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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015
O MÉTODO DE VIOLA SPOLIN APLICADO À SALA DE AULA
MARCHI, João Alfredo Martins
COLAVITTO, Marcelo Adriano
Apresentação O presente artigo pretende demonstrar como os jogos teatrais propostos dentro da
pedagogia de Viola Spolin, importante pesquisadora no campo do ensino do teatro
principalmente para crianças e não atores, pode favorecer um ambiente colaborativo,
capaz de fomentar o estabelecimento de relações mais humanas, estimulando um
convívio social pautado na ética, na afetividade e no respeito mútuo, tornando-se um
instrumento dialógico para construção do conhecimento tanto do âmbito pessoal como
àquele relativo a construção cognitiva e a compreensão do mundo onde o sujeito se
insere. Da mesma forma, buscamos uma aproximação com a pedagogia de Paulo Freire
visando complementar as propostas de Spolin. Para o autor o diálogo é essencial na
construção do conhecimento, nesse sentido “a palavra jamais pode ser vista como um
“dado” (ou como uma doação do educador ao educando) mas é sempre, e essencialmente,
um tema de debate para todos os participantes do círculo de cultura” (FREIRE p. 5)1.
Durante a licenciatura em teatro realizada na Universidade Estadual de Maringá
(UEM)-Paraná, descobrimos na obra de Viola Spolin, um método significativo para
catalisar a espontaneidade na prática teatral. Partindo de jogos dramáticos e teatrais sob
uma crescente transformação dos problemas a serem resolvidos como foco, atenção,
olhar, trabalho em grupo; a autora fomenta uma sequência de atividades capazes de
despertar a arte da improvisação e, sob nossa perspectiva, mais qualidade nas relações 1 � Em nosso caso, utilizamos a roda de cultura no final de cada atividade para problematizar os
exercícios e dar voz aos educandos, estimulando assim sua participação, a troca de conhecimentos e a autonomia.
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humanas. O jogo dramático pode ser caracterizado como aquele em que todos os
jogadores estão envolvidos e participando ao mesmo tempo, já no jogo teatral há uma
parte que assiste (plateia) e outra que mostra, seja uma improvisação, uma cena ou um
jogo (SPOLIN, 2010).
Segundo a autora “Se o ambiente permitir, pode-se aprender qualquer coisa, e se o
indivíduo permitir, o ambiente lhe ensinará tudo o que ele tem para ensinar” (SPOLIN,
2010 p. 3); partindo dessa ótica democrática de trabalho apresentada, propusemos, no
início do ano de 2015, a implementação do método da espontaneidade para uma turma de
25 alunos do ensino fundamental de uma instituição da rede particular de ensino de
Maringá-Paraná.
A ideia de se trabalhar teatro com crianças, de modo a propiciar uma experiência
substancial de aprendizado num sentido ontológico, vem fundamentada na pesquisa
realizada por Spolin na Young Actors Company em Hollywood; escola onde eram
estudados fundamentos do jogo teatral com o intuito de libertar as crianças do medo do
palco e dos clichês do teatro, além de promover um espaço para o desenvolvimento social
do sujeito. Nesse período “a palavra 'jogador' foi introduzida para substituir 'ator' e
'fisicalizar' para substituir 'sentir' […] a abordagem da Solução de Problemas e Ponto de
Concentração foram acrescentados à estrutura do jogo” (SPOLIN, 2010, p XXVIII).
Ao se chegar à escola, os primeiros jogos a serem apresentados e vivenciados
foram os de foco, concentração, atenção e interação e, logo na sequência, foi introduzida
a fisicalização2. A partir do que Freire (1979) aponta como consciência crítica, buscamos
desde o início priorizar o diálogo para, de forma horizontal, reconhecer as diferentes
realidades e saberes dos educandos. Assim, por meio das primeiras rodas de conversa
para problematizar os temas das aulas, percebemos diferentes vivências em relação ao
teatro por parte dos educandos. Alguns nunca haviam tido contato com o teatro e outros
2 � Vale ressaltar que o trabalho não foi finalizado, estando até o presente momento, numa etapa inicial
onde os alunos estão experenciando problemas mais simples do método como, por exemplo, construir objetos com o corpo e ou fisicalizar ambientes.
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que já tinham pelo menos um ano de prática teatral na mesma instituição. Com isso, os
jogos propostos, além de trazerem os primeiros conceitos do método de Spolin (2010),
fomentaram ao mesmo tempo o conhecimento que os educandos já possuíam sobre
teatro.
Após os primeiros encontros identificamos que jogos, os quais permitiam aos
educandos definir as regras eram substancialmente mais aceitos. De que forma isso foi
observado? Quando aos educandos era dada a liberdade para definir as regras do jogo,
bem como a liberdade de se organizar em grupo, instituindo um líder de maneira
espontanea, o ponto de concentração e o foco eram otimizados significativamente,
consequentemente, o jogo fluía de forma que os problemas eram solucionados mais
rapidamente e com qualidade estética e de interação social. Entendemos o ponto de
concentração como o direcionamento do foco para determinado objeto ou acontecimento,
em outras palavras, “o objeto em torno do qual os atores se reúnem” (SPOLIN, 2010, p.
345). Já o foco pode ser entendido como a “atenção dirigida e concentrada numa pessoa,
objeto ou acontecimento específico dentro da realidade do palco” (SPOLIN, 2010, p.
340).
Além da dialogicidade, pudemos identificar outro princípio Freiriano em
convergência com a metodologia de Spolin (2010). No que tange ao homem como um ser
da praxis. “o mundo humano só é porque está sendo; e só está sendo na medida em que
se dialetizam a mudança e o estático” (FREIRE, 1979, p. 47). Na passagem do parágrafo
anterior, os educandos passaram a interferir na dinâmica dos exercícios de forma crítica e
coletiva, ou seja, passaram a transformar a realidade das aulas a partir das reflexões e do
diálogo proposto constantemente entre educador/educando e educando/educador.
Desse modo as aulas passaram a ser constituídas de seguinte forma: Num primeiro
momento eram aplicados o aquecimento e jogos coletivos para gerar energia e começar
trabalhar o foco; há ainda nesses jogos o que Chateau (1987) define como sendo de
natureza lúdica para a criança e a prepara para o mundo adulto. Em seguida a proposta
seguia com a aplicação de jogos dramáticos visando a atenção, a concentração e a
experimentação corporal/sensorial. Na terceira parte da aula os educandos se dividiam em
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pequenos grupos e compunham uma “cena” com base no tema da aula, caracterizando um
jogo teatral e, para finalizar, uma roda de conversa era feita para problematizar as
percepções dos alunos e, assim, ver como o aproveitamento da aula se deu naquele dia.
Na última etapa, com a roda da conversa, o foco é no que Freire (2012) chama de
círculo de cultura, e galga-se nas percepções dos educandos sobre o jogo, sobre o outro,
sobre toda a experiência da aula. Assim, construímos os planos de atividades levando em
conta as considerações de cada educando, promovendo democraticamente o avanço dos
exercícios. Outra observação sobre esse momento é a possibilidade de um primeiro passo
em direção à emancipação do sujeito pelo que Paulo Freire (1996) conceitua como
dialogicidade. Para Freire, a oportunidade do diálogo no processo de aprendizagem
estimula a participação na construção do conhecimento a partir das experiências culturais
obtidas, fomentando uma curiosidade crítica nos educandos.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Ao chegar ao salão de eventos onde as aulas seriam realizadas, a primeira
iniciativa nossa foi ouvir os alunos a fim de identificar o conhecimento prévio de cada
um dos estudantes sobre teatro e, ainda, qual a sua visão sobre o tema. Acreditamos numa
proposta dialógica de vivências, a qual propicia uma troca de conhecimentos que
enriquece tanto educandos como educadores. A visão exposta acima se fundamenta na
obra de Paulo Freire que expõe: É preciso […] que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção […] embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado […] formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado […] Quem ensina aprende ao ensinar e que aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1996, p. 22-23)
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Apreendido o meio social e educacional daqueles educandos, foi-se estabelecendo
as primeiras relações educador-educando e educando-educador e, assim, as aulas
passaram a ser pensadas numa sequência que permitisse sempre a intervenção dos alunos
para complementar os exercícios.
A ideia de ouvir os educandos a fim de compor as aulas, vem de nossa
compreensão a qual vê na criança um sujeito dotado de conhecimentos próprios e em
relação constante no que tange à troca de experiências e saberes. Pesquisas apontam que,
historicamente, a criança era vista como um “adulto em miniatura”, sem capacidade de
opinião. Atualmente as políticas públicas fomentam outro olhar sobre os pequenos, nesse
sentido compreendemos que “A infância se refere exatamente a um conjunto de seres
humanos que tem características próprias e que, usado o termo, já se sabe de quem
falamos, das crianças e seu mundo.” (MÜLLER, 2007, p. 18).
Mesmo na atualidade, com o estatuto da criança e do adolescente, a violação de
direitos dos pequenos é gritante. A escola nesse processo, seguindo a lógica social
vigente, ao invés de estimular sujeitos pensantes, pauta-se numa narrativa a qual “conduz
os educandos à memorização mecânica do conteúdo […] Em lugar de comunicar-se, o
educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem
pacientemente, memorizam e repetem.” (FREIRE, 1996, p. 36)
Por meio do diálogo e dos jogos de improvisação vivenciados no período de
fevereiro à junho, recorte analisado pelo presente artigo, vimos um avanço em relação ao
foco e a capacidade dos alunos de trabalharem em coletivo. No início, durante a aplicação
do jogo denominado “círculo contínuo”3 os educandos tinham bastante dificuldade em
manter um ritmo; quando foi acrescentada uma bolinha ao jogo a dificuldade passou a ser
lançar e receber corretamente a bolinha. Acreditamos que tal dificuldade se deu pelo fato
3 � O jogo consiste em: dispostos num círculo, um aluno começa olhando para outro e indo para o lugar
deste; ao perceber isso quem foi visto olha para outro aluno e se dirige para o lugar do mesmo; isso ocorre continuamente. Pode se acrescentar uma bolinha para que o aluno a jogue antes de sair de seu lugar e podem ser trabalhadas variações como por exemplo (jogar a bolinha e falar o nome da pessoa para onde você está indo tomar o lugar).
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dos alunos não “olharem” de fato uns para os outros e por perderem o foco rapidamente.
O olhar por mais que seja inerente ao nosso dia a dia, não é trabalhado para “ver”
realmente o que nos cerca, seja um objeto, uma paisagem ou um sujeito.
Atrelamos tal informação com a cultura hegemônica vigente defensora da rapidez
das ações, da competição exacerbada entre indivíduos e do fomento de um pensamento
voltado ao acúmulo do capital. Segundo Morin (s/d) “O capitalismo desvia as massas de
seus verdadeiros problemas […] na falsa cultura a alienação do homem não se restringe
apenas ao trabalho, mas atinge o consumo e os lazeres” (MORIN, s/d, p. 19). Podemos
dizer que há uma tendência cada vez mais forte de alienar os sujeitos e individualiza-los
e, atualmente, cada vez mais cedo. Segundo o mesmo autor “uma homogeneização da
produção do consumo tente a atenuar as barreiras entre as idades” (MORIN, s/d, p. 41).
Versando sobre os dias atuais, encontramos nos pequenos uma fonte de lucro para as
empresas capitalistas e um número cada vez maior de produtos direcionados às crianças a
fim de fomentar um espírito de consumo.
Essa atmosfera de consumo tende a criar competições e, consequentemente,
potencializa a desumanização dos sujeitos, assim, o outro se torna adversário, olhá-lo
significa criar relações, ser afetivo, se mostrar humano. Na visão de Bauman (2011) um
dos principais motivos do “desgaste” das relações está atrelado à rapidez que a
tecnologia, os meios de comunicação em massa, o avanço da ciência e o fluxo das
informações imprimem na modernidade, denominada pelo autor como líquida4; ou seja,
um estado que está em constante transformação, permeado de possibilidades
tecnológicas, de fluxo intenso e constantes de informações e convergentes à um
conhecimento raso. Nesse âmbito:
4 � Para Bauman (2007, 2010) a modernidade líquida está caracterizada pelo enfraquecimento do
vinculo para com as coisas e as pessoas. O excesso de informações e a multiplicidade de caminhos que a pós-modernidade traz, gera uma flexibilidade que abrange “a prontidão em mudar repentinamente de táticas, de estilo, abandonar compromissos e lealdades sem arrependimento […] buscar oportunidades mais de acordo com sua disponibilidade atual do que com as próprias referências” (BAUMAN, 2007, p. 10)
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Fazer contato com o olhar, reconhecendo a proximidade física de outro ser humanos, parece perda de tempo: sinaliza a necessidade de gastar uma parcela de tempo preciosos, mas horrivelmente escasso, em mergulhos profundos (coisa que a exploração de profundidades certamente exigiria); uma decisão que poderia interromper ou impedir o surfe por tantas outras superfícies não menos – e talvez muito mais – convidativas. (BAUMAN, 2011, p. 16)
Buscando sempre criar uma atmosfera lúdica e plena de espontaneidade, notamos
num dos encontros ao propor que os alunos tentassem jogar a bolinha uns para os outros
20 vezes sem deixá-la cair, que era possível conseguir imprimir a compreensão de que
atuando em coletivo, o grupo ganha e perde como um único sujeito. Quando um não
coopera, o coletivo sai prejudicado, e em contrapartida, com todos trabalhando para uma
mesma finalidade, o conjunto se fortalece e todos usufruem dos resultados que são
socializados. Assim, a cooperação e a vontade de ganhar o jogo, catalisaram o trabalho
em equipe por parte dos educandos. Durante o jogo, várias tentativas foram frustradas,
todavia a cada erro os alunos pareciam se conectar mais uns com os outros e todos com o
mesmo objetivo e, finalmente, quando eles conseguiram, houve uma explosão de energia
por terem resolvido o problema. Nos encontro seguintes o círculo contínuo melhorou
significativamente; a bolinha passou a cair menos e o ritmo se tornou mais dinâmico.
Podemos analisar o exposto no parágrafo anterior a partir do que Viola Soplin
chama de “Ponto de Concentração” ou POC; nas palavras da autora “O ponto de
concentração libera a força grupal e o gênio individual [...] é o ponto focal para o sistema
coberto neste manual, e realiza o trabalho para o aluno. Ele é a “bola” com a qual todos
participam do jogo.” (SPOLIN, 2010, p. 20). Vimos durante os encontros seguintes que o
POC se tornava mais forte quando os próprios alunos coordenavam os exercícios, para
exemplificar a afirmação segue a descrição de um desses exercícios.
Conhecido por nós como “Xô Toro” tal jogo consiste em movimentos e sons
onomatopeicos passados como uma “ola” entre os alunos dispostos em círculo5; cada
5 � Proveniente do espanhol, a palavra “ola” significa para nós “onda”. No presente jogo, um
participante começa o movimento e passa-o quem está ao seu lado; este passa o mesmo movimento ao
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movimento altera a regra do jogo. O primeiro movimento é o “iá” no qual um aluno “faz
uma ação com o braço como a de cortar o outro com uma espada na altura do joelho” e,
passando de um para o outro é o que movimenta a “ola”. Se algum aluno quiser inverter o
sentido da “ola” ele faz o segundo movimento proposto, o comando “randô” que é
configurado com a elevação e uma das pernas (flexionadas) e os braços “puxando” o ar
de cima para baixo. Um terceiro movimento trabalhado foi o “aim” que serve para que o
jogador que vai receber a “ola” seja pulado e o próximo jogador é quem continuará a
sequência.
Aplicado com os 25 alunos, percebemos problemas tanto de ritmo como de falta
de percepção, pois muitas vezes, o jogo ficava concentrado só num dos lados do círculo
(devido ao fato do “randô” ser utilizado muitas vezes por pessoas muitos próximas,
deixando assim as “idas e vindas da ola” vinculadas a um pequeno número de alunos).
Decidimos dividir o grupo ao meio e deixar que os próprios alunos decidissem quem
começar e discutissem sobre deixar todos jogarem (foi proposta essa variação sem a
mediação do professor), pois acreditamos que o “respeito à autonomia e à dignidade de
cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos
outros” (FREIRE, 1996, p. 59). Com isso viu-se um ganho imediato de qualidade tanto
no ritmo quanto no aprimoramento do foco no jogo. Constamos assim que, com essa
turma em específico, a autonomia já é um dado presente e que fomenta o envolvimento e
o interesse de todos no jogo. Tal afirmação pode ser relacionada com o conceito de
curiosidade crítica exposta por Paulo Freire que, em sua pedagogia, leva os educandos ao
verdadeiro aprendizado. Nas palavras do autor “nas condições de verdadeira
aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da
reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo”
(FREIRE, 1996, p. 26).
A partir desse breve relato de experiências do método de Viola Spolin, na
sequência iremos ampliar e expor nossa opinião sobre a aplicação metodológica da
participante seguinte e, tal qual uma ola num estádio de futebol, um a um vai recebendo e passando o movimento continuamente.
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pesquisa da autora para a arte educação não só na instituição trabalhada, mas como um
dispositivo capaz de gerar mais qualidade nas relações humanas na sala de aula.
Teatro e Escola: Uma relação dialógica
Dentro da sala de aula o que se vê, na maioria dos casos, é uma educação voltada
para o mercado de trabalho e que atua sob uma ótica bancária de ensino (FREIRE, 1996).
Dentro desse quadro, os alunos se vêem sem voz ativa e, consequentemente,
desmotivados a pensar de forma crítica em relação ao ambiente que os cerca; visando
transcender tal situação é que propusemos o ensino do teatro na instituição avaliada nesse
estudo. Nas palavras de Viola Spolin (2010, p. 30):
Poucas são as oportunidades oferecidas às crianças para interferir na realidade, de forma que possam encontrar a si mesmas. Seu mundo, controlado pelos adultos que lhes dizem o que fazer e quando fazer, oferece poucas oportunidades para agir ou aceitar responsabilidades comunitárias. A oficina de jogos teatrais oferece aos alunos a oportunidade de exercer sua liberdade, respeito pelo outro e responsabilidade dentro da comunidade da sala de aula.
Sobre a participação dos sujeitos a fim de interferir na realidade, Freire (1979)
aponta que: Se a vocação ontológica do homem é a de ser sujeito e não objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre suas condições espaço-temporais, introduz-se nelas, de maneira crítica. Quanto mais for levado a refletir sobre sua situcionalidade, sobre seu enraizamento espaço=temporal, mais “emergira” dela conscientemente “carregado” de compromisso com sua realidade, da qual, porque que é sujeito, não deve ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais (grifo nosso, FREIRE, 1979, p. 61)
As citações acima exemplificam muito bem o que acreditamos ser um caminho
para a educação libertadora; buscamos a emancipação do educando por meio dos jogos e
de uma visão ao mesmo tempo crítica frente ao mundo e transformadora das relações
humanas tão fortemente esquecidas atualmente. Para Mészaros, a educação está voltada
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para os interesses do capital e devemos buscar meios para superar essa lógica que busca a
constante reprodução e manutenção da ordem vigente que nos deixa “sob condições de
uma desumanizante alienação e de uma subversão fetichista do estado real de coisas
dentro da consciência” (2008, p. 59).
Para Foucault (1979) um dos dispositivos do poder é a docilização dos corpos por
meio da disciplina. Observamos que a escola é uma instituição que se pauta na disciplina
como meio fundamental para o exercício dos micropoderes que nela se articulam.
Inverter a lógica da docilização por meio de atividades que tem a intenção de libertar o
corpo de “quadros estáticos” (Spolin, 2005) de reprodução do sistema vigente é uma
forma revolucionária de resistência as imposições hegemônicas. O jogo torna-se,
portanto, uma tática capaz de “indisciplinar” o sujeito, tornando-o autônomo às
determinações do sistema.
Ao chegar com a proposta dos jogos teatrais, vimos que a maioria dos educandos
não expunham suas sensações, suas percepções e suas opiniões sobre o que foi
vivenciado; alguns deles – geralmente os mesmos em todas as situações – colocavam
suas ideias nas rodas de conversa feita por nós, mas com certa cautela sobre o que dizer,
justamente por estarem condicionados ao processo de docilização que costuma
acompanhar as práticas disciplinares presentes na maioria das instituições educacionais.
Conforme o avanço das aulas e o estímulo constante de ouvir os educandos, pudemos
constatar que houve uma maior participação. Ressaltamos que durante uma das aulas, o
fato de um educando ter sugerido variações para um dos jogos, fez com que o restante da
turma alcançasse um nível maior de concentração e de prazer ao jogar. Isso demonstra
que a inverter a lógica dos poderes, se pautando na organização que as atividades lúdicas
espontaneamente proporcionam, favorece a assunção dos sujeitos, garantindo seu
desenvolvimento social de forma mais participativa e democrática.
Ao partir da visão de Spolin (2010) sobre a espontaneidade e de Freire (1996)
sobre a educação libertadora, conseguimos analisar um comportamento que, pela
interação que o teatro possui em sua essência, aproxima os educandos, gera um estado
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coletivo propício ao jogo e, o que pensamos ser o principio motriz de nosso estudo, traz
um grau de autonomia capaz de catalisar uma visão crítica sobre a as atividades.
Com o avanço das aulas visamos ampliar e proporcionar cada vez mais uma
atmosfera de jogo que levasse a autonomia da prática proposta, percebemos que os
educandos passaram a expressar melhor suas opiniões e se posicionar criticamente frente
às discussões propostas nas rodas de conversa. Utilizando da linguagem freiriana,
podemos dizer que superamos alguns dos “mitos que nos deformam”. (FREIRE, 1995, p.
58). O autor infere ainda que “Ao contestar esses mitos enfrentamos também o poder
dominante, pois que eles são expressões desse poder, de sua ideologia” (idem). Ao ouvir
os educandos durante o decorrer de cada aula, temos como intuito inverter a lógica da
disciplina autoritária e rígida que a escola em questão costuma utilizar como dispositivo
de controle, seja para a obtenção de maiores resultados – visando o futuro mercado de
trabalho – ou para a manutenção da ordem dentro da instituição.
Na perspectiva de Foucault: [...] nunca a disciplina foi tão importante, tão valorizada quanto a partir do momento em que se procurou gerir a população. E gerir a população não queria dizer simplesmente gerir a massa coletiva dos fenômenos ou geri-los somente ao nível de seus resultados globais. Gerir a população significa geri-la em profundidade, minuciosamente, no detalhe. (1979, p. 291)
Relacionando tal afirmação com a aplicação dos jogos teatrais, é justamente nos
detalhes que incentivamos os educandos a falar e expressar seus pontos de vista, pois tal
estímulo contribui para uma formação humana que vai para além do simples fazer teatral.
A prática de atividades do campo da pedagogia teatral, pode proporcionar uma ação
contra hegemônica, pois o corpo, que segundo Foucault (1979) é o campo da ação do
poder disciplinar e docilizador, é descondicionado, ou “indisciplinado”, agindo de modo
a resistir a ação impositiva das forças regulamentadoras. Ao se proceder um trabalho que
afeta a relação do sujeito com seu corpo, se estabelece práticas inversas ao processo de
docilização, portanto capazes de funcionarem como táticas contra as estratégias de
determinados dispositivos de poder, o munimos para se libertar da ação disciplinadora
imposta pelo sistema vigente
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A seguir iremos expor quais conclusões a pesquisa tem nos fornecido até o
presente momento.
Considerações Finais
A partir da aplicação dos jogos teatrais na sala de aula, o primeiro ponto que nos
chama atenção, refere-se à autonomia que os alunos mostraram em cada nova aula; eles
começaram a sugerir propostas e variações para os jogos; organizarem-se em pequenos
grupos – que sempre eram sugeridos de forma variada por nós – em diálogo uns com os
outros, de forma a apresentar pequenos exercícios baseados em elementos trabalhados em
sala; e estarem cada vez mais se posicionando criticamente sobre os as atividades.
Outro ponto relevante está relacionado com a melhora das relações que o grupo
tem apresentado. A cada novo encontro vem se fortalecendo a identidade coletiva e, em
decorrência disso, os jogos podem se desenvolver com mais variações, ampliando as
possibilidades de solucionar outros problemas de cunho teatral.
Em última análise, a partir dos jogos realizados, apresentamos uma forma lúdica
que aproxima a teoria e a prática do dia-a-dia dos educandos, aperfeiçoando assim as
relações fora do ambiente escolar, característica suleadora6 tanto da metodologia
Freiriana como na práxis proposta por Spolin (2010). Definimos como lúdico o espaço
permissível de exploração da cultura que é própria das crianças, ou seja, um espaço de
jogo, de brincadeira. Nas palavras de Colavitto “Esse espaço pode proporcionar um
ambiente propício para um extraordinário desenvolvimento da imaginação, cognição e da
abstração, responsáveis pelo refinamento do pensamento humano” (2015, p. 50).
Dissertamos sobre essa questão, pois já ocorreram vezes dos pais chegarem antes
do horário previsto para o término das aulas, a fim de expor a vontade com que seus
6 � Optamos pelo uso deste termo validado por Boaventura Souza Santos (2010). Para o autor existe
forte influência do norte (geográfica e economicamente) sobre o mundo; dessa forma, ao conceituar a epistemologia do sul, Santos (2010) nos apresenta o termo como convergente com os discursos contra-hegemônicos.
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filhos falavam do teatro e o entusiasmo de poder se desligar um pouco da rotina da
semana. Ficamos encantados com tais relatos e, no sentido freiriano da palavra,
acreditamos na poesia do teatro para gentificar o mundo cada vez mais voltado para o
individualismo e a competição exacerbada.
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Zahar, 2011.
______. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro, Ed: Zahar, 2007
COLAVITTO, Marcelo Adriano. O Cown e a Criança: poéticas de resistência.124 f.
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