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O CÂNCER INFANTIL Histórico Há quatro décadas o máximo que se poderia esperar de uma criança com câncer era uma sobrevida de alguns anos. Este quadro mudou e o câncer infantil deixou de ser uma doença inevitavelmente fatal. Atualmente cerca de 70% para todos os tipos de câncer são curáveis (Wierner, L, Battles, 2006), chegando a 90% para alguns tipos de tumor (Mitby, PA, Robison, LL, 2003). Embora estatísticas apontem que só entre 2 e 3% de todos os tumores malignos acometem crianças (INCA, 2008), eles constituem a principal causa de morte infantil nos países desenvolvidos e, no Brasil, ficam atrás apenas das causas por acidente (incluindo a violência). Uma atenção especial, portanto, deve ser dada a esta doença, já que, segundo o INCA, era esperado para os anos de 2008/2009 um total de aproximadamente 10.000 casos novos em nosso país. Efeitos tardios 1 Estima-se um grande contingente de jovens e adultos curados de câncer na infância (atualmente, 1 entre 450 adolescentes e adultos jovens no mundo, Monteleone, PM e Meadows, AT, 2009). Esta realidade revela o problema dos efeitos tardios do tratamento do câncer, cujos principais responsáveis são os agentes quimioterápicos (a intensidade com que são administrados) e a radioterapia (em especial na região do sistema nervoso central). Seqüelas físicas mais comuns: neurológicas cardiopulmonares endócrinas músculo-esqueléticas infertilidade risco aumentado para segundas neoplasias A partir de estudos que relacionam as seqüelas do câncer infantil com a qualidade de vida, importantes alterações na terapêutica oncológica foram efetuadas. Por exemplo, não se submete mais o paciente com leucemia à radioterapia do sistema nervoso 1 Efeitos tardios são quaisquer efeitos adversos do tratamento que surgem depois do final do tratamento, ao longo do processo de desenvolvimento da criança e do adolescente (Monteleone, PM e Meadows, AT, 2009).

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O CÂNCER INFANTIL

Histórico

Há quatro décadas o máximo que se poderia esperar de uma criança com câncer era

uma sobrevida de alguns anos. Este quadro mudou e o câncer infantil deixou de ser

uma doença inevitavelmente fatal. Atualmente cerca de 70% para todos os tipos de

câncer são curáveis (Wierner, L, Battles, 2006), chegando a 90% para alguns tipos de

tumor (Mitby, PA, Robison, LL, 2003). Embora estatísticas apontem que só entre 2 e

3% de todos os tumores malignos acometem crianças (INCA, 2008), eles constituem a

principal causa de morte infantil nos países desenvolvidos e, no Brasil, ficam atrás

apenas das causas por acidente (incluindo a violência). Uma atenção especial, portanto,

deve ser dada a esta doença, já que, segundo o INCA, era esperado para os anos de

2008/2009 um total de aproximadamente 10.000 casos novos em nosso país.

Efeitos tardios1

Estima-se um grande contingente de jovens e adultos curados de câncer na infância

(atualmente, 1 entre 450 adolescentes e adultos jovens no mundo, Monteleone, PM e

Meadows, AT, 2009). Esta realidade revela o problema dos efeitos tardios do

tratamento do câncer, cujos principais responsáveis são os agentes quimioterápicos (a

intensidade com que são administrados) e a radioterapia (em especial na região do

sistema nervoso central).

Seqüelas físicas mais comuns:

• neurológicas

• cardiopulmonares

• endócrinas

• músculo-esqueléticas

• infertilidade

• risco aumentado para segundas neoplasias

A partir de estudos que relacionam as seqüelas do câncer infantil com a qualidade de

vida, importantes alterações na terapêutica oncológica foram efetuadas. Por exemplo,

não se submete mais o paciente com leucemia à radioterapia do sistema nervoso

1 Efeitos tardios são quaisquer efeitos adversos do tratamento que surgem depois do final do

tratamento, ao longo do processo de desenvolvimento da criança e do adolescente (Monteleone, PM e

Meadows, AT, 2009).

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central em função das seqüelas neuropsicológicas advindas deste procedimento; em

crianças com tumores de sistema nervoso central não é mais recomendado que se faça

radioterapia no neuro-eixo em menores de 3 anos, pois verificou-se que as sequelas

neurológicas eram muito severas nesta população, ainda que do ponto de vista estrito

da cura esta seja a melhor terapêutica a seguir.

Cura e qualidade de vida

O câncer infantil não deixou de ser uma doença grave. Seu tratamento tampouco

deixou de ser agressivo (quimioterapias incapacitantes, cirurgias extensas), longo

(pode durar até 30 meses sem recidivas) e dolorido (punções venosas às vezes diárias,

exames recorrentes como o líquor), de modo que seus efeitos secundários não ocorrem

apenas na esfera física-orgânica, mas também, e talvez sobretudo, nas esferas

emocionais e sociais das crianças (Moreira, 2002).

Quando uma criança é diagnosticada com câncer, “seu mundo de criança é

esfacelado bem no seu ponto nuclear” (Segundo Spinetta, JJ e Deasy-Spinetta, P,

1986).

A atenção às seqüelas psicológicas / sociais tem levado a investigações nestas esferas

mas, por serem recentes, alguns de seus resultados ainda são contraditórios e

inconsistentes (Wierner, L, Battles, 2006). Em relação à capacidade de adaptação dos

jovens/adultos tratados de câncer na infância, por exemplo, estudos apontam para um

número considerável de sobreviventes que apresentam índices elevados de distúrbios

psicológicos – depressão, ansiedade, problemas de comportamento, baixa auto-estima.

Outros estudos apontam para índices de funcionamento psico-social compatíveis com

o grupo controle (sem história de doença), ou ainda para scores acima da população

normal. Quando se constata que a população de sobreviventes do câncer infantil

apresenta dificuldades psicológicas – como a menor capacidade de estabelecer laços

sociais e controlar a própria vida – verifica-se que durante o tratamento houve

rompimento de laços sociais (como os escolares) e que a criança vivenciou uma falta

completa de controle do que lhe aconteceria.

Entre as dificuldades apontadas pode-se citar ainda:

• a excessiva dependência dos pais,

• o menor interesse em relacionamentos,

• a maior tendência a distúrbios emocionais e de comportamento,

• a preocupação constante com a saúde e com a possível volta do câncer,

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• o menor desempenho escolar e no trabalho.

É recorrente que as lembranças do tratamento reapareçam constantemente para estes

sobreviventes, de forma inesperada e abrupta – às vezes na forma de pesadelos –

mesmo após anos de seu término (Wierner, L, Battles, 2006). Há uma tendência em se

compara estas lembranças ao Distúrbio de Estresse Pós-Traumático.

Estudos que apontam que não há mudanças na motivação interna e na sensação de

controle nas atividades cotidianas registram, no entanto, que os sobreviventes têm

menor satisfação em seus relacionamentos e uma questão importante relativa à

fertilidade. Este comportamento justifica-se pelas alterações na qualidade das relações

da criança no período do tratamento. Muitos pacientes que enfrentaram um câncer e

superaram esta experiência, acreditam estar mais aptos a lidar com adversidades e

acreditam ter melhor qualidade de vida.

O que é comum a todos os sobreviventes, no entanto, é a incerteza em relação ao

futuro e o temor em relação à volta do câncer. O bom funcionamento das relações

pessoais aparece também neste estudo no centro da qualidade de vida. Os efeitos

psicossociais do câncer na infância são mais evidentes para os sobreviventes de

tumores de sistema nervoso central, para os quais observaram maior dificuldade em

assumir uma vida adulta.

O papel da família

O modo de funcionamento familiar durante o período do tratamento determina a

presença ou não de sintomas psicológicos posteriores da criança (Spinetta, JJ, Deasy-

Spinetta, P, 1986). Dentre estes fatores que posteriormente produzem efeitos negativos

na saúde mental da criança, estão:

• uma família continente que permite que a criança expresse seus medos e se

sinta acolhida nas suas incertezas,

• uma família superprotetora que afaste a criança de todos os seus vínculos,

especialmente o escolar,

• uma família que se cale em relação ao que acontece durante o tratamento.

A cura do câncer infantil traz consigo o constante temor da recidiva, de tal modo que a

forma como se lida com esta ameaça determina a qualidade da adaptação e reinserção

da criança e sua família no período de sobrevivência.

Em relação à cura física sobrepõem-se as dimensões psicológica e social da cura.

Arrais, AR & Araújo (2000) constataram que metade dos pais de crianças curadas de

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câncer entrevistadas por elas evitavam pensar no futuro de seus filhos, e interpretam

isto como se “a possibilidade da volta do câncer tivesse lhes roubado a capacidade de

desejar algo para o filho sobrevivente.” Em seus relatos sentem-se livres do

tratamento, mas não do câncer.

O final do tratamento e a cura

Do ponto de vista médico ainda é controverso em que momento se considera uma

criança curada de câncer – o critério mais adotado entre os pesquisadores é dois anos

após o final do tratamento ou 5 anos desde o diagnóstico, e ainda assim muitos deles

preferem o termo “sobrevivente” em lugar de “curado”. Isto porque o risco de uma

recidiva ou de uma segunda neoplasia é muito maior nesta população do que na

população em geral. O final do tratamento não significa um afastamento completo do

hospital, pois permanece uma rotina de consultas de controle e exames, que ainda

ocuparão a vida da criança e da família por alguns anos.

A cura, segundo Moreira (2002) não é algo que se dê instantaneamente com o anúncio

do final do tratamento. Devido ao impacto do diagnóstico do câncer e do tratamento,

“a cura da doença exige uma readaptação pessoal num processo que apresenta avanços

e recuos.” Para D. Brun (1987) a “morte” trazida pela doença não deixa de existir após

o final do tratamento, mas pode passar a vigorar ainda com mais força a partir de

então. A dificuldade em se tratar a criança curada de câncer como uma criança normal

é relatada por Brun como o índice de uma impossibilidade: por que ter que tratar como

normal uma criança que acaba de viver algo que foge muito do normal, que

transformou-se em função disto em algo que não pode voltar a ser o que era, e que

apresenta uma série de seqüelas e que ainda outras irão aparecer? Querer tratar a

criança que teve câncer como normal é, segundo Brun (1987), uma falácia, e daí a

dificuldade que todos encontram em fazê-lo. Talvez o ponto para que a criança se

reinsira na vida não seja tratá-la como normal, como se nada tivesse ocorrido, mas

tratá-la na sua diferença – naquilo que ela é, naquilo que ela se tornou.

A questão da escolaridade das crianças e dos sobreviventes de câncer assume um

papel central dentro das seqüelas psicossocias do câncer infantil. Ela é tomada

como uma das principais medidas relativas ao funcionamento psicossocial do paciente

curado de câncer na infância. Ao lado dos fatores estressores do tratamento, o

afastamento escolar neste período está diretamente correlacionado, no estudo de

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Wierner (2006), aos sintomas de sofrimento psicológicos nos sobreviventes. O acento

é colocado não apenas no desempenho escolar comprometido pelas ausências, mas,

sobretudo, pelo rompimento de laços sociais significativos para a criança. Chekryn, J.

Deega (1987) aponta que o papel da escola é considerado uma das cinco áreas de

maior prioridade na pesquisa psicossocial do câncer infantil, e que a reabilitação

psicossocial da criança inclui o planejamento para a reinserção escolar. Segundo

Moreira (2002), a atenção à escolaridade da criança com câncer é fundamental para

que se possa minimizar as seqüelas psicossocias da doença e do tratamento. No ano de

1993 o comitê psicossocial da SIOP (Sociedade internacional de oncologia pediátrica)

lançou um guia de Orientações psicossociais em oncologia pediátrica. Neste manual

uma ênfase especial é dada ao papel da escolarização na reinserção social da criança

com câncer, desde o início do tratamento: “A reintegração da criança com câncer na

escola é uma parte essencial do programa de tratamento global. Inicia-se durante

a fase diagnóstica, prossegue durante o período de tratamento e continua depois

de terminado o mesmo. Apenas a cooperação entre a família, a equipe

profissional e os educadores, somando-se a um bem estruturado programa, pode

ajudar a alcançar esta meta e prevenir sérias conseqüências negativas.” E é papel

da equipe de saúde e educação entrar em contato imediatamente após o diagnóstico

com a equipe de ensino da criança diagnosticada. Para Gonçalves, CF & Valle, ERM,

1999, o prejuízo do afastamento escolar da criança com câncer não é apenas

educacional; a maior conseqüência deste afastamento é o isolamento social. Nas

recomendações dadas aos pais de crianças com câncer pela American Câncer Society

afirma-se a importância do retorno à escola o mais breve possível, uma vez que “a

escola não é apenas uma lugar de aprendizado, mas de prazer e amizade.”, e compara-

se a escola da criança ao trabalho do adulto: “os adultos possuem trabalhos que os

ancoram à vida – crianças têm a escola”. Numa pesquisa realizada por Valle, 1994 os

problemas escolares são apontados pelos pais das crianças curadas de câncer como

uma das principais conseqüências psicossociais do câncer e de seu tratamento.

Henning, J & Fritz (1983) aponta que uma bem sucedida volta à escola é decisiva

para o desenvolvimento futuro da criança, tanto intelectual quanto social, para

uma futura profissão e construção de uma família.

Apesar de haver estudos que apontam para um desempenho escolar destas crianças

após o tratamento semelhante ao das outras crianças, a maior parte dos estudos aponta

um déficit de desempenho escolar nas crianças tratadas de câncer, que pode se

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aprofundar com o passar dos anos. A razão mais imediata e evidente deste déficit se

refere às seqüelas físicas, em especial neurológicas do tratamento, de pacientes

tratados por tumores de sistema nervoso central e que receberam radioterapia na região

do neuro-eixo (especialmente as crianças pequenas) e aqueles tratados por leucemia e

que receberam quimioterapia intra-tecal. Tais terapêuticas comprovadamente

produzem danos no sistema nervoso central que implicam em alterações nas funções

neuropsicológicas que participam do processo de aprendizagem, tais como memória,

atenção, armazenamento de informação nova, planejamento e organização, evocação

de informação visual, leitura (American Cancer Society). Além disto, dificuldades

motoras, visuais, auditivas podem dificultar a realização de tarefas escolares.

Mas o mais interessante é que os estudos não apontam o baixo desempenho escolar das

crianças que se trataram de câncer como a causa das dificuldades psico-sociais

posteriores, mas sim o afastamento escolar durante o período do tratamento e a

qualidade da reinserção escolar durante e/ou após o seu término. De tal modo que

mesmo o desempenho escolar é conseqüência tanto deste afastamento quanto de uma

reinserção mal sucedida. Em estudo realizado com 46 pacientes entre5 e 17 anos, por

exemplo, Henning (1983) verificou que as dificuldades de desempenho escolar eram as

que menos contavam entre as dificuldades enfrentadas pelos alunos no retorno à

escola. As principais delas eram as preocupações das crianças, seus medos de serem

zombadas pelos outros, de sua aparência modificada, de ter que falar sobre o câncer. A

importância do fator escola na vida infantil se refere fundamentalmente ao seu papel

social para a criança. Marchesan, EC, Bock, AMB et al (2009), em seu estudo sobre a

escola hospitalar apontam que na visão dos pacientes o que caracteriza

fundamentalmente a escola é a presença de colegas, de amigos, a tal ponto que a escola

no hospital não é vista como uma escola: “os amigos são possivelmente aquilo que

marca de forma mais intensa os sentidos acerca da escola de origem.”

O grande número de faltas na escola, se evidentemente justificado pela intensidade do

tratamento, freqüência de idas ao hospital, hospitalizações quando necessárias,

cirurgias, etc., não é, segundo Stevens, MCG, Kaye, JI et al (1988), o único

responsável pelo afastamento da criança da escola – a ansiedade e a criação de uma

relação de dependência entre os pais e a criança também estão entre estes fatores, sua

insegurança em confiar seu filho doente à escola, em acreditar na importância da

manutenção da vida escolar durante o tratamento ou em acreditar na capacidade

cognitiva da criança após o tratamento (Ross, JW & Scarvalone, SA,, 1982); as

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dificuldade psicológicas da criança retornar à escola durante e após o tratamento, tais

como insegurança, vergonha por sua aparência, fobia, fadiga - apesar de que a maioria

dos estudos apontam que a criança doente quer muito retornar a escola e permanecer

nas atividades escolares durante o tratamento, e que ressente de seu afastamento

(Chekryn, 1987, Gonçalves e Valle, 1999); e por fim a falta de preparo da equipe de

ensino, em especial do professor em receber uma criança doente ou curada de câncer.

Os estudos são unânimes em apontar para a necessidade de a criança retornar à

escola ainda durante o tratamento, o mais cedo possível, tanto por razões

educacionais quanto sociais (Stevens, MCG, Kaye, JI, et al, 1988, Ross, 1982 ), dado

o papel nuclear que a escola representa na vida de uma criança –“a escola é o lugar de

trabalho da criança” (Chekryn, 1987). O afastamento das atividades escolares

durante o tratamento pode resultar num fracasso de desempenho durante este

período, que poderá comprometer a vida acadêmica futura da criança (Ross,

1982). Num momento em que a criança perde quase que completamente o controle de

sua vida, poder ir à escola e realizar as tarefas exigidas é uma forma de manter este

controle numa esfera de sua vida (Ross, 1982). Henning (1983) chega a afirmar que

todo o esforço deve ser feito para que a escola continue a ser uma experiência valorosa

para a criança, mesmo quando o câncer estiver em estagio avançado. Segundo Stevens

(1988) a volta o mais rápido possível para a escola permite um retorno à normalidade

para a criança com câncer, e aponta que para os pacientes curados os efeitos do

afastamento escolar durante o tratamento estão entre as mais importantes

conseqüências do câncer.

Programas especiais de educação para crianças com câncer vêm sendo criados ao redor

do mundo no intuito de permitir que o afastamento destas crianças da escola seja o

mais breve possível e que seu retorno se dê de modo satisfatório. Estudos mostram a

eficácia destes programas. Em estudo com amostra de 12.000 sobreviventes há mais de

5 anos do diagnóstico Mitby (2003) investigaram utilização do serviço de educação

especial e o desempenho acadêmico dos sobreviventes. Teve por resultado que parte

considerável dos sobreviventes utilizou na sua vida escolar o serviço de educação

especial (23%), em especial aqueles diagnosticados antes da idade de 6 anos e os

tratados de tumores de sistema nervoso central e leucemia (quimioterapia intratecal e

radioterapia craniana). Apontou também que sobreviventes de alguns tipos de câncer

não chegaram a concluir o ensino médio, mas que quando acompanhados pelo serviço

de educação especial esta taxa de abandono escolar não ocorria, apontando para a

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conclusão de que crianças diagnosticadas com câncer devem ter um acompanhamento

escolar rigoroso para que se possa detectar precocemente dificuldades a fim de saná-

las a tempo de impedir uma desistência do processo acadêmico. A realidade da criança

brasileira com câncer difere, no entanto, significativamente dos relatos dos artigos

internacionais. Por aqui é comum a interrupção da vida escolar se não durante todo o

tratamento ao menos em boa parte dele (Marchesan, 2009), tornando a volta à escola

ainda mais difícil para a criança. O abandono escolar ainda é uma realidade para as

crianças com câncer no Brasil, ao contrario do que ocorre nos paises desenvolvidos. O

Brasil carece de programas específicos para permitir a continuidade da vida escolar

durante o tratamento oncológico infantil. (Gonçalves e Valle, 1999) Em relação à

realidade brasileira, Moreira (2002) afirma que “a escola não está preparada para

receber a criança doente de câncer.” A questão da inserção escolar de crianças tratadas

de câncer é algo ainda novo no meio da educação, não havendo legislação específica

para a educação de crianças com câncer. Apesar disto, ênfase na importância de

permanecer na escola durante o tratamento é algo que está tomando corpo no Brasil, o

que nos aponta insistentemente os trabalhos do GACC de Ribeirão preto.

A figura do professor aparece, nos estudos, como central para a questão da

reinserção escolar da criança com câncer. Grande parte deles aponta a

desinformação do professor a respeito do câncer e seu tratamento como um dos

obstáculos a esta volta à escola. Esta falta de conhecimento coloca o professor

muitas vezes diante de dilemas a respeito do seu aluno: o que pode exigir do aluno

em termos pedagógicos e disciplinares? Como dispensar uma atenção especial a

ele sem prejudicar os demais? Como falar com a criança e com os colegas a

respeito do câncer? Como agir se a criança passar mal em sala de aula?

Além da desinformação as pesquisas apontam também para o envolvimento emocional

do professor que recebe a notícia de que um de seus alunos está com câncer.

(Chekryn,1987). Stevens (1988) afirma que os professores recebem a notícia do câncer

com o mesmo impacto emocional que os familiares ou amigos próximos da criança.

Ross (1982) aponta que o professor tenderá a significar a doença da criança a partir de

experiências prévias de perdas de pessoas próximas por câncer. Vários estudos

apontam que uma das principais dificuldades trazidas pelo diagnóstico de câncer é o

estigma de morte que ainda o acompanha. Checkryn (1987) explica o impacto

emocional causado por uma criança com câncer no professor como oriundo da

percepção do câncer como uma doença que coloca em risco a vida. Este estigma

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também participa das dificuldades que o professor encontra. Gonçalves CF & Valle,

ERM (1999) aponta o dilema que vivem as professoras ao ter que “sufocar o desejo de

proteger em função da necessidade de tratar a criança com naturalidade.”, de não saber

a medida certa no trato com a criança doente e de muitas vezes comparar internamente

o doente com seus próprios filhos. Ortiz, LCM e Freitas (2002) apontam que a

superproteção de professoras com alunos curados de câncer pode ser devida a um

posicionamento maternal que elas assumem em relação a eles. “Não acho que ele está

dando tudo de si, mas não sei se posso esperar isto dele” é a fala de um dos professores

entrevistados por Cherkyn (1987). Outro afirma que a pior situação que teme enfrentar

com seu aluno com câncer seria ele ter se esforçado ao máximo e ainda assim não

conseguir atingir os critérios para passar de ano – reprová-lo, na visão de alguns

professores, seria algo muito difícil de fazer. O dilema não apenas profissional, mas

emocional que vivem estes professores é novamente expresso por um entrevistado de

Chekryn (1987):

“As vezes acho difícil ser rigoroso com ele porque ele faz

bem o seu trabalho de escola. Mas há dias em que ele

chega e seu rosto está tão cinza e ele parece tão para

baixo.... eu penso, o que importa a escola? Sua mãe diz

não!, faça-o cumprir suas atividades. Mas alguns dias eu

sinto pena dele... eu deixaria ele fora disso... Então eu fico

um pouco preocupado, não estou sendo coerente com ele.”

Encontramos também o contrário, professores que se recusam em fazer concessões à

criança doente alegando que “o padrão deve ser mantido”. (Henning,1983)

Valle, 1999 aponta que as dificuldades que vivem os professores diante da criança com

câncer pode ser explicado pelo impacto que causa este diagnóstico numa criança, uma

vez que a criança representa a vida, o futuro, sendo a ameaça de morte de uma criança

contrária à ordem das coisas. Parte da dificuldade das professoras origina-se também

do distanciamento que muitos pais tomam da escola neste momento – por não quere

falar sobre a doença do filho – deixando os professores sozinhos na tarefa de levar

adiante a escolarização da criança. (Valle, 1999, Ross, 1982) Segundo estudo apontado

por Gonçalves &Valle (1999) realizado em Campinas com 24 crianças com câncer,

seus pais e professores, todos os professores destas crianças julgavam-se

despreparados para trabalhar com estas crianças, necessitando tanto de informações a

respeito da doença quanto de apoio emocional para assumir este papel. O professor não

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está preparado nem profissionalmente, nem emocionalmente para lidar com uma

criança doente em sua sala de aula (Ross, 1982). Chekryn (1987) aponta também que

os professores pedem mais do que apenas informações gerais a respeito do câncer e de

seu tratamento. Sua principal demanda era a respeito das mudanças emocionais

causadas na criança doente, e especificamente no seu aluno. Queriam saber quais as

perspectivas daquela criança e de que modo a escola poderia participar destas metas.

Para Cyphert, FR (1977) um dos principais obstáculos à reinserção escolar da

criança com câncer é a dificuldade do professor em aceitar uma criança nestas

condições – por medo da doença, por sua dificuldade em lidar com a morte, pela

crença de que o câncer seja transmissível, pela lembrança da perda de um ente querido

por câncer. Diante de uma criança com câncer muitos professores reagem com

hostilidade. E no momento em que estas dificuldades, estas crenças, estes pensamentos

do professor está agindo diante de seu aluno doente, percebemos o obstáculo que elas

representam para a reintegração deste aluno no processo educacional. Nas palavras de

Cyphert: “um professor é para a criança uma das pessoas significativas. O que ele

comunicar verbalmente ou não-verbalmente afetará materialmente o conceito que ela

tem de si mesma.”. Tone, LG, Valle, ERM et al (1990) em sua Carta ao professor de

uma criança com câncer apontam falas de pais ali que mostram o efeito da posição do

professor em seu aluno tratado de câncer: “o Carlinhos ficou bravo porque a professora

deu menos lição para ele que do que para os outros – “quero ser igual”; “O Ari ficou

feliz porque levou castigo na escola como os outros meninos.”

Uma das formas de sanar este despreparo da escola e do professor para lidar

com o aluno com câncer ou sobrevivente de câncer tem sido a aproximação da equipe

de saúde que tratou a criança com a escola onde ela estuda. Um grande número de

pesquisas aponta para a necessidade de uma comunicação estreita entre hospital e

escola desde o início do tratamento oncológico, comunicação que deve ser estendida

ao período pós-tratamento. (Stevens, 1988, Gonçalves, 1999, Larcombe, 1990,

Baskin,1983, Moreira,Checryn, Gonçalves e Valle,1999....). Em estudo visando avaliar

a transformação ocorrida em professores ao participar de um workshop a respeito do

câncer infantil, Baskin, CH, Saylor, CF (1983) concluiu que importantes mudanças

ocorreram na percepção dos professores em relação a suas habilidades para lidar com

seus alunos com câncer: estavam mais bem informados a respeito dos impactos físico e

emocional do câncer, mais tranqüilos e confiantes para lidar com a criança doente.

Moreira (tese) em sua pesquisa mostra que a informação a respeito do câncer no

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âmbito escolar deve ser destinada não só aos professores, mas aos colegas que irão

receber a criança doente, e que este trabalho informativo suaviza de modo relevante a

ansiedade e o medo que a criança com câncer apresenta ao retornar para a escola e as

indagações das outras crianças a respeito da aparência física do colega que, quando

mantidas sob a forma de enigma tendem a gerar reações hostis por parte delas. Conclui

que o trabalho informativo é uma importante ferramenta para a reinserção escolar das

crianças com câncer. A principal forma de auxiliar os professores que têm uma criança

com câncer ou curada de câncer, tem sido apontada pelos estudos como uma

associação entre a equipe de saúde (o hospital) e a escola: “o retorno bem sucedido à

escola de pacientes com câncer pediátrico é conseguido quando a família, a escola e o

centro de tratamento trabalham juntos.”

Alguns professores entrevistados por Chekryn (1987) relataram que fizeram

modificações em suas aulas em função das necessidades de seu aluno doente, levando

em conta que aquilo que é uma necessidade para um aluno varia consideravelmente em

relação a outro aluno – isto é, a adaptação a ser feita por um professor em sua aula

diante de um aluno com câncer não será a mesma que terá que fazer outro professor

diante de outro aluno nestas condições. Henning (1983) também aponta nas suas

sugestões de intervenção que a construção de um protocolo rígido para abordar o

retorno da criança com câncer é inútil – as intervenções devem ser individualizadas

para cada criança, cada família, cada escola (Ross, 1982 Chekryn,1987).

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No estudo que estamos propondo, queremos focalizar o papel do professor nesta

reinserção escolar da criança diagnosticada de câncer, no que se refere à sua concepção

do câncer infantil. Várias razões apontadas acima nos conduzem a este tema: o papel

da escolaridade na definição da condição psico-social presente e futura da criança com

câncer; o papel central que ocupa o professor no processo de reinserção escolar destes

alunos; o comprovado despreparo da equipe escolar em relação às especificidades de

aprendizagem e sociais da criança com câncer; o grande número de abandonos

escolares durante o tratamento de câncer infantil no Brasil; a grande escassez de

estudos que focalizem tanto a questão da reinserção escolar da criança com câncer

quanto especificamente o papel do professor nesta reinserção. Apesar da importância

crescente atribuída às seqüelas psicossociais do câncer infantil em todo o mundo, ainda

é reduzido o número de estudos brasileiros nesta área. Em estudo sobre as publicações

brasileiras relacionadas a aspectos psicossociais do câncer infantil entre 1998 e 2004,

Silva, GM. Teles, SS & Valle (2005) analisou 56 publicações com esta temática dentre

os quais apenas 4 trabalhos tiveram como temática a escolaridade da criança com

câncer, e nenhum deles abordando diretamente a questão do professor da criança com

câncer.Em estudo realizado a respeito das publicações internacionais e brasileiras

acerca da condição psicossocial do adulto jovem tratado de câncer na infância, Teles e

Valle (2009) não encontrou qualquer publicação brasileira a este respeito.

Este projeto se origina de minha experiência de 12 anos como psicóloga do Instituto de

Oncologia Pediatria GRAACC/UNIFESP e de uma experiência atual com um projeto

de inclusão escolar em escolas públicas da cidade de são Paulo, de crianças que

terminaram o tratamento oncológico há mais de 2 anos. Através destas experiências

pude conhecer com alguma profundidade a realidade do tratamento oncológico

infantil, o impacto físico e emocional vivido pelas crianças e familiares, o afastamento

escolar e suas conseqüências desastrosas para a criança doente, e as dificuldades

marcantes de reinserção social de adolescentes e adultos/jovens que terminaram o

tratamento oncológico há muitos anos. São vários aspectos de uma realidade dolorosa

que ainda está para ser investigada e transformada. A escolha da escola como ponto de

investigação, dentre outros possíveis, está na importância, que notadamente se

comprovou pela literatura, da questão escolar para a criança com câncer: os danos

causados pelo afastamento escolar, as perspectivas que se abrem ao se apostar na

capacidade escolar de uma criança doente, o papel determinante de uma fracassada

reinserção escolar após o diagnóstico no estatuto psico-social destas crianças no futuro.

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O professor aparece como a figura que, por representar a escola para a criança, é

aquele que dispõe de instrumentos para permitir ou inviabilizar o retorno à vida escolar

da criança acometida de câncer. Tal investigação poderá ajudar na orientação de

profissionais da saúde que trabalham com estas crianças, na proposição de modelos de

parceria entre hospital-escola, centrados nas necessidades dos professores que mais

diretamente lidam com estas crianças. Queremos também investigar o imaginário do

professor, reflexo talvez de um imaginário social que aparentemente ainda vige nos

dias de hoje, na associação do câncer à morte. Nada mais pernicioso para uma criança

que luta por sua vida, encontrar-se com um professor que a vê sem possibilidades de

futuro. Será que o paradoxo da cura, apontado por Arrais e Araújo, não está em jogo

também na esfera social da vida da criança, em especial na escola? será que as outras

cianças, os professores e diretores também não vêem com reticência o anúncio da cura

do câncer de seu aluno? Para Ross e Scarvalone, 1982 parte da tensão emocional que

vivem os pacientes e familiares com câncer origina-se do estigma social e do medo que

ainda evocam esta doença. A significação de morte do câncer é também para segundo

eles, a principal dificuldade com que o professor da criança com câncer tem que lidar.

Para Françoso, citada por Gonçalves, 1999, o câncer continua a ter nos dias de hoje

uma significação de morte.

Vamos utilizar como ferramenta teórica para investigar a concepção do

professor da criança com câncer na escola a noção de imaginário tal como formulada

pela psicanálise de J. Lacan. Vale lembrar que no levantamento bibliográfico feito por

Teles e Valle (2005) a respeito das publicações brasileiras e internacionais em relação

a aspectos psicossociais do câncer infantil entre 1998 e 2004, nenhuma das pesquisas

se fez sob o referencial teórico da psicanálise. Talvez esta seja uma contribuição a mais

deste estudo.

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II -Fundamentação teórica

No início de seu percurso profissional, o jovem psiquiatra J.

Lacan defrontou-se – como tantos outros – com a clássica oposição entre a psicogênese

e a organogênese que concorriam na explicação dos distúrbios nervosos. Em sua Tese

de doutorado2 (1932), em que descreve o caso de uma jovem senhora paranóica, Lacan

se apodera da noção de personalidade na tentativa de escapar à oposição mencionada,

dar início a uma nova teoria do sujeito não idêntico ao eu consciente da psicologia, e

encontrar uma nova explicação para as enfermidades psíquicas. Esta noção é

expurgada de qualquer sentido fenomenológico remetido a uma interioridade, para

ganhar com Lacan um sentido novo ao atribuir-lhe uma gênese social, um estatuto de

articulador do meio social no homem. O que se vislumbra é um sujeito que não seja

identificado nem a uma interioridade inacessível, “espiritual”, e tampouco a ser mero

efeito de um organismo em funcionamento (pura materialidade). Lacan visa descobrir

uma região teórica em que seja possível pensar uma relação indissociável e não

hierárquica entre a subjetividade (o desejo) e o “objeto” (a “objetividade”). O “social”é

o que permite a Lacan considerar o “sentido” tão caro à fenomenologia sem ter que

toma-lo como fruto de uma interioridade “espiritual” e portanto ilusória. Ao contrário

também dos estruturalismos, que ao descobrir a determinação do sujeito pela estrutura

recusam de modo absoluto a categoria de sujeito, Lacan é original ao postular a

existência de um sujeito não autônomo – prenuncio do que será o sujeito do

inconsciente. Um sujeito determinado por algo que o ultrapassa, por algo que

necessariamente desconhece – tal o sujeito da psicanálise. Um “sujeito dependente”,

diz Ogilvie3. Dependente do que? Determinado pelo que? A resposta a esta pergunta

assumirá variações ao longo da obra de Lacan, que não se desviarão, todavia, desta

primeira formulação feita em 1936: “a natureza do homem é a sua relação ao

homem”4. O meio humano no qual o sentido de seus atos e pensamentos se estabelece

e torna-se possível, é a relação a outro homem – a ‘sociedade’, neste momento da obra

de Lacan.

2 Sigo aqui as análises de B. Ogilvie em A formação do conceito de sujeito 3 Ogilvie, op. cit., p. 46 4 Lacan, J., Au dela du príncipe de réalité, citado por Ogilvie, op. cit, p. 88

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Depois da Tese, o “social” que ali se tematiza será abandonado,

e no seu lugar conceitual, erigido o conceito de imaginário – inicialmente pensado no

campo da biologia e válido, portanto, para todas as espécies animais, posteriormente

reformulado como registro próprio da realidade humana. Da sociedade em questão na

Tese, Lacan passa para a “família” nos “Complexos Familiares”, para chegar ao

“imaginário” no Estádio do Espelho, para futuramente situar neste lugar a linguagem.

Em todas estas teorizações (social, família, imaginário e linguagem) o que está no

centro é a dimensão da alteridade como razão da constituição do sujeito5.

A noção de imaginário em Lacan nasce a partir da sua

concepção do estádio do espelho. Inicialmente formulada em 1936 (comunicação não

publicada) , terá sua versão acabada em 1949 (Escritos). O que está em jogo neste

texto, como o próprio título aponta, é a formação do eu a partir de uma experiência

chamada estádio do espelho. Este eu que se forma nesta experiência não é, nos adverte

Lacan de início, assimilável ao que a tradição filosófica e psicológica designam por

consciência. A experiência a que Lacan se refere é aquela descrita por Wallon, da

criança diante da sua imagem no espelho. A criança humana, diferentemente de

qualquer espécie animal, possui uma reação única diante de sua imagem no espelho:

reação de júbilo, de alegria, que dá início a uma série de gestos em que a criança

parece reconhecer a correspondência entre seus movimentos e os movimentos da

imagem. Para Wallon este é o momento em que se forma para a criança a noção de

corpo próprio. Sua perspectiva, todavia, é cognitiva – trata-se de postular que esta

noção ocupa um lugar central no desenvolvimento da consciência humana em direção

a uma apreensão progressivamente mais fiel da realidade. A perspectiva de Lacan é

completamente outra; serve-se desta experiência para mostrar o que eu humano é uma

função marcada desde seu nascimento pela alienação porque ele se forma por

identificação a uma imagem de seu corpo que não corresponde à experiência que tem

deste mesmo corpo. O que está em jogo para Lacan quando trata da imagem no

espelho é o papel formador desta imagem, isto é, não há um “eu” que anteceda o

aparecimento desta imagem; o eu é posterior à identificação – vê-se aqui toda a

diferença da imitação para a operação de identificação.

O que dá sustentação teórica a Lacan para formular o estatuto da

imagem no homem como formador de seu psiquismo, são dois conceitos derivados da

5 Ogilvie, op. cit. P. 102

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biologia: a noção de meio e a noção de prematuração. Uma das maiores contribuições

do biólogo alemão J. Uekull (1864-1944) foi a investigação de como os organismos

percebem seu ambiente e como esta percepção determina seu comportamento. A noção

de “meio” (Unwelt) significa que para cada espécie há um meio próprio, de tal modo

que a realidade de um cavalo não é a mesma que a realidade de uma ameba, que não é

a mesma realidade que a do homem6. O meio de comportamento próprio para o vivente

é um conjunto de excitações que tem valor e significações específicas. Ou seja, há um

imbricamento entre o organismo e o meio, e não uma ação unilateral das excitações

externas sobre o organismo, pois para que estas excitações ajam sobre ele, é preciso

que o organismo se interesse por elas, que ele as perceba e se volte para elas. Não há

uma passividade do sujeito em relação ao meio, e nem uma separação absoluta entre

eles – é isto o que o conceito de Umwelt trás para Lacan. Para Lacan este conceito

permitirá afirmar que o meio próprio do homem é a cultura. Ora, esta diferença entre

um real puro suposto e o meio próprio a cada espécie7 é o que Lacan designa, no

seminário 1 como ‘imaginário’. O imaginário neste sentido não é prerrogativa humana

– mas terá características próprias no homem.. O imaginário é o que dá consistência ao

meio, o que nodula a relação entre o indivíduo e a realidade. Não é nem algo interior,

nem algo exterior. As imagens não são puramente mentais, tampouco algo que emane

dos objetos. O exemplo da maturação das gônadas da pomba é bastante elucidativo:

para que a pomba possa, em dado momento de seu desenvolvimento atingir a

maturidade sexual, é preciso que ela veja um outro indivíduo de sua espécie. O mesmo

efeito pode ser obtido se a colocarmos diante de um espelho. A imagem de outra

pomba por si só não produziria esta maturação se este não fosse o momento biológico

deste acontecimento, e esta maturação não ocorreria jamais se a imagem de outra

pomba não aparecesse para o indivíduo. A imagem, é assim, o solo próprio de todo

animal; é, propriamente, o seu meio. A imagem substitui a realidade, tornada a partir

6 “O meio do qual o organismo depende é estruturado, organizado pelo próprio organismo. O que o meio oferece ao ser vivo é função da demanda. É por isso que, daquilo que aparece ao homem como um meio único, diversos seres vivos extraem, de modo incomparável, seus meios específicos e singulares. Aliás, enquanto vivo, o homem não escapa à lei geral dos seres vivos. [...] de sorte que o meio ambiente, ao qual se supõe reagir, está originariamente centrado nele e por ele.” (Canguilhe, La connaissance de la vie, citado por Ogilvie, 71). 7 “De fato, enquanto meio próprio de comportamentos e de vida, o meio dos valores sensíveis e técnicos do homem não tem em si mais realidade do que o meio próprio de um crustáceo ou de um rato cinzento. A qualificação de real só pode, a rigor, convir para um universo absoluto, o meio universal de elementos e movimentos verificado pela ciência, cujo reconheciemtno como tal se acompanha necessariamente da desqualificação, a titulo de ilusões ou erros vitais, de todos os meios próprios subjetivamente centrados, inclusive o do homem.” (ogilvie 72)

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de então, inacessível. Mas até aqui isto vale para tanto para o homem como para os

animais.

Será o conceito de prematuração do bebê humano, originado

também de um biólogo, Bolk, o que possibilitará a Lacan estabelecer o que é próprio

ao imaginário humano, pois é esta prematuração que tornará inteligível a operação de

identificação à imagem, a função formadora da imagem para o homem. Se a noção de

meio permite a Lacan estabelecer a relação com o outro (o “social”) como a realidade

própria do homem, é o inacabamento próprio do indivíduo humano ao nascimento o

que dará a este meio o estatuto de determinação, de causa da subjetividade. O que o

animal não faz é tomar-se como a imagem, tomar-se como o outro. O nascimento

“incompleto” em termos de maturação e de instintos, faltoso, do ser humano determina

que este ser seja particularmente aberto às determinações do “meio”, do “social”, da

“imagem”. Esta é uma idéia fundamental, que não estava na Tese: o social não é algo

que vem a se acrescentar no homem, “mas vem ocupar o lugar de uma carência”8, e é

por isto que terá um papel constituinte no psiquismo humano. É neste lugar de falta, de

carência, de imperfeição que Lacan encontrará o ponto de apoio para conceitualizar o

lugar da causa da subjetividade: o social, a imagem, o simbólico, o Outro. Ora, a

primeira determinação deste meio se faz sob a forma de uma imagem, imagem que se

apresenta para a criança, imagem na qual a criança será capturada, imagem sobre a

qual constituirá seu eu. A criança humana se torna algo a partir da imagem, da

identificação á imagem – é isto que explica a reação de júbilo da criança diante de sua

imagem, a propriamente dizer, alegria diante de seu nascimento como sujeito. Não há

algo preexistente, em termos de subjetividade, a esta operação de identificação. 9 É isto

que faz Lacan afirmar que o eu é outro: “O homem se vê, se concebe como outro que

não ele mesmo.” 10 Aquilo que deveria representar nossa interioridade mais essencial

tem sua origem num fora, e portanto a autonomia do eu não passa de uma ilusão – tal a

subversão que Lacan estabelece na categoria do sujeito. O sujeito não pré-existe ao

mundo das imagens, mas é antes constituído por ele. Mas o alcance é ainda maior: não

se trata apenas da constituição do eu, mas da própria realidade humana; o que está em

8 Ogilvie, op. cit., p. 92 9 “o conceito de identificação... que implica que uma realidade aceda à apreensão de sua identidade numa outra, ou ainda, que esta alteridade venha lhe dar existência e conteúdo, elimina todo o confronto entre um interior e um externior.” (Ogilvie, 96) 10 Lacan, J., Seminário 1, citado por Ogilvie, op. cit., p. 117

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causa é “a estrutura ontológica do mundo humano.”11 O “espelho” não é aqui uma

experiência particular, datada historicamente: “é todo e qualquer comportamento de

um outro que lhe responda”12

O imaginário, neste momento da obra de Lacan, constitui a

pedra fundamental da constituição psíquica: “ a identificação a uma imago é a relação

psíquica por excelência”13 . Mas há outro ponto a ser debatido: se a experiência do

espelho não é uma experiência concreta, que imagem é esta, onde ela se situa, imagem

que constitui o núcleo do eu da criança? Este é um ponto fundamental para a

concepção do imaginário: esta imagem, quem a fornece é um outro humano e por esta

razão, é uma imagem investida de desejo. O espelho, a bem dizer, é um outro humano

na sua face de desejo, um outro desejante - a mãe, no momento da constituição do

aparelho psíquico. A imagem com a qual a criança se identificará será a imagem

fornecida por este outro, como aquilo em relação ao qual seu desejo se estabelece,

como aquilo que corresponderia ao objeto deste desejo. O que nos permite

compreender esta relação da imagem com o desejo do outro é a noção freudiana de

narcisismo. É no texto introdução ao narcisismo que Lacan irá encontrar a

fundamentação teórica para estabelecer a constituição do eu a partir da identificação a

uma imagem. Neste texto Freud postula que o narcisismo é um achado clínico

derivado do que ocorre no momento da desestruturação esquizofrênica: a retirada do

investimento libidinal dos objetos e o armazenamento desta libido no eu. Isto o obriga

a admitir que o eu pode ser objeto da pulsão sexual (até então era concebido apenas

como sede das pulsões de auto-conservação). O eu é assim objeto dentre os objetos.

Ora, diz Freud, se a introversão da libido no eu ocorre no momento do surto,

configurando uma situação narcísica secundaria, é necessário supor que houve um

momento inaugural em que o eu foi tomado como objeto da pulsão sexual, momento

de sua constituição – narcisismo primário. O eu não está dado desde o início, nos diz

Freud, ele é constituído por uma operação psíquica. Então, nos diz Freud, o narcisismo

primário da criança é constituído através do amor dos pais, que colocam em cena o seu

próprio narcisismo abandonado da infância na criança que agora surge. A criança

constitui o seu eu, o seu eu-objeto-de-amor naquilo que os pais investem nela em

função de seu próprio narcisismo, do amor pleno que um dia também lhes dirigiram.

11 Lacan, J., O Estádio do Espelho, p. 96 in Escritos 12 Ogilvie, op. cit., p.111 13 Lacan, J., Quelques réflexions sur l’ego, citado por Ogilvie, p.112

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Podemos dizer que a criança se identifica a este objeto amado pelos pais – um dos

modos de amor narcísico da mulher, nos diz Freud, é o amor pelo14 filho; Lacan dá

apenas um passo a mais: este objeto amado pelos pais constitui uma imagem, com a

qual a criança se identifica: imagem de perfeição, de onipotência, de plenitude. A esta

identificação corresponde a formação do eu ideal. O outro que fornece a imagem com

a qual a criança se identifica é, assim, o outro do amor – o amor é relação humana por

excelência, nos diz Lacan no seminário 1. Em outras palavras, o “social” é antes de

tudo, a relação de amor. Este é o ponto em que se pode articular, como faz Lacan, o

imaginário com o sexual; a imagem é o que realiza o que Freud chama de “elaboração

psíquica”15 – trabalho de ligação da libido no aparelho psíquico.

Este “valor” do imaginário de um outro sobre a criança é,

portanto, constituinte de sua subjetividade quando este ‘outro’ é a mãe. Dias (2001)

em pesquisa acerca dos efeitos psíquicos nas mães do diagnóstico em crianças com

tumores de sistema nervoso central, aborda a questão do dano imaginário causado na

mãe que recebe o diagnóstico de câncer de seu filho, e aponta para as conseqüências

deste dano para a criança. A constituição do sujeito, diz Dias (2001), deve ser pensada

por duas perspectivas: a da criança em vias de se constituir e da mãe, primeiro outro

com o qual a criança se relaciona. Na perspectiva da criança, dada sua prematuridade,

a constituição do que ela será, dependerá do que lhe for disponibilizado pelo outro que

a mãe representa. Isto que a mãe lhe disponibiliza é um discurso, uma linguagem, que

significa para ela o que ocorre com seu corpo, com seus sentimentos. Este discurso lhe

informará sobre o que o outro deseja dela, o que a mãe espera dela, para que ela possa

se conformar a este desejo, primeiro ponto de ancoragem de sua subjetividade. Da

perspectiva da mãe, o lugar que a criança ocupa em seu desejo deve ser pensado

através das questões do narcisismo e da castração. A criança ocupará o lugar daquilo

que na mãe ficou impedido de se realizar, “cuja função é restaurar a ferida derivada da

castração materna” (Dias, 2001) . A criança é para mãe a representante de seu

narcisismo infantil, representante de seus ideais, sonhos, desejos não realizados. O

narcisismo materno, constituído por seus ideais. A relação da mãe com seu filho é de

fascínio, e é este olhar fascinante que captura a criança como uma imagem, imagem

ideal, imagem da perfeição. Primeiro núcleo do eu constituído no espelho, é esta

imagem da perfeição veiculada pelo olhar materno, eu ideal. É por isso que a doença, a

14 Freud, Pour introduire le narcissisme, p. 95 in La vie sexuelle 15 Freud, op.cit, p.92

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morte, o dano, a imperfeição estão mantidos fora do que é esta criança no imaginário

materno: “a doença, a morte, a renúncia ao prazer, restrições ‘a sua vontade própria

não a atingirão; as leis da natureza e da sociedade serão ab-rogadas em seu favor; ela

será mais uma vez realmente o centro e o âmago da criação – “Sua majestade o Bebê”

(Freud, 1914, citado por Dias, 2001). O que a criança é nuclearmente é estabelecido

pelo desejo da mãe sob o modo de uma imagem. A mãe é assim, o primeiro espelho a

criança. Ora, pergunta Dias, o que ocorre com esta imagem idealizada veiculada pela

mãe e que diz à criança o que ela é quando a criança adoece, quando um câncer lhe

acomete? A autora entende o impacto do anúncio do câncer justamente como um risco

de fratura nesta imagem ideal fornecida pela mãe com a qual a criança se identifica. O

risco de tal acontecimento é que se produza uma fratura, uma queda, nesta imagem,

fratura que irá destituir a criança do lugar idealizado, lugar de projeções maternas. O

risco de tal destituição envolverá a própria subjetividade da criança. “o bebe imaginado

perfeito e imortal, herdeiro de todas as aspirações e sonhos parentais está em risco:

risco de morte, risco de mutilação. O projeto idealizado foi, portanto, golpeado... A

doença significa o fracasso do projeto idealizado pois, na esfera do narcisismo, não

deveria haver nenhuma ranhura, nenhuma ameaça.” (Dias, 2001) Daí o imperativo de

se trabalhar o impacto do diagnóstico de câncer primordialmente nos pais das crianças

e, no caso de criança pequena, na mãe, para impedir que este imaginário materno se

esfacele diante do significante ‘câncer’, colocando a criança realmente diante de um

risco de vida. A criança assim destituída do lugar de ideal poderá ficar cristalizada

numa nova imagem, imagem de imperfeição, imagem significada pela palavra

‘câncer’.

Será que podemos pensar o impacto do diagnóstico de câncer de

uma criança, em um professor, sob a mesma chave de leitura que o impacto causado na

mãe, isto é, como um golpe em seu imaginário que produzirá efeitos significativos na

criança em questão? A resposta pode ser afirmativa, mas com algumas considerações.

Em primeiro lugar estamos supondo que o professor seja um Outro de tal envergadura

para a criança que forneça, assim como os pais, imagens com as quais a criança se

identifica. Ainda que não estejamos tratando da constituição do sujeito e das primeiras

identificações formadoras do aparelho psíquico, o professor pode ser tomado como um

outro significativo dado o lugar que ocupa para a criança – é ele que representa para a

criança a ordem social, fora do âmbito familiar (e os estudos acerca do papel do

professor na reinserção escolar da criança com câncer nos servem de apoio). O que é

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prerrogativa do imaginário materno é a constituição da subjetividade da criança, o que

não significa que outros ‘outros’ não possam produzir para a criança imagens

cristalizadoras que poderão comprometer seriamente seu desenvolvimento. Fazemos a

hipótese de que a palavra do professor e, portanto, o modo como ele será marcado pela

palavra câncer, serão decisivos para a permissão do desenvolvimento escolar da

criança ou para seu impedimento sob a forma de uma imagem a ser investigada –

criança doente, criança morta, criança incapaz, etc. Assim como o que ocorre com a

mãe, o que presidirá no professor a formação deste imaginário determinado pelo

significante ‘câncer’ será sua própria história, suas experiências, suas fantasias, seus

desejos. Portanto, ao trabalharmos com a questão do imaginário do professor em

relação a um aluno com câncer, o que visamos é, além da elucidação deste imaginário,

investigar o possível efeito que ele produz na criança. Se é verdade que a mãe constitui

o primeiro espelho da criança e a primeira imagem que funcionará como núcleo de seu

ser, ela não será na vida da criança o único outro que funcionará como espelho e

produzirá imagens que a afetarão.