cercam, bem como da sociedade.