O CLOWN COMO PROPOSTA LÚDICA NO ENSINO … · Dario Fo, Luís Otávio Burnier, Viola Spolin e...

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 O CLOWN COMO PROPOSTA LÚDICA NO ENSINO DA ARTE COLAVITTO, Marcelo Adriano (UEM) MÜLLER, Verônica Regina (Orientadora/UEM) O presente trabalho trata de um relato de experiência realizado a partir das aulas de iniciação ao “clown”, como proposta lúdica no ensino do teatro e das artes cênicas, no intuito de preparar futuros artistas, docentes e para aqueles que também pretendem apenas ter uma experiência estética dentro do campo das artes em geral. Compreender os elementos didáticos e pedagógicos que fazem com que o processo de aprendizagem do clown seja eficiente é o foco central do nosso estudo. Os procedimentos didáticos que fazem parte da nossa pesquisa foram desenvolvidos a partir das propostas que se encontram nas obras de Jacques Lecoq, Dario Fo, Luís Otávio Burnier, Viola Spolin e outros artistas e docentes do teatro que baseiam suas práticas no estudo do gesto e mais especificamente do clown e não necessariamente possuem obras literárias com publicações acadêmicas ou reconhecidas pela academia, dentre eles Leris Colombaioni, Giovanni Fusetti, Ricardo Pucetti, Bete Dorgam e Silvia Leblon. No que concerne à pesquisa de campo, que se enquadra em minha prática docente, a análise será baseada nos últimos 15 anos em que ministro aulas de teatro em escolas públicas e particulares no estado de São Paulo, me concentrando mais especificamente nos anos de 2011 e 2012, onde ministrei aulas na Universidade Estadual de Maringá, no Projeto de Extensão intitulado: “Grupo de pesquisa e experimentação cotidiana utilizando como paradigma a figura do clown”, para alunos da graduação de Artes Cênicas (1º e 2º anos) da instituição e para membros da comunidade em geral, interessados pela aprendizagem da arte por meio do clown.

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

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O CLOWN COMO PROPOSTA LÚDICA NO ENSINO DA ARTE

COLAVITTO, Marcelo Adriano (UEM)

MÜLLER, Verônica Regina (Orientadora/UEM)

O presente trabalho trata de um relato de experiência realizado a partir das aulas

de iniciação ao “clown”, como proposta lúdica no ensino do teatro e das artes cênicas,

no intuito de preparar futuros artistas, docentes e para aqueles que também pretendem

apenas ter uma experiência estética dentro do campo das artes em geral. Compreender

os elementos didáticos e pedagógicos que fazem com que o processo de aprendizagem

do clown seja eficiente é o foco central do nosso estudo.

Os procedimentos didáticos que fazem parte da nossa pesquisa foram

desenvolvidos a partir das propostas que se encontram nas obras de Jacques Lecoq,

Dario Fo, Luís Otávio Burnier, Viola Spolin e outros artistas e docentes do teatro que

baseiam suas práticas no estudo do gesto e mais especificamente do clown e não

necessariamente possuem obras literárias com publicações acadêmicas ou reconhecidas

pela academia, dentre eles Leris Colombaioni, Giovanni Fusetti, Ricardo Pucetti, Bete

Dorgam e Silvia Leblon.

No que concerne à pesquisa de campo, que se enquadra em minha prática

docente, a análise será baseada nos últimos 15 anos em que ministro aulas de teatro em

escolas públicas e particulares no estado de São Paulo, me concentrando mais

especificamente nos anos de 2011 e 2012, onde ministrei aulas na Universidade

Estadual de Maringá, no Projeto de Extensão intitulado: “Grupo de pesquisa e

experimentação cotidiana utilizando como paradigma a figura do clown”, para alunos da

graduação de Artes Cênicas (1º e 2º anos) da instituição e para membros da comunidade

em geral, interessados pela aprendizagem da arte por meio do clown.

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O Clown1 é mais que uma linguagem teatral, é um estado do ser, onde este se

defronta com uma possibilidade de encontro com suas contradições enquanto sujeito

social e indivíduo, descobrindo um caminho para desenvolvimento de sua sensibilidade,

entendido por nós como ferramenta fundamental para as produções no campo da arte.

Dentro da trajetória como educador, descobri na pedagogia teatral, e mais

precisamente na pesquisa com a figura do clown, um caminho bastante eficiente de

preparação não só do ator, futuro artista profissional, mas na formação do ser humano

enquanto ser social, que participa da construção da identidade cultural do meio social

em que vive.

Jacques Lecoq2, em sua prática como pesquisador e docente nas artes cênicas,

trouxe de maneira bastante didática o que ele nomeia de pedagogia da criação teatral,

dedicando uma parte do seu trabalho às máscaras teatrais, dentre elas o clown, tema do

presente trabalho e foco do meu estudo enquanto docente. Toda a prática teatral nas

minhas aulas de artes tem como ponto central essa figura que aqui no Brasil é

identificada com o palhaço e de fato é a forma expressiva com que essa máscara se

manifesta, porém no nosso trabalho, apesar de se tratar de uma figura popular e que

surge muitas vezes de maneira espontânea por estar arraigada no nosso inconsciente,

nossa abordagem se dá por meio de bastante pesquisa, seriedade, treinamento e estudo.

No trabalho com o clown, busca-se a total interação com o ambiente e com os

demais participantes das atividades, que pode ser em forma de curso ou oficinas. Essa

interação promove uma sociabilização do participante, instrumentalizando-o tanto para

a arte quanto para o convívio em grupo. O método utilizado dentro desse processo é o

jogo, pois esse possibilita a liberação da espontaneidade, que é um elemento essencial

para o desenvolvimento da criatividade.

1 Clown é uma palavra de origem inglesa, cuja origem remonta ao século XVI, derivada de cloyne, cloine, clowne. Sua matriz etimológica reporta colonus e clod, cujo sentido aproximado seria homem rústico, do campo. BOLOGNESI (2003). No Brasil, esse termo serve pra designar a figura de um palhaço sutil, voltado às artes cênicas. 2 No campo da Pedagogia Teatral, Jacques Lecoq é um mestre no sentido próprio do termo. Pedagogo embasado no mundo e em seus movimentos, no que há de universal no teatro, constitui um “ponto fixo” a partir do qual inúmeros alunos puderam aprumar-se, descobrir-se, “educar-se”, há mais de cinquenta anos, tendo suas diferenças culturais respeitadas, assim como sua história, imaginário, suas possibilidades e talentos.

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Para Viola Spolin “o jogo é uma forma natural de grupo que propicia o

envolvimento e a liberdade pessoal, necessários para a experiência” (2005, p. 4) e, em

arte, acreditamos que a experiência é um elemento de grande importância para geração

de atitudes criativas. É em nossas vivências que construímos nosso conceito de mundo e

nos apropriamos dos conhecimentos obtidos de modo a produzirmos representações

desse mundo construindo assim novas realidades.

A espontaneidade também é um elemento essencial para a formação do artista e

de um sujeito livre e criador em nossa sociedade. Spolin (2005, p. 4) diz que:

Através da espontaneidade somos reformados em nós mesmos. A espontaneidade cria uma explosão que por um momento nos liberta de quadros de referência estáticos, da memória sufocada por velhos fatos e informações, de teorias não digeridas e técnicas que são na realidade descobertas de outros. A espontaneidade é um momento de liberdade pessoal quando estamos frente a frente com a realidade e a vemos, a exploramos e agimos em conformidade com ela. Nessa realidade, as nossas mínimas partes funcionam como um todo orgânico. É o momento de descoberta, de experiência, de expressão criativa.

A criatividade, a sensibilidade, a singularidade e a espontaneidade, são termos e

conceitos que nortearão as reflexões sobre a prática docente que permeiam as

experiências relatadas nesse trabalho, que se desenvolve tomando como ponto de

partida a pedagogia teatral por meio da figura do clown.

Início da Jornada

Para que o trabalho com a figura do clown tenha bons resultados, antes de mais

nada, é necessária uma espécie de iniciação para que o participante do curso ou oficina

possa criar vínculos tanto com o docente, quanto com os demais participantes, pois o

trabalho exige bastante sensibilidade e exposição, e não nos entregamos de verdade se

não estamos livres das sensações de aprovação e desaprovação do olhar alheio.

Essa primeira sensibilização conta com exercícios de integração, relaxamento,

resgate da espontaneidade e prontidão. São as atividades preliminares que afinam nossa

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sensibilidade e nos colocam à disposição do jogo mais importante o qual chamamos de

“picadeiro”.

Essas atividades se baseiam em jogos teatrais e jogos dramáticos que ajudam na

liberação da criatividade de maneira espontânea. Para Courtney:

A característica essencial do homem é sua imaginação criativa. É esta que o capacita a dominar seu meio de modo tal que ele supera as limitações de seu cérebro, de seu corpo e do universo material. É esse “algo mais” que o distingui dos primatas superiores. (Courtney, 2010, p. 3)

Liberando sua capacidade criativa, os jogos tornam-se uma ferramenta essencial

para a construção do clown individual de cada participante do processo, ajudando a criar

tanto cenicamente como o tornando um sujeito mais atuante e mais participativo no

ambiente onde vive.

A emoção também é um elemento chave para o desenvolvimento da capacidade

criativa e criadora dentro do curso ou oficina. As situações-problema não podem se

resumirem a soluções elaboradas racionalmente, elas necessitam do emprego de uma

energia capaz de movimentar o indivíduo por completo, não só suas faculdades

cerebrais, mas todo seu corpo.

Para Piaget, razão e emoção não se separam, constituem dimensões distintas, mas impossíveis de serem divididas. Para ele, as emoções são o motor, a energia que move todo o complexo humano do raciocínio e da vida em geral. Nenhuma ação humana está fora do âmbito dessa geração de energia que, em última análise, é o que define o comportamento, as escolhas e as construções humanas. (ICLE, 2006, p. 60)

Portanto, exercícios que consigam unir o raciocínio com liberdade e que

consigam liberar a emoção, podem potencializar a capacidade de expressão e

comunicação de todos aqueles que se predispõem a entrar no jogo em busca de seu

próprio clown. Temos então uma possibilidade de desenvolvimento não só de um futuro

artista, mas também de um ser humano mais centrado e mais atuante em seu meio

social.

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Esse momento de sintonia, onde ainda estamos nos conhecendo, afinando os

canais de expressão e comunicação, harmonizando-nos a fim de nos conhecermos mais

e nos colocarmos mais a vontade no ambiente de trabalho, gera a energia necessária

para estabelecer um clima propício para o desenvolvimento do processo que se seguirá,

pois se tratando de algo bastante sensível, que nos expõe completamente, necessitamos

nos sentir seguros para estarmos aptos aos exercícios posteriores.

Conquistada a confiança e afinados os canais sensoriais e emocionais capazes de

nos fazer acessar outros estados do ser, que nos retiram da dimensão cotidiana, os

participantes estão prontos a entrar em contato com suas contradições, fraquezas e

sensibilidades no exercício fundamental para a jornada em busca do seu próprio clown

que é o Picadeiro – atividade que busca extrair do indivíduo sua essência mais

verdadeira, eliminando as máscaras sociais e promovendo um encontro com seu mais

autêntico ser interior.

Essa experiência costuma ser definitiva e reveladora de uma dimensão mais

humana e, portanto profundamente essencial na formação de uma personalidade única e

consistente na construção de um material artístico singular e expressivo. Cada clown é

pessoal e inimitável, pois é uma dilatação do eu interior de cada um. Quanto mais

verdadeira é essa exposição, maior será o resultado com o público, pois geralmente

todos se identificam com o que é autêntico e original.

A descoberta do clown

O processo de descoberta do clown se dá por meio de exercícios de exposição,

que procuram revelar aspectos humanos, espontâneos e poéticos de cada um. Após a

realização de atividades que fazem parte da pedagogia teatral desenvolvida na obra de

Spolin (2005), e se destinam a todos aqueles que pretendem iniciar sua aprendizagem da

linguagem teatral, em geral parte-se para exercícios mais específicos.

Com características de jogos teatrais e jogos dramáticos, tais exercícios

preparam o iniciante para afinar sua percepção e sensibilidade, a favor dos aspectos pré

expressivos e expressivos que o teatro proporciona na formação de qualquer indivíduo

que se predispõem a conhecer a linguagem teatral.

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O exercício intitulado Picadeiro e descrito dentro da obra de Burnier (2001),

caracteriza-se por condensar experiências pré-expressivas, capazes de arriar as defesas

e atingir a sensibilidade do participante do curso ou oficina, de modo a trazer algo

autêntico e singular que irá compor seu trabalho posteriormente na arte. Essa etapa do

processo trabalha com a exposição com a finalidade de dilatar cada gesto, atitude ou

reação e fazer dela um momento de autodescoberta que estará a serviço da construção

de elementos que farão parte do repertório na composição do futuro clown.

Tal exposição ocorre de modo individual na maioria das vezes e visa colocar o

participante em contato com suas fraquezas e contradições a fim de tirá-lo da zona de

conforto e motivá-lo de forma criativa e singular à solução de problemas que são

colocados pelo monsieur3 na busca de estimular cada iniciante a descobrir uma lógica

de raciocínio e gestual na composição de seu clown.

Dentro da nossa proposta, o participante do processo deve se apresentar ao

monsieur, que nada mais é do que a figura que representa o dono do circo para dessa

forma agradá-lo a fim de ser contratado. Tem que fazer de tudo para convencê-lo de que

é bom o suficiente para a contratação, porém na verdade, mais do que fazer “graça”, o

futuro clown precisa ser engraçado dentro de sua figura singular e dessa forma único e

original.

No decorrer do processo, observamos que há uma ânsia muito grande em fazer

os outros e principalmente ao monsieur rir, porém quanto mais se força uma situação de

comicidade, mais se distancia de algo espontâneo e autêntico e, portanto da proposta do

exercício em questão.

Ao perceber que os artifícios não estão funcionando, o participante acaba por se

frustrar e quando, espontaneamente ele mostra que não sabe mais o que fazer e entrega

sua “incompetência” em provocar o riso ou agradar o público composto pelos demais e

o próprio monsieur, ele acaba por se deixar ver em seu momento de fragilidade e atinge

assim algo original e sincero, tendo condições de obter finalmente o êxito que o

condutor do processo deseja.

3 Nome que se dá ao “personagem” que o condutor do trabalho assume para estabelecer um jogo com o participante da iniciação. Essa figura é tradicional na história do palhaço e foi formalizada didaticamente no trabalho prático de Jacques Lecoq.

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O palhaço tira material justamente do fracasso. Ele é bom exatamente onde

reside sua fraqueza. Ninguém se diverte quando o palhaço acerta. O divertido é

justamente o erro e suas consequências. Em outras profissões, o acerto é a chave para o

sucesso, porém para o palhaço, o erro é o grande pretexto para gerar uma reação que se

torna cômica, pois é humana, e não há nada que nos torna mais humano do que o erro.

Para Bergson:

Não há comicidade fora daquilo que é propriamente humano. Uma paisagem poderá ser bela, graciosa, sublime, insignificante ou feia; nunca será risível. Rimos de um animal, mas por termos surpreendido nele uma atitude humana ou uma expressão humana. Rimos de um chapéu; mas então não estamos gracejando com o pedaço de feltro ou de palha, mas com a forma que os homens lhe deram, com o capricho humano que lhe serviu de molde. Como um fato tão importante, em sua simplicidade, não chamou mais atenção dos filósofos? (Bergson, 2007, p. 2)

Além da característica cômica provir da identificação com o que é estritamente

humano, podemos levantar na obra de Bergson (2007), uma série de elementos que por

alguma razão despertam o riso em quem os observa. Outro deles é a inflexibilidade:

Um homem, correndo pela rua, tropeça e cai: os transeuntes riem. Não riram dele, acredito, se fosse possível supor que de repente lhe deu na veneta de sentar-se no chão. Riem porque ele se sentou ao chão involuntariamente. Portanto, não é sua mudança brusca de atitude que provoca o riso, é o que há de involuntário na mudança, é o mau jeito. (Bergson, 2007, p.7)

Assim, dentro da metodologia escolhida e desenvolvida nesse trabalho, o

monsieur serve como uma figura provocadora de situações onde a inflexibilidade surge

como uma possibilidade de gerar comicidade dentro daquilo que é inesperado para o

sujeito que está participando do exercício chamado aqui de Picadeiro. As propostas

costumam funcionar tanto melhor quando se torna difícil ou até mesmo impossível de

ser realizada, daí o sujeito fracassa na sua execução de modo involuntário, frustrando-se

assim e mostrando-se humano em seu erro. Tudo isso além de gerar o riso, traz uma

poesia muito singela e uma identificação, comovendo e tocando de forma cômica ou

sensível, o público que o assiste.

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No decorrer de todo esse processo, a cada estímulo e reação, surge uma

fisicalidade e uma lógica individual que vai construindo uma figura com características

cômicas por excelência e ao mesmo tempo bastante singulares. Dessa forma o clown

surge e se estrutura a partir de um material que emerge de momentos onde é estimulada

a espontaneidade e autenticidade de cada um, elementos fundamentais para a criação em

artes cênicas.

Esse é um trabalho que além de promover a construção de uma fisicalidade que

ajudará na composição de um personagem num momento posterior, ao qual podemos

chamar de momento expressivo, colabora num processo de autoconhecimento que

enriquece o repertório pessoal, criando possibilidades para encontrar elementos estéticos

e de comunicação por meio da arte.

Percepção dos participantes

Apesar de me concentrar no relato das atividades realizadas no período de um

ano e meio, durante o projeto de extensão da UEM, já venho aplicando essa

metodologia há pelo menos dez anos e tenho colhido diversos relatos que ajudam a

atestar bons resultados de acordo com os objetivos postos.

Ao término dos cursos ou das oficinas aplicadas, geralmente os participantes

costumam relatar que se surpreenderam com os resultados obtidos, que não esperavam

atingir o ponto em que chegaram e que as expectativas eram inferiores ou bem opostas

ao que se chegou no final da etapa de iniciação. Muitos achavam que o curso iria propor

apenas algumas técnicas com ênfase em “truques” para se produzir cenas cômicas de

maneira genérica e impessoal. Uma participante me relatou que supunha tratar-se de um

curso onde aprenderia técnicas de acrobacia (cambalhotas, saltos e quedas) e de como

produzir cenas de forma engraçada. Outra ainda pensou que sairia com um modelo de

maquiagem e de figurino, pronta para fazer performances em festas ou hospitais.

O objetivo do curso é bem distinto, o que no final das contas acaba satisfazendo

uma maioria absoluta dos participantes. A surpresa costuma ser positiva e muitos dizem

ter modificado sua forma de pensar e agir.

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Um dos depoimentos frequentes, e que foram quase unânimes dentro do grupo

participante do projeto de extensão (2011/2012) ao qual apliquei tal metodologia, foi

que a jornada durante as atividades que compuseram o curso, ajudou a limpar o gestual

e afastar os clichês, geralmente comuns nos iniciantes dentro da pedagogia teatral.

Geralmente os alunos de um curso de teatro costumam trazer uma série de gestos e

vícios que copiaram de modelos provindos na maioria das vezes da televisão e da mídia

em geral. Acabam por imitar o que viram e tentam construir algo a partir de estereótipos

falsos e vazios. “O clown não existe fora do ator que o interpreta. Somos todos clowns.

Achamos que somos belos, inteligentes e fortes, mas temos nossas fraquezas, nosso

derrisório, que, quando se expressa, faz rir” (Lecoq, 2010, p. 213).

O clown então torna-se uma ferramenta que promove a auto percepção do

aluno/ator, ajudando-o a limpar os gestos vazios, resultado de uma reprodução sem

apropriação, e fortalecendo os laços individuais com sua essência mais íntima e original,

tornando-o único e especial por isso.

Algumas contradições foram observadas nesse grupo de pesquisa, onde revelou-

se muitas características que a princípio pareciam ser opostas ao que se mostrava ser a

personalidade cotidiana dos participantes. Aquele sujeito tímido e retraído apresentou

um clown mais energético e extrovertido. A participante R., que comportava-se de

maneira muito doce e tolerante, mostrou em seu clown uma personalidade impaciente e

autoritária. Em conversa posterior na roda de avaliação , R. nos revelou que foi

“adestrada” pela família, sociedade e escola, a ser mais dócil, porém que internamente

ela possuía o desejo de ser mais livre e manifestar sua impaciência e autoridade, porém

no cotidiano isso era reprimido. Já nas atividades com o clown, se sentia “autorizada” a

ser mais autêntica e sem sofrer nenhum tipo de repressão, muito pelo contrário, suas

características no clown eram valorizadas e capazes de divertir o público que a assistia.

No momento em que o clown já se desenha de forma mais definida, na etapa que

chamamos de expressiva, começam a surgir características que apontam para uma

classificação que será fundamental na realização do jogo cênico que é a hierarquia.

Temos o clown branco e o augusto, a relação entre ambos gera movimento nas cenas e

produzem contradições e conflitos que resultam na comicidade.

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O branco se acha muito esperto, julga-se o principal. É autoritário, mandão, quase nunca

admite seus erros. Procura vestir-se com elegância, para reforçar a sua suposta

superioridade (...). O augusto, quase sempre submisso ao branco, é ingênuo,

reconhecidamente estúpido e atrapalhado, tanto que parece estar sempre fazendo arte.

Se o branco prepara uma cena, pode ter certeza: O augusto vai atrapalhar. Derruba

alguma coisa, fala o que não deve, esquece o combinado, bobagens assim... Nos circos

brasileiros é conhecido como Excêntrico – e o nome já diz tudo: fora de centro, fora do

eixo. Ou seja: ele parece maluco (Thebas, p. 15, 2005).

Essas características não são impostas, são intrínsecas. Surgem a partir dos

exercícios e vão se sedimentando dentro da lógica que se estabelece e se fortalece com a

realização dos exercícios que fazem parte do treinamento do clown. De início existe um

preconceito com o clown augusto, pois, por ser mais atrapalhado e “bestalhão”, muitos

participantes das oficinas não querem ser dessa forma, preferem mandar e buscam um

“lado mais branco”, ou seja, autoritário na sua forma de agir. Porém não adianta forçar

uma característica que não lhe é autêntica, pois não haverá resultado cênico satisfatório.

No desenvolvimento do curso, o participante vai conquistando uma melhor

compreensão do processo e acaba por aceitar sua condição de augusto, tirando proveito

disso, percebendo que o público se identifica mais com o oprimido e dessa forma são

mais amados tendo maior êxito nas suas performances.

G. era muito tímido por estar acima do peso, tinha vergonha de se mostrar pois,

muitas vezes, era ridicularizado por conta de sua silhueta. Para o clown, o que sai do

convencional pode ser um dado que ressaltado serve de elemento de comicidade. Com o

tempo, G. foi se aceitando e percebendo que era querido pelo público justamente por ser

diferente. Sua forma física além de gerar comicidade, acaba por destacá-lo no grupo e

sua espontaneidade e alegria são contagiantes em todos os lugares onde se apresenta. G.

aprendeu a tirar partido daquilo que era motivo de tristeza e reclusão. Em suas próprias

palavras: “O clown me mostrou que eu posso ser quem sou sem medo de ser

ridicularizado pelos outros, posso ter liberdade de me expressar e ainda sou amado por

ser quem sou”.

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Considerações Finais

Dentro do ensino da arte, o trabalho com elementos supra-lógicos abre uma

dimensão importantíssima para o desenvolvimento da sensibilidade que é essencial à

criação artística e para formação do indivíduo. O teatro pode colaborar bastante na

produção de experiências sinestésicas nesse sentido. O clown ainda pode tornar-se uma

ferramenta mais eficiente ainda para tocar a essência humana, produzindo uma poesia

capaz de enriquecer o repertório cultural subjetivo do ser.

Segundo Huizinga:

(...) a poiesis é uma função lúdica. Ela se exerce no interior da região lúdica do espírito, num mundo próprio para ela criada pelo espírito, no qual as coisas possuem uma fisionomia inteiramente diferente da que apresentam na “vida comum”, e estão ligadas por relações diferentes das da lógica e da causalidade. (2010, p. 133)

Atingir essa poesia e ultrapassar os limites do dia a dia em direção ao extra

cotidiano é um caminho que pode se tornar importante na construção social de um

indivíduo criativo com potencial artístico e de fruição cultural. As relações com a arte, o

ambiente onde ela acontece, e com o docente, que ministra o curso, também é afetado

quando a pedagogia leva em conta aspectos humanos na construção do conhecimento.

O clown pode ser uma alternativa bastante interessante no ensino das artes

cênicas, tanto dentro de um ambiente escolar quanto em cursos voltados para construção

de conhecimento específico em artes ou no território da educação social, pois consegue

congregar aspectos sensibilizadores e capazes de valorizar a subjetividade, tão

importante na construção do sujeito social, quanto elementos técnicos pertencentes ao

repertório básico da criação teatral específica.

REFERÊNCIAS

BERGSON, Henri. O Riso, ensaio sobre a significação da comicidade. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BOLOGNESI, Mário Fernando. Palhaços. São Paulo: Ed. Unesp, 2003.

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BURNIER, Luís Otávio. A Arte do Ator. Campinas: Ed. Unicamp, 2001. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. O jogo como elemento da cultura. São Paulo. Ed. Perspectiva, 1971. ICLE, Gilberto. O Ator como Xamã. São Paulo: Perspectiva, 2006. LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral. Colaboração de Jean-Gabriel Carasso e Jean Claude Lallais; tradução de Marcelo Gomes. São Paulo: Editora Senac, 2010. THEBAS, Cláudio. O Livro do Palhaço. Coleção Profissões. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2005.