o Começo de Todas as Coisas

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de Todas as Coisas

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Todos os direitos reservados. Copyright © 2015 para a l íngua portuguesa da Casa Publ icadora das

Assembleias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina. Capa e proj eto gráfico: Wagner de AlmdeidaEditoração: Anderson Lopes CorreiaConversão para e-Pub: Cumbuca Studio CDD: 220 - Comentário Bíbl icoISBN: 978-85-263-1307-1eISBN: 978-85-263-1341-5 As citações bíbl icas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995, da

Sociedade Bíbl ica do Brasil , sal vo indicação em contrário. Para maiores informações sobre l ivros, revistas, periódicos e os úl timos l ançamentos da CPAD,

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Dedicatória

Aos cristãos iraquianos e sírios que, neste momento, estãoselando o seu testemunho com o martírio.

Prefácio

Neste momento, acham-se em circul ação, pel as l ivrarias de todo o mundo, 130 milhões de títulos.Só no Brasil , são publ icados todos os anos em torno de quatro milhões de obras entre l ançamentos ereedições. Diante desses números, colhidos j unto à indústria editorial , surgem al gumas perguntasinevitáveis. A primeira del as tem a ver com os nossos l imites biológicos. Quantos l ivros poderá al guémler durante 70 ou 80 anos de vida?

Segundo o escritor argentino, Jorge Luís Borges (1899-1986), não mais de dois mil títulos.Levemos em conta que um bom l eitor sej a capaz de l er quarenta l ivros anualmente. Se el e começou a l eraos 10 anos de idade, e tem uma expectativa de vida intel ectualmente produtiva de 70, este será o seupl acar: 2.400 obras catalogadas e l idas. Caso estas sej am bem sel ecionadas, tendo sempre a Bíbl iaSagrada em primazia, o resul tado será excel ente. Doutra forma, haverá um irreparável desperdício detempo, dinheiro e esforço intel ectual .

Conforme expl ica o professor Gunar Berg de Andrade, há dois tipos de l eitor: o de muitoempenho e o de al to desempenho. O primeiro l ê tudo o que lhe vem às mãos, sem nenhum critério. Já osegundo é sel etivo, cuidadoso e exigente; l imita-se às melhores entre as melhores produções. Para maisinformações, assista ao vídeo https://www.youtube.com/watch?v=Mpc485YW_J0.

A segunda pergunta concerne à vida do próprio l ivro. Quantos títulos merecerão uma segundaedição? Neste reexame, formulemos uma questão de vital importância não somente para quem l ê, masprincipalmente para quem escreve. Afinal , o sonho do escritor é imortal izar-se no l eitor. Por isso, aindagação faz-se imprescindível : Quantas obras far-se-ão cl ássicas e imortais? É bem provável que entre os130 milhões de l ivros atualmente em circul ação, não haj a nenhum a merecer semelhante cl assificação. Amaioria será descartada, boa parte não será l ida até o fim, al guns terão uma sobrevida nal gum rel icário ousebo, e bem poucos irão para al guma bibl ioteca públ ica. Não fal aremos daquel es que serão picotados erecicl ados, para que outras nasçam e tornem-se best-sel l ers. Em primeiro lugar, é necessário que seescl areça al go de fundamental importância no ciclo vital de um l ivro: nem todo cl ássico é imortal .Entretanto, todo imortal é um cl ássico. Vej amos, por exemplo, a Il íada de Homero. Que o poeta grego éum cl ássico, não resta dúvida. Servindo de modelo a Virgíl io (70-19 a.C.), veio a inspirar Camões (1524-1580). Hoj e, porém, é uma obra tão morta quanto a l íngua na qual foi escrita. O poema, por conseguinte,só é evocado quando se requer um modelo perfeito de l iteratura, dicção e estil o. Curiosamente, as obrasque Homero inspirou mais diretamente, a Eneida e os Lusíadas, tiveram igual destino: sobrevivem comomodelo, mas j á não vivem a moldar vidas. Jazem como a estatuária cl ássica e renascentista. Só asbuscamos em caso de necessidade estética.

Há obras, contudo, que al ém de cl ássicas, são imortais. Entre el as, destaco O Peregrino de JohnBunyan (1628-1688). Este l ivro não é apenas um modelo de parábol a bem narrada, mas uma moldagemde vidas santificadas a Deus. Já o l i duas vezes. Se na primeira, eu era um adol escente irrequieto e crítico,

na segunda, j á adul to, enfrentava uma crise espiritual . À semelhança do cristão, precisava recorrer comurgência a um l ivro que, al ém de cl ássico e imortal , fosse eterno.

O Peregrino remeteu-me de imediato ao l ivro que, embora escrito há mais de três mil ênios, é tãocontemporâneo hoj e quanto nos dias do Antigo e do Novo Testamentos.

A Bíbl ia Sagrada é um l ivro sem igual ; é a inspirada, inerrante e infal ível Pal avra de Deus. Nãopodemos ignorá-l a, pois del a al imenta-se a alma sedenta e peregrina. É um l ivro que, desde o início,surpreende-nos com suas decl arações. Que outro l ivro começa de forma tão surpreendente e verdadeira:“No princípio, criou Deus os céus e a terra”? Não é sem razão que j á foram impressos aproximadamentequatro bilhões de exemplares das Sagradas Escrituras.

É acerca do primeiro l ivro da Bíbl ia que trata a obra que você, querido l eitor, tem em mãos.Apesar de não ser um tratado exaustivo do Gênesis, mostrará um pouco das bel ezas dos primórdios daintervenção divina na história humana.

Minha oração é que Deus nos il umine, cada vez mais, no estudo de sua eterna e imarcescívelPal avra. Gênesis, um l ivro eterno e belo, porquanto inspirado pelo Espírito Santo.

Claudionor de AndradeRio de Janeiro, inverno de 2015.

Prefácio

Capítulo 1 - Gênesis, o Livro das Origens

Capítulo 2 - A criação dos Céus e a Terra

Capítulo 3 - E Deus os Criou Homem e Mulher

Capítulo 4 - A Queda da Raça Humana

Capítulo 5 - Caim Era do Maligno

Capítulo 6 - O Mundo de Lameque

Capítulo 7 - A Salvação de uma Família

Capítulo 8 - O Princípio do Governo Humano

Capítulo 9 - Bênção e Maldição na Família de Noé

Capítulo 10 - A Diversidade Cultural da Humanidade

Capítulo 11 - Melquisedeque Abençoa Abraão

Capítulo 12 - Isaque, o Sorriso de uma Promessa

Capítulo 13 - José, a Realidade de um Sonho

Capítulo 14 - A Transição entre José e Moisés

À semelhança dos

demais livros da Bíblia

Sagrada, o Gênesis é a

Capítulo 1

GÊNESIS, O LIVRO DAS ORIGENS

INTRODUÇÃO O Gênesis fascina-me o espírito. Tudo nel e é rel evante, didático, profundo, belo e devocional . Até

as suas genealogias trazem-me preciosas l ições. Da criação do Universo à morte de José, percorro umcaminho que, apesar das agruras e provas, conduz-me logo ao Criador. Em cada página, encontro umDeus que, não se l imitando a criar, del eita-se em revel ar-se à criatura.

Neste l ivro, enterneço-me com os patriarcas. No Crescente Fértil , refaço-lhes as peregrinaçõesdesde a imponente Ur à rústica Betel . De suas vitórias, compartilho. Aos seus idíl ios, assisto. Que outroautor poderia descrever com tanta poesia o encontro de Jacó e Raquel ? E a história de José? Não há quemnão chore ao l er o drama do escravo hebreu que veio a governar o Império Egípcio. Em cada capítulo doGênesis, tenho uma nova experiência com o Deus de Isaque e de Abraão. Iniciemos, pois, o nosso diálogocom uma l iteratura al ta, rica e artisticamente bem trabalhada. Mas este não é o seu principal mérito. Àsemelhança dos demais l ivros da Bíbl ia Sagrada, o Gênesis é a inspirada, inerrante e infal ível Pal avra deDeus. Não veio à luz apenas para encantar-nos a estética, mas para encaminhar-nos à ética inigual ável eperfeita do Criador.

I. A AUTORIA MOSAICAO Gênesis foi escrito por um dos homens mais sábios da história. Filho de Anrão e Joquebede,

pertencia Moisés à casa de Levi, a mais conservadora das tribos hebreias (Ex 6.20; 32.26-28). Sua biografiaé pontilhada por l ances dramáticos e inexpl icáveis. Ainda recém-nascido, foi preservado do infanticídiodesencadeado pelo rei do Egito, visando à el iminação do povo de Israel (Êx 2.1-10).

Providencialmente adotado pel a filha do Faraó, é l evadoao pal ácio, onde recebe a educação mais esmerada da época (At7.22). Homem feito, saiu a ver as agruras de seus irmãos. E, naânsia por aj udá-l os, acaba por matar um egípcio. Vê-se, então,forçado a refugiar-se em Midiã. Nesse diminuto reinolocal izado ao norte da Arábia, entrega-se ao pastoreio do

inspirada, inerrante e

infalível Palavra de Deus.

rebanho de Jetro, seu sogro (Êx 3.1). Al i, sol itário e refl exivo,dispõe de espaço e tempo para meditar nos propósitos do Deusde Abraão. Que perguntas avivaram-lhe o espírito? E queindagações fez ao Eterno de Israel ?

Deus util iza o isol amento de Midiã, para trabalhar-lhe a personal idade. No Egito, entre cativos eexatores, j amais se teria desenvol vido espiritualmente. Foi em seu exíl io, que Moisés inteira-se de umainvenção que revolucionaria a transmissão do conhecimento: o al fabeto. Surgido na região do Sinai, serialogo adotado pel a maioria dos povos.

Providencialmente, o Senhor impediu que a sua Pal avra fosse escrita em caracteres egípcios, poistanto o demótico, conhecido pelo povo, como o hierógl ifo, dominado apenas pelos sacerdotes, nãopossuíam a pl asticidade e a segurança necessárias para registrar os inícios da História Sagrada.

Não sabemos em que período de seu ministério, Moisés escreveu o primeiro l ivro da Bíbl iaSagrada. Mas podemos garantir que o Êxodo é uma sequência natural do Gênesis, pois, no originalhebraico, ambos os l ivros acham-se l igados por uma conj unção aditiva.

II. DATA E LOCALNão é tarefa nada fácil precisar a data e o l ocal em que Moisés escreveu o Gênesis. Para não nos

perdermos em especul ações, al gumas absurdas e outras impiamente vazias, adotaremos a posiçãoconservadora por ser a mais segura e racional .

1. Data. É-nos permitido afirmar que o primeiro l ivro da Bíbl ia foi redigido entre 1445 e 1405

antes da era cristã, durante a peregrinação de Israel pelo Sinai. El eger qualquer outra época, como a dopós-exíl io babilônico, por exemplo, é atentar contra as evidências da própria Bíbl ia. Tanto os profetasquanto os apóstolos têm como certa a autoria mosaica de todo o Pentateuco, incluindo o Gênesis.

2. Local. Já que sabemos ter Moisés escrito o Gênesis no século 15 antes de Cristo, concluímos

que el e o redigiu no Sinai. Al iás, encontramo-lo em diversas ocasiões, durante a peregrinação de Israelpelo deserto, a registrar as pal avras do Senhor (Êx 24.4; Nm 32.2; Dt 31.9). Ao seu dispor, excel entematerial de escrita. Doutra forma, o l ivro j amais teria chegado às gerações futuras.

III. REIVINDICAÇÃO E TEMATodos os l ivros da Bíbl ia possuem, al ém do tema central , uma reivindicação específica. Por isso,

devemos l er a Pal avra de Deus com atenção e cuidado, para não lhe ignorarmos as demandas. 1. Reivindicação. A principal reivindicação do Gênesis é que creiamos ser Deus o Criador dos

céus e da terra. Al iás, é a primeira verdade que nos expõe o autor sagrado (Gn 1.1). Que nos curvemoshumildemente, pois, à soberania divina. Ao aceitar semelhante demanda, confessa o salmista Etã: “Teus

são os céus, tua, a terra; o mundo e a sua pl enitude, tu os fundaste” (Sl 89.11).Quem l ê o Gênesis com devoção e amor, aceita de imediato a exigência divina. Sim, tudo pertence ao

Senhor, inclusive você e eu. Al eluia! 2. Tema. O tema do Gênesis faz-se acompanhar de sua reivindicação central : “No princípio, criou

Deus os céus e a terra”. Nesse l ivro, portanto, encontramos as origens dos céus, da terra, do ser humano,das nações e do povo de Israel . Acham-se nel e, também, os esboços das doutrinas que professamos. Oseu título, a propósito, significa exatamente isso: origem.

IV. OBJETIVOS DO LIVROAlém de uma reivindicação específica e de um tema central , o Gênesis foi escrito com, pelo menos,

dois obj etivos: fundamentar teológica e historicamente o êxodo hebreu e responder-nos às grandesperguntas da vida.

1. Fundamentar o êxodo hebreu. Os l eitores, ou ouvintes, imediatos do Gênesis foi a geração que

o Senhor l ibertara do cativeiro egípcio. No momento mais crítico de sua história, era-lhes urgente sabertrês coisas essenciais. Antes de tudo, que o Jeová do Êxodo era o mesmo Elohim do Gênesis. Logo, oCriador dos Céus e da Terra não poderia deixar de apresentar-se como o Redentor de seu povo.Finalmente, o Deus que chamara Abraão a uma nova real idade espiritual , convocava-os, agora, a uma vidade l iberdade numa terra boa, ampla e singul armente aprazível . Por isso, o Senhor se apresenta aos filhosde Israel como o El -shaday dos patriarcas (Gn 17.1; Ex 6.3).

O obj etivo primacial do Gênesis, portanto, era fundamentar teológica e historicamente os filhos deIsrael , a fim de que assumissem a sua identidade como povo de Deus. El es deveriam saber que a sual iberdade não era fruto de um movimento pol ítico, nem de uma convul são social , mas o cumprimentodas al ianças que o Senhor estabel ecera com Abraão, Isaque e Jacó. Al iás, o próprio José, pouco antes demorrer, profetizara, no Gênesis, o Êxodo: “Eu morro; porém Deus certamente vos visitará e vos fará subirdesta terra para a terra que j urou dar a Abraão, a Isaque e a Jacó”. Em seguida, José fez j urar os filhos deIsrael , dizendo: “Certamente Deus vos visitará, e fareis transportar os meus ossos daqui” (Gn 50.24,25).Nas Sagradas Escrituras, todos os atos de Deus são bem fundamentados teológica e historicamente. O queaconteceu no Êxodo al icerça-se no Gênesis. As al ianças firmadas neste cumprem-se naquel e. O mesmopodemos dizer com respeito a nossa sal vação. O que teve início no primeiro l ivro da Bíbl ia pl enifica--seno úl timo.

2. Responder as grandes perguntas da vida. O Gênesis foi escrito também para responder-nos às

grandes perguntas da vida. Em primeiro lugar, todos ansiamos por saber como vieram a existir os Céus ea Terra. A segunda indagação, não menos importante, é acerca da nossa própria origem. Se não obtivermosas respostas certas, deixar-nos-emos aprisionar tanto pel as mitologias antigas como pel as modernas, quenos chegam diariamente travestidas de ciência.

O objetivo primacial

do Gênesis, portanto, era

fundamentar teológica e

historicamente os filhos de

Israel, a fim de que

assumissem a sua identidade

como povo de Deus.

Adão não tinha qualquer dúvida quanto à criação, poisconhecia pessoalmente o Criador. Mas os seus descendentes,por parte de Caim, l ogo endeusaram a criatura, permitindo-searrastar pelo sexo e por atos cada vez mais viol entos. Sim,viol ência e sensual idade, os dois primeiros deuses dahumanidade; daí, nasceram todos os ídolos.

Não demorou muito para que os filhos do próprio Setecaíssem nos mesmos pecados de Caim (Gn 6.1-3). Se não fosseo piedoso Noé, toda a raça humana teria perecido no Dilúvio.

A era atual em nada difere daquel a época, conformeafiança o Senhor Jesus: “Pois assim como foi nos dias de Noé,também será a vinda do Filho do Homem. Porquanto, assimcomo nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavame davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, senão quando veio odilúvio e os l evou a todos, assim será também a vinda do Filho do Homem” (Mt 24.37-39). Emconsequência do pecado, o deus deste século não demorou a cegar e a perverter a mente da humanidade (2Co 4.4). E, assim, a narrativa que Adão e Noé transmitiram aos seus filhos acabou por degenerar-se emmitologias bl asfemas e grosseiras. A famíl ia de Sem, através de Abraão, ainda manteria, por al gunsséculos, a pureza do criacionismo.

Mas, j á no tempo do Êxodo, a tradição oral j á não era confiável . Por isso, o Senhor convocaMoisés não apenas para l ibertar Israel do Egito, como também perenizar, através da pal avra escrita, averdade sobre os inícios de todas as coisas.

Tendo em vista a pureza do Gênesis, rej eitamos a hipótese de que o autor sagrado foi buscarrescaldos nas mitologias babilônicas para redigir o primeiro l ivro da Bíbl ia. Supervisionado peloEspírito Santo, sel ecionou os registros mantidos pelos hebreus, depurando a tradição oral da criação queo seu povo ainda conservava. É cl aro que, nessa tarefa, el e contou igualmente com a revel ação divina. Demodo que, hoj e, temos um texto confiável , l ógico e coerente. Não temos qualquer dúvida quanto àinspiração divina do Gênesis, que compreendeu tanto a il uminação como a supervisão do Espírito Santo.

Moisés foi chamado por Deus no momento mais crítico da história de Israel , pois Faraó estavaprestes a exterminar os hebreus. E, com el es, perder-se-iam a narrativa da criação e os registrosgenealógicos que nos remetem a Adão e ao próprio Deus (Lc 3,38). Al ém disso, a l inhagem do Messiastambém seria destruída, tornando inviável o advento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Não há como mesurar a importância de Moisés na História Sagrada. O seu necrológio, apensado aoDeuteronômio, faz j us à sua biografia: “Nunca mais se l evantou em Israel profeta al gum como Moisés,com quem o SENHOR houvesse tratado face a face, no tocante a todos os sinais e maravilhas que, pormando do SENHOR, fez na terra do Egito, a Faraó, a todos os seus oficiais e a toda a sua terra; e notocante a todas as obras de sua poderosa mão e aos grandes e terríveis feitos que operou Moisés à vista detodo o Israel ” (Dt 34.10-12).

Bastava o Gênesis para que Moisés se imortal izasse. Mas a sua obra não parou aí; transcendeu,

Bastava o Gênesis para

que Moisés se imortalizasse.

Mas a sua obra não parou aí;

transcendeu, fazendo-se

eterna.

fazendo-se eterna. Séculos mais tarde, vamos encontrá-l o no Monte da Transfiguração. Al i, j untamentecom El ias, conferenciava com o Verbo de Deus acerca do momento mais ingente da História Sagrada: aexpiação da humanidade no Cal vário. A profecia de Gênesis 3.15 cumpria-se pl enamente.

V. GÊNERO LITERÁRIOAo contrário de Homero, l egou-nos Moisés uma cosmogonia al tamente confiável . Se o primeiro

dispôs apenas do engenho humano, o segundo foi assistido pelo Espírito Santo, que o inspirou,dirigindo-o em toda a redação da obra. Na composição do l ivro de Gênesis, por conseguinte, Deusprovidenciou todos os detalhes, para que tivéssemos uma obra inerrante e infal ível : al fabeto, l íngua,gênero l iterário e estil o.

1. Alfabeto. Conforme j á dissemos, o Senhor impediu

que os primeiros cinco l ivros das Escrituras Sagradas fossemescritos nos caracteres egípcios. Se isso tivesse ocorrido, oPentateuco teria desaparecido j á nas décadas seguintes, poissomente a el ite cul tural egípcia, da qual Moisés fazia parte, eracapaz de dominá-l os. Al ém do mais, a escrita ideográfica doNilo estava fadada a desaparecer. Haj a vista que, no período doNovo Testamento, os hierógl ifos j á haviam sido substituídos,em todo o Egito, pelos al fabetos grego e l atino. Dezoitoséculos mais tarde, o francês Jean-François Champol l ion(1790-1832) enfrentaria dificuldades, a fim de resgatar o sentido daquel es signos l ínguísticos.

Por esse motivo, Deus isolou Moisés por quarenta anos em Midiã, para que o seu servo aprendesseo al fabeto sinaítico. Através dessa invenção maravilhosa, el e teria condições de transmitir às geraçõesfuturas os inícios da História Sagrada. Embora não se saiba quem de fato criou a l inguagem al fabética, ocerto é que el a veio a ser assimil ada rapidamente pelos hebreus, fenícios, gregos e l atinos. Destes, veio aser adotada pel a maioria das l ínguas modernas.

Durante o cativeiro babilônico, os escribas j udeus houveram por bem substituir o al fabeto sinaíticopelo ashurith, conhecido também como quadrático devido à sua forma retangul ar. E, a partir do século 6ºde nossa hera, apareceram os massoretas, cuj o principal trabalho foi a vocal ização do texto originalhebraico, para que este não acabasse por perder a sua pureza fonética.

2. Língua. Entre os idiomas antigos, tenho para mim que o hebraico era o mais perfeito. Simples e

poético, apresenta uma gramática descompl icada e l ogo assimil ável .É cl aro que, no decorrer do Antigo Testamento, os l ivros do Pentateuco foram submetidos a vários

processos editoriais. Mas todas essas intervenções foram orientadas e supervisionadas pelo Espírito Santo,visando preservar a integridade do texto sagrado.

3. Gênero literário. Embora haj a poesias e até hinos no Gênesis, o l ivro não é uma obra poética.Diferentemente de Homero, util iza Moisés a narrativa histórica para registrar os começos do Céu, daTerra, da humanidade e do povo hebreu.

A História da Criação seria, séculos depois, salmodiada pelos cantores de Israel . Mas, quando daredação do Gênesis, o Senhor l evou Moisés a util izar um gênero l iterário adequado à historiografiasagrada, real çando a credibil idade do primeiro l ivro da Bíbl ia.

4. Estilo. Se o estil o é de fato o homem, em todo o Gênesis vemos a mão de Deus em tudo o que

Moisés escreveu. Historiador sagrado, foi belo e poético em cada frase e oração. Até pequenas sentenças,como esta, adquirem bel eza e ternura em sua pena: “Haj a luz” (Gn 1.3). A História de José é outroexemplo da excel ência l iterária do autor sagrado. Quem consegue l ê-l a sem l acrimej ar? Enfim, o Gênesisé tão belo e singul ar que só podia ser divino. Escrito há mais de três mil e quinhentos anos, continua aencantar crianças, adol escentes, adul tos e anciãos. O primeiro l ivro da Bíbl ia Sagrada, portanto, é umahistória real , não uma parábol a, nem uma col eção de al egorias, como sugerem os l iberais e inimigos daPal avra de Deus. Se o interpretarmos doutra forma, j amais poderemos aceitar, como verdade, a Históriada Redenção.

VI. CONTEÚDOO Gênesis pode ser dividido em duas grandes seções: a História Primitiva e a História de Israel . 1. A História Primitiva. Conhecida também como História Primeva, a História Primitiva ocupa-se

dos primeiros dois mil ênios da estadia do homem na Terra, abrangendo os primeiros onze capítulos dol ivro: da Criação à Torre de Babel .

De forma sintética, mas profundamente cl ara, a Pal avra de Deus mostra como vieram a existir oCéu, a Terra, os animais e o homem. Narra também a ocorrência do Dilúvio e o evento da Torre deBabel , revel ando como originou-se a diversidade cul tural da humanidade.

2. A História de Israel. A partir do capítulo 12, tem início a História de Israel . É uma narrativa

soteriológica das biografias dos três grandes patriarcas da nação hebreia: Abraão, Isaque e Jacó. O rel ato éencerrado com a ascensão providencial de José ao governo egípcio.

Nessa seção, Deus estabel ece suas al ianças com os pais da famíl ia hebraica. De um l ado, promete-lhes que os protegerá em suas peregrinações até introduzi-l os na terra de Canaã. Do outro, os hebreus secomprometem a guardar-lhe os mandamentos e devotar-lhe uma adoração exclusiva e única. Todos fomoschamados a uma vida perfeita diante de El Shaday (Gn 17.1).

CONCLUSÃOComo nos sairíamos sem o Gênesis? Ainda estaríamos presos às mitologias babilônicas, indianas e

gregas. Sem el e, j amais poderíamos l ibertar-nos dos mitos pós-modernos, que nos chegam todos os diascomo verdade e ciência. Enfim, sem as verdades do Gênesis, j amais teríamos al cançado a l iberdade emCristo, pois a doutrina da sal vação tem, no primeiro l ivro da Bíbl ia Sagrada, a sua gênese. Por isso,agradeçamos a Deus por nos haver providenciado uma porção tão indispensável e bel a de sua inspirada einerrante Pal avra. Quanto mais o tempo passar, mais constataremos a exatidão da obra que nos l egouMoisés.

Leia o Gênesis com a sua famíl ia. No cul to doméstico, abra a Bíbl ia neste l ivro e estude-o metódicae sistematicamente. Assim, você impedirá que os seus pequeninos sej am vítimas dos fal sos postul adoscientíficos como a Teoria do Big Bang e o Evolucionismo.

Capítulo 2

A CRIAÇÃO DOS CÉUS E DA TERRA

Durante a redação deste capítulo, recorri diversas vezes aos dois primeiros capítulos de Gênesis. E,

a cada l eitura, perguntava-me: “Por que essa passagem é tão combatida?” O referido texto, al ém de belo epiedoso, é mais l ógico que o Big Bang e mais verossímil que Darwin. Não obstante, até mesmo al gunsseminários evangél icos, influenciados por uma incredul idade crônica, j á não aceitam como verdadehistórica os 11 primeiros capítulos da Bíbl ia. Seus professores, arrogantemente, ensinam que a narrativada Criação e a História Primeva só podem ser recebidas al egoricamente.

Anal isando a redação sagrada do ponto de vista gramatical , verifico não haver aí parábol a al guma.E, sim, um rel ato histórico muito bem el aborado que, sequer, abusa dos adj etivos. Por que umpreconceito tão mal igno contra o Santo Livro? Embora a História da Criação não sej a científica, j amaisserá contraditada pel a verdadeira ciência. Al ém do mais, é a resposta mais cl ara e confiável que possuímosà grande pergunta da vida: “Como vieram a existir tudo quanto há no Universo?” Levemos em consideraçãotambém que, sem o Criacionismo Bíbl ico, nenhuma doutrina cristã tem sentido.

I. A COERÊNCIA DO CRIACIANISMO BÍBLICOCada rel igião possui o seu criacionismo. Dos gregos à tribo mais escondida da Amazônia, é

possível encontrar uma narrativa da criação do Universo. Al gumas fantásticas; outras pueris. Mas todasigualmente absurdas. Tais mitologias são o resul tado de uma tradição oral que, transmitida por Adão eNoé a seus filhos, foi corrompida pelo tempo. Em sua base, porém, há um fundo de verdade.

1. Criacionismo Bíblico. É a doutrina da Bíbl ia Sagrada, cuj o principal obj etivo é mostrar como

vieram a existir os Céus, a Terra e o ser humano. É uma verdade aceita não somente pel a fé, mas tambémpel a razão (Hb 11.3; Rm 1.19,20). O pecado de Adão e Eva, portanto, não conseguiu depravarabsolutamente o homem; não impede a criatura de reconhecer o Criador na criação.

2. Os fundamentos do Criacionismo Bíblico. Três são os fundamentos do Criacionismo Bíbl ico:

1) a Bíbl ia Sagrada; 2) a razão; e: 3) o testemunho da Criação.

a) A Bíblia Sagrada. As Sagradas Escrituras afirmam, do início ao fim, que Deus é o Criador dosCéus e da Terra (Gn 1.1; Sl 95.6; Ap 10.6). Ora, basta o testemunho da Escritura, para que nosconvençamos da verdade. Afinal , el a é a inspirada e inerrante Pal avra de Deus. Ora, se a Bíbl ia não forcapaz de convencer-nos, a quem recorreremos? (Lc 16.31).

b) A razão humana. Embora comprometida pelo pecado, a razão ainda é eficiente para conduzir-nosao Criador, conforme Paulo enfatiza aos romanos: “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seueterno poder, como também a sua própria divindade, cl aramente se reconhecem, desde o princípio domundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas” (Rm 1.20). Todavia, não ignoramos queSatanás vem entenebrecendo a compreensão do homem moderno (2 Co 4.4). Por isso, temos deprocl amar a Pal avra de Deus a tempo e a fora de tempo.

c) A criação. Finalmente, a própria Criação testemunha do Criador (Sl 19.1). No Salmo 104, ocantor sagrado enal tece a Deus por sua obra, pois esta discorre sobre o Ser que tudo criou e que a tudopreserva.

II. O MARAVILHOSO PRINCÍPIO DA CRIAÇÃOO que Deus fazia no princípio? Não é fácil responder a essa pergunta, pois não dispomos de

nenhuma informação acerca de suas atividades entre os três primeiros versículos do capítulo um deGênesis. Todavia, permitam-me al gumas conclusões, que acredito serem coerentes e razoáveis. Antes deDeus fazer a Terra, El e criou o tempo, o espaço e a sua própria morada.

1. O tempo. Deus j amais faria a sua obra na eternidade, porquanto esta é um atributo

exclusivamente seu (1 Tm 6.16). O Criador é sempiterno; a criação, temporal . Ao contrário dos gregosque acreditavam na eternidade da matéria, os hebreus crêem que tudo quanto existe no tempo, foi criadopelo Eterno (Hb 11.3). Al iás, nem a própria morada de Deus é eterna.

Sendo o tempo a duração rel ativa das coisas, gera-nos a noção de presente, passado e futuro: umperíodo contínuo no qual se sucedem os eventos. Deus, porém, é o que é. El e não está suj eito a qualquersucessão de dias ou séculos. Presente, passado e futuro são-lhe a mesma coisa. Logo, somente o Eternopoderia criar o tempo.

2. O espaço. Contrariando o que muita gente supõe, o espaço não é sinônimo de vácuo. Este

nenhum tecido possui. Aquel e, entretanto, tendo a sua própria tel a, não pode avançar al ém de suasfronteiras. O Senhor o criou, a fim de conter a sua obra que, embora vastíssima, é finita. Logo, o espaçotambém é finito.

O Criador não se acha l imitado quer pelo tempo, quer pelo espaço; a criação, sim. Até os mesmosanj os acham-se condicionados temporal e espacialmente, pois não podem estar em dois l ugares ao mesmotempo.

3. Os Céus. Tendo j á estabel ecido o tempo e o espaço, o Senhor cria, agora, a sua própria morada.

Deus jamais faria a sua

obra na eternidade,

porquanto esta é um

atributo exclusivamente seu

(1 Tm 6.16).

Na verdade, El e não precisa de habitação al guma, pois nem o céu dos céus pode contê-l o (2 Cr 6.18).Mas, Rei do Universo que é, del imita um lugar, para nel e situar a sua corte.

Sim, até o próprio céu necessita do tempo e do espaço, pois é um lugar real , e não uma meraparábol a. Embora não ocupe a nossa dimensão, a região cel este tem de ser vista como real idade. Para l ásão l evadas as almas dos que dormem em Cristo (Ap 6.9).

A Nova Jerusal ém, a morada eterna dos santos, também é um lugar bem real . Em breve, estaremosal i com o Senhor. Aj uda-nos, Pai.

Já criados os céus, que não podem ser confundidos comos pl anetas de nosso sistema sol ar, o Senhor chama os anj os àexistência. Assim o salmista descreve a ação divina: “Os céuspor sua pal avra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exércitodel es” (Sl 33.6). Os seres angel icais também foram criadospelo sopro divino, exatamente como o Senhor procederia como homem (Gn 2.7). O Criador, pois, dedicou especial atençãoàs suas criaturas racionais; chamou-as à vida de maneira única epersonal izada: cada anj o é um anj o, cada homem é um homem.Semelhantes, sim; iguais, não.

4. A Terra informe. Ainda no princípio, Deus criou a Terra, e pô-l a exatamente naquel a

coordenada espacial , onde se encontra até ao dia de hoj e. Nosso pl aneta, j á del imitado pelo tempo e peloespaço, ainda era vazio e não possuía a forma atual . O autor sagrado assim o descreve: “A terra, porém,estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre aságuas” (Gn 1.2).

O que era a Terra nesse l ongínquo princípio? Era um todo disforme coberto pel as águas, queescondiam um grande abismo. Por essa razão, fazia-se necessária a presença do Espírito Santo que,pairando por sobre as águas, dava sustentação gravitacional ao nosso pl aneta. Pois o Sol , a Lua e osdemais corpos do Sistema Sol ar ainda não haviam sido criados, para manter-lhe a gravidade naquel equadrante específico do espaço.

III. A CRIAÇÃO DA LUZDeus não precisa de luz, pois a l uz e as trevas são-lhe a mesma coisa. Al ém disso, habita El e em

luz inacessível (Sl 139.12; 1 Tm 6.16). Sua obra, porém, del a necessita para subsistir. Por esse motivo,para dar forma à Terra, o Senhor ordenou-lhe o aparecimento: “Haj a luz” (Gn 1.3).

1. A luz primeva. Somente o Pai das luzes para dar luz à luz (Tg 1.17). A luz do primeiro dia não

era gerada pelo Sol , que só viria a existir no quarto dia da Criação. Al guns a denominam de primeva.Outros, de cósmica. Para mim, simplesmente divina, pois Deus mesmo é a sua fonte.

Na Jerusal ém Cel este, não teremos qualquer necessidade do Sol , porque o próprio Criador será a

Sem o Cordeiro, onde

estaríamos? Aprisionados em

trevas espirituais até sermos

lançados à escuridão mais

exterior Mt 8.12).

l uz da nova criação; a terra e os céus atuais j á terão passado (Ap 21.23; 22.5). Eis que tudo se fará novo.A partir daí, não precisaremos mais da luz primeva; nem da sol ar viremos a necessitar: a l uz eterna,

provinda do ser divino, il uminará a cidade que o Pai, em seu inexpl icável amor, arquitetou e construiupara acolher-nos na eternidade. Al eluia!

2. Jesus, a luz do mundo. Sim, Deus é luz e, nel e, não há treva al guma (1Jo 1.5). Por isso,

aprouve-lhe enviar-nos o seu Unigênito como a luz do mundo (Jo 8.12). Em Jesus Cristo, somosrecriados para uma nova real idade espiritual .

Sem o Cordeiro, onde estaríamos? Aprisionados em trevas espirituais até sermos l ançados àescuridão mais exterior (Mt 8.12). Mas, hoj e, caminhamos na luz e vivemos no reino da luz e, como a luz,respl andecemos (Fp 2.15). Só em Cristo isso é possível .

IV. O FIRMAMENTO E A PORÇÃO SECATendo j á il uminado o espaço com a luz primeva, o Criador passa, agora, a separar as águas que se

achavam acima e abaixo do firmamento. Não se pode expl icar devidamente como isso aconteceu. Por essemotivo, requeiro a sua l icença, querido l eitor, para tirar al gumas conclusões do texto sagrado.

1. Um planeta disforme e vazio. Até o segundo dia da Criação, a Terra ainda não possuía uma

forma definida. Na ausência de atmosfera, suas águas ficavam tanto abaixo como acima do solo. Era umtodo confuso e disforme. Era necessário, pois, que o Senhor ordenasse o caos, conforme registra o autorsagrado:

“E disse Deus: Haj a firmamento no meio das águas e separação entre águas e águas. Fez, pois, Deuso firmamento e separação entre as águas debaixo do firmamento e as águas sobre o firmamento. E assim sefez. E chamou Deus ao firmamento Céus. Houve tarde e manhã, o segundo dia” (Gn 1.6-8).

2. O firmamento. Não posso definir o firmamento de

Gênesis como o espaço sideral , pois este, como j á vimos, foracriado logo no “princípio”. Também não posso confundi-l ocom a porção seca do terceiro dia. Resta-me, pois, focá-l o comoa atmosfera terrestre. Justamente, neste ponto, é que surge umavelha e incômoda pergunta: “Como expl icar as águas que seachavam acima do firmamento?”

Penso que o nosso pl aneta, antes do Dilúvio, eraenvol vido por um escudo hídrico, que o protegia dos raiosul traviol etas do Sol , proporcionando saúde e l ongevidade aosfilhos de Adão. Sob uma atmosfera tão sadia, as feridas eram imediatamente cicatrizadas e a expectativa devida, mesmo sob o pecado, era quase mil enar (Gn 5.27). Depois, foi a existência humana definhando atéchegar aos parâmetros atuais (Gn 50.26; Sl 90.10). Al iás, sob aquel a atmosfera, o corpo humano bastava

para se curar.Por ocasião do singul ar catacl ismo, porém, “as comportas dos céus se abriram, e houve copiosa

chuva sobre a terra durante quarenta dias e quarenta noites” (Gn 7.11,12). A partir de então, a Terra ficouexposta aos raios daninhos do Sol . E, assim, deixou de ser aquel e imenso e belo paraíso dos antigos.Enfermando-se, nosso pl aneta adoenta-nos e rouba-nos a vida. Quando, porém, o Senhor Jesusestabel ecer o Mil ênio, a Terra será curada, mas a morte ainda reinará até a consumação final de todas ascoisas.

3. A porção seca. Não era intenção do Senhor criar uma terra encharcada, nem um imenso deserto.

Trabalhando harmonicamente a Criação, ideava um lugar com oceanos, mares e rios. E, cada um destes,banhando continentes e ilhas. Por isso, no terceiro dia, separou, de entre as águas, a porção seca, e fê-l aaparecer simetricamente por todo o pl aneta.

A atmosfera, agora, envol via uma terra que não era sem forma, nem vazia. A essas al turas, nossopl aneta j á era um globo bem definido. Fal tava apenas o aparecimento das pl acas continentais. Então,ordena o Senhor: “Aj untem-se as águas debaixo dos céus num só lugar, e apareça a porção seca. E assim sefez. À porção seca Deus chamou Terra e ao aj untamento das águas, Mares. E viu Deus que isso era bom”(Gn 1.9,10).

V. O APARECIMENTO DO REINO VEGETALJá havia mares e continentes, mas a porção seca do pl aneta achava--se despida de árvores e nua de

ervas. A vida ainda não era possível no pl aneta. Para que el a se viabil izasse, Deus torna o reino vegetaluma estonteante real idade.

1. O reino vegetal. O Criador tudo pl anej ou com sabedoria. Quando l emos o oitavo capítulo de

Provérbios, maravilhamo-nos com a manifestação da sabedoria divina. Em dado momento, parece maisum monólogo do Cristo que, embora ainda no seio do Pai, descreve como tudo foi chamado à existência.Então, neste momento, decreta o Senhor o surgimento do reino vegetal : “E disse: Produza a terra rel va,ervas que dêem semente e árvores frutíferas que dêem fruto segundo a sua espécie, cuj a semente estej anel e, sobre a terra. E assim se fez. A terra, pois, produziu rel va, ervas que davam semente segundo a suaespécie e árvores que davam fruto, cuj a semente estava nel e, conforme a sua espécie. E viu Deus que issoera bom” (Gn 1.11,12). Sem dúvida, foi al go maravilhoso. Do solo ainda virgem e casto, brotaram árvorese ervas. Aquel e chão, ainda tão j ovem, cobria-se agora de verde e, como num grande mil agre, acobertava-sede fl ores. Somente Deus poderia criar tanta maravilha.

2. A fotossíntese. A essa al tura, cabe outra indagação: “Como a vegetação poderia vingar sem o

processo de fotossíntese, j á que o sol só viria a ser criado no quarto dia?” Ora, se ainda não havia o Sol , aluz do primeiro dia j á existia. E, provinda el a de Deus, possuía os el ementos necessários ao pl enodesenvol vimento das árvores e ervas que, por toda a parte, j uncavam a Terra.

Não há contradição al guma entre a Bíbl ia Sagrada e a verdadeira ciência. Afinal , aquel e que criou aspl antas haveria de esquecer-se de al go tão básico como a fotossíntese?

VI. A CRIAÇÃO DO SISTEMA SOLARAté ao quarto dia, o Espírito Santo ainda pairava por sobre a Terra, a fim de emprestar-lhe forma e

mantê-l a em suas coordenadas. Afinal , nosso pl aneta depende da força gravitacional do Sol . Doutraforma, seria um astro errante, no qual a vida seria impossível . Por isso, Deus cria o Sistema Sol ar.

1. A cosmologia bíblica. Nas Sagradas Escrituras, encontramos uma cosmologia superior a

qualquer sistema humano. Ao repreender o povo de Judá, o profeta Jeremias descreve o mecanismo comque Deus dotara o Universo: “Assim diz o Senhor, que dá o sol para a luz do dia e as l eis fixas à lua e àsestrel as para a luz da noite, que agita o mar e faz bramir as suas ondas; Senhor dos Exércitos é o seunome. Se falharem estas l eis fixas diante de mim, diz o Senhor, deixará também a descendência de Israelde ser uma nação diante de mim para sempre” (Jr 31.35,36). Para o pós-modernismo, as l eis fixas de quefal a o profeta são inaceitáveis, porque tudo haverá de ser absolutamente rel ativo. Se o Universo está emexpansão, como aceitar a cosmologia bíbl ica? Quanto a mim, sinto-me mais confortável com o Gênesis deMoisés do que com o rel ativismo de Einstein.

2. A criação do Sol e da Lua. Já de início, podemos afirmar que a Terra é mais velha do que o Sol e

a Lua. Logo, j az sem qualquer sentido a Teoria do Big Bang, segundo a qual os corpos do Sistema Sol ar eas gal áxias vieram a existir em virtude da explosão de uma partícul a subatômica incrivelmente densa equente.

Tal explosão não existiu. De acordo com a Bíbl ia, o Sistema Sol ar veio a surgir como resul tadodesta ordem divina: “Haj a luzeiros no firmamento dos céus, para fazerem separação entre o dia e a noite; esej am el es para sinais, para estações, para dias e anos. E sej am para luzeiros no firmamento dos céus,para alumiar a terra. E assim se fez. Fez Deus os dois grandes luzeiros: o maior para governar o dia, e omenor para governar a noite; e fez também as estrel as” (Gn 1.14-16).

Já criado o Sol , a Lua e as estrel as, põe-se a Terra sob a sua influência gravitacional . No Universo,estabel ecem-se as quatro grandes forças: gravidade, el etromagnetismo, força nucl ear forte e força nucl earfraca.

3. A divisão do tempo. Se até agora, o tempo era contado apenas em dias, a partir da criação do

Sol , da Lua e das estrel as, poderá el e ser dividido também em semanas, meses, anos, séculos e mil ênios.Acrescente-se, ainda, que, a partir de agora, a Terra ganha mais um movimento: a transl ação, a sua viagemanual em redor do Sol .

VII. O REINO ANIMAL

Não há contradição

alguma entre a Bíblia

Sagrada e a verdadeira

ciência.

Estamos no sexto dia da criação. A terra j á está devidamente preparada para acolher, nutrir epreservar a vida. Assim, Deus chama à existência o reino animal .

1. Os peixes e as aves. No quinto dia, os peixes enchem os mares, e as aves ocupam os céus (Gn

1.21,22). Todos segundo a sua espécie. Nenhuma espécie evolui de outra nem para outra; ao ambientenatural , adaptam-se naturalmente. Em tudo, Deus é perfeito. Não esqueceu nenhum detalhe. El e fez desdeos peixinhos que encerramos num aquário às enormes bal eias e tubarões, que amedrontam os que sefazem ao mar. Quanto às aves, do rouxinol à soberba águia, há uma cadeia ininterrupta de pássaros.Somente um Deus como o nosso para criar tão perfeitamente tudo quanto existe.

2. Os animais selvagens e domésticos. No dia seguinte, vieram os animais domésticos e sel vagens

(Gn 1.24,25). Na obra divina, não há espaço à teoria de Darwin. Observemos, por exemplo, a cadeia queexiste entre os fel inos. Do gato mais diminuto ao l eão mais orgulhoso, há uma cadeia impressionante devida.

Nenhuma espécie necessita de outra para evoluir, poistodas j á foram chamadas à vida exatamente como as vemos hoj e.

CONCLUSÃOA criação de Deus é perfeita. Não só perfeita, mas

bel amente sustentável . É o que descobrimos em Gênesis. Poresse motivo, al egramo-nos todas as vezes que vol tamos aoprimeiro l ivro da Bíbl ia Sagrada. As perguntas que a ciêncianão logrou responder são, em suas páginas, todas elucidadas numa l inguagem simples e cl aríssima.

Portanto, vol temos a pregar o Gênesis. Afinal , tudo quanto existe tem, nel e, início. Sim, até mesmoas doutrinas que tanto prezamos. No próximo capítulo, veremos como e por que Deus criou o serhumano.

Capítulo 3

E DEUS OS CRIOU HOMEM E MULHER

INTRODUÇÃO Por rej eitar a Bíbl ia Sagrada, a academia secul ar tropeça constantemente nesta pergunta: “Quem é o

homem?”. Insatisfeita em sua antropologia, racional iza a questão, e retruca: “O que é o homem?”. E,assim, sistemática e metodicamente, coisifica o ser humano, descartando a única resposta pl ausível : “Ohomem é um ser criado por Deus e para Deus”.

Se aceitarmos a historicidade da narrativa mosaica, l ogo acharemos o nosso lugar no universo queDeus criou. Mas, caso optemos pel as proposições darwinistas, isol ar-nos-emos cosmicamente.

Entre Moisés e Darwin, há um abismo intransponível . Apesar das tentativas de se construir umaponte entre ambos, o fosso aprofunda-se a cada discussão, tornando impossível o trânsito entre oEvolucionismo e o Criacionismo. Se aquel e é mera teoria, este apresenta-se como a única al ternativa àangústia gerada por nossa presença no mundo.

I. QUEM É O HOMEMEmbora contingente, o homem é um ser necessário. Por essa razão, Deus o chamou à existência.

Isso não significa que o Senhor precisasse de nós para existir. Absoluto, prescinde de rel ações fora de si.El e é o que é. Em sua obra, porém, somos indispensáveis.

A partir dessa premissa, j á podemos dizer quem é o homem. 1. Imagem e semelhança de Deus. O Senhor criou-nos à sua imagem e semelhança (Gn 1.26).

Nem a queda, no Éden, l ogrou destruir tais feições. Logo, descartamos, por absurda e incongruente, adoutrina da depravação total do ser humano. Doutra forma, a obra vicária de Jesus Cristo resul tariaineficaz.

Satanás, todavia, conquanto nada possa criar, é um exímio chargista. Na criatura, distorce oCriador. No Criador, não deixa de caricaturar a criatura. Seus traços podem ser encontrados tanto namitologia mais grotesca, como no mais refinado texto acadêmico.

Homero (século VIII a.C), ao exal tar os feitos gregos,

“O homem é um ser

criado por Deus e para

Deus”.

divinizou os homens, humanizando a divindade. Artista que era,versificou-a numa série de deuses iracundos, orgulhosos,adúl teros e homicidas. Só mesmo, em sua imaginação, erapossível um mundo, no qual nenhuma fronteira moral haviaentre o divino e o humano. Em sua poesia, aquel e era pior queeste.

Charl es Darwin (1809-1882), por seu turno, fez uma caricatura ainda mais bl asfema do serhumano. Numa prosa bem el aborada, que l embra os grandes tratados da ciência, o escritor ingl êsapresenta o homem como o resul tado final de um longo processo evolutivo. Tal processo, entretanto,estanca-se no homem e não contempla os milhões de símios, que j amais chegarão a homo sapiens. Em seumundo, até dinossauro vira passarinho. Apesar de sua l inguagem acadêmica, el e não passou de umchargista: descaracterizando a criatura, debochou o Criador.

Que o homem não sej a anedotizado nem pel a arte, nem pel a ciência. Por que não defini-l o,simplesmente, como uma criatura racionalmente espiritual , cuj a missão é amar, glorificar o Criador efazer-lhe a obra.

2. Pouco menor que os anjos. Se o homem é a obra-prima da criação, por que Deus o criou

menor que os anj os? Parece-me que Davi tem a resposta. Ao contemplar a criação, indaga do Criador:“Quando vej o os teus céus, obra dos teus dedos, a l ua e as estrel as que preparaste; que é o homem mortalpara que te l embres del e? E o filho do homem, para que o visites?” (Sl 8.3,4). Mais adiante, buscandosituar a criatura na obra divina, reconforta-se: “Contudo, pouco menor o fizeste do que os anj os e deglória e de honra o coroaste. Fazes com que el e tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo pusestedebaixo de seus pés” (Sl 8.5,6).

Apesar de nossa inferioridade, Deus nos colocou sobre os ombros o governo do Universo. Porque não os anj os? Afinal , são-nos superiores. Essa tarefa, porém, é nossa. Somente a nós cabe aadministração do mundo; em seu nome a exercemos. Nessa l ida, os seres angel icais entram para auxil iar-nos. Apesar da insignificância da criatura, o Criador confia-lhe toda a criação.

Somos, de fato, inferiores aos anj os. Essa condição, porém, é temporária. Em breve, os redimidosseremos recepcionados no céu como a Noiva do Cordeiro. Mesmo agora, l imitados física, intel ectual eespiritualmente, temos privil égios sobre os quais os anj os anel am perscrutar (1 Pe 1.12). A Bíbl iaSagrada, pois, não diviniza o homem como Homero, nem o animal iza como Darwin: coloca-o numpatamar j amais imaginado pelo mortal (1 Co 2.9).

3. A coroa da criação. Davi, como bom teólogo, não ignorava o lugar do homem na criação. Um

lugar tão el evado que requer uma coroa: “Contudo, pouco menor o fizeste do que os anj os e de glória ede honra o coroaste.” (Sl 8.5). Embora nos haj a criado menor que os anj os, não foi a estes que o Senhorcoroou.

A humanidade é a coroa da criação. Desta coroa, Jesus Cristo é a perfeitíssima glória, por ser aúnica ponte entre nós e Deus. Eis porque a Bíbl ia no-l o apresenta como Verdadeiro Homem e Verdadeiro

Apesar de nossa

inferioridade, Deus nos

colocou sobre os ombros o

governo do Universo.

Homem. 4. A constituição do homem. Dicotomia? Ou tricotomia? Ainda bem que esse confl ito l imita-se

aos teólogos. Quanto aos autores sagrados, tratam o assunto com desconcertante obj etividade. Às vezes,tenho a impressão de que são tricotômicos (1 Ts 5.23). Outras vezes, parecem-me dicotômicos (Mt 10.28).Como este não é o fórum mais apropriado para se discutir a questão, serei econômico nas pal avras.

Em resumo, como veremos, o ser humano é composto por dois únicos el ementos: corpo e alma.Provindo ambos de Deus, têm como obj etivo exal tar-lhe o nome.

a) O Corpo. Formado do pó da terra, o corpo humano é a morada do Espírito Santo (1 Co 6.19).Logo, o pecado de Adão não logrou depravá-l o essencial e totalmente. Já redimido por Cristo, ésubmetido pelo Espírito Santo a um processo de santificação e pureza. E, quando da ressurreição, osredimidos l evantar-nos-emos em glória, para estarmos para sempre com o Senhor (1 Co.50-58).

b) A alma. Ao se referirem à parte imaterial de nosso ser,os escritores sagrados usam os termos “alma” e “espírito” comosinônimos. Mesmo quando ambas as pal avras aparecem j untas,não encontramos, aí, nenhuma contradição. Vej amos o exemplocl ássico de 1 Ts 5.23: “O mesmo Deus da paz vos santifique emtudo; e o vosso espírito, alma e corpo sej am conservadosíntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor JesusCristo”.

Nesse caso específico, que expl icação daremos? A melhor resposta que encontrei veio da pena sábiae equil ibrada de um teólogo da Assembleia de Deus. Expl ica Myer Pearlman (1898-1942): “A almasobrevive à morte, porque é energizada pelo espírito, mas alma e espírito são inseparáveis, porque oespírito está entretecido na própria textura da alma. São fundidos e caldeados numa só substância”.

Através da alma, entramos em contato com o mundo físico. E, por intermédio do espírito, temosacesso às real idades espirituais. Ambos são inseparáveis.

II. A CRIAÇÃO DO HOMEMNão ignoro a Teoria da Evolução. Dou-me, porém, o direito de acreditar no Criacionismo Bíbl ico,

por ser este mais l ógico e verossímil do que aquel a. O evolucionismo ainda não saiu do terreno dashipóteses, ao passo que a narrativa bíbl ica faz-se a cada dia mais convincente.

1. O conselho da criação. A Bíbl ia não revel a se houve al gum concelho da Santíssima Trindade

quanto à criação dos céus e da terra. Acredito que nem mesmo para os anj os, mais excel entes do que nós,houve semelhante formal idade. Todavia, quando da formação do homem, o Pai, o Filho e o EspíritoSanto expediram este decreto: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenhael e domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda aterra e sobre todos os répteis que rastej am pel a terra” (Gn 1.26). Por que a criação do ser humano teve de

ser precedida por um concíl io da divindade? Antes de tudo, porque o homem é a coroa da criação. Semel e, o Universo não passa de um cenário vazio. E, apesar de os anj os serem, temporariamente, superioresa nós, é conosco que Deus anseia manter a mais íntima comunhão. Isso não significa, porém, que El e nãose praza na companhia dos seres cel estes. Tanto é que estes, ao serem criados, foram postos ante o seutrono. Na História Sagrada, trata-os como filhos (Jó 1.5; 38.7).

2. A forma da criação. Não somos o resul tado de um longo e entediante processo evolucionário,

mas a coroa de um ato criativo de Deus. De maneira singel a, mas verdadeira e l iteral , a Bíbl ia descreve anossa feitura: “Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôl egode vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gn 2.7).

A simpl icidade da narrativa bíbl ica induz o academicismo incrédulo e bl asfemo a buscar outrasexpl icações sobre o nosso aparecimento na terra. No passado, o mito. No presente, a fal sa ciência. E, nofuturo, a mentira sistemática do Anticristo.

No princípio, segundo o poeta grego Hesíodo (750-650 a.C.), só havia deuses no universo. Porcausa disso, o marasmo fez daquel e céu, um inferno. Foi então que Prometeu, um dos titãs mais afoitos,rogou a permissão de Zeus para criar um ser mortal à imagem e semelhança dos deuses. A princípio, o reido Ol impo não gostou da ideia. E, se por acaso, não desse certo? Não haveria qualquer probl ema,interveio Prometeu. Sendo o homem mortal , estaria tudo resol vido. E, assim, o inventivo titã amassou umpunhado de argil a, e, a partir desta, fez o ser humano.

A mitologia grega l embra uma verdade que o tempo e a memória encarregaram-se de distorcer.Quanto à fantasia científica de Darwin, o que podemos dizer? Em virtude de sua roupagem

acadêmica e de sua l inguagem muito bem trabalhada, ganhou rapidamente foros de verdade. Tanto é queCharl es Darwin foi sepul tado na Catedral de Westminster como um dos maiores intel ectuais do ReinoUnido. Bem diz o apóstolo: arrogando-se sábios, fizeram-se l oucos.

Entre a poesia de Hesíodo e a prosa de Darwin, prefiro Moisés. Sua narrativa l eva-me à proposiçãode um Deus bom e santo. Em seu amor, criou-nos a fim de compartilhar a sua glória.

3. O homem é da terra e a Terra é do homem. Tirados da terra, temos as propriedades todas da

Terra. E, um dia, à Terra vol taremos. De seus produtos, al imentamo-nos. E, com o material que nosfornece, abrigamo-nos. Enfim, el a fornece-nos tudo de que necessitamos.

Em nosso organismo, acham-se, entre outros, os seguintes el ementos químicos do solo: ferro,manganês, potássio, sódio, cobre, cál cio, sel ênio, mol ibdênio, zinco, iodo, fósforo, magnésio, cobal to,iodo, enxofre e cloro. Diante de semelhante fato, como desprezar a narrativa do Gênesis, que, de formatão simples e cl ara, mostra o homem como formado do pó da terra?

4. O monogenismo da raça humana. Em seu discurso no Areópago de Atenas, perante os

fil ósofos epicureus e estóicos, Paulo deixou bem patente a doutrina bíbl ica do monogenismo. Afirmouque Deus “de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado ostempos previamente estabel ecidos e os l imites da sua habitação” (At 17.26).

O mapeamento do

DNA revela de maneira

surpreendente a unidade da

família adâmica.

Diante dessa proposição, não há o que se negar: todos somos filhos de Adão e Eva. Logo, brancos enegros, j udeus e árabes, europeus e brasil eiros, somos todos irmãos. No verdadeiro cristianismo, não háespaço para fil osofias ou teologias racistas. Concluímos, daí, existir apenas uma única raça, que,providencialmente, divide-se, mul tipl icando-se em famíl ias, tribos, nações, povos e l ínguas.

O mapeamento do DNA revel a de maneira surpreendente a unidade da famíl ia adâmica. Sel evarmos em conta que cada mulher recebe o DNA mitocondrial da mãe, ser-nos-á possível retroceder àprimeira fêmea. Diante desse fato, os cientistas al cunharam-na de “Eva Mitocondrial ”. Na esteira dessapesquisa, descobriu-se também o “Adão Cromossônico Y”.

A verdadeira ciência não contraria a narrativa bíbl ica. Não obstante, al guns acadêmicos aindateimam em contrariar as Sagradas Escrituras, optando por expl icações absurdas.

III. A MISSÃO DO HOMEMImaginemos o primeiro diálogo do Senhor com Adão. Ao chamá-lo à vida, confidenciou-lhe o Pai:

“Neste vasto pl aneta, escondi celul ares, tabl etes, aviões e até naves espaciais escondi”. Em seuaprendizado, indaga-lhe o homem: “Senhor, o que são essas coisas, e onde posso achá-l as?”. Bom didata eamoroso educador, responde-lhe Deus: “Trabalha a terra e l ogo as descobrirás”. A missão do serhumano, por conseguinte, consiste em acul turar a terra, povoá-l a e governá-l a.

1. Aculturar a terra. Daqui a pouco, terei de interromper este l ivro para almoçar. Já de posse do

prato e dos talheres, pegarei uma concha de feij ão, outra de arroz, al guma verdura e l egume e,possivelmente, um pedaço de carne. De sobremesa, frutas.

A refeição será possível , porque os genitores da raça, obedecendo às ordens do Criador, puseram-se a trabalhar a criação. Descobriram e sel ecionaram os al imentos. E, a fim de prepará-l os, inventaramdel iciosos temperos. Mas, o que fariam sem o fogo e a porcel ana? A partir da arte cul inária, foramindustriando o mundo que Deus criou. E, de descoberta em descoberta, chegaram ao espaço. Ointeressante é que tudo teve início com a agricul tura.

2. Povoar a terra. Quantas pessoas poderiam viver

confortavelmente na terra? Já ouvi dizer que em torno de 16bilhões. De acordo com a ONU, em 2050, haverá nove bilhõese 300 milhões de habitantes no pl aneta. Se toda essa gente forbem distribuída, todos poderemos viver de maneira sustentávele até usufruir de al gum conforto. Conclui-se, pois, que apobreza extrema não é ocasionada nem pel a fal ta de espaço,nem pel a ausência de al imentos. Se a riqueza fosse distribuídacom j ustiça e equidade, ninguém morreria de fome.

Segundo Robert Mal thus (1766-1834) o mundo estaria fadado à destruição, se o crescimentodemográfico não fosse imediatamente barrado. Temia el e a fal ta de comida e de água. Graças a Deus, o

economista britânico estava errado. Hoj e, há mais al imentos no pl aneta do que no primeiro século da EraCristã, quando a popul ação mundial girava em torno de 150 milhões de pessoas.

As nações que seguiram o conselho de Mal thus enfrentam, hoj e, ingentes dificuldades para reporseus estoques popul acionais. Haj a vista a Europa e o Japão. Até a própria China, apesar de sua imensademografia, corre o risco de se tornar um imenso asil o de velhos. Sua pol ítica de filho único é umatragédia mais que óbvia.

Por conseguinte, a ordem divina para se povoar a terra é razoável e não atenta contra asustentabil idade do pl aneta. O que gera o desequil íbrio ecológico e a ação predadora do ser humanoímpio e inimigo de Deus.

3. Governar a terra. Houvesse o homem obedecido a Deus, o paraíso terrestre não teria se l imitado

ao Éden. Toda a terra seria um lugar belo e sustentável , onde os filhos todos de Adão poderiam desfrutarde todo o bem que nos l egou o Senhor. Nossa biosfera é mais que suficiente para dar al imento, abrigo ebem-estar aos homens e animais. O Criador providenciou o necessário, a fim de que todos os seus filhos,de Adão ao úl timo bebê a nascer no pl aneta, tenham o suficiente para viver com amor e dignidade.

Se o homem governar bem o pl aneta, não haverá miseráveis em lugar al gum. É o que demonstraráo Senhor Jesus, quando estabel ecer o seu reino entre os homens.

IV. A INSTITUIÇÃO DO CASAMENTOA agenda divina no sexto dia da criação estava bem carregada. Num primeiro momento, Deus criou

o homem, confiando-lhe o governo do mundo e a cl assificação da fauna. Mais adiante, sentindo-lhe asol idão, formou-lhe a mulher. E, para arrematar a sua obra, casou-os, instituindo o matrimônio.

1. A solidão é ruim. Ser absoluto por excel ência, o Criador prescinde de rel acionamentos com a

criação para ser o que é. Todavia, sua natureza amorosa e j usta l eva-o a revel ar-se à criatura. E, conosco,aprofunda a comunhão. Por esse motivo, não poderia El e admitir que o homem vivesse isol ado edesprovido de semelhantes.

Ante o isol amento de Adão, decl arou o Senhor: “Não é bom que o homem estej a só; far-l he-ei umaauxil iadora que lhe sej a idônea” (Gn 2.18). O casamento, pois, era indispensável para que o Éden setornasse um paraíso. Por isso, o Senhor, da costel a de Adão, cria a mulher. E, apresentando-lha, l eva-o acompor um poema: “Esta, afinal , é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa,porquanto do varão foi tomada” (Gn 2.23).

2. Características do casamento. Instituído por Deus, o casamento tem as seguintes características:

a) monogâmico: um único homem para uma única mulher; b) heterossexual : um macho para uma fêmea;c) indissolúvel : só pode ser dissol vido nestas circunstâncias: morte, infidel idade conj ugal e abandono(Rm 7.2; Mt 19.9; 1 Co 7.15).

Qualquer vínculo que fuj a a esses parâmetros não haverá de ser tido como casamento. Logo, a

Houvesse o homem

obedecido a Deus, o paraíso

terrestre não teria se

limitado ao Éden.

união entre pessoas do mesmo sexo, embora l egal izada, j amais será considerada, à l uz da Bíbl ia Sagrada,casamento. Logo, não conta nem com a bênção, nem com a chancel a divina. Quanto à pol igamia, Deus atol erou no princípio, mas nunca a aprovou.

3. A bênção matrimonial. A partir do casamento de Adão e Eva, os demais matrimônios dar-se-

iam, primeiro, entre irmãos, e, depois, entre primos. E, assim, até que a união conj ugal deixasse o âmbitoda endogamia e passasse a ser praticada exogamicamente.

Para que a raça humana não viesse a ser deteriorada geneticamente, o Senhor abençoa o primeirocasal : “Sede fecundos, mul tipl icai-vos, enchei a terra e suj eitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre asaves dos céus e sobre todo animal que rastej a pel a terra” (Gn 1.28).

CONCLUSÃOCom a instituição do casamento, tem início a História.

Até a formação da mulher, havia apenas uma biografia sol itáriae sem muito interesse. Mas tudo muda, quando o Pai chama suafilha, Eva, à existência.

A partir daí, o drama humano haveria de ter l ivre curso.Da biografia de Adão à História Universal , pl enifica-se naHistória Sagrada. Com a instituição do casamento, o Criadorcomeçaria a revel ar a profundidade de seu amor à criatura racional , que, suscitada da terra, almej a o céu;feita no tempo, tem si a eternidade.

Capítulo 4

A QUEDA DA RAÇA HUMANA

INTRODUÇÃO O filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço é uma l astimável charge da queda do homem.

Trabalhando o roteiro de Arthur C. Cl ark, o diretor Stanl ey Kubrick dá início à sua perambulação,focal izando uma sociedade ainda distante do homo sapiens. Mais símios que humanos, suas caricaturaslutam por sobreviver ao ambiente. Fal tando-lhes víveres, sobram-lhes instintos. Por uma fonte d’água,matam e morrem.

A história do bizarro aj untamento começa a mudar, quando um hominídeo defronta-se com umestranho monól ito. Após tocar a pedra finamente pol ida, apodera-se el e de uma tíbia que, até então,servira-lhe de arma, e arremessa-a para o al to. No instante seguinte, o cenário muda bruscamente. Agora,aparece um ônibus espacial da extinta PAN AMAM, conduzindo o Dr. Heywood R. Floyd até uma baseque orbita a terra. Como trilha sonora, Strauss e Wagner.

Quando do l ançamento do filme, em 1968, pensava-se que, decorridos 33 anos, o homem nãomais seria o l obo do homem. Para Stanl ey Kubrick, nosso maior adversário seria o Hal 9000, umcomputador narcisista e com muita gana de poder.

Enfim, 2001. No espaço, nenhuma odisseia. Na terra, a maior tragédia dos tempos pós-modernos.O ataque de 11 de setembro mostra a sel vageria do homeml . Osso al gum é l ançado ao espaço. Milharesde corpos, porém, misturaram-se aos escombros das Torres Gêmeas. Na história humana, evoluçãoal guma. Apesar do avanço tecnológico, continuamos a involuir. Logo, não caímos para o al to;precipitamo-nos no abismo que sempre chama outro abismo: o pecado. Nossa queda foi real e para baixo.

I. O QUE É A QUEDANa visão de Stanl ey Kubrick, a aurora da humanidade era nada racional e sel vagem. A evolução da

raça, porém, arrancou-nos à barbárie, l ançando-nos a caminho de Júpiter. A narrativa mosaica caminha emsentido contrário. O homem não evoluiu, mas perigosamente involui à morte eterna. E, deste processo, sóCristo pode l ibertar-nos. É o que nos ensina a doutrina da queda humana.

1. A teologia da queda. É a doutrina, segundo a qual o homem, por haver desobedecido a Deus,comendo do fruto proibido, foi expul so do Éden, estando, a partir daí, suj eito à morte espiritual , física eeterna.

Cristo, todavia, trouxe morte à morte pel a sua morte. Logo, crendo em Jesus, como seu Sal vador, ohomem é restaurado espiritualmente, vendo-se l ivre da morte eterna. Quanto à morte física, acal enta-nos aesperança da ressurreição.

2. O fundamento da teologia da queda. O principal fundamento da teologia da queda encontra-se

na Bíbl ia Sagrada. Através de uma narrativa e de muitas proposições diretas e indiretas, a Pal avra de Deusmostra por que a criatura, após haver se rebel ado contra o Criador, começa a involuir até quase depravar-se totalmente.

Utopicamente, o homem, buscando fugir à tragédia do Éden, olha para o futuro, como se este fosseacessar-lhe o paraíso perdido: uma sociedade amorosa, j usta e sol idária. Mas o que se vê pel a frente édistópico. Por essa razão, a historiografia traça a traj etória humana prosaica e poeticamente, como ressal taAristótel es (384-322 a.C.): “O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de oprimeiro escrever em prosa e o segundo em verso. Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu eo outro o que poderia ter acontecido”.

De um modo geral , todas as ciências, quer as humanas, quer as exatas, evidenciam os efeitos daQueda. A medicina, por exemplo, tudo faz por alongar-nos a vida, mas os próprios médicos acabam porsucumbir à morte.

3. Objetivos da teologia da queda. Em l inhas gerais, estes são os obj etivos da Teologia da Queda:

1) mostrar a culpabil idade humana diante da santidade divina; 2) j ustificar o j uízo de Deus sobre ohomem pecador; 3) provar que a depravação humana, apesar de suas consequências, não foi total nem éirreversível ; 4) esperançar os descendentes de Adão sobre a eficácia da redenção cristã; 5) destacar queJesus Cristo, como a semente da mulher, é suficiente para desfazer as obras de Satanás; 6) evidenciar aocrente a necessidade e a possibil idade de se ter uma vida santa diante de Deus e dos homens; e: 7) l evar aIgrej a a procl amar a redenção adâmica através do Evangelho de Cristo.

II. A POSSIBILIDADE DA QUEDAAo criar-nos, dotou-nos o Criador com o l ivre-arbítrio. Sem este instituto, j amais seríamos o que

somos. Se por um l ado, Deus não nos fez pecaminosos; por outro, não nos equipou com o dom daimpecabil idade. Portanto, fomos criados tanto quedáveis, quanto ascendíveis, mas redimíveis sempre.

1. O dom da impecabilidade. Jesus Cristo foi o único ser humano impecável , pois a sua

humanidade era tão perfeita quanto a sua divindade. Por isso mesmo, apresentou-se como o nosso fiel esuficiente sumo sacerdote (Hb 4.15). Nel e, a impecabil idade não era um dom; era um atributo, al goinerente à sua natureza. Verdadeiro Deus, era e é natural e essencialmente santo.

De um modo geral,

todas as ciências, quer as

humanas, quer as exatas,

evidenciam os efeitos da

Queda.

Os anj os também não foram criados com o dom da impecabil idade. El es só vieram a adquiri-l oapós terem sido provados quando da rebel ião de Satanás (Ez 28.15). Os que se mantiveram fiéis ao Senhortornaram-se impecáveis. E, desde então, são conhecidos como santos e el eitos (Jó 5.1; Lc 9.26; 1 Tm 5.21).Por conseguinte, j á não há qualquer possibil idade de os anj os virem a pecar. O seu l ivre-arbítrio, agora,l eva-os tão somente a glorificar e a servir ao Criador.

Como seríamos se, ao criar-nos, nos tivesse Deus dotadocom a impecabil idade? Em primeiro lugar, não seríamos;meramente existiríamos. A criatura racional , sej a angél ica, sej aterrena, tem de passar necessariamente pel a etapa do l ivre-arbítrio; caso contrário, j amais al cançará a pl enitude do ser.Portanto, a provação é-nos imprescindível à pl enitude comoseres racionais e l ivres (Tg 1.12). Que, neste caso, não pairequalquer dúvida: a provação é necessária, não o pecado. Estej amais nos será indispensável ; aquel a, sim (Tg 1.12).

2. A natureza pecaminosa. Se Deus, ao criar o homem, não o dotou com a impecabil idade,

tampouco fê-l o pecaminoso. Afinal , estamos fal ando do Deus único, verdadeiro e santo (Lv 20.7). El e nãocriou o mal , nem pelo mal pode ser tentado (Tg 1.13). Sendo quem é, concedeu-nos o l ivre-arbítrio,através do qual , nós, à semelhança dos santos anj os, poderíamos ter al cançado, também, a condição deseres impecáveis.

O ser humano também não foi criado moralmente neutro, nem infantil izado. Adão veio a existir deforma santa, pl ena e racional ; porém, não impecável . A provação viria, como de fato veio. Logo, o homemcaiu não por causa de sua pecaminosidade, mas em virtude de sua pecabil idade. O mesmo pode-se dizerdos anj os. Eis o que profetiza Ezequiel acerca do querubim pecador: “Perfeito eras nos teus caminhos,desde o dia em que foste criado até que se achou iniqüidade em ti” (Ez 28.15).

Portanto, o homem foi criado perfeito. O uso indevido de sua l iberdade, porém, l evou-o àimperfeição. Defrontamo-nos, aqui, com um aparente paradoxo. O l ivre-arbítrio tirou-lhe a perfeição?Todavia, sem um arbítrio totalmente l ivre, seríamos inviáveis e imperfeitos. Logo, a l iberdade eraimprescindível a Adão, porquanto fora el e criado perfeito, mas não bom. Somente Deus é bom; aSantíssima Trindade não pode ser melhor do que é.

Sábio em todos os seus caminhos, dotou-nos Deus com o l ivre-arbítrio. Por isso, requer-nosânimo pronto e voluntário para adorá-l o (Rm 12.1).

3. A pecabilidade. Se o homem não foi criado com o dom da impecabil idade, e se o seu estado, ao

vir à existência, não era pecaminoso, como expl icar a Queda? Só pode haver uma expl icação. Deus o crioupecável . Ou sej a: com a possibil idade de pecar. A esse respeito, o Senhor foi-l he bastante cl aro: “De todaárvore do j ardim comerás l ivremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás;porque, no dia em que del a comeres, certamente morrerás” (Gn 2.16,17).

Então, Deus o criou imperfeito? De forma al guma, pois tudo quanto o Senhor fez, perfeitamente o

Ao criar-nos, dotou-nos

o Criador com o livre-

arbítrio. Sem este instituto,

jamais seríamos o que somos.

fez. Assim, considera o sábio a obra divina: “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs aeternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípioaté ao fim” (Ec 3.11).

Novamente, defrontamo-nos com o paradoxo daperfeição divina. Na verdade, Deus fez o homem perfeito. E,nessa perfeição, encontrava-se a pecabil idade. Sem esta, nãohaveria l ivre-arbítrio. E, sem o l ivre-arbítrio, a perfeição seriaimpossível . Conclui-se, pois, que a perfeição humana requeriaa possibil idade de pecar e de não pecar. Nesse ponto, há que seressal tar uma importante premissa. A perfeição exigia apossibil idade, mas não a necessidade de pecar. Tanto os anj os,quanto os homens, poderiam aperfeiçoar-se constantemente, sem a experiência do pecado. Haj a vista osanj os el eitos e santos. Estes, ao não seguirem a Satanás, passaram da fase da pecabil idade para a daimpecabil idade. E o mesmo, acredito, poderia ter ocorrido com a famíl ia adâmica. Nossa comunhão comDeus seria tão profunda e tão pl ena, que a árvore da ciência do bem e do mal tornar-se-ia, com o tempo,desnecessária. Assim como os anj os j á não carecem de provação, pois obedecem a Deus perfeitamente eperfeitamente o adoram, de igual modo dar-se-ia conosco (Mt 6.10; Hb 1.6).

O que aconteceria, porém, se toda a humanidade tivesse vencido o pecado, com a exceção de umaúnica pessoa? Deus, amando-nos como nos ama, enviaria o seu Unigênito, para que morresse por essapessoa única, pois El e não nos ama apenas col etiva e historicamente, mas individual e biograficamente nosama com amor eterno.

Na vida do crente, por conseguinte, o pecado não é uma necessidade, mas uma perigosa e, às vezes,fatal possibil idade. Eis o que escreve João: “Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que nãopequeis. Se, todavia, al guém pecar, temos Advogado j unto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1 Jo 2.1). Oteólogo divino não diz “quando al guém pecar”, como se o pecado fosse uma necessidade em nossa vida.Mas, sabiamente, adverte: “Se al guém pecar”. Dessa forma, mostra el e que o pecado é apenas umapossibil idade na carreira do cristão. Depreende-se, pois, que o discípulo de Cristo deve lutar nãopropriamente contra o pecado, mas com suas imperfeições. Que o pecado não é uma necessidade em nossavida, reafirma mais adiante João: “Todo aquel e que permanece nel e não vive pecando; todo aquel e que vivepecando não o viu, nem o conheceu” (1 Jo 3.6).

Se por um l ado, o pecado não é uma necessidade, mas uma mera possibil idade; por outro, asantidade é tanto uma necessidade, quanto uma real possibil idade em nossa j ornada para o céu. Por isso,professamos: “Cremos na necessidade e na possibil idade de vivermos uma vida santa e irrepreensíveldiante de Deus e perante os homens”. Portanto, recomenda o autor da Epístol a aos Hebreus: “Segui a pazcom todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). É possível ser santo? Nãosomente possível , como necessário. A graça divina l eva-nos à santidade.

III. O AGENTE DA TENTAÇÃO

Adão veio a existir de

forma santa, plena e

racional; porém, não

impecável.

“Cremos na

necessidade e na

possibilidade de vivermos

uma vida santa e

irrepreensível diante de

Ambrose Bierce (1842-1913), ao dicionarizar o inimigo,satirizou: “Diabo: o autor de todos os nossos infortúnios eproprietário de todas as coisas boas deste mundo”. Que Satanásexiste e que se acha ao nosso derredor, buscando a quem possatragar, todos sabemos. Todavia, el e não é o autor de todos osnossos infortúnios. Boa parte de nossos mal es e desventuras éconsequência de nossas decisões e escolhas. Nem por isso,deixa el e de ser o agente da tentação.

1. O primeiro pecado. Cabe, aqui, uma intrigante pergunta: Quem primeiro foi criado, o pecado ou

o pecador? Nem um, nem outro. Ora, se todas as coisas foram criadas por Deus, como El e poderia tercriado o pecado ou pecador? Tudo o que Deus faz, perfeitamente o faz. Logo, o pecado nasceu do arbítriol ivre e desimpedido que a criatura moral recebeu do Criador. Daí, inferimos: a santidade divina é eterna;o pecado, não. El e surgiu no tempo e no tempo desaparecerá. Descreve o profeta Ezequiel o surgimentodo primeiro pecado: “Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado até que se achouiniquidade em ti” (Ez 28.15). Enquanto não havia orgulho no coração do querubim, não existia nempecado, nem pecador no Universo. O amor divino era tudo em todos. Os anj os eram tão puros eamorosos que, a cada ato do Criador, regozij avam--se (Jó 38.7). Mas, vindo o orgulho, o pecado tambémchegou, revel ando o pecador. A soberba é a mãe de todas as transgressões (Pv 16.18).

2. O primeiro pecador. O querubim ungido é o primeiro pecador. E, posto que imortal e

irredimível , j amais perderá essa condição. Todavia, a apostasia poderia ter sido inaugurada por umserafim. Ou, por Miguel . Ou, tal vez, por Gabriel . Ou, quem sabe, por um anj o de nenhuma patente.Naquel es inícios, os seres angél icos eram todos pecáveis. Nenhum del es havia sido agraciado, ainda, como dom da impecabil idade. Se o pecado não tivesse sido originado no céu, poderia ter surgido na terra?Acredito que sim. Levemos em consideração a revel ação de Ezequiel . O profeta, ao historiar a rebel iãocontra o Senhor, não se refere apenas a Satanás; faz uma reverência cl ara a Etbaal II, rei de Tiro. E, pel adicção da profecia, este era tão del etério e nocivo quanto aquel e.

3. O primeiro tentador. Assim Jesus qual ifica o

adversário: “El e foi homicida desde o princípio e j amais sefirmou na verdade, porque nel e não há verdade. Quando el eprofere mentira, fal a do que lhe é próprio, porque é mentirosoe pai da mentira” (Jo 8.44). Satanás poderia contentar-se em sermais el evado que os demais anj os. Todavia, mentindo a si,presumiu-se maior que Deus. Desde então, vem semeando suasinverdades tanto nos corações dos mexeriqueiros, como naalma fil osófica e no espírito teológico. Mente grosseira efinamente. Homicida, l evou Caim a assassinar Abel (1 Jo 3.12).

Deus e perante os homens”.E, a partir daí, não mais parou de matar. Inventa guerras,engendra revoluções, incita l evantes. Inspira genocídios eextinções.

4. O primeiro impenitente. A doutrina da depravação total cabe perfeitamente ao Diabo, e não ao

ser humano. À semelhança dos demais anj os, era superior a nós (Sl 8.3-6). El e criado j á imortal ; ohomem, imortal izável . Houvesse Adão obedecido ao Senhor, ainda estaria vivo. Se por um l ado, a morte éal go indesej ável ; por outro, é apresentada, em Cristo, como a nossa redenção eterna. Se a recebemos porsal ário, podemos herdá-l a como o maior dos ganhos (Rm 6.23; Fp 1.21).

Desde que se corrompera, Satanás não mais deu guarida à verdade (Jo 8.44). Quando mente, oumata, faz o que lhe é próprio; é da sua natureza a inverdade e o homicídio. Portanto, el e é irredimível .Jamais vol tará à congregação dos santos. O seu lugar é no l ago de fogo (Ap 20.10).

IV. A INTRODUÇÃO DO PECADO NO MUNDOHistoricamente, Adão foi o terceiro a rebel ar-se contra o Senhor. Em primeiro lugar, apostataram

Satanás e seus anj os. Depois, a mulher. E, só então, o homem. Não obstante, foi Adão o granderesponsável pel a introdução do pecado no mundo. Por que o j uízo maior recaiu sobre el e? Apontemos asrazões.

1. Adão era o governador do mundo. Deus confiou o governo do mundo a Adão, a fim de que el e

não apenas o governasse e lhe descobrisse as ciências e cul turas, mas principalmente para que viesse ateologizá-l o (Gn 1.26). Cabia-lhe, pois, trazer à terra o Reino do Céu. El e o faria, repassando à esposa eaos filhos, o conhecimento e as ordenanças, que lhe transmitira o Senhor. Mas, por não orientardevidamente a mulher, esta fragil izou-se ante a dial ética do adversário. Sua missão científica progredia; ateológica começou a retroceder.

2. Adão era o guarda do Éden. No Éden, competia a Adão cul tivar e guardar o paraíso (Gn 2.15).

Que el e o haj a acul turado, não nos resta dúvida; o trabalho não lhe era contra a índol e. Todavia, falhouem custodiar o j ardim. El e sabia perfeitamente que existia um adversário, e que este j á havia turbado asregiões cel estes. E, j á expul so de l á, buscava agora, por aqui, ampl iar seus estragos e apostasias.

Adão não ignorava o perigo que o rondava, mas o subestimou. Se nos mantivermos vigil antes, nãocairemos na mesma cil ada.

3. Adão conhecia a natureza do adversário. Ao nomear os animais, Adão passou a conhecer

profundamente a biologia terrestre (Gn 2.19,20). Sabia que o l eão era o rei das al imárias todas. Admiravaa força do boi e a mansidão do cordeiro. De igual modo, não ignorava a astúcia e o fingimento da serpente.Bom zoólogo, bem que poderia ter al ertado Eva quanto àquel e admirável réptil .

Pelo j eito, nenhuma advertência fez à mulher. Deixou-a à mercê da víbora. Que esta falou, não há o

que se duvidar. Se não aceitarmos o fato, negaremos também o episódio da j umenta de Bal ão. Satanássabia que não podia derrubar o esperto e precavido Adão. Por isso, instrumental izou a serpente. E, tendoj á enl açado Eva, usou-a para seduzir Adão que, voluntariamente, pecou contra o Senhor (1 Tm 2.14).

4. Adão introduziu o pecado no mundo. Eva pecou antes de Adão, e Satanás, por seu turno,

pecara muito antes de Eva. Todavia, o pecado entrou no mundo não através da mulher, nem porintermédio do Diabo. O grande responsável pel a introdução da apostasia no mundo foi Adão. É o queescl arece Paulo: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, amorte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5.12).

A serpente e a mulher não deixaram de ser penal izadas. Entretanto, ao homem coube aresponsabil idade maior pel a tragédia no Éden. Deus o condena a morrer, mas não o condena à morteeterna, nem à segunda morte. Al i mesmo, em meio ao j uízo, o Senhor anuncia a redenção da humanidade.

CONCLUSÃOEstamos no Século XXI. Não houve odisseia al guma no espaço. Al iás, nem à Lua fomos mais. Isso

não significa que o homem tenha sufocado o desej o de aninhar-se nas estrel as. Naves serão l ançadas aoespaço, deixarão este sistema sol ar e perder-se-ão no desconhecido. O ser humano, porém, j amaismelhorará a sua índol e, a menos que receba a Cristo como o seu único e suficiente sal vador.

Apesar de seus vôos cada vez mais ousados, a queda do homem não foi para o al to. Moral eeticamente, nunca estivemos tão baixo. Não precisamos de uma intel igência artificial para infel icitar-nos;nossa razão, enferma pelo pecado, é mais que suficiente para j ogar-nos no inferno. Só o Senhor Jesuspode resgatar-nos dessa queda fatal . Somente el e reverte os efeitos do pecado.

Capítulo 5

CAIM ERA DO MALIGNO

INTRODUÇÃO Se o orgulho é o primeiro dos pecados, a invej a tal vez sej a o segundo. Logo atrás de si, vem o

medo que, não control ado, acaba por gerar o ódio e outros pecados ainda mais del etérios. Antes oinvej oso. Agora, o assassino dissimulado e frio. Mais al ém, o réu confesso. Na terra, cl ama o sangue doirmão.

Eis a biografia de Caim.Apesar das honras que lhe conferiam a primogenitura, deixou-se el e dominar por uma invej a tol a e

inj ustificável . Seus privil égios eram nada desprezíveis. Primeiro filho de Adão, cabia-lhe, entre outrascoisas, a herança messiânica. Se el e tivesse permanecido fiel , estaria hoj e entre os ancestrais de Cristo.Mas, agindo como agiu, foi arrol ado como o primeiro descendente espiritual de Satanás.

Caim inaugurou a gal eria dos grandes criminosos da História, tendo bem ao seu l ado Nero,Herodes, Napol eão, Stal in, Hitl er, entre outros facínoras. Seus imitadores acham-se também entre os que,em nossas igrej as, matam espiritual e moralmente o seu irmão.

I. MULHER, AUXILIADORA DE DEUSNo processo dial ético da tentação, Satanás intentou enredar Eva na luta contra o Reino de Deus. O

Senhor, porém, interveio de pronto, colocando inimizade entre a mulher e a serpente (Gn 3.15). Foi nessainimizade que germinou a amizade entre Deus e a raça humana: Jesus Cristo.

1. Inimiga da serpente. O que teria acontecido se o Diabo tivesse al iançado Eva em sua luta contra

Deus? A mulher, usada pelo Mal igno, não teria permitido a propagação da espécie humana. E, dessaforma, Satanás e seus anj os não demorariam a apossar-se da Terra que Deus criara para manifestar o seuReino.

O Senhor, todavia, intervém e desfaz, al i mesmo no Éden, o motim que visava transformar-lhe oReino no império de Satanás. A partir daquel e momento, o inimigo perde uma al iada, ao passo que Deusganha uma grande auxil iadora.

Se o orgulho é o

primeiro dos pecados, a

inveja talvez seja o segundo.

2. Auxiliadora de Deus. Em consequência da Queda, a mulher deprava-se não total , mas

essencialmente. Apesar dos efeitos daninhos do pecado, a graça divina estaria sobre el a, fortal ecendo-a naexecução da vontade divina. Eva ergue-se para glorificar o Criador através da maternidade (1 Tm 2.15).

3. Teóloga da maternidade. Depois da queda, não encontramos nenhuma decl aração do homem.

Adão simplesmente se cal a. Até mesmo quando Caim matou Abel , cal a-se e nada diz. El e certamentemuito l amentou a perda de ambos os filhos: o caçul a, à sepul tura; o primogênito, ao crime. Mesmoassim, sil encia-se dolorosamente. Conquanto excel ente teólogo e governador do mundo, nenhumcomunicado emite; emudecido, prefere chorar a irreparável perda.

De Eva, porém, temos duas decl arações teológicas. Aodar à luz o primogênito, decl ara: “Adquiri um varão com oauxíl io do Senhor” (Gn 4.1). Em sua primeira decl aração, hápelo menos três proposições: 1) Deus é o autor da vida; 2) ofilho, que agora embal a, não é seu; pertence ao Senhor; e, 3) el acoloca-se no lugar de serva e auxil iadora do Criador nopovoamento da Terra.

A segunda decl aração da mulher, também, é carregada de significados teológicos. Após a morte docaçul a e a perda do primogênito ao Mal igno, assim acolhe o pequenino Sete: “Deus me concedeu outrodescendente em lugar de Abel , que Caim matou” (Gn 4.25). El a demonstra, uma vez mais, sua grandeacuidade teológica: 1) a intervenção divina nos negócios humanos; 2) a punição dos culpados; e, 3) acontinuidade do Pl ano de Sal vação através de sua semente.

Em suas decl arações, não é difícil vislumbrar um pequeno Magnificat. Não obstante o luto quelhe ia na alma, encontra motivos para glorificar a Deus por sua bondade e amor. Temos, em Eva, umafigura de Maria, mãe de Jesus.

II. CAIM É GERADO ESPIRITUALMENTE POR SATANÁSNão foi apenas Eva que supôs fosse Caim a semente anunciada pelo Senhor. Satanás deve ter

chegado à mesma conclusão. Por isso, se não pôde ter a mulher como al iada, por que não lhe cooptar ofilho? E, assim, começa o inimigo a frondar sua árvore de famosos descendentes espirituais: Caim, oprimeiro. Ao longo dos séculos, brotariam o Faraó do Êxodo, Nero, Átil a, Napol eão, Stal in, Hitl er emuitos de nossos contemporâneos.

1. A cooptação de Caim. É bem possível que o mal igno haj a iniciado a cooptação de Caim,

quando este ainda era bebê. Bom psicólogo, observou-lhe as reações. Fez-se presente em sua infância, nãose ausentou de sua adol escência e, em sua j uventude, soube como trabalhar-lhe a invej a, o ódio e oímpeto homicida. E, daí para o ato criminoso, não precisou de muito esforço. Segundo Tiago, o pecadonasce paul atina e imperceptivelmente (Tg 1.13-15).

O Diabo cristalizou os

sentimentos de Caim num

ódio mortal contra Abel.

O Diabo cristal izou os sentimentos de Caim num ódio mortal contra Abel . Infel izmente, o mesmovem ocorrendo em al guns l ares cristãos. Ainda infantes, irmãos l evantam-se uns contra os outros. Quantoaos pais, nada fazem. Al guns até incentivam a rival idade entre os filhos, para que estes sej am agressivos epredadores. E o resul tado não poderia ser mais trágico. Há pais que, ao invés de uma Bíbl ia, dão ao filhouma arma. Enquanto redij o estas l inhas, a sociedade americana chora a morte de oito cristãos negros daIgrej a Metodista Episcopal Emanuel , na Carol ina do Sul . O j ovem Dyl ann Roof matou-os com a pistol aque lhe dera o pai. Em sua alma, o ódio racial e diaból ico.

É provável que Satanás haj a tentado cooptar também Abel . Este, todavia, observando os conselhospaternos, não lhe dera guarida. O tentador, não se dando por vencido, propõe-se a destruí-l o pel as mãosde Caim. Dessa maneira, imaginava o Mal igno, poderia comprometer de vez a germinação da semente damulher. Abel seria destruído, morrendo; Caim, matando.

2. Um perfeito aliado de Satanás. Se não pode ter Eva como al iada, por que não o seu

primogênito? Havendo, pois, o Diabo trabalhado a rel igiosidade de Caim, j á o tinha como al iado. Agora,poderia contrapor-se ao estabel ecimento do Reino de Deus, que viria através da semente da mulher.

Caim, portanto, al iou-se a Satanás. Fez-se tão diabo quanto o próprio Diabo. Assim ocorre com osque, desprezando a Deus, pecam e fecham-se ao arrependimento. Aos tais, a perdição eterna. Caim, al émda depravação essencial , totalmente depravou-se ao ignorar o apelo divino.

III. O PRIMEIRO HOMICÍDIOPor que Caim matou Abel ? João é direto e

desconcertante: “Porque as suas obras eram más, e as de seuirmão, j ustas” (1 Jo 3.12). Sendo Caim do Mal igno, comohaveria de aturar o irmão, cuj as obras evidenciavam uma fé vivae santa? Logo, el e não se fez do Mal igno por haver matado Abel . El e o assassinou porquanto j á era doMal igno. Afinal , o Diabo j amais se comprouve na verdade; matar, mentir e roubar faz parte de suanatureza corrompida e totalmente depravada. Mas Caim, advertido por Deus, poderia ter evitado aquel edesatino.

1. Advertência divina. Deus amava tanto Caim quanto Abel . Não queria um assassino, nem

desej ava um assassinado, pois tinha um pl ano específico para cada um del es. Por isso, adverte Caim: “Porque andas irado, e por que descaiu o teu semblante? Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se,todavia, procederes mal , eis que o pecado j az à porta; o seu desej o será contra ti, mas a ti cumpre dominá-l o” (Gn 4).

A que assemelharei o pecado? Em nada difere da víbora que, astuta e paciente, espera o incauto abrira porta, a fim de morder-lhe o cal canhar. Por isso mesmo, fiquemos l onge de seu bote quase semprecerteiro. Caim, porém, brincou com o pecado; menosprezou a advertência divina. Em sua alma, j á haviamatado o irmão. Na intenção, j á era um assassino dupl amente qual ificado. Não obstante, tanto o seu

coração, quanto a sua intenção ainda poderiam ser mudados. El e, porém, recusou-se a ouvir a voz de seuCriador.

2. O crime. Até aquel e momento, a morte de um ser humano só era conhecida teoricamente. Adão

e Eva sabiam que, por haverem desobedecido ao Senhor, teriam de enfrentá-l a eventualmente. El esachavam que viriam a morrer naturalmente, como naturalmente morriam os animais. Afinal , carcaçassempre eram achadas nos campos e nos arredores de sua habitação.

Como sua dieta era vegetal , os primeiros humanos não tinham necessidade de abater aves e animais.Matar ainda não era técnica nem arte. Al iás, suponho que os próprios animais, dóceis como eram, não sepredavam uns aos outros. Entretanto, o homem estava prestes a tornar-se o l obo do homem. Achava naiminência de transformar sua enxada e relha numa espada.

Nessa época, o único que sabia matar era Abel . Sendo el e pastor de ovelhas, das primícias destasapresentava regul armente uma oferenda ao Senhor. Não sei quantos cordeiros santificara em sua adoração.Mas, certamente, aprendera a imolá-l os no al tar que, rusticamente, construíra. Caim, que o observavaatentamente, não demorou a premeditar o assassinato do irmão: Por que não matar Abel como Abelmatava suas ovelhas? Por que não sacrificar o sacrificador?

O autor sagrado assim descreve o primeiro homicídio da história: “Disse Caim a Abel , seu irmão:Vamos ao campo. Estando el es no campo, sucedeu que se l evantou Caim contra Abel , seu irmão, e omatou” (Gn 4.8). O que Caim queria mostrar a Abel no campo? A l avoura ou a nova l avragem? Mas, al imesmo, adiantando-se, mata o irmão. Que instrumentos usou? Os instrumentos do pastoreio ou ospetrechos da agricul tura?

3. A desculpa do assassino. Caim racional iza o seu pecado. Após ter assassinado Abel , retoma as

l ides do campo como se nada tivesse acontecido. Não sei que desculpa dera aos pais acerca do sumiço doirmão. Tal vez dissesse que este achava-se errante à procura da centésima ovelha. Não age assim o bompastor? Deus, porém, não se deixa embair por nossos ál ibis e pretextos. Onisciente e onipresente, El e nosconhece as ações; vê-nos os pecados; não nos ignora as intenções homicidas.

Vem o Senhor, então, e pergunta-lhe: “Onde está Abel , teu irmão?” (Gn 4.9). É bem provável queCaim, ao ser argüido de forma tão direta pelo Autor e Conservador da vida, haj a sido tomado pel asurpresa. Afinal , o seu crime fora executado com requinte, astúcia e muita discrição. Ninguém vira nada.Nem o pai, nem a mãe. Tal vez el e não soubesse ainda que Deus é tanto onisciente quanto onipresente.Mas, agora, sabe que nada poderá escondê-l o do Juiz de toda a Terra.

Mesmo arguido j udicialmente pelo Senhor, desculpa-se Caim: “Não sei; acaso, sou eu tutor demeu irmão?” (Gn 4.9). Em sua resposta, descortinamos uma fil osofia viol enta e contrária à l ei do amor,Em primeiro lugar, Caim encobre o seu pecado com outro pecado. Embora soubesse onde estava seuirmão, mente. O corpo de Abel j azia nal gum lugar, tal vez até insepul to. Em seguida, al ega não terqualquer responsabil idade sobre o irmão mais novo. Diz não ser tutor de Abel . Irmão mais velho, tinhael e, sim, responsabil idade quanto ao caçul a da famíl ia. Caim era tutor de seu irmão. Portanto, deveria teragido como referência moral e ética de Abel .

Adão e Eva sabiam que,

por haverem desobedecido

ao Senhor, teriam de

enfrentá-la [a morte]eventualmente.

IV. A PUNIÇÃO DE CAIMNão sabemos quantas pessoas habitavam a Terra a essas al turas. O rel acionamento humano, porém,

j á exibia certa complexidade. Por isso mesmo, a punição de Caim dar-se-ia em vários níveis: divino,pessoal , doméstico e social . El e não seria castigado com a morte, mas seria discipl inado por uma vidaerrante, l onge dos pais e distante de Deus.

1. Castigo divino. Se enfrentar um j uiz humano j á é constrangedor e vexatório, como nos

haveremos diante do Juiz de toda a Terra? A situação de Caim é nada confortável . Diante do Criador, ohomicida é desnudado. Arguido pelo Autor e Conservador da Vida, desnuda-se el e sem desculpas e semál ibis.

No início do j ul gamento, pergunta-lhe o Senhor: “Onde está Abel , teu irmão?” Buscando fugir àinquirição divina, responde o homicida, tentando fugir à responsabil idade doméstica e social : “Não sei;acaso, sou eu tutor de meu irmão?” (Gn 4.9). Em sua resposta, sobressaem a mentira e a ignorância.

Na verdade, el e bem sabia onde estava Abel . Quanto à sua tol a indagação, não precisava de respostaal guma. Na qual idade de irmão mais velho, el e era, sim, como j á dissemos, tutor do mais novo. Assimcomo Judá, mais tarde, haveria de responsabil izar-se por Benj amin, deveria o perverso e desalmadoprimogênito ter-se dado fraternalmente pelo caçul a (Gn 44.32-34).

Em seguida, endereça-lhe o Senhor a segunda pergunta:“Que fizeste?” Caim sabia o que havia feito quando el e e Abelencontravam--se sozinhos no campo. Jul gando-se l onge dosolhos dos pais, matara-o. Todavia, Deus, que a todos vê eescrutina, presenciara-lhe o homicídio, qual ificando-o comogravemente doloso: “A voz do sangue de teu irmão cl ama daterra a mim” (Gn 4.10). O sangue de Abel fizera-se eloquente eirretorquível ; cl amava a Deus, não por vingança, mas porj ustiça. Sem outro tribunal a que recorrer, Caim ouve overedito do Juiz de toda a terra: “És agora, pois, maldito porsobre a terra, cuj a boca se abriu para receber de tuas mãos o sangue de teu irmão. Quando l avrares osolo, não te dará el e a sua força; serás fugitivo e errante pel a terra” (Gn 4.11.12).

Ao invés de arrepender-se e pedir misericórdia, Caim j ul ga o castigo divino desproporcional : “Étamanho o meu castigo, que j á não posso suportá-l o. Eis que hoj e me l anças da face da terra, e da tuapresença hei de esconder-me; serei fugitivo e errante pel a terra; quem comigo se encontrar me matará” (Gn4.13,14).

Caim não pede misericórdia; põe-se, contudo, a recl amar da sentença. Teme mais as consequênciastemporais do que as penal idades eternas. Como a l ei da proporcional idade ainda não estava em vigor, nãoseria punido com a morte: “Assim, qualquer que matar a Caim será vingado sete vezes. E pôs o Senhorum sinal em Caim para que o não ferisse de morte quem quer que o encontrasse” (Gn 4.15).

Ouvida a sentença, o criminoso retira-se da presença doSenhor e detém-se ao oriente do Éden, onde fundará a primeira

Caim era tutor de seu

irmão. Portanto, deveria ter

agido como referência moral

e ética de Abel.

cidade humana. Tão perto do paraíso e tão arredado dapresença do Senhor.

2. Castigo pessoal. Para resguardar Caim de uma

vingança futura, dá-lhe o Senhor um sal vo conduto: “Assim,qualquer que matar a Caim será vingado sete vezes” (Gn 4.15).A partir daquel e instante, o próprio Deus encarregar-se-ia desua custódia. Se al guém o matar, sete vezes será castigado. E, para que não pairasse qualquer dúvidaquanto ao seu sal vo-conduto, o Senhor nel e apõe um sinal . O que indicava o ideograma divino? Entreoutras coisas, que a vida é sagrada da concepção à morte natural .

Caim não seria punido com a morte, mas com a vida. Ninguém o mataria, mas todos haveriam decensurá-l o por haver, covardemente, matado Abel . O seu castigo, al ém de pessoal , seria tambémdoméstico e social .

3. Castigo doméstico e social. Caim, agora, j á não tinha condições de encarar os pais. Por isso,

abandona, de vez, a casa paterna e constrói a sua cidade. Doravante, terá de amargar um exíl io que odeixaria para sempre l onge de Adão e distante de Eva. Caim foge sem que o persigam; esconde-se sem queo procurem; envergonha-se e cobre-se de opróbrios. O sinal que traz no semblante denuncia-o à vista dosfilhos, netos e bisnetos. El e simplesmente não pode esconder o seu crime.

Seu exemplo repl icar-se-ia em sua descendência. Apesar do progresso tecnológico al cançado porseus filhos na primeira civil ização, fazem-se el es inimigos de Deus. O que dizer de Lameque? Por motivosbanais, matou dois homens. Quanto às descendentes de Caim, foram usadas pelo Mal igno paradesencaminhar os filhos de Deus (Gn 6.1,2).

CONCLUSÃOPor que Caim matou Abel ? Se procurarmos a resposta na psicologia, ou na sociologia, corremos o

risco de inocentar o assassino e condenar o assassinado. Mas, se nos vol tarmos à Pal avra de Deus,encontraremos uma resposta simples, direta e que não deixará margem al guma à dúvida. Responde-nos odiscípulo do amor: “Porque a mensagem que ouvistes desde o princípio é esta: que nos amemos uns aosoutros; não segundo Caim, que era do Mal igno e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porqueas suas obras eram más, e as de seu irmão, j ustas” (1 Jo 3.12).

Quem mata é do Mal igno.Não me refiro apenas ao homicídio físico. Refiro-me, também, ao homicídio emocional , moral e

espiritual . Quantas pessoas, neste momento, não se acham assediadas emocional e moralmente? Hál íderes e chefes que em nada diferem de um verdugo; oprimem e matam seus comandados. Quanto aohomicídio espiritual , o que se há para fal ar?

Não são poucas as ovelhas que, em nossos redis, são vítimas de mercenários e l obos vorazes. Dosmaus obreiros, nem os pastores l ogram escapar.

Eis, portanto, o momento oportuno de mostrarmos ao mundo a qual idade de nossa vida espiritual .Discípulos de Cristo, obrigamo-nos a ir al ém do mero amor, pois o verdadeiro amor não se l imita agostar: amando como Jesus amou, não teme o Cal vário. É uma doação contínua que fazemos a Deus e aopróximo.

Quem ama é de Deus, porque Deus é amor.

Nosso mundo em nada

difere da sociedade

Capítulo 6

O MUNDO DE LAMEQUE

INTRODUÇÃO Como você cl assificaria um homem que, após haver matado duas pessoas, compõe um poema?

Num verseto atrevido e insol ente, el e garganteia a façanha às suas esposas: “Ada e Zil á, ouvi-me; vós,mulheres de Lameque, escutai o que passo a dizer-vos: Matei um homem porque el e me feriu; e um rapazporque me pisou. Sete vezes se tomará vingança de Caim, de Lameque, porém, setenta vezes sete” (Gn4.23,24). Sim, como você cl assificaria tal homem? No mundo que precedeu o Dilúvio, el e foi acl amadocomo herói. Embora soubesse que o Criador não lhe deixaria impune o duplo homicídio, Lamequecontinuou a viver como se não houvesse Deus. Sua atitude repl icar-se-ia até mesmo entre os filhos de Sete.A partir daquel e poema, a humanidade inicia um processo de depravação total e irreversível .

Nosso mundo em nada difere da sociedade l amequiana, exceto num pormenor estatístico. Naquel etempo, o número dos piedosos não chegava à casa da dezena. Hoj e, os j ustos são contados aos milhões.

Entremos, pois, a conhecer o abominável mundo de Lameque.

I. A IMPERFEIÇÃO NUM MUNDO PERFEITOLançado em 2014, o filme Noé, roteirizado e dirigido por Darren Aronofsky, l evou o l eitor da

Bíbl ia à frustração. Pelo menos, esse foi o meu sentimento ao desperdiçar mais de duas horas com aquel acaricatura da primeira epopeia da História Sagrada. Para começar, Aronofsky mostra o mundo pré-diluviano como que arrasado por uma guerra nucl ear. De acordo com a sua paródia, a Terra j á não existiaecologicamente. Do texto sagrado, porém, inferimos outra real idade. Nosso pl aneta era farto e pródigo; ahumanidade, saudável e l ongeva; e, no ambiente natural , reinava perfeita harmonia.

1. Um planeta farto e pródigo. Apesar do pecado, a

Terra pré-diluviana era um habitat perfeito; proporcionavaal imentos e regalos a todos. Por isso, os filhos de Adão davam-se ao luxo de viver irresponsável e impiamente. Observemos a

lamequiana, exceto num

pormenor estatístico.

descrição que faz o Senhor Jesus deste período: “Porquanto,assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam,casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noéentrou na arca” (MT 24.38).

Aquel a geração não se angustiava com os probl emas que, hoj e, nos afl igem. Ninguém sepreocupava com a ecologia. Água? Rios e riachos não lhes fal tavam. Como possuíssem tudo emabundância, gastavam as horas em orgias e trucul ências. Longevos, nem menção à morte faziam. Comiam ebebiam, e contavam a vida em séculos, não em décadas.

2. Vida longa e próspera. O Sr. Spock, personagem interpretado por Leonard Nimoy (1931-2015),

sempre despedia-se de seus amigos com uma saudação quase rabínica: “Vida l onga e próspera”. Oriundode Vul cano, Spock, al ém de l ongevo, fazia questão de orientar-se por uma ética irretorquível e através deuma lógica superior e pura.

A geração de Lameque também usufruía de uma vida l onga e próspera. Entretanto, vivia imoral eirracionalmente. Sua l ógica era o pecado. Ora, se a sua iniquidade j á tinha uma história de quase dois milanos, por que mudar? Então, vida l onga e próspera a um mundo que se compraz no Mal igno.

Não era incomum deparar-se com um adúl tero de seiscentos anos, com um assassino de oitocentosou com um corrupto de quase mil . Imagine a folha corrida dos l amequianos.

Por isso, o Senhor resol ve colocar um l imite biológico à vida humana. Doravante, os filhos deAdão e Eva não irão al ém dos 120 anos (Gn 6.3). Se fizermos uma comparação entre as genealogias doscapítulos cinco e 11 de Gênesis, verificaremos que, na primeira, a vida humana era computada em séculos.Na segunda, nossa existência j á pode ser contada em décadas. Se Matusal ém chegou a 969 anos, Terá, paide Abraão, morrerá aos 205 (Gn 11.32). Foi este, a propósito, o úl timo dos l ongevos. Na conclusão doGênesis, constata-se: a fronteira biológica do ser humano j á estava fixada. José, filho de Jacó, fal ece aos 110anos (Gn 50.26). Mais tarde, queixar-se-ia Moisés da efemeridade da existência (Sl 90.10).

Com uma vida quase mil enar, os pré-diluvianos viviam pendularmente entre a eternidade e aimpunidade. Como um homem de quase mil anos haveria de temer a morte? E se Deus j á os entregara aospróprios erros, não lhes castigando de imediato a iniquidade, por que temer o Juízo Final se a Históriamal havia começado? Por essa razão, os contemporâneos de Noé viviam para pecar e pecavam para viver.

3. Harmonia ecológica. Até o Dilúvio, havia perfeita harmonia entre os reinos animal , vegetal e

humano. Os animais sel vagens não representavam qualquer ameaça. A única ameaça era o própriohomem. Agressivo e irreconcil iável , amedrontava até mesmo a mais brutal das feras. Após o Dilúvio,contudo, pavor e medo recairiam sobre o reino animal ; sobre a natureza, gemido e angústia (Gn 9.2; Rm8.22). O mundo ainda era perfeito, belo e sustentável . Mas o povo que o habitava era o antônimo de tudoisso. Ao invés de agradecer ao Criador por todas as benesses, os filhos de Adão aproveitavam tais favorespara depravar-se totalmente. Um mundo perfeito para uma geração imperfeita.

Não era incomum

deparar-se com um adúltero

de seiscentos anos, com um

assassino de oitocentos ou

com um corrupto de quase

mil.

II. O EFEITO LAMEQUETeologicamente, Adão foi o grande responsável pel a introdução do pecado no mundo (Rm 5.12).

Historicamente, porém, o pecado al astrou-se a partir de Lameque, filho de Metusael (Gn 4.18). Foi el e oprimeiro pecador confesso da história da humanidade. De uma única feita, admitiu haver cometido duastransgressões contra Deus. Sua confissão, todavia, não foi acompanhada de arrependimento nem remorso;fez-se acompanhar de um medo que logo seria esquecido. Indiretamente, confessa a bigamia. E,diretamente, o duplo homicídio. Sua confissão j az num poema que, hoj e, é conhecido como o Cântico daEspada.

1. A bigamia. De conformidade com o proj eto original de Deus, o casamento teria como

fundamento a heterossexual idade, a monogamia e a indissolubil idade. Lameque, entretanto, corrompeu asbases do matrimônio, tomando para si duas esposas: Ada e Zil á.

Noutra circunstância, os nomes de suas mulheres atérima dariam. Mas, naquel e momento, não havia ritmo nemharmonia; havia uma iniquidade que, assustadora erapidamente, começava a al astrar-se por aquel a região. Deberço, a região do Éden ia transformando-se no túmulo daprimeira civil ização humana. Na vida de Lameque, as coisasruins vinham aos pares: duas mulheres, dois homicídios, etc.Tivesse o seu poema mais versos, outras iniquidadesapareceriam em dupl as. Sua confissão dupl icada basta paramostrar um processo irreversível de apostasia. Da pol igamia àpromiscuidade sexual foi apenas um passo. Seu exemplocontaminaria inclusive a l inhagem de Sete que, apesar de um passado santo e piedoso, também se deixarácontaminar pel a l ibertinagem. Eis o testemunho da Bíbl ia: “Como se foram mul tipl icando os homens naterra, e lhes nasceram filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomarampara si mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram” (Gn 6.1,2).

Os descendentes de Sete, aqui al cunhados de filhos de Deus, não somente fazem-se pol ígamos,como também ul trapassam todos os l imites da decência. Tomando para si quantas mulheres lhespermitiam a luxúria e a l ibertinagem, transformaram o convívio social numa orgia desenfreada.

2. Duplo homicídio. Se Caim teve de ser duramente arguido por Deus para confessar o assassinato

de Abel , não precisou Lameque de arguição al guma. Espontânea e l ivremente, decl ara haver assassinadobanalmente dois homens. Um adul to, el e o matou porque o ferira. E um rapaz por lhe ter pisado. Serecorrermos ao original , constataremos que o segundo crime foi ainda mais grave. Lameque revel a terassassinado um j ovem. Em hebraico, yeled pode aludir tanto a um adol escente quanto a uma criança.Logo, o seu crime, al ém de banal e covarde, foi singul armente brutal .

Nossos dias parecem não diferir em nada do mundo deLameque. Por um grama de droga há muito j ovem, adol escente

O mundo ainda era

perfeito, belo e sustentável.

Mas o povo que o habitava

era o antônimo de tudo isso.

e criança perdendo a vida. E, por causa de uns míseroscentavos, muita gente não retorna ao l ar. Banalmente, assassina-se, hoj e, como banalmente assassinava-se naquel es começos daHistória. Tanto no princípio, quanto no fim, a índol e criminosado ser humano em nada melhorou; caminhamos de mal a pior.

Lameque defl agrou a iniquidade por todo o pl aneta.Hoj e, somos angustiados por assassinatos, genocídios e crimescontra a humanidade. Haj a vista os extermínios de j udeus e armênios, e a matança promovida comopol ítica públ ica por monstros como Stal in, Hitl er, Mao Tsé-Tung e Pol Pot.

III. UM MUNDO PARADOXALO mundo de Lameque não era caracterizado apenas pel a rebel ião contra Deus. No exercício de seu

mandato cul tural , desenvol veu, desde cedo, a agropecuária, a metalurgia e a música. Foi uma época degrandes conquistas intel ectuais e tecnológicas. Do texto bíbl ico, inferimos que a engenharia j á estava bemdesenvol vida, pois a geração pós-diluviana não teve dificuldades em construir a Torre de Babel . O curiosoé que todo esse progresso proveio da geração de Caim. Os filhos de Sete, antes de se transviarem, haviamse dedicado mais às atividades espirituais e teológicas.

1. A primeira cidade. Banido da presença do Senhor, Caim habitou na terra de Node, ao oriente

do Éden. Al i, teve o seu primogênito, a quem chamou Enoque. Como a sua l inhagem se mul tipl icasse,organiza el e uma cidade, a qual dá o nome de seu filho mais velho. Em torno desse centro urbano, asatividades profissionais diversificam-se. Aparecem os pecuaristas como Jabal . Surgem os metalúrgicoscomo Tubal caim. E despontam os artistas como Jubal . Também irrompem os primeiros confl itos,revel ando grandes e notórios criminosos e mal feitores.

No campo e na cidade, a rebel ião contra Deus al astra-se, contaminando toda a Terra. O fenômenourbano encarrega-se de espraiar os maus exemplos, l evando os filhos de Adão a um rápido processo dedepravação essencial e total .

Apesar de a Bíbl ia nada dizer acerca da civil ização setista, esta organizou-se também em cidades.Inexistindo barreiras l inguísticas e geográficas, não demoraria para que a civil ização caimita englobasse asetista, e l ançasse os fundamentos da megalópol e da iniquidade. Foi o primeiro ensaio do Anticristo noestabel ecimento de seu império. Vej amos as atividades econômicas da civil ização caimita.

2. Atividades agropecuárias. Embora os descendentes de Adão e Eva pudessem viver da caça e da

col eta de frutas, verduras e l egumes, desde cedo empenharam-se em trabalhar sel etiva e metodicamente aterra. Essa preocupação acentuou-se entre os filhos de Caim, o primeiro agricul tor.

Jabal , fil ho de Lameque, deixando a cidade de Enoque, passou a dedicar-se à criação de gado. E, nabusca por boas pastagens, faz-se nômade. Por isso, el e é conhecido como o “pai dos que habitam emtendas e possuem gado” (Gn 4.20). Observemos que, para construir e erguer tendas, necessitava Jabal de

O fenômeno urbano

encarrega-se de espraiar os

maus exemplos, levando os

filhos de Adão a um rápido

processo de depravação

essencial e total.

instrumentos cortantes e coberturas para suas moradias portáteis. Teriam aquel es antigos habil idades parafiar o al godão e o l inho? Deveríamos pensar nesses detalhes, pois são bastante revel adores.

3. Atividades industriais. Não há agricul tura nem pecuária sem uma indústria de base. Há de se

ter, pelo menos, uma boa metalurgia para se forj ar enxadas, pás e relhas aos agricul tores, e osinstrumentos próprios dos pecuaristas. É j ustamente aí que surge a indústria de Tubal caim. Filho deCaim com Zil á, foi el e “artífice de todo instrumento cortante, de bronze e de ferro” (Gn 4.22).

Não foi, portanto, o homo erectus quem descobriu o fogo. Dizem os evolucionistas que este, aoobservar os raios faiscando nas árvores, veio a intuir ser possível dominá-l o. Também não foi Prometeuquem no-l o proporcionou, roubando-os aos deuses do Ol impo. Se al guém descobriu o fogo não foi ohomo erectus, nem os deuses da mitologia grega, mas o j usto Abel que, ao fazer sua oferenda ao Senhor,queimou-a como cheiro suave. A partir daí, os filhos de Adão passaram a util izá-l o, a fim de prepararal imentos, alumiar suas casas, etc.

Tubal caim viria a descobrir ser possível industriar o fogo e, assim, fundir os minérios de bronze ede ferro. Ora, se a região era rica em ouro, por que não explorá-l o? Acredito que, se a humanidade nãotivesse pecado contra o Senhor, poderia ter começado a civil ização não a partir do ferro, mas do ouro.

Segundo a história secul ar, a Idade do Ferro teria começado por vol ta do ano 1200 a.C. Todavia, j ána aurora da humanidade, havia um metalúrgico e fundidor que, admiravelmente, sabia como trabalhar obronze e o ferro. Processando-os, forj ava instrumentos cortantes. Das forj as de Tubal caim deve ter saídotambém muita espada e punhal . Viol ência era o que não fal tava àquel a época.

4. Atividades intelectuais e artísticas. A música brotou

da alma do homem, pois sempre esteve no Espírito de Deus.Quando o Senhor criava os céus e a terra, os anj os entoavam-lhe l ouvores al tos e eternos (Jó 38.7). Acredito que a feitura deAdão fez-se também acompanhar dos coros angél icos. Por isso,somos naturalmente musicais. Jubal , também filho deLameque, foi “o pai de todos os que tocam harpa e fl auta” (Gn4.21). Observando a sinfonia da natureza, l ogo descobriu serpossível arrancar harmonias e ritmos da madeira e do metal .Dessa forma, compôs músicas e madrigais. Terá el e musicado opoema de Lameque? O certo é que, não somente criouinstrumentos, como também ensinou música. El e inventou harpas e fl autas. Os músicos subsequentescriariam a trombeta, o pífaro, a cítara, o sal tério e a gaita de fol es (Dn 3.5).

Paradoxalmente, as finuras da mente eram l ivre e espontaneamente manifestadas, apesar dacorrupção que campeava no mundo de Lameque. Longe de serem primitivos e involuídos, os primevoseram evoluídos, intel igentes e muito mais inventivos do que nós. Só lhes fal tava uma coisa: a verdadeirasabedoria que nos advém com o temor a Deus.

Havia gente mais velha

IV. A RELIGIÃO DE LAMEQUENo mundo de Lameque, não havia espaço aos ídolos de barro, madeira ou ferro. Al i, a rel igião era

agressivamente antropológica. Seus ídolos eram os varões que se notabil izavam por atos viol entos, porfaçanhas trucul entas e por repetidas e agravadas bl asfêmias contra o Espírito Santo. A geração de Lamequeera uma raça de anticristos: homens, mulheres e crianças depravavam-se até ao inferno. Um mundoirremissível ; votado à destruição. Era uma gente pior do que Satanás. Se não fosse destruída, arruinariapara sempre a criação divina.

1. A teologia. A geração de Lameque não desconhecia a presença de Deus. E, posto não haver ainda

o governo humano, o próprio Criador era quem os governava. Aquel es ímpios, contudo, confrontavam oEterno, não lhe aceitando a governança.

Aquel a gente tinha a Deus como fraco e l eniente; um criador distante da criação. E, como fossemtodos l ongevos, desconheciam as noções de brevidade que, hoj e, l evam-nos a refl etir seriamente sobre amorte. Para el es, a vida era l onga e próspera. Havia gente mais velha que Portugal , mais antiga que osEstados Unidos e com mais história que o Brasil . Segundo imaginavam, Deus não fazia bem nem mal .

2. Os ídolos. O autor sagrado fal a dos heróis daquel a época: “Ora, naquel e tempo havia gigantes na

terra; e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deramfilhos; estes foram val entes, varões de renome, na antiguidade” (Gn 6.4). Os tais não eram semideuses nemsuper-humanos, mas pecadores notórios. Nem após o arrebatamento da Igrej a o mundo chegará a taldegradação, pois, nos úl timos dias, ainda haverá arrependimentos e conversões. Portanto, o Dilúvio erainevitável .

3. A relação com o Espírito de Deus. Da geração de Lameque, falou o Senhor: “O meu Espírito

não agirá para sempre no homem, pois este é carnal ; e os seus dias serão cento e vinte anos” (Gn 6.3). Nãosabemos por quantos anos, décadas, ou séculos, a geração de Lameque resistiu ao Espírito Santo. Daresistência ao Espírito de Deus, aquel es homens, mulheres e crianças passaram a bl asfemar contra aTerceira Pessoa da Santíssima Trindade, depravando-se totalmente.

Imaginemos toda uma civil ização a bl asfemar contra o Espírito Santo. Fizeram-se aquel es homenspiores do que os demônios. Estes, por não serem dotados de corpo, não podem estragar a criação física.Aquel es, pelo contrário, dotados de corpo e alma, transgrediam tanto no campo espiritual , como âmbitoterreno. Os seguidores de Lameque eram dupl amente endemoninhados.

CONCLUSÃOVivemos dias semelhantes aos de Lameque. Nosso

mundo parece depravar-se total e irreversivelmente. Hoj e,porém, temos um povo mais forte e numeroso que a famíl ia deNoé. Se naquel e tempo os j ustos eram contados em unidades,

que Portugal, mais antiga

que os Estados Unidos e

com mais história que o

Brasil.

agora, são computados em milhões. Portanto, como sal da terrae luz do mundo, evangel izemos, protestemos contra o pecado e,através de um testemunho il ibado, apregoemos a vol ta deCristo.

Enquanto a Igrej a for Igrej a, o Anticristo não acharáguarida completa neste mundo. Embora avance em todas asáreas, sempre encontrará homens, mulheres, j ovens e atécrianças dispostos a barrar--l he a traj etória. Não podemos esquecer nossa vocação de sal e de luz. Setivermos ambas as propriedades em nosso testemunho pessoal e col etivo, l evaremos o Evangelho deCristo até aos confins da terra sem impedimento al gum.

Capítulo 7

A SALVAÇÃO DE UMA FAMÍLIA

INTRODUÇÃO O Dilúvio não foi apenas o maior desastre natural do pl aneta. Em termos teológicos, a grande

inundação manifestou, paradoxalmente, a l onganimidade e o amor de Deus. Apesar da corrupçãoirrefreável da raça humana, o Senhor ainda concedeu um longo tempo para que todos, arrependendo-se deseus pecados e maldades, viessem a escapar ao j uízo que se avizinhava. Infel izmente, até mesmo al inhagem de Sete, apesar de um passado de fé, piedade e de boas obras, acabou por rej eitar-l he a graçasal vadora.

A punição divina era inevitável . Toda a primeira civil ização estava prestes a desaparecer da superfíciedo pl aneta.

Em meio àquel a geração, Noé destacava-se por um amor al to e incondicional a Deus. Jamais seconformando com o mundo, navegou contra todas as correntes da maldade, da viol ência, da devassidão edo antiteísmo. E, assim, l ogrou sobreviver ao desastre anunciado. Juntamente com a sua famíl ia, dariainício a uma nova civil ização, que haveria de proporcionar as condições necessárias à redenção da espéciehumana.

Devido à sua fé, Noé trouxe sal vação à sua famíl ia. Que o seu testemunho inspire-nos a l evarnossos filhos e netos a um encontro experimental com o Senhor Jesus. Caso contrário, seremossubvertidos com este mundo que subj az num sistema mal igno e antagônico a Deus.

I. A PIEDOSA GERAÇÃO DE NOÉNoé procede de uma l inhagem de homens santos, j ustos e coraj osos. Entre seus antepassados, há

inclusive dois profetas; todos inclusos na genealogia de Cristo. E, nessa tradição, foi el e rigorosamenteeducado.

1. A linhagem de Sete. Noé pertencia à famíl ia de Sete, cuj o nascimento consol a o coração de Eva:

“Deus me concedeu outro descendente em lugar de Abel , que Caim matara” (Gn 4.25). Mas como educaro novo filho? El a certamente temia a influência de Caim, que tanto poderia tirar-l he a vida como arrastá-

Devido à sua fé, Noé

trouxe salvação à sua família.

l o à apostasia. Mas, pelos versículos seguintes, inferimos que Sete foi criado com primor e desvelo.A mesma educação buscou Sete repassar aos seus descendentes que, segundo depreendemos de sua

genealogia, que também é a de Cristo, vieram a destacar-se pel a nobreza e virtude. 2. Uma linhagem ilustre. Já homem feito e bem formado, Sete gera um filho, que haveria de l evar-

lhe a famíl ia a uma comunhão mais íntima com Deus. Eis o que registra o autor sagrado: “A Sete nasceu-lhe também um filho, ao qual pôs o nome de Enos; daí se começou a invocar o nome do Senhor” (Gn4.26). O que tinha Enos de especial ? Pelo significado de seu nome, inferimos tratar-se de uma pessoafrágil e enfermiça. Por isso, muitas orações devem ter sido endereçadas a Deus em seu favor.

Enos, cuj o nome em hebraico significa “mortal ”, é fortal ecido por Deus. Faz-se homem, casa etambém gera um filho a quem dá o nome de Cainã. No transcorrer de sua l onga existência, Enos éagraciado com outros filhos e filhas, vindo a morrer com 905 anos (Gn 5.11). A doença na infância nãolhe tolheu a velhice, nem a l ongevidade.

Da l inhagem de Sete era também Enoque. Por suacurtíssima biografia, concluímos ter sido el e uma poderosatestemunha de Deus entre os seus contemporâneos. De seuministério, temos este sumário: “Andou Enoque com Deus; e,depois que gerou a Metusal ém, viveu trezentos anos; e tevefilhos e filhas. Todos os dias de Enoque foram trezentos esessenta e cinco anos. Andou Enoque com Deus e j á não era, porque Deus o tomou para si” (Gn 5.22-24).

Enoque não se l imitou a uma biografia particul ar; teve ainda um ministério públ ico de grandeinfluência e poder no período antediluviano, conforme revel a Judas, irmão de Tiago: “Quanto a estes foique também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor entre suassantas miríades, para exercer j uízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas asobras ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas as pal avras insol entes que ímpios pecadoresproferiram contra el e” (Jd 14.15).

Aos 65 anos, Enoque gerou o mais l ongevo dos homens: Metusal ém, pai de Lameque e avô de Noé(Gn 5.25-28). Estes três homens foram os responsáveis pel a formação espiritual , moral e ética de Noé.

3. Um homem educado no temor a Deus. Mui provavelmente, Noé não chegou a conhecer

Enoque, seu bisavô. Mas chegou a desfrutar de uma longa convivência com o avô, Metusal ém. E, deste,muito ouvira daquel e que, por sua piedade, fora um dia arrebatado por Deus. O rel ato, que lhe repetiriao pai, Lameque, muito o inspirou e fortal eceu-o no exercício do ministério divino como pregoeiro daj ustiça. Não confundamos este Lameque com aquel e notório descendente de Caim, que l evou o mundo àruína. O pai de Noé também era profeta. É o que inferimos de sua decl aração quando do nascimento dofilho. Ao olhar a criança dada à luz num mundo de trevas, inspira-se divinamente: “Este nos consol arádos nossos trabalhos e das fadigas de nossas mãos, nesta terra que o Senhor amaldiçoou” (Gn 5.29).

Educado por homens piedosos e j ustos, tornou-se Noé j usto e piedoso. Estava el e pronto, agora, a

ouvir a pal avra de Deus referente ao j uízo que haveria de recair sobre toda a terra. Observemos que Noé eseus antepassados, remontando a Sete e a Adão, acham-se na genealogia que Lucas traçou de nosso SenhorJesus Cristo (Lc 3.37,38).

II. O ANÚNCIO DO DILÚVIOSe l evarmos em consideração a cronologia tradicional , ainda não se haviam passado dois mil anos,

quando Deus, ao iniciar a feitura dos céus e da terra, decl arara: “Haj a luz” (Gn 1.3). Era chegado omomento, porém, de o Criador desfazer o que fizera naquel e princípio j ubiloso de Gênesis.

1. O anúncio do Dilúvio. Ao j usto e piedoso Noé, o Senhor anuncia o fim da primeira civil ização

humana. De início, era sua intenção destruir o que construíra naquel es seis dias que, tendo início com aluz, culminou na criação da mulher (Gn 6.7). Mas, posto que Noé achara graça diante de si, l imita-se adestruir aquel a humanidade, a fim de preservar a espécie humana através do patriarca.

Dessa forma, o Senhor revel a a Noé a morte de uma civil ização e o renascimento de outra: “Resol vidar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da viol ência dos homens; eis que os farei perecerj untamente com a terra. Faze uma arca de tábuas de cipreste; nel a farás compartimentos e a cal afetarás combetume por dentro e por fora” (Gn 6.13,14).

Em seguida, o Senhor expl ica ao seu fiel e humilde servo de que forma destruirá o mundo deLameque: “Porque estou para derramar águas em dilúvio sobre a terra para consumir toda carne em quehá fôl ego de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra perecerá” (Gn 6.17).

Para quem nunca vira uma tempestade, o anúncio do Dilúvio deve ter causado estranheza einterrogações. Noé, porém, compreende que o mundo de Lameque j á havia rompido todos os diques dalonganimidade divina. Persistisse este por mais al guns séculos, e j á não restaria qualquer esperança àfamíl ia humana. Era imperioso, pois, destruir a raça para sal var a espécie. El e sabia também que ocatacl ismo acabaria com um mundo ecologicamente perfeito, com uma civil ização j á bem adiantada, comuma cul tura admirável e com uma sociedade administrativa e pol iticamente complexa. Um novo mundo,porém, haveria de se erguer sob os detritos e l ama do mundo l amequiano.

2. A destruição do mundo. O mundo ainda não tinha dois mil ênios, mas seria completamente

destruído. Sua biosfera seria revol vida pel as águas do abismo e pel as chuvas dos mais al tos céus. Oplaneta ainda era um vergel , mas estava para ser açoitado por ondas imensas e revol tas; tsunamisestourariam em todas as costas, l itorais e praias. Da antiga civil ização, apenas resquícios haveriam desobrar.

O Éden que, desde a queda de Adão, permanecia custodiado pelos querubins, também haveria deser destruído pelo Dilúvio. O paraíso j á era perdido.

3. A destruição da primeira civilização humana. Se tivermos como vál ida a cronologia, segundo a

qual , desde a Criação ao Dilúvio, haj a transcorrido perto de dois mil ênios, concluiremos que as

Educado por homens

piedosos e justos, tornou-se

Noé justo e piedoso.

Deus teve de destruir a

raça, para salvar a espécie,

porque a humanidade,

exceto em Noé e sua família,

já não existia.

conquistas da primeira civil ização eram nada desprezíveis.Vinte séculos de arte, tecnologia e conhecimento. A

humanidade deixara a unidade doméstica de Adão e Eva paracomplexar-se no mundo de Lameque. Havia certamente umaestrutura pol ítica, cuj o fundamento era a corrupção, a viol ênciae o antiteísmo. Embora não ignorassem a Deus, governantes egovernados lutavam por impedir-lhe a instauração do Reino.Ao mesmo tempo, buscavam estabel ecer o império de Satanás.A presença divina era forte e terrivelmente visível . Aproximando-se do Éden, aquel es homens, mulheres ecrianças viam a espada fl amej ante dos querubins. El es sabiam que a eternidade estava l ogo al i, na árvoreda vida, bem no centro do paraíso. Todavia, por causa do pecado de Adão, j á não lhe tinham acesso. E,caso tentassem chegar até el a, seriam destruídos pelos guardiões cel estes. O que desej avam, porém, nãoera a eternidade com Deus, mas a imortal idade para se esbanj arem em seus pecados, iniquidades egrosserias. Por isso, revol tavam-se ainda mais contra Deus. Nesse destemor e apostasia, dominaram opl aneta, fizeram uma ciência ruim e del etéria, construíram e deram-se em construções. Todo esseprogresso tornou a primeira civil ização pior do que o inferno.

4. A destruição da sociedade adâmica. Sim, Deus teve de destruir a raça, para sal var a espécie,

porque a humanidade, exceto em Noé e sua famíl ia, j á não existia. No Dilúvio, quantas pessoasmorreram? Tal vez centenas de milhares. Ou, quem sabe, milhões.

A sociedade adâmica fez-se tão arrogante e insol ente, tão inimiga de Deus e adversária de si mesma,que, em breve, haveria de desaparecer da face da Terra. Junto com os perversos, estava prestes a perecerdois mil anos de uma história sintetizada num único capítulo da Bíbl ia Sagrada. Mas bem que poderia serresumida nestas pal avras: nasceram, prosperaram, depravaram-se totalmente e totalmente foram votados àdestruição, por haverem rej eitado a graça divina.

III. A CONSTRUÇÃO DO BRANDE BARCODispondo de tanto espaço e de tantas farturas, os filhos

de Adão ainda não se haviam feito ao mar. A navegação,certamente, era-lhes desconhecida, pois tudo de que precisavamestava al i. Não havia países a serem explorados, nem cul turasestranhas a conhecer. El es eram o único país, a única nação e aúnica cul tura sobre a Terra. Fal ando todos uma só l íngua, nãocareciam investigar o desconhecido, pois tudo era-lhesconhecido. Por isso mesmo, menosprezaram ao j usto Noéquando este, dramaticamente, pôs-se a procl amar-lhes, naconstrução da arca, o j uízo de Deus.

1. A insólita construção. Até então, casas e abrigos eram construídos todos os dias pelos antigos.Sabiam trabalhar a madeira, e tinham habil idade para erguer formidáveis construções de barro. Haj a vistaa tecnologia que os descendentes de Noé l evaram para o novo mundo, possibil itando-lhes a edificação datorre de Babel . Mas uma construção que viesse a fl utuar era-lhes al go inusitado. Noé, porém, bomteólogo que era, não questionou as ordens do Senhor, que lhe dá uma pl anta simples, mas bastante eficaz:“Faze uma arca de tábuas de cipreste; nel a farás compartimentos e a cal afetarás com betume por dentro epor fora. Deste modo a farás: de trezentos côvados será o comprimento; de cinquenta, a l argura; e a al tura,de trinta. Farás ao seu redor uma abertura de um côvado de al tura; a porta da arca colocarás l ateralmente;farás pavimentos na arca: um em baixo, um segundo e um terceiro” (Gn 6.14-16).

2. As medidas da arca. Em medidas atuais, a arca tinha estas dimensões: 135 metros de

comprimento, 22,5 de l argura e 13,5 de al tura. Divida em três andares, era suficientemente espaçosa paraabrigar todas as espécies domésticas e sel vagens. Neste particul ar, ressal tamos que todas as espéciesbásicas, de fato, vieram a Noé. As variações que hoj e conhecemos provieram destas. Tomemos como oexemplo o tigre. Hoj e, há o tigre africano, o asiático e o que vive no polo Norte. Todos el es, todavia,originaram de um único casal (Gn 6.17). Portanto, não há nenhum absurdo ou incongruência no Gênesis.O mesmo, al iás, aconteceria com o ser humano. Daquel a famíl ia única de oito pessoas, vieram osbrancos, os negros, os amarelos e os pel es-vermelhas. Enfim, todos somos filhos de Noé.

3. Um barco para flutuar. Construída para flutuar, a arca não tinha qualquer util idade à

navegação. Portanto, não precisava de l eme, nem de remos, mas de um bom cal ado para vogar nas águasdo Dilúvio.

Quanto à sua atracação, era um probl ema que Deus j á havia solucionado em sua infinita sabedoriae providência. O patriarca Noé só precisava confiar pl enamente na direção divina.

IV. O SERMÃO DRAMÁTICO DE NOÉNão sabemos quanto tempo durou a pregação de Noé. Um século? Ou várias décadas? Não

importa. O fato é que toda aquel a civil ização teve muita oportunidade para, arrependendo-se, vol tar-separa Deus. Infel izmente, não houve uma conversão sequer. Saturados do patriarca, fizeram-se moucos,surdos e ainda mais impenitentes.

1. Em palavras e atos. Destacando o j uízo divino sobre a primeira civil ização humana, escreve

Pedro que Deus “não poupou o mundo antigo, mas preservou a Noé, pregador da j ustiça, e mais setepessoas, quando fez vir o dilúvio sobre o mundo de ímpios” (2 Pe 2.5).

Noé, um pregador sem púlpito. Mas nem por isso deixou de procl amar o j uízo divino. Talhando ogrande barco num lugar seco, l onge dos rios Tigre e Eufrates, pregava el e, dramaticamente, os úl timosdias daquel e mundo. E, dramaticamente, anunciava o castigo divino sobre os seus contemporâneos. Estes,por seu turno, contando seus dias não em décadas, mas em séculos, supunham que j ul gamento al gum

l hes adviria. Por isso, brincaram com o tempo, e acabaram por se perder numa eternidade sem Deus.Noé pregava com pal avras. Sua procl amação mais forte, porém, dava--se no âmbito do testemunho

pessoal , no ordenamento de sua famíl ia e no trabalho da arca. O que lhe fal tava em pal avras, sobej ava-lheno sobe e desce do martelo, no vaivém da serra, no empurrar do formão e nos encaixes da madeira.Acredito que Salomão tinha em mente o ministério de Noé, quando compôs estas sapiências: “As pal avrasdos sábios são como aguilhões, e como pregos bem fixados as sentenças col igidas, dadas pelo únicoPastor” (Ec 12.11).

2. A homilia do cipreste. Al ém de medicinal , o cipreste é uma excel ente madeira para ser util izada

em obras finas de marcenaria. Por isso mesmo, Deus a indicou à construção da arca. Suas qual idadescurativas, em contato com a água, haveria de preservar a saúde de todos a bordo do grande barco. Homense animais estariam l ivres de fungos, bactérias e de outras coisas del etérias. A arca, pois, era um lugar devida e saúde; ninguém dal i sairia enfermo.

Foi no preparo desta madeira, que Noé ia procl amando o fim de todas as coisas. Suas homil ias,que tinham as mesmas propriedades do cipreste, foram ignoradas. Nel as, estava a cura para a sua geraçãoque, empedernida e insol ente, aprofundou-se em del itos e pecados, até não lhe haver mais remédio. Nãoacontece o mesmo hoj e com a pregação do Evangelho de Cristo?

V. O DILÚVIO INEVITÁVELEnfim, a arca está pronta. O grande barco de Noé, que serviu de modelo aos petrol eiros atuais, j á

era real idade. Não obstante, a geração de Lameque continuava pecando, afrontando a Deus e bl asfemandode seu Espírito. Aquel e evento escatológico, figura perfeita do que há de acontecer nestes úl timos dias,continua a advertir-nos.

1. A chegada dos animais. Embora Noé pregasse com o verbo e com as ferramentas da marcenaria,

ninguém se arrependeu para fugir às águas do Dilúvio. Se homem al gum buscou aproximar-se da arca, osanimais se houveram mais sabiamente. No momento certo, começaram el es a chegar. Dos maiores aosmenores, todos apresentaram-se a Noé. Seu apelo racional foi irracionalmente respondido. É a l oucurada pregação.

O fato parece não ter chamado a atenção dos l amequianos, porque, naquel es dias, os animais,mesmo os arredios e sel vagens, não representavam ameaça ao ser humano. Por isso mesmo, aquel a gentepensou que Noé estava montando um parque temático ou um grande zoológico.

Mas, na verdade, era o epílogo de um sermão gracioso, mas urgente e terminal . 2. Dilúvio, o julgamento universal. Tendo Noé e sua famíl ia entrado na arca, j untamente com

todos os animais, o próprio Deus encarrega-se de fechar-lhes a porta (Gn 7.16). O Senhor encl ausura opatriarca, pois em sete dias chegarão as águas do grande dilúvio. Enquanto isso, ia o tempo fechando-se dol ado de fora; as nuvens avolumavam-se; os rios e l agos j á começavam a agitar-se.

O fato é que toda

aquela civilização teve muita

oportunidade para,

arrependendo-se, voltar-se

para Deus.

Finalmente o Dilúvio. Assim o autor sagrado descreve agrande inundação: “No ano seiscentos da vida de Noé, aosdezessete dias do segundo mês, nesse dia romperam-se todas asfontes do grande abismo, e as comportas dos céus se abriram, ehouve copiosa chuva sobre a terra durante quarenta dias equarenta noites” (Gn 7:11).

Toda a primeira civil ização humana foi destruída pel aságuas do Dilúvio. Apenas Noé e a sua famíl ia, j untamente comos animais que estavam com el es na arca, sobreviveram. Achuva, na verdade, durou quarenta dias e quarenta noites. Aságuas, todavia, preval eceriam por mais de um ano sobre a face da Terra (Gn 8.13).

Sim, o Dilúvio atingiu todo pl aneta. Se um tisunami na Ásia é sentido no continente americano, oque dizer da grande inundação que destruiu toda a primeira civil ização? Literalmente, o Dilúvio al cançoutoda a terra, destruindo um habitat perfeito que o Senhor havia preparado para um ser humano imperfeitoe nada agradecido. Se o j uízo divino foi universal , universal também foi o Dilúvio.

CONCLUSÃOO grande proj eto de Noé não era a construção da arca, mas a sal vação de sua famíl ia. Por isso,

empenhou-se em conduzir seus filhos pelos caminhos de Set, Enos e Enoque, seus piedosos ancestrais.Naquel e período, era um homem contra todo um mundo corrupto, irreconcil iável e inimigo de Deus.Dessa forma, não permitiu que nenhum de seus filhos se desencaminhasse pel as sendas de Caim eLameque.

Agindo piedosa, mas coraj osamente, pôde sal var a esposa, os filhos e as noras. Enfim, Noé veio asal var a espécie humana. Nel e, o pl ano de sal vação foi preservado e teve pl eno segmento. A cul tura deCaim e Lameque, embora poderosa, foi destruída pel as águas do Dilúvio. A mensagem da graça divina,encerrada naquel a arca, que vogava nas águas revol tas, veio-nos através do Evangelho de Cristo.

Que o nosso grande proj eto, hoj e, sej a a sal vação de nossa famíl ia. Encaminhemos, pois, os queamamos no caminho da graça divina.

Capítulo 8

O PRINCÍPIO DO GOVERNO HUMANO

INTRODUÇÃO Imaginemos o Dilúvio em nossos dias. Ao entrar no imenso navio, construído nal gum estal eiro

asiático, Noé e sua famíl ia teriam de deixar, para trás, a maior parte das invenções e conquistas dosúl timos cem anos. De nada lhes serviria o avião, o tabl ete ou o celul ar. Mas, sabiamente, aperceber-se-iamde provisões para uns 13 ou 14 meses, pois a vida, a bordo da arca, exigiria muita comida, ração e águapotável .

Passada a grande inundação, e j á fora da imensa nau, a famíl ia noética teria de iniciar um novoprocesso civil izatório. As invenções teriam de ser reinventadas, e as coisas j á descobertas, redescobertascom urgência. Já imaginou recriar o motor el étrico, o automóvel , a tel evisão, o computador entre outrasmaravilhas de nossa era? Nem mencionaremos os avanços na área da medicina.

A humanidade, em apenas quarenta dias, seria arremessada, da era do conhecimento, à idade dobronze. A partir daí, teríamos de retrilhar os passos dos sábios, cientistas e inventores, para quevol tássemos a usufruir de al gum progresso tecnológico. Providencialmente, a civil ização adâmica, naquel eperíodo, ainda era rudimentar se comparada à nossa. Mesmo assim, teve de haver um recomeço.

I. O RECOMEÇO DA CIVILIZAÇÃOOs avanços da primeira civil ização, embora admiráveis, ainda podiamser razoavelmente dominados por uma única famíl ia. Que o patriarca fosse agricul tor, não há

dúvida. Quanto aos seus filhos, não lhes sabemos as profissões. Sei apenas que Noé, Sem, Jafé e Cam,eram excel entes marceneiros, por terem l evado adiante o proj eto de uma arca que, apesar do formidávelcatacl ismo, deu-lhes abrigo e segurança por mais de um ano. Portanto, em sua construção, l ograram el espreservar os princípios indispensáveis da ciência e da tecnologia do mundo antediluviano.

1. A continuidade história da humanidade. O Dilúvio rompeu um processo civil izatório, mas,

paradoxalmente, deu prosseguimento à história da humanidade. A narrativa que teve início, com Adão,teria continuidade, agora, com Noé. Portanto, a grande inundação é apenas um trecho da l onga

A humanidade, em

apenas quarenta dias, seria

arremessada, da era do

conhecimento, à idade do

bronze.

peregrinação do ser humano sobre a face da Terra.Hoj e, narramos a História Sagrada aos nossos filhos e netos sem que sej a preciso expl icar-lhes

hiatos ou l acunas. Arqueologicamente, os vestígios diluvianos não são expressivos. Teologicamente,porém, as evidências são fortes, irrespondíveis e racionais. Estamos diante de um fato, não de umaparábol a ou al egoria.

A história aí está para l embrar-nos que, apesar de nossos pecados e iniquidades, o pl ano divinopara os filhos de Adão será rigorosamente cumprido. Por isso, o Dilúvio não pode ser visto apenas comoa maior tragédia natural do pl aneta; tem de ser encarado como a maior epopeia da espécie humana.

2. O repovoamento da terra. A história da humanidade terá continuidade com uma nova

civil ização. Mas, para que esta vingue, é necessário e urgente repovoar a terra. Por isso, o Senhor abençoaNoé e sua famíl ia: “Sede fecundos, mul tipl icai-vos e enchei a terra” (Gn 9.1). A benção fazia-seimprescindível , porque o repovoamento do pl aneta haveria de ser efetuado a partir de três casais.

A reserva genética de que dispunha a espécie humana, naquel e momento, era insignificante. Trêscasais para repovoar a Ásia, a Europa, a África, as Américas e a Oceânia. Os primeiros casamentos, porconseguinte, dar-se-iam entre primos. Noutras circunstâncias, as uniões endogâmicas acabariam por gerarhomens e mulheres débeis, enfermiços e até mesmo desfigurados. Haj a vista os desastres genéticos da casade Faraó. Para que isso não viesse ocorrer na famíl ia de Noé, abençoa Deus extraordinariamente aquel escasais, cuj os filhos teriam de nascer fortes, saudáveis e perfeitos, pois a sua missão civil izatória seria árduae estressante.

Era a segunda vez que o Senhor abençoava geneticamente a raça humana. A primeira deu-se comAdão e Eva, cuj os filhos tiveram de casar-se entre si. Agora, porém, isso não mais será necessário, pois, aoinvés de um, há três casais prontos a dar sequência ao repovoamento do pl aneta. Abençoados, haveriam degerar povos fortes, intel igentes e aguerridos que, em breve, espalhar-se-iam pelos cinco continentes.

Daquel es três casais saíram tribos, povos, reinos e impérios. 3. Uma nova realidade ecológica. Em consequência da

grande inundação, a Terra j á não teria a fartura e aprodigal idade do período pré-diluviano. Doravante, seushabitantes terão de experimentar l ongas estiagens, fomes eenfermidades. Se o pl aneta anteriormente era protegido por umescudo aquoso, este, por ocasião do Dilúvio, veio abaixo,engol indo boa parte dos continentes. Desde então, achamo-nosvulneráveis aos raios ul traviol etas do Sol . E, sob taiscondições, ninguém mais desfrutaria da l ongevidade tão comumà primeira civil ização.

A Terra, agora, passaria a requerer maiores cuidados e empenhos. A nova real idade ecológicaencurtar-nos-ia a vida, não nos permitindo avançar al ém dos 120 anos. Na real idade, quem chega aos 80dá-se por fel iz.

II. O ARCO DE DEUSSegundo os antigos gregos, o arco-íris pertencia a uma deusa, cuj a tarefa era unir o Céu e a Terra.

Mensageira dos ol impianos, estava sempre pronta a derramar oráculos e mistérios sobre os pobresmortais. Íris, como era chamada, de vez em quando fazia o seu arco aparecer, a fim de acalmar as gentes doMediterrâneo.

Se nos pusermos a pesquisar as mitologias europeias, africanas, asiáticas e ameríndias,constataremos: o arco, que nunca pertenceu a Íris, acha-se na alma de todas as tribos, nações e povos.Mas, somente na Bíbl ia Sagrada, encontraremos o seu verdadeiro proprietário e significado.

1. Uma promessa bem visível. Já fora da arca, Noé erige um al tar, e, sobre este, oferece aves e

animais l impos ao Senhor, agradecendo-o pelo grande l ivramento. O sacrifício al cança os céus, e acal entao coração de Deus. Em seguida, promete-lhe o Senhor: “Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa dohomem, porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade; nem tornarei a ferir todovivente, como fiz” (Gn 8.21).

O Senhor deixa bem cl aro ao seu servo, que a Terra não será arrasada por outro dilúvio:“Enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite”(Gn 6.22). Para que não pairasse dúvida al guma sobre as suas intenções, aprouve a Deus dar-lhes umsinal bem visível de sua al iança com a raça humana: “Este é o sinal da minha al iança que faço entre mim evós e entre todos os seres viventes que estão convosco, para perpétuas gerações: porei nas nuvens o meuarco; será por sinal da al iança entre mim e a terra. Sucederá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra,e nel as aparecer o arco, então, me l embrarei da minha al iança, firmada entre mim e vós e todos os seresviventes de toda carne; e as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda carne. O arco estaránas nuvens; vê-l o-ei e me l embrarei da al iança eterna entre Deus e todos os seres viventes de toda carneque há sobre a terra” (Gn 9.12-16).

A partir daquel e momento, os seres humanos veriam a chuva não mais como ameaça, mas comoparte das bênçãos divinas. Aos israel itas prestes a tomar posse de Canaã, promete o Senhor através deMoisés: “Se dil igentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoj e vos ordeno, de amar o Senhor,vosso Deus, e de o servir de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, darei as chuvas da vossa terra aseu tempo, as primeiras e as úl timas, para que recolhais o vosso cereal , e o vosso vinho, e o vosso azeite”(Dt 11.13,14).

Hoj e, fal tando chuva num lugar, todos olham para o céu a esperar pel a intervenção divina.Enquanto redij o estas l inhas, a cidade de São Paulo acha-se inquieta, porque não houve chuva suficienteem seu principal reservatório.

2. A função do arco de Deus. Hoj e, até poderíamos viver sem o arco-íris, porque todos sabemos

que Deus não vol tará a destruir a Terra através de um novo dilúvio. Aos descendentes de Noé, porém, oarco de Deus não era apenas um fenômeno ótico; era a garantia de que o Senhor estava no control e detodas as coisas. E, portanto, não permitiria que a segunda civil ização tivesse qualquer ruptura, pois osseus desígnios são eternos.

Já fora da arca, Noé

erige um altar, e, sobre este,

oferece aves e animais

limpos ao Senhor,

agradecendo-o pelo grande

livramento.

Já imaginou se o arco de Deus não aparecesse por ocasião de uma chuvarada ou tempestade? Ageração pós-diluviana seria arruinada por uma profunda e incurável depressão. Bastaria o tempo fechar eas nuvens sobrecarregarem-se, para que todos se apinhassem nos outeiros, montes e torres. Al iás, ahumanidade não faria outra coisa a não ser construir barcos e navios, pois a imagem do Dilúvio era aindaaterradora.

III. UMA NOVA CIVILIZAÇÃOA partir do al tar que erguera ao Senhor, inicia Noé uma nova civil ização. El e invoca a Deus que,

prontamente, responde-lhe com uma promessa. Portanto, o início da civil ização atual foi essencial eostensivamente teocrática. Mas, para que os mal es da primeira não viessem a destruir a segunda, o Senhortoma uma série de medidas, a fim de viabil izá-l a.

1. A extensão da vida humana. Os homens j á não serão tão l ongevos quanto os antediluvianos. Se

fizermos uma comparação entre a genealogia do capítulo cinco, que tinha como tronco o próprio Adão, ea do capítulo 11, cuj a cepa é Noé, concluiremos que Deus, de fato, reduziu drasticamente a extensão davida humana.

Doravante, o homem não mais contará a sua vida emséculos, mas em poucas e minguadas décadas. Se Matusal émal cançou 969 anos, José morrerá aos 110. E, hoj e, os maisrobustos l ogram chegar aos 70 ou, quando muito, 80 anos. Sepor um l ado os bons pouco viverão, os maus não durarãomuito. Dessa forma, daremos sequência à civil ização através denossos filhos, netos, bisnetos e tataranetos. Se não podemos terum John Wesl ey com 500 anos, não corremos o risco de umHitl er com 600. Sábia e amorosamente, o Senhor encurtou--nos os dias, para que viéssemos a contá-l os e remi-l os deacordo com a sua vontade.

2. A nova dieta humana. Na primeira civil ização, a dieta humana era composta de frutas, verduras

e l egumes. Após o Dilúvio, porém, o Senhor permite aos filhos de Noé a dieta animal , parasupl ementarem a vegetariana. Eis a orientação que Deus deixa a Noé: “Tudo o que se move e vive ser-vos-ápara al imento; como vos dei a erva verde, tudo vos dou agora. Carne, porém, com sua vida, isto é, comseu sangue, não comereis” (Gn 9.3,4).

Se, no início, os animais serviam apenas para o cul to ao Senhor e para as l idas do campo, a partirde agora hão de servir também como al imentação aos filhos de Noé.

IV. ORDENAMENTO JURÍDICO DA NOVA CIVILIZAÇÃO

Se não podemos ter um

John Wesley com 500 anos,

não corremos o risco de um

Hitler com 600.

Na era pré-diluviana, era o próprio Deus quem ministrava a j ustiça entre os filhos de Adão. Nãohavia medianeiros angél icos nem humanos. Por causa da morte de Abel , arguira o Senhor pessoalmente aCaim, punindo-o com o desterro. O assassino, temendo por uma vindicação terrena, supusera que oprimeiro a encontrá-l o tirar-l he-ia a vida. O Juiz de toda a Terra, contudo, havia proibido semelhantej ustiçamento. E, para tanto, colocara um sinal no homicida, para que este fosse poupado. Agora, porém, areal idade j urídica do pl aneta será mais rígida; não admitirá contemplações. Somente com a vida poderá avida ser vingada.

1. O fundamento jurídico da nova civilização. Nenhuma civil ização é possível sem um sól ido

fundamento j urídico. Sem l ei, não há convivência, mas uma sobrevivência hostil e nada sol idária. Nasfamíl ias, onde a discipl ina é visível , todos progridem e desenvol vem-se. Onde reina a anarquia, adissolução é mais que certa; é uma fatal idade anunciada.

Por essa razão, o Senhor entrega o governo da Terra a Noé, deixando-lhe um preceito que l ogo sefaria universal : “Se al guém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deusfez o homem segundo a sua imagem” (Gn 9.6). Tal princípio seria ratificado pelo Cristo. Util izando ovocabul ário da graça divina, afirma o Filho de Deus: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vosfaçam, assim fazei-o vós também a el es; porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7.12).

A essência de ambas assertivas é a mesma. Se quero viver, então que eu deixe viver. Se não quero serferido, que eu a ninguém fira. Se quero que me façam o bem, que eu não me prive de fazer o bem. Mas,fazendo-me al guém o mal , não devo retribuir-l he com o mal ; tenho de mostrar-lhe o bem que a tudovence. A l ei do amor cristão transcende essas fronteiras, pois espelha a ação do Nazareno.

2. A santidade da vida humana. A l ei que o Senhor

entregou a Noé é o germe de todo o ordenamento j urídico dopl aneta. Sua essência acha-se tanto nos Dez Mandamentos comono Sermão do Monte. Al iás, nenhum ordenamento j urídicorespeitável pode dispensar tão precioso enunciado. Mesmo quesej a formulado por idól atras como os gregos e romanos, oupor pragmáticos e quase ateus como os chineses, o princípio dasantidade humana é imprescindível à comunidade humana.Doravante, fratricidas como Caim não mais serão tol erados. Se matou, haverá de morrer. E Lameque?Ainda que l ouve seus feitos, não ficará impune. A uma sociedade l eniente e permissiva, como a brasil eira,semelhante princípio avul ta-se desamoroso e cruel . Em sua essência, entretanto, acha-se o mais amorosodos preceitos: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a el es;porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7.12).

Por que vida por vida? Antes de tudo, porque a vida é o dom mais precioso que nos concedeu oSenhor. Por isso mesmo, só uma vida para resgatar outra vida. Embora a pena de morte sej a muitodiscutida, continua vál ida e apl icável . A vinda de Cristo não a anulou. Ao cristão não cabe buscar vingançacom as próprias mãos. Essa função cabe ao Estado que, se bem ordenado e j usto, refl etirá a j ustiça de

A lei que o Senhor

entregou a Noé é o germe de

todo o ordenamento

jurídico do planeta.

Deus. É cl aro que não podemos ver a União Soviética de Stal in, a Al emanha de Hitl er, o Camboj a dePol Pot ou a Cuba de Fidel Castro, como expressão da j ustiça divina. Todavia, há nações que, embora nãocristãs, manifestam perfeitamente as l eis de Deus.

O princípio da santidade da vida é contra todos os tipos de homicídio: aborto, eutanásia, crimes deguerra, genocídio, experimentos em célul as-tronco embrionárias e outras modal idades de crimes que hãode surgir com o avanço da ciência e da tecnologia

3. Quem mata um ser humano atenta contra Deus. O

princípio da j ustiça divina, entregue a Noé, tem como essência asantidade da vida, fundamentando-se neste axioma: quem atentacontra o ser humano contra o próprio Deus atenta, pois fomoscriados à sua imagem e semelhança.

Desta l ei simples e direta surgem todas as demais. Ainiquidade que l evou o mundo à destruição começou com doishomicidas: Caim e Lameque. O primeiro foi poupado porDeus. Ao invés da pena capital , foi punido com o banimento. Tornou-se andarilho e vagabundo na Terra.Quanto ao segundo, banalmente matou e banalmente l ouvou seus feitos.

V. O PRINCÍPIO DO GOVERNO HUMANOAté Noé sair da arca, era o próprio Deus quem governava o mundo. Agora, porém, o Senhor

del egará a administração do pl aneta ao próprio homem. 1. O governo humano. Teologicamente, o governo humano é a autoridade que Deus entregou a

Noé e a seus filhos, tendo como obj etivo administrar a j ustiça, ordenar pol iticamente a sociedade e tornarsustentável a Terra. Embora o governo sej a humano, a soberania é divina. O Senhor concede talautoridade ao homem, para que este, cumprindo-lhe os mandamentos e fazendo-lhe a vontade, traga apl enitude do Reino dos Céus à Terra.

2. A intervenção ordinária do homem. O governo humano deve ter, como parâmetro, a soberania

de Deus. Nossa autoridade, portanto, não deve ignorar a divina, nem nossas atribuições podem ir al émdos l imites que El e nos estabel eceu. Na História Sagrada, não foram poucos os governantes que,menosprezando-lhe a presença, ousaram governar como se não houvesse Deus. Haj a vista Faraó, EtbaalII, Nabucodonosor e Herodes, o Grande. Todos el es foram duramente castigados pelo Rei dos reis eSenhor dos senhores. Por conseguinte, quando o homem governa, intervém ordinariamente no mundo. Sefor al ém, contraria a Deus. Revol tam-me governantes como Stal in, Hitl er e certos tiranetes l atino-americanos que, tão l ogo assumem o poder, escravizam seus povos, empenhando-se em apagar o nomedivino de suas cartilhas ridícul as, nas quais subvertem a moral e os bons costumes.

Até Noé sair da arca,

era o próprio Deus quem

governava o mundo.

3. A intervenção extraordinária de Deus. Embora Deushaj a del egado o governo do mundo ao homem, continua El e acomandar todas as coisas. A todo instante vem intervindo querna história das nações, quer na biografia de cada pessoa.Quando necessário, intervém extraordinariamente. Interveio emSodoma e Gomorra, destruindo ambas as cidades. Interveio noEgito, arrancando de l á a Israel .

Se l ermos a história universal com as l entes da soberania divina, constataremos: Deus interveio emRoma, l evando-a ao desaparecimento. Na Europa, criando nações e abatendo impérios. São intervençõesdivinas na comunidade humana.

De fato, o governo é nosso, mas o control e é de Deus. Ainda que o ignoremos, continuará El e areinar absoluto sobre todas as coisas.

CONCLUSÃOO Dilúvio destruiu a raça, mas, em Noé, preservou a espécie humana. Se a primeira civil ização teve

um fim trágico, a segunda poderia haver começado de maneira responsável e amorosa. Mas, como maisadiante veremos, não demoraria para que o homem vol tasse aos pecados e iniquidades do mundo deLameque.

Agora, porém, haverá um diferencial : Deus começará a separar, desde Sem, um povo santo, zelosoe de boas obras, a fim de que lhe preserve o conhecimento e as l eis até que venha Jesus Cristo, o desej adode todas as nações. A nação de Israel terá início com Sem, ancestral de Abraão, amigo de Deus

Daquele único clã,

Capítulo 9

BÊNÇÃO E MALDIÇÃO NA FAMÍLIA DENOÉ

I. A FAMÍLIA DE NOÉJá estabel ecidos nas imediações do Ararate, Noé e sua famíl ia recebem do Senhor a incumbência de

repovoar a Terra. E, assim, tem início um novo processo civil izatório. Daquel e único cl ã, sairão as tribos,nações e povos que, espalhados pelos cinco continentes, hão de originar reinos e impérios.

A tarefa será nada fácil . A ruptura cul tural com o mundo de Lameque envidará muito trabalho. Porisso mesmo, os filhos de Noé empenhar-se-ão em recompor as ciências, engenhos e tecnologias de quasevinte séculos. Se al gum esforço foi requerido de Adão, de Noé há de ser exigida redobrada pertinácia, paraque a nova civil ização finque suas raízes.

Em meio a tantos afazeres e preocupações, eis que um incidente na famíl ia do patriarca cinde ahumanidade al i representada. Tudo começou quando Noé retomou suas l ides agrárias.

II. NO PRINCÍPIO, ERA A AGRICULTURASem a agricul tura, a civil ização seria impossível . É o que nos ensina a História. Os povos que,

hoj e, nos encantam com o seu progresso e desenvol vimento são os que mais se entregaram ao amanho daterra. Os europeus, norte-americanos e j aponeses são um exemplo cl ássico. O cul tivo do solo exigiu-lheso domínio da meteorologia, da química, da metalurgia e de outras ciências fronteiriças. Quem l ida com apl antação há de necessitar de enxadas e relhas, adubos e previsões do tempo. Concernente aos povos quese l imitaram à caça e à col eta vegetariana, j azem tão primitivos quanto há dois mil anos.

1. Noé, o agricultor. Já fora da arca e j á estabel ecido nas

imediações de Sinear, passou Noé a trabalhar a terra, pois nãodesconhecia os benefícios da agricul tura. Assim o autor sagradodescreve a fadiga do patriarca: “Sendo Noé l avrador, passou a

sairão as tribos, nações e

povos que, espalhados pelos

cinco continentes, hão de

originar reinos e impérios.

pl antar uma vinha” (Gn 9.20). O verbo hebraico natah nãosignifica apenas pl antar; seu significado tem sérias impl icaçõescivil izatórias: estabel ecer, edificar e construir.

Em sua essência, pl antar é fazer cul tura.Ciente da importância da agricul tura, eis que Noé põe-se

a trabalhar a terra. E, dessa forma, semeia uma nova civil izaçãoque, dentro em pouco, não terá apenas recuperado o que sehavia perdido, mas se haverá surpreendentemente. Haj a vista o que dirá o próprio Senhor quando dasoberba de Babel : “Agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer” (Gn 11.6).

Noé vol ta à terra. El e pl anta uma vinha e semeia uma civil ização; seus filhos colherão reinos eimpérios.

2. A vinha de Noé. Pelo que depreendo das pal avras de Jesus, a uva j á era bastante cul tivada no

período pré-diluviano, pois os discípulos de Lameque entregavam-se à comida e à bebida. Vinhas e adegaseram mui encontradiças naquel e tempo. Ninguém desconhecia o poder inebriante do fruto da vide.

Juntamente com a vinha, o patriarca constrói uma adega. E, com a ciência que trouxera da primeiracivil ização, põe-se a vinificar suas uvas. Desenvol vendo a enologia, produz a primeira safra de vinho dasegunda civil ização. De vinhateiro, faz-se vinicul tor. Mas essa sua faina trar-lhe-ia constrangimento edesintel igência ao l ar.

III. O BOM E VELHO VINHO DE SEMPRESe por um l ado, o vinho é o mais notório símbolo da al egria, por outro, é o emblema mais

poderoso da intemperança. Quem a el e se entrega, por mais avisado e sábio, acaba comportando-se demaneira inconveniente. Por isso, o rei Salomão al erta-nos a tratá-l o com cuidado e dupl icada prudência.Que o exemplo de Noé sirva-nos de al erta.

1. Um homem piedoso e íntegro. Na História Sagrada, foi Noé considerado um dos três varões

mais piedosos de todos os tempos (Ez 14.14). Pontificando-se ao l ado de Jó e Daniel , não soube, porém,como se comportar diante do vinho. Para comemorar a primeira safra de sua vide, embebedou-se e pôs-senu na tenda patriarcal (Gn 9.21). Que escândalo! O homem que sobrevivera ao Dilúvio deixava-se, agora,afogar numa taça de vinho. O patriarca, embriagando-se, desveste-se e cai num sono profundo. Suavinol ência chega a tal ponto que o l eva a perder a noção do certo e do errado. Por al gum tempo, faz-sedissoluto. Por isso, recomenda-nos Paulo: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução,mas enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18).

2. Quando o vinho faz-se irresistível. Aconselhando Timóteo a sel ecionar avisadamente os

obreiros, Paulo é incisivo: “Que o bispo sej a irrepreensível , esposo de uma só mulher, temperante,sóbrio, modesto, hospital eiro, apto para ensinar; não dado ao vinho, não viol ento, porém cordato,

Noé volta à terra. Ele

planta uma vinha e semeia

uma civilização; seus filhos

colherão reinos e impérios.

inimigo de contendas, não avarento” (1 Tm 3,2,3).O Senhor dera a vinha a Noé, mas Noé, imoderando-se, dera-se à vinha, entregando-se ao desprezo

doméstico.Se um homem santo e piedoso como o patriarca não se houve com moderação ante o vinho,

sej amos precavidos. Doutra forma, corremos o risco de cometer até inimagináveis torpezas (Gn 19.31-38).Quem não pode conter-se, abstenha-se. O ideal é agir como os recabitas que, ansiando por agradar a Deus,evitavam o vinho (Jr 35.1-19). O patriarca não ignorava os efeitos da fermentação. Certamente vira el e, noperíodo antediluviano, o que os seguidores de Lameque faziam sob o j ugo da bebida. Al ém de comerimoderadamente, imoderadamente bebiam, dando-se a todos os excessos. Noé, embriagado, caiu numpecado que, sóbrio, condenara.

3. A nudez de Noé. Dando-se ao vinho, Noé embriaga-

se. Perde a noção do certo e do errado. Ignora os l imites daética e do decoro mínimo. Agora, ei-l o irreconhecível em suatenda. Despe-se e deixa-se vencer pel a vinol ência. Al i estava umdos três homens mais piedosos da História Sagrada expostodiante da esposa, filhos, noras e netos.

Vej amos como se comportavam Jó e Daniel citados porEzequiel j untamente com Noé. Pelo que nos rel ata o autorsagrado, o patriarca de Uz, ao contrário dos filhos, não se dava ao vinho. Quanto a Daniel , observamosque, de fato, el e não compartilhava do vinho do rei. Mas, particul ar e reservadamente, bebia o seu vinho.Num momento de ansiedade e interrogações, o profeta abstém-se das iguarias e bebidas: “Manj ar desej ávelnão comi, nem carne, nem vinho entraram na minha boca, nem me ungi com ól eo al gum, até quepassaram as três semanas inteiras” (Dn 10.3).

Dos três varões mais piedosos da História Sagrada, observamos três diferentes posturas: duaslouváveis e uma condenável . Jó era abstêmio, e Daniel , moderado. Quanto a Noé, deixou-se dominar pel aimoderação, trazendo escândalo ao l ar. Nos países mediterrâneos, onde o vinho fermenta a cul tura e ocotidiano das gentes, a bebida é l arga e, às vezes, prodigamente consumida até por cristãos professos. Nãosão poucos os servos de Deus que se permitem embriagar, comprometendo a saúde física e espiritual .Enfermam o corpo e a alma. Nossa piedade resiste ao orgulho, à concupiscência e aos pecados maisgrosseiros. Todavia, é incapaz de resistir ao vinho. Na taça, fruto da vide; no estômago, reação química eescândalo. Se imoderados, agiremos soberbamente, dar-nos-emos à l ascívia e agiremos como os maisgrosseiros e vul gares pecadores. Portanto, moderação e cuidado. Se você del e se abstiver, melhor. Emboratodas as coisas sej am-nos l ícitas, nem todas convém-nos. Afinal , somos a comunidade ética e moral porexcel ência.

IV. A IRREVERÊNCIA DE CAMCam, o filho mais novo de Noé, representou à nova civil ização o que Caim, o filho mais velho de

Na História Sagrada,

foi Noé considerado um dos

três varões mais piedosos de

todos os tempos (Ez 14.14).

Adão, representara à antiga. De sua pouquíssima história, podemos extrair muita conclusão. Emborasal vo do Dilúvio, não conseguira l ivrar-se dos pecados que ocasionaram a grande inundação. Na primeiraoportunidade, sua l oucura e irreverência vieram à tona, revel ando quem, de fato, era el e. Pelo j eito, emnada diferia dos herdeiros espirituais de Lameque. Não fora seu pai, teria perecido nas águas da ira divina.

1. O desamor. Quem ama não é indecente. Mas discreto,

lhano, gentil . Se assim devemos portar-nos em rel ação aosestranhos, o que não faremos concernente aos nossos pais? Ofilho mais novo de Noé, conforme j á vimos, não se importavacom tais questões. Imbuído ainda do espírito da geração queperecera no Dilúvio, estava sempre disposto a caçoar eirreverenciar a todos, inclusive o próprio pai.

Ao deparar-se com o pai desnudo na tenda, Cam não seconteve. Saiu a contar a todos o que presenciara. Chamou a atenção de Sem, Jafé, das cunhadas, filhos esobrinhos. El e fez questão que todos vissem o homem mais piedoso da Terra numa situação acabrunhantee vergonhosa. Já imaginou se todos tivessem acorrido à porta da tenda do velho patriarca para ver-lhe oopróbrio? Num único momento a humanidade teria se desencaminhado e, por certo, haveria de tornar-sepior do que a geração prédiluviana.

Cam era desamoroso, debochado e insol ente. El e caricaturava tudo o que via. 2. A irreverência. No meio pentecostal , a irreverência não é vista como pecado. Brincamos com os

dons espirituais, imitamos as l ínguas estranhas e, de quando em quando, urdimos al gumas profecias evisões. Ao que parece, o único pecado que l eva para o inferno é o que diz respeito à castidade. Desde quenão se adul tere, nem se prostitua, que o deboche sej a l iberado.

A Pal avra de Deus, porém, coloca a irreverência no mesmo patamar dos pecados grandes e temíveis.Afirma Paulo que a Lei foi promulgada inclusive para castigar os irreverentes (1 Tm 1.9). O mesmoapóstolo deixa cl aro que, nos úl timos dias, a fal ta de respeito surgirá como um dos mais fortes sinais dachegada da apostasia final .

Por conseguinte, o pecado de Cam não era uma simples brincadeira. Levando-se em conta que Noérepresentava a Deus naquel e momento, a irreverência camita avul tava-se como gravíssima bl asfêmia. Pormuito menos, o profeta El iseu amaldiçoou uns garotos (2 Rs 2.23). Narra o autor sagrado que o profetaos desventurou, e, na mesma hora, apareceram duas ursas que despedaçaram 42 daquel es meninos.Noutras pal avras, o pecado de Cam era tão grave, que poderia ser punido com a morte. Sua transgressãoconstituiu-se na primeira apostasia da segunda civil ização.

V. O JUÍZO SOBRE CANAÃSegundo a doutrina da responsabil idade pessoal , os filhos não serão castigados pel as transgressões

dos pais, nem os pais serão penal izados pel as iniquidades dos filhos. A sentença divina não isenta o

transgressor nem o iníquo: a alma que pecar esta morrerá. Mas no caso específico de Cam, parece que háuma exceção a essa regra. No entanto, como veremos, a j ustiça divina foi perfeita no castigo imposto aCanaã, filho de Cam.

1. A apostasia de Cam. Conforme j á vimos, tudo começou com a irreverência de Cam que, ao vera nudez do pai, não somente contemplou-a, mas a expôs a toda a famíl ia. A reverência fez-se graveapostasia, l evando a iniquidade e o pecado à nova civil ização. Mas, mercê de Deus, a transgressão não segeneral izou. Pelo contexto da narrativa bíbl ica, constatamos que Canaã, filho de Cam, não somente caiuno mesmo erro do pai, como veio a superá-l o.

Portanto, Noé não foi respeitado nem pelo filho, nem pelo neto; ambos fizeram-se igualmenteréprobos. Quanto aos outros filhos de Cam, não tomaram parte naquel e pecado. Por isso, não forampenal izados.

2. A sedição de Canaã. O que era irreverência em Cam fez-se apostasia e sedição em Canaã. Não

fal tou muito para que a segunda civil ização, ainda no nascedouro, viesse a se corromper. Se l ermos oscapítulos 10 e 11 de Gênesis com atenção e cuidado, verificaremos que a rebel ião de Canaã não se detevecom a reprimenda de Noé. Mais adiante, constataremos que el a foi crescendo até al cançar todos oscaimitas, num primeiro momento, e, num segundo, as demais famíl ias de Noé. E, assim, os filhos dopatriarca irmanaram-se contra o Senhor, no episódio da Torre de Babel . Por isso, a j ustiça divina recaiupesadamente sobre Canaã e seus descendentes.

3. A maldição de Canaã. Entre as mitologias hermenêuticas, há uma que vem causando mal -estar

devido à sua conotação racista. Há gente que ainda acha que a maldição que Deus impôs a Cam foi a corque, hoj e, caracteriza os povos subsaarianos. Na verdade, o Senhor não castigou todos os camitas, masapenas Canaã que, ao contrário de seus irmãos e primos, pôs-se a debochar da nudez do avô.

Sua maldição consistiu na perda de suas terras aos filhos de Abraão, o mais il ustre representante deSem depois de Jesus Cristo. Eis o que decreta Noé: “Maldito sej a Canaã; sej a servo dos servos a seusirmãos. E aj untou: Bendito sej a o SENHOR, Deus de Sem; e Canaã lhe sej a servo. Engrandeça Deus aJafé, e habite el e nas tendas de Sem; e Canaã lhe sej a servo” (Gn 9.25-27).

Os descendentes de Canaã vieram a habitar as terras que, hoj e, pertencem ao Estado de Israel . Al i,começaram a deteriorar-se de tal maneira, que o seu modo de vida passou a ser sinônimo de pecado eabominação. A sociedade cananeia tornou-se irrecuperável ; depravara-se essencial e totalmente. Não haviaentre os descendentes de Canaã pensadores, fil ósofos ou sábios, mas sacerdotes ávidos por sacrifíciosinfantis. Por esse motivo, o Senhor removeu, daquel as terras boas e amplas, os descendentes de Canaã, atéque viessem a desaparecer como nação.

Se do Senhor é a Terra e a sua pl enitude, conclui-se que El e a dá a quem lhe aprouver, e, del a,desaloj a os povos segundo o seu querer e j ustiça. Por isso, houve por bem desaloj ar os cananeus daquel aboa terra, para dar-lha aos hebreus. Não somente a História, mas a própria Geografia, acham-se sob oabsoluto control e de Deus. Eis porque o Senhor entrega o território cananeu a Israel . Aquel as terras,portanto, são propriedade dos filhos de Abraão.

Os descendentes de

Canaã vieram a habitar as

terras que, hoje, pertencem

ao Estado de Israel.

VI. O DESTINO DOS CAMITASSe Deus o quisesse, poderia ter amaldiçoado todos os cl ãs provenientes do caçul a de Noé. Mas,

castigando Cam, amaldiçoou a seu filho, Canaã, que, à sua semelhança, era também irreverente,debochado e sedicioso. Quanto aos outros filhos de Cam, imigraram à África, ao Oriente Médio e,segundo é-nos possível depreender l inguisticamente, até mesmo ao Extremo Oriente.

1. Os camitas da África. Segundo a genealogia de Gênesis 10, estes são os filhos de Cam: Cuxe,

Mizraim, Pute e Canaã. Os três primeiros, j á em solo africano, dão origem a poderosos reinos eimpérios. De Cuxe, veio a Etiópia, cuj o poderio mil itar amedrontava povos e nações. Vamos encontrá-l osno Novo Testamento, na figura daquel e oficial de Candace, rainha dos etíopes. Mizraim foi o pai dosegípcios que, na História Sagrada, detinha a hegemonia na região do Oriente Médio. Quanto a Pute, é opatriarca que deu origem à Líbia que, nos tempos bíbl icos, era uma potência não desprezível .

Canaã, o caçul a de Cam, seguiu o caminho do pai. E, hoj e, j á não há indícios de sua civil ização, anão ser as informações da Bíbl ia Sagrada.

2. Os camitas da África e os hebreus. Foi numa nação camita que os filhos de Israel abrigaram-se

até que tivessem condições de assumir o control e das terras que o Senhor prometera a Abraão. No Egito,os hebreus peregrinaram por 430 anos. De início, o rel acionamento entre semitas e camitas, em soloegípcio, foi amistoso e mui produtivo. José, filho de Jacó, assumiu o governo egípcio e, dessa forma,preservou a progênie hebreia num momento de dificuldade e fome.

Passados quatro séculos, porém, eis que um Faraó, quenão conhecia a José, passou a oprimir os hebreus. Sua intençãoera destruir a nação que, embora escolhida por Deus, ainda nãohavia assumido a sua identidade profética e sacerdotal . Por essarazão, interveio o Senhor com mão poderosa, a fim de arrancarIsrael do Egito.

Na verdade, o Senhor castigou severamente o Egito, masnão o destruiu, porque tinha, e ainda tem, grandes promessas aessa nação camita. Os israel itas, por exemplo, eram exortados a não mal tratar os egípcios, pois em suaterra peregrinaram (Dt 23.7). Nos úl timos dias, o Egito terá um lugar especial no pl ano divino, e estarárel acionado estreitamente com o povo de Israel (Is 19.21-25).

O interessante é que Israel abrigou-se entre um povo camita até que tivesse condições de apossar-sedo território de outro camita que, segundo a promessa divina, cabia-lhe como hebrança. Mas qual adiferença entre o Egito e Canaã. Os cananeus, devido à sua deplorável idol atria, j amais produzirammoral istas ou reformadores sociais, ao passo que entre os egípcios, os sábios eram comuns, conformeobservamos nesta passagem do l ivro dos Reis: “Era a sabedoria de Salomão maior do que a de todos osdo Oriente e do que toda a sabedoria dos egípcios” (1 Rs 4.30). Vê-se, pois, que o saber dos egícpios eraproverbial e l endário. Quanto aos cananeus, eram tidos como grandes pecadores. Haj a vista que ossodomitas e gomorritas provinham de cl ãs cananeus.

Nos últimos dias, o

Egito terá um lugar especial

no plano divino, e estará

relacionado estreitamente

com o povo de Israel (Is

19.21-25).

CONCLUSÃOSem e Jafé, ao contrário de Cam, não escarneceram da

embriaguez de Noé. Mas, reverentemente, cobriram a nudez dopai, impedindo que o incidente l evasse a sua famíl ia a umescândalo ainda maior. Se agirmos assim, evitaremos fal atórios,mal edicências e sedições na famíl ia de Deus. Por isso, foramel es abençoados de uma forma pecul iar. O primeiro tornou-senum dos principais ascendentes l egais de Jesus Cristo. Quantoa Jafé, pai dos europeus, aj udou a propagar a mensagem doEvangelho até aos confins da Terra.

Portanto, não exponhamos as fal tas de nossos irmãos.Mas, discreta e amorosamente, aj udamo-los a se reerguerem. Afinal , todos podemos cair em muitas fal tase tentações. Se quisermos, pois, ser tratados com amor e consideração, usemos de iguais medidas.

Capítulo 10

A DIVERSIDADE CULTURAL DAHUMANIDADE

INTRODUÇÃO Só no Brasil , são fal ados, al ém do português, 187 idiomas. Al guns, por 11 pessoas; outros, por

apenas duas. Tais números tendem a crescer se l evarmos em conta as etnias ainda não contatadas. Numúnico país, j á temos uma formidável Babel .

No mundo todo, segundo a Enciclopédia Ethnologue, há 6.912 l ínguas e dial etos. A mesma fonteacrescenta que, nas regiões da Ásia e do Pacífico, há mais de 300 unidades l ínguisticas ainda nãocatalogadas. Boa parte desses idiomas terá uma existência bastante efêmera. Al guns não demorarão a serextintos; outros, sufocados, perderão a identidade.

Qual a origem da diversidade l ínguística e cul tural da humanidade? Em Gênesis, Moisés narracomo a civil ização, a princípio monol ínguista e monocul tural , veio a dividir-se em idiomas, dial etos efal ares. Mul tipl icando-se a l íngua, subdividiu-se a cul tura dos filhos de Noé.

I. A APOSTASIA DE CAM E A SEDIÇÃO DE CANAÃNo capítulo anterior, vimos como a famíl ia de Noé acabou por dividir-se por causa da irreverência

de Cam. À primeira vista, o fato mais parecia uma comédia de mau gosto. Aquel e deboche, porém, viria arevel ar o pecado que reinava no coração de Cam e j á imperava na alma de Canaã, seu filho. O que eraapostasia pessoal desdobra-se, agora, numa sedição col etiva.

1. A sedição de Canaã. Em toda a narrativa bíbl ica, devemos observar não somente o que diz o

autor sagrado como também o que el e deixou de dizer. Atentemos à sedição de Canaã que, embora nãodecl arada, foi ganhando corpo ao l ongo da História Sagrada. A partir do ignominioso episódio daembriaguês de Noé, pôs-se Canaã a al iciar a sua geração, l evando-a a rej eitar a cul tura divina que opatriarca buscava implantar na nova civil ização.

À semelhança de Lameque, Canaã l eva a segunda civil ização a revol tar-se contra Deus. Suainfluência foi tão poderosa que, em pouco tempo, induz a todos à incredul idade, à desobediência, à

arrogância e ao ateísmo. 2. A incredulidade generaliza-se. Deus havia garantido àquel a gente que não mais destruiria a terra

através de um novo dilúvio. Iniciada al guma chuva, erguiam-se de imediato as cores de sua al iança,arquej ando os hemisférios. Logo, qual a util idade de uma torre, cuj o topo arranhasse o céu?

Cidades e torres seriam construídas aos milhares desde então. Todavia, os discípulos de Canaã nãointentavam erguer uma cidade, ou uma simples torre; porfiavam por um monumento contra Deus. Nessametrópol e, cuj o epicentro seria pontificado por um zigurate, haveriam de se apinhar, impedindo orepovoamento e a l avratura do pl aneta.

Aquel a geração não mais confiava em Deus. Seduzida j á por Canaã, é tomada por um pavormórbido de outra inundação. E, receando ser espalhada, rej eita col etivamente os desígnios que o Senhorlhe reservara. Juntos, supunham-se mui seguros; dispersos, imaginavam-se insul ados, fracos e vulneráveis.

Era pl ano de Deus que os varões, deixando a casa paterna, constituíssem novas famíl ias.Desdobrar-se-iam estas em tribos, nações e povos. Todavia, isso somente seria possível se as novasunidades domésticas se propusessem a ocupar os continentes e ilhas. O Senhor buscava pioneiros eempreendedores. Logo, não há civil izações sem desafios e aventuras.

3. A desobediência espalha-se. Canaã possuía um excel ente marketing. Sabia mentir, e tanto mentiu,

que a sua mentira veio a fazer-se verdade aos ouvidos rebeldes. Dentro em pouco, ninguém mais ousavaaventurar-se por terras estranhas, a fim de iniciar uma nova tribo, nação ou povo. O pecado daquel ageração até que não parecia grave. Se todos buscam concentrar-se num só lugar, que mal pode haver nisso?Num primeiro momento, nenhum. Todavia, tal postura quebrantava o mandamento que o Senhor confiaraa Adão, e, depois, a Noé. Tal vez os filhos de Sem, Jafé e Cam ainda não soubessem que a confinaçãopoderia ser-lhes fatal . A concentração urbana gera l icenciosidade, viol ência, inj ustiça social e tirania.

4. Arrogância virulenta. No início da segunda civil ização, apenas dois eram os desobedientes e

revol tosos. Mas a apostasia de Cam e a sedição de Canaã não demoraram a espalhar-se entre os filhos deSem e Jafé. O probl ema, agora, não era mais a viol ência, nem a promiscuidade sexual ; era al go pior: oorgulho. Os descendentes de Noé construiriam uma torre, visando uma única coisa: a perpetuação de seunome. Por isso, desabrem-se arrogantemente: “Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cuj otope chegue até aos céus e tornemos cél ebre o nosso nome, para que não sej amos espalhados por toda aterra” (Gn 11.4). A soberba adora monumentos. Faraó ergueu as pirâmides. Nabucodonosor, os j ardinssuspensos. Nero, a nova Roma. Quanto aos governantes atuais, constroem grandes edifícios, mas sãoincapazes de estender, aos mais pobres, serviços tão básicos e mínimos como redes de água e esgoto. Osoberbo pode não se preocupar com a sua descendência, mas faz questão de erguer pelo menos ummonumento. Haj a vista Absal ão, filho de Davi (2 Sm 18.18). Não sei a que al tura Babel al cançou. Deuma coisa, porém, estou certo: não era maior do que o ego daquel a geração que se punha contra o Senhor.

5. Ateísmo, a nova religião. Tomados j á pel a soberba, os descendentes de Noé punham-se, agora,

Em toda a narrativa

bíblica, devemos observar

não somente o que diz o

autor sagrado como também

o que ele deixou de dizer.

aberta e decl aradamente contra Deus. Rej eitando o governo divino, optavam por uma governança humana.Não lhes interessava mais o Reino do Céu, mas o império da Terra. Fizeram-se ateus não por quedesacreditassem do Criador, mas por se vol tarem à criatura.

II. A CIVILIZAÇÃO MONOLINGUISTAJá imaginou se toda a humanidade fal asse al emão no período da Segunda Guerra Mundial ?

Providencialmente, havia muita gente, no século passado, pensando contrariamente a Hitl er noutrosidiomas e dial etos. Assim, puderam os homens l ivres congregar-se, a fim de preservar as conquistas dacivil ização.

1. Vantagens do monolinguismo. Quando viaj o aos

Estados Unidos sinto-me um pouco frustrado: “Por que todomundo fal a ingl ês, menos eu”. Al iás, até os al ienígenasdominam o bendito idioma de Shakespeare. Nos filmes deficção científica, os exploradores americanos deixam a gal áxia,não se assustam com os buracos de minhoca, ignoram osvórtices temporais, e, no outro l ado do Universo, a centenas deanos luz da Terra, encontram um al ienígena que fal aperfeitamente o ingl ês. Quanto a mim, tenho de contentar-mecom uma comunicação monossil ábica com os fal antes da l ínguaingl esa.

Já imaginou se todos fal assem um único idioma? Não precisaríamos de interpretes, nem detradutores para fal ar de Cristo aos al emães, chineses e bel gas. Inexistindo barreiras idiomáticas, sentir-nos-íamos mais irmanados. A comunicação com os africanos e asiáticos fl uiria como fluem os rios quecortam ambos os continentes. O conhecimento poderia ser transmitido com eficácia sem os perigos querepresentam as traduções apressadas e temerárias. Mas Deus, a fim de preservar a espécie humana, achoupor bem confundir-nos a l íngua, para que o caos não fosse maior.

2. Desvantagens do monolinguísmo. Canaã não precisou de muito para induzir a nascente

civil ização à apostasia. Já que todos fal avam a mesma l íngua e moravam num só lugar, compartilhandoiguais costumes, foi-l he rel ativamente fácil desviar os filhos de Sem e Jafé.

A ordem divina era que, espalhando-se todos, viessem a ocupar toda a terra. Canaã, porém, queriaaj untar a todos em torno de uma torre, símbolo de sua tirania. O que el e pretendia, na verdade, erainstaurar uma ordem mundial , cuj a essência era o ateísmo. Ninguém podia negar a existência de Deus,pois a presença divina era ainda bem forte nos resquícios da arca e nos testemunhos de Sem e Jafé. Tal vez opróprio Noé ainda vivesse quando do episódio de Babel . Se não podiam negar--l he a existência, contra El ecolocaram-se abertamente.

O soberbo pode não se

preocupar com a sua

descendência, mas faz

questão de erguer pelo

menos um monumento.

3. O idioma dos antigos. Ao contrário do que muitagente imagina, o idioma de Adão e Eva não era o hebraico.Al iás, a l íngua oficial de Israel nem existia quando Noé saiu daarca. Segundo depreendo do texto sagrado, nem o próprioAbraão fal ava a l íngua hebreia. Sendo o patriarca arameu, é dese supor que, ao deixar a sua terra, fal ava el e o mais puroaramaico (Dt 26.5). Mas, no decorrer do tempo, seusdescendentes foram paul atinamente modificando o idioma deUr, até que, no cativeiro egício, deu-se a formação do hebraicocomo hoj e conhecemos.

O primeiro idioma humano foi um presente divino. Nos diálogos que o Senhor mantinha comAdão, na viração daquel es dias e noites, foi o homem aprendendo como se expressar. Primeiro deu el enome aos animais; depois, à sua mulher. Dal i em diante, não lhe foi difícil narrar suas experiências eexpressar-se em proposições teológicas. No episódio da queda, o homem j á possuía um vocabul áriosuficiente até para desculpar-se diante do Senhor. Do primeiro idioma humano, devemos ter apenasal guns indícios raros e bem longínquos. Que era perfeito e belo, não há dúvida, pois Adão e seus filhosnão proseavam; expressavam--se em poesia. Num poema, Adão recebeu Eva, sua mulher. Eva, em versos,abraçou o primogênito como dádiva de Deus. Metrificando sua irritação, Caim demonstra todo o seu ódiocontra Abel . A l inguagem humana era l inda e perfeita até mesmo na boca assassina de Lameque.

Mas o que era poético estava prestes a tornar-se prosaico e corriqueiro em decorrência da soberbados filhos de Noé.

III. A CONSTRUÇÃO DE BABELAté hoj e, o Burj Khal ifa é o edifício mais al to do mundo. Local izado em Dubai e medindo 828

metros de al tura, o prédio é o símbolo da moderna engenharia. Conhecido como a Torre do Cal ifa, oprédio assoberba-se num dos centros mais valorizados do mundo. Não acredito que a torre de Babelchegasse a essas al turas, pois os arquitetos da época, apesar de sua audácia e perícia, ainda não possuíamrecursos técnicos e materiais para uma construção tão arroj ada. Todavia, Babel era al ta o bastante paraprovocar a ira de Deus.

1. A engenharia pós-diluviana. Qual a al tura da atmosfera terrestre? O que sabemos é que o

oxigênio só começa a ficar respirável abaixo de 11 quilômetros. Deduz-se, pois, que ninguém haveria devislumbrar um edifício de 11 mil metros de al tura. Os antigos também sabiam disso, pois eramintel igentes, argutos e cautos. Doutra forma, j amais teriam descoberto novos continentes, povoado a terrae dominado tantas ciências e artes. Al iás, eram el es mais intel igentes que nós. Se hoj e, sabemos mais doque el es, é porque olhamos o mundo a partir de seus ombros.

Se el es eram tão intel igentes, por que ousaram descrever uma torre, cuj o topo al cançasse os céus?Eis o que el es disseram: “Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cuj o tope chegue até aos

O primeiro idioma

humano foi um presente

divino.

céus e tornemos cél ebre o nosso nome, para que não sej amos espalhados por toda a terra” (Gn 11.4).Acaso não sabiam das impossibil idades técnicas de se construir um edifício de cinco, seis ou 10 milmetros de al tura?

É cl aro que sabiam. Nós também o sabemos. Entretanto, quando erguemos um prédio al to eavantaj ado, chamamo-lo de arranha-céu. Aquel a gente não era estúpida nem tol a, como o próprio Deusreconhece: “Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer” (Gn 11.6). Ahumanidade é capaz inclusive de fazer o seu ninho entre as l etras.

2. Uma cidade à prova d’água. Em l inhas gerais, este era o proj eto arquitetônico dos filhos e netos

de Noé: “Vinde, façamos tij olos e queimemo-los bem. Os tij olos serviram-lhes de pedra, e o betume, deargamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cuj o tope chegue até aos céus etornemos cél ebre o nosso nome, para que não sej amos espalhados por toda a terra” (Gn 11.3,4).

A metrópol e seria edificada com tij olos bem queimados e amarrados, entre si, por uma argamassade betume. O que el es buscavam era uma cidade à prova d’água. Se houvesse outro dilúvio, estariam el es asal vo naquel e centro urbano. E, caso este viesse a ser inundado, correriam todos à torre, onde, segundoimaginavam, estariam a sal vo.

Todo esse complexo era al icerçado por uma fil osofia del etéria e antagônica a Deus: concentrar atodos num só lugar, substituir a rel igião divina por um cul to antropocêntrico e favorecer a ascensão doimpério do Anticristo. O Senhor Jesus ainda não havia nascido, mas j á havia uma forte oposição à suapresença entre os filhos dos homens.

Parece que a nova geração desconhecia os efeitos do Dilúvio. Se o Senhor quisesse destruir a terraatravés de outra inundação, ninguém haveria de segurar o ímpeto de suas águas.

3. O primeiro ídolo humano. Até este momento, ainda

não se tinha notícia de ídolos de barro, de pedra ou de metais.O ídolo do homem era o próprio homem. Mas eis que o serhumano ergue o seu primeiro deus. A torre que serviria paraconfinar os filhos de Noé haveria de conduzi-l os a umavirul enta idol atria. Dessa forma, a sedição de Canaã seria maisdel etéria que a de Lameque. Se isso ocorresse, não haveria maisum j usto como Noé para assegurar, diante de Deus, a continuidade da espécie humana. A engenharia estáintimamente associada à idol atria. Torres, zigurates, pirâmides e templos, tanto ontem quanto hoj e, têmlevado os homens a material izar o seu orgulho e soberba. Al iás, até o Santo Templo veio a fazer-searmadilha a Israel (Jr 7.4). Por isso mesmo, Deus não habita em templos feitos por mãos humanas, masescolhe um coração humilhado e contrito para aí residir (At 17.24; Is 57.15).

IV. A PRONTA INTERVENÇÃO DE DEUSNão sabemos em que ponto da empreitada de Babel interveio o Senhor. Tal vez seus al icerces j á

O ídolo do homem era

o próprio homem. Mas eis

que o ser humano ergue o

seu primeiro deus.

houvessem sido l ançados. Ou, quem sabe, os tij olos j á começassem a ganhar os contornos de uma torre.O certo é que é o Senhor, intervindo a tempo, evitou que a segunda civil ização experimentasse o mesmodestino da segunda.

1. A torre que Deus não viu. Narra o autor sagrado que o Senhor “desceu para ver a cidade e a

torre, que os filhos dos homens edificavam” (Gn 11.5). Nesta passagem, há uma ironia fina e quaseimperceptível . Apesar de os descendentes de Noé estarem construindo um arranha-céu, Deus precisoudescer para vê-l o. Assim são os nossos proj etos. Aos nossos olhos, tão al tos e subl imes; aos de Deus,pequenos e desprezíveis.

Desde então, os homens pouco aprenderam, pois imaginam que seus monumentos são capazes delhe garantir a vida eterna. O que dizer das pirâmides? Conta-se que Napol eão, ao contemplá-l as teriadecl arado às suas tropas: “Soldados, do al to daquel as pirâmides quarenta séculos vos contemplam”.Ainda que se avul tem perenes, não subsistirão para sempre. Um dia serão apenas pó e cinza. Pobre Babel !Mais que uma torre, um símbolo da rebeldia humana contra o Senhor.

2. A confusão que trouxe ordem. Já resol vido a

paral isar a construção da torre, decreta o Senhor: “Eis que opovo é um, e todos têm a mesma l inguagem. Isto é apenas ocomeço; agora não haverá restrição para tudo que intentamfazer. Vinde, desçamos e confundamos al i a sua l inguagem, paraque um não entenda a l inguagem de outro” (Gn 11.6,7).

Dessa forma, foram aquel es cl ãs dispersos por toda aterra. Agrupando-se de acordo com a sua identidade l inguística,parte dos camitas deteve-se nas terras que o Senhor daria a Israel ; a maior parte del es, todavia, foi parar naÁfrica. Os semitas espalharam-se pel a Ásia. Quanto aos j afetistas, encetaram uma grande caminhada emdireção à Europa. No decorrer dos séculos, esses cl ãs, forçados por êxodos e imigrações, chegaram àsilhas mais distantes e ao Ártico.

A diversidade l inguística acentuaria não só o distanciamento geográfico entre os cl ãs, mas também ocul tural . Nem a global ização foi capaz de el iminar tais compartimentos. No Evangelho de Cristo, porém,irmanamo-nos, transcendendo barreiras l inguisticas e cul turais.

3. Removido o perigo de extinção. Se a humanidade fosse confinada em Sinear, fal ando todos uma

só l íngua, em torno de um único l íder, acredito que a l inhagem adâmica j á teria desaparecido. Nossareserva genética acabaria por estreitar-se de tal forma que, em poucas gerações, nos l evaria à extinção.

Deus é sábio em todos os seus caminhos. A ordem de povoar a Terra, inicialmente dada a Adão, e,depois, confiada a Noé, tinha como obj etivo guardar a humanidade de si mesma. A concentração urbanavem mostrando-se uma tragédia. Nesses conglomerados, mul tipl icam-se as enfermidades, confl itos emal es espirituais. Em caso de catástrofes, as consequências ganham contornos apocal ípticos.

CONCLUSÃOA humanidade, com a dispersão de Babel , veio a ocupar, progressivamente, os mais distantes

continentes e as ilhas mais desconhecidas. Desde então, idiomas e dial etos vêm-se mul tipl icando. Línguasnascem e morrem; cul turas sedimentam-se; erguem-se fronteiras e derrubam-se fronteiras.

Não obstante toda essa diversidade, o Evangelho de Cristo vai chegando até aos confins da Terra. Aconfusão que o Senhor incitou em Babel foi, miraculosamente, desfeita no Pentecostes, visando auniversal ização do Evangelho. Ao narrar a descida do Espírito Santo no Pentecostes, escreve Lucas:“Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a fal ar em outras l ínguas, segundo o Espírito lhesconcedia que fal assem. Ora, estavam habitando em Jerusal ém j udeus, homens piedosos, vindos de todasas nações debaixo do céu. Quando, pois, se fez ouvir aquel a voz, afluiu a mul tidão, que se possuiu deperpl exidade, porquanto cada um os ouvia fal ar na sua própria l íngua. Estavam, pois, atônitos e seadmiravam, dizendo: Vede! Não são, porventura, gal il eus todos esses que aí estão fal ando? E como osouvimos fal ar, cada um em nossa própria l íngua materna?” (At 2.4-8).

O Evangelho é a mensagem por excel ência. Todos podem compreendê-l o e, pl enamente, aceitá-l o.Em Cristo, as famíl ias de Sem, Jafé e Cam fazem-se irmãs; a comunhão é pl ena.

Capítulo 11

MELQUISEDEQUE ABENÇOA ABRAÃO

INTRODUÇÃO Se a história de Melquisedeque é pequena, sua teologia surpreende-nos pel a grandeza e

profundidade. O autor sagrado não precisou de muitas pal avras, para apresentar-nos a um dos maiorespersonagens da História Sagrada. Com menos de 60 vocábulos, introduz-nos na antiga Sal ém, onde o reide j ustiça e paz desempenhava um ministério eterno.

De Melquisedeque, não temos muitas informações. Sabemos apenas que era um homem santo queexercia, pl enamente, as três funções do ofício divino: rei, sacerdote e profeta. Enfim, um tipo perfeito deJesus Cristo.

Neste capítulo, veremos como se deu o encontro de Melquisedeque com Abraão. Al i, na futuraJerusal ém, o patriarca, que ainda se chamava Abrão, é recepcionado por um monarca, cuj a autoridadeespiritual era irresistível . Sim, j ustamente al i, na presença de Bera, rei de Sodoma, o pai da nação hebreiaé abençoado. Em sua bênção, todos os que cremos fomos contemplados.

A partir daí, o sacerdócio de Melquisedeque seria invocado, pel a Escritura Sagrada, como o idealde uma intercessão eficaz, pl ena e eterna. Tão subl ime era o sacerdócio de Sal ém, que o próprio Cristoviria a exercê-l o em sua vida, morte e ressurreição. Acompanhemos, pois, esse maravilhoso capítulo daHistória Sagrada. Detenhamo-nos na antiga Jerusal ém, e desfrutemos das bênçãos que o Pai Cel este, pormeio do Filho Amado, reservou-nos.

I. UMA HISTÓRIA SEM BIOGRAFIAComo biografar Melquisedeque? Apesar de sua grandeza teológica, quase nada temos acerca del e.

Na verdade, é uma história sem biografia. No entanto, sem esse misterioso personagem, as crônicas denossa redenção estariam incompletas.

1. Narrativa pequena, teologia grande. De forma admirável , o autor de Gênesis sumaria a história

de Melquisedeque em apenas três versículos: “Melquisedeque, rei de Sal ém, trouxe pão e vinho; erasacerdote do Deus Al tíssimo; abençoou el e a Abrão e disse: Bendito sej a Abrão pelo Deus Al tíssimo,

que possui os céus e a terra; e bendito sej a o Deus Al tíssimo, que entregou os teus adversários nas tuasmãos. E de tudo lhe deu Abrão o dízimo” (Gn 14.18-20).

Em menos de 60 pal avras, Moisés narra um dos capítulos mais gloriosos da Bíbl ia Sagrada. Naverdade, é uma história sem biografia, pois de Melquisedeque não temos a fil iação, nem a natural idade. ABíbl ia não lhe decl ina o nome dos pais, nem lhe revel a a cidade de origem. Sabemos apenas que el e erarei, sacerdote e profeta. Num texto j ornal ístico, não teríamos condições de responder, a contento, a estasperguntas: Quem? Quando? Onde? Como? E por quê? Não obstante, somos incapazes de mesurar-lhe agrandeza teológica.

Excetuando o Senhor Jesus Cristo, nenhum outro personagem da História Sagrada l ogrou exerceros três ofícios sagrados. Al iás, nem o próprio Moisés que, entre os profetas, foi o maior, gal gousemelhante honra. Embora fal asse face a face com o Senhor, o sacerdócio não lhe foi atribuído; caberia aseu irmão exercê-l o. Arão, porém, não foi rei, nem profeta. Quanto a Davi, foi rei e profeta; sacerdote,não. Melquisedeque, todavia, foi rei, sacerdote e profeta. Mesmo assim, sua biografia, de tão exígua, nãopode ao menos ser considerada como tal . Sua teologia, contudo, é tão grande que serviu para tipificar oMessias (Sl 110.4).

2. Rei de Salém. Devido à sua importância estratégica, Sal ém era a cidade mais importante e

cobiçável do Oriente Médio. Soldados e comerciantes eram obrigados a transitar por seus termos, querem suas viagens ao Oriente, quer em suas andanças ao Ocidente. E, dessa forma, refaziam-se na cidade deMelquisedeque.

Al i, detinham-se a ouvir o rei-sacerdote. Ninguém podia igual ar-se--l he à estatura intel ectual eteológica. Sem dúvida, o homem mais sábio daquel e tempo. Até os reis vinham prestar-lhe vênia. Nessesentido, era Melquisedeque o rei dos reis daquel a região. Conquanto não possuísse exército, suaautoridade moral e espiritual j amais era contestada. Al iás, Sal ém nem precisava de força armada, porqueera a capital da paz; em seus termos imperava a j ustiça divina.

3. Sacerdote do Altíssimo. A autoridade de Melquisedeque não residia propriamente em sua

real eza; fundamentava-se no ofício que exercia. Todos sabiam que, al i, na principal cidade da região,achava-se um homem de Deus. Por seu intermédio, os peregrinos consul tavam o Eterno. Até Abraão foi àsua procura, pois sabia que, espiritualmente, havia al guém superior a si. Em que consistia o sacerdócio deMelquisedeque? Não resta dúvida de que era diferente do l evítico. Este sobressaía-se pel as oferendascruentas; aquel e tinha como essência o sacrifício único e suficiente de Jesus que, na presciência divina, j aziavicariamente morto desde a fundação do mundo (Ap 13.8). Não podemos descartar, porém, a imolação deanimais, porque, desde Abel , cordeiros e novilhos eram oferecidos ao Senhor, prefigurando a morte doUnigênito.

Na Epístol a aos Hebreus, encontramos uma preciosa descrição do sacerdócio de Melquisedeque:“Porque este Melquisedeque, rei de Sal ém, sacerdote do Deus Al tíssimo, que saiu ao encontro de Abraão,quando vol tava da matança dos reis, e o abençoou, para o qual também Abraão separou o dízimo de tudo(primeiramente se interpreta rei de j ustiça, depois também é rei de Sal ém, ou sej a, rei de paz; sem pai, sem

Em menos de 60

palavras, Moisés narra um

dos capítulos mais gloriosos

da Bíblia Sagrada.

mãe, sem genealogia; que não teve princípio de dias, nem fim de existência, entretanto, feito semelhante aoFilho de Deus), permanece sacerdote perpetuamente. Considerai, pois, como era grande esse a quemAbraão, o patriarca, pagou o dízimo tirado dos melhores despoj os” (Hb 7.1-4). Tão superior era osacerdócio de Melquisedeque, que até mesmo a tribo de Levi, que se achava nos l ombos de Abraão,pagou-lhe os dízimos através do patriarca: “Ora, os que dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio têmmandamento de recolher, de acordo com a l ei, os dízimos do povo, ou sej a, dos seus irmãos, emboratenham estes descendido de Abraão; entretanto, aquel e cuj a genealogia não se inclui entre el es recebeudízimos de Abraão e abençoou o que tinha as promessas” (Hb 7.5-6).

4. Profeta do Senhor. Apregoando o conhecimento

divino, Melquisedeque precedeu Abraão no ministérioprofético que, doravante, seria exercido pel a nação hebreia. Orei de Sal ém preparou o caminho do patriarca, a fim de que esteviesse a l ançar as bases espirituais, morais e éticas do povo deIsrael . A teologia de Abraão era melquisedequiana. Antes edepois de Levi, faz-se presente na História da Sal vação.

Sem Melquisedeque, o ministério de Abraão seriaimpossível .

Foi como profeta que o rei de Sal ém abençoou o patriarca: “Bendito sej a Abrão pelo DeusAl tíssimo, que possui os céus e a terra; e bendito sej a o Deus Al tíssimo, que entregou os teus adversáriosnas tuas mãos” (Gn 19,20). À primeira vista, a bênção parece um enunciado sacerdotal . No entanto, temosaqui também uma alocução profética; real ça a importância messiânica de Abraão. Melquisedeque faz parteda comunidade profética que Deus mantinha antes e fora de Israel .

Entre esses homens il ustres, temos Jó, El iú, Jetro e os sábios que visitaram o menino Jesus.Embora não fossem israel itas, trabalharam para que a missão de Israel tivesse êxito. Bal aão também faziaparte dessa comunidade. Infel izmente, o filho de Beor deixou-se enganar pel as riquezas de Bal aque, vindoa perecer ao fio da espada (Nm 31.8).

5. Melquisedeque, agenealogatos. Melquisedeque era um homem de Deus, mas não era divino.

Embora sej a descrito como não tendo pai, nem mãe, nem genealogia, era tão humano quanto Abraão. Oque o autor sagrado quis destacar é que, devido à sua importância, sua fil iação e natural idade fizeram-seprescindíveis. El e não precisou de uma biografia para fazer história; sua atuação foi suficiente.

Se Abraão precisava de uma genealogia que o remetesse a Noé e a Adão, não carecia Melquisedequede um registro que o l igasse a um ancestral il ustre. O triplo ministério reportava-o, de imediato, ao Filhode Deus; seu ofício era eterno, como eterno é Jesus Cristo. Melquisedeque era um sacerdócio messiânico.Melquisedeque não era divino, mas como homem de Deus era singul ar. Não era eterno, mas transcendeuo tempo. Sacerdote, foi honrado como rei pelo amigo de Deus. Enfim, era el e um profeta, rei e sacerdoteem sua pl enitude.

II. ABRAÃO, O GENTIOQuando Deus intimou a Abraão a sair de Ur dos caldeus, era o patriarca tão gentio quanto eu e

você. Sem dúvida, foi o primeiro não israel ita a converter-se formal e historicamente. A partir daí, Deus osepara a uma tarefa, que haveria de mudar o perfil teológico, moral e ético do mundo. Sem el e, oCristianismo seria impossível .

1. Abraão, filho de Noé. Em Ur dos caldeus, o gentio Abrão, que mais tarde entrará para a

História Sagrada como Abraão, era um ben Noah. Um filho de Noé, como qualquer outro oriental .Oriundo da l inhagem de Sem, j á era agraciado por duas bem-aventuranças. Através de Noé, desfrutava dosfavores da al iança que l evou o Senhor a sal var o segundo patriarca universal das águas do Dilúvio (Gn6.18). E, por meio de Sem, detinha o concerto messiânico (Gn 9.26).

Quando de seu chamamento, Abraão não passava de um arameu atribul ado e sem muitasperspectivas. Pelo menos, assim professavam os israel itas, no Sinai, em sua peregrinação à Terra dePromissões: “Arameu prestes a perecer foi meu pai, e desceu para o Egito, e al i viveu como estrangeirocom pouca gente; e al i veio a ser nação grande, forte e numerosa” (Dt 26.5).

Mas, al i, em meio à idol atria que j á ameaçava a integridade da grande e diversificada famíl ia semita,ouve Abraão a chamada do Senhor: “Sai da tua terra, da tua parentel a e da casa de teu pai e vai para a terraque te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu umabênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditastodas as famíl ias da terra” (Gn 12.1-3).

2. Abraão, cidadão de Ur dos caldeus. Ur era uma das cidades-estado mais avançadas do Oriente

Médio. Local izada na antiga Suméria, ficava nas cercanias da atual Tel l el -Muqayyar, na provínciairaquiana de Dhi Qar. E, pl antada na foz do rio Eufrates, deveria ser deslumbrante e sedutora. Sel evarmos em conta a possível etimologia de seu nome, Ur era a cidade-luz de seu tempo. Uma Paris doOriente.

Nanna era a padroeira de Ur. Adorada como a deusa lunar, começava a subj ugar até mesmo osdescendentes de Sem, o filho mais piedoso de Noé. E, sendo el a também a deusa da fertil idade, l ançavaseus adoradores nos ritos mais devassos e l ibertinos. Prostituição e adul tério eram comuns em seustemplos. Mais tarde, el a seria adotada pelos gregos que lhe deram um nome mais afinado aos ouvidosocidentais: Afrodite.

Os romanos a conheceriam como Vênus. Dessa cidade evoluída economicamente, masespiritualmente tão involuída, Deus arranca Abraão. Ao ouvir a voz do Senhor, o patriarca deixa o cl ãpaterno e faz-se peregrino: “Partiu, pois, Abrão, como lho ordenara o SENHOR, e Ló foi com el e. TinhaAbrão setenta e cinco anos quando saiu de Harã. Levou Abrão consigo a Sarai, sua mulher, e a Ló, filhode seu irmão, e todos os bens que haviam adquirido, e as pessoas que lhes acresceram em Harã. Partirampara a terra de Canaã; e l á chegaram” (Gn 12.4,5).

3. Abraão, o peregrino. Ao deixar a sua cidade, Abraão não tinha um mapa detalhado da terra que

Quando Deus intimou

a Abraão a sair de Ur dos

caldeus, era o patriarca tão

gentio quanto eu e você.

l he daria o Senhor. Peregrinando em direção ao Ocidente, deteve-se por al gum tempo em Padã-Harã. Daí,andej a até Siquém. E, j unto aos carvalhais de Moré, o Senhor torna-lhe a promessa mais cl ara: “Darei àtua descendência esta terra” (Gn 12.7). Diante da promissão divina, o patriarca detém-se entre o já e oainda. Sim, a terra j á é del e; pertence j á aos seus descendentes. Todavia, ainda não é o tempo de a possuir.Seus descendentes terão de esperar mais quatro séculos até se apossarem do país onde mana l eite e mel .Agradecendo a Deus, Abraão crê; crendo, é j ustificado. Somente a fé opera semelhantes mil agres nocoração humano.

III. O ENCONTRO COM MELQUISEDEQUEEm Sal ém, dá-se um cul to completo ao Deus Al tíssimo. Abraão, recepcionado por

Melquisedeque, bendiz ao Senhor por uma grande vitória, participa da primeira Santa Ceia e l ouva aoEterno com os seus dízimos. E, diante do rei de Sodoma, real ça o testemunho irresistível de sua fé emDeus.

1. A crise anunciada. Ao separar-se de Abraão, seu tio,

muda-se Ló para a impenitente Sodoma. E, l á, segundodepreendemos do texto sagrado, veio a prosperar. Suainfluência sobre a cidade era mui considerável . Ló era umaespécie de j uiz universal (Gn 19.9). Todavia, j amais seconformou com a degradação moral da cidade. Diariamente,afl igia-se “pelo procedimento l ibertino daquel esinsubordinados” (2 Pe 2.7).

Sodoma, apesar de sua degenerescência moral , desfrutava de um admirável desenvol vimento sociale econômico. Por isso, era cobiçada pelos reinos da região. Certa vez, al guns desses régulos organizaram-se contra a cidade, conforme registra o autor sagrado: “Sucedeu naquel e tempo que Anrafel , rei de Sinar,Arioque, rei de El asar, Quedorl aomer, rei de El ão, e Tidal , rei de Goim, fizeram guerra contra Bera, reide Sodoma, contra Birsa, rei de Gomorra, contra Sinabe, rei de Admá, contra Semeber, rei de Zeboim, econtra o rei de Bel a (esta é Zoar)” (Gn 14.1,2).

Nesse investida, Quedorl aomer l eva o j usto Ló a um cativeiro incerto e cruel (Gn 14.12). 2. A vitória no campo de batalha. Ao saber que o sobrinho fora l evado cativo, Abraão não se fez

esperar. Arregimenta um exército entre os seus servos, e vai ao encal ço de Ló. Sua vitória é espetacul ar,segundo narra o Gênesis: “E, repartidos contra el es de noite, el e e os seus homens, feriu-os e os perseguiuaté Hobá, que fica à esquerda de Damasco” (Gn 14.15). Seus 318 homens derrotaram o exército maispoderoso da região. Um exército, al iás, que vinha de várias campanhas vitoriosas.

Abraão resgata não somente o sobrinho, como também os demais cativos de Quedorl aomer. Semdúvida, uma façanha bél ica. Um bando de pastores havia derrotado uma poderosa col igação. Comocel ebrar semelhante triunfo? Dirige-se, pois, o patriarca a Sal ém, onde j á o esperava Melquisedeque.

Agradecendo a Deus,

Abraão crê; crendo, é

justificado. Somente a fé

opera semelhantes milagres

no coração humano.

3. O encontro com o rei de Salém. Não sabemos se até aquel e momento, houvera al gum encontro

entre Abraão e Melquisedeque. De qualquer forma, não poderia haver ocasião mais propícia. Se havia umcul to públ ico e testemunhal a real izar, que Sal ém fosse o santuário. O ato de adoração ao Único eVerdadeiro Deus seria presenciado inclusive por Bera, rei de Sodoma.

Infel izmente, o sodomita não se deixaria enternecer pel a manifestação divina. Mais interessado emreaver os súditos, partiu de imediato à sua impenitente e j á condenada cidade-estado.

4. A santa ceia em Salém. O pão e o vinho faziam parte do cardápio oriental ; eram al imentos

básicos. Mas, agora, o pão e o vinho de Sal ém adquirem um caráter sacramental . A vitória do patriarca,portanto, será comemorada com uma ceia que se faz santa. Observemos como a narrativa sagrada descrevea cel ebração: “Melquisedeque, rei de Sal ém, trouxe pão e vinho; era sacerdote do Deus Al tíssimo” (Gn14.18). Observemos a precisão da narrativa bíbl ica. Melquisedeque traz pão e vinho a Abraão na qual idadede sacerdote, e não como rei de Sal ém. Era, pois, uma refeição sacramental , não um banquete oficial .Conclui-se que o pão e o vinho al i servidos j á prefiguravam o corpo e o sangue de Cristo. Levemos emconta, também, que o sacerdócio de Melquisedeque era superior ao de Levi, porquanto messiânico, eternoe universal . O que isso significa? Acima de tudo, que o pão e o vinho, naquel e momento, eram maisadequados do que um cordeiro.

5. Abraão dá os dízimos a Melquisedeque. Após a refeição sacramental , Melquisedeque abençoa

Abraão. Dessa forma, o sacerdote do Deus Al tíssimo agracia o patriarca hebreu: “Bendito sej a Abrão peloDeus Al tíssimo, que possui os céus e a terra; e bendito sej a o Deus Al tíssimo, que entregou os teusadversários nas tuas mãos” (Gn 14.19,29). Nesse evento, Abraão era ainda Abrão. Mas l ogo seria el e nãoapenas um grande pai, mas o pai espiritual de todos os crentes, quer hebreus, quer gentios.

Já no encerramento do cul to, Abraão serve a Deus comos seus dízimos. Ao rei de Sal ém, entrega o melhor de seushaveres (Gn 14.20). Tão l iberal mostrou-se o patriarca que,al ém de não aceitar a oferta de Bera, rei de Sodoma, fez questãode externar materialmente o que, espiritualmente, haviarecebido. Até mesmo dos despoj os de guerra que estavam emseu poder, deu el e o dízimo (Hb 7.4).

Na verdade, Abraão nenhum despoj o quis para si, masdesse mesmo despoj o pagou o dízimo ao Senhor pel a mão deMelquisedeque.

CONCLUSÃOAbraão encontrou-se com Melquisedeque, e foi espiritual e teologicamente edificado. Em Sal ém,

teve uma visão mais cl ara de seu chamamento. Sabia, agora, que a sua missão ia al ém do tempo; era eterna.

Nele, seriam abençoadas todas as nações da terra por intermédio de Jesus Cristo, seu mais il ustredescendente.

Hoj e, através de Cristo, é-nos facul tada a entrada ao trono da graça. E, agora, podemos adentrarnão a Sal ém terrena, mas a Jerusal ém Cel este, cuj o arquiteto e construtor é o próprio Deus.

Capítulo 12

ISAQUE, O SORRISO DE UMA PROMESSA

INTRODUÇÃO À primeira vista, Isaque parece retraído e tímido. Ao contrário do pai, Abraão, e do filho, Jacó, sua

vida não é marcada por grandes eventos. Não teve de peregrinar ao Neguebe, nem refugiar-se al ém doNilo. Limitando-se a andej ar por Canaã, al i armou suas tendas, criou Esaú e Jacó, mul tipl icou os haveresda famíl ia e também, al i, ergueu al tares ao Senhor. El e, porém, viria a destacar-se por uma fé singul ar eperfeita no Deus das al ianças e pactos eternos.

Embora patriarca, Isaque entrou para a História Sagrada como o filho da promessa, pois chegara àtenda de Abraão, quando este j á tinha 100 anos, e Sara, 90. Seu nascimento l evou os pais a rirem daquel aespera que, ignorando os l imites da biologia, evidenciou a intervenção do Autor da vida. El e nasceu doventre amortecido de Sara e do corpo envelhecido de Abraão. Sim, havia motivos para sorrir doaparecimento serôdio de Isaque.

Neste capítulo, acompanhemos al guns episódios que marcaram a vida do segundo patriarca doshebreus. Veremos que aquel e homem de pouquíssimas e reservadas pal avras deixou-nos um eloquentetestemunho de fé e temor a Deus. No campo da fé, nem sempre as pal avras dizem muito; as ações, porém,revel am a intervenção divina em cada passo de nossa j ornada a caminho de Sião.

I. O HERDEIRO QUE NÃO VINHAJá se haviam passado 24 anos, desde que Abraão saíra de Ur dos Caldeus. E, apesar da promessa

que o Senhor lhe fizera quanto à posse das terras de Canaã, o patriarca continuava sem herdeiro. El e j áestava com 99 anos, e Sara beirando à casa dos 90. Numa idade tão avançada, teriam el es ainda o prazer deembal ar o próprio filho? Em breve haveriam de constatar que, para Deus, não há impossível .

1. A promessa de um herdeiro. Num momento de conj ecturas, o Senhor aparece a Abraão, nos

carvalhais de Manre, e promete-lhe que, passado um ano, Sara dar-lhe-á um filho (Gn 18.10). Ao ouvir apromessa, ri-se a mulher que, ainda formosa, j á entrara na menopausa e cuj o útero j azia emurchecido.El a j á não possuía a vital idade, nem o frescor requeridos por uma mulher que almej a ser mãe.

No campo da fé, nem

sempre as palavras dizem

muito; as ações, porém,

revelam a intervenção divina

em cada passo de nossa

jornada a caminho de Sião.

Repreendida pelo Eterno, ouve uma pergunta que, cl aramente, vinha ao encontro de suadesesperança: “Acaso, para o Senhor há coisa demasiadamente difícil ?” (Gn 18.14). Portanto, Sara j á nãoteria de esperar para usufruir as al egrias da maternidade. Agora grávida, a promessa cumpre-se na gestaçãode seu unigênito.

2. O nascimento do herdeiro. No tempo apontado pelo Senhor, eis que Sara dá à luz o herdeiro

de Abraão. Na tenda do patriarca, ouve--se, agora, o choro do filho da promessa, através do qual viriamheróis, reis e o próprio Cristo (Mt 1.1,2). Ao embal ar o filhinho, el a desvanece: “Quem diria a Abraãoque Sara daria de mamar a filhos, porque lhe dei um filho na sua velhice?” (Gn 21.7).

Sara não sorrira quando da anunciação do menino? Pois este chamar-se-á Isaque que, na l ínguahebraica, significa “riso”.

Quanto à velhice de Abraão e de Sara, não nos esqueçamos de que, naquel e tempo, as pessoas aindaeram longevas. Lendo-se o capítulo 11 de Gênesis, verifica-se que, a partir de Sem, que viveu 500 anos, alongevidade humana vai gradativamente caindo (Gn 11.11). No final do texto, a idade dos avoengos deAbraão j á não ia al ém dos 200 anos. Mesmo assim, o aspecto de um homem de 100 anos, e de umamulher, com 90, naquel a época, não era nem senil , nem decrépito. Haj a vista que Sara, embora haj asaído de Ur, aos 65 anos, era de uma bel eza estonteante e ainda não havia chegado à menopausa. A espéciehumana, porém, j á começava a sentir as condições ecológicas e cl imáticas devido ao Dilúvio. Se a idadedos filhos de Adão era contada em séculos, a dos descendentes de Noé será computada em décadas (Gn5.27; Sl 90,10).

3. A circuncisão do herdeiro. Abraão circuncidou

Isaque, quando este completou oito dias de vida (Gn 21.4). Foio primeiro bebê varão da l inhagem hebreia a receber acircuncisão de acordo com o pacto que o Senhor estabel eceracom o patriarca (Gn 17.10-12). O ato reafirmou a continuidadeda chamada patriarcal , que seria caracterizada mais fortementeem Jacó, pai dos 12 patriarcas.

Circuncidado, Isaque era inserido l iturgicamente nafamíl ia da promessa. A partir daquel e momento, o probl emasucessório de Abraão estava resol vido; seu filho dar-lhe-iacontinuidade à comunidade da fé monoteística que, apregoandouma ética superior, mudaria a história do mundo.

4. O desmame de Isaque. Se a circuncisão de Isaque foi motivo de al egria e riso, o que se poderia

esperar de seu desmame? No Oriente Médio, a criança era desmamada aos três anos. O acontecimento foimarcado por um grande banquete (Gn 21.8). Afinal , o filho da promessa deixava de ser bebê; doravante,seria olhado por todos como o homenzinho da famíl ia.

A cel ebração, entretanto, teria o brilho esmaecido pelo mau comportamento de Ismael que, nessa

época, j á era um adol escente de 14 anos. E isso deixaria Sara muito aborrecida.

II. ISAQUE E ISMAELSe Isaque era o filho da promessa, Ismael estava al i na conta do filho da desesperança e do arranj o

carnal . Por isso, o filho de Abraão com Agar, sentindo-se enciumado com a chegada do meio-irmão, põe-se a zombar del e. A situação faz-se tão insustentável que Sara, irritada e incontida, roga ao esposo: “Deitafora esta serva e o seu filho; porque o filho desta serva não herdará com meu filho, com Isaque” (Gn21.10).

1. A despedida de Sara e Agar. O desej o da esposa pareceu duro e desumano a Abraão. O Senhor,

porém, acalmou-lhe o espírito: “Não te pareça isso mal por causa do moço e por causa da tua serva;atende a Sara em tudo o que el a te disser; porque por Isaque será chamada a tua descendência” (Gn 21.12).Em seguida, o bondoso Deus reafirma sua bênção sobre Ismael , pois este também era filho de Abraão:“Mas também do filho da serva farei uma grande nação, por ser el e teu descendente” (Gn 21.13).

Deus tinha tudo sob control e. Não permitiria que a sua serva, Agar, viesse a perecer com o filho. E,diferentemente do que haveria de acontecer entre Esaú e Jacó, tanto Isaque quanto Ismael seriamabençoados. A bênção messiânica, porém, caberia exclusivamente ao filho da promessa.

2. A despedida de Ismael. Ao despedir Agar e Ismael , deu-lhes Abraão tão somente um pedaço de

pão e um odre de água (Gn 21.14). O que era isso para uma j ornada num deserto sem fronteiras ecausticante? Acrescente-se, ainda, que mãe e filho não tinham para onde ir. Naquel e instante, dependiamunicamente da providência divina.

Já bebida a água, Agar deita o filho agonizante e afasta-se para não lhe ver a morte (Gn 21.15,16). Masneste momento, brada-lhe o Senhor através de seu anj o: “Que tens, Agar? Não temas, porque Deus ouviua voz do rapaz desde o lugar onde está” (Gn 21.17). Deus j amais nos fal ta com a sua presença. Bastaconfiarmos em seus cuidados, e a sua proteção far-se-á presente.

Ao abrir os olhos, Agar vê uma fonte em pl eno deserto (Gn 21.19). Portanto, não se desespere.Ainda que as suas lutas mostrem-se renhidas e cruéis, sempre haverá um manancial no deserto. Jesus é aágua da vida.

3. A bênção de Ismael. Em seguida, diz-l he o anj o: “Ergue-te, l evanta o moço e pega-o pel a mão,

porque del e farei uma grande nação” (Gn 21.18). O mensageiro cel este reafirma a Agar a promessa que oSenhor fizera a Abraão (Gn 17.20; 21.13). O que parecia morte faz-se vida; o que era maldição torna-segrande bênção. Como está o seu filho? Não o deixe caído. Tome-o pel a mão. Erga-o a uma vida detriunfos.

Mais adiante, o autor sagrado mostra os êxitos e façanhas de Ismael . Deus era com o menino. El ecresceu, fez-se hábil arqueiro e passou a morar no deserto. Obediente à mãe, aceitou de bom grado aesposa que Agar fora buscar-lhe no Egito (Gn 21.20,21). Ismael gerou doze príncipes que, espalhando-se

pel a região da Arábia, fundaram reinos e nações.

III. O APRENDIZADO EM MORIÁQue o Senhor queria provar Abraão, em Moriá, não há dúvida. Todavia, era sua intenção, também,

l evar o j ovem Isaque a um encontro pessoal e experimental com o Deus de seu pai. Naquel e monte ermoe distante da tenda materna, o menino defrontar-se-á com uma nova fronteira no campo do conhecimentodivino.

1. A provação das provações. Certa noite, o Senhor ordenou a Abraão: “Toma agora o teu filho, o

teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; e oferece-o al i em holocausto sobre umadas montanhas, que eu te direi” (Gn 22.2). Na manhã seguinte, madrugada ainda, o patriarca conduz ofilho amado ao sacrifício supremo.

O patriarca, todavia, tinha absoluta certeza de que retornaria do Moriá com o filho, pois aos servos,ordenara cl aramente: “Ficai-vos aqui com o j umento, e eu e o moço iremos até al i; e, havendo adorado,tornaremos a vós” (Gn 22.5; Hb 11.17-19).

Como bom teólogo, sabia Abraão que, mesmo que viesse a sacrificar o filho, tê-l o-ia de vol ta,porque Deus lho havia prometido. Por isso, escreve o autor da Epístol a aos Hebreus: “Pel a fé, Abraão,quando posto à prova, ofereceu Isaque; estava mesmo para sacrificar o seu unigênito aquel e que acolheual egremente as promessas, a quem se tinha dito: Em Isaque será chamada a tua descendência; porqueconsiderou que Deus era poderoso até para ressuscitá-l o dentre os mortos, de onde também,figuradamente, o recobrou” (Hb 11.18-20).

Abraão, pois, escalou o Moriá com serenidade e confiança. Sabia que, apesar do que viesse aocorrer naquel e monte, Deus lhe reaveria o filho, pois a promessa não podia ser revogada: em Isaqueseria reconhecida a sua descendência. Mas, como estaria o coração do j ovenzinho? Em que condiçõesemocionais chegaria ao cume da provação?

2. O aprendizado teológico de Isaque. A primeira l ição de teologia que Abraão ensina ao filho é,

embora básica, fundamental e colunar: Deus proverá todas as coisas (Gn 22.8). Por essa razão, semnenhum temor, deita-se e deixa-se amarrar, pelo pai, ao al tar do holocausto (Gn 22.9). El e sabe que, nomomento certo, o Senhor haverá de intervir, como de fato, interveio. Isaque também ouve o bradar do céu,contempla o cordeiro vicário e, atento, escuta o Anj o do Senhor chancel ar ao pai as bênçãos quanto aosdias futuros.

E, assim, na companhia de Abraão, desce um Isaque mais confiante nas providências divinas. Antes,conhecia a Deus somente por ouvir. Agora, j á está preparado a enfrentar os desafios de l ongas e árduasperegrinações. O Deus de Abraão é também o Deus de Isaque. Se ao escal ar o Moriá, o seu monoteísmoera apenas teórico, ao descer, sua crença no Deus Único e Verdadeiro é atuantes e prática.

Como bom teólogo,

sabia Abraão que, mesmo

que viesse a sacrificar o

filho, tê-lo-ia de volta,

porque Deus lho havia

prometido.

IV. UMA NOIVA PARA ISAQUEIsaque bem que poderia haver tomado uma das j ovens daquel a terra por esposa. Entretanto, el e

não se enganava com as cananeias. Idól atras e l ascivas, davam-se aos pecados mais grosseiros. Muitasdel as, encerradas em templos pagãos, entregavam-se à prostituição ritual ; em nada diferiam das rameirasque circul avam por Jericó. Como haveria el e, pois, de esposar uma idól atra? Isaque, porém, estavatranquilo, pois aprendera a confiar no Deus que tudo provê.

1. Operação Rebeca. Sabendo que Isaque era um homem espiritual e sel etivo, Abraão encarrega seu

mais antigo servo de buscar-lhe uma esposa na Mesopotâmia (Gn 24.1-7). A j ornada seria l onga,estressante e cerceada de perigos. Mas o patriarca sabia que, em sua parentel a, ainda havia uma reservaespiritual e ética; não eram poucos os que serviam ao Senhor.

Na cidade de Naor, o mordomo ora ao Eterno: “Sej a, pois, que a donzel a a quem eu disser: abaixaagora o teu cântaro para que eu beba; e el a disser: Bebe, e também darei de beber aos teus camelos, estasej a a quem designaste ao teu servo Isaque” (Gn 24.14).

A moça que assim procedesse revel aria as seguintes virtudes: espiritual idade, gentil eza, respeito,disposição e amor ao trabalho. Eis que aparece Rebeca, virgem bel a e formosa, preenchendo todos osrequisitos.

Embora a j ovem tivesse criadas e servas, não fugia aotrabalho. Em pl eno calor do dia, saiu a buscar água. E, quandosol icitada, gentilmente deu de beber não somente ao servo deAbraão, mas a toda sua cáfil a. Em seguida, conduz a comitiva àcasa, onde Labão, seu irmão, oferece-lhes uma calorosaacolhida. Seu amor e serviço foram al ém da expectativa domordomo do patriarca.

Com tantos atributos, Rebeca não teria dificuldades emassumir a tenda patriarcal , pois a mãe de seu futuro esposo j áera morta. A j ovem mostrava-se, em tudo, uma autêntica servado Deus de Abraão e Isaque.

2. O casamento de Isaque e Rebeca. O encontro de Isaque com Rebeca não poderia ser mais

espiritual e romântico. El e saíra a orar, à tarde, quando avistou a j ovem ornando-lhe a comitiva. Depoisde ouvir com atenção o servo do pai, el e a conduz à tenda da mãe, e a toma por mulher (Gn 24.67).

Tão grande era o carinho entre os cônj uges, que não havia como negar que Isaque e Rebeca fossemcasados. Certa vez, ao peregrinar em Gerar, disse aos homens daquel e reino, imitando o pai, que a esposa,na verdade, era sua irmã. O rei, todavia, não demorou a surpreendê-l o acariciando a mulher (Gn 26.8,9).Tal intimidade, concluiu l ogo Abimel eque, não era coisa de irmãos, mas de gente casada.

V. OS FILHOS DE ISAQUE

Embora apaixonados e românticos, a fel icidade de Isaque e Rebeca ainda não era completa. El a, àsemelhança de Sara, era estéril . Como, pois, se haveria o casal sem filhos?

1. A oração por um filho. Ao invés de arranj ar um herdeiro através de um ventre escravo, como

haviam feito seus pais, Isaque foi buscar a aj uda de Deus. El e “orou insistentemente ao Senhor por suamulher” (Gn 25.21). E a sua oração foi de pronto respondida.

Isaque confiou no Deus que lhe proviera a esposa e, agora, há de prover-lhe também o herdeiro dapromessa. Através da fé, aprendera a agir no terreno do impossível .

2. Esaú e Jacó. Já grávida de gêmeos, assustou-se Rebeca com o comportamento dos filhos. Em seu

ventre, os bebês lutavam, numa antecipação profética do que seriam el es no futuro. Diz, então, o Senhor àmãe atribul ada e inconsol ável : “Duas nações há no teu ventre, dois povos, nascidos de ti, se dividirão: umpovo será mais forte que o outro, e o mais velho servirá ao mais moço” (Gn 25.23).

Esaú, o primogênito, veio à luz coberto de pelos. Jacó, por seu turno, chegou l iso e agarrado aocal canhar do irmão. A história de ambos seria marcada por confl itos, inimizades e guerras. O primeirofez-se perito caçador. O segundo, homem pacato e refl exivo, aconchegava-se à tenda da mãe.

Não demorou para que Esaú revel asse toda a sua profanidade e menosprezo às coisas de Deus.Certo dia, apertado pel a fome, vendeu a Jacó a sua primogenitura por um prato de l entilhas. Enquantoisso, ia Jacó, influenciado pelos conselhos maternos, fundamentando-se na fé professada por Abraão eIsaque.

3. Isaque abençoa os filhos. Vendo-se envelhecido e turvado de olhos, buscou Isaque resol ver, de

vez, o probl ema sucessório da famíl ia. Chamando Esaú, diz-l he: “Agora, pois, toma as tuas armas, a tuaal j ava e o teu arco, sai ao campo, e apanha para mim al guma caça, e faze-me uma comida saborosa, comoeu aprecio, e traze-ma, para que eu coma e te abençoe antes que eu morra” (Gn 27.3,4).

Ao ouvir o diálogo do esposo com o primogênito, Rebeca trata de instruir o caçul a a roubar abênção do irmão.

Relutante a princípio, aproxima-se Jacó, fingindo ser Esaú. O pai, que j á não enxergava comdistinção, enganado, abençoa profeticamente o enganador: “Deus te dê do orvalho do céu, e da exuberânciada terra, e fartura de trigo e de mosto. Sirvam-te povos, e nações te reverenciem; sê senhor de teus irmãos,e os filhos de tua mãe se encurvem a ti; maldito sej a o que te amaldiçoar, e abençoado o que te abençoar”(Gn 27.28,29).

Já abençoado, Jacó deixa a tenda paterna. Em seguida, entra Esaú. O que pode fazer o velho Isaque?Profeta e bom teólogo, sabe que as pal avras que proferira ao filho mais novo eram, na verdade, pal avrasde Deus. Jacó, pois, seria abençoado. Quanto a Esaú, restava o choro amargo de quem sempre desprezarao conhecimento divino, conforme escreve o autor da Epístol a aos Hebreus: “Nem haj a al gum impuro ouprofano, como foi Esaú, o qual , por um repasto, vendeu o seu direito de primogenitura. Pois sabeistambém que, posteriormente, querendo herdar a bênção, foi rej eitado, pois não achou lugar dearrependimento, embora, com l ágrimas, o tivesse buscado” (Hb 12.16,17).

Isaque confiou no

Deus que lhe proviera a

esposa e, agora, há de prover-

lhe também o herdeiro da

promessa.

CONCLUSÃODeus abençoou de tal forma a Isaque, que el e veio a tornar-se mais poderoso que os reis cananeus.

Era temido, inclusive, por Abimel eque, soberano de Gerar. Aos olhos dos gentios, al i estava um homemque sabia como desfrutar dos favores divinos. Isaque era um príncipe de Deus. Tudo o que fazia vinha aprosperar. Seu gado mul tipl icava-se e sua l avoura vingava até mesmo em terras inférteis.

Enfim, Isaque era o bendito do Senhor.O epílogo de sua vida é descrito não com pal avras de

condol ência, mas com vocábulos que descrevem orecolhimento dos j ustos e íntegros: “Foram os dias de Isaquecento e oitenta anos. Velho e farto de dias, expirou Isaque emorreu, sendo recolhido ao seu povo; e Esaú e Jacó, seusfilhos, o sepul taram” (Gn 35.28.29).

A vida de Isaque inspira-nos a ter uma fé mais ativa nasprovidências divinas. Quando, pois, formos assal tados pordificuldades e provações, não caiamos no desespero, nemquestionemos as intervenções do amoroso Deus. Humildes ehumilhados, caiamos aos seus pés, pois el e nos provê o necessário para termos uma vida abundante ebem-aventurada em seus caminhos.

Que o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó sej a eternamente l ouvado.

Capítulo 13

JOSÉ, A REALIDADE DE UM SONHO

INTRODUÇÃO Vim a concluir, ainda adol escente, que romance al gum é comparável à história de José. O autor

sagrado não precisou sequer de 13 capítulos para compendiar a epopeia do j ovem hebreu que, vendidocomo escravo pelos irmãos, veio a ocupar a governança do Egito. Todas as vezes que me deparo com essanarrativa, l ouvo a Deus, pois El e continua a intervir na biografia de cada um de seus filhos.

Acompanhemos a traj etória de José. Em sua carreira, não vemos apenas o sucesso tão comum aosgrandes homens. Testemunhamos, acima de tudo, a excel ência que l eva os heróis da fé a fazerem diferençana crônica de seus povos e do próprio mundo.

I. A HISTÓRIA DE JOSÉA história de José mescl a-se à de Jacó. Numa transição bel a e sutil , Moisés introduz o j ovenzinho

hebreu no cenário sagrado: “Esta é a história de Jacó. Tendo José dezessete anos, apascentava os rebanhoscom seus irmãos; sendo ainda j ovem, acompanhava os filhos de Bil a e os filhos de Zilpa, mulheres deseu pai; e trazia más notícias del es a seu pai” (Gn 37.2).

Logo de início, o autor de Gênesis faz questão de ressal tar a espiritual idade e a ética do futurogovernador do Egito. Qual idades estas, al iás, que lhe seriam imprescindíveis no futuro.

1. Um patriarca sacerdotal e profético. Dos patriarcas que deram origem às doze tribos, José foi o

único a ser agraciado com o dom profético que tão bem distinguira Abraão, Isaque e Jacó, seu pai. José,porém, estava para receber, do Senhor, uma revel ação ainda mais refinada e teológica. El e não apenassonharia profeticamente, como profeticamente interpretaria os sonhos que em breve ouviria.

No epílogo de sua vida, revel aria aos irmãos que os hebreus não haveriam de permanecer em soloegípcio. Mas que, visitados pelo Senhor, subiriam à Terra Prometida. José exerceu um ofício simil ar ao deDaniel . Sábios e entendidos em sonhos, foram ambos santificados a estar j unto aos poderosos, a fim detestemunhar do Todo-Poderoso.

2. Um adolescente de elevada ética. José nunca comungou com os desvios morais dos irmãos.Mesmo arriscando-se às mais duras e inesperadas represál ias, del atava-os ao seu velho pai. Em suadel ação, não havia prêmio al gum; apenas dissabores havia. Entretanto, agindo de forma tão íntegra,adestrava-se a viver no pal ácio do Faraó, onde a corrupção fazia parte dos protocolos, ritos e l iturgiasoficiais.

A Bíbl ia não detalha os mal feitos dos irmãos de José. Mas dá a entender que eram atos condenáveise repugnantes aos olhos de Jacó. Se o j usto Deus os separara para ser a comunidade ética por excel ência,por que não andavam el es de acordo com a j ustiça divina?

A integridade deve ser cul tivada na infância, para que fl oresça na adol escência e frutifique navelhice. Que os nossos pol íticos aprendam essa l ição com o j ovem hebreu.

II. A FORMAÇÃO DE JOSÉ NA CASA PATERNADos 17 aos 30 anos, José teria um longo aprendizado. Sua formação dá-se de forma gradual , l enta

e, muitas vezes, dolorosa. Na casa paterna, aprenderá, al ém da teologia de Abraão, val iosos princípios deadministração e economia com o velho pai, Jacó. Em todas as matérias, mostra-se excel ente aprendiz.

1. Formação teológica. A formação teológica de José dá-se no cotidiano da casa paterna, no

pastoreio do gado e no amanho do solo. Afeito às narrativas e proposições de Jacó, sabia muito bem porque Deus chamara Abraão àquel as terras. Portanto, havia um propósito supremo à sua famíl ia: aconstituição de um povo profético, sacerdotal e real . Um povo, al iás, que mudaria a História Universalatravés do Messias.

El e conhecia as peregrinações do avô. E, dos l ábios do pai, ouvira como Deus comunga com osseus servos. Logo, el e não teria de subir ao Céu para conhecer o Eterno, pois o Eterno j á havia descido àTerra, para fazer-se conhecido pelos que o amam. Experimentalmente, pois, vai o Senhor inserindo oj ovenzinho na comunidade profética do primitivo Israel . José é paciente e refl exivo. Não l eva em conta asmaldades dos irmãos. El e sabe que, num futuro não muito distante, darão el es origem a um poderosoreino de profetas, sacerdotes e reis. Al ém do mais, Deus está no control e de suas agruras, tribul ações eprovas. Por esse motivo, tudo crê e tudo suporta; em seu coração, o amor é perfeito.

2. Formação administrativa. Jacó não ignorava a complexa economia de Canaã e do Egito.

Havendo-se com eficácia na administração do patrimônio famil iar, mul tipl icara-o sobremaneira,escapando diversas vezes às garras de Labão. Tais l ições, fez questão de repassar a José. E, pelo contexto daHistória Sagrada, o filho fez-se tão excel ente quanto o pai. Deus o preparava, assim, a administrar a casa dePotifar, o presídio de Faraó e, finalmente, o império todo do Egito.

Conhecendo o Deus dos antigos e j á dominando os fundamentos da economia e da administração,o que mais fal ta a José? Agora, el e j á pode sonhar. Sim, el e j á está preparado a receber os sonhos que, embreve, lhe dará o Senhor.

José nunca comungou

com os desvios morais dos

irmãos.

3. O primeiro sonho. Certa vez, José teve um sonho. E, l ogo ao amanhecer, rel atou-o aos irmãos:“Atávamos feixes no campo, e eis que o meu feixe se l evantou e ficou em pé; e os vossos feixes o rodeavam ese incl inavam perante o meu” (Gn 37.7). Tratava-se de um sonho campesino e rural . Refl etindo o dia a diado sonhador e dos sonhados, aparentemente nada tinha de especial . De certa forma, até refl etia a fainadaquel a gente obreira e madrugadora. Todos foram cientificados, porém, que se tratava de um aviso divino.

Por ocasião da ceifa, tanto José quanto seus irmãos colhiam o trigo, amarrando-o em feixes. Então,por que só o molho de José pôs em pé? A resposta só pode ser uma: o de José era recolhido comexcel ência e com excel ência, amarrado. Quanto aos outros, eram colhidos por obrigação e por meraobrigação, enfeixados. Portanto, o que busca a excel ência em seu trabalho, j amais ficará prostrado. Ante osonho de José, a hermenêutica de seus irmãos l ogo se aguçou. Já tomados de invej a, perguntaram-lhe:“Reinarás, com efeito, sobre nós? E sobre nós dominarás realmente?” (Gn 37.8). E, com isso, o ódio pelocaçul a fazia-se incontrol ável .

4. O segundo sonho. Quem amarra bem os seus feixes, sempre acaba por sonhar com al go mais

el evado. Foi o que aconteceu a José. Ouçamos-lhe o rel ato do segundo sonho: “Sonhei também que o sol ,a l ua e onze estrel as se incl inavam perante mim” (Gn 37.9). Interessante, o primeiro sonho era rural ; osegundo, astronômico. De qualquer forma, como mais adiante veremos, havia copiosas bênçãos tanto aJosé quanto à sua famíl ia. Mas, naquel e momento, todos se perturbam.

O velho Jacó, colocando-se como o sol da famíl ia, intervém de pronto: “Que sonho é esse quetiveste? Acaso, viremos, eu e tua mãe e teus irmãos, a incl inar-nos perante ti em terra?” (Gn 37.10). Nãoobstante, o pai guarda o rel ato no coração. O que Deus reservava a José, em particul ar, e à famíl ia, comoum todo? Quanto aos irmãos, passaram a devotar-lhe um ódio ainda mais nocivo e mortal . Por que ocaçul a e não o primogênito? Deixemos isso por conta da soberania divina.

Se a invej a não os tivesse cegado, haveriam de concluirque Deus não favorecia apenas José. No primeiro sonho,ninguém ficava sem o seu feixe; todos eram abençoadosigualmente com o seu molho. Quanto ao segundo sonho, abênção col etiva era ainda maior. Ninguém perdia o seu brilho.O sol respl andecia com a força de um rei. A lua com a grinaldaduma rainha. As doze estrel as? Cada uma del as distinguia-secom uma glória particul ar. Judá respl endia com o Cristo. Rubem, com a primogenitura. Levi, com osacerdócio. Enfim, ninguém deixava de brilhar. Então, por que tanto ódio contra José?

El es não souberam como aval iar o adol escente que Deus santificara para governar o mais poderosoimpério daquel e tempo. Através de José, todo o Israel seria sal vo.

III. O PREÇO DE UM JOVEMComo destruir um sonho? Para os irmãos de José, só havia uma resposta pl ausível : destruindo o

sonhador. Foi o que intentaram ao j ogá-l o num poço na erma e abandonada Dotã.

Quem amarra bem os

seus feixes, sempre acaba por

sonhar com algo mais

elevado.

1. A conspiração contra José. A conspiração para matar José foi muito bem amarrada. El es só não

l evaram o intento adiante, porque Judá, o mais aj uizado del es, propôs-lhes: “De que nos aproveita mataro nosso irmão e esconder-lhe o sangue? Vinde, vendamo-lo aos ismael itas; não ponhamos sobre el e amão, pois é nosso irmão e nossa carne” (Gn 37.26,27). Então, que o tal sonhoso sej a vendido. Todavia,quanto val e José? Aos olhos de seus irmãos, meros 20 siclos de prata; menos de um mês de trabalho. Foio valor que receberam daquel es mercadores que, de quando em quando, atravessavam a região. O negóciopareceu-lhes ótimo. Al ém de se l ivrarem dos sonhamentos e sonhanças do irmão, obteriam um lucroamaciado e fácil . A fim de expl icar o desaparecimento do irmão ao pai, mostraram-lhe a túnica de Josémanchada com o sangue de um bode. Hipócritas e corruptos. Al ém de mentir, desfal caram o rebanho deJacó. Bem diria o Salmista que um abismo sempre acaba por chamar outro abismo. Não bastasse tamanhapresepada, enlutam-se e põem-se a consol ar o inconsol ável patriarca.

2. Potifar compra José. Já cativo dos ismael itas, José é

l evado ao Egito. Jornada l onga e árdua. O Sinai não tem fim.São quase 300 quilômetros de andanças, canseiras, incertezas ereceios. O que o espera na terra do Faraó? Os mercadorestratam-no com rispidez e trucul ência. Para el es, o hebreu nãopassa de mero artigo. Desalmados caixeiros-viaj antes.

No Egito, os ismael itas expõem o caçul a de Jacó numamplo e concorrido mercado. Ei-l o al i em meio a outroscativos, animais e mercadorias. Os interessados passam, examinam-nos e veem-lhe os dentes. Sim, nacompra de um escravo, a arcada dentária é revel adora. Se por um l ado, denota saúde, por outro, conotaenfermidade. Por isso, cada escravo tem de ser examinado com rigoroso cuidado.

Ao ver o hebreu, Potifar agrada-se del e. Al i estava um j ovem forte, saudável e que soubera comoresistir ao Sinai. Enfim, um servo perfeito às tarefas de casa e às l ides do campo. Não bastasse, era bonitoe de bel a aparência. Acertado o valor, o oficial do Faraó conclui l ogo o negócio. O preço de José foi nadamódico. Levemos em conta, ainda, as despesas que os mercadores tiveram com o escravo na viagem entreCanaã e o Egito. Sabemos por quanto el e fora vendido, mas ignoramos por quanto foi comprado. Nemsempre o preço de um homem é revel ado.

IV. A FORMAÇÃO DE JOSÉ NA CASA DE POTIFARNa casa paterna, José aprendera teologia, administração e economia. Agora, na casa de Potifar, dará

continuidade à sua formação espiritual , moral e cul tural . Informalmente, estudará a l íngua demótica,finanças egípcias e ética. O curso não é à distância, mas doloroso, estressante e presencial .

1. A língua demótica. Para um fal ante do hebraico, era nada fácil compreender a estrutura

gramatical , morfológica e fonética da antiga l íngua egípcia. Oriunda do ramo afro-asiático, possuía

idiotismos e l ocuções que nenhum sentido faziam aos semitas e indo-europeus. Era como aprender obasco ou o chinês.

O egípcio fal ado na casa de Potifar era o demótico: a l íngua do povo. Sua escrita, contudo, estavalonge de ser popul ar. Formada por ideogramas complexamente arranj ados, era difícil até aos fal antesnaturais. José, porém, não se agasta com o novo idioma. Em pouco tempo, estava el e comunicando-seperfeitamente com seus amos e conservos. Sua discipl ina era l ouvável .

2. Finanças. José, agora, terá de por em prática os princípios de economia que lhe ensinara o pai

tanto na administração da casa quanto na da fazenda de Potifar. O desafio é grande; espera-o uma novareal idade financeira e fiscal .

Seu aprendizado surpreende de tal forma o seu senhor, que o coloca à testa de todos os seusnegócios. Eis o testemunho que lhe dá o autor sagrado: “Potifar tudo o que tinha confiou às mãos de José,de maneira que, tendo-o por mordomo, de nada sabia, al ém do pão com que se al imentava. José eraformoso de porte e de aparência” (Gn 39.6).

3. Ética, a dolorosa lição. José era um homem bonito; seu porte, belo e imperial . Em Canaã,

perseguia-o a invej a. No Egito, assedia-o a cobiça. Desta vez, terá de enfrentar as investidas da mulher dePotifar. Mas, provado moralmente, eticamente censura o comportamento da patroa: “Como, pois,cometeria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus?” (Gn 39.9).

José era orientado por uma ética superior. Conquanto não houvesse mandamento al gum escrito, opiedoso hebreu j á se resguardava ao Senhor. El e sabia que, sem integridade, j amais poderia cumprir amissão que lhe confiara o Deus de Jacó e o Temor de Isaque.

O final dessa história não poderia ser diferente. Caluniado por sua ama, é l ançado numa prisão,onde novos aprendizados o aguardam. El e só não foi condenado à morte, porque Potifar conhecia muitobem a índol e e os caprichos da esposa.

V. A FORMAÇÃO DE JOSÉ NA PRISÃOÉ na prisão que José cursará a universidade, que o capacitará à governança do Egito. Al i, aprenderá

a l íngua hierática, as l iturgias e maneiras da corte. Conviverá com prisioneiros cul tos e l etrados, quesabiam como estar na presença do rei. Na prática, inteirar-se-á do funcionamento do Estado egípcio.

1. A língua da corte. Na casa de Potifar, aprendera o demótico: a l íngua popul ar do Egito. Já na

prisão, um novo desafio l inguístico o aguarda: o hierático. Agora, terá de adaptar-se ao idioma dossacerdotes e nobres; restrito e sagrado. Pelo contexto da história, concluímos que o seu aprendizado foinovamente coroado de êxitos.

A formação de José l embra a de Daniel e seus companheiros (Dn 1.4,21). 2. O funcionamento da corte. Na prisão, conhece os presos pol íticos de Faraó, entre os quais o

Sabemos por quanto

ele [José] fora vendido, mas

ignoramos por quanto foi

copeiro e o padeiro-mores. El es lhe ensinarão como funciona a corte faraônica. Al i, informalmente,recebe preciosas aul as sobre a teoria geral do Estado.

Na prisão, José é igualmente bem-sucedido. Levado como prisioneiro, faz-se carcereiro, mestre epsicólogo.

3. O sonhador interpreta sonhos. Certa manhã, José encontrou o copeiro e o padeiro-mores

turbados e confusos. Sempre gentil e sol ícito, buscou saber-lhes o motivo de tamanha prostração deespírito. El es rel ataram-lhe, prontamente, que assim estavam por causa dos sonhos que haviam tido nanoite anterior. O hebreu, então, il uminado pelo Senhor, ouviu-os com paciência, dando, a cada um, ainterpretação de seu sonho.

No terceiro dia, em pl eno aniversário do Faraó, cumprem-se as pal avras de José. Eis o que o rei “aocopeiro-chefe reintegrou no seu cargo, no qual dava o copo na mão de Faraó; mas ao padeiro-chefeenforcou, como José havia interpretado” (Gn 40,21,22).

Mesmo antes de o sonho cumprir-se, rogara José ao copeiro-mor: “Porém l embra-te de mim,quando tudo te correr bem; e rogo-te que sej as bondoso para comigo, e faças menção de mim a Faraó, eme faças sair desta casa; porque, de fato, fui roubado da terra dos hebreus; e, aqui, nada fiz, para que mepusessem nesta masmorra” (Gn 40.14,15). O oficial de Faraó, porém, não se l embrou de José; desteesqueceu-se, não porque o quisesse, mas porque o tempo do hebreu ainda não havia chegado.

VI. JOSÉ, PRIMEIRO-MINISTRO DO EGITODesde os sonhos dos oficiais mores de Faraó, dois anos completos se haviam passado. José parecia

esquecido até mesmo por Deus. Entretanto, el e sabia que, para cada coisa, há um tempo determinado.Enquanto el e cumpria suas tarefas na prisão, o rei do Egito é turbado por dois sonhos que, em essência,constituíam um aviso único e urgente do Senhor (Gn 41.1-7).

1. O sonho de Faraó. No primeiro sonho, vira o rei sete vacas gordas e nédias que, emergindo do

Nilo, pasciam às suas margens. Mas eis que outras sete, magérrimas e feias, começaram a devorar asprimeiras. E, mesmo assim, continuavam esquel éticas.

Tornando a dormir, viu o soberano que, de uma única haste, brotavam sete espigas bem granul adase cheias. Em seguida, apareciam outras sete: amiudadas e crestadas pelo vento oriental . Insurgindo-seestas, devoraram aquel as. E, nem por isso, fizeram-se melhores.

2. José é lembrado. Na manhã seguinte, Faraó convoca

seus magos e sábios, mas nenhum del es soube comointerpretar-lhe os sonhos. Foi j ustamente aí que o copeiro-morl embrou-se de José. E, fal ando do hebreu ao rei, este o mandouchamar de imediato.

Sendo convocado pelo monarca, José barbeou-se e

comprado. Nem sempre o

preço de um homem é

revelado.

mudou de roupas. Afinal , estaria el e diante do rei. 3. A hermenêutica dos sonhos. Ao ouvir os sonhos do

Faraó, l ogo entendeu que uma grande fome estava por vitimar oEgito e o mundo. Nem o Nilo com todas as suas benesses emitologias poderia sal var o país. Então o que haver? Como as sete vacas e espigas, tanto as boas quanto asruins, representavam sete anos bons e sete anos ruins, respectivamente, que o rei armazenasse a fartura dosprimeiros para minorar a penúria dos segundos. E, para tanto, deveria o rei prover-se um homemaj uizado e sábio para administrar a crise por vir.

4. Um hebreu como governador do Egito. O parecer de José agradou a Faraó e aos seus ministros.

Diante da emergência anunciada, o rei dirige-se à corte: “Acharíamos, porventura, homem como este, emquem há o Espírito de Deus?” (Gn 41.8). Vol vendo-se ao hebreu, ordena: “Visto que Deus te fez sabertudo isto, ninguém há tão aj uizado e sábio como tu; administrarás a minha casa, e à tua pal avra obedecerátodo o meu povo; somente no trono eu serei maior do que tu” (Gn 41.39,40). Em seguida, decreta: “Vêsque te faço autoridade sobre toda a terra do Egito” (Gn 41.41).

CONCLUSÃOJá investido de singul ar autoridade, José apl acou não somente a fome dos súditos de Faraó, mas

também a de seu velho pai e a dos irmãos que o haviam vendido como escravo. Recebe-os com amor. E,amorosamente, dá-lhes o sustento necessário.

Em seu coração, nenhuma vingança. Como bom teólogo, compreende a razão de suas agruras eprovações. Aos irmãos amedrontados, dá-lhes uma pal avra de doce consolo: “Deus me enviou adiante devós, para conservar vossa sucessão na terra e para vos preservar a vida por um grande l ivramento. Assim,não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus, que me pôs por pai de Faraó, e senhor de toda a suacasa, e como governador em toda a terra do Egito” (Gn 45.7,8).

Os sonhos que nos dá o Senhor cumprem-se no tempo oportuno, para que todas as coisascontribuam para o bem dos que, sinceramente, o amam.

Capítulo 14

A TRANSIÇÃO ENTRE JOSÉ E MOISÉS

INTRODUÇÃO O que aconteceu entre a morte de José e o nascimento de Moisés? A Bíbl ia, com sutil eza e arte, cal a-

se acerca dessa transição. Quanto à história secul ar, tem pouco a oferecer-nos. Não obstante, dispondo ounão de fontes pertinentes, é preciso reconstituir os quatro séculos entre o Gênesis e o Êxodo, paracompreenderemos a formação do Israel de Deus. Nesse período, os israel itas passam da fase tribal ànacional , transformando-se num povo tão grande e poderoso, que veio a ameaçar o Império Egípcio.

Neste capítulo, buscaremos recompor os acontecimentos entre os dois primeiros l ivros da Bíbl ia.Apesar do incômodo sil êncio, é possível chegar a al gumas conclusões surpreendentes. Já de início,adiantamos: o mutismo histórico-profético não descontinuou a narrativa sagrada, nem ignorou a força dasprofecias. O que o Senhor prometera aos patriarcas não caiu por terra; permanece inal terável até hoj e.

Por conseguinte, no estudo da História Sagrada, atentaremos não somente ao que foi escrito, mastambém ao que, providencialmente, foi omitido. Deus fal a até mesmo quando se cal a. El e nunca deixoude revel ar-se aos seus filhos, conforme garante o autor da Epístol a aos Hebreus: “Havendo Deus, outrora,fal ado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes úl timos dias, nos falou peloFilho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hb 1.1,2).

I. QUATRO SÉCULOS DE SILÊNCIO HISTÓRICONa História Sagrada, há dois períodos de sil êncio histórico. O primeiro, como j á vimos, deu-se

entre o Gênesis e o Êxodo. Já o segundo ocorreria entre o Antigo e o Novo Testamento. Por que esseshiatos? Tratemos essa questão com discernimento e cuidado, para chegarmos a conclusões pl ausíveis erevel adoras.

1. A preparação do cenário. Deus bem que poderia ter confiado, de vez, a Terra Prometida a Jacó e

aos seus filhos. Afinal , j á havia uma promessa, uma teologia bem definida e uma base étnica del ineada. OSenhor, contudo, embora intervenha na História, não atropel a processos históricos e sociológicos, poisalmej a que o reconheçamos como o Soberano dos Céus e da Terra.

Por essa razão, da morte de José ao nascimento de Moisés, Deus põe-se a trabalhar em sil êncio.Nesse período, os cronistas sagrados nada escrevem, nem profetizam os servos de Jeová. Entretanto, aHistória Sagrada não perde a sua continuidade, nem a profecia deixa de ser cumprida. O que Abraãoouvira do Senhor desenrol ava-se naquel es séculos de mutismo histórico: “Sabe, com certeza, que a tuaposteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afl igida por quatrocentosanos. Mas também eu j ul garei a gente a que têm de suj eitar-se; e depois sairão com grandes riquezas” (Gn15.13,14).

Enquanto isso, ia Deus preparando o cenário para o Êxodo. No Egito, mul tipl icava-se o cl ãpatriarcal ; as tribos transformavam-se num grande e temível exército. Já em Canaã, o amoroso Senhordispensava o tempo necessário para que as nações, al i instal adas, viessem a arrepender-se de seusgrosseiros pecados.

A saída dos israel itas do Egito, por conseguinte, só teria êxito se ocorresse no tempo certo. E, paratanto, era indispensável um cenário ideal , a fim de que os personagens separados por Deus pudessematuar de forma decisiva.

2. A preparação dos protagonistas do Êxodo. Depois da morte dos 12 patriarcas, os israel itas

tiveram de esperar 400 anos até que uma nova geração de l íderes estivesse pronta. E, conforme sabemos,não é sempre que aparece um l ibertador com a fidel idade de Moisés, um sacerdote com a postura deArão, ou um general com o coragem de Josué. É imperioso que a nação sej a submetida a al guns processoshistóricos, sociológicos, pol íticos e teológicos, visando o seu amadurecimento. Tais processos sãobastante morosos; requerem décadas e, às vezes, séculos.

Era imprescindível , pois, que os hebreus deixassem a fase tribal , a fim de se ergueremnacionalmente. Doravante, Deus não trataria mais diretamente com os patriarcas, mas haveria de tratar,através de seus profetas, com a nação. Os pais, contudo, j amais deixariam de ser l embrados como aprincipal referência teológica, ética e histórica dos hebreus. Nos momentos de crise e dificuldade, oSenhor apresentar-se-ia como o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó. Sua menção serviria, também, paral embrar aos israel itas que as al ianças firmadas pelo Senhor com os antigos continuavam tão firmes quantoàs l eis que regem o Sol , a Lua, a Terra e as estrel as.

Portanto, seriam essenciais 400 anos de trabalho sil encioso e metódico, para que o Senhorformasse os protagonistas do Êxodo. Não é da noite para o dia que aparecem homens da estirpe deMoisés. A ascensão de l íderes, enfatizamos, demanda tempo, paciência, espera e oportunidade. A HistóriaSagrada não ignora processos, nem despreza a ocasião propícia.

3. A espera do tempo da oportunidade. A História Sagrada não se baseia apenas no tempo

cronológico; sua referência máxima é a presença de Deus na vida de Israel , da Igrej a e dos gentios. Poresse motivo, o Senhor aguardou quatro séculos para intervir no Egito, obj etivando l ibertar os filhos deAbraão daquel e amargo e duro cativeiro.

A histórica secul ar divide-se em períodos e eras. Vai de uma fantasiosa pré-história a um pós-modernismo bl asfemo e anticristão. A História Sagrada, por seu turno, não se prende a épocas ou fases;

É imperioso que a

nação seja submetida a

alguns processos históricos,

guiada pelo Espírito Santo, narra as intervenções de Deus no Universo. Não foi por mero acaso, portanto,que o Senhor aguardou quatro séculos para l ibertar os israel itas. Era sua intenção redimir não somenteIsrael , mas o mundo todo, pois todos nos achávamos escravizados pelo pecado. O êxodo hebreuprefigurava a redenção cristã.

Se l ermos a História Sagrada sem a assistência divina, vê-l a-emos como um mero processo pol ítico.Al iás, foi o que fizeram os proponentes da Teologia da Libertação na América Latina. A Bíbl ia, contudo,longe de ser um panfl eto de l ibertação nacional , mostra o Filho de Deus como o redentor e sal vadoruniversal .

Sendo o evento pascal tão importante, aprouve a Deus sil enciar-se por 400 anos, até que o tempo sefizesse oportuno. Se por um l ado, a História Sagrada emudecia-se, por outro, a sal vação era preparada norefúgio em Gósen.

II. GOSÉN, O ÚTERO DA NAÇÃO HEBREIAAo receber os irmãos no Egito, promete José ao velho pai que ainda se encontrava em Canaã:

“Assim manda dizer teu filho José: Deus me pôs por senhor em toda terra do Egito; desce a mim, não tedemores. Habitarás na terra de Gósen e estarás perto de mim, tu, teus filhos, os filhos de teus filhos, osteus rebanhos, o teu gado e tudo quanto tens. Aí te sustentarei, porque ainda haverá cinco anos de fome;para que não te empobreças, tu e tua casa e tudo o que tens” (Gn 45.9-11).

Al i, em Gósen, l onge dos egípcios, os filhos de Israel haveriam de engrandecer-se como nação.Deixariam de ser dispersas e frágeis tribos, para se apresentarem como um povo forte, valoroso e único.

1. Gósen, uma terra excelente. Local izada no del ta oriental do Egito, era Gósen uma terra de

excel ências. Ampla, fértil e mui receptiva, mostrava-se ideal a quem se entregava às l ides do campo e àpecuária. Sendo os israel itas dados à agricul tura e afeitos ao gado, receberam a oferenda do Faraó comoal go providencial e divino.

A região de Gósen, embora isol ada dos grandes centros, não distava muito de Mênfis, sede da corteegípcia, possibil itando a José visitar regul armente a famíl ia.

2. Refúgio espiritual. Jacó, acompanhado de seus filhos e netos, chegou a Gósen como peregrino

do Senhor. El e sabia que, apesar da amável acolhida de Faraó, o destino de sua famíl ia era a terra queDeus prometera a seu pai, Isaque, e a seu avô, Abraão. Por isso, seus descendentes teriam de preservar a féno Deus Único e Verdadeiro. Caso contrário, perderiam a sua identidade espiritual e teológica.

Os israel itas eram uma ilha monoteísta cercada por umpol iteísmo mil itante, agressivo e sedutor. Os deuses egípciosachavam-se presentes em todas as cerimônias estatais, sociais edomésticas. Al i estava o orgulhoso Amom, chefe dos deuses esenhor de todos os ventos. Logo mais, apresentava-se Anúbis, adivindade que control ava a morte; não fal tava aos funerais.

sociológicos, políticos e

teológicos, visando o seu

amadurecimento.

Se os israelitas

habitassem em meio aos

egípcios, teriam desaparecido

em duas ou três gerações.

Como os egípcios davam-se às ciências ocul tas, incensavam àerudita Ramras, simbol izada por uma coruj a. Dokten era adeusa da guerra. Logo mais erguia-se Anukis, guia do Nilo e detodas as águas. Àpis, visto no boi, era o senhor da fertil idade.Não se pode esquecer a l ibertina Hathor. Simbol izada por umavaca, era a diva do amor e da prostituição cul tual . Isis, a senhora da magia, não fal tava às cel ebrações doFaraó, pois entretinha o soberano com seus truques baratos e tolos.

Pel as ruas de Mênfis, era mais fácil encontrar uma divindade do que uma pessoa. Em Gósen,porém, habitaria um povo, cuj o Deus não era representado na criatura, porquanto é o criador dos Céus eda Terra. Não habitava em templo al gum, pois nem o céu dos céus seria capaz de contê-l o. Al i, naquel elugar isol ado geográfica, social e espiritualmente, permaneceria Israel por quatro séculos.

Se os israel itas habitassem em meio aos egípcios, teriam desaparecido em duas ou três gerações.Primeiro, assimil ariam a rel igião do Nilo. Em seguida, ver-se-iam casando-se com as idól atras e dando-seem idol atrias. Providencialmente, Deus isolou-os naquel e recanto, para que não se contaminassem querpel a rel igião egípcia, quer pel a cananeia. Al iás, o panteão cananeu era muito mais perverso, criminoso edel etério que o egípcio.

3. Refúgio histórico. Al i, naquel e refúgio, os hebreus tiveram condições de preservar a História

Sagrada. Remontando a Noé, num primeiro momento, e, depois, ao próprio Adão, el es sabiam quedescendiam do ramo messiânico da progênie humana. E, que, através de uma de suas famíl ias, viria oDesej ado de todas as nações.

Como o Gênesis ainda não havia sido escrito, fazia-se imprescindível que suas tradições orais eregistros genealógicos se mantivessem incólumes. Por esse motivo, os israel itas não se misturariam, queraos egípcios, quer aos cananeus. Doutra forma, a História Primeva transformar-se-ia num corol ário demitos, fantasias e bl asfêmias.

A História Sagrada, que tinha agora os israel itas como guardiões, não poderia ter o mesmo destinoque tivera entre os camitas e j afetitas. Os filhos de Cam desviaram-se l ogo, pervertendo a verdade divina.Quanto aos descendentes de Jafé, também não demoraram a transviar--se. O resul tado de toda essaapostasia é descrito pelo apóstolo Paulo:

“Incul cando-se por sábios, tornaram-se l oucos emudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança daimagem de homem corruptível , bem como de aves,quadrúpedes e répteis. Por isso, Deus entregou tais homens àimundícia, pel as concupiscências de seu próprio coração, paradesonrarem o seu corpo entre si; pois el es mudaram a verdadede Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugardo Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!” (Rm 1.22-25).

Infel izmente, até os próprios filhos de Sem caíram na idol atria. Naquel e momento, portanto, havia

apenas uma famíl ia que ainda resguardava a História Sagrada. Caso viesse a transviar-se, j azeríamos hoj eem trevas teológicas e históricas. Não saberíamos como responder a estas perguntas: “Quem fez o Céu e aTerra? E de onde eu vim?”. Fel izmente, em Gósen, o Senhor, preservando os hebreus, preservou osprimórdios da História Sagrada.

4. Refúgio moral e ético. Resguardando-se da rel igião egípcia, os israel itas resguardar-se-iam

também da moral dos que a seguiam. Os deuses do Nilo não eram melhores do que os da Grécia. Al iás,só mudavam de nome. Amom, por exemplo, era adorado pelos gregos como o adúl tero e vingativo Zeus.Já a desavergonhada Hathor era conhecida nas cidades hel enas como Afrodite, l eviana e al coviteira.

Se os deuses não tinham moral , o que dizer de seus adoradores? Amom j amais poderia exigir dosque o incensavam: “Sede santos, porque eu sou Santo”. Santidade, al iás, era um atributo desconhecido nospanteões egípcio e cananeu. Por essa razão simples e óbvia, era imperioso que os filhos de Israel seisol assem da sociedade egípcia.

Os templos pagãos em nada diferiam de um bordel . Hathor, por exemplo, não se l imitava àprostituição; incestuosa, apresentava-se como filha e esposa de Rá. Se os deuses eram tão l ibertinos epromíscuos, por que censurar o povo? As mulheres egípcias, al tivas e vaidosas, não se resguardavam aomarido. Entregavam-se às aventuras extraconj ugais como faziam suas deusas. Haj a vista a mulher dePotifar que intentou l evar José ao pecado.

Não se tem notícia de sacrifícios humanos no antigo Egito. Entretanto, os servos do Faraósepul tavam-se com el e nas mastabas e pirâmides, a fim de o servirem na outra vida. Quanto à escravidão,era não somente praticada, mas institucional izada em todo o país.

5. Refúgio cultural. Entre os israel itas e os súditos do Faraó, havia um abismo cul tural e rel igioso

intransponível . Antes de tudo, porque todo pastor de rebanho era abominação aos egípcios (Gn 46.34).Estes não conseguiam entender como aquel es sacrificavam ao Deus invisível os animais, que, para el es,eram sagrados. Nenhum natural da terra ousaria l evar ao holocausto um boi, porque estaria queimando ovenerado Ápis, responsável pel a fertil idade de suas terras.

Isol ados cul turalmente, os hebreus tiveram condições de preservar seus costumes, sua l íngua, suaética e, principalmente, sua rel igião. Em tudo isso, é impossível não ver a providência divina. A região deGósen, pois, teve um papel importantíssimo na história israel ita. Foi o útero no qual Deus gestou o seupovo antes de introduzi-l o na Terra da Promissão.

III. JOSÉ, O FORJADOR DO IMPÉRIO EGÍPCIOQuando José assumiu a governança do Egito, reinava um Faraó de origem hicsa, cuj o nome

ignoramos. Mas, sendo el e também semita, tratou com benignidade os filhos de Israel , concedendo-lhes aterra de Gósen por habitação. Era conhecido como rei-pastor. Por isso, confiou aos hebreus todo o seurebanho.

Sob este monarca, José transformou o Egito no reino mais poderoso da antiguidade.

Resguardando-se da

religião egípcia, os israelitas

resguardar-se-iam também da

moral dos que a seguiam.

1. O plano econômico de José. No capítulo anterior, vimos que José, filho de Jacó, apresentou ao

rei do Egito um pl ano econômico simples, mas eficientíssimo. Um pl ano que, embora fugisse aoscânones da moderna economia pol ítica, veio a sal var o Egito e os demais países do Oriente Médio.

O êxito de seu proj eto residia não em sua complexidade, mas j ustamente em sua simpleza, poisJosé, em al gumas pal avras, expô-l o a Faraó (Gn 41.32-36).

Em seu l ivro Quando o Amado Desce ao Jardim, Marta Doreto de Andrade reconstitui com muitapropriedade a intervenção divina através do j ovem hebreu:

“O sábio conselho de José foi que, durante os anos de abastança, se armazenasse cereal suficientepara suprir a terra nos anos de escassez. Que bom se cada advertência viesse acompanhada de um conselhoprático... Reconhecendo haver em José o Espírito de Deus, e que ninguém havia tão aj uizado e sábio comoel e, Faraó instituiu-o governador do Egito. Possuindo agora autoridade sobre toda a nação, e devendoprestar contas unicamente ao rei, o j ovem José tinha diante de si a grandiosa missão de prover para os diasde privação. Tamanha tarefa exigia pl anej amento, e foi o que fez el e, sabiamente. Por certo não pl anej ouapenas meios de se recolher o mantimento, mas também de aproveitar os anos de fertil idade, encoraj andoe orientando o pl antio.

“Não havia chuvas no Egito, e a nação dependiatotalmente das cheias do Nilo para sua irrigação e fertil ização.Este segundo maior rio em extensão do mundo (o primeiro é oAmazonas) é formado por dois ramos chamados Nilo Branco eNilo Azul . O primeiro começa num l ago da África equatorial ,e o segundo, nas montanhas da Etiópia. No Sudão, as águasconvergem num só rio, e prosseguem na direção norte,atravessando o Egito, onde se dividem em dois braços,desaguando finalmente no seu del ta, no Mediterrâneo. Não fosse o Nilo, a aridez tomaria conta de tudo, eo Egito seria parte do extenso deserto que atravessa a África setentrional e a Penínsul a arábica. Foi comrazão que Heródoto chamou o Egito de o ‘presente do Nilo’, uma vez que o trans-bordamento do riofornecia a base para a economia e a prosperidade desta nação.

“Ao longo de seu percurso de aproximadamente 6.690 km, o rio penetra al guns l agos, forma seisgrandes cataratas e recebe águas de al guns afluentes. Contudo, são as chuvas de verão que caem em suacabeceira que lhe engrossam o caudal , e causam as cheias res ponsáveis pel a fertil ização de suas margens. Acada ano, por vol ta do mês de j unho, o rio começava a transbordar na extremidade do del ta, e a inundaçãoia crescendo até o mês de outubro, quando atingia o auge. Então as águas começavam a retroceder,vol tando ao nível ordinário somente no mês de abril . Tão logo começava a vazante, os egípcios iniciavamo cul tivo, pois à medida que retrocediam, as águas iam deixando no solo umedecido o seu l imo humoso efértil , preparando-o para a l avoura. Uma enchente fraca representava colheita insuficiente, e até mesmofome. Era provavelmente desses aluviões que resul tariam os sete anos de fartura prometidos por Deusnos sonhos de Faraó. O aviso divino garantia sete anos de excel entes inundações. Cabia aos homensaproveitar a bênção, arando e semeando o solo da melhor maneira possível , e armazenando ade-

quadamente o fruto das colheitas. Que preciosa cooperação haveria entre Deus e o homem! Deus entrariacom os recursos naturais; o homem, com o trabalho. Era aqui que se fazia necessário ‘um homemaj uizado e sábio sobre a terra do Egito’ (Gn 41.33).”

Prossegue a autora j á citada:“Em cada um dos sete anos de fertil idade, houve o tempo de pl antar e o tempo de colher; o solo

egípcio foi arado e pl antado, e trigais, cuidados até o momento da sega. Então, um quinto de toda acolheita, do país inteiro, foi guardado em cel eiros previamente preparados. Cl aro está que José não fezisto sozinho; o esforço foi nacional . Nomearam-se administradores em cada região para o aj udar naexecução do pl ano (41.34), e o país inteiro mobil izou-se. Enquanto uns l avravam a terra, outrosconstruíam sil os em cada cidade, e até as cavernas naturais foram usadas como depósito.

“A produção da terra do Egito foi farta, como Deus prometera, e um quinto de tamanha farturarepresentava um estoque incal cul ável . Enquanto pôde, José manteve registros detalhados de todo o cerealrecolhido, até que os números al cançaram tal monta, que perderam o significado, “porquanto não havianumeração (Gn 41.49).

“Nos sete anos de fartura, José guardou o excedente das colheitas. Vindo a carestia, foi buscar, nosarmazéns reais, o suficiente para apl acar a fome do mundo. Nesse período, nem o Nilo, com todas as suasprodigal idades, foi capaz de sal var o país. Anukis, deusa daquel e grande rio e de todas as águas, nada pôdefazer por seus filhos. Se não fora a intervenção do Deus de Israel , a mortandade teria campeado do Niloao Eufrates.

“A seca assolou não só o Egito, mas também a Arábia, a Pal estina e a Etiópia. A diferença é que oEgito estava preparado, e agora podia sobreviver do cereal estocado. Nas demais nações, as gentesdefinhavam por fal ta de nutrientes. Essas nações não contavam com um José que as orientasse a aproveitara estação oportuna. Fel izmente, o precavido José armazenara o suficiente para sustentar o Egito e aindaamparar as nações vizinhas.”

Logo espalhou-se a notícia de que no Egito havia mantimento. “Os egípcios têm muito trigoestocado”, era o que se ouvia das bocas famintas. O trigo, cul tivado desde os primórdios, é o cereal maisutil izado na panificação, em todo o mundo. Seu grão, rico em amido, e contendo proteína, é o maisimportante dentre os mencionados na Bíbl ia, e fez sempre parte da dieta dos israel itas (Gn 27.28; 30.14),que o têm como símbolo da bondade e da provisão divina (SI 81.16; 147.14). E a provisão divina, agora,estava no Egito.

Para l á dirigiram-se as demais nações em busca de al imento. Todos iam ter com José. Em suasnecessidades, de quaisquer espécies, o mundo sempre se l embra de correr para um servo de Deus. E José,em quem habitava não apenas a sabedoria, mas também o amor, “abriu tudo em que havia mantimento”(41.56). Ninguém que apelou para el e vol tou de mãos vazias.

Permitam-me, uma vez mais, recorrer ao texto de Marta Doreto:“Em breve tornou-se comum a chegada de caravanas ao Egito, em busca de pão. Mas certo dia, um

grupo de dez homens chamou a atenção de José. Nas faces barbudas e empoeiradas dos viaj antes, el ereconheceu os seus irmãos. Estes, ao contrário, sequer imaginaram que aquel e homem vestido de l inhobranco, à moda egípcia, com um col ar de ouro no pescoço, fosse aquel e adol escente que, vinte e dois anos

antes, tinham vendido como escravo. A princípio, José tratou-os rispidamente, não por vingança, mas paradescobrir se haviam mudado. Depois de certificar-se de que seu pai Jacó e seu irmão Benj amim estavamvivos, e de testar-lhes de várias maneiras o caráter, el e deu-se a conhecer (Gn 42; 43; 44). José mandou virde Canaã o restante da famíl ia, e supriu-os do que havia de melhor na terra do Egito. Seu coraçãoperdoador e generoso colocou-o na posição de instrumento de Deus para preservação da semente deIsrael (45.7)”.

2. O plano de austeridade de José. “Então acabaram-se os sete anos de fartura que havia na terra do

Egito, e começaram a vir os sete anos de fome...” (Gn 41.54) A partir do oitavo ano, as águas do Nilo nãosubiram o suficiente para fertil izar a terra árida. Não sabemos se a produção agrícol a foi zerada j á noprimeiro ano de fome, ou foi-se extinguindo aos poucos. O fato é que se haviam encerrado os dias daprosperidade e da oportunidade.

O momento exigia pul so firme e austeridade.Se José não mantivesse a ordem no Egito, a desordem acabaria com o equil íbrio entre os reinos do

Oriente Médio. Dentro em pouco, os países da região, organizando-se em col igações, defl agrariam umaguerra de consequências imprevisíveis, em busca de insumos básicos como o trigo e a cevada. O hebreu,portanto, não se l imitava a governar um país; suas atribuições iam al ém: conservar a harmoniainternacional . Nesse sentido, foi um dos maiores estadistas que o mundo j á conheceu.

Internamente, tomou as seguintes iniciativas, a fim de preservar a ordem e, mais tarde, recuperar aeconomia do Egito: a arrecadação de todo o meio circul ante, a compra de todos os rebanhos e, finalmente,o confisco das terras que, doravante, pertenceriam a Faraó.

Aparentemente, tais medidas em nada diferiam dos decretos baixados pelos governos social istas daex-União Soviética, China, Camboj a, Coreia do Norte e Cuba. Todavia, há muita diferença entre o hebreue esses monstrengos comunistas que, de quando em quando, assal tam um país em nome de uma pretensaigualdade. Os marxistas que conhecemos, desde Lênin a Fidel Castro, nivel am seus povos, tendo comoparâmetro a fome, a miséria e a morte. E, na busca de uma utopia ateia e insana, j á mataram milhões depessoas. No Egito de José, entretanto, a pl anificação l evou em conta a vida e o bem-estar das gentes.Nenhuma revolução fez-se necessária; uma intervenção humanitária foi suficiente. A dial ética pol ítica fez-sedispensável .

3. O recolhimento do meio circulante. Nos sete anos de seca e carestia, os egípcios gastaram todo

o seu dinheiro nos armazéns reais. Em todo o país, j á não havia moeda al guma. Enquanto isso, a fal ta devíveres tornava-se crítica, conforme descreve o autor sagrado: “Não havia pão em toda a terra, porque afome era mui severa; de maneira que desfal ecia o povo do Egito e o povo de Canaã por causa da fome”(Gn 47.13).

Mais adiante, o rel ato bíbl ico desenha um quadro mais grave do que o da Grande Depressão de1929. A situação era de tal forma desesperadora, que nem as cl asses mais abastadas viram-se a sal vo:“Então, José arrecadou todo o dinheiro que se achou na terra do Egito e na terra de Canaã, pelo cerealque compravam, e o recolheu à casa de Faraó. Tendo-se acabado, pois, o dinheiro, na terra do Egito e na

terra de Canaã, foram todos os egípcios a José e disseram: Dá-nos pão; por que haveremos de morrer emtua presença? Porquanto o dinheiro nos fal ta” (Gn 47.15).

José bem que poderia ter cunhado mais moedas, para manter o dinheiro em circul ação e ofuncionamento mínio da economia. El e sabia, porém, que tal medida acabaria por l evar o país a umdoloroso processo infl acionário. Nesse caso, tanto a nação como o Estado em breve estariam fal idos,gerando um caos de proporções catastróficas. Por isso, opta por uma prática que não era desconhecida dosegípcios: o escambo.

Se não há dinheiro, que o trigo sej a trocado pelos rebanhos que ainda pasciam pelos camposressecados do al to e do baixo Egito. Ao povo que se achava em gravíssimo aperto, a proposta de José sooumais do que razoável : “Se vos fal ta o dinheiro, trazei o vosso gado; em troca do vosso gado eu vossuprirei” (Gn 47.16).

Caso não atentemos ao contexto em que José governava, seremos l evados a pensar que o hebreu nãopassava de um governante oportunista e cruel . Todavia, el e prestou um grande serviço aos egípcios: o gadoj á estava condenado a perecer, pois a seca infel icitava todo o Oriente Médio. Ia do Nilo ao Eufrates. Querebanho suportaria a estiagem? Mas, recolhendo-os, o governo teria condições de mantê-l os, preservandoum estoque mínimo para tempos mais favoráveis.

4. Terra por trigo. Já desprovido de dinheiro e de todo o seu gado, o que os egípcios poderiam

fazer? Devorando-os a fome, foram procurar novamente José: “Não ocul taremos a meu senhor que seacabou totalmente o dinheiro; e meu senhor j á possui os animais; nada mais nos resta diante de meusenhor, senão o nosso corpo e a nossa terra. Por que haveremos de perecer diante dos teus olhos, tantonós como a nossa terra? Compra-nos a nós e a nossa terra a troco de pão, e nós e a nossa terra seremosescravos de Faraó; dá-nos semente para que vivamos e não morramos, e a terra não fique deserta” (Gn47.18,19).

Num único dia, os feudos e os l atifúndios de todo o Egito são colocados sob o poder do Faraó.Mais uma vez, o governo de José mostra-se cruel e oportunista. Todavia, o que o rei recebeu em troca depão foram propriedades estéreis, arrasadas e secas. Naquel e momento, tinham nenhum valor. Ninguém asqueria nem de graça. Aquel as fazendas, outrora tão produtivas e enriquecidas pelo Nilo, j aziam desertas,pois seus donos, em busca de sobrevivência, haviam se concentrado nas grandes cidades, por estarem l á osarmazéns reais.

O rel ato de Gênesis é bastante real ista quanto à situação do Egito naquel e instantes: “Assim,comprou José toda a terra do Egito para Faraó, porque os egípcios venderam cada um o seu campo,porquanto a fome era extrema sobre el es; e a terra passou a ser de Faraó” (Gn 47.20).

Só não foram adquiridas as terras dos sacerdotes, pois estes eram mantidos pel as expensas reais. Afome vinha demonstrar, sutilmente, a inutil idade dos deuses pagãos. Bastou aquel a carestia para que todoo sistema rel igioso egípcio viesse ao chão. Não fora o Deus de Israel , o Egito e as demais nações doOriente Médio não teriam sobrevivido, porquanto a seca era grave e cruel , e j á não conhecia fronteiras.

5. Um plano para reconstruir o Egito. Na voragem da crise, os egípcios j á não tinham dinheiro,

Se José não mantivesse

a ordem no Egito, a

desordem acabaria com o

equilíbrio entre os reinos do

Oriente Médio.

nem gado ou terra. Tudo o que possuíam fora despendido na aquisição do pão cotidiano. Enquanto isso,os cel eiros reais continuavam a abastecer o Egito, as nações vizinhas e os povos mais distantes. Não havia oque se negar: o país do Nilo era o cel eiro do mundo. Todos dependiam das terras do Faraó parasobreviver. Al iás, durante o Império Romano, o país ainda forneceria trigo aos rincões mais distanciadosdo mundo.

Vol temos, porém, ao mundo de José. O que os egípcios dariam, agora, em troca de pão? Nummomento de urgência e cal amidade, a nação, como um todo, dá-se em serviços por sua subsistência. É oque rel ata o autor sagrado: “Quanto ao povo, el e o escravizou de uma a outra extremidade da terra doEgito” (Gn 47.21).

Neste instante, a pergunta faz-se pertinente: “Como um homem, que vivera as agruras da escravidão,poderia agora impô-l a aos outros?” Antes de tudo, é necessário entendermos a situação do Egito naquel einstante tão particul ar de sua história. Referimo-nos a um país arrasado e desprovido de terras produtivas.Um país, enfim, que enfrentava uma crise severíssima que se arrastaria por sete l ongos anos. Poucasnações chegaram a experimentar semelhante cal amidade.

De 1914 a 1918, o Líbano enfrentou uma fome tão severa,que lhe devorou, em apenas dois anos, um quarto dapopul ação. Nos anos de 1941 e 1942, a Grécia, durante aocupação nazista, veio a perder 300 mil pessoas em decorrênciada fal ta de víveres. Na China, bastou um ano de penúria, em1943, para que viesse a fal ecer mais de um milhão de seusfilhos. O que dizer da Coreia do Norte? Al guns especial istasdizem que, só em 1996, mais de três milhões de homens,mulheres e crianças, pereceram por fal ta se insumos básicoscomo trigo, arroz e cevada.

José necessitava, pois, de toda a mão de obra disponível para reconstruir o Egito. Por esse motivo,concl ama o povo a unir-se em prol do soerguimento nacional : “Eis que hoj e vos comprei a vós outros e avossa terra para Faraó; aí tendes sementes, semeai a terra. Das colheitas dareis o quinto a Faraó, e asquatro partes serão vossas, para semente do campo, e para o vosso mantimento e dos que estão em vossascasas, e para que comam as vossas crianças” (Gn 47.23,24).

José não queria fazer do Egito um l eviatã que, às margens do Nilo, devoravam os incautos. El etinha em mente tornar o país viável e humanamente sustentável . A servidão, por hora, era inevitável àpromoção do bem comum. Passada a contingência, os egípcios vol tariam aos seus campos, semeá-l os-iame, al egremente, viveriam novamente da terra. Fazendas e sítios tornar-se-iam produtivos. Na colheita,porém, continuariam a dar 20% dos grãos ao governo. O quinto seria armazenado para que, aparecendooutra crise, o Estado tivesse condições de intervir, prevenindo especul ações, carestias e infl ação.

Diante do pl ano exposto por José, o povo responde cooperativamente: “A vida nos tens dado!Achemos mercê perante meu senhor e seremos escravos de Faraó” (Gn 47.25). O interessante é que,durante os anos de estiagem, não se registrou mortandade al guma no Egito.

José mostrou-se um governante tão sábio e precavido que, com dois pl anos simples e práticos,

A fome vinha

demonstrar, sutilmente, a

inutilidade dos deuses

pagãos.

transformou um país subdividido e pol iticamente frágil no maior império do mundo antigo. O primeiropl ano foi exposto ao Faraó que, comprovando-lhe a viabil idade, aceitou-o de imediato. Quanto aosegundo, foi imposto ao povo que, de igual modo, acatou-o, porque sabia que, vencida a urgência, reaveriasuas terras, tornando-as ainda mais produtivas. Somente um homem iluminado pelo Espírito Santopoderia agir de semelhante forma diante de uma cal amidade mundial .

A l ei do quinto foi tão bem-sucedida, que o governoachou por bem perenizá-l a, segundo registra o autor sagrado:“E José estabel eceu por l ei até ao dia de hoj e que, na terra doEgito, tirasse Faraó o quinto; só a terra dos sacerdotes não ficousendo de Faraó” (Gn 47.26).

IV. TERMINA A ERA DE JOSÉAo contrário de seus antepassados, José não teve uma

vida tão l ongeva. Se o pai morreu aos 147 anos, e o avô, aos 180, el e fal ecerá aos 110 anos de idade.Apesar de uma vida não muito l ongeva para os padrões biológicos da época, deixou el e um l egado que sefaria não somente imortal , mas eterno; insere-se na História Sagrada como um de seus maiorespersonagens.

1. Um testemunho de fé e perseverança. Em seu discurso no Sinédrio, o diácono Estêvão referiu-

se a el e de maneira particul armente gloriosa:“Os patriarcas, invej osos de José, venderam-no para o Egito; mas Deus estava com el e e l ivrou-o de

todas as suas afl ições, concedendo-lhe também graça e sabedoria perante Faraó, rei do Egito, que oconstituiu governador daquel a nação e de toda a casa real . Sobreveio, porém, fome em todo o Egito; e, emCanaã, houve grande tribul ação, e nossos pais não achavam mantimentos. Mas, tendo ouvido Jacó que noEgito havia trigo, enviou, pel a primeira vez, os nossos pais. Na segunda vez, José se fez reconhecer porseus irmãos, e se tornou conhecida de Faraó a famíl ia de José. Então, José mandou chamar a Jacó, seu pai,e toda a sua parentel a, isto é, setenta e cinco pessoas. Jacó desceu ao Egito, e al i morreu el e e tambémnossos pais; e foram transportados para Siquém e postos no sepul cro que Abraão al i comprara a dinheiroaos filhos de Hamor” (At 7.9-16).

José foi citado por Estêvão, porque o seu exemplo vem inspirando seguidas gerações. El e j amaisdeixará de ser contemporâneo. Não há quem não chore ao ouvir-l he a história. Como um homem,vendido como escravo, veio a sal var o mundo? Num momento de emergência e tribul ação, ordenou o reiaos súditos: “Ide a José”. El e, porém, não era um simples governador. Profeta de Deus, sabia que oSenhor achava-se no comando de todas as coisas.

2. A profecia de José. Pressentindo a própria morte, José concl ama seus irmãos e, no úl timo ato do

Gênesis, profetiza o Êxodo: “Eu morro; porém Deus certamente vos visitará e vos fará subir desta terrapara a terra que j urou dar a Abraão, a Isaque e a Jacó” (Gn 50.24).

Num momento de

emergência e tribulação,

ordenou o rei aos súditos:

“Ide a José”.

Quem haveria de se l embrar de uma promessa que j á se fazia história? José, porém, tinha certeza deuma coisa: Israel não permaneceria no Egito. Apesar de Gósen exibir tantas excel ências e faturas, era-lhesuma terra tão estranha quanto Ur. Portanto, apesar dos 400 anos que ainda tinham pel a frente, o dia daredenção não estava tão l onge. Os israel itas haveriam de deixar o país do Faraó, para se apossarem da maisformosa das heranças.

José estava prestes a reunir-se aos seus antepassados. Na congregação dos j ustos, estaria j unto aJacó, Isaque, Abraão, Sem, Noé, Enoque e Abel . A História Sagrada, porém, não seria descontinuada.Passados mais quatro séculos, os israel itas tomariam parte do maior evento soteriológico do AntigoTestamento: o Êxodo.

3. O último desejo de José. Vol temo-nos aos instantes finais de José. Após mencionar o Êxodo, faz

um derradeiro pedido aos seus irmãos: “Certamente Deus vos visitará, e fareis transportar os meus ossos”(Gn 50.25). El e tinha certeza, naquel e instante final do Gênesis, de que o Êxodo dar-se-ia na estaçãoapropriada. Foi um ato de fé, conforme real ça o autor da Epístol a aos Hebreus: “Pel a fé, José, próximo doseu fim, fez menção do êxodo dos filhos de Israel , bem como deu ordens quanto aos seus própriosossos” (Hb 11.22).

Ao pedir aos irmãos que os seus ossos subissem do Egito a Canaã, almej ava José participar dagrande procissão à terra de seus ancestrais. Al ém da fé tão comum aos santos, o governador do Egito eramovido por uma imperturbável convicção profética.

4. A morte de um benfeitor da humanidade. Segundo al gumas cronologias, José fal ece por vol ta

de 1800 a.C. Embora a data sej a imprecisa, aj uda-nos a situar a narrativa sagrada no cenário secul ar.Vivesse el e em nossos dias, seria l aureado com, pelo menos, com dois prêmios nobéis: o de economia e oda paz. Al ém de administrar um país em gravíssima crise, soube como manter a paz no mundo. Emmomento al gum, fez uso do poderoso exército que se achava ao seu dispor. Não empreendeu guerras deconquistas, nem tiranizou as nações mais fracas.

Agindo dessa forma, manteve a ordem e a concórdia em todo o Oriente Médio. Nenhum país tevede ameaçar o Egito para obter o trigo que excedia nos armazéns e sil os do Faraó. José abriu-lhesl iberalmente os cel eiros, de maneira que todos tiveram acesso a uma subsistência digna naquel es temposde carestia.

CONCLUSÃOO l ivro de Gênesis é encerrado, aparentemente, com uma

nota de condol ência: “Morreu José da idade de cento e dezanos; embal samaram-no e o puseram num caixão no Egito” (Gn50.26).

Nessas pal avras, todavia, não temos nenhum informefúnebre. Temos, sim, o epílogo triunfal de um homem que,

dando-se ao seu povo, entregou-se para l ivrar o mundo de uma fome severa e sem precedentes. Emboral evado ao Egito como escravo, de l á saiu triunfalmente nos ombros daquel es que aj udou a sal var. Semel e, não haveria as condições necessárias para a atuação de Moisés, Arão e Josué.

Enfim, el e preparou o terreno para o êxodo hebreu. Após a sua morte, teve o corpo embal samado,mas não foi transformado numa múmia como aquel e Faraó que, nos dias de Moisés, perseguiu eescravizou os filhos de Israel .

José foi um herói da fé. Quer escravo, quer senhor, o seu exemplo continua a inspirar gerações. El ej amais deixou de ser contemporâneo de nossos meninos, adol escentes e j ovens. Íntegro e fiel , ergue-se,nestes dias de escândalos e corrupções, como paradigma de um administrador que, de fato, se preocupoucom o bem comum.

Que a sua história l eve-nos a um compromisso mais sério com o Deus de Israel .Amém!