O conceito de Classe em O Capital: o Professor como Proletário em Marx (José Pereira de Sousa...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
Faculdade de Educao - FACED
Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira
O conceito de Classe em O Capital: o
Professor como Proletrio em Marx
Jos Pereira de Sousa Sobrinho
Fortaleza - 2014
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Jos Pereira de Sousa Sobrinho
O Conceito de Classe em O Capital: o
Professor como Proletrio em Marx
Texto apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Educao Brasileira da Universidade Federal do Cear como requisito para concluso do curso do Doutorado em Educao Brasileira. Na linha de Pesquisa: Filosofia e Sociologia da Educao, eixo: Marxismo, Teoria Crtica e Filosofia da Educao.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas
Fortaleza 2014
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Ttulo do Trabalho: O Conceito de Classe em O Capital: o Professor como
Proletrio em Marx
Autor: Jos Pereira de Sousa Sobrinho
Defesa de Tese apresentada em 14 / 08 / 2014 banca examinadora abaixo nomeada.
Conceito obtido: _______________
_________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas Orientador (UFC)
___________________________________________________
Prof. Dr. Frederico Costa (UECE) - Examinador Interno (UECE)
___________________________________________________
Prof. Dr. Justino de Sousa Junior Examinador Interno (UFC)
_________________________________________________
Prof. Dr. Ph.D. Ruy Gomes Braga Neto Examinador Externo (USP)
_________________________________________________
Prof. Dr. Fbio Jos Cavalcanti de Queiroz Examinador Externo (URCA)
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IV
AGRADECIMENTOS
Agradeo a minha famlia por tudo o que conquistei em minha existncia. Sempre estiveram ao meu lado em todas as dificuldades e em todas as conquistas. Em especial a minha me, a quem retribuo sua devoo com o mais sincero carinho.
Agradeo a Dani com quem compartilho nos ltimos anos os melhores momentos de minha vida, assim como, os momentos rduos de estudo e dedicao para execuo desse trabalho. Devo-lhe quem sou, camarada e amante.
Agradeo ao meu orientador Prof. Eduardo Chagas, por suas orientaes em um longo trajeto. No qual sempre prevalece compreenso e o respeito mtuo, e a contribuio com minha formao intelectual. Sou grato por mais esse percurso findo em minha trajetria acadmico-profissional.
Agradeo ao professor Alfredo Saad Filho por sua disposio em oferecer suas ricas orientaes e contribuies com o meu trabalho. As quais foram essenciais para o resultado alcanado.
Agradeo aos membros da banca. Ao Prof. Justino de Sousa, Prof. Frederico Costa que contriburam com esse estudo desde a primeira qualificao. E aos professores Fabio Jos e Ruy Braga por aceitarem meu convite e engrandecerem o processo avaliativo em sua ltima etapa.
Aos companheiros do eixo Marxismo, Teoria Crtica e Filosofia da Educao, camaradas com quem compartilho esse percurso de minha formao intelectual.
Aos camaradas do Partido, com quem divido meu posto nas trincheiras da luta de classes. Companheiros que so parte integrante da elaborao desse estudo.
Aos meus amigos que estiveram presente nessa caminhada: Niagara, Marcel, Renata, Rafael, Andreyson, George, Natalia, entre outros. A quem devo sorrisos, cuidados, palavras de apoio, e contribuies para esse estudo. Pares com os quais compartilhei ideias e bibliografias.
Agradeo por fim a Daniel Romero, Prof. Fbio Sobral por sempre me ajudaram com suas orientaes e contribuies.
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V
Resumo
O Conceito de Classe em O Capital: o Professor como Proletariado em Marx
O trabalho aborda o conceito de classe em O Capital, refletindo suas lacunas e apresentando possibilidades analticas quanto da elaborao de uma definio categorial coerente a respeito da classe proletria, estabelecendo nexos coerentes entre relao de propriedade, trabalho assalariado, antagonismo ao capital e posio ideolgica enquanto propriedades constituintes da classe. Por sua vez, reportando-se ao percurso metodolgico pelo qual Marx avista sua crtica ao modo de produo capitalista em O Capital, revelando os fundamentos tericos capazes de nortear uma anlise sistmica do proletariado, superando definies abstratas, marcadas pela rigidez estereotipada que reduz o proletariado ao trabalhador fabril. A incorporao do mtodo dialtico a anlise do proletariado expressa seu carter histrico e processual de seu desenvolvimento, identificando os trabalhadores intelectuais qualificados entre os quais os professores como componentes da classe trabalhadora moderna, e, consequentemente, determinando os rumos da luta de classes e a formulao do programa revolucionrio.
Palavras chaves: Trabalho, educao e classe.
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VI
Abstract
The Concept of Class in Capital: the Teacher as a Proletarian in Marx
This thesis addresses the concept of class in Capital, reflecting its gaps and presenting
analytical possibilities when elaborating a coherent definition regarding its categorical
definition, establishing consistent links between the property relation, wage labour,
antagonism to capital and ideological position as constituent parts of the working class.
In reference to the methodological approach by which Marx mentions his critique of the
capitalist mode of production in Capital unveils the theoretical foundations capable of
orienting a systemic analysis of the proletariat, overcoming refusive abstract definitions
to a stereotypical stiffness based on an ideal obreirista focused description. The
incorporation of the dialectic method to the proletarian analysis distinguishes the
historical character and fluidity of its development, identifying skilled knowledge
workers, including teachers, as components of the modern working class, determining
the course of the class struggle and the elaboration of the revolutionary program.
Key words: work, education and class
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VII
Resumn
El Concepto de Clase en El Capital: el Profesor como el Proletariado en Marx
En este trabajo se aborda el concepto de clase en la capital, lo que refleja sus lagunas y presentar posibilidades analticas en el desarrollo de una definicin coherente en torno a su definicin categrica, el establecimiento de vnculos coherentes entre la relacin de propiedad, el trabajo asalariado, antagonismo al capital y posicin ideolgico como propiedades constitutivas de la clase obrera. A su vez, en referencia al enfoque metodolgico por el cual Marx ve a su crtica del modo de produccin capitalista em El Capital revela los fundamentos tericos capaces de orientar un anlisis sistmico del proletariado, superando definiciones abstractas relegados a la rigidez estereotipada sobre la base de una descripcin ideales obrerista. La incorporacin del mtodo dialctico para analizar el proletariado distingue el carcter histrico y el curso de su desarrollo, com la identificacin de los trabajadores del conocimiento especializado, incluyendo maestros, como componentes de la clase obrera moderna, determinando el curso de la lucha de clases y el desarrollo de programa revolucionario.
Palavras-clave: trabajo, educacin y clases
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VIII
Sumrio
Introduo .................................................................................................................... 01
1. Mtodo, estrutura e classes sociais em O Capital ................................................. 10
1.1 Mtodo dialtico em O Capital: investigao e exposio como momento da
luta de classes ..................................................................................................11
1.2 Estrutura de O Capital: exposio da unidade entre Produo, Distribuio,
Troca e Consumo ............................................................................................25
1.3 O Livro I de O Capital: as Classes Sociais na Esfera da Produo ................31
1.4 O Livro II de O Capital: as Classes Sociais na Esfera da Circulao .............38
1.5 O Livro III de O Capital: as Classes Sociais em sua Forma Madura.............. 42
2. Proletariado: uma Determinao Conceitual como Unidade entre Lgico e
Histrico ................................................................................................................... 48
2.1 A Dimenso Material e Histrica do Conceito de Trabalho Alienado na Obra
Marxiana .........................................................................................................50
2.2 O Conceito de Alienao como Pressuposto ao Trabalho Abstrato em O
Capital..............................................................................................................55
2.3 O trabalho Alienado como Propriedade Constituinte do Proletariado.............61
2.4 O Trabalho Abstrato: A Efetivao da Fora de Trabalho como Mercadoria
como Determinao do Proletariado ...............................................................68
2.5 Unidade entre Trabalho alienado, Trabalho abstrato e Trabalho concreto como
Determinao do Proletariado..........................................................................80
2.6 O Captulo 52 do Livro III de O Capital: Relaes de Distribuio e Relaes
de Produo como Propriedade das Classes Sociais........................................93
3. O problema das fronteiras de classe: da delimitao das grandes classes para
as chamadas classes mdias ..............................................................................107
3.1 A igualao dos Diferentes Trabalhos como Fundamento Lgico e Histrico
do Proletariado: o Proletariado como uma Unidade na Diversidade ............109
3.2 Trabalho Produtivo e Improdutivo: Teoria Revolucionria e a Fronteira de
Classe do Proletariado....................................................................................118
3.3 Trabalhadores Improdutivos em uma condio subsuno ao capital...........130
-
IX
3.3.1 Trabalhadores Improdutivos Associados ao Capital Produtivo............132
3.3.2 Trabalho Improdutivo associado ao capital comercial.........................133
3.3.3 Trabalhadores Improdutivos Relacionados ao Dinheiro como
Dinheiro................................................................................................137
3.3.4 Trabalho Improdutivo como Trabalho no-assalariado ou Trabalho
Domestico.............................................................................................142
3.4 O Professor como Proletariado em Marx: Trabalhadores Intelectuais ou
Imateriais Subsumidos ao Capital..................................................................150
3.5 Proletariado e classes Mdias: Dialtica da Quantidade e da Qualidade como
Determinao da Fronteira de Classes...........................................................165
3.6 Os Managers em O Capital como a Concretizao da Dissociao entre Capitalistas e
Produo....................................................................................................................177
4. Da Classe a luta de classes: da classe como categoria pressuposta para
categoria posta em O Capital .........................................................................186
4.1 Subordinao formal e gnese dos antagonismos de classe: da condio de
classe a luta de classe ....................................................................................187
4.2 Subordinao Real e Intensificao dos Antagonismos de Classe: o
Proletariado como Limite Absoluto do Capital.............................................202
4.3 Subordinao Real do Trabalho ao Capital e a Dimenso Relativa dos
Antagonismos de Classe.......................................................................208
4.4 Subjetivao das Coisas e Objetivao das Pessoas: o Fetiche como
Determinao da Classe e da Luta de Classes ..............................................219
4.4.1 Trabalho Assalariado e Fetiche como Determinao das Classes e da
Luta de Classes.....................................................................................224
4.4.2 Trabalho Qualificado e a Agudizao da Fetichizao do Capital no Interior da
Classe Trabalhadora........................................................................................232
4.5 Da Classe em Si da Classe para Si: O movimento de Proletarizao em
Convergncia a Elaborao Programtica.....................................................240
4.6 Classe em si para a classe para si: Proletarizao dos Trabalhadores
Qualificados e Efetivao do Sujeito Revolucionrio...................................247
4.7 O Captulo 52 e o Problema da Revoluo Socialista: a Luta de Classes como
Limite Absoluto do Capital............................................................................255
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X
Consideraes Finais..........................................................................................261
Bibliografia ........................................................................................................271
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1
INTRODUO
Um espectro ronda a Europa o espectro do comunismo. Nessa frase
impactante com a qual comea o Manifesto Comunista, Marx tenta produzir uma
imagem perfeita do terror operada na burguesia pela simples meno da possibilidade
de que a classe por ela subjugada ameaasse seu domnio. Marx anunciava a
possibilidade de revoluo voltar a plainar sobre a Europa de 1848, passados quase 60
anos Revoluo Francesa. O pressgio contido no panfleto programtico da Liga dos
Comunistas demarca uma dimenso indissocivel de toda obra do autor, o vinculo de
suas formulaes tericas com a luta revolucionria da classe trabalhadora1 por um
mundo, definido por Rosa Luxemburgo, como aquele onde sejamos socialmente iguais,
humanamente diferentes e totalmente livres.
A teoria marxiana desenvolve-se do entrelaamento da classe proletria como
sujeito social e o comunismo colocado como finalidade histrica. Essa unidade perpassa
o prprio desenvolvimento da anlise do Filosofo alemo, onde a experincia das lutas
de classes se desdobra em sua crtica radical sociedade capitalista, ao mesmo tempo
em que afirma o projeto societrio alternativo. A teoria marxiana possui, portanto, uma
relao indissocivel com o movimento operrio, fundamentando sua intepretao da
realidade segundo a existncia da luta de classes.
Para o desenvolvimento dessa anlise Marx parte das elaboraes que o
antecedem, em especial das anlises burguesas, quando ainda possuam um carter
essencialmente progressivo. Nesse plano, quando a crtica da forma feudal de produo
por parte dos tericos burgueses, o conceito de classe continha uma dimenso de
centralidade, inclusive para economia clssica. Assim, Marx enftico, no lhe cabia
o mrito de haver descoberto nem a existncia das classes, nem a luta entre elas. Muito
antes [...], historiadores burgueses j haviam descrito o desenvolvimento histrico dessa
luta entre as classes e economistas burgueses haviam indicado sua anatomia
econmica2.
Por essa digresso, Marx parece anunciar no somente que o conceito de classe
uma descoberta burguesa, mas, tambm, que em seu interior esse conceito parece
1 Em toda a obra trataremos do conceito de classe trabalhadora com a definio ofertada pelos autores em
O Manifesto Comunista (In: Karl Marx e Friedrich Engels. Obras Escolhidas. So Paulo, Alfa-mega,
vol. 1, s/d), enquanto a classe trabalhadora moderna, contendo o mesmo significado de classe proletria.
Portanto, tratamos a categoria classe trabalhadora e proletria como conceitos isentos de distines, ou
seja, sinnimos.
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2
suficientemente desenvolvido, possibilitando tom-lo como ponto de partida. Essa
indicao permite entender a ausncia, na obra de Marx, de um estudo sistemtico das
classes sociais, com uma delimitao clara do problema.
Por outro lado, Marx oferece indicaes quanto a centralidade exercida pela
teoria das classes em torno de sua anlise da realidade, entendo-a as classes e a luta de
classes como a potncia definidora das contradies sociais impostas pela existncia do
capital, ocupando um papel nevrlgico ante a hiptese de constituio de uma nova
conformao social oriunda da superao da sociedade capitalista. No sistema
marxiano, a existncia das classes e da luta de classes superam as designaes impostas
pela teoria burguesa revolucionria, medida que Marx passa a entender no plano desse
conflito a fora motriz que permite a transio entre a forma feudal e capitalista,
incorporando novos elementos que permitem pensar uma teoria de classes em Marx
contm uma esfera de originalidade e ruptura com seus antecessores. Assim, para o
prprio Marx o que esse trouxe de novo em relao a teoria de classes foi:
1) demonstrar que a existncia das classes est ligada somente a determinadas fases de desenvolvimento da produo; 2) que a luta de classes conduz, necessariamente, ditadura do proletariado; 3) que essa ditadura nada mais que a transio para a abolio de todas as classes e para uma sociedade sem classes.3
Marx entendia que a teoria burguesa havia resolvido conceitualmente o
problema da existncia das classes. Assim, sua abordagem em torno do problema das
classes conduzida ante o esforo de formulao em torno dos elementos acrescidos
por Marx. A prioridade tratava de desvendar a existncia das classes em simetria ao
desenvolvimento da produo capitalista, assentada na comprovao da possibilidade de
transio da posio de classe para a luta de classes, assim como, da demonstrao da
possibilidade de efetivao da ditadura democrtica do proletariado. Assim, o conceito
de classe somente surge como fundamento desses trs movimentos, desenvolvimento da
produo, luta de classes e revoluo.
A exposio simtrica e imbricada entre classe e esses trs fenmenos resulta na
ausncia de uma sntese em que as propriedades definidoras do fenmeno classe sejam
expostas de forma coesa. A ausncia de tal formulao em Marx enseja complicaes
tericas e prticas s elaboraes polticas que tomam como ponto de partida a crtica
sistmica do Filosofo tedesco.
2 MARX, Karl. Carta a Weydemeyer 5 de maro de 1852. In: Obras Escolhidas de Marx e Engels. Rio de Janeiro, Alfa e Omega, vol. 3, p. 253-254.
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3
Corrobora aos limites internos teoria marxista quanto definio conceitual
das classes sociais, o recuo da teoria burguesa, negando sua elaborao em torno das
classes. A marcha em que o criador renega sua criatura promovida em dois sentidos, o
primeiro pela total refutao da diviso da sociedade em classes, a segunda, ainda que
reconhecendo a existncia das classes, incorpora o argumento de sua completa
transformao na sociedade da capitalista, essa suposta reconfigurao da existncia da
classe trabalhadora, imputaria a obsolescncia ao conceito de classes assumido por
Marx. Ambas as formulaes seguem caminhos diversos para refutarem toda a teoria
marxista, e, consequentemente, a alternativa histrica do socialismo, eternizando o
capital; o adeus ao proletariado somente o outro lado da moeda do fim da histria.
Desse modo, impe-se aos adeptos da teoria marxista apresentar uma
formulao coerente ante os limites da exposio marxiana; assim como, demonstrar a
invalidade das formulaes burguesas quanto a refutao do conceito de classe e, por
fim, atualizar a delimitao do conceito de classes perante as transformaes gestadas
com o desenvolvimento da sociedade capitalista. Para tanto, a segunda metade do
sculo XX foi um perodo frtil de elaboraes em torno do problema das classes.
Iintelectuais marxistas de variadas vertentes Braverman4, Poulantzas5, Tronti6,
Cleaver7, Wright8 buscaram reafirmar o conceito de classe e a teoria da revoluo em
Marx. As diversas elaboraes, em muitos pontos contrastantes gestaram um profcuo
debate no interior da teoria marxista.
A elaborao de uma sntese coerente em torno do problema das classes
perpassou cinco grandes questes: 1) o critrio de determinao de classe, ou seja, quais
so os fenmenos sociais e histricos incorporados aos diversos sujeitos coletivos que
os configuram em uma dimenso de classe; 2) o problema da determinao das classes
sociais remete ao segundo problema, os critrios que distinguem as trs grandes classes
entre si, reunidas em O Capital capitalistas, proprietrios de terras e classe
trabalhadora, enquanto classes especificamente capitalistas9; 3) essa questo agrega a
3 MARX, Karl. Carta a Weydemeyer 5 de maro de 1852. Op. cit., p. 253-254. 4 BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista: a degradao do trabalho no sculo XX.
Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1974. 5 POULANTZAS, Nicos. Teoria das Classes Sociais. Publicaes escorpio: Porto, 1997. 6 TRONTI, Mario. Operrio e Capital. Porto: Edies Afrontamento, 1976. 7 CLEAVER, Harry. Leitura Poltica de O Capital. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 8 WRIGHT, Erik Olin. Classe, Crise e o Estado. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
9 A anlise das trs grandes classes surge no captulo 52, incompleto de O Capital (So Paulo: Abril
Cultural, Vol. III, Tomo II, 1983), tambm anunciada no plano de escrita revelado em seu primeiro manuscrito, os Grundrisse (So Paulo: Boitempo, 2011).
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4
dificuldade da teoria marxiana quanto configurao de fronteiras limites para as trs
grandes classes, como tambm, para alm delas, com as chamadas classes mdias; o
problema de designao das classes mdias adquire importncia justamente no interior
das transformaes capitalistas que perpassam o sculo XX, conduzindo a quarta
questo, 4) que justamente a necessidade de reconstituir e definir como essas
transformaes econmicas podem ou no refletir em mutaes ou reconfiguraes no
interior das composies de classe, ou seja, como o movimento tendencial do capital
imprime mudanas nas classes; 5) por fim, um dos problemas centrais est em analisar a
determinao revolucionria do proletariado, afirmar como da posio estrutural se
gesta um posio poltica capaz de imprimir nos diferentes sujeitos uma configurao
social marcada pela conscincia de classe, imprimindo-lhe tanto a possibilidade de ao
como sujeito coletivo, quanto a alternativa de que essa ao por parte do proletariado,
esse possa vir a cumprir um papel de ruptura com as estruturas da sociedade
capitalista10.
A dimenso do problema e sua complexidade mais do que justificam meio
sculo de polmica no interior da teoria marxista, e a continuidade de um frtil debate.
De fato, os ltimos anos marcam, especialmente no Brasil, uma retomada da anlise
terica sob o ponto de vista marxista das classes sociais, com importantes publicaes
de autores como Antunes11, Lessa12, Saviani13. Em particular, o problema das classes
adquire nfase para a educao, quando no interior desse debate se encontra o problema
de delimitar a posio de classe dos professores e como estes se inserem na luta de
classes.
Com a insero desse debate no Brasil, e o alcance tomado a respeito do
problema dos trabalhadores da educao, acabamos por adentrar ao debate almejando
apresentar uma contribuio coerente ao debate. Nossa pretenso central consiste,
portanto, em revisitar o problema das fronteiras de classe, refletindo sobre a localizao
dos professores em seu interior. A anlise da posio de classes dos trabalhadores da
10 A anlise terica das classes, perpassa a reflexo em torno de sua existncia para alm das fronteiras da
sociedade capitalista, ou seja, se o conceito de classe corresponde aos grupos sociais existentes em outras
formas sociais. Esse problema supera os objetivos propostos para esse trabalho, no entanto, importantes
estudos que abordaram o tema das classes sob essa problemtica, como Hirano (Castas, Estamentos e
Classes Sociais: introduo ao pensamento Sociolgico de Marx e Weber. Campinas: SP, Editora
Unicamp, 2002) e Geoffrey de Ste. Croix. (Class in Marxs Conception of History, Ancient and Modern. New Left Review, I/146, July-August, 1984). 11 ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmao e a negao do trabalho.
So Paulo: Boitempo, 1999. 12 LESSA, Sergio Trabalho e Proletariado no capitalismo contemporneo. So Paulo: Cortez, 2001. 13 SAVIANNI, Dermeval. Pedagogia Histrico-Crtica. Campinas-SP: Autores Associados, 2008.
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5
educao, no entanto, conduz a uma reflexo de conjunto da teoria das classes. Uma vez
que a delimitao da posio de classe dos trabalhadores da educao corresponde a
formular um critrio coerente para determinao do proletariado, assim alcanamos o
ponto de partida para as demais questes relacionadas s classes, como as
transformaes gestadas na composio das classes pelo movimento tendencial do
capital; e a necessidade de estipular de critrios capazes de delimitar fronteiras entre
proletariado e demais classes sociais, como resposta necessria para localizao dos
professores na estrutura de classe.
Por fim, todos esses elementos se articulam de maneira intima ao problema da
luta de classes. Portanto, em certa medida, buscamos oferecer respostas, no de forma
definitiva, os cinco pontos tomados como centro do debate da teoria das classes em
Marx, indicados a pouco, em razo do entrelaamento entre o problema da teoria de
classes com a questo da localizao de classe dos trabalhadores da educao. Assim, a
resposta em torno da delimitao da condio de classe por parte dos trabalhadores da
educao redunda em uma anlise que inevitavelmente gravita ao derredor da
identificao de uma teoria das classes em Marx.
Delimitadas as questes que, ao nosso entendimento, configuram a teoria de
classe em Marx, permanece o ponto quanto exposio do autor com referncia aos
mencionados problemas. Mesmo com a ausncia de uma exposio coesa, a questo das
classes permeia quase toda a obra marxiana, passando pelos seus escritos de juventude,
suas anlises polticas das revolues de 1848 e 1971, alcanando os manuscritos que
antecedem a publicao do Livro I de O Capital. Uma anlise consistente envolveria
uma localizao em todas essas obras do modo de tratamento das classes despendido
por Marx. Os limites, no entanto, impostos a produo desse trabalho remetem a uma
delimitao das obras investigadas, nesse plano nossa escolha recai sobre O Capital.
Essa definio justifica-se ao encontrarmos em O Capital uma elaborao mais acabada
em torno do problema das classes sociais, uma vez que essa obra contm uma anlise
sistmica da sociedade capitalista, indicando de modo profundo como efetiva-se a
origem do capital e seu desenvolvimento, esboando seus reflexos sobre o trabalho, e
consequentemente sobre a luta de classe e, por fim, tentando demonstrar como dessa se
desdobra a ao revolucionria como alternativa a supresso das contradies do
capital.
Portanto, em sua ltima obra, Marx alcana o pice de sua crtica sociedade
capitalista e aos seus diversos complexos. Essa dimenso de totalidade contida na
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6
exposio dialtica confere anlise marxiana dos vrios fenmenos, prprios da
sociedade capital, um grau de densidade lgica e histrica, distinta e superior ao de suas
obras anteriores. Ao expor a marcha do desenvolvimento capitalista em sua totalidade,
Marx revela de forma implcita sua exposio, o contedo lgico e histrico pelo qual
as classes foram concebidas. Assim, o carter sistmico da anlise travada em O Capital
fornece s categorias marxianas maior densidade conceitual, como elaboraes mais
completas14.
Por sua vez, a prioridade do estudo sobre O Capital coloca as dificuldades
prprias do estudo de um texto inacabado, j que, alm da polmica em torno do plano
de Marx15, permanecem as complicaes quanto ao Livro III inconcluso, encerrando-se
abruptamente justamente no captulo LII, intitulado As classes. Nesse ponto da obra,
Marx pretendia elucidar questes como: o que constitui uma classe?, e o que faz com
que os assalariados, capitalistas e proprietrio de terra se tornem os formadores das trs
grandes classes?16. Contendo a possibilidade de compor uma sntese conceitual de sua
teoria das classes, mas, essas questes foram somente anunciadas, em um manuscrito
que no deixa mais do que breves indicaes em torno da elaborao das respostas.
Por outro lado, o projeto de Marx de concluir o Livro III com o captulo no qual
o problema das classes abordado em uma sntese conclusiva, refora nossa
compreenso que medida que O Capital se prope a reconstituir idealmente todo o
sistema capitalista, corresponde a demonstrar como os sujeitos sociais nele inseridos
adquirem uma composio de classes, indicando que o questionamento a respeito dos
determinantes lgicos e histricos, permite entender as classes como uma forma
particular de configurao dos grupos sociais, assim como a origem dos conflitos que os
interpe. Assim, entendemos que a exposio contida em O Capital perpassa o
14 Em certa medida uma reflexo ideal em torno do conceito de classes em Marx deveria perpassar o estudo de toda sua obra. A inviabilidade de executar essa tarefa a contento nos obriga a delimitar nosso
campo de estudo da teoria marxiana. Rendido por esse limite, o critrio de prioridade de O Capital
aceitvel. Se por um lado, ao tomarmos O Capital como a expresso mais bem acabada da teoria
marxiana, no argumentarmos em torno da excluso dos seus demais escritos para anlise do problema
das classes, por outro, que a atitude mais adequada ao exame das classes em seus escritos anteriores, seria
examin-los luz do avano presente em sua ltima obra. 15 O plano inicial de Marx previa seis livros. A polmica paira em torno da interpretao de Rosdolsky
(Gnese e Estrutura do capital de Karl Marx. Rio de Janeiro, EDUERJ: Contraponto, 2001) ao
entender que Marx reduziu seu plano aos atuais trs livros; e a posio contrria, como a de Dussel (As
quatro redaes de O Capital (1857-1880). In: Marxismo: Teoria, histria e Poltica. So Paulo:
Alameda, 2011) e Lebowitz (Beyond Capital: Marxs Political Economy of the Working Class. London, 2003), que defendem a permanncia do plano inicial. 16 MARX, Karl. O Capital III/II. Op. cit., p. 317.
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7
contedo das classes sociais, da sorte que, a teoria das classes est alm do captulo LII,
cabendo-lhe uma sntese conclusiva do contedo exposto em todo o livro.
Nesse sentido, o esforo de nossa anlise est em fazer denotar no interior de
toda a exposio lgica e histrica de O Capital o percurso pelo qual o conceito de
classe reconstitudo, indicando sua indissociabilidade com os diversos fenmenos
sociais que compem a totalidade sistmica do capital, partindo do entendimento de que
a classe existe associada totalidade do capital, rompendo com formulaes parciais,
em que certos fatores ou determinantes indicados como estatutos de classe so
concebidos desconectados da totalidade dos complexos que compem o capital.
Rompendo com esse itinerrio terico, nos precavendo a respeito de uma formulao
comum aos adeptos do marxismo, na qual o conceito de classe assume uma feio
estereotipada, medida que a existncia da classe associada imagem estanque do
operrio fabril. Esse proletariado abstrato17, produto de uma anlise marcada por uma
rigidez terica, na qual rompe-se com os critrios metodolgicos estipulados por Marx,
conduz a delimitao da classe trabalhadora imputada por tendncias obreiristas,
assinaladas por Bensad, confinando o sujeito revolucionrio marxiano em uma
fotografia a-histrica e descontextualizada.
Para demarcamos o correto distanciamento dessas tendncias, perfaz nosso
objeto a afirmao do conceito de classes em uma dimenso que compete sua
associao com a teoria do valor, essa formulao permite refletir os vnculos internos,
presentes na exposio de Marx, entre trabalho assalariado e o conceito de classe
trabalhadora. Para tanto, tratamos de expor o modo como o conceito de classe se
desdobra dos diversos complexos constituidores do trabalho assalariado, encontrando
nessa forma de trabalho, hegemnica sobre o modo de produo capitalista, o
fundamento constituidor da classe trabalhadora. Assim, o percurso de nosso estudo
desvela os diversos momentos em que o conceito de classe reconstitudo na exposio
de O Capital em sua unidade com as categorias pelas quais Marx desvenda a lgica
interna do sistema capitalista. Desse modo, o conceito de trabalho assalariado exposto
transpondo seus determinantes puramente aparentes da troca de mercadorias ou compra
da fora de trabalho, revelando-o, em sua gnese e consolidao histrica, como um
complexo de mltiplas determinaes, meio pelo qual a existncia como proletariado
impressa sobre os trabalhadores no interior da sociedade capitalista.
17 LEBOWITZ, Michael A. Beyond Capital. Op. cit.
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O esforo para localizar o conceito de classe no interior da exposio lgica e
histrica de O Capital tem o intuito de superar leituras apressadas, baseadas em
passagens isoladas da estrutura expositiva de Marx, ou na busca de um s conceito, o
qual seria capaz de solucionar todo o problema terico em torno das classes, levando
compreenso parcial e restrita da ideia de classes. Para tanto, partimos da premissa
central de que o conceito de classe deve ser localizado no interior de O Capital,
desvendado em coerncia com o mtodo de exposio de Marx. O esforo de
demonstrao dessa premissa travado em nosso primeiro captulo, no qual a estrutura
lgica de O Capital desvelada, indicando a forma como as diversas categorias
gradativamente so enriquecidas, compondo uma apropriao do real em uma dimenso
mais complexa. Nesse mtodo, enfatizada a exposio do capital como totalidade
orgnica, na qual a apreenso do real perpassa a indissociabilidade dos diversos
momentos expostos entre os livros da obra. Portanto, uma teoria de classe no est
presente em um dos trs livros, isoladamente, mas apenas no todo orgnico representado
em sua unidade.
No segundo captulo, tratamos de reconstituir o movimento de exposio do
capital, tomando categorias que convergem para determinar as posies das classes
sociais no interior da sociedade capitalista. Nessa formulao, a dimenso especfica do
trabalho na poca do capital, ou seja, o trabalho assalariado, reconstituda em sua
dimenso lgica, sendo revelado seu contedo interno como elemento determinante das
classes sociais. Portanto, o trabalho assalariado mostrado como transpondo a sua
dimenso fenomnica, mas reconstitudo em seu contedo interno, como unidade entre
essncia e aparncia, como elemento determinante da condio de classe.
Em unidade com a exposio de novas determinaes de classe, as quais ao
mesmo tempo em que comeam a apresentar as fronteiras das classes, revelamos o
conceito de classe como unidade na diversidade entre trabalho no-qualificado e
qualificado. Ainda no terceiro captulo, o problema da delimitao da classe conclui-se
com a anlise do trabalho material/imaterial e trabalho produtivo/improdutivo, com o
qual refletiremos sobre a posio de classe dos trabalhadores da educao. Assim como
nos propomos a refletir sobre um critrio quanto determinao de limites da classe,
conduzindo a uma anlise sistemtica das classes mdias. A aferio da classe
trabalhadora como uma composio diversa, autoriza uma reflexo sistemtica em torno
das distintas formas de insero desses estratos da classe no campo da luta poltica pela
superao da sociedade capitalista.
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Essa, a luta poltica, est presente no quarto captulo, quando desenvolvemos
uma anlise relativa aos fatores presentes na obra marxiana indicadores da
indissociabilidade entre condio de classe e luta de classes, e como essa dimenso
inseparvel pode desdobrar-se em uma posio revolucionria por parte do proletariado.
Essa reflexo, permeia a compreenso de que o proletariado possui uma condio
essencialmente contraditria, produto das distines internas e dos mecanismos de
atrao individual inerentes ao capital. Permitindo decifrar nessa dimenso contraditria
entre condio econmica e alternativa revolucionria a articulao coerente entre
determinaes econmicas, polticas e ideolgicas como fatores constituintes do
proletariado.
Por fim, com este trabalho, propomos aportar uma contribuio ao problema das
classes sociais em Marx. Seus limites so produto tanto da incompletude deste estudo,
quanto das debilidades contidas em seu autor. Esperamos, no entanto, com esse esforo,
contribuir com a formulao terica no campo do marxismo, dando sequncia a um
debate que permanece vigente, quando trata de se refletir a respeito das opes
societrias ao capitalismo.
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1. Mtodo, Estrutura e Classes Sociais em O Capital
"Ns abramos Marx
volume aps volume,
janelas
de nossa casa
abertas amplamente,
mas ainda sem ler
saberamos o rumo!
onde combater,
de que lado, em que frente".
(MAIAKOVSKI, Vladimir. A Pleno Pulmes)
Nenhuma epigrafe poderia ser mais adequada para esse captulo do que o poema
do autor sovitico, a evoluo das ideias aqui presentes se assemelha situao descrita
por Maiakovski, um constante abrir de volumes e volumes de Marx, mas
especificamente de O Capital e o primeiro manuscrito que o antecede, os Grundrisse. A
complexidade das ideias descritas em suas pginas, e as diversas polmicas associadas a
sua interpretao, indicam a dificuldade encontrada pelos leitores que escolheram se
aventurar pela obra marxiana, como alternativa de intepretao da realidade. Apesar de
concordarmos que suas linhas demonstram convico a respeito de quando, onde e de
que lado combater no campo da luta de classes, refutando os diversos revisionismos
ao exemplo de Benstein os escritos marxianos so base para posies e interpretaes
as mais diversas sobre seu contedo, seus limites e seus alcances.
Esse primeiro captulo no anseia traar uma reflexo geral quanto a essas
diversas interpretaes, mas, demarcar o percurso de nossa interpretao, apresentando
as concordncias fundamentais que guiam a anlise desenvolvida nesse estudo. Por
outro lado, nosso percurso, como em Marx, est guiado pelo nosso objeto as classes
sociais. Portanto, alm das categorias centrais presentes no arcabouo terico marxiano,
tanto nosso percurso expositivo como as categorias apresentadas aqui esto por
julgarmos essenciais para entendimento do conceito de classe.
Por fim, esse primeiro captulo representa um esforo de exposio do mtodo
em Marx, especialmente em seus dois primeiros tpicos, que, alm do debate
corriqueiro em torno da razo ou da apreenso do conhecimento, se prope a ser
indicao de como ler Marx, de forma que possamos entend-lo associado ao seu
mtodo de exposio. Justamente, porque esse esforo corresponde ao realizado pelo
autor desse estudo, ante a leitura das obras do Filosofo alemo citada nesse estudo, e por
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compreendemos que uma leitura ciente da lgica estrutural e expositiva essencialmente
dialtica do filosofo alemo determinante na interpretao da obra.
Os ltimos trs tpicos representam um esforo de isolar o conceito de classe no
interior da exposio deO Capital, localizando-o na estrutura lgica da obra, expondo
sinteticamente como o conceito de classe perpassa os trs Livros da obra.
1.1 Mtodo Dialtico em O Capital: Investigao e Exposio como
Momento da Luta de Classes
Marx nunca escreveu um tratado sobre mtodo, tal ausncia justifica-se pela
inexistncia no autor de um mtodo anterior ou hipstasiado em relao ao objeto.
Nesse sentido, podemos encontrar elementos condizentes com uma reflexo
metodolgica em seus escritos, contudo, tais incurses esto diretamente associadas
crtica quanto ao modo do tratamento do real ofertado por Hegel, os neo-hegelianos, ou
por Proudhon e por fim, pelos economistas burgueses18.
A inexistncia de um tratado metodolgico a priori, no corresponde, com a
ausncia de um mtodo, mas, significa que o mtodo apenas existe em imanncia ao
objeto, nesse sentido O Capital a prpria aplicabilidade do mtodo dialtico, em seu
caroo racional, como meio para desvendar a lgica interna do capital. Assim, nossa
formulao corrobora a indicao ofertada por Lnin19 ao afirmar que Marx no nos
deixou uma lgica com L, mas a lgica do capital, ou seja, o meio de anlise do sistema
capital. A apropriao do caroo racional da dialtica hegeliana fruto parcial da crtica
operada ainda em sua juventude implica que a dialtica seja virada ao avesso20,
desvencilhando-se de sua dimenso especulativa. A necessidade de apropriao do
caroo racional da dialtica hegeliana no interior de seu invlucro mstico21 indicada
por Marx no prefcio a segunda edio de O Capital, nesse mesmo texto o autor nos
oferece uma sinttica, mas importante, indicao quanto ao mtodo de anlise em sua
obra, ao citar a distino entre mtodo de investigao e mtodo de exposio.
18 Encontramos em Chagas (O Mtodo Dialtico de Marx: Investigao e Exposio Crtica do
Objeto. Revista Sntese de Filosofia: v. 38, n. 120, 2011) uma anlise que perpassa essas diversas
incurses de Marx em torno do mtodo. 19 LENIN, Vladimir Ilitch. Cadernos Sobre a Dialtica de Hegel. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011. 20 Optamos pelo termo virada ao avesso ao invs de inverso em acordo com os argumentos de Mller (Exposio e Mtodo Dialtico em O Capital. Artigo extrado do Boletim Seaf, n 2, Belo Horizonte, 1982, p. 26-53) e Grespan (A Dialtica do Avesso. In: Crtica Marxista. n 14. So Paulo:
Boitempo, 2002, p. 26-47) quando da simplificao associada a apropriao da dialtica por Marx. 21 MARX, Karl. O Capital: Crtica a Economia Poltica. Livro I, So Paulo: Boitempo, 2013, p. 90.
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Marx indica que a investigao condiz apropriao da matria em seus
detalhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu nexo
interno, trata-se do momento de pesquisar o objeto, apropriar-se cientificamente do
objeto. Para somente depois de consumado tal trabalho que se pode expor
adequadamente o movimento real22. Essa dupla dimenso do mtodo dialtico
corresponde ao meio pelo qual se opera a virada da dialtica hegeliana em Marx23, e
corresponde a afirmao do autor de que seu mtodo no apenas diferente do mtodo
hegeliano, mas exatamente seu oposto24, oposto no sentido de que o objeto exposto no
corresponde a uma exposio a priori, ou mesmo uma exposio que
simultaneamente o processo de sua autodeterminao e de sua autorrealizao, at ele
emergir como sujeito ltimo e atividade pura (ideia) como destaca Mller25 referindo-
se Cincia da Lgica de Hegel.
A exposio em Marx corresponde apresentao dos resultados do contedo
apropriado previamente atravs da anlise do objeto, isso porque a reflexo a respeito
das formas de vida humana, e, assim, tambm sua anlise cientifica, percorre um
caminho contrrio ao desenvolvimento real. Ela comea post festum [...] e, por
conseguinte, com os resultados prontos do processo de desenvolvimento26, uma
exposio aps a realizao do fenmeno o nico meio de proceder da anlise
cientfica. J que a anlise do objeto no criada no pensamento como esfera de sua
realizao e manifestao, mas sua realizao e manifestao so apreendidas,
submetidas crticas, para ento, serem expostos conceitualmente como um
procedimento de reconstruo categorial, ou seja, expor a sua lgica interna de
acordo com os nexos que a anlise apreendeu entre suas determinaes27.
Por sua vez, o entendimento de suas determinaes passa pela apropriao do
conhecimento cientfico em torno do objeto analisado, para tanto Marx se debruou
sobre o estudo das formulaes econmicas, histricas, dados empricos de sua poca,
como meios capazes de oferecer uma apreenso conceitual da sociedade do capital.
22 MARX, Karl. MARX, Karl. O Capital. Op. cit, p. 90. 23 Mller (Exposio e Mtodo Dialtico em O Capital. Op. cit. p. 17) aponta a relao do mtodo de investigao com a virada dialtica operada por Marx quando indica que a investigao prvia e crtica
assegure a penetrao racional do objeto em suas determinaes essenciais. preciso, assim, que o mtodo de pesquisa assuma o nus idealista da lgica especulativa apropriando-se analtica e criticamente do contedo. 24
MARX, Karl. O Capital I. Op. cit., p. 90. 25 MLLER, Marcos Lutz. Exposio e Mtodo Dialtico em O Capital. Op. cit., p. 31. 26 MARX, Karl. O Capital I. Op. cit., p. 150. 27 Ibidem, p. 41.
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Como, no entanto, assinala Kosik28 O Capital de Marx no uma teoria: uma crtica
terica ou uma teoria crtica do capital. O complemento necessrio a assertiva de
Kosik, est em reconhecer que sua dimenso crtica compreende como finalidade a
superao radical da sociedade capital. Essa premissa, demarca o contedo
revolucionrio que define a ltima obra de Marx, conduzindo a interpretao de que O
Capital no apenas um momento para compreenso da totalidade, o capitalismo como
um todo, tambm um momento na luta revolucionria dos trabalhadores para ir para
alm do capital29.
A nfase ofertada ao momento da investigao do objeto no autoriza uma
interpretao em que apreenso crtica da coisa em si, possa ser realizada somente
mediante a contemplao ou a mera reflexo30, a exemplo da filosofia idealista. A
teoria marxiana no fruto de uma geniosa capacidade criativa na qual o autor partindo
da pura leitura imanente das formulaes burguesas foi capaz de deduzir uma crtica
radical de suas inconsistncias tericas. O contedo de sua crtica radical ao capital
emerge da crtica prtica operada pela classe trabalhadora em luta contra o capital, por
sua vez, sua apreenso terica, por Marx, est condicionada a sua insero e
participao na esfera desse conflito coletivo como dirigente poltico, o que autoriza a
apreenso da dimenso da prxis das contradies das sociedades burguesas. Nesse
sentido, o envolvimento ativo de Marx no plano real da luta de classes corrobora na
elaborao de uma crtica prtica que emerge da luta econmica transpassando a luta
poltica, desdobrando-se na pretenso irrevogvel de eliminao do capital. Portanto, a
insero militante de Marx no plano da luta de classes parte ineliminvel do mtodo
de investigao da realidade.
Assim, em acordo com o mtodo de investigao marxiano, para que o mundo
possa ser explicado criticamente, cumpre que a explicao mesma se coloque no
terreno da prxis revolucionria31, dessa premissa se desdobra a apreenso de que a
teoria revolucionria somente pode emergir como produto da luta histrica da classe
proletria contra o capital. Portanto, O capital, em certo sentido, teria sido escrito pela
28 KOSIK, Karel. Dialtica do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011, p. 185. 29 LEBOWITZ , Michael. Beyond Capital. Op. cit., p. 177. 30 KOSIK, Karel. Dialtica do Concreto. Op. cit., p. 28. 31 Ibidem, p. 22.
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prpria classe trabalhadora e enquanto tal inseparvel da crtica revolucionria desta
classe ao modo de produo capitalista32.
Essa interpretao no faz de Marx uma espcie de narrador da luta de classes.
Justamente o contrrio, o tomamos como Mehring33 como um terico revolucionrio
que expressou conceitualmente a crtica travada praticamente no campo da luta de
classes pelo proletariado, porque este tambm se colocou como seu autor ao estar
inserido no centro da luta de classes como militante revolucionrio. Desde a adeso
poltica de Marx ao campo da classe trabalhadora, estipulando como ponto de inflexo
sua experincia jornalstica na Gazeta Renana, em especial quando do estudo da
situao dos camponeses tendo como centro a crtica ao impedimento dos camponeses
de exercerem seu direito consuetudinrio de recolherem lenha nas florestas alems.
Evento que lhe permitiu ampliar seus questionamentos a respeito da propriedade
privada burguesa. A luta de classes, por sua vez, passa a adquirir mais nfase em sua
investigao quando da revolta dos teceles da Silsia. O seu envolvimento prtico e
organizativo com as organizaes de classes se agudiza e adquirindo uma dimenso
mais sistemtica quando da sua adeso a Liga dos Comunistas. Nesse plano, sua
insero prtica no movimento revolucionrio, cumprindo a funo de terico
revolucionrio combinada com o papel de dirigente poltico, lhe permitiu reavaliar o
papel poltico do proletariado ante o abandono por parte da burguesia de seu programa
revolucionrio. A combinao das atribuies de terico da classe trabalhadora e
dirigente revolucionrio, estiveram presente em toda sua vida e marcaram sua obra, em
especial quando da organizao da I Internacional realizada em concomitncia
redao final de O Capital por meio da qual acompanha e intervm nos eventos da
Comuna de Paris, na qual encontramos o auge da crtica revolucionria em seu tempo.
Crtica a qual convertida em uma dimenso terico-conceitual nas edies seguintes
de O Capital.
Desse modo, o estgio da investigao deve ser entendido como uma atividade
prxis, no sentido de que a apreenso cientfica do objeto deve ser combinada com sua
crtica radical, produto da prtica coletiva de questionamento das premissas
econmicas, polticas e tericas exercidas pela classe proletria em sua prxis
revolucionria. Portanto, isso indica que Marx no investiga somente as configuraes
32 BENOIT, Hector. Sobre a Crtica (dialtica) de O Capital. In: Crtica Marxista, Vol. 1, n 3, 1996, p.
43.
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objetivas do movimento social do capital, mas, tambm a gnese e a configurao dos
sujeitos sociais neles inseridos, e sua prtica-histrica concreta prtica
revolucionria34.
Nesse sentido, quando O Capital emana seu contedo crtico da prpria
experincia prtico-poltica da luta da classe trabalhadora, seu contedo exposto
justamente o de oposio economia poltica burguesa, representando uma crtica
economia poltica conduzida sob o ponto de vista da classe trabalhadora. Portanto,
como expresso terica da oposio posta prtica e historicamente pelo proletariado, a
teoria marxiana contm uma clara posio de classe35.
Concretizada a investigao, como momento no qual o objeto
concomitante[mente] delineado, determinado e compreendido36, passa-se a expor as
articulaes sistemticas de todas as relaes econmicas que se implicam
reciprocamente numa sociedade submetida dominao do capital37. No mesmo
sentido em que a luta de classes surge como elemento componente do processo de
investigao crtica do objeto38, a sua exposio em sentido crtico revolucionrio
compreende no somente a apresentao do movimento de maturao e
desenvolvimento da prpria lgica do capital, mas, em concomitncia exposta a
gnese e maturao do desenvolvimento da sua negao, ou seja, a exposio
compreende o desenvolvimento da classe trabalhadora e da prpria luta de classes.
Esse carter da exposio na qual capital, classes e luta de classes so
apresentados como indissociveis no representa um recurso didtico para oferecer
exposio uma dimenso revolucionria, mas, ao contrrio, representa o contedo real e
33 MEHRING, Franz. Karl Marx: A Histria de sua Vida. So Paulo: Jos Luiz e Rosa Sundermann,
2013. 34 KOSIK, Karel. Dialtica do Concreto. Op. cit., p. 184-185. 35 Marx entende toda formulao terica como uma posio de classe, nesse modo de proceder Marx
herdeiro da economia clssica, uma vez que na poca em que a burguesia ainda cumpria um papel
progressivo e revolucionrio, e suas anlises eram guiadas pelo interesse de apreender a realidade de
forma imparcial, essa apresenta de maneira explicita o contedo da luta de classes. Ricardo o ltimo representante burgus dessa tradio, converte [...] conscientemente, a anttese entre os interesses de classe, [...] em ponto de partida de suas investigaes, concebendo essa anttese, ingenuamente, como
uma lei natural da sociedade(MARX, Karl. O Capital I. Op. cit., p. 85). Marx, evidentemente rompe radicalmente com as pretenses de naturalizao da luta de classes. 36 KOSIK, Karel. Dialtica do Concreto. Op. cit., p. 37. 37 MULLER, Marcos Lutz. Exposio e Mtodo Dialtico em O Capital. Op. cit., p. 32. 38 Da mesma forma que a luta de classes apresenta-se como contedo da economia poltica clssica, seu
desenvolvimento no qual assume terica e praticamente, formas cada vez mais acentuadas e ameaadoras impe sua retirada das teorias burguesas. Assim, para que economia poltica pudesse continuar a ser uma cincia enquanto a luta de classes permanecesse latente ou manifestar-se apenas isoladamente, tal posio fez soar o dobre de finados pela econmica poltica burguesa, impondo a substituio da investigao cientfica imparcial pelas intenes apologticas dos espadachins da econmica vulgar. (MARX, Karl. O Capital I. Op. cit., p. 85 - 86).
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particular da sociedade capitalista, no qual a realidade aparece como um todo
contraditrio, na medida em que o capital ao engendrar a si mesmo, gesta em seu
interior os meios para sua prpria negao.
Em acordo com Mller, Grespan e Benoit advm desse carter contraditrio do
capital a necessidade do mtodo dialtico como ponto de partida para sua anlise.
Quando a articulao entre mtodo de investigao e exposio o mtodo dialtico
contm os meios para reconstituio terica do capital em suas contradies internas.
Assim, o mtodo dialtico compreende o momento da exposio coerente do objeto,
reconstituindo as contradies do capital, representando os fenmenos do capital como
uma identidade do no-idntico, unidade entre o ser e o no-ser, como mecanismo
necessrio para representar a forma pela qual o capital gesta-se. Enquanto movimento
pelo qual no interior de sua forma madura desenvolve-se o contedo de sua prpria
negao, ou seja, a dialtica permite reproduzir a lgica pela qual o capital estabelece
um conjunto de exigncias contraditrias, em que a realizao de uma das condies
est diretamente ligada realizao do seu contrrio39.
Por sua vez, a dialtica tambm permite pensar a transposio das formas da
posio do capital, na qual tambm existe o seu no-ser, o qual enquanto categoria posta
surge como meio de sua negao no somente na justaposio meramente analtica
das formas lgicas, mas o transpassamento sinttico entre elas40. Esse transpassamento
em certo sentido mediado por uma unidade de ordem lgica e histrica, na qual as
formas lgicas expressam as contradies histricas, o movimento dessas formas
contraditrias o meio pelo qual o desenvolvimento histrico das formas do capital
exposto. Assim, a unidade entre lgico e histrico, d-se em uma constante passagem
gradual da exposio das formas puramente lgicas para um desdobramento gradual
para as formas histricas do capital41.
Esse movimento de transpassamento sinttico pelo qual perpassa a unidade entre
forma lgica e contedo histrico descreve o modo de exposio em O Capital, o qual
apresentado por Marx ao tratar do mtodo em texto elaborado para a Introduo dos
39 MARX, Karl. Contribuio Crtica da Economia Poltica. 4 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2011,
p. 32. 40 BENOIT, Hector. Da lgica com um grande L lgica de O Capital. Disponvel em: . Acesso em: 12 de fevereiro de 2014, p. 9. 41
Mandel (El Capital: Cien Anos de Controvrsias em Torno da Obra de Karl Marx. Siglo vintiuno:
Espana, 1985, p. 19-20) referindo-se a relao entre o lgico e histrico como meio de exposio, afirma
que a exposio em O Capital e no lgica, lgica quando Marx apresenta de forma dominante da
lei do valor impondo-se como determinando as relaes de produo e consumo, mas histrico pois a clula histrica do capital ao mesmo tempo a chave das anlises lgicas do capital.
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Grundrisse42. Nessa formulao Marx indica o seu percurso metodolgico, como o
movimento de passagem das determinaes abstratas para as determinaes concretas.
A forma abstrata a representao catica do real, mas, apesar de abstrata corresponde
ao uma representao do real, afinal esse sempre tomado como ponto de partida,
contudo, abstrata por tratar-se de uma reconstituio da apreenso inicial do objeto,
portanto, catica. A superao desse concreto (abstrato) como um todo catico perpassa
o desvelamento de sua lgica interna no campo da investigao, suprassumindo a
abstrao catica do objeto, quando da anexao das diversas qualidades que compem
a coisa em si como uma totalidade.
Essas qualidades internas das coisas so suas determinaes reais, existem como
momento constitutivo da coisa, momentos da sua existncia, formas do ser da
prpria sociedade. Enquanto abstratas, so j fruto de um ato analtico de separao
metodolgica, momento abstrado43, no qual as qualidades so separadas
analiticamente da coisa. Assim, na exposio em O Capital, o mtodo de ascender do
abstrato ao concreto, corresponde ao movimento pelo qual essas diversas
determinaes momentos abstrados como ato analtico so incorporadas ao
concreto representado como determinaes. Na qual se inicia a exposio gradual das
diversas determinaes reveladas na investigao, reconstituindo o objeto em sua
concreticidade, perfazendo anexaes das determinaes, gestam uma representao do
ser como concreto real, ou como sntese de mltiplas determinaes, portanto, unidade
na diversidade44.
No interior do mtodo dialtico a afirmao do plano abstrato surge como
negao da imediatidade, da evidncia e da concreticidade sensvel, e afirmao da
necessidade irrevogvel da cincia para desmistificar o real. Nesse sentido, o abstrato
a primeira aproximao do objeto, se apresenta no incio do percurso de superao da
apreenso imediata, representando, a ascenso do abstrato ao concreto como um
movimento para o qual todo o incio abstrato e cuja dialtica consiste na superao
desta abstratividade45.
42 Temos acordo com Dussel (A Produo Terica em Marx: Um Comentrio aos Grundrisse. So
Paulo: Expresso Popular, 2012, p. 55) quando afirma que essas reflexes sobre o mtodo [...] no so um tratado de metodologia so, antes, reflexes ao correr da pena. H muitos subentendidos, demasiados aspectos no explicados. Mas, buscar em Marx um tratado do mtodo independente do objeto seria uma incoerncia. Mas, apesar de no existir um tratado, h o mtodo aplicado ao objeto em O
Capital. 43 DUSSEL, Enrique. A Produo Terica em Marx. Op. cit., p. 52 - 57. 44 MARX, Karl. Grundrisse. Op. cit., p. 54-55. 45 KOSIK, Karel. Dialtica do Concreto. Op. cit., p. 36.
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Mas essa sntese de mltiplas determinaes como reconstruo ideal da coisa
compreende um movimento progressivo pelo qual as diversas determinaes histricas
gradativamente so incorporadas ao objeto conduzindo ao processo pelo qual as
categorias meramente lgicas vo-se transformando e sendo negadas como forma
exclusivamente lgica medida que as categorias vo ganhando cada vez mais
historicidade46.
Esse processo em que as categorias lgicas so progressivamente enriquecidas
com a incorporao das determinaes histricas comporta a exposio da atividade da
coisa, mas tambm sua gnese, a descrio de seu desenvolvimento, suas fontes internas
so momentos que compem a exposio da coisa, e, como indica Kosik47, pertencem
prpria determinao da totalidade. O espelhamento da totalidade comporta a anlise
histrica, com a reconstruo ideal da gnese da coisa, em sua atividade e maturao,
em seus diversos momentos expressos em categorias lgicas que reproduzem e
explicam s relaes sociais definidoras do capital. Assim, o todo reconstrudo como
uma sntese entre o lgico e o histrico como meio de reproduo do real, como uma
totalidade concreta.
Nesse sentido, a exposio se articula por todo o livro em diferentes nveis de
abstrao, j que sua apresentao se d em um carter de complexidades crescente48,
alcanando diferentes graus de concreticidade, a qual est associado ao grau de
efetividade histrica das determinaes anexadas durante a exposio do mesmo ou
relacionada ao movimento do prprio capital49. O movimento do capital indicado pela
sua atividade de valorizao, como parte imanente de sua determinao, de sua
reconstruo como sntese de mltiplas determinaes, e definidor do grau de
complexidade associado a um momento particular da exposio. Assim, a ideia de
46 BENOIT, Hector. Da lgica com um grande L lgica de O Capital. Op. cit., p. 12. 47 KOSIK, Karel. Dialtica do Concreto. Op. cit., p. 59 e 28. 48 Rubin (A teoria Marxista do Valor. So Paulo: Brasiliense, 1980, p. 45) nos oferece uma importante
indicao quanto da ordem expositiva das categorias marxianas, ao afirmar que a sequncia lgica das categorias econmicas segue-se do carter das relaes de produo expressas pelas categorias. O sistema
econmico de Marx analisa uma srie de tipos de relaes de produo de complexidade crescente. 49 Assim, o modo de exposio em O Capital corresponde passagem da totalidade concreta, em
concreto pensado, como o meio de apropriao do concreto real. Uma vez que esse movimento pressupe
a anlise da histria, que tanto produz as relaes a explicar como os conceitos que as explicam. Somente a reproduo pela descrio e pela anlise, pela articulao e pela determinao das categorias concretas, que se reproduz o movimento do real como um concreto pensado. Para tanto, para anlise de um objeto particular no interior do sistema, necessrio percorrer de novo todo o caminho percorrido, mostrando como os diversos complexos se articulam, anexando-se ao objeto e o constituindo como parte
de um processo histrico, mas, em um movimento gestado pela lgica interna do sistema do capital
(CARDOZO, Fernando Henrique. Althusserismo ou Marxismo? A proposito do conceito de classes em
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momento perfaz toda a exposio como indicativo de etapas de determinao do capital,
ou seja, trata-se de um grau de concreticidade coerente com o nvel de exposio, e/ou
associado s diversas metamorfoses do produto, como correspondente a momentos
diversos de seu processo de valorizao. Assim,
Tudo o que tem forma fixa, como produto etc., aparece somente como momento, momento evanescente nesse movimento. O prprio processo de produo imediato aparece a apenas como momento. As prprias condies e objetivaes do processo so igualmente momentos dele50.
O Capital em seus trs livros a reconstruo ideal desses diversos momentos
pela qual os diversos elementos da sociedade capitalista articulam-se de forma
subordinada ao capital, constituindo-se em simples momentos do movimento autnomo
de sua formao. Por sua vez, o prprio decifrar do movimento e contedo interno
desses diversos momentos, desvendando sua relao com o processo de valorizao do
capital que ao mesmo tempo sua autoconstituio decifra do contedo histrico do
desenvolvimento do capital, expondo a condio em que cada relao econmica
pressupe a outra sob a forma econmico-burguesa e, desse modo, cada elemento posto
ao mesmo tempo pressuposto, o mesmo sucede em todo sistema orgnico. Assim, na
exposio apresentado o meio pelo qual o sistema constitui-se como totalidade,
decifrada a relao em que
seu desenvolvimento na totalidade consiste precisamente em subordinar a si todos os elementos da sociedade, ou em extrair dela os rgos que ainda lhe faltam. assim que devm a totalidade historicamente. O vir a ser tal totalidade constitui um momento do seu processo, de seu desenvolvimento51.
Nesse sentido, exposio desses momentos do vir a ser da totalidade do capital
contm o meio pelo qual as categorias lgicas assumem determinaes histricas, sendo
superadas como simples expresses lgicas da coisa.
Por sua vez, esse movimento de determinao histrica indica que a exposio
da coisa em si, em seus diversos espelhamentos sempre aproximada, em um grau
determinado pelo nvel de amadurecimento das dimenses lgicas do movimento do
capital, encontrando-se em imanncia a um determinado estdio do desenvolvimento
histrico do capital. Esse movimento de aproximaes sucessivas pelo qual o contedo
da coisa em si vai sendo gradativamente exposto como um permanente pr de
determinaes histricas em acordo com o desenvolvimento do capital , despojando
Poulantzas. In: POULANTZAS, Nicos. Teoria das Classes Sociais. Publicaes escorpio: Porto-PO,
1997, p. 65). 50 MARX, Karl. Grundrisse. Op. cit., p. 594. 51 MARX, Karl. Grundrisse. Op. cit., p. 217
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gradativamente as categorias de uma dimenso puramente lgica, elucidado por Marx
ao afirmar que na na teoria, ou seja, nas abstraes lgicas,
se pressupe que as leis do modo de produo capitalista atuam em sua forma pura. Na realidade, h sempre aproximao; mas essa aproximao tanto maior quanto mais o modo de produo capitalista estiver desenvolvido e quanto mais sua adulterao e seu entrelaamento com restos de condies econmicas anteriores forem eliminados52.
Portanto, a unidade entre lgico e histrico nos permite entender que o carter
progressivo da exposio tambm est associado maturao do capital, e que para
alm das determinaes abstratas e concretas, as categorias no decorrer da exposio
podem ser expostas em nveis variados de determinaes, tambm em associao ao
grau de maturidade do capital posto no momento da exposio.
Isso resulta nas distintas posies que as categorias ocupam nos diversos
estgios da sociedade53 e significa que as categorias podem ressurgir em diferentes
graus de complexidade em acordo com o desenvolvimento do capital, ou, como
descreve Dussel54, as categorias mais simples (determinaes abstratas ou conceitos
construdos) podem, por sua parte, constituir categorias mais complexas. Isso se
efetiva quando no decurso da exposio do contedo histrico do capital, as formas
mais complexas e ricas do sistema vo sendo postas, ento, as categorias expostas
anteriormente em suas determinaes simples reaparecem em uma forma concreta mais
desenvolvida, mas que conserva essa mesma categoria como uma relao
subordinada55. Assim, a mesma categoria simples ressurge em um diferente nvel de
abstrao, ressurge mais rica e complexa como parte da totalidade do capital, desse
modo, o contedo da coisa determinado pela relao com o todo.
A arquitetura terica desenvolvida por Marx a partir do mtodo dialtico de
exposio conduz a uma anlise do sistema do capital na qual est desautorizada a
apreenso de conceitos fixos ou mesmo de um sistema absoluto ou fechado. Tal
dimenso metodolgica sustenta-se quando entendemos que a dialtica
no pode conceber o mundo como um conjunto de coisas acabadas, mas como um conjunto de processos, em que as coisas que parecem instveis, da mesma forma que seus reflexos no crebro do homem, isto , os conceitos, passam por uma srie ininterrupta de transformaes, por um processo de surgimento e caducidade, nas quais em sua ltima instncia se impe sempre
52 MARX, Karl. O Capital III/I. Op. cit., p. 136-7. 53 MARX, Karl. Grundrisse. Op. cit., p. 61. 54
DUSSEL, Enrique. A Produo Terica em Marx. Op. cit., p. 59. 55 MARX, Karl. Grundrisse. Op. cit., p 56.
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uma trajetria progressiva, apesar de todo o seu carter fortuito e aparente e de todos os recuos momentneos.56
Assim, a anlise dialtica do capital contm as bases para constituio de um
sistema aberto em coerncia ao prprio contedo interno do capital contemplando a
alternativa de incorporao analtica de suas ininterruptas transformaes histricas.
Portanto, Marx nos oferece os fundamentos metodolgicos para a contnua investigao
e exposio dialtica do capital.
Por sua vez, a passagem de Engels acima tambm demarca que o mtodo de
exposio em O Capital deve ser entendido como um constante historicizar das suas
categorias puramente lgicas, tal proposio impede aos leitores de O Capital tomar
definies em determinadas passagens como fixas e acabadas, dissociadas do contedo
imanente ao estgio da exposio. A definio do conceito s existe quando associado
ao todo lgico e histrico do sistema orgnico do capital, portanto, a definio est em
todo o livro. Engels destaca que os riscos de uma leitura no-dialtica de O Capital
poderiam deduzir definies equivocadas, e para tanto, afirmava que no mtodo de
exposio
as coisas e suas imagens mentais, os conceitos, esto igualmente submetidos a modificao e suas relaes mtuas no so concebidas como fixas, mas como mutveis, tambm suas imagens mentais, os conceitos, esto igualmente submetidos modificao e transformao; que elas no so encapsuladas em definies rgidas, mas desenvolvidas em seu processo de formao histrico, respectivamente lgico.57
Portanto, uma posio anti-dialtica est na busca da verdade conceitual do
autor em snteses momentneas dissociadas da arquitetura expositiva pela qual o
desenvolvimento histrico do capital adquire formas lgicas. Desvinculada de seu
contedo real, compreensvel apenas quando incorporado no sentido de totalidade
expresso no texto, uma determinada categoria perde sua vitalidade dialtica, e, com
isso, sua potncia elucidativa do real.
Ademais, uma leitura desvinculada do seu contedo dialtico incapaz de
compreender o modo pelo qual as contradies internas do capital so reconstrudas no
interior da exposio, desvendando a contradio do objeto como matria viva,
passando a entender a contradio como equvoco terico.
Na dimenso que encontramos a contradio como fator imanente do sistema do
capital o prprio carter da exposio como um constante pr das determinaes
56 ENGELS, Friedrich. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clssica Alem. In: Karl Marx e
Friedrich Engels. Obras Escolhidas. So Paulo, Alfa-mega, vol. 3, 1980, p. 195.
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histricas do capital, ao mesmo tempo o pr das determinaes contraditrias do
prprio capital. Assim, como indica Mller, O mtodo d'O Capital se caracterizaria por
ser uma exposio crtica, progressivo-regressiva das contradies do capital a partir de
sua contradio fundamental58, a contradio entre capital e trabalho, da qual se
desenvolve o processo de valorizao. Sendo a prpria exposio desse processo de
valorizao o meio pelo qual so reveladas as contradies lgicas e histricas do
modo de produo capitalista59, com as contradies assumindo uma dimenso
progressiva em concomitncia ao desenvolvimento do capital, alcanando a dimenso
de um antagonismo incontornvel entre capital e trabalho presente em toda a exposio
de O Capital.
Esse antagonismo gradativamente adquire a forma histrica de luta de classe, no
entanto, mesmo que de forma implcita o contedo histrico do capital e da lua de
classes, encontra-se presente desde o incio da exposio marxiana, contida de forma
pressuposta as categorias lgicas. Assim, na exposio de O Capital as categorias
simples so expresses de relaes nas quais o concreto ainda no desenvolvido pode
ter se realizado sem ainda ter posto a conexo mais multilateral que mentalmente
expressa nas categorias mais concretas60. Ou seja, na exposio marxiana a forma
histrica mais desenvolvida j est posta na realidade, j existe na forma madura do
capital, e medida que foi previamente analisada antes da exposio, esse contedo
histrico est contido nas categorias simples como pressuposto, o que significa que
a categoria mais simples pode expressar relaes dominantes de um todo ainda no desenvolvido, ou relaes subordinadas de um todo desenvolvido que j tinham existncia histrica antes que o todo se desenvolvesse no sentido que expresso em uma categoria mais concreta.61
Nesse sentido, o seu movimento progressivo o meio pelo qual os pressupostos
histricos presentes antecipadamente no interior das categorias lgicas so
gradativamente postas. Inserido na trajetria progressiva do movimento de exposio
uma dimenso regressiva perfaz o mtodo como progressivo-regressivo62 visto que
o contedo histrico j est pressuposto no incio, assim, contraditoriamente o fim do
livro na verdade o princpio, princpio pressuposto no modo de exposio desde o
57 ENGELS, Friedrich. Prefcio. In: O Capital III/I. Op. cit., p. 13. 58 MULLER, Marcos Lutz. Exposio e Mtodo Dialtico em O Capital. Op. cit., p. 29. 59 BENOIT, Hector. Sobre a Crtica (dialtica) de O Capital. Op. cit. p. 36. 60 MARX, Karl. Grundrisse. Op. cit., p. 56. 61 Ibidem, p. 56. 62 Grespan (A dialtica do Avesso. Op. cit., p. 44) define o mtodo dialtica como em sua dimenso
progressivo-regressiva como uma exposio na qual o que vem depois sendo pressuposto do vem antes.
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comeo63, o progresso expositivo ao fim do livro , dialeticamente, ao mesmo tempo
regresso ao seu incio.
O contedo histrico que est no princpio e que est no fim, tanto o fim como
princpio do capital a luta de classes, nesse sentido, o livro terminaria com o captulo
LII a respeito das classes, no qual, segundo Engels, deveria ser apresentada uma sntese
das classes e da luta de classes em uma posio revolucionria. Em carta a Engels, Marx
afirma no ltimo captulo o movimento se dissolve e a dissoluo da merda toda, ou
seja, a dissoluo do capital64. Esse o fundamento para o desenvolvimento crtico-
dialtico da investigao, pressuposto das posies apresentadas na exposio, na
medida em que entendemos O Capital como a sistematizao terica da conscincia de
classe da classe proletria, ou seja, da conscincia desenvolvida pela e na prpria luta de
classes65.
J que, a luta de classes, aparece tanto como fundamento pressuposto ao
desenvolvimento lgico e histrico do capital, na medida em que sua contradio
fundamental capital e trabalho em todas as suas formas de manifestao que so
formas de posio da luta de classes, encerra o impulso ao desenvolvimento das formas
do capital e suas categorias, quanto o fundamento que permite a formulao da crtica
terica ao capital. Assim, a luta de classes concorre para o desenvolvimento lgico do
capital e seu progressivo pr histrico, mas, ao mesmo tempo conduz as contradies do
capital superfcie, permitindo que essas sejam incorporadas como parte inerente do
objeto. Assim, a dimenso de progressividade presente na exposio marxiana
representa tambm o movimento no qual os antagonismos de classes so sempre
redefinidos, assumindo um nvel mais profundo. Assim, se
o modo de exposio de O Capital uma [...] manifestao do fundamento. Marx mostra que o desdobramento das contradies da forma mercadoria [...], o desdobramento das contradies histricas representadas logicamente, ou seja, as contradies lgicas possuem como seu contedo essencial as contradies histricas e, em ltima instncia, todas as contradies histricas so redutveis conceitualmente s contradies da luta de classes66.
Desse modo, a luta de classes est contida em toda a exposio de O Capital,
inicialmente como dimenso histrica pressuposta as categorias lgicas, em seguida
como fundamento histrico progressivamente posto. Mas, nessa transio entre
pressuposto e condio posta historicamente, a luta de classes compe a exposio
63 BENOIT, Hector. Sobre a Crtica (dialtica) de O Capital. Op. cit., p. 39. 64 Ibidem, p. 40. 65 Ibidem, p. 42 66 BENOIT, Hector. Da lgica com um grande L a Lgica de O Capital. Op. cit., p. 10
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marxiana como uma crtica viva ao sistema do capital, como uma crtica radical que se
agudiza e se intensifica na mesma direo das contradies inerentes do sistema.
No desvendar desse movimento de crtica radical associado ao pr histrico da
luta de classes, est anexo em toda a exposio teoria marxiana das classes sociais,
como uma categoria progressivamente enriquecida em concomitncia com o
desenvolvimento do capital e da luta de classes. A exposio de uma teoria de classes
em O Capital, no entanto, perpassa a reconstruo ideal das diversas determinaes que
gradativamente so anexadas exposio, revelando-a como um fenmeno particular a
existncia do capital. Por sua vez, as propriedades determinantes das classes somente
podem ser reveladas quando reconstrumos o trajeto histrico do vir a ser das classes no
interior do capital, tratando-se, portanto, de reconstituir o movimento pelo qual as
dimenses essencialmente lgicas, que representam as classes sociais no interior de
anlise marxiana tomam forma histrica. O contedo do vir a ser das classes est
contido na exposio marxiana, pois, em acordo com Kosik, O Capital no
apenas uma descrio das configuraes objetivas do movimento social do capital e das correspondentes formas de conscincia, dos agentes do prprio movimento; e unidade indissocivel com a investigao das leis objetivas do funcionamento do sistema [...], ele investiga tambm a gnese e a configurao do sujeito que efetua a destruio revolucionria do sistema.67
Portanto, toda nossa exposio perfaz um constante historizar do conceito de
classe, retratando sua relao de imanncia ao desenvolvimento do capital. Esse recurso
metodolgico, autoriza o desenvolvimento de uma teoria das classes alm das
formulaes marxianas, quando o movimento contnuo do capital repercute em uma
constante redefinio de suas fronteiras, repercutindo na existncia de suas formas
personificadas.
Por outro lado, cumpre parte de nossa reflexo revisitar as categorias marxianas
examinando sua validade como formas de representao do real concreto. Para tanto,
nossa exposio precede o momento da investigao, no qual as categorias marxianas
so revisitadas criticamente, servindo como ponto de partida para reconstituio do vir a
ser da classe proletria.
67 KOSIK, Karel. Dialtica do Concreto. Op. cit., p. 185.
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1.2 A Estrutura de O Capital: Exposio da Unidade entre Produo,
Distribuio, Troca e Consumo
Em outra formulao tambm presente na Introduo dos Grundrisse, Marx nos
oferece uma importante indicao quanto estrutura de exposio da lgica interna do
capital. Assim como, o procedimento de exposio crtica quanto aos conceitos da
economia poltica clssica, tomando as categorias da reproduo social produo,
troca, distribuio e consumo para em seguida neg-las.
O primeiro momento da negao das categorizaes da economia clssica est
associado ao modo de seu tratamento como formas autnomas ou dissociadas de uma
particularidade histrica. Essa abordagem, remetida ao ser social, reflete as
robinsonada, nas qual um suposto ser primeiro, isolado da vida em sociedade em uma
abstrao arbitraria, serve como ponto de partida para a anlise da sociedade. Esse
recurso assemelha-se ao tratamento dado pela economia clssica s categorias
econmicas, seu contedo analisado abstrado das formas sociais.
Marx refuta a validade conceitual das elaboraes da filosofia liberal,
assinalando a existncia humana como essencialmente social, o que serve de premissa
para refutar toda a abordagem metodolgica das categorias econmicas como coisas
desconectadas das relaes sociais, promovidas pela economia clssica. Assim, para
Marx a produo isolada sempre uma produo em sociedade, j que o ser social,
mesmo isolado, sua existncia permanece determinada pelas relaes societrias.
A dimenso universal68 dos fundamentos da reproduo produo, troca,
consumo, e distribuio o ponto de partida para a anlise marxista para refutar as
abstraes arbitraria conduzidas pela econmica clssica. Assim, a anlise de Marx
inicia isolando os elementos permanentes, as caractersticas comuns presentes no
processo de reproduo, o que torna possvel [...] diluir ou suprimir todas as diferenas
histricas para enunciar leis que se apliquem ao homem em geral69. A exposio de sua
lgica, de suas leis, perpassa, a observao da interao entre os seus diversos
fundamentos, a compreenso de como se articulam como um todo inter-relacionado.
68 A categoria de universal em Marx tem um sentido distinto do de conceito ou de pensamento, se refere forma que personifica em si prprio, em sua certeza concreta a riqueza total do particular e do singular, e no somente como uma possibilidade, mas como a necessidade por expanso, isso quer dizer, como a explicao real de uma forma simples em uma realidade diversamente desmembrada (ILLIENKOV, Evald Vasilievich. O Universal. In: Revista Dialetus. Ano 1, N 2, 2013, p. 272). 69 MARX, Karl. Grundrisse. Op. cit., p. 44.
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Assim, se toda ordem social pressupe a existncia da produo, distribuio, troca e
consumo, a forma particular de suas inter-relaes que precisa ser revelada. Esse
exame perpassa a anlise da mtua determinao entre os fatores
A produo cria os objetos que correspondem s necessidades; a distribuio os reparte segundo leis sociais; a troca reparte outra vez o j repartido, segundo a necessidade singular; [...] no consumo, o produto sai desse movimento social, devm diretamente objeto [...], satisfaz pela fruio.70
A relao entre os fatores da reproduo conduz a uma relao entre
determinantes e determinados regida pela formulao de pares dialticos concebidos
entre os fatores do processo de reproduo, qual seja, as unidades estabelecidas entre
produo e consumo, produo e distribuio, produo e troca.
Dessa forma, desenvolve-se o processo de investigao, para apreender as
mltiplas determinaes do fenmeno. A anlise em torno da relao de unidade entre
produo e consumo, se inicia sobre o fundamento mais singular e mais superficial,
travado pela unidade imediata entre produo e consumo apresentado nas formulaes
conceituais da economia clssica: consumo produtivo e produo consumptiva71.
Contudo, trata-se de assumir essa conceituao para em seguida super-la como
unidade superficial. Marx supera as formulaes dos economistas burgueses expondo a
unidade entre produo e consumo no apenas como uma unidade imediata, mas
desvenda a unidade entre produo e consumo como uma relao intermediada,
medida que a produo medeia o consumo, cujo material cria [...]. Mas o consumo
tambm medeia a produo ao criar para os produtos o sujeito para o qual so os
produtos. Somente no consumo o produto recebe seu ltimo acabamento72. A
concluso dialtica que sem produo, no h nenhum consumo; mas, tambm, sem
consumo no h nenhuma produo. Trata-se da relao dialtica em que cada um
deles no apenas imediatamente o outro, nem tampouco apenas o medeia, mas cada
qual cria o outro medida que se realiza73.
Essa relao de mtua determinao distinta, a produo determina
materialmente o consumo. Uma vez que cria um objeto para atender a uma necessidade
especfica. Esse objeto humanizado determina o modo de consumo uma vez que no
um objeto geral, mas um objeto determinado possui um contedo scio-histrico74
70 Ibidem, p. 44. 71
Ibidem, p. 45-46. 72 Ibidem, p. 46. 73 Ibidem, p. 48. 74 LEONTIEV, Alexis. O Desenvolvimento do Psiquismo. So Paulo: Editora Moraes, s/d.
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o qual deve ser consumido de modo determinado, por sua vez mediado pela prpria
produo75. Assim, acaba produzindo o modo de realizao do indivduo, sua fruio76.
Portanto, a produo produz no somente um objeto para o sujeito, mas tambm um
sujeito para o objeto77, a produo cria o consumidor.
Por sua vez, a determinao do consumo sobre a produo no encerra um
carter material, no entanto, a determina ideal, representativa ou tendencialmente78.
J que, o consumo cria a necessidade de nova produo, assim o fundamento ideal
internamente impulsor da produo que seu pressuposto, assim, o consumo pe
idealmente o objeto da produo como imagem interior, como necessidade [...] e como
finalidade79. Como gnese da nova objetivao, o consumo cria a produo, mas, alm
disso assim como, ao produzir a necessidade do produto cria um produtor para o
produto. Portanto, o consumo no apenas um ato conclusivo pelo qual o produto
devm produto, mas tambm o ato mediante o qual o produtor devm produtor.80
Essa relao de mutua determinao entre produo e consumo, tem na
produo o ponto de partida da realizao e, por essa razo, tambm seu momento
predominante, o ato em que todo o processo transcorre novamente. Por sua vez,